Este documento apresenta uma análise da revista Piauí realizada por Jauner Torquato Rodovalho como projeto experimental para o curso de Jornalismo. O resumo apresenta uma breve introdução sobre o contexto atual das transformações sociais e a evolução dos meios de comunicação. Em seguida, descreve a análise da revista Piauí realizada sob quatro dimensões: produto e contexto, cânone jornalístico, jornalismo literário e figuras de linguagem.
O KOSHER FONE-O IMPACTO QUE AS MÍDIAS E ESTRATÉGIAS DE MARKETING GERARAM NAS ...
Análise da revista Piauí e seus reflexos culturais na comunicação contemporânea
1. Faculdade Estácio de Sá de Belo Horizonte
Curso de Jornalismo
REFLEXOS CULTURAIS E IDENTITÁRIOS
DA COMUNICAÇÃO CONTEMPORÂNEA:
uma análise da revista piauí.
JAUNER TORQUATO RODOVALHO
Belo Horizonte, dezembro de 2008
2. JAUNER TORQUATO RODOVALHO
REFLEXOS CULTURAIS E IDENTITÁRIOS
DA COMUNICAÇÃO CONTEMPORÂNEA:
uma análise da revista piauí.
Projeto Experimental apresentado em cumprimento
parcial às exigências do curso de graduação em
Comunicação Social – Jornalismo
da Faculdade Estácio de Sá de Belo Horizonte para
obtenção do grau de bacharel.
Orientadora: Professora Luciana de Oliveira
Belo Horizonte, dezembro de 2008
4. Agradecimentos
Resumir a construção e desconstrução de nossas vidas em meras referencias a todos
aqueles que integraram esse processo talvez seja a tarefa mais difícil desse trabalho. Lembrar
e relembrar de todos sem prescindir o apontamento de nenhum ente querido dessa estrada que
percorro é para mim tão perturbador quanto saber que vários deles podem me deixar sem o
meu consentimento.
Dito isso, começo esse compilado, e pretendo ser breve, não só citando como
homenageando meus grandes, queridos e saudosos avos. São, para tudo que sei, exemplos que
guardo no coração para sempre.
Porém, assim como me vi sem eles, quase que brevemente encontrei com as duas
pedras mais raras da minha vida, Pedro e Davi. Meus filhos que impulsionam e alimentam
esse espírito que até sua chegada vagava sozinho.
À minha mãe atribuo toda força e determinação que correm por essas veias tão
medicadas pelo longo período da minha infância diante do seu olhar sempre atento, cuidadoso
e determinado a superar tudo.
Minha linda irmã e todos os meus tios, tias, primos e primas que compõem essa
imensa e fraterna família que segue o legado de seu Severino, exemplo maior para todos.
Guardo cada um no coração.
Nos capítulos mais recentes da vida, agradeço imensamente às duas famílias que me
incorporei. Dedé, Carlin e Pedro Ivo se encarregaram de parte dessa trilha, junto a Ronaldo e
Telma que souberam me entender nas horas mais improváveis do mundo.
Por fim, minha musa inspiradora dessas linhas desconstrutivas, mais do que querida,
a tenho guardada como mestra e exemplo de dedicação e, principalmente, sinergia com os
meus pensamentos. Lu, obrigado por conduzir esse fluxo de sinapses e se empenhar na
consolidação desse trabalho tão valioso para mim.
Amo todos vocês.
5. Resumo
O presente trabalho se volta para a compreensão das manifestações editoriais no
contexto da pósmodernidade. Para tanto, sua estrutura se divide em três eixos principais: uma
breve descrição das mudanças ocorridas no âmbito social entre a modernidade e a pós
modernidade abordando questões relativas às novas estruturas da vida em sociedade; a
evolução tecnológica dos meios de comunicação e seus reflexos na estruturação das paisagens
culturais que resultam em identidades indissociáveis desse fluxo; por fim, a análise de piauí,
revista que concretiza essas mudanças na esfera das publicações editoriais.
6. Lista de Figuras
Figuras...........................................................................................................................45
Figura 01: Estrutura aleatória das editorias.......................................................45
Figura 2: Fotos com intervenções artísticas......................................................46
Figura 3: Capas das edições selecionadas.........................................................47
Figura 4: Fotojornalismo subjetivamente exposto............................................48
Figura 5: Fotojornalismo subjetivamente exposto............................................49
Figura 6: Única menção da edição de natal à festa tradicional.........................50
Figura 7: Seqüência de quadrinhos distribuídos pelas páginas da revista........51
Figura 8: História em quadrinhos, paródia da
consagrada história de Hamlet..........................................................................52
Figura 9: Simulacro representado por colagem/montagem,
paródia e elementos de pastiche........................................................................53
Figura 9.1: Simulacro representado por colagem/montagem,
paródia e elementos de pastiche........................................................................54
Figura 9.2: Simulacro representado por colagem/montagem,
paródia e elementos de pastiche........................................................................55
Figura 10: Charges da editoria esquina.............................................................56
7. Sumár io
Introdução.................................................................................................................08
Capítulo I – Uma Odisséia Social............................................................................10
Capítulo II Panorama da comunicação contemporânea e suas relações com a cultura
e os indivíduos...............................................................................................................18
Capítulo III – Desconcertante Construção....................................................................30
3.1 Dimensão de análise produto e contexto.............................32
3.2 Dimensão de análise cânone jornalístico – objetividade e
subjetividade.............................................................................35
3.3 Dimensão de análise jornalismo literário.............................39
3.4 Dimensão de análise figuras de linguagem..........................43
3.4.1 Simulacro..............................................................43
Considerações Finais....................................................................................................57
Referências Bibliográficas............................................................................................59
8. 8
Intr odução
Há algo de muito perturbador nesse trabalho. No que concerne aos problemas da
dialética, por maior que seja o número de elementos inseridos no processo de análise algum
aspecto sempre inclinase para tencionar contrariamente ao proposto.
De forma elementar, o que será trazido nessas linhas é um breve retrato ou
representação fragmentada dos processos culturais e sua relação com a sociedade e o
elemento institucional dos meios de comunicação.
O primeiro capítulo traça um breve panorama da transição experimentada entre a
modernidade e a pósmodernidade. Resultante de uma série de alterações na esfera social, a
pósmodernidade está repleta de controvérsias, principalmente quando referenciada em
função do tempo que lhe antecedeu.
No entanto, a trajetória do homem moderno, iniciada a partir da ideologia iluminista,
que proveu o alicerce para o desenvolvimento técnicocientífico, racionalização e
emancipação, se projetou até os dias de hoje resultando em profundas mudanças dos atributos
culturais.
Para arquitetar essa análise, a cultura e os meios de comunicação se apresentam
sempre de forma transversal. Essa relação é concebida a partir da colocação de Castells (1999,
p. 354), ele enuncia que “a comunicação, decididamente, molda a cultura”.
Tendo a apreciação dessa constatação como desafio, a modernidade é trazida a partir
dos seus elementos expostos pelas metanarrativas. Se durante o período de intenso culto à
prosperidade e ufanismo científico reinavam os profundos esforços interpretativos, na pós
modernidade, todo o conjunto de gêneros, fronteiras, linguagem e tipos historicamente
estáveis se misturam. Seus fragmentos deram origem a infinidades de intertextualidade,
hibridismo através de recursos como simulacro, paródia, pastiche, colagem/montagem, entre
outros. Featherstone caracteriza esse fenômeno como “uma superprodução de bens culturais,
difícil de controlar e ordenar, que desestabiliza as hierarquias simbólicas existentes”.
Esses bens culturais estão inseridos tanto no contexto social, pelas vias da mediação,
quanto na esfera econômica, representada pelo capitalismo que se serve, junto às demais
instituições, da possibilidade de atribuição dos valores simbólicos aos seus produtos.
9. 9
A partir desse movimento, novas rupturas sociais são expostas de forma cada vez
mais constante. O tempo assume modelos frenéticos, seja no transporte físico ou virtual, e a
nova relação do homem com o passado traz uma inconstância e por conseqüência o que Hall
(2001, p.8) denomina de fragmentação das “paisagens culturais de classe, gênero,
sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido sólidas
localizações como indivíduos sociais”.
O capítulo 2, por sua vez, expõe um histórico sobre a evolução dos meios de
comunicação e a relação mais direta entre seus desdobramentos na representação do poder
simbólico e a questão da “crise de identidade”. (HALL, 2001)
A discussão sobre identidade e cultura remete ao capítulo 3 responsável pela análise
do objeto proposto, a revista piauí. Com o objetivo de compreendêla tanto perante os
padrões institucionais dos meios de comunicação, quanto ao que concerne às questões
técnicas, foram estipulados quatro eixos: produto e contexto, o cânone jornalístico, jornalismo
literário e figuras de linguagem.
