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Faculdade Estácio de Sá de Belo Horizonte 

           Curso de Jornalismo 




REFLEXOS CULTURAIS E IDENTITÁRIOS 
DA COMUNICAÇÃO CONTEMPORÂNEA: 

       uma análise da revista piauí. 

                            JAUNER TORQUATO RODOVALHO 




    Belo Horizonte, dezembro de 2008
JAUNER TORQUATO RODOVALHO 




REFLEXOS CULTURAIS E IDENTITÁRIOS 
DA COMUNICAÇÃO CONTEMPORÂNEA: 

      uma análise da revista piauí. 



                Projeto Experimental apresentado em cumprimento 
                    parcial às exigências do curso de graduação em 
                                  Comunicação Social – Jornalismo 
                da Faculdade Estácio de Sá de Belo Horizonte para 
                                      obtenção do grau de bacharel. 



                       Orientadora: Professora Luciana de Oliveira 




    Belo Horizonte, dezembro de 2008
ATA DA DEFESA DE PROJETO EXPERIMENTAL DE 



      JAUNER TORQUATO RODOVALHO
Agradecimentos 


         Resumir a construção e desconstrução de nossas vidas em meras referencias a todos 
aqueles que integraram esse processo talvez seja a tarefa mais difícil desse trabalho. Lembrar 
e relembrar de todos sem prescindir o apontamento de nenhum ente querido dessa estrada que 
percorro é para mim tão perturbador quanto saber que vários deles podem me deixar sem o 
meu consentimento. 
         Dito  isso,  começo  esse  compilado,  e  pretendo  ser  breve,  não  só  citando  como 
homenageando meus grandes, queridos e saudosos avos. São, para tudo que sei, exemplos que 
guardo no coração para sempre. 
         Porém,  assim  como  me  vi  sem  eles,  quase  que  brevemente  encontrei  com  as  duas 
pedras  mais  raras  da  minha  vida,  Pedro  e  Davi. Meus  filhos  que  impulsionam  e  alimentam 
esse espírito que até sua chegada vagava sozinho. 
         À  minha  mãe  atribuo  toda  força  e  determinação  que  correm  por  essas  veias  tão 
medicadas pelo longo período da minha infância diante do seu olhar sempre atento, cuidadoso 
e determinado a superar tudo. 
         Minha  linda  irmã  e  todos  os  meus  tios,  tias,  primos  e  primas  que  compõem  essa 
imensa  e  fraterna  família  que  segue  o  legado  de  seu  Severino,  exemplo  maior  para  todos. 
Guardo cada um no coração. 
         Nos capítulos mais recentes da vida, agradeço imensamente às duas famílias que me 
incorporei. Dedé, Carlin e Pedro Ivo se encarregaram de parte dessa trilha, junto a Ronaldo e 
Telma que souberam me entender nas horas mais improváveis do mundo. 
         Por fim, minha musa inspiradora dessas linhas desconstrutivas, mais do que querida, 
a  tenho  guardada  como  mestra  e  exemplo  de  dedicação  e,  principalmente,  sinergia  com  os 
meus  pensamentos.  Lu,  obrigado  por  conduzir  esse  fluxo  de  sinapses  e  se  empenhar  na 
consolidação desse trabalho tão valioso para mim. 
         Amo todos vocês.
Resumo 


         O  presente  trabalho  se  volta  para  a  compreensão  das  manifestações  editoriais  no 
contexto da pós­modernidade. Para tanto, sua estrutura se divide em três eixos principais: uma 
breve  descrição  das  mudanças  ocorridas  no  âmbito  social  entre  a  modernidade  e  a  pós­ 
modernidade  abordando  questões  relativas  às  novas  estruturas  da  vida  em  sociedade;  a 
evolução tecnológica dos meios de comunicação e seus reflexos na estruturação das paisagens 
culturais que resultam em identidades indissociáveis desse fluxo; por fim, a análise de piauí, 
revista que concretiza essas mudanças na esfera das publicações editoriais.
Lista de Figuras 

Figuras...........................................................................................................................45 

           Figura 01: Estrutura aleatória das editorias.......................................................45 

           Figura 2: Fotos com intervenções artísticas......................................................46 

           Figura 3: Capas das edições selecionadas.........................................................47 

           Figura 4: Fotojornalismo subjetivamente exposto............................................48 

           Figura 5: Fotojornalismo subjetivamente exposto............................................49 

           Figura 6: Única menção da edição de natal à festa tradicional.........................50 

           Figura 7: Seqüência de quadrinhos distribuídos pelas páginas da revista........51 

           Figura 8: História em quadrinhos, paródia da 
           consagrada história de Hamlet..........................................................................52 

           Figura 9: Simulacro representado por colagem/montagem, 
           paródia e elementos de pastiche........................................................................53 

           Figura 9.1: Simulacro representado por colagem/montagem, 
           paródia e elementos de pastiche........................................................................54 

           Figura 9.2: Simulacro representado por colagem/montagem, 
           paródia e elementos de pastiche........................................................................55 

           Figura 10: Charges da editoria esquina.............................................................56
Sumár io 


Introdução.................................................................................................................08 




Capítulo I – Uma Odisséia Social............................................................................10 

Capítulo II ­ Panorama da comunicação contemporânea e suas relações com a cultura 

e os indivíduos...............................................................................................................18 


Capítulo III – Desconcertante Construção....................................................................30 

                                3.1 Dimensão de análise produto e contexto.............................32 

                                3.2 Dimensão de análise cânone jornalístico – objetividade e 
                                subjetividade.............................................................................35 

                                3.3 Dimensão de análise jornalismo literário.............................39 

                                3.4 Dimensão de análise figuras de linguagem..........................43 

                                           3.4.1 Simulacro..............................................................43 




Considerações Finais....................................................................................................57 




Referências Bibliográficas............................................................................................59
8 




                                            Intr odução 




         Há  algo  de  muito  perturbador  nesse  trabalho.  No  que  concerne  aos  problemas  da 
dialética, por maior que seja o número de elementos inseridos no processo de análise algum 
aspecto sempre inclina­se para tencionar contrariamente ao proposto. 
         De  forma  elementar,  o  que  será  trazido  nessas  linhas  é  um  breve  retrato  ou 
representação  fragmentada  dos  processos  culturais  e  sua  relação  com  a  sociedade  e  o 
elemento institucional dos meios de comunicação. 
         O  primeiro  capítulo  traça  um  breve  panorama  da  transição  experimentada  entre  a 
modernidade e a pós­modernidade. Resultante de uma série de alterações na esfera social, a 
pós­modernidade  está  repleta  de  controvérsias,  principalmente  quando  referenciada  em 
função do tempo que lhe antecedeu. 
         No entanto, a trajetória do homem moderno, iniciada a partir da ideologia iluminista, 
que  proveu  o  alicerce  para  o  desenvolvimento  técnico­científico,  racionalização  e 
emancipação, se projetou até os dias de hoje resultando em profundas mudanças dos atributos 
culturais. 
         Para  arquitetar  essa  análise,  a  cultura  e  os  meios  de  comunicação  se  apresentam 
sempre de forma transversal. Essa relação é concebida a partir da colocação de Castells (1999, 
p. 354), ele enuncia que “a comunicação, decididamente, molda a cultura”. 
         Tendo a apreciação dessa constatação como desafio, a modernidade é trazida a partir 
dos  seus  elementos  expostos  pelas  metanarrativas.  Se  durante  o  período  de  intenso  culto  à 
prosperidade  e  ufanismo  científico  reinavam  os  profundos  esforços  interpretativos,  na  pós­ 
modernidade,  todo  o  conjunto  de  gêneros,  fronteiras,  linguagem  e  tipos  historicamente 
estáveis  se  misturam.  Seus  fragmentos  deram  origem  a  infinidades  de  intertextualidade, 
hibridismo através de recursos como simulacro, paródia, pastiche, colagem/montagem, entre 
outros. Featherstone caracteriza esse fenômeno como “uma superprodução de bens culturais, 
difícil de controlar e ordenar, que desestabiliza as hierarquias simbólicas existentes”. 
         Esses bens culturais estão inseridos tanto no contexto social, pelas vias da mediação, 
quanto  na  esfera  econômica,  representada  pelo  capitalismo  que  se  serve,  junto  às  demais 
instituições, da possibilidade de atribuição dos valores simbólicos aos seus produtos.
9 



         A  partir  desse  movimento,  novas  rupturas  sociais  são  expostas  de  forma  cada  vez 
mais constante. O tempo assume modelos frenéticos, seja no transporte físico ou virtual, e a 
nova relação do homem com o passado traz uma inconstância e por conseqüência o que Hall 
(2001,  p.8)  denomina  de  fragmentação  das  “paisagens  culturais  de  classe,  gênero, 
sexualidade,  etnia,  raça  e  nacionalidade,  que,  no  passado,  nos  tinham  fornecido  sólidas 
localizações como indivíduos sociais”. 
         O  capítulo  2,  por  sua  vez,  expõe  um  histórico  sobre  a  evolução  dos  meios  de 
comunicação  e  a  relação  mais  direta  entre  seus  desdobramentos  na  representação  do  poder 
simbólico e a questão da “crise de identidade”. (HALL, 2001) 
         A discussão sobre identidade e cultura remete ao capítulo 3 responsável pela análise 
do  objeto  proposto,  a  revista  piauí.  Com  o  objetivo  de  compreendê­la  tanto  perante  os 
padrões  institucionais  dos  meios  de  comunicação,  quanto  ao  que  concerne  às  questões 
técnicas, foram estipulados quatro eixos: produto e contexto, o cânone jornalístico, jornalismo 
literário e figuras de linguagem.
10 



                                            Capítulo I 
                                      Uma Odisséia Social 




         Compreender o contexto atual das transformações sociais vigentes parece muito mais 
um  exercício  de  experimentar  os  diferentes  fluxos  observados  na  informação,  no 
deslocamento pelas cidades espalhadas ao redor do globo, diagnosticar nas paisagens urbanas 
os fragmentos dos quais fazemos parte do que tentar fixar padrões simbólicos que possam nos 
seguir  referendando  da  infância  ao  fim  da  vida. O  presente  capítulo  introduz  um  panorama 
sobre a transição dos contextos sociais a partir de uma sociedade representada pela produção 
industrial, bens materiais, situada na modernidade, até o seu modelo informacional, cujo papel 
é o da abstração virtual, da velocidade instantânea, das representações simbólicas manifestas, 
da completa efemeridade e descomprometido estado de ser vivenciados na pós­modernidade. 
         A  reconstrução  das  paisagens  contemporâneas  dessa  “realidade  complexa”  tem  se 
processado de forma tão abissal que não só a estrutura física dos objetos é totalmente mutante 
como a referência que temos dele é da mesma  forma fluida e  instável. (HARVEY, 1989, p. 
46) 
         Os  meios  de  comunicação  através  do  seu  domínio  das  esferas  lingüísticas  e  de 
expressão  têm  relevância  fundamental  nessas  transformações.  A  contínua  evolução  que 
permitiu  a  sua  presença  cada  vez  mais  ubíqua  através  das  “novas  mídias”  (CASTELLS, 
1999), responsáveis pela segmentação no consumo e participação produtiva, resultou em uma 
recombinação dos elementos culturais construídos pela sociedade ao longo do tempo. 
         Conforme analisa Santos (1980, p. 15), “a linguagem dos meios de comunicação dá 
forma  tanto  ao  nosso  mundo  (referente,  objeto),  quanto  ao  nosso  pensamento  (referencia, 
sujeito)”.  Diante  da  onipresença  desses  meios,  “para  serem  alguma  coisa,  sujeito  e  objeto 
passam ambos pelo signo... palavra, número, imagem” ali representados. 
          Hall  (2001)  atribui  a  esse  processo  de  “desreferencialização”  (SANTOS,  1980)  a 
fragmentação  das  “paisagens  culturais  de  classe,  gênero,  sexualidade,  etnia,  raça  e 
nacionalidade,  que,  no  passado,  nos  tinham  fornecido  sólidas  localizações  como  indivíduos 
sociais”. (HALL, 2001, p. 8) 
         Isso é fruto da sociedade contemporânea denominada a partir de várias terminologias 
como: Sociedade da informação, sociedade em rede, sociedade pós­industrial, sociedade pós­ 
moderna, sociedade de consumo ou simplesmente sociedade globalizada.
11 