10. 10
Capítulo I
Uma Odisséia Social
Compreender o contexto atual das transformações sociais vigentes parece muito mais
um exercício de experimentar os diferentes fluxos observados na informação, no
deslocamento pelas cidades espalhadas ao redor do globo, diagnosticar nas paisagens urbanas
os fragmentos dos quais fazemos parte do que tentar fixar padrões simbólicos que possam nos
seguir referendando da infância ao fim da vida. O presente capítulo introduz um panorama
sobre a transição dos contextos sociais a partir de uma sociedade representada pela produção
industrial, bens materiais, situada na modernidade, até o seu modelo informacional, cujo papel
é o da abstração virtual, da velocidade instantânea, das representações simbólicas manifestas,
da completa efemeridade e descomprometido estado de ser vivenciados na pósmodernidade.
A reconstrução das paisagens contemporâneas dessa “realidade complexa” tem se
processado de forma tão abissal que não só a estrutura física dos objetos é totalmente mutante
como a referência que temos dele é da mesma forma fluida e instável. (HARVEY, 1989, p.
46)
Os meios de comunicação através do seu domínio das esferas lingüísticas e de
expressão têm relevância fundamental nessas transformações. A contínua evolução que
permitiu a sua presença cada vez mais ubíqua através das “novas mídias” (CASTELLS,
1999), responsáveis pela segmentação no consumo e participação produtiva, resultou em uma
recombinação dos elementos culturais construídos pela sociedade ao longo do tempo.
Conforme analisa Santos (1980, p. 15), “a linguagem dos meios de comunicação dá
forma tanto ao nosso mundo (referente, objeto), quanto ao nosso pensamento (referencia,
sujeito)”. Diante da onipresença desses meios, “para serem alguma coisa, sujeito e objeto
passam ambos pelo signo... palavra, número, imagem” ali representados.
Hall (2001) atribui a esse processo de “desreferencialização” (SANTOS, 1980) a
fragmentação das “paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e
nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos
sociais”. (HALL, 2001, p. 8)
Isso é fruto da sociedade contemporânea denominada a partir de várias terminologias
como: Sociedade da informação, sociedade em rede, sociedade pósindustrial, sociedade pós
moderna, sociedade de consumo ou simplesmente sociedade globalizada.
11. 11
Mas a sociedade industrial e a modernidade que antecederam o contexto pós
moderno e se posicionam como ponto de referência para tal caracterização, ergueram pelas
vias do contrastante e “sentidos conflitantes” permeados pelo ímpeto de mudanças profundas
da tradição, dos meios de produção, entre outros aspectos vigentes. (HARVEY, 1989, p. 21)
A modernidade foi um projeto de ideologia humanista estruturada a partir das
concepções iluministas. “Esse projeto equivalia a um extraordinário esforço intelectual dos
pensadores iluministas ‘para desenvolver a ciência objetiva, a moralidade e a lei universais e a
arte autônoma nos termos da própria lógica interna destas’”. Resultando em um movimento
que proveu o alicerce para o desenvolvimento técnicocientífico, racionalização, emancipação
e, principalmente, da individualização. (HARVEY, 1989, p. 23)
O ideal de liberdade política pautado na racionalidade humana tinha como desafio o
rompimento das estruturas sociais vigentes no antigo regime, os estamentos. A dispersão do
modelo de vida comunitário refletida no plano social paralela à dissociação entre público e
privado, com o surgimento do Estado burocrático, representando um novo ordenamento
político, foram vias para o surgimento da propriedade e por conseqüência de um senso de
empreendedorismo individual.
O trabalho, as “mudanças técnicas, cientificas e políticas” (BAUDRILLARD, 1982
p. 1) instituem um novo paradigma para a delimitação dos objetivos da vida. Perpetuar adota
uma conotação de transitoriedade do vigente, em substituição aos moldes antes consolidados
da tradição, agora tidos com residual.
A dinâmica espaçotemporal moderna também incide profundamente na
compreensão do passado, presente e futuro. Esses elementos da tradição considerados
residuais são incorporados à vida como “um passado (tempo findo)” em oposição a um futuro
constantemente projetado à luz das rupturas que passam a ser cotidianas. (BAUDRILLARD,
1982, p. 3)
Essa dialética conflituosa do tempo, que se configura como ponto de partida da
tradição em uma progressiva linha rumo ao moderno, é acompanhada pelo “aspecto
cronométrico” da produção industrial. A vida antes compreendida pelas estações, celebrações
comunitárias em dias tradicionalmente reconhecidos por datas festivas, e até mesmo pela
paisagem social bem delimitada, que possibilitava o acompanhamento do desenvolvimento
infantil até envelhecimento do adulto, é remontada sob escalas cronométricas. Os critérios do
novo tempo abstrato se apóiam no trabalho, na produtividade e se apoderam também do
“tempo “livre”” e dos “lazeres”. (BAUDRILLARD, 1982, p. 3)
12. 12
Conforme Baudrillard (1982, p. 2) afirma, esse presente próspero atendia a
amplitudes e “simultaneidade mundial”. Berman descreve a total ausência de fronteiras:
Ser moderno é encontrarse num ambiente que promete aventura, poder,
crescimento, transformação de si e do mundo – e, ao mesmo tempo, que ameaça
destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. Os ambientes e
experiências modernos cruzam todas as fronteiras da geografia e da etnicidade, da
classe e da nacionalidade, da religião e da ideologia; nesse sentido, podese dizer
que a modernidade une toda a humanidade. Mas tratase de uma unidade
paradoxal, uma unidade da desunidade; ela nos arroja num redemoinho de
perpétua desintegração e renovação, de luta e contradição, de ambigüidade e
angustia. Ser moderno é ser parte de um universo em que, como disse Marx, “ tudo
que é sólido desmancha no ar. (Berman apud HARVEY, 1992, p. 21)
Mas esse contexto do desenvolvimento dos processos produtivos, oportunidades de
conquista da autonomia pelo trabalho também foi palco para as críticas a essa liberdade e
mesmo às suas impossibilidades já que novos constrangimentos substituem os antigos na
mesma proporção em que produzia riquezas e inaugurava um novo tipo de desigualdade:
(...) nas classes, as molduras que (tão intransigentemente como os estamentos já
dissolvidos) encapsulavam a totalidade das condições e perspectivas de vida e
determinavam o âmbito dos projetos e estratégias realistas de vida. A tarefa dos
indivíduos livres era usar sua nova liberdade para encontrar o nicho apropriado e
ali se acomodar e adaptar: seguindo fielmente as regras e modos de conduta
identificados como corretos e apropriados para aquele lugar. (BAUMAN, 2001,
p.13)
O conflito trazido ao espírito empreendedor do homem também pôs em dúvida os
meios e fins, aprofundando a descrença ainda maior. O legado de críticas às concepções
iluministas em torno dos usos e da aplicabilidade da racionalidade e do desenvolvimento da
ciência é trazido por Max Weber e Nietzsche com tamanha veemência que suas palavras
parecem traduzir “o epitáfio da razão iluminista” (HARVEY, 1992, p. 25).
“ Weber alegava que a esperança e a expectativa dos pensadores iluministas era
uma amarga e irônica ilusão. Eles mantinham um forte vínculo necessário entre o
desenvolvimento da ciência, da racionalidade e da liberdade humana universal.
Mas, quando desmascarado e compreendido, o legado do Iluminismo foi o triunfo
da racionalidade....propositalinstrumental. Essa forma de racionalidade afeta e
infecta todos os planos da vida social e cultural, abrangendo as estruturas
econômicas, o direito, a administração burocrática e até as artes. O
desenvolvimento da [racionalidade propositalinstrumental] não leva à realização
concreta da liberdade universal, mas à criação de uma “ jaula de ferro” da
racionalidade burocrática da qual não há como escapar” (Bernstein apud
HARVEY, 1992, p. 25).
13. 13
A pósmodernidade tem grande fundamentação no ceticismo anunciado por
Nietzsche anos antes da sua manifestação. Surge um tempo onde impera a pluralidade
expressa em sistemas abertos de expressão, interpretação e entendimento. As figuras
representativas que perduraram durante a modernidade (o socialismo, o sujeito cartesiano, o
urbanismo), através de tentativas de unificação por teorias de abrangência universal, as
metanarrativas, manifestaram pela espontânea impossibilidade de abarcar toda humanidade e
circunscrevêla em uma estrutura determinista, que a “gaiola de ferro” da racionalidade
apontada por Weber é incapaz de conter todas as complexas e diversas relações sociais que
permeiam o contexto da vida humana.
A trajetória delimitada pelo indivíduo passou a reconhecer, também, as
particularidades inseridas em todos os contextos. Dessa forma, foi possível perceber que as
várias “realidades existentes podem coexistir, colidir e se interpenetrar”. (HARVEY, 1989, p.
46)
Ao tratar do pósmodernismo, Harvey sugere a documentação de “mudanças desse
tipo em toda uma gama de campos distintos”. Em análise ao “romance pósmoderno” através
da “passagem de um dominante “epistemológico” a um “ontológico” ele retrata o surgimento
de um “tipo de perspectvismo que permitia ao modernista uma melhor apreensão do sentido
de uma realidade complexa”. (HARVEY, 1989, p. 46)
Com a percepção da interseção de realidades e principalmente de um novo
entendimento das instituições que alavancaram a modernidade, o pósmoderno traz à tona
uma série de incertezas por aceitar com certa naturalidade a existência do transitório, fugidio e
contingente, fatores atribuídos à modernidade por Baudelaire, mas conforme conclui Harvey:
“contudo, não implica que o pósmodernismo não passe de uma versão do modernismo;
verdadeiras revoluções da sensibilidade podem ocorrer quando idéias latentes e dominadas de
um período se tornam explicitas e dominantes em outro”. (HARVEY, 1989, p. 49)
O questionamento a essas instituições representadas na economia pelo capitalismo e
na política pelo EstadoNação, trouxe dispersão para o contexto social homogêneo das
metanarrativas totalizantes.
A ênfase à interseção e à flexibilização da rigidez dos discursos modernos resultou
na busca por formas de expressão que pudessem dar conta da pluralidade existente. O
isolacionismo lingüístico que por muito tempo imperou pelo estabelecimento de “fronteiras” e
“gêneros” (Hassan apud HARVEY, 1989, p. 22) foi se descentralizando no discurso pós
moderno “no qual a “anarquia” e o “acaso” podem jogar em situações inteiramente “abertas”.
(HARVEY, 1989, p. 49)
14. 14
Para dar conta de retratar o conjunto de elementos que compõem a realidade, a idéia
do fragmento foi evocada na construção desses discursos. Conforme o entendimento de que a
“significação não poderia ser unívoca e nem estável” (Derrida apud HARVEY, p. 55)
modalidades como colagem/montagem reuniram elementos em combinações que recorrem ao
hibridismo. Se na metanarrativa o texto existia por si e para si, “o impulso desconstrucionista
é procurar dentro de um texto por outro, dissolver um texto em outro ou embutir um texto em
outro”. (HARVEY, 1989, p. 54)
O que Harvey traz como a caracterização da “minimização da autoridade do produtor
cultural” traduz a ascensão da “produção de sentido” nesse jogo aberto. A recusa de
consumidores em aceitar o produto como algo pronto e com um fim em si mesmo, aliada à
despretensão de quem cria em fazêlo, atribui a importância da contemplação “no processo”
na “performance”, no “happening”. (HARVEY, 1989, p. 55)
Essa nova postura do sujeito perante os diversos contextos se origina de mudanças no
surgimento da sociedade pósindustrial. As tecnologias de disseminação trazem “uma
dramática transição social e política nas linguagens e comunicação em sociedades capitalistas
avançadas”. (HARVEY, 1989, p. 53)
Paralelo à ênfase dada à performance, a tecnologia dos meios de comunicação trouxe
o denominado por Santos como “hiperreal”, ou “real intensificado”. Os simulacros cada vez
mais fiéis à realidade aliados a um desenvolvimento econômico pautado no uso dos bens e
serviços resultaram na ascensão de um “moral hedonista” (SANTOS, 1980, p. 10).
Nessa relação econômica e de produção de bens culturais, Featherstone (1996, p.
107) analisa o pósmodernismo como:
uma superprodução de bens culturais, difícil de controlar e ordenar, que
desestabiliza as hierarquias simbólicas existentes. Essa tendência, que Simmel
definiu como um acúmulo exagerado de cultura objetiva, difícil de lidar, não é
apenas um problema intelectual. Com o desenvolvimento da cultura de consumo,
costuma se dizer que aumentou não só a oferta de bens como também a de imagens
e signos. O consumo ficou mais difícil de decodificar porque aumentou o problema
de interpretar um campo mutável de signos.
A evolução tecnológica trouxe, portanto, alterações cada vez mais profundas na
maneira de experimentar situações cotidianas. A dissociação do espaço e do tempo observada
na sociedade industrial com a invenção dos automóveis e posteriormente dos aeroplanos
deslocouse na pósmodernidade para a escala virtual das mensagens eletrônicas.
Bauman (2000) analisa criticamente essa evolução do ordenamento produtivo, que
deslocou, também, a perspectiva da luta de classes com a presença do operariado, agora quase
15. 15
extinto, através de três elementos que dizem respeito aos aparatos disponíveis. A partir do que
ele denomina como “wetware”, as atividades reduzidas às aptidões físicas do homem,
potencializada com a invenção dos “hardwares”, instrumentos responsáveis pela diminuição
do esforço físico, até a chegada do “software”, que reduz o tempo e produção a quase total
instantaneidade, é possível perceber a valorização do ato, “mas também a exaustão e
desaparecimento do interesse” (BAUMAN, 2000, p.134)
Estabelecendo uma relação desses meios trazidos pelo “software” e a valorização do
happening, a análise de Harvey (1989) sobre a esquizofrenia pósmoderna é corroborada.
Harvey propõe para que a reflexão sobre o contexto pósmoderno tenha validade, há
necessidade de identificar o “modo particular de experimentar, interpretar e ser no mundo”.
(HARVEY, 1989, p. 56)
A esquizofrenia é fruto então de “um agregado de significantes distintos e não
relacionas entre si”. Esse problema de “uma série de presentes puros e não relacionados no
tempo” associa essa ênfase à performance como ausência de profundidade. Diante disso, a
ausência de memórias passadas ou projeções futuras aliada à eminência do presente
impossibilita a unificação desses três tempos e como conseqüência da completude do
indivíduo, agora caracterizado pelo modelo esquizóide. (Jameson apud HARVEY, 1989, p.
56)
Segundo sua análise da teoria proposta por Jameson:
Quando essa cadeia se rompe, ‘temos esquizofrenia na forma de um agregado de
significantes distintos e não relacionados entre si’. Se a identidade pessoal é forjada
por meio de ‘certa unificação temporal do passado e do futuro com o presente que
tenho diante de mim’, e se as frases seguem a mesma trajetória, a incapacidade de
unificar passado, presente e futuro na frase assinala uma incapacidade semelhante
de ‘unificar o passado, o presente e futuro na frase da nossa própria experiência
biográfica ou vida psíquica’. Isso de fato se enquadra na preocupação pósmoderna
com o significante, e não com o significado, com a participação... em vez de com um
objeto de arte acabado. (HARVEY, 1989, p.56)
Estabelecendo um paralelo entre o sujeito anteriormente unificado do modernismo e
o novo sujeito fragmentado da pósmodernidade Harvey (1989, p. 57) diz:
O modernismo dedicavase muito à busca de futuros melhores, mesmo que a
frustração perpétua desse alvo levasse à paranóia. Mas o pósmodernismo
tipicamente descarta essa possibilidade ao concentrarse nas circunstâncias
esquizofrênicas induzidas pela fragmentação e por todas as instabilidades (inclusive
lingüísticas) que nos impedem até mesmo de representar coerentemente, para não
falar de conceber estratégias para produzir, algum futuro radicalmente diferente.
16. 16
A conflituosa negação do passado e a ausência de perspectivas na pósmodernidade
ilustram a postura hedonista. A cultura que deve estabelecer uma construção representativa da
sociedade com realces históricos se reduz ao presente. A “lógica cultural do capitalismo
avançado” que muito utiliza da cultura pela “‘experimentação estética’ com intuito de
produzir novas ondas de bens com aparência cada vez mais nova” (Mandel apud HARVEY,
1989, p. 65) constrói essa representação histórica por “simulacros pop dessa história”.