         Mas  a  sociedade  industrial  e  a  modernidade  que  antecederam  o  contexto  pós­ 
moderno  e  se  posicionam  como  ponto de  referência  para  tal  caracterização,  ergueram  pelas 
vias do contrastante e “sentidos conflitantes” permeados pelo ímpeto de mudanças profundas 
da tradição, dos meios de produção, entre outros aspectos vigentes. (HARVEY, 1989, p. 21) 
         A  modernidade  foi  um  projeto  de  ideologia  humanista  estruturada  a  partir  das 
concepções  iluministas.  “Esse  projeto  equivalia  a  um  extraordinário  esforço  intelectual  dos 
pensadores iluministas ‘para desenvolver a ciência objetiva, a moralidade e a lei universais e a 
arte autônoma nos termos da própria lógica  interna destas’”. Resultando em um movimento 
que proveu o alicerce para o desenvolvimento técnico­científico, racionalização, emancipação 
e, principalmente, da individualização. (HARVEY, 1989, p. 23) 
         O ideal de liberdade política pautado na racionalidade humana tinha como desafio o 
rompimento das estruturas sociais  vigentes  no antigo regime, os estamentos. A dispersão do 
modelo de  vida  comunitário  refletida  no  plano  social  paralela  à  dissociação  entre  público  e 
privado,  com  o  surgimento  do  Estado  burocrático,  representando  um  novo  ordenamento 
político,  foram  vias  para  o  surgimento  da  propriedade  e  por  conseqüência  de  um  senso  de 
empreendedorismo individual. 
         O trabalho, as “mudanças técnicas, cientificas e  políticas” (BAUDRILLARD, 1982 
p. 1) instituem um novo paradigma para a delimitação dos objetivos da vida. Perpetuar adota 
uma conotação de transitoriedade do vigente, em substituição aos moldes antes consolidados 
da tradição, agora tidos com residual. 
         A  dinâmica  espaço­temporal  moderna  também  incide  profundamente  na 
compreensão  do  passado,  presente  e  futuro.  Esses  elementos  da  tradição  considerados 
residuais são incorporados à vida como “um passado (tempo findo)” em oposição a um futuro 
constantemente projetado à luz das rupturas que passam a ser cotidianas. (BAUDRILLARD, 
1982, p. 3) 
         Essa  dialética  conflituosa  do  tempo,  que  se  configura  como  ponto  de  partida  da 
tradição  em  uma  progressiva  linha  rumo  ao  moderno,  é  acompanhada  pelo  “aspecto 
cronométrico” da produção industrial. A vida antes compreendida pelas estações, celebrações 
comunitárias  em  dias  tradicionalmente  reconhecidos  por  datas  festivas,  e  até  mesmo  pela 
paisagem  social  bem  delimitada,  que  possibilitava  o  acompanhamento  do  desenvolvimento 
infantil até envelhecimento do adulto, é remontada sob escalas cronométricas. Os critérios do 
novo  tempo  abstrato  se  apóiam  no  trabalho,  na  produtividade  e  se  apoderam  também  do 
“tempo “livre”” e dos “lazeres”. (BAUDRILLARD, 1982, p. 3)
12 



         Conforme  Baudrillard  (1982,  p.  2)  afirma,  esse  presente  próspero  atendia  a 
amplitudes e “simultaneidade mundial”. Berman descreve a total ausência de fronteiras: 


                         Ser  moderno  é  encontrar­se  num  ambiente  que  promete  aventura,  poder, 
                         crescimento,  transformação  de  si  e  do  mundo  –  e,  ao  mesmo  tempo,  que  ameaça 
                         destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. Os  ambientes  e 
                         experiências modernos cruzam todas as fronteiras da geografia e da etnicidade, da 
                         classe  e  da nacionalidade, da religião e da ideologia; nesse sentido, pode­se dizer 
                         que  a  modernidade  une  toda  a  humanidade.  Mas  trata­se  de  uma  unidade 
                         paradoxal,  uma  unidade  da  desunidade;  ela  nos  arroja  num  redemoinho  de 
                         perpétua  desintegração  e  renovação,  de  luta  e  contradição,  de  ambigüidade  e 
                         angustia. Ser moderno é ser parte de um universo em que, como disse Marx, “ tudo 
                         que é sólido desmancha no ar. (Berman apud HARVEY, 1992, p. 21) 


         Mas  esse  contexto do desenvolvimento dos processos  produtivos, oportunidades  de 
conquista  da  autonomia  pelo  trabalho  também  foi  palco  para  as  críticas  a  essa  liberdade  e 
mesmo  às  suas  impossibilidades  já  que  novos  constrangimentos  substituem  os  antigos  na 
mesma proporção em que produzia riquezas e inaugurava um novo tipo de desigualdade: 


                         (...)  nas  classes,  as  molduras  que  (tão  intransigentemente  como  os  estamentos  já 
                         dissolvidos)  encapsulavam  a  totalidade  das  condições  e  perspectivas  de  vida  e 
                         determinavam  o  âmbito  dos  projetos  e  estratégias  realistas  de  vida.  A  tarefa  dos 
                         indivíduos livres era usar  sua nova liberdade para encontrar o nicho apropriado e 
                         ali  se  acomodar  e  adaptar:  seguindo  fielmente  as  regras  e  modos  de  conduta 
                         identificados  como  corretos  e  apropriados  para  aquele  lugar.  (BAUMAN,  2001, 
                         p.13) 


         O  conflito  trazido  ao  espírito  empreendedor  do  homem  também pôs  em  dúvida  os 
meios  e  fins,  aprofundando  a  descrença  ainda  maior.  O  legado  de  críticas  às  concepções 
iluministas em torno dos usos e da aplicabilidade da racionalidade e do desenvolvimento da 
ciência  é  trazido  por  Max  Weber  e  Nietzsche  com  tamanha  veemência  que  suas  palavras 
parecem traduzir “o epitáfio da razão iluminista” (HARVEY, 1992, p. 25). 


                         “ Weber  alegava  que  a  esperança  e  a  expectativa  dos  pensadores  iluministas  era 
                         uma amarga e irônica  ilusão. Eles mantinham um forte vínculo necessário  entre o 
                         desenvolvimento  da  ciência,  da  racionalidade  e  da  liberdade  humana  universal. 
                         Mas,  quando  desmascarado  e  compreendido,  o  legado  do Iluminismo  foi  o  triunfo 
                         da  racionalidade....proposital­instrumental.  Essa  forma  de  racionalidade  afeta  e 
                         infecta  todos  os  planos  da  vida  social  e  cultural,  abrangendo  as  estruturas 
                         econômicas,  o  direito,  a  administração  burocrática  e  até  as  artes.  O 
                         desenvolvimento  da  [racionalidade  proposital­instrumental]  não  leva  à  realização 
                         concreta  da  liberdade  universal,  mas  à  criação  de  uma  “ jaula  de  ferro”  da 
                         racionalidade  burocrática  da  qual  não  há  como  escapar”   (Bernstein    apud 
                         HARVEY, 1992, p. 25).
13 



         A  pós­modernidade  tem  grande  fundamentação  no  ceticismo  anunciado  por 
Nietzsche  anos  antes  da  sua  manifestação.  Surge  um  tempo  onde  impera  a  pluralidade 
expressa  em  sistemas  abertos  de  expressão,  interpretação  e  entendimento.  As  figuras 
representativas que perduraram durante a modernidade (o socialismo, o sujeito cartesiano, o 
urbanismo),  através  de  tentativas  de  unificação  por  teorias  de  abrangência  universal,  as 
metanarrativas, manifestaram pela espontânea impossibilidade de abarcar toda humanidade e 
circunscrevê­la  em  uma  estrutura  determinista,  que  a  “gaiola  de  ferro”  da  racionalidade 
apontada por Weber é incapaz de conter todas as complexas e diversas relações  sociais que 
permeiam o contexto da vida humana. 
         A  trajetória  delimitada  pelo  indivíduo  passou  a  reconhecer,  também,  as 
particularidades  inseridas  em  todos os  contextos.  Dessa forma,  foi  possível  perceber que  as 
várias “realidades existentes podem coexistir, colidir e se interpenetrar”. (HARVEY, 1989, p. 
46) 
         Ao  tratar do pós­modernismo,  Harvey  sugere  a  documentação  de  “mudanças  desse 
tipo em toda uma gama de campos distintos”. Em análise ao “romance pós­moderno” através 
da “passagem de um dominante “epistemológico” a um “ontológico” ele retrata o surgimento 
de um “tipo de perspectvismo que permitia ao modernista uma melhor apreensão do sentido 
de uma realidade complexa”. (HARVEY, 1989, p. 46) 
         Com  a  percepção  da  interseção  de  realidades  e  principalmente  de  um  novo 
entendimento  das  instituições  que  alavancaram  a  modernidade,  o  pós­moderno  traz  à  tona 
uma série de incertezas por aceitar com certa naturalidade a existência do transitório, fugidio e 
contingente, fatores atribuídos à modernidade por Baudelaire, mas conforme conclui Harvey: 
“contudo,  não  implica  que  o  pós­modernismo  não  passe  de  uma  versão  do  modernismo; 
verdadeiras revoluções da sensibilidade podem ocorrer quando idéias latentes e dominadas de 
um período se tornam explicitas e dominantes em outro”. (HARVEY, 1989, p. 49) 
         O questionamento a essas instituições representadas na economia pelo capitalismo e 
na  política  pelo  Estado­Nação,  trouxe  dispersão  para  o  contexto  social  homogêneo  das 
metanarrativas totalizantes. 
         A ênfase  à  interseção e à flexibilização da rigidez dos discursos modernos resultou 
na  busca  por  formas  de  expressão  que  pudessem  dar  conta  da  pluralidade  existente.  O 
isolacionismo lingüístico que por muito tempo imperou pelo estabelecimento de “fronteiras” e 
“gêneros”  (Hassan  apud  HARVEY,  1989,  p.  22)  foi  se  descentralizando  no  discurso  pós­ 
moderno “no qual a “anarquia” e o “acaso” podem jogar em situações inteiramente “abertas”. 
(HARVEY, 1989, p. 49)
14 