(Hewsison apud HARVEY p. 64)
Há uma relação intrínseca entre o modo peculiar de compreensão dos diferentes
tempos na pósmodernidade e a conseqüente mudança na maneira de caracterizar e
contemplar a experiência em sociedade. A idéia dos “presentes puros e não relacionados no
tempo” induzem ao aumento da intensidade vivida, que resultam em “uma ilusão
estereoscópica”. A presença dessa conjuntura no tecido social dá consistência ao “caráter
imediato dos eventos, o sensacionalismo do espetáculo (político, científico, militar, bem como
de diversão) se tornam a matéria de que a consciência é forjada.” (HARVEY, 1989, p. 57)
Além do simulacro, outros vários códigos de linguagem, às vezes isolados outras em
presença concomitante, são responsáveis pela “dissolução de algumas fronteiras e divisões
fundamentais”. A “sociedade de consumo” fruto da “emergência de um novo tipo de vida
social e de uma nova ordem econômica” põe fim à fronteira entre “cultura erudita e cultura
popular (a dita cultura de massa)”. (JAMESON, 1985, p. 17)
A paródia, segundo analisa Jameson (1985), não só traça um paralelo entre as
diferenças nos modelos de expressão moderna e pósmoderna como reafirma a importância
das figuras de linguagem na construção dos elementos culturais como expressão do contexto
social e também a relação inversa.
Conforme ele propõe, a fragmentação está presente também na modernidade.
Manifestada na individualidade da “norma lingüística” o que caracteriza como “privatização
da literatura moderna – sua explosão em um bando de estilos privados e maneirismos
distintos”. Essa fragmentação autoral das metanarrativas deu origem a um perturbado
isolacionismo lingüístico. (JAMESON, 1985, p. 18)
Ao descrever a impossibilidade da paródia frente a esse movimento, por
incapacidade de inserir qualquer idiossincrasia que pudesse originar a partir da interpretação
das obras, Jameson descreve o pastiche como “paródia lacunar”. Tal lacuna originase da
impossibilidade do parodista em desenvolver qualquer “simpatia tácita pelo original”.
A aversão a esse modelo metanarrativo de linguagem conduz as análises do seu uso
na esfera social pela inserção plural apoiadas pelo que Focault denomina de “poder de
17. 17
discurso”. Conforme aponta em sua análise, o autor descreve uma “íntima relação entre os
sistemas de conhecimento (“discursos”) que codificam técnicas e práticas para o exercício do
controle e do domínio sociais em contextos localizados particulares”. (Focault apud
HARVEY, p. 50)
Sem adentrar ao viés político de Focault, é possível perceber o valor atribuído ao
domínio da codificação como técnica básica da interpretação e por conseqüência do uso da
língua como código universal para o domínio cultural.
Sendo a pósmodernidade palco das manifestações plurais, que tendem à
superficialidade fragmentada culturalmente e descentralizada em seus meios de produção, os
grupos representativos buscam formas de apresentar sua voz como “autêntica e legítima”.
(HARVEY, 1989, p. 52)
Nesse contexto eles estruturam o que consideram conhecimento válido. Como
conseqüência, temos a criação dos:
(...) ‘determinismos locais’... compreendidos... como ‘comunidades interpretativas’,
formadas por produtores e consumidores de tipos particulares de conhecimento, de
textos, com freqüência operando num contexto institucional particular (como a
universidade, o sistema legal, agrupamentos religiosos), em divisões particulares do
trabalho cultural (como a arquitetura, a pintura, o teatro, a dança) ou em lugares
particulares (vizinhanças, nações etc.). (HARVEY, 1989, p.57)
O novo panorama que se desvela para a linguagem é o da fragmentação cultural.
Todas as singularidades concebidas na modernidade são fruto do indivíduo unificado, mas
que na pósmodernidade sofre todo processo de descentralização, conforme será abordado no
próximo capítulo.
Na pósmodernidade, o eu singular se perde em fragmentos das mudanças estruturais
dos modelos de produção, reprodução, relações sociais, consumo, entre outros. Com a
dissolução das fronteiras entre os gêneros, esgotamento das produções individuais, a cultura
passa a se alimentar dos códigos híbridos, do simulacro, do pastiche e da paródia para traduzir
o novo contexto onde as produções editoriais se encontram.
18. 18
Capítulo II
Panor ama da comunicação contempor ânea
e suas r elações com a cultura e os indivíduos
A compreensão do papel e da presença dos meios de comunicação, em suas diversas
formas tecnológicas e processos lingüísticos nas sociedades dos últimos séculos, é fator
determinante para situar no contexto atual a identificação dos aspectos presentes nas
mudanças de expressão, intercâmbio e características culturais que compõem os atributos
identitários.
O olhar que se estende sobre a análise desses meios pode ser delimitado, com intuito
de estabelecer uma lógica didática, em dois aspectos preponderantes: o de cunho técnico e o
de viés social. Inseridos na perspectiva tecnológica, os meios de comunicação atuam na vida
da humanidade tecendo novas formas de lhe dar com o tempo, espaço e por conseqüência de
compreender globalmente contextos diversos, enquanto seus reflexos sociais são atuantes, na
maioria das vezes, sob condições latentes de expressão que passam a se apropriar
dialeticamente dos códigos vigentes em um processo de retroalimentação. À medida que o
meio se abastece desses códigos, os reproduz em novas formas de expressão que também
criam novos códigos, ilustrando um ciclo hermético em sua ação, mas extremamente aberto à
configuração e captação de novos elementos. Essa dinâmica tende a se clarear durante a
análise seguinte.
À medida que sua abrangência, principalmente a partir do século XIX, se expandia,
os meios de comunicação assumiram traços cada vez mais relevantes em todos os aspectos
cotidianos. Essa abrangência, interligando pontos distantes ao redor do globo e suprimindo
distâncias, propiciou a “disjunção espaço temporal” (THOMPSON, 1998). A redução do
tempo ao estado quase virtual no transporte das mensagens resultou em uma nova dinâmica
de mediação. As telecomunicações interligaram todo o globo e dissociaram a idéia de
presença e contato como atos simultâneos.
Novas formas de intercambiar as experiências e fatos do passado foram surgindo
pelo registro e reprodução dessas experiências. Se nas tradições orais era necessário o diálogo
face a face ilustrando o testemunho como força maior de expressão, pelos meios de
comunicação o sentido do passado é determinado pela “historicidade mediada”
(THOMPSON, 1998). O conteúdo simbólico da mídia é transformado em elemento de
perpetuação dos fatos. Uma vez que a fixação em um substrato qualquer estava ao alcance do
19. 19
homem, o fluxo da história e o “nosso sentido do passado e como ele nos alcança”
(THOMPSON, 1998, p. 38) trouxe, também, novas experiências de compreensão do mundo.
A caracterização de Thompson para o termo genericamente chamado comunicação
de massa, dividida em cinco partes integrantes, evoca, ao mesmo tempo, as vertentes
tecnológicas e sociais dos meios e estabelece contextos de interseção entre as duas. No plano
social, a primeira das cinco características define os meios de comunicação como instituições
alicerçadas por aparatos técnicos que atuam em consonância com a busca do “poder
simbólico” 1 . Institucionalizar significa estabelecer um “conjunto relativamente estável de
regras, recursos e relações sociais”. (THOMPSON, 1998, p. 21)
A partir desse conjunto estável, as instituições, jornais, revistas, rádios, redes de TV,
tendem a atribuir certo valor aos produtos da comunicação, definindo a segunda característica
como a mercantilização dos meios. O potencial de abrangência atende, principalmente, aos
anseios da sociedade moderna que passa a entender o mundo como um lugar sem fronteiras.
A necessidade de difundir produtos, valores, formas sociais de convívio, métodos de
produção, atribui uma valorização tanto econômica como simbólica desses elementos.
Com a produção desses bens simbólicos e a necessidade de difundilos por toda
extensão do globo evidenciase uma dissociação entre a produção e a recepção das formas
simbólicas. A terceira característica volta às atenções para o fluxo das mensagens transmitidas
para contextos distantes de onde foi produzida.
Acrescentado a isso o fato da disponibilidade dessas produções e sua permanência no
tempo e no espaço, como sendo quarta característica, reforça o teor da produção e sua
distribuição por terras distantes.
Como quinta e última característica, a comunicação implica “a circulação pública de
formas simbólicas mediadas” (THOMPSON, 1998, p.32). Com isso ela assume a condição de
quase onipresença nos espaços públicos de maneira geral. Passa, então, a registrar o mundo.
Em decorrência dessas características, a comunicação passa a alterar de forma cada
vez mais incidente a compreensão da experiência além do campo de vivência do homem. A
“mundanidade mediada” (THOMPSON, 1998) como propriedade de retratar a realidade de
forma global e por conseqüência dilatar os horizontes espaciais alterou o sentido de
comunidade onde indivíduos atribuem, através de um senso de pertencimento, valores às
1
Thompson (1998) descreve em caráter analítico quatro formas de poder manifestadas nas sociedades, cada uma
atuando através de recursos que lhes competem. Esses poderes e seus respectivos recursos são: poder econômico,
poder político, poder coercitivo e poder simbólico, exercidos através dos recursos materiais e financeiros,
autoridade, força física e armada, além dos meios de informação e comunicação.
20. 20
histórias vivenciadas em um passado comum. O panorama da vida passa a ser delimitado por
diversas formas simbólicas da mídia que retratam contextos distantes e os tornam presentes
em espaços diferentes.
(...) à medida que nossa compreensão do passado se torna cada vez mais
dependente da mediação das formas simbólicas, e a nossa compreensão do mundo e
do lugar que ocupamos nele vai se alimentando dos produtos da mídia, do mesmo
modo a nossa compreensão dos grupos e comunidades com que compartilhamos um
caminho comum através do tempo e do espaço, uma origem e um destino comuns,
também vai sendo alterada: sentimonos pertencentes a grupos e comunidades que
se constituem em parte através da mídia. (THOMPSON, 1998, p.39)
Essas formas simbólicas são expressas em linguagens que durante toda a trajetória
ascendente da integração dos meios de comunicação ao convívio social se alternaram entre
sistemas expressos ora pela escrita, ora pelo audiovisual, até reunilos em um sistema
unificado.
O que Castells (1999) denomina como “Galáxia de Gutenberg... um sistema de
comunicação essencialmente dominado pela mente tipográfica e pela ordem do alfabeto
fonético” é a primeira manifestação instrumental e como meio técnico da comunicação
mediante o advento da imprensa e do papel que trouxeram consigo a produção e distribuição
em larga escala.
Mas a relação entre linguagem, comunicação e cultura, se dá de forma intrínseca.
Para compreender o papel da evolução desses sistemas tipográficos e audiovisuais é
necessário acompanhar sua incidência na esfera cultural. Para tanto Castells (1999, p. 354)
enuncia que
(...) a comunicação, decididamente, molda a cultura porque, como afirma Postman
‘nós não vemos... a realidade ... como ela é, mas como são nossas linguagens. E
nossas linguagens são nossas mídias. Nossas mídias são nossas metáforas. Nossas
metáforas criam o conteúdo de nossa cultura’. Como a cultura é mediada e
determinada pela comunicação, as próprias culturas, isto é, nossos sistemas de
crenças e códigos historicamente produzidos são transformados de maneira
fundamental pelo novo sistema tecnológico e o serão ainda mais com passar do
tempo.
A difusão em larga escala dos impressos proporcionou grandes mudanças nos
aspectos culturais uma vez que estabeleceu a lógica cumulativa do conhecimento e da
informação. No entanto, durante todo o tempo em que prevaleceu, a comunicação escrita
condicionou o sistema audiovisual a um estado de pouca expressão delegando a ele os
21. 21
“bastidores das artes, que lidam com o domínio privado das emoções e com o mundo público
da liturgia”. (CASTELLS, 1999, p. 353)
Com o advento da televisão, porém, a incidência dessas transformações na expressão
cultural se intensificou de forma jamais vista, ensejando o surgimento dos termos
comunicação de massa e delimitando novos traços na abrangência dos meios de comunicação.
Esse “sistema de crenças e códigos”, como Castells caracteriza a cultura, é
veementemente alterado pelo novo arranjo sistêmico da comunicação trazido pela televisão,
que assume o “epicentro cultural de nossas sociedades... um meio fundamentalmente...
caracterizado pela sedução, estimulação sensorial da realidade e fácil comunicabilidade”.
(CASTELLS, 1999, p. 358) O seu poder, continuando a linha de análise de Castells, está no
fato de que ela “arma o palco para todos os processos que se pretendem comunicar à
sociedade em geral, de política a negócios, inclusive esportes e arte”. (CASTELLS, 1999, p.
361)
A televisão como aparato técnico surge em meio ao rádio, aos filmes, as artes,
jornais, revistas e livros, tornandose o centro de todas as vertentes técnicas e suportes da
comunicação. Seu aspecto informativo, de entretenimento, fixação, transmissão, entre outros,
logrou de um poder de capilarização e penetração em escalas jamais experimentadas. O
impacto disso foi visto por muitos como uma tentativa de homogeneização que
inevitavelmente ocorreria mediante e existência de uma massa consumidora portandose
como receptáculos passivos a todo tipo de veiculação arbitrária.
A televisão não só inseriu o sistema audiovisual em um contexto abrangente como
seduziu a todos pelo tipo de postura que deveriam assumir perante a sua existência. Segundo
analisa Castells, a denominada lei do menor esforço decorre não da sedutora condição da TV,
e sim de um contexto social permeado por novas condições de vida, trabalho, família, “falta
de alternativas o envolvimento pessoal/cultural” (CASTELLS, 1999), que de certa forma
delegaram ao homem o poder de escolha cercado por situações que o impeliam a uma opção,
assistir as exibições da nova tela desenhada por elétrons.
A relação entre o conceito de cultura de massa e a TV está basicamente apoiada no
controle tecnológico da comunicação eletrônica. No entanto, a relação entre o telespectador e
a televisão segue uma lógica não de opressão e sim emocional, conforme anuncia Castells
(1999, p. 357)enfocando as idéias de McLuhan:
(...) os telespectadores têm de preencher os espaços da imagem e por isso aumentam
seu envolvimento emocional com o ato de assistir (o que ele, paradoxalmente,
caracterizou como um “ meio frio” ). Tal envolvimento não contradiz a hipótese do
22. 22
mínimo esforço, porque a TV apela à mente associativa/lírica, não envolvendo o
esforço psicológico da recuperação e análise da informação (...)
Esse enfoque do poder de penetrabilidade social da televisão é fruto da afirmação de
McLuhan que o diz o “meio é a mensagem”. Essa supervalorização do meio, como
significante, é desmistificada por Umberto Eco que diz:
Existe, dependendo das circunstâncias socioculturais, uma variedade de códigos, ou
melhor, de regras de competência e interpretação. A mensagem tem uma forma
significante que pode ser completada com diferentes significados... Assim, havia
margem para a suposição de que o emissor organizava a imagem televisual com
base nos próprios códigos, que coincidiam com aqueles da ideologia dominante, de
acordo com seus códigos culturais específicos.... aprendemos uma coisa: não existe
uma Cultura de Massa no sentido imaginado pelos críticos apocalípticos das
comunicações de massa, porque esse modelo compete com os outros (constituídos
por vestígios históricos, cultura de classe, aspectos da alta cultura transmitidos pela
educação, etc.) (Eco apud CASTELLS, 1999, p. 360)
Conceituando o processo dessa maneira, Eco introduz a percepção de que há,
inserida em todas as relações entre receptores e os meios de comunicação, uma autonomia de
significação. O meio (significante) conduz a mensagem que por sua vez é transmitida até o
receptor, apoiado por uma gama de códigos culturais que embasarão seu viés de compreensão,
elevando o seu papel na construção final do significado referencial.
A TV, no entanto, é um meio de comunicação que atua, como todos os outros, de
forma institucionalizada e com total ausência de neutralidade. Apesar da autonomia dos
indivíduos frente à construção final dos significados, as mensagens veiculadas são carregadas
dos mais variados artifícios subliminares ou explícitos e talhadas visando uma maior
penetração e identificação nos contextos sociais. O emissor, então, fica longe da imaginada
opressão que poderia ter em uma conceituação mais simplista dos meios de comunicação, a
conseqüência disso é:
(...) aceitar ser misturado em um texto multissemântico, cuja sintaxe é extremamente
imprecisa. Assim, informação e entretenimento, educação e propaganda,
relaxamento e hipnose, tudo isso está misturado na linguagem televisiva. Como o
contexto do ato de assistir é controlável e familiar ao receptor, todas as mensagens
são absorvidas no modo tranqüilizador das situações domésticas ou aparentemente
domésticas (...) (CASTELLS, 1999, p. 361)
Esse aspecto multissemântico é corroborado “mediante... práticas coletivas ou
preferências individuais” (CASTELLS, 1999). O caracterizado por Castells, “sistema de
feedbacks entre espelhos deformadores”, é a estrita, contínua e inerente relação entre a cultura
e a sua representação mediada pelos meios de comunicação. Com o crescimento da
23. 23
abrangência desses meios, essa relação construtiva, onde a mídia expressa a cultura e essa por
sua vez se constrói, em parte, por elementos midiáticos, passou a ser preponderante na ênfase
ao receptor, antes descrito como receptáculo passivo e agora dotado de crescente autonomia.
O período compreendido entre a eminência da escrita até o advento da televisão é,
então, descrito como “Da galáxia de Gutenberg à Galáxia de McLuhan” (CASTELLS, 1999).
No entanto, a compreensão da mídia de massa seguiu sua trajetória alicerçada em novos
fatores que modificaram, ainda mais, a sua conceituação.