         Para dar conta de retratar o conjunto de elementos que compõem a realidade, a idéia 
do fragmento foi evocada na construção desses discursos. Conforme o entendimento de que a 
“significação  não  poderia  ser  unívoca  e  nem  estável”  (Derrida  apud  HARVEY,  p.  55) 
modalidades como colagem/montagem reuniram elementos em combinações que recorrem ao 
hibridismo. Se na metanarrativa o texto existia por si e para si, “o impulso desconstrucionista 
é procurar dentro de um texto por outro, dissolver um texto em outro ou embutir um texto em 
outro”. (HARVEY, 1989, p. 54) 
         O que Harvey traz como a caracterização da “minimização da autoridade do produtor 
cultural”  traduz  a  ascensão  da  “produção  de  sentido”  nesse  jogo  aberto.  A  recusa  de 
consumidores em aceitar o produto como algo pronto e com um fim em si mesmo, aliada à 
despretensão de quem cria em fazê­lo, atribui a importância da contemplação “no processo” 
na “performance”, no “happening”. (HARVEY, 1989, p. 55) 
         Essa nova postura do sujeito perante os diversos contextos se origina de mudanças no 
surgimento  da  sociedade  pós­industrial.  As  tecnologias  de  disseminação  trazem  “uma 
dramática transição social e política nas linguagens e comunicação em sociedades capitalistas 
avançadas”. (HARVEY, 1989, p. 53) 
         Paralelo à ênfase dada à performance, a tecnologia dos meios de comunicação trouxe 
o denominado por Santos como “hiper­real”, ou “real intensificado”. Os simulacros cada vez 
mais  fiéis  à realidade  aliados  a  um  desenvolvimento  econômico  pautado  no uso dos bens  e 
serviços resultaram na ascensão de um “moral hedonista” (SANTOS, 1980, p. 10). 
         Nessa  relação  econômica  e  de  produção  de  bens  culturais,  Featherstone  (1996,  p. 
107) analisa o pós­modernismo como: 


                        uma  superprodução  de  bens  culturais,  difícil  de  controlar  e  ordenar,  que 
                        desestabiliza  as  hierarquias  simbólicas  existentes.  Essa  tendência,  que  Simmel 
                        definiu  como  um  acúmulo  exagerado  de  cultura  objetiva,  difícil  de  lidar,  não  é 
                        apenas  um  problema  intelectual.  Com  o  desenvolvimento  da  cultura  de  consumo, 
                        costuma se dizer que aumentou não só a oferta de bens como também a de imagens 
                        e signos. O consumo ficou mais difícil de decodificar porque aumentou o problema 
                        de interpretar um campo mutável de signos. 


         A  evolução  tecnológica  trouxe,  portanto,  alterações  cada  vez  mais  profundas  na 
maneira de experimentar situações cotidianas. A dissociação do espaço e do tempo observada 
na  sociedade  industrial  com  a  invenção  dos  automóveis  e  posteriormente  dos  aeroplanos 
deslocou­se na pós­modernidade para a escala virtual das mensagens eletrônicas. 
         Bauman (2000)  analisa  criticamente  essa  evolução  do  ordenamento  produtivo,  que 
deslocou, também, a perspectiva da luta de classes com a presença do operariado, agora quase
15 



extinto, através de três elementos que dizem respeito aos aparatos disponíveis. A partir do que 
ele  denomina  como  “wetware”,  as  atividades  reduzidas  às  aptidões  físicas  do  homem, 
potencializada com  a  invenção  dos  “hardwares”, instrumentos  responsáveis  pela  diminuição 
do esforço físico, até a  chegada do “software”, que reduz o tempo e produção a quase total 
instantaneidade,  é  possível  perceber  a  valorização  do  ato,  “mas  também  a  exaustão  e 
desaparecimento do interesse” (BAUMAN, 2000, p.134) 
         Estabelecendo uma relação desses meios trazidos pelo “software” e a valorização do 
happening,  a  análise  de  Harvey  (1989)  sobre  a  esquizofrenia  pós­moderna  é  corroborada. 
Harvey  propõe  para  que  a  reflexão  sobre  o  contexto  pós­moderno  tenha  validade,  há 
necessidade de identificar  o  “modo particular de experimentar,  interpretar  e ser  no mundo”. 
(HARVEY, 1989, p. 56) 
         A  esquizofrenia  é  fruto  então  de  “um  agregado  de  significantes  distintos  e  não 
relacionas  entre  si”.  Esse  problema de “uma  série  de presentes  puros  e  não  relacionados  no 
tempo”  associa  essa  ênfase  à  performance  como  ausência  de  profundidade.  Diante  disso,  a 
ausência  de  memórias  passadas  ou  projeções  futuras  aliada  à  eminência  do  presente 
impossibilita  a  unificação  desses  três  tempos  e  como  conseqüência  da  completude  do 
indivíduo,  agora  caracterizado  pelo  modelo  esquizóide.  (Jameson apud  HARVEY,  1989,  p. 
56) 
         Segundo sua análise da teoria proposta por Jameson: 


                         Quando  essa  cadeia  se  rompe,  ‘temos esquizofrenia  na  forma  de  um  agregado  de 
                         significantes distintos e não relacionados entre si’. Se a identidade pessoal é forjada 
                         por meio de ‘certa unificação temporal do passado e do futuro com o presente que 
                         tenho diante de mim’, e se as frases seguem a mesma trajetória, a incapacidade de 
                         unificar passado, presente e futuro na frase assinala uma incapacidade semelhante 
                         de  ‘unificar  o  passado,  o  presente e  futuro  na  frase  da  nossa  própria  experiência 
                         biográfica ou vida psíquica’. Isso de fato se enquadra na preocupação pós­moderna 
                         com o significante, e não com o significado, com a participação... em vez de com um 
                         objeto de arte acabado. (HARVEY, 1989, p.56) 


         Estabelecendo um paralelo entre o sujeito anteriormente unificado do modernismo e 
o novo sujeito fragmentado da pós­modernidade Harvey (1989, p. 57) diz: 


                         O  modernismo  dedicava­se  muito  à  busca  de  futuros  melhores,  mesmo  que  a 
                         frustração  perpétua  desse  alvo  levasse  à  paranóia.  Mas  o  pós­modernismo 
                         tipicamente  descarta  essa  possibilidade  ao  concentrar­se  nas  circunstâncias 
                         esquizofrênicas induzidas pela fragmentação e por todas as instabilidades (inclusive 
                         lingüísticas) que  nos impedem  até mesmo  de  representar  coerentemente,  para  não 
                         falar de conceber estratégias para produzir, algum futuro radicalmente diferente.
16 



         A conflituosa negação do passado e a ausência de perspectivas na pós­modernidade 
ilustram a postura hedonista. A cultura que deve estabelecer uma construção representativa da 
sociedade  com  realces  históricos  se  reduz  ao  presente.  A  “lógica  cultural  do  capitalismo 
avançado”  que  muito  utiliza  da  cultura  pela  “‘experimentação  estética’  com  intuito  de 
produzir novas ondas de bens com aparência cada vez mais nova” (Mandel apud HARVEY, 
1989,  p.  65)  constrói  essa  representação  histórica  por  “simulacros  pop  dessa  história”. 
(Hewsison apud HARVEY p. 64) 
         Há  uma  relação  intrínseca  entre  o  modo  peculiar  de  compreensão  dos  diferentes 
tempos  na  pós­modernidade  e  a  conseqüente  mudança  na  maneira  de  caracterizar  e 
contemplar a experiência em sociedade. A idéia dos “presentes puros e não relacionados no 
tempo”  induzem  ao  aumento  da  intensidade  vivida,  que  resultam  em  “uma  ilusão 
estereoscópica”.  A  presença  dessa  conjuntura  no  tecido  social  dá  consistência  ao  “caráter 
imediato dos eventos, o sensacionalismo do espetáculo (político, científico, militar, bem como 
de diversão) se tornam a matéria de que a consciência é forjada.” (HARVEY, 1989, p. 57) 
         Além do simulacro, outros vários códigos de linguagem, às vezes isolados outras em 
presença  concomitante,  são  responsáveis  pela  “dissolução  de  algumas  fronteiras  e  divisões 
fundamentais”.  A  “sociedade  de  consumo”  fruto  da  “emergência  de  um  novo  tipo  de  vida 
social e de uma nova ordem econômica” põe fim à fronteira entre “cultura erudita e cultura 
popular (a dita cultura de massa)”. (JAMESON, 1985, p. 17) 
         A  paródia,  segundo  analisa  Jameson  (1985),  não  só  traça  um  paralelo  entre  as 
diferenças  nos  modelos  de  expressão  moderna  e  pós­moderna  como  reafirma  a  importância 
das figuras de linguagem na construção dos elementos culturais como expressão do contexto 
social e também a relação inversa. 
         Conforme  ele  propõe,  a  fragmentação  está  presente  também  na  modernidade. 
Manifestada na individualidade da “norma lingüística” o que caracteriza como “privatização 
da  literatura  moderna  –  sua  explosão  em  um  bando  de  estilos  privados  e  maneirismos 
distintos”.  Essa  fragmentação  autoral  das  metanarrativas  deu  origem  a  um  perturbado 
isolacionismo lingüístico. (JAMESON, 1985, p. 18) 
         Ao  descrever  a  impossibilidade  da  paródia  frente  a  esse  movimento,  por 
incapacidade de inserir qualquer idiossincrasia que pudesse originar a partir da interpretação 
das  obras,  Jameson  descreve  o  pastiche  como  “paródia  lacunar”.  Tal  lacuna  origina­se  da 
impossibilidade do parodista em desenvolver qualquer “simpatia tácita pelo original”. 
         A aversão a esse modelo metanarrativo de linguagem conduz as análises do seu uso 
na  esfera  social  pela  inserção  plural  apoiadas  pelo  que  Focault  denomina  de  “poder  de
17 



discurso”.  Conforme  aponta  em  sua  análise,  o  autor  descreve  uma  “íntima  relação  entre  os 
sistemas de conhecimento (“discursos”) que codificam técnicas e práticas para o exercício do 
controle  e  do  domínio  sociais  em  contextos  localizados  particulares”.  (Focault  apud 
HARVEY, p. 50) 
         Sem  adentrar  ao  viés  político  de  Focault,  é  possível  perceber  o  valor  atribuído  ao 
domínio  da  codificação  como  técnica  básica  da  interpretação  e por  conseqüência  do uso da 
língua como código universal para o domínio cultural. 
         Sendo  a  pós­modernidade  palco  das  manifestações  plurais,  que  tendem  à 
superficialidade fragmentada culturalmente e descentralizada em seus meios de produção, os 
grupos  representativos  buscam  formas  de  apresentar  sua  voz  como  “autêntica  e  legítima”. 
(HARVEY, 1989, p. 52) 
         Nesse  contexto  eles  estruturam  o  que  consideram  conhecimento  válido.  Como 
conseqüência, temos a criação dos: 