Nos anos de 1980, tendências tecnológicas representaram o impulso para as
transformações dos atributos interativos das mídias. Jornais impressos com edições
simultâneas e sob medida para áreas diversas, rádios e equipamentos de reprodução portáteis,
novos canais de TV a cabo e o aumento expressivo dos canais da TV aberta, o videocassete,
as máquinas fotográficas, tudo isso implicou em uma nova via para o consumo segmentado,
controle e direcionamento dos conteúdos e, principalmente, um alento para a interatividade e
maior efetividade na adequação das mensagens.
Esse novo panorama que se desenhou tornou o que para muitos se apresentava de
forma obscura em cristalinas porções de água. O reflexo da divisão do grande bojo midiático,
que abarcava a sociedade de massa, em pequenos nacos de conteúdos heterogêneos entre si, a
exemplo dos canais de televisão, implicou que:
(...) a nova mídia determina uma audiência segmentada, diferenciada que, embora
maciça em termos de números, já não é uma audiência de massa em termos de
simultaneidade e uniformidade da mensagem recebida. A nova mídia não é mais
mídia de massa no sentido tradicional do envio de um número limitado de
mensagens a uma audiência homogênea de massa. Devido à multiplicidade de
mensagens e fontes, a própria audiência tornase mais seletiva. A audiência visada
tende a escolher suas mensagens, assim aprofundando sua segmentação,
intensificando o relacionamento individual entre o emissor e o receptor. (Sabbah
apud CASTELLS, 1999, p. 361)
O reflexo do papel fundamental e atuante do receptor pela descentralização do
processo e dos instrumentos de mediação, diversificação de conteúdo e, principalmente,
adequação ao público alvo, concebeu o novo viés da conhecida frase de McLuhan, porém pela
visão trazida pertinentemente por Castells, “a mensagem é o meio”. É ela quem dita e
determina as formas de estruturação tecnológica, interfacial, profissional, imagética, de
conteúdo, produção, transmissão, entre outros elementos dispostos em canais de TV, produtos
musicais, programas de rádio e a infinidade de processos abarcados por essa “nova mídia”
(CASTELLS, 1999). Em torno dela, a aldeia global se posiciona estruturandose por
24. 24
“domicílios sob medida, globalmente produzidos e localmente distribuídos” (CASTELLS,
1999).
Não obstante a tudo isso, um novo movimento tenciona esse contexto, a “formação
de megagrupos e alianças estratégicas para conseguir fatias de mercado” (CASTELLS, 1999).
Observando as novas iniciativas desse cenário de mudanças, os veículos de comunicação com
grande expressividade iniciaram fusões para acompanhar a lógica de produção de conteúdo e
a conseqüente exposição a eles.
“ O resultado da concorrência e concentração desse negócio é que, embora a
audiência tenha sido segmentada e diversificada, a televisão tornouse mais
comercializada do que nunca e cada vez mais oligopolista no âmbito global. O
conteúdo real da maioria das programações não é muito diferente de uma rede para
outra, se considerarmos as fórmulas semânticas subjacentes dos programas mais
populares como um todo. No entanto, o fato de que nem todos assistem à mesma
coisa simultaneamente e que cada cultura e grupo social tem um relacionamento
específico com o sistema de mídia faz uma diferença fundamental visàvis o velho
sistema de mídia de massa padronizado.” (CASTELLS, 1999, p. 365)
Os impactos dessa “nova mídia” incidiram de forma definitiva na comunicação. No
entanto, a TV como representação de maior amplitude e difusão global, até então, não
conseguiu se livrar desse padrão unilateral e com ausência de feedback dos telespectadores,
salvo manifestações de prescindir o consumo. A rede de interatividade foi, então, trazida pela
internet.
A irrupção da multimidialidade que culminou na rede com milhões de computadores
interligados em todo mundo ensejou mudanças que tomaram proporções, mais uma vez, de
propagação global, já amplamente vivenciadas no século XXI. A internet em função do
espectro amplo de sua concepção até a plena existência seria objeto de outra análise dada a
sua complexidade.
Porém, a multimidialidade inseriu uma nova perspectiva global no que diz respeito à
cultura e os meios de comunicação, o que norteia o cerne desse estudo. A inserção definitiva
das pluralidades dependia de instrumentos mais efetivos para a expressão. Captar, produzir e
reproduzir são ações no processo comunicativo que assumiram novos formatos e perspectivas
de inserção e hibridização. Assim como uma profunda mudança foi sentida diante da
presença sedutora do sistema audiovisual trazido pela televisão, a multimídia rompeu com as
condições vigentes em sua chegada criando um “supertexto histórico gigantesco”
(CASTELLS, 1999). Tudo isso resulta em um “novo ambiente simbólico” abrangendo a
virtualidade e implicando na sua presença na realidade.
25. 25
Essa “virtualidade real” (CASTELLS, 1999) é o elemento ratificador do binário
“presença/ausência no sistema multimídia de comunicação” (CASTELLS, 1999). Seria
entender que o virtual, exibido imagético e simbolicamente nos meios de comunicação, a
exemplo dos personagens, é fruto do reflexo de padrões e códigos culturais, mas ao mesmo
tempo incidem mudanças nesses padrões e códigos e, portanto, faz parte deles. É de se
imaginar que com o crescimento da quantidade de “espelhos deformadores” (CASTELLS,
1999), a multimídia, e de um acentuado aumento na autonomia dos feedbacks, essa relação
cultura/meios de comunicação assume uma consistência fragmentada impossível de ser
acompanhada.
O fato preponderante é que sobre um “sistema de comunicação, baseado na
integração em rede digitalizada de múltiplos modos de comunicação” e “sua capacidade de
inclusão e abrangência de todas as expressões culturais” (CASTELLS, 1999) esse processo
tende a se consolidar e realimentarse eternamente.
Tendo proposto essa breve descrição do panorama da comunicação contemporânea e
sua relação com os aspectos culturais das sociedades, um ponto tornase crucial: o indivíduo
inserido nesse contexto de intensa mudança dos elementos identitários, sendo, portanto,
objeto de análise das próximas linhas.
O que genericamente se propõe como pauta discursiva no campo atual das
identidades é a recorrente tradução da “crise de identidade” (HALL, 2001). Essa terminologia
crise dedicase mais a confrontar a dinâmica referencial que se percebeu durante algum tempo
do possível ser unificado com a dinâmica referencial atual que, em decorrência de vários
fatores de mudanças sociais, ou um panorama cultural difícil de precisar e perpetuar, o que
criou, através da fragmentação e hibridismos, processos de referenciação mais abertos e
permeáveis. A tendência que antes prevalecia, de busca incessante da precisão referencial era
apoiada por um centro que em seu cerne pairavam as instituições bem delimitadas de certo
período histórico, a família, o estadonação, o mercado, entre outras. A partir delas se
derivaria todo estado incipiente de análise para então compor as linhas de observação e
formação identitária.
O desenvolvimento de uma nova mídia descentralizada, segmentada e composta por
múltiplos meios de comunicação apresenta uma profunda relação com o processo de
constante reestruturação das paisagens identitárias. Segundo a definição de Castells, a
identidade pode ser entendida como um processo de “construção de significado com base em
um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais interrelacionados, o(s)
qual(ais) prevalece(m) sobre outras fontes de significado.” (CASTELLS, 1999, p. 22). À
26. 26
medida que a pluralidade de expressões tornase cada vez mais acessível, as manifestações
culturais remontam a ausência de um centro ou atributo uniforme na sociedade, situando
vários elementos aleatoriamente posicionados.
Essa ausência de um centro referencial tida como a “descentração do sujeito”,
implica a perda de um “sentido de si” e o deslocamento “tanto do seu lugar no mundo social e
cultural quanto de si mesmo”. (HALL, 2001, p. 9) Esse fenômeno é um dos elementos da
discussão sobre a aventada crise das identidades analisada por Stuart Hall.
É pertinente retroceder um pouco no tempo para traduzir como os aspectos técnicos
da comunicação têm desdobramentos profundos na análise social das identidades. Hall, em
sua linha de raciocínio para explicar quando o sujeito realmente pôde ser concebido como
unificado, menciona uma importante definição trazida pelo iluminista John Locke que dizia:
“a identidade da pessoa alcança a exata extensão em que sua consciência pode ir para trás,
para qualquer ação ou pensamento passado”. (Locke apud HALL, 2001, p.2728).
Apoiado nessa perspectiva, depreendese que se hoje tendemos a uma expansão
vertiginosa no aprofundamento do passado graças à lógica cumulativa dos meios de
comunicação e se a presença de todos esses elementos registrados tem um caráter infinito de
existência temporal em função dos diversos suportes hoje existentes, é notório perceber que
essa unidade de alcance, mencionada por Locke, atualmente vai tão além do poder de
mensuração do sujeito que a consequente formação identitária se multiplica também em
proporções difíceis de acompanhar e impossíveis de precisar. As fontes de significado se
entrelaçam para conceber uma rede na qual valores, crenças e símbolos se conjugam para a
formação de novos valores, novas crenças e novos símbolos altamente permeados pela idéia
do simultâneo e passageiro.
2
O esquema proposto por Hall (2001) para caracterizar os três tipos de sujeito
existentes segundo a sua concepção registra as primeiras grandes alterações a partir do
“sujeito sociológico”. O autor pondera que a partir desse sujeito tivemos a introdução da
lógica da mediação dos sentidos, valores e símbolos atuando permanentemente no
desenvolvimento do homem. Esse repertório exibido através das paisagens culturais dava
origem à identidade que preenchia o “espaço entre o “interior” e o “exterior” – entre o mundo
pessoal e o mundo público.” (HALL, 2001, p.11)
2
Hall elenca os três sujeitos a partir de determinados momentos históricos. Devido à relevância dos sujeitos
sociológico e pósmoderno, esse último de forma mais abrangente, vou prescindir e menção do sujeito do
iluminismo, de igual importância, porém que estenderia a análise desnecessariamente.
27. 27
Mesmo visto dessa forma, o sujeito ainda era compreendido como unificado, pois
nascia com um “núcleo interior” que se desenvolvia na “relação com “outras pessoas
importantes para ele”. (HALL, 2001, p.11)
No entanto, essa miríade de elementos subjetivos que deveriam ser alinhados
socialmente sofreu mudanças intensas introduzidas pela idéia de que o sujeito não possui mais
uma identidade fixa ou permanente, assim se define o “sujeito pósmoderno”. O processo de
identificação tornouse “provisório, variável e problemático”, pois “à medida em que os
sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma
multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais
poderíamos no identificar – ao menos temporariamente.” (HALL, 2001, p. 13)
Além do processo de identificação, outro fator de mudança estrutural compete para a
fragmentação do sujeito. As várias instituições do mundo pósmoderno exigem dele posturas
diferentes em momentos diferentes. Dessa forma, os papéis sociais que segundo Castells são
definidos “pelas normas estruturadas” por essas instituições e organizações refletem na
caracterização da identidade, resultando em “identidades diferentes em momentos diferentes”.
(HALL, 2001, p.13)
A crise da identidade resultante da descentração do sujeito pósmoderno é fruto desse
novo contexto. Para corroborar essa total desagregação, Hall enumera cinco avanços na teoria
social e nas ciências humanas, mas pela pertinência abordaremos somente três.
O primeiro deles parte da estrutura lingüística e está associado ao trabalho de
Ferdinand de Saussure. A língua, assim como os diversos instrumentos de produção de
significado, possui uma dinâmica autônoma que independe de quem está produzindo as
mensagens. Assim como as identidades se comportam, as palavras estão sempre apoiadas em
um referencial que é um objeto externo às relações estruturadas em similaridade e diferença.
É nítido, portanto, que não há uma determinação final do significado e nem da identidade por
não haver mais uma determinação categórica de similaridade e nem diferença. Na mesma
proporção em que se tenta estabilizar esse significado em uma vertente cabal, a multiplicação
dos códigos e objetos referenciais perturbam pelo seu ininterrupto movimento multidirecional,
se situando como se estivesse em uma câmara espelhada observada por dentro sempre a partir
de diferentes pontos.
Nesse aspecto, a produção lingüística em geral, que venha expressar os códigos
culturais, por maior precisão que se busque por parte do emissor, a recepção, conforme já foi
dito, é um ato cada vez mais dissociado da produção e altamente subjetivo. O que torna
imprevisível os resultados da assimilação.
28. 28
Outra teoria discutida é o processo denominado por Michel Focault de “poder
disciplinar” (Focault apud HALL, 2001). Esse poder é exercido por instituições
contemporâneas como escolas, prisões, hospitais, entre outras, interessa para essa análise
tendo como foco as instituições midiáticas.
O processo discutido anteriormente quanto à ausência de neutralidade dos meios de
comunicação e as possíveis iniciativas frente ao consumo segmentado são estratégias, na
maioria das vezes de individualização em meio ao coletivo, exatamente como ocorre quando
se busca esse poder disciplinar.
Assim como hospitais possuem prontuários com excessiva carga descritiva em busca
de delimitação do indivíduo em meio ao coletivo para fins de controle, esses meios de
comunicação ainda tentam descobrir mecanismos para estabelecer certos denominadores
comuns de modo a interromper a segmentação ou pelo menos abrandar esse processo.
Por outro lado, alguns veículos, como a revista piauí, se integram ao fluxo
imprevisível de montagem das paisagens culturais para expressar a impossibilidade de se
fechar em um significado, ao contrário, se entrega a todos eles em uma dinâmica oposta,
partindo da comunhão de várias individualidades para a composição de uma conteúdo voltado
para um coletivo socialmente segmentado e fragmentado.
A última teoria diz respeito ao impacto social do feminismo. Esse movimento
representou, junto aos movimentos de luta racial, gays, lésbicas, antibelicistas, uma
contestação social que permeou todas as esferas de convivência, mas que trouxe,
principalmente, em função da sua amplitude, a idéia da “política de identidade – uma
identidade para cada movimento”. (HALL, 2001, p. 45)
Como encerramento é preciso trazer a nova lógica das formações identitárias
proposta por Castells. O autor aponta três formas e origens de construção de identidades:
Identidade legitimadora: introduzida pelas instituições dominantes da sociedade no
intuito de expandir e racionalizar sua dominação em relação aos atores sociais...dá
origem a uma sociedade civil, ou seja, um conjunto de organizações e instituições,
bem como uma série de atores sociais(..).
Identidade de resistência: criada por atores que encontram em posições/condições
desvalorizadas(...)Leva à formação de comunas, ou comunidades...
Identidade de projeto: quando os atores sociais, utilizandose de qualquer tipo de
material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir
sua posição na sociedade (...) (CASTELLS, 1999, p. 24)
Há um ponto crucial a ser pensado considerando esses processos de construção.
Segundo a linha de raciocínio do próprio Castells, durante a modernidade, as identidades de
projeto se formavam a partir da sociedade civil com o intuito de propor novas lógicas às
29. 29
instituições dominantes, grande exemplo disso foi o socialismo. Com o advento dessa série de
movimentos sociais que fragmentaram as identidades em uma perspectiva política, a
identidade de projeto passa a se desenvolver a partir das identidades de resistência. É o que
ele chama de “transformação social na era da informação.” (CASTELLS, 1999, p. 28)
Com a finalidade de identificar essas manifestações linguísticas características da
pósmodernidade, o pastiche, a paródia e o simulacro, que visam determinar um público de
consumo, representando segmentações tanto produtivas, quanto receptivas, a proposta de
análise é a revista piauí. Além de se dirigir a um segmento de indivíduos, pelo uso de códigos
e elementos culturais específicos, piauí reforça o papel das identidades na determinação das
novas vertentes de produção editorial.
30. 30
Capítulo III
Desconcer tante constr ução
O presente trabalho encarregouse, até agora, de apontar algumas mudanças
ocorridas tanto nas dinâmicas sociais quanto nos aspectos técnicos da comunicação e seus
desdobramentos e relações com os processos identitários. Para consolidar esse panorama
exposto até então, é imprescindível referenciálo em um produto que possa espelhar e traduzir
esses aspectos que serão exemplificados pela análise da revista piauí.
A modernidade foi descrita pela sua rigidez no estabelecimento de fronteiras claras
entre os gêneros, que se fundiram na pósmodernidade e deram origem a uma tensão contrária
ao isolacionismo lingüístico e disciplinar das metanarrativas. A pluralidade manifesta na
desrefencialização identitária implicou em novas maneiras de projetar culturalmente minorias
no âmbito social. Novas tendências eclodiram nos meios de comunicação pelo consumo
segmentado e pela maior participação do receptor na produção dos significados. A cultura foi
apresentada como detentora de traços da sociedade assim como a sociedade incorpora traços
da cultura para se completarem mutuamente. Tudo isso resultou em perspectivas de uso das
figuras e métodos de linguagem em novos moldes como o desconstrucionismo, a colagem e
montagem, o simulacro, o pastiche e a paródia e, principalmente, a concepção da estrutura
mutante dos signos sob a ótica dos atores sociais. Essas foram algumas mudanças que
eclodiram nessa transição.