                         (...) ‘determinismos locais’... compreendidos... como ‘comunidades interpretativas’, 
                         formadas por produtores e consumidores de tipos particulares de conhecimento, de 
                         textos,  com  freqüência  operando  num  contexto  institucional  particular  (como  a 
                         universidade, o sistema legal, agrupamentos religiosos), em divisões particulares do 
                         trabalho cultural (como a arquitetura, a pintura, o teatro, a dança) ou  em lugares 
                         particulares (vizinhanças, nações etc.).  (HARVEY, 1989, p.57) 


         O  novo  panorama  que  se  desvela  para  a  linguagem  é  o  da  fragmentação  cultural. 
Todas  as  singularidades  concebidas  na  modernidade  são  fruto  do  indivíduo  unificado,  mas 
que na pós­modernidade sofre todo processo de descentralização, conforme será abordado no 
próximo capítulo. 
         Na pós­modernidade, o eu singular se perde em fragmentos das mudanças estruturais 
dos  modelos  de  produção,  reprodução,  relações  sociais,  consumo,  entre  outros.  Com  a 
dissolução das fronteiras  entre os gêneros, esgotamento das produções individuais, a cultura 
passa a se alimentar dos códigos híbridos, do simulacro, do pastiche e da paródia para traduzir 
o novo contexto onde as produções editoriais se encontram.
18 



                                            Capítulo II 
                         Panor ama da comunicação contempor ânea 
                         e suas r elações com a cultura e os indivíduos 




         A compreensão do papel e da presença dos meios de comunicação, em suas diversas 
formas  tecnológicas  e  processos  lingüísticos  nas  sociedades  dos  últimos  séculos,  é  fator 
determinante  para  situar  no  contexto  atual  a  identificação  dos  aspectos  presentes  nas 
mudanças  de  expressão,  intercâmbio  e  características  culturais  que  compõem  os  atributos 
identitários. 
         O olhar que se estende sobre a análise desses meios pode ser delimitado, com intuito 
de estabelecer uma lógica didática, em dois aspectos preponderantes: o de cunho técnico e o 
de viés social. Inseridos na perspectiva tecnológica, os meios de comunicação atuam na vida 
da humanidade tecendo novas formas de lhe dar com o tempo, espaço e por conseqüência de 
compreender globalmente contextos diversos, enquanto seus reflexos sociais são atuantes, na 
maioria  das  vezes,  sob  condições  latentes  de  expressão  que  passam  a  se  apropriar 
dialeticamente  dos  códigos  vigentes  em  um  processo  de  retroalimentação.  À  medida  que  o 
meio  se  abastece  desses  códigos,  os  reproduz  em  novas  formas  de  expressão  que  também 
criam novos códigos, ilustrando um ciclo hermético em sua ação, mas extremamente aberto à 
configuração  e  captação  de  novos  elementos.  Essa  dinâmica  tende  a  se  clarear  durante  a 
análise seguinte. 
         À medida que sua abrangência, principalmente a partir do século XIX, se expandia, 
os  meios  de  comunicação  assumiram  traços  cada  vez  mais  relevantes  em  todos os  aspectos 
cotidianos.  Essa  abrangência,  interligando  pontos  distantes  ao  redor  do  globo  e  suprimindo 
distâncias,  propiciou  a  “disjunção  espaço  temporal”  (THOMPSON,  1998).    A  redução  do 
tempo ao estado quase virtual no transporte das mensagens resultou em uma nova dinâmica 
de  mediação.  As  telecomunicações  interligaram  todo  o  globo  e  dissociaram  a  idéia  de 
presença e contato como atos simultâneos. 
         Novas  formas  de  intercambiar  as  experiências  e  fatos  do  passado  foram  surgindo 
pelo registro e reprodução dessas experiências. Se nas tradições orais era necessário o diálogo 
face  a  face  ilustrando  o  testemunho  como  força  maior  de  expressão,  pelos  meios  de 
comunicação  o  sentido  do  passado  é  determinado  pela  “historicidade  mediada” 
(THOMPSON,  1998).  O  conteúdo  simbólico  da  mídia  é  transformado  em  elemento  de 
perpetuação dos fatos. Uma vez que a fixação em um substrato qualquer estava ao alcance do
19 



homem,  o  fluxo  da  história  e  o  “nosso  sentido  do  passado  e  como  ele  nos  alcança” 
(THOMPSON, 1998, p. 38) trouxe, também, novas experiências de compreensão do mundo. 
           A  caracterização  de  Thompson  para o  termo  genericamente  chamado  comunicação 
de  massa,  dividida  em  cinco  partes  integrantes,  evoca,  ao  mesmo  tempo,  as  vertentes 
tecnológicas e sociais dos meios e estabelece contextos de interseção entre as duas. No plano 
social, a primeira das cinco características define os meios de comunicação como instituições 
alicerçadas  por  aparatos  técnicos  que  atuam  em  consonância  com  a  busca  do  “poder 
simbólico”  1 .  Institucionalizar  significa  estabelecer  um  “conjunto  relativamente  estável  de 
regras, recursos e relações sociais”. (THOMPSON, 1998, p. 21) 
           A partir desse conjunto estável, as instituições, jornais, revistas, rádios, redes de TV, 
tendem a atribuir certo valor aos produtos da comunicação, definindo a segunda característica 
como  a  mercantilização  dos  meios.  O  potencial  de  abrangência  atende,  principalmente,  aos 
anseios da sociedade moderna que passa a entender o mundo como um lugar sem fronteiras. 
A  necessidade  de  difundir  produtos,  valores,  formas  sociais  de  convívio,  métodos  de 
produção, atribui uma valorização tanto econômica como simbólica desses elementos. 
           Com  a  produção  desses  bens  simbólicos  e  a  necessidade  de  difundi­los  por  toda 
extensão  do  globo  evidencia­se  uma  dissociação  entre  a  produção  e  a  recepção  das  formas 
simbólicas. A terceira característica volta às atenções para o fluxo das mensagens transmitidas 
para contextos distantes de onde foi produzida. 
           Acrescentado a isso o fato da disponibilidade dessas produções e sua permanência no 
tempo  e  no  espaço,  como  sendo  quarta  característica,  reforça  o  teor  da  produção  e  sua 
distribuição por terras distantes. 
           Como quinta e última característica, a comunicação implica “a circulação pública de 
formas simbólicas mediadas” (THOMPSON, 1998, p.32). Com isso ela assume a condição de 
quase onipresença nos espaços públicos de maneira geral. Passa, então, a registrar o mundo. 
           Em decorrência dessas características, a comunicação passa a alterar de forma cada 
vez mais  incidente a compreensão da experiência além do campo de vivência do homem. A 
“mundanidade  mediada”  (THOMPSON,  1998)  como  propriedade  de  retratar  a  realidade  de 
forma  global  e  por  conseqüência  dilatar  os  horizontes  espaciais  alterou  o  sentido  de 
comunidade  onde  indivíduos  atribuem,  através  de  um  senso  de  pertencimento,  valores  às 

1 
  Thompson (1998) descreve em caráter analítico quatro formas de poder manifestadas nas sociedades, cada uma 
atuando através de recursos que lhes competem. Esses poderes e seus respectivos recursos são: poder econômico, 
poder  político,  poder  coercitivo  e  poder  simbólico,  exercidos  através  dos  recursos  materiais  e  financeiros, 
autoridade, força física e armada, além dos meios de informação e comunicação.
20 



histórias vivenciadas em um passado comum. O panorama da vida passa a ser delimitado por 
diversas  formas  simbólicas  da  mídia  que  retratam  contextos  distantes  e  os  tornam  presentes 
em espaços diferentes. 


                          (...)  à  medida  que  nossa  compreensão  do  passado  se  torna  cada  vez  mais 
                          dependente da mediação das formas simbólicas, e a nossa compreensão do mundo e 
                          do lugar que ocupamos nele vai  se  alimentando dos produtos da mídia,  do mesmo 
                          modo a nossa compreensão dos grupos e comunidades com que compartilhamos um 
                          caminho comum através do tempo e  do espaço, uma  origem  e um destino comuns, 
                          também vai sendo alterada: sentimo­nos pertencentes a grupos e comunidades que 
                          se constituem em parte através da mídia. (THOMPSON, 1998, p.39) 



         Essas  formas  simbólicas  são  expressas  em  linguagens  que  durante  toda  a  trajetória 
ascendente  da  integração  dos  meios de  comunicação  ao  convívio  social  se  alternaram entre 
sistemas  expressos  ora  pela  escrita,  ora  pelo  audiovisual,  até  reuni­los  em  um  sistema 
unificado. 
         O  que  Castells  (1999)  denomina  como  “Galáxia  de  Gutenberg...  um  sistema  de 
comunicação  essencialmente  dominado  pela  mente  tipográfica  e  pela  ordem  do  alfabeto 
fonético”  é  a  primeira  manifestação  instrumental  e  como  meio  técnico  da  comunicação 
mediante o advento da imprensa e do papel que trouxeram consigo a produção e distribuição 
em larga escala. 
         Mas  a  relação  entre  linguagem,  comunicação  e  cultura,  se  dá  de  forma  intrínseca. 
Para  compreender  o  papel  da  evolução  desses  sistemas  tipográficos  e  audiovisuais  é 
necessário  acompanhar  sua  incidência  na  esfera  cultural.  Para  tanto  Castells  (1999,  p.  354) 
enuncia que 


                          (...) a comunicação, decididamente, molda a cultura porque, como afirma Postman 
                          ‘nós  não  vemos...  a  realidade  ...  como  ela  é,  mas  como  são  nossas  linguagens.  E 
                          nossas linguagens são nossas mídias. Nossas mídias são nossas metáforas. Nossas 
                          metáforas  criam  o  conteúdo  de  nossa  cultura’.  Como  a  cultura  é  mediada  e 
                          determinada  pela  comunicação,  as  próprias  culturas,  isto  é,  nossos  sistemas  de 
                          crenças  e  códigos  historicamente  produzidos  são  transformados  de  maneira 
                          fundamental  pelo  novo  sistema  tecnológico  e  o  serão  ainda  mais  com    passar  do 
                          tempo. 


         A  difusão  em  larga  escala  dos  impressos  proporcionou  grandes  mudanças  nos 
aspectos  culturais  uma  vez  que  estabeleceu  a  lógica  cumulativa  do  conhecimento  e  da 
informação.  No  entanto,  durante  todo  o  tempo  em  que  prevaleceu,  a  comunicação  escrita 
condicionou  o  sistema  audiovisual  a  um  estado  de  pouca  expressão  delegando  a  ele  os
21 



“bastidores das artes, que lidam com o domínio privado das emoções e com o mundo público 
da liturgia”. (CASTELLS, 1999, p. 353) 
          Com o advento da televisão, porém, a incidência dessas transformações na expressão 
cultural  se  intensificou  de  forma  jamais  vista,  ensejando  o  surgimento  dos  termos 
comunicação de massa e delimitando novos traços na abrangência dos meios de comunicação. 
          Esse  “sistema  de  crenças  e  códigos”,  como  Castells  caracteriza  a  cultura,  é 
veementemente  alterado pelo  novo  arranjo  sistêmico  da  comunicação  trazido pela  televisão, 
que  assume  o  “epicentro  cultural  de  nossas  sociedades...  um  meio  fundamentalmente... 
caracterizado  pela  sedução,  estimulação  sensorial  da  realidade  e  fácil  comunicabilidade”. 
(CASTELLS, 1999, p. 358) O seu poder, continuando a linha de análise de Castells, está no 
fato  de  que  ela  “arma  o  palco  para  todos  os  processos  que  se  pretendem  comunicar  à 
sociedade em geral, de política a negócios, inclusive esportes e arte”. (CASTELLS, 1999, p. 
361) 
          A  televisão  como  aparato  técnico  surge  em  meio  ao  rádio,  aos  filmes,  as  artes, 
jornais,  revistas  e  livros,  tornando­se  o  centro  de  todas  as  vertentes  técnicas  e  suportes  da 
comunicação. Seu aspecto informativo, de entretenimento, fixação, transmissão, entre outros, 
logrou  de  um  poder  de  capilarização  e  penetração  em  escalas  jamais  experimentadas.  O 
impacto  disso  foi  visto  por  muitos  como  uma  tentativa  de  homogeneização  que 
inevitavelmente  ocorreria  mediante  e  existência  de  uma  massa  consumidora  portando­se 
como receptáculos passivos a todo tipo de veiculação arbitrária. 
          A  televisão  não  só  inseriu  o  sistema  audiovisual  em  um  contexto  abrangente  como 
seduziu a todos pelo tipo de postura que deveriam assumir perante a sua existência. Segundo 
analisa Castells, a denominada lei do menor esforço decorre não da sedutora condição da TV, 
e sim de um contexto social permeado por novas condições de vida, trabalho, família, “falta 
de  alternativas  o  envolvimento  pessoal/cultural”  (CASTELLS,  1999),  que  de  certa  forma 
delegaram ao homem o poder de escolha cercado por situações que o impeliam a uma opção, 
assistir as exibições da nova tela desenhada por elétrons. 
          A relação entre o conceito de cultura de massa e a TV está basicamente apoiada no 
controle tecnológico da comunicação eletrônica. No entanto, a relação entre o telespectador e 
a  televisão  segue  uma  lógica  não  de  opressão  e  sim  emocional,  conforme  anuncia  Castells 
(1999, p. 357)enfocando as idéias de McLuhan: 


                          (...) os telespectadores têm de preencher os espaços da imagem e por isso aumentam 
                          seu  envolvimento  emocional  com  o  ato  de  assistir  (o  que  ele,  paradoxalmente, 
                          caracterizou como um “ meio frio” ). Tal envolvimento não contradiz a hipótese do
22 



                         mínimo  esforço,  porque  a  TV  apela  à  mente  associativa/lírica,  não  envolvendo  o 
                         esforço psicológico da recuperação e análise da informação (...) 


         Esse enfoque do poder de penetrabilidade social da televisão é fruto da afirmação de 
McLuhan  que  o  diz  o  “meio  é  a  mensagem”.  Essa  supervalorização  do  meio,  como 
significante, é desmistificada por Umberto Eco que diz: 


                         Existe, dependendo das circunstâncias socioculturais, uma variedade de códigos, ou 
                         melhor,  de  regras  de  competência  e  interpretação.  A  mensagem  tem  uma  forma 
                         significante  que  pode  ser  completada  com  diferentes  significados...  Assim,  havia 
                         margem  para  a  suposição  de  que  o  emissor  organizava  a  imagem  televisual  com 
                         base nos próprios códigos, que coincidiam com aqueles da ideologia dominante, de 
                         acordo com seus códigos culturais específicos.... aprendemos uma coisa: não existe 
                         uma  Cultura  de  Massa  no  sentido  imaginado  pelos  críticos  apocalípticos  das 
                         comunicações de  massa,  porque  esse  modelo  compete com  os outros (constituídos 
                         por vestígios históricos, cultura de classe, aspectos da alta cultura transmitidos pela 
                         educação, etc.) (Eco apud CASTELLS, 1999, p. 360) 


         Conceituando  o  processo  dessa  maneira,  Eco  introduz  a  percepção  de  que  há, 
inserida em todas as relações entre receptores e os meios de comunicação, uma autonomia de 
significação.  O  meio  (significante)  conduz  a  mensagem  que por  sua  vez é  transmitida  até  o 
receptor, apoiado por uma gama de códigos culturais que embasarão seu viés de compreensão, 
elevando o seu papel na construção final do significado referencial. 
         A  TV,  no  entanto,  é  um  meio  de  comunicação  que  atua,  como  todos os  outros, de 
forma  institucionalizada  e  com  total  ausência  de  neutralidade.  Apesar  da  autonomia  dos 
indivíduos frente à construção final dos significados, as mensagens veiculadas são carregadas 
dos  mais  variados  artifícios  subliminares  ou  explícitos  e  talhadas  visando  uma  maior 
penetração  e  identificação  nos  contextos  sociais.  O  emissor, então,  fica  longe  da  imaginada 
opressão que poderia ter em uma conceituação mais simplista dos meios de comunicação, a 
conseqüência disso é: 


                         (...) aceitar ser misturado em um texto multissemântico, cuja sintaxe é extremamente 
                         imprecisa.  Assim,  informação  e  entretenimento,  educação  e  propaganda, 
                         relaxamento  e  hipnose,  tudo  isso  está  misturado  na  linguagem  televisiva.  Como  o 
                         contexto do ato de assistir é controlável e familiar ao receptor, todas as mensagens 
                         são absorvidas no modo tranqüilizador das situações domésticas ou aparentemente 
                         domésticas (...) (CASTELLS, 1999, p. 361) 


         Esse  aspecto  multissemântico  é  corroborado  “mediante...  práticas  coletivas  ou 
preferências  individuais”  (CASTELLS,  1999).  O  caracterizado  por  Castells,  “sistema  de 
feedbacks entre espelhos deformadores”, é a estrita, contínua e inerente relação entre a cultura 
e  a  sua  representação  mediada  pelos  meios  de  comunicação.  Com  o  crescimento  da
23 



abrangência desses meios, essa relação construtiva, onde a mídia expressa a cultura e essa por 
sua vez se constrói, em parte, por elementos midiáticos, passou a ser preponderante na ênfase 
ao receptor, antes descrito como receptáculo passivo e agora dotado de crescente autonomia. 
         O  período  compreendido  entre  a  eminência  da  escrita  até  o  advento da  televisão é, 
então, descrito como “Da galáxia de Gutenberg à Galáxia de McLuhan” (CASTELLS, 1999). 
No  entanto,  a  compreensão  da  mídia  de  massa  seguiu  sua  trajetória  alicerçada  em  novos 
fatores que modificaram, ainda mais, a sua conceituação. 
         Nos  anos  de  1980,  tendências  tecnológicas  representaram  o  impulso  para  as 
transformações  dos  atributos  interativos  das  mídias.  Jornais  impressos  com  edições 
simultâneas e sob medida para áreas diversas, rádios e equipamentos de reprodução portáteis, 
novos canais de TV a cabo e o aumento expressivo dos canais da TV aberta, o videocassete, 
as máquinas fotográficas, tudo isso implicou em uma nova via para o consumo segmentado, 
controle e direcionamento dos conteúdos e, principalmente, um alento para a interatividade e 
maior efetividade na adequação das mensagens. 
         Esse  novo  panorama  que  se  desenhou  tornou  o  que  para  muitos  se  apresentava  de 
forma obscura em cristalinas porções de água. O reflexo da divisão do grande bojo midiático, 
que abarcava a sociedade de massa, em pequenos nacos de conteúdos heterogêneos entre si, a 
exemplo dos canais de televisão, implicou que: 


                         (...) a nova mídia determina uma audiência segmentada,  diferenciada que, embora 
                         maciça  em  termos  de  números,  já  não  é  uma  audiência  de  massa  em  termos  de 
                         simultaneidade  e  uniformidade  da  mensagem  recebida.  A  nova  mídia  não  é  mais 
                         mídia  de  massa  no  sentido  tradicional  do  envio  de  um  número  limitado  de 
                         mensagens  a  uma  audiência  homogênea  de  massa.  Devido  à  multiplicidade  de 
                         mensagens e fontes, a própria audiência torna­se mais seletiva. A audiência visada 
                         tende  a  escolher  suas  mensagens,  assim  aprofundando  sua  segmentação, 
                         intensificando  o  relacionamento  individual  entre  o  emissor  e  o  receptor.  (Sabbah 
                         apud CASTELLS, 1999, p. 361) 


         O  reflexo  do  papel  fundamental  e  atuante  do  receptor  pela  descentralização  do 
processo  e  dos  instrumentos  de  mediação,  diversificação  de  conteúdo  e,  principalmente, 
adequação ao público alvo, concebeu o novo viés da conhecida frase de McLuhan, porém pela 
visão  trazida  pertinentemente  por  Castells,  “a  mensagem  é  o  meio”.  É  ela  quem  dita  e 
determina  as  formas  de  estruturação  tecnológica,  interfacial,  profissional,  imagética,  de 
conteúdo, produção, transmissão, entre outros elementos dispostos em canais de TV, produtos 
musicais,  programas  de  rádio  e  a  infinidade  de  processos  abarcados  por  essa  “nova  mídia” 
(CASTELLS,  1999).  Em  torno  dela,  a  aldeia  global  se  posiciona  estruturando­se  por
24 



“domicílios  sob  medida,  globalmente  produzidos  e  localmente  distribuídos”  (CASTELLS, 
1999). 
          Não obstante a tudo isso, um novo movimento tenciona esse contexto, a “formação 
de megagrupos e alianças estratégicas para conseguir fatias de mercado” (CASTELLS, 1999). 
Observando as novas iniciativas desse cenário de mudanças, os veículos de comunicação com 
grande expressividade iniciaram fusões para acompanhar a lógica de produção de conteúdo e 
a conseqüente exposição a eles. 