O termo gramática é recorrentemente utilizado nas elucidações sobre a pós
modernidade e suas várias manifestações lingüísticas que se relacionam com o meio em uma
dinâmica de recriação e rompimento com hierarquias e padrões de expressão. Gramática tem,
como uma de suas definições “em lingüística descritiva, estudo objetivo e sistemático dos
elementos (...) e dos processos (de formação, construção, flexão e expressão) que constituem
e caracterizam o sistema de uma língua” (Dicionário de Língua Portuguesa, p. 1474)
Essa ênfase aos processos de formação e caráter sistêmico da gramática reforça o
valor atribuído ao significante na pósmodernidade e situa o objeto em questão como
importante instrumento para identificar de que forma as novas manifestações editoriais se
apropriam dos padrões vigentes relacionandoos em torno de novos significados.
O jornalismo como autêntica forma de expressão e retratação dos fatos segue a sua
própria gramática e se resguarda, em seu valor institucional, nos cânones, ou regras
particulares, incumbidas de mediar as mensagens de forma mais familiar e pragmática ao
31. 31
receptor. Mesmo compreendendo a vivacidade da língua, manuais de redação, extensas obras
sobre técnicas de escrita, entre outras publicações, permeiam o cotidiano da produção
jornalística.
Conforme já elucidado no capítulo anterior, há uma crescente tensão entre o fator
institucional dos meios de comunicação e as formas participativas, interativas e
descentralizadas impostas pela nova ordem de exposição do receptor às mensagens. É fato
que a institucionalização depende, conforme caracteriza Thompson (1998), de certa
estabilidade e projeção no tempo. No entanto, a própria desrefencialização identitária dos
sujeitos sociais incide nos mais diversos substratos de maneira divergente a essa estabilidade
que anteriormente utilizava da comunicação de massa travestida nos recém trazidos aparatos
tecnológicos, a exemplo da televisão.
Seguindo a lógica cultural de relacionamento entre o “sistema de crenças e códigos
historicamente produzidos” e os sujeitos sociais que referendam o seu uso e a sua
perpetuação, a tendência das novas manifestações editoriais é justamente de seguir esse fluxo
pluralista e aberto, não obstante presenciarmos constantemente produtos que resistem em
ceder e deslocarse do seu cânone, representação típica desse fator institucional. (CASTELLS,
1999, p. 34)
Compreendendo tais obras como as metanarrativas, mencionadas anteriormente
como os amplos esquemas interpretativos que norteavam os pensadores modernos, a revista
piauí remonta o movimento desconcertante da pósmodernidade ao reunir aspectos da cultura
erudita, porém em uma vertente contrária ao isolacionismo lingüístico e a concepção de
gêneros totalitários. Ela se insere na perspectiva segmentada de produção voltada para um
público específico, projetado à luz da afinidade e identificação com seus conteúdos
discursivos. Se as paisagens culturais conforme pressagiou Hall (2001) se fragmentaram, as
nuances editorias tendem a se expandir para atender as novas demandas lançadas por esse
fenômeno, de maneira que a segmentação muito acentuada não torne se exageradamente
individualizada para resultar em publicações quantitativamente inviáveis.
Ao tratar das instituições, tão dependentes da estabilidade e antes apoiada pelas
fronteiras, Harvey (1989) sugere que a explosão de gêneros e sua conseqüente
heterogeneidade de jogos linguagem dá “origem a instituições em pedaços – determinismos
locais”. (Lyotard apud HARVEY, 1989, p. 57).
No entanto, a estabilidade, nesse caso, é conferida coletivamente dentro daquilo que
os indivíduos “consideram conhecimento válido”. “Determinismos locais” são
compreendidos, nessa abordagem, como “comunidades interpretativas”. Com isso Harvey
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ilustra o poder de constante recriação advinda tanto dos produtores quanto consumidores uma
vez que constroem mutuamente seu repertório de códigos inseridos nessas comunidades.
Analogamente, a análise proposta se aproxima da apreciação elaborada por ele de
Soft City. Essa obra, conforme propõe, por mais ingênua que pareça, uma vez que foi
concebida por um jovem recém chegado a Londres, ilustra um importante destaque diante do
contexto que se pensava existir. Quando se propunha que o espaço urbano era dominado pela
síntese totalizante e que pelas ruas circulavam somente acadêmicos dignos de interpretações
abissais, Soft City constrói uma nova visão. Novas produções de significados eram realizadas
pela parte viva da cidade, o caos urbano que se apresenta como impossível de ser controlado,
a autonomia de cada um dos atores os destaca em meio aquilo que foram gestados.
Para compreender melhor, é necessário traçar um panorama histórico do surgimento
de piauí. As edições selecionadas para apreciação foram as duas primeiras, a mais recente
datada (outubro de 2008) tendo como referência a conclusão desse trabalho, além de outros
dois números que abordam duas tradições mundialmente reverenciadas, o natal e as
olimpíadas, essas selecionadas para fundamentar o enfoque dado às pautas de temas sazonais
e amplamente retratados.
É importante para essa análise compreender que, dentro de um processo aberto de
construção, não há determinações a serem seguidas durante a trajetória da revista. Sendo
assim, o interstício que separa suas primeiras edições da mais atual reflete, em diversos
aspectos, mudanças em algumas de suas características identitárias. Foram escolhidas quatro
dimensões de análise: produto e contexto, cânone jornalístico – subjetividade e objetividade,
Jornalismo literário, figuras de linguagem.
Tradicionalmente o jornalismo enfatiza, quase sempre, as mesmas questões dentro
das coberturas de grandes datas ou eventos. Entender como a revista ressalta outros elementos
desse pragmatismo é, também, de fundamental importância para caracterizála.
3.1 Pr oduto e contexto
Piauí foi concebida há dois anos, em 2006, fruto de um projeto idealizado pelo
documentarista João Moreira Salles e teve sua primeira edição publicada em outubro daquele
ano. Alguns aspectos de sua identidade trazem dificuldades para uma caracterização fixa, o
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que, no entanto, lhe atribui a singularidade necessária ao reunir várias vertentes e um
anarquismo aleatório.
“ A piauí é saudavelmente anárquica. Ela muda muito; é muito dinâmica. Acho que
dá pra dizer que a revista é centrada na singularidade. Não temos temas gerais,
mas sempre uma pessoa, uma instituição. Generalização no Brasil é algo muito
complicado, acaba sendo contraditório. Estamos com sete meses de revista e ainda
procuramos a cara dela. É difícil definir a piauí, assim como é difícil definir o
Brasil” (SALLES, 2007)
O conteúdo da revista é elaborado, a cada edição mensal, por colaboradores,
inclusive internacionais, se aproximando do modelo de produção em rede, autônomo,
descentralizado e subjetivo. Escritores, médicos, atores, humoristas, entre outros, dão
consistência ao expediente que não busca uma completude na perpetuação, mas no caráter
aberto de novas possibilidades e participações.
Reflexo dessa ausência de rigidez, as editorias de piauí, ou não editorias, seguem a
mesma lógica aleatória. As denominações, ordem seqüencial de indexação e a própria
publicação em si não são perenes, salvo exceções como Chegada , Despedida, Diário e
Esquina (Figura 1). A primeira, conforme o próprio nome já caracteriza, aborda sempre temas
novos colocados em pauta, já despedida, que talvez pudesse referenciar as seções de óbito do
jornalismo convencional, retrata uma espécie memórias póstumas de algum fato, tratando
tanto de pessoas quanto de objetos inanimados. Dois exemplos estão na edição de agosto e
outubro de 2008 que trazem, respectivamente, os textos ATÉ TU, ITAIPULÂNDIA e o
discurso de paraninfo para formandos A LIBERDADE DE VER OS OUTROS, do escritor
americano David Foster.
Esquina poderia ser a seção que, em função de uma peculiaridade, a ausência de
assinaturas, se aproxima dos editoriais, inexistentes na revista, salvo exceção da edição de
outubro de 2008 que trouxe o primeiro deles. Composta por pequenas histórias que trazem os
mais diversos assuntos, Esquina , representaria, portanto, o olhar da revista diante de alguns
fatos da realidade, porém sem a pretensão de expor nenhuma opinião sobre eles, se
encarregando somente de retratar os acontecimentos, em sua grande maioria totalmente
avessos aos parâmetros de relevância e noticiabilidade.
A discussão em torno da temporalidade em piauí é fator recorrente em função de sua
evocação a temas inusitados. Pena (2006) trata dessa questão temporal e de acordo com suas
considerações “temporalidade não se refere ao fato, mas à forma como é transmitido, ou
melhor, mediado. É o instante da mediação que realmente conta”. (PENA, 2006, p. 39)