                        “ O  resultado  da  concorrência  e  concentração  desse  negócio  é  que,  embora  a 
                        audiência  tenha  sido  segmentada  e  diversificada,  a  televisão  tornou­se  mais 
                        comercializada  do  que  nunca  e  cada  vez  mais  oligopolista  no  âmbito  global.  O 
                        conteúdo real da maioria das programações não é muito diferente de uma rede para 
                        outra,  se  considerarmos  as  fórmulas  semânticas  subjacentes  dos  programas  mais 
                        populares  como  um  todo.  No  entanto,  o  fato  de  que  nem  todos  assistem  à  mesma 
                        coisa  simultaneamente  e  que  cada  cultura  e  grupo  social  tem  um  relacionamento 
                        específico  com  o  sistema de mídia  faz uma diferença  fundamental vis­à­vis o velho 
                        sistema de mídia de massa padronizado.” (CASTELLS, 1999, p. 365) 


          Os impactos dessa “nova mídia” incidiram de forma definitiva na comunicação. No 
entanto,  a  TV  como  representação  de  maior  amplitude  e  difusão  global,  até  então,  não 
conseguiu se  livrar desse padrão unilateral e com ausência de feedback dos telespectadores, 
salvo manifestações de prescindir o consumo. A rede de interatividade foi, então, trazida pela 
internet. 
          A irrupção da multimidialidade que culminou na rede com milhões de computadores 
interligados em  todo  mundo  ensejou  mudanças  que  tomaram proporções,  mais  uma  vez,  de 
propagação  global,  já  amplamente  vivenciadas  no  século  XXI.  A  internet  em  função  do 
espectro amplo de sua concepção até a plena existência  seria objeto de outra análise dada a 
sua complexidade. 
          Porém, a multimidialidade inseriu uma nova perspectiva global no que diz respeito à 
cultura e os meios de comunicação, o que norteia o cerne desse estudo. A inserção definitiva 
das pluralidades dependia de instrumentos mais efetivos para a expressão. Captar, produzir e 
reproduzir são ações no processo comunicativo que assumiram novos formatos e perspectivas 
de  inserção  e  hibridização.    Assim  como  uma  profunda  mudança  foi  sentida  diante  da 
presença sedutora do sistema audiovisual trazido pela televisão, a multimídia rompeu com as 
condições  vigentes  em  sua  chegada  criando  um  “supertexto  histórico  gigantesco” 
(CASTELLS,  1999).  Tudo  isso  resulta  em  um  “novo  ambiente  simbólico”  abrangendo  a 
virtualidade e implicando na sua presença na realidade.
25 



         Essa  “virtualidade  real”  (CASTELLS,  1999)  é  o  elemento  ratificador  do  binário 
“presença/ausência  no  sistema  multimídia  de  comunicação”  (CASTELLS,  1999).  Seria 
entender  que  o  virtual,  exibido  imagético  e  simbolicamente  nos  meios  de  comunicação,  a 
exemplo dos personagens, é  fruto do reflexo de padrões e códigos culturais, mas ao mesmo 
tempo  incidem  mudanças  nesses  padrões  e  códigos  e,  portanto,  faz  parte  deles.    É  de  se 
imaginar  que  com  o  crescimento  da  quantidade  de  “espelhos  deformadores”  (CASTELLS, 
1999),  a  multimídia,  e de um  acentuado  aumento  na  autonomia dos  feedbacks,  essa  relação 
cultura/meios  de  comunicação  assume  uma  consistência  fragmentada  impossível  de  ser 
acompanhada. 
         O  fato  preponderante  é  que  sobre  um  “sistema  de  comunicação,  baseado  na 
integração  em rede  digitalizada  de  múltiplos  modos  de  comunicação” e  “sua  capacidade  de 
inclusão  e  abrangência  de  todas  as  expressões  culturais”  (CASTELLS,  1999)  esse  processo 
tende a se consolidar e realimentar­se eternamente. 
         Tendo proposto essa breve descrição do panorama da comunicação contemporânea e 
sua relação com os aspectos culturais das sociedades, um ponto torna­se crucial: o indivíduo 
inserido  nesse  contexto  de  intensa  mudança  dos  elementos  identitários,  sendo,  portanto, 
objeto de análise das próximas linhas. 
         O  que  genericamente  se  propõe  como  pauta  discursiva  no  campo  atual  das 
identidades é a recorrente tradução da “crise de identidade” (HALL, 2001). Essa terminologia 
crise dedica­se mais a confrontar a dinâmica referencial que se percebeu durante algum tempo 
do  possível  ser  unificado  com  a  dinâmica  referencial  atual  que,  em  decorrência  de  vários 
fatores  de  mudanças  sociais,  ou um panorama  cultural  difícil  de precisar  e perpetuar, o que 
criou,  através  da  fragmentação  e  hibridismos,  processos  de  referenciação  mais  abertos  e 
permeáveis. A tendência que antes prevalecia, de busca incessante da precisão referencial era 
apoiada por um  centro que  em  seu  cerne  pairavam  as  instituições  bem delimitadas  de certo 
período  histórico,  a  família,  o  estado­nação,  o  mercado,  entre  outras.    A  partir  delas  se 
derivaria  todo  estado  incipiente  de  análise  para  então  compor  as  linhas  de  observação  e 
formação identitária. 
         O desenvolvimento de uma nova mídia descentralizada, segmentada e composta por 
múltiplos  meios  de  comunicação  apresenta  uma  profunda  relação  com  o  processo  de 
constante  reestruturação  das  paisagens  identitárias.  Segundo  a  definição  de  Castells,  a 
identidade pode ser entendida como um processo de “construção de significado com base em 
um  atributo  cultural,  ou  ainda  um  conjunto  de  atributos  culturais  inter­relacionados,  o(s) 
qual(ais)  prevalece(m)  sobre  outras  fontes  de  significado.”  (CASTELLS,  1999,  p.  22).  À
26 



medida  que  a  pluralidade  de  expressões  torna­se  cada  vez  mais  acessível,  as  manifestações 
culturais  remontam  a  ausência  de  um  centro  ou  atributo  uniforme  na  sociedade,  situando 
vários elementos aleatoriamente posicionados. 
           Essa  ausência  de  um  centro  referencial  tida  como  a  “descentração  do  sujeito”, 
implica a perda de um “sentido de si” e o deslocamento “tanto do seu lugar no mundo social e 
cultural  quanto  de  si  mesmo”.  (HALL,  2001,  p.  9)  Esse  fenômeno  é  um  dos  elementos  da 
discussão sobre a aventada crise das identidades analisada por Stuart Hall. 
           É pertinente retroceder um pouco no tempo para traduzir como os aspectos técnicos 
da  comunicação  têm  desdobramentos  profundos  na  análise  social  das  identidades.  Hall,  em 
sua  linha  de  raciocínio  para  explicar  quando  o  sujeito  realmente  pôde  ser  concebido  como 
unificado, menciona uma importante definição trazida pelo iluminista John Locke que dizia: 
“a  identidade da pessoa alcança  a  exata  extensão  em  que  sua  consciência  pode  ir  para trás, 
para qualquer ação ou pensamento passado”. (Locke apud HALL, 2001, p.27­28). 
           Apoiado  nessa  perspectiva,  depreende­se  que  se  hoje  tendemos  a  uma  expansão 
vertiginosa  no  aprofundamento  do  passado  graças  à  lógica  cumulativa  dos  meios  de 
comunicação e se a presença de todos esses elementos registrados tem um caráter infinito de 
existência temporal em função dos diversos suportes hoje existentes, é  notório perceber que 
essa  unidade  de  alcance,  mencionada  por  Locke,  atualmente  vai  tão  além  do  poder  de 
mensuração  do  sujeito  que  a  consequente  formação  identitária  se  multiplica  também  em 
proporções  difíceis  de  acompanhar  e  impossíveis  de  precisar.  As  fontes  de  significado  se 
entrelaçam para conceber uma rede na qual valores, crenças e  símbolos se conjugam para a 
formação de novos valores, novas crenças e novos símbolos altamente permeados pela idéia 
do simultâneo e passageiro. 
                                                                                                    2 
           O  esquema  proposto  por  Hall  (2001)  para  caracterizar  os  três  tipos  de  sujeito 
existentes  segundo  a  sua  concepção  registra  as  primeiras  grandes  alterações  a  partir  do 
“sujeito  sociológico”.  O  autor  pondera  que  a  partir  desse  sujeito  tivemos  a  introdução  da 
lógica  da  mediação  dos  sentidos,  valores  e  símbolos  atuando  permanentemente  no 
desenvolvimento  do  homem.  Esse  repertório  exibido  através  das  paisagens  culturais  dava 
origem à identidade que preenchia o “espaço entre o “interior” e o “exterior” – entre o mundo 
pessoal e o mundo público.” (HALL, 2001, p.11) 


2 
  Hall  elenca  os  três  sujeitos  a  partir  de  determinados  momentos  históricos.  Devido  à  relevância  dos  sujeitos 
sociológico  e  pós­moderno,  esse  último  de  forma  mais  abrangente,  vou  prescindir  e  menção  do  sujeito  do 
iluminismo, de igual importância, porém que estenderia a análise desnecessariamente.
27 



         Mesmo  visto  dessa  forma,  o  sujeito  ainda  era  compreendido  como  unificado,  pois 
nascia  com  um  “núcleo  interior”  que  se  desenvolvia  na  “relação  com  “outras  pessoas 
importantes para ele”. (HALL, 2001, p.11) 
         No  entanto,  essa  miríade  de  elementos  subjetivos  que  deveriam  ser  alinhados 
socialmente sofreu mudanças intensas introduzidas pela idéia de que o sujeito não possui mais 
uma identidade fixa ou permanente, assim se define o “sujeito pós­moderno”.  O processo de 
identificação  tornou­se  “provisório,  variável  e  problemático”,  pois  “à  medida  em  que  os 
sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma 
multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais 
poderíamos no identificar – ao menos temporariamente.” (HALL, 2001, p. 13) 
         Além do processo de identificação, outro fator de mudança estrutural compete para a 
fragmentação do sujeito. As várias instituições do mundo pós­moderno exigem dele posturas 
diferentes em momentos diferentes. Dessa forma, os papéis sociais que segundo Castells são 
definidos  “pelas  normas  estruturadas”  por  essas  instituições  e  organizações  refletem  na 
caracterização da identidade, resultando em “identidades diferentes em momentos diferentes”. 
(HALL, 2001, p.13) 
         A crise da identidade resultante da descentração do sujeito pós­moderno é fruto desse 
novo contexto. Para corroborar essa total desagregação, Hall enumera cinco avanços na teoria 
social e nas ciências humanas, mas pela pertinência abordaremos somente três. 
         O  primeiro  deles  parte  da  estrutura  lingüística  e  está  associado  ao  trabalho  de 
Ferdinand  de  Saussure.  A  língua,  assim  como  os  diversos  instrumentos  de  produção  de 
significado,  possui  uma  dinâmica  autônoma  que  independe  de  quem  está  produzindo  as 
mensagens. Assim como as identidades se comportam, as palavras estão sempre apoiadas em 
um referencial que é um objeto externo às relações estruturadas em similaridade e diferença. 
É nítido, portanto, que não há uma determinação final do significado e nem da identidade por 
não  haver  mais  uma  determinação  categórica  de  similaridade  e  nem  diferença.  Na  mesma 
proporção em que se tenta estabilizar esse significado em uma vertente cabal, a multiplicação 
dos códigos e objetos referenciais perturbam pelo seu ininterrupto movimento multidirecional, 
se situando como se estivesse em uma câmara espelhada observada por dentro sempre a partir 
de diferentes pontos. 
         Nesse  aspecto,  a  produção  lingüística  em  geral,  que  venha  expressar  os  códigos 
culturais, por maior precisão que se busque por parte do emissor, a recepção, conforme já foi 
dito,  é  um  ato  cada  vez  mais  dissociado  da  produção  e  altamente  subjetivo.  O  que  torna 
imprevisível os resultados da assimilação.
28 



         Outra  teoria  discutida  é  o  processo  denominado  por  Michel  Focault  de  “poder 
disciplinar”  (Focault  apud  HALL,  2001).  Esse  poder  é  exercido  por  instituições 
contemporâneas  como  escolas,  prisões,  hospitais,  entre  outras,  interessa  para  essa  análise 
tendo como foco as instituições midiáticas. 
         O processo discutido anteriormente quanto à ausência de neutralidade dos meios de 
comunicação  e  as  possíveis  iniciativas  frente  ao  consumo  segmentado  são  estratégias,  na 
maioria das vezes de individualização em meio ao coletivo, exatamente como ocorre quando 
se busca esse poder disciplinar. 
         Assim como hospitais possuem prontuários com excessiva carga descritiva em busca 
de  delimitação  do  indivíduo  em  meio  ao  coletivo  para  fins  de  controle,  esses  meios  de 
comunicação  ainda  tentam  descobrir  mecanismos  para  estabelecer  certos  denominadores 
comuns de modo a interromper a segmentação ou pelo menos abrandar esse processo. 
         Por  outro  lado,  alguns  veículos,  como  a  revista  piauí,  se  integram  ao  fluxo 
imprevisível  de  montagem  das  paisagens  culturais  para  expressar  a  impossibilidade  de  se 
fechar  em  um  significado,  ao  contrário,  se  entrega  a  todos  eles  em  uma  dinâmica  oposta, 
partindo da comunhão de várias individualidades para a composição de uma conteúdo voltado 
para um coletivo socialmente segmentado e fragmentado. 
         A  última  teoria  diz  respeito  ao  impacto  social  do  feminismo.  Esse  movimento 
representou,  junto  aos  movimentos  de  luta  racial,  gays,  lésbicas,  antibelicistas,  uma 
contestação  social  que  permeou  todas  as  esferas  de  convivência,  mas  que  trouxe, 
principalmente,  em  função  da  sua  amplitude,  a  idéia  da  “política  de  identidade  –  uma 
identidade para cada movimento”. (HALL, 2001, p. 45) 
         Como  encerramento  é  preciso  trazer  a  nova  lógica  das  formações  identitárias 
proposta por Castells. O autor aponta três formas e origens de construção de identidades: 


                         Identidade legitimadora: introduzida pelas instituições dominantes da sociedade no 
                         intuito de expandir e racionalizar sua dominação em relação aos atores sociais...dá 
                         origem a uma sociedade  civil, ou seja, um conjunto de organizações e instituições, 
                         bem como uma série de atores sociais(..). 
                         Identidade de resistência: criada por  atores que encontram  em posições/condições 
                         desvalorizadas(...)Leva à formação de comunas, ou comunidades... 
                         Identidade  de  projeto:  quando  os atores sociais,  utilizando­se  de  qualquer  tipo  de 
                         material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir 
                         sua posição na sociedade (...) (CASTELLS, 1999, p. 24) 


         Há  um  ponto  crucial  a  ser  pensado  considerando  esses  processos  de  construção. 
Segundo a linha de raciocínio do próprio Castells, durante a modernidade, as identidades de 
projeto  se  formavam  a  partir  da  sociedade  civil  com  o  intuito  de  propor  novas  lógicas  às
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instituições dominantes, grande exemplo disso foi o socialismo. Com o advento dessa série de 
movimentos  sociais  que  fragmentaram  as  identidades  em  uma  perspectiva  política,  a 
identidade de projeto passa a se desenvolver a partir das identidades de resistência. É o que 
ele chama de “transformação social na era da informação.” (CASTELLS, 1999, p. 28) 
        Com  a  finalidade  de  identificar  essas  manifestações  linguísticas  características  da 
pós­modernidade, o pastiche,  a  paródia e  o simulacro, que visam  determinar  um público  de 
consumo,  representando  segmentações  tanto  produtivas,  quanto  receptivas,  a  proposta  de 
análise é a revista piauí. Além de se dirigir a um segmento de indivíduos, pelo uso de códigos 
e elementos culturais específicos, piauí reforça o papel das identidades na determinação das 
novas vertentes de produção editorial.
30 



                                            Capítulo III 
                                   Desconcer tante constr ução 




         O  presente  trabalho  encarregou­se,  até  agora,  de  apontar  algumas  mudanças 
ocorridas  tanto  nas  dinâmicas  sociais  quanto  nos  aspectos  técnicos  da  comunicação  e  seus 
desdobramentos  e  relações  com  os  processos  identitários.  Para  consolidar  esse  panorama 
exposto até então, é imprescindível referenciá­lo em um produto que possa espelhar e traduzir 
esses aspectos que serão exemplificados pela análise da revista piauí. 
         A modernidade foi descrita pela sua rigidez no estabelecimento de fronteiras claras 
entre os gêneros, que se fundiram na pós­modernidade e deram origem a uma tensão contrária 
ao  isolacionismo  lingüístico  e  disciplinar  das  metanarrativas.  A  pluralidade  manifesta  na 
desrefencialização identitária implicou em novas maneiras de projetar culturalmente minorias 
no  âmbito  social.  Novas  tendências  eclodiram  nos  meios  de  comunicação  pelo  consumo 
segmentado e pela maior participação do receptor na produção dos significados. A cultura foi 
apresentada como detentora de traços da sociedade assim como a sociedade incorpora traços 
da cultura para se completarem mutuamente. Tudo isso resultou em perspectivas de uso das 
figuras e métodos de linguagem em  novos moldes como o desconstrucionismo, a colagem e 
montagem,  o  simulacro,  o  pastiche  e  a  paródia  e,  principalmente,  a  concepção  da  estrutura 
mutante  dos  signos  sob  a  ótica  dos  atores  sociais.  Essas  foram  algumas  mudanças  que 
eclodiram nessa transição. 
         O  termo  gramática   é  recorrentemente  utilizado  nas  elucidações  sobre  a  pós­ 
modernidade e suas várias manifestações lingüísticas que se relacionam com o meio em uma 
dinâmica de recriação e rompimento com hierarquias e padrões de expressão. Gramática  tem, 
como  uma  de  suas  definições  “em  lingüística  descritiva,  estudo  objetivo  e  sistemático  dos 
elementos (...) e dos processos (de formação, construção, flexão e expressão) que constituem 
e caracterizam o sistema de uma língua” (Dicionário de Língua Portuguesa, p. 1474) 
         Essa  ênfase  aos  processos  de  formação  e  caráter  sistêmico  da  gramática  reforça  o 
valor  atribuído  ao  significante  na  pós­modernidade  e  situa  o  objeto  em  questão  como 
importante  instrumento  para  identificar  de  que  forma  as  novas  manifestações  editoriais  se 
apropriam dos padrões vigentes relacionando­os em torno de novos significados. 
         O jornalismo como autêntica forma de expressão e retratação dos fatos segue a sua 
própria  gramática  e  se  resguarda,  em  seu  valor  institucional,  nos  cânones,  ou  regras 
particulares,  incumbidas  de  mediar  as  mensagens  de  forma  mais  familiar  e  pragmática  ao
31 



receptor. Mesmo compreendendo a vivacidade da língua, manuais de redação, extensas obras 
sobre  técnicas  de  escrita,  entre  outras  publicações,  permeiam  o  cotidiano  da  produção 
jornalística. 
          Conforme  já  elucidado  no  capítulo  anterior,  há  uma  crescente  tensão  entre  o  fator 
institucional  dos  meios  de  comunicação  e  as  formas  participativas,  interativas  e 
descentralizadas  impostas  pela  nova  ordem  de  exposição  do  receptor  às  mensagens.  É  fato 
que  a  institucionalização  depende,  conforme  caracteriza  Thompson  (1998),  de  certa 
estabilidade  e  projeção  no  tempo.  No  entanto,  a  própria  desrefencialização  identitária  dos 
sujeitos sociais incide nos mais diversos substratos de maneira divergente a essa estabilidade 
que anteriormente utilizava da comunicação de massa travestida nos recém trazidos aparatos 
tecnológicos, a exemplo da televisão. 
          Seguindo a lógica cultural de relacionamento entre o “sistema de crenças e códigos 
historicamente  produzidos”  e  os  sujeitos  sociais  que  referendam  o  seu  uso  e  a  sua 
perpetuação, a tendência das novas manifestações editoriais é justamente de seguir esse fluxo 
pluralista  e  aberto,  não  obstante  presenciarmos  constantemente  produtos  que  resistem  em 
ceder e deslocar­se do seu cânone, representação típica desse fator institucional. (CASTELLS, 
1999, p. 34) 
          Compreendendo  tais  obras  como  as  metanarrativas,  mencionadas  anteriormente 
como os amplos esquemas interpretativos que norteavam os pensadores modernos, a revista 
piauí remonta o movimento desconcertante da pós­modernidade ao reunir aspectos da cultura 
erudita,  porém  em  uma  vertente  contrária  ao  isolacionismo  lingüístico  e  a  concepção  de 
gêneros  totalitários.  Ela  se  insere  na  perspectiva  segmentada  de  produção  voltada  para  um 
público  específico,  projetado  à  luz  da  afinidade  e  identificação  com  seus  conteúdos 
discursivos. Se  as paisagens  culturais  conforme pressagiou  Hall  (2001)  se  fragmentaram,  as 
nuances  editorias  tendem  a  se  expandir  para  atender  as  novas  demandas  lançadas  por  esse 
fenômeno,  de  maneira  que  a  segmentação  muito  acentuada  não  torne  se  exageradamente 
individualizada para resultar em publicações quantitativamente inviáveis. 
          Ao  tratar  das  instituições,  tão  dependentes  da  estabilidade  e  antes  apoiada  pelas 
fronteiras,  Harvey  (1989)  sugere  que  a  explosão  de  gêneros  e  sua  conseqüente 
heterogeneidade de  jogos  linguagem  dá  “origem  a  instituições  em  pedaços – determinismos 
locais”. (Lyotard apud HARVEY, 1989, p. 57). 
          No entanto, a estabilidade, nesse caso, é conferida coletivamente dentro daquilo que 
os  indivíduos  “consideram  conhecimento  válido”.  “Determinismos  locais”  são 
compreendidos,  nessa  abordagem,  como  “comunidades  interpretativas”.  Com  isso  Harvey
32 



ilustra o poder de constante recriação advinda tanto dos produtores quanto consumidores uma 
vez que constroem mutuamente seu repertório de códigos inseridos nessas comunidades. 
         Analogamente,  a  análise  proposta  se  aproxima  da  apreciação  elaborada  por  ele  de 
Soft  City.  Essa  obra,  conforme  propõe,  por  mais  ingênua  que  pareça,  uma  vez  que  foi 
concebida por um jovem recém chegado a Londres, ilustra um importante destaque diante do 
contexto que se pensava existir. Quando se propunha que o espaço urbano era dominado pela 
síntese totalizante e que pelas ruas circulavam somente acadêmicos dignos de interpretações 
abissais, Soft City constrói uma nova visão. Novas produções de significados eram realizadas 
pela parte viva da cidade, o caos urbano que se apresenta como impossível de ser controlado, 
a autonomia de cada um dos atores os destaca em meio aquilo que foram gestados. 
         Para compreender melhor, é necessário traçar um panorama histórico do surgimento 
de  piauí.  As  edições  selecionadas  para  apreciação  foram  as  duas  primeiras,  a  mais  recente 
datada (outubro de 2008) tendo como referência  a conclusão desse trabalho, além de outros 
dois  números  que  abordam  duas  tradições  mundialmente  reverenciadas,  o  natal  e  as 
olimpíadas, essas selecionadas para fundamentar o enfoque dado às pautas de temas sazonais 
e amplamente retratados. 
         É  importante  para  essa  análise  compreender  que,  dentro  de um processo  aberto  de 
construção,  não  há  determinações  a  serem  seguidas  durante  a  trajetória  da  revista.  Sendo 
assim,  o  interstício  que  separa  suas  primeiras  edições  da  mais  atual  reflete,  em  diversos 
aspectos, mudanças em algumas de suas características identitárias. Foram escolhidas quatro 
dimensões de análise: produto e contexto, cânone jornalístico – subjetividade e objetividade, 
Jornalismo literário, figuras de linguagem. 
         Tradicionalmente  o  jornalismo  enfatiza,  quase  sempre,  as  mesmas  questões  dentro 
das coberturas de grandes datas ou eventos. Entender como a revista ressalta outros elementos 
desse pragmatismo é, também, de fundamental importância para caracterizá­la. 




3.1 Pr oduto e contexto 




         Piauí  foi  concebida  há  dois  anos,  em  2006,  fruto  de  um  projeto  idealizado  pelo 
documentarista João Moreira Salles e teve sua primeira edição publicada em outubro daquele 
ano.  Alguns  aspectos de  sua  identidade  trazem dificuldades para uma  caracterização  fixa,  o
33 



que,  no  entanto,  lhe  atribui  a  singularidade  necessária  ao  reunir  várias  vertentes  e  um 
anarquismo aleatório. 


                          “ A piauí é saudavelmente anárquica. Ela muda muito; é muito dinâmica. Acho que 
                          dá  pra  dizer  que  a  revista  é  centrada  na  singularidade.  Não  temos  temas  gerais, 
                          mas  sempre  uma  pessoa,  uma  instituição.  Generalização  no  Brasil  é  algo  muito 
                          complicado, acaba sendo contraditório. Estamos com sete meses de revista e ainda 
                          procuramos  a  cara  dela.  É  difícil  definir  a  piauí,  assim  como  é  difícil  definir  o 
                          Brasil” (SALLES, 2007) 


         O  conteúdo  da  revista  é  elaborado,  a  cada  edição  mensal,  por  colaboradores, 
inclusive  internacionais,  se  aproximando  do  modelo  de  produção  em  rede,  autônomo, 
descentralizado  e  subjetivo.  Escritores,  médicos,  atores,  humoristas,  entre  outros,  dão 
consistência  ao  expediente  que  não  busca  uma  completude  na  perpetuação,  mas  no  caráter 
aberto de novas possibilidades e participações. 
         Reflexo dessa ausência de rigidez, as editorias de piauí, ou não editorias, seguem a 
mesma  lógica  aleatória.  As  denominações,  ordem  seqüencial  de  indexação  e  a  própria 
publicação  em  si  não  são  perenes,  salvo  exceções  como  Chegada ,  Despedida,  Diário  e 
Esquina  (Figura 1). A primeira, conforme o próprio nome já caracteriza, aborda sempre temas 
novos colocados em pauta, já despedida, que talvez pudesse referenciar as seções de óbito do 
jornalismo  convencional,  retrata  uma  espécie  memórias  póstumas  de  algum  fato,  tratando 
tanto  de pessoas  quanto de objetos  inanimados. Dois  exemplos  estão  na  edição  de  agosto  e 
outubro  de  2008  que  trazem,  respectivamente,  os  textos  ATÉ  TU,  ITAIPULÂNDIA  e  o 
discurso  de  paraninfo  para  formandos  A  LIBERDADE  DE  VER  OS  OUTROS,  do  escritor 
americano David Foster. 
         Esquina   poderia  ser  a  seção  que,  em  função  de  uma  peculiaridade,  a  ausência  de 
assinaturas,  se  aproxima  dos  editoriais,  inexistentes  na  revista,  salvo  exceção  da  edição  de 
outubro de 2008 que trouxe o primeiro deles. Composta por pequenas histórias que trazem os 
mais  diversos  assuntos,  Esquina ,  representaria,  portanto, o olhar  da revista  diante  de  alguns 
fatos  da  realidade,  porém  sem  a  pretensão  de  expor  nenhuma  opinião  sobre  eles,  se 
encarregando  somente  de  retratar  os  acontecimentos,  em  sua  grande  maioria  totalmente 
avessos aos parâmetros de relevância e noticiabilidade. 
         A discussão em torno da temporalidade em piauí é fator recorrente em função de sua 
evocação a temas inusitados. Pena (2006) trata dessa questão temporal e de acordo com suas 
considerações  “temporalidade  não  se  refere  ao  fato,  mas  à  forma  como  é  transmitido,  ou 
melhor, mediado. É o instante da mediação que realmente conta”. (PENA, 2006, p. 39)
Análise da revista Piauí e seus reflexos culturais na comunicação contemporânea
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  • 1. Faculdade Estácio de Sá de Belo Horizonte  Curso de Jornalismo  REFLEXOS CULTURAIS E IDENTITÁRIOS  DA COMUNICAÇÃO CONTEMPORÂNEA:  uma análise da revista piauí.  JAUNER TORQUATO RODOVALHO  Belo Horizonte, dezembro de 2008
  • 2. JAUNER TORQUATO RODOVALHO  REFLEXOS CULTURAIS E IDENTITÁRIOS  DA COMUNICAÇÃO CONTEMPORÂNEA:  uma análise da revista piauí.  Projeto Experimental apresentado em cumprimento  parcial às exigências do curso de graduação em  Comunicação Social – Jornalismo  da Faculdade Estácio de Sá de Belo Horizonte para  obtenção do grau de bacharel.  Orientadora: Professora Luciana de Oliveira  Belo Horizonte, dezembro de 2008
  • 4. Agradecimentos  Resumir a construção e desconstrução de nossas vidas em meras referencias a todos  aqueles que integraram esse processo talvez seja a tarefa mais difícil desse trabalho. Lembrar  e relembrar de todos sem prescindir o apontamento de nenhum ente querido dessa estrada que  percorro é para mim tão perturbador quanto saber que vários deles podem me deixar sem o  meu consentimento.  Dito  isso,  começo  esse  compilado,  e  pretendo  ser  breve,  não  só  citando  como  homenageando meus grandes, queridos e saudosos avos. São, para tudo que sei, exemplos que  guardo no coração para sempre.  Porém,  assim  como  me  vi  sem  eles,  quase  que  brevemente  encontrei  com  as  duas  pedras  mais  raras  da  minha  vida,  Pedro  e  Davi. Meus  filhos  que  impulsionam  e  alimentam  esse espírito que até sua chegada vagava sozinho.  À  minha  mãe  atribuo  toda  força  e  determinação  que  correm  por  essas  veias  tão  medicadas pelo longo período da minha infância diante do seu olhar sempre atento, cuidadoso  e determinado a superar tudo.  Minha  linda  irmã  e  todos  os  meus  tios,  tias,  primos  e  primas  que  compõem  essa  imensa  e  fraterna  família  que  segue  o  legado  de  seu  Severino,  exemplo  maior  para  todos.  Guardo cada um no coração.  Nos capítulos mais recentes da vida, agradeço imensamente às duas famílias que me  incorporei. Dedé, Carlin e Pedro Ivo se encarregaram de parte dessa trilha, junto a Ronaldo e  Telma que souberam me entender nas horas mais improváveis do mundo.  Por fim, minha musa inspiradora dessas linhas desconstrutivas, mais do que querida,  a  tenho  guardada  como  mestra  e  exemplo  de  dedicação  e,  principalmente,  sinergia  com  os  meus  pensamentos.  Lu,  obrigado  por  conduzir  esse  fluxo  de  sinapses  e  se  empenhar  na  consolidação desse trabalho tão valioso para mim.  Amo todos vocês.
  • 5. Resumo  O  presente  trabalho  se  volta  para  a  compreensão  das  manifestações  editoriais  no  contexto da pós­modernidade. Para tanto, sua estrutura se divide em três eixos principais: uma  breve  descrição  das  mudanças  ocorridas  no  âmbito  social  entre  a  modernidade  e  a  pós­  modernidade  abordando  questões  relativas  às  novas  estruturas  da  vida  em  sociedade;  a  evolução tecnológica dos meios de comunicação e seus reflexos na estruturação das paisagens  culturais que resultam em identidades indissociáveis desse fluxo; por fim, a análise de piauí,  revista que concretiza essas mudanças na esfera das publicações editoriais.
  • 6. Lista de Figuras  Figuras...........................................................................................................................45  Figura 01: Estrutura aleatória das editorias.......................................................45  Figura 2: Fotos com intervenções artísticas......................................................46  Figura 3: Capas das edições selecionadas.........................................................47  Figura 4: Fotojornalismo subjetivamente exposto............................................48  Figura 5: Fotojornalismo subjetivamente exposto............................................49  Figura 6: Única menção da edição de natal à festa tradicional.........................50  Figura 7: Seqüência de quadrinhos distribuídos pelas páginas da revista........51  Figura 8: História em quadrinhos, paródia da  consagrada história de Hamlet..........................................................................52  Figura 9: Simulacro representado por colagem/montagem,  paródia e elementos de pastiche........................................................................53  Figura 9.1: Simulacro representado por colagem/montagem,  paródia e elementos de pastiche........................................................................54  Figura 9.2: Simulacro representado por colagem/montagem,  paródia e elementos de pastiche........................................................................55  Figura 10: Charges da editoria esquina.............................................................56
  • 7. Sumár io  Introdução.................................................................................................................08  Capítulo I – Uma Odisséia Social............................................................................10  Capítulo II ­ Panorama da comunicação contemporânea e suas relações com a cultura  e os indivíduos...............................................................................................................18  Capítulo III – Desconcertante Construção....................................................................30  3.1 Dimensão de análise produto e contexto.............................32  3.2 Dimensão de análise cânone jornalístico – objetividade e  subjetividade.............................................................................35  3.3 Dimensão de análise jornalismo literário.............................39  3.4 Dimensão de análise figuras de linguagem..........................43  3.4.1 Simulacro..............................................................43  Considerações Finais....................................................................................................57  Referências Bibliográficas............................................................................................59
  • 8. Intr odução  Há  algo  de  muito  perturbador  nesse  trabalho.  No  que  concerne  aos  problemas  da  dialética, por maior que seja o número de elementos inseridos no processo de análise algum  aspecto sempre inclina­se para tencionar contrariamente ao proposto.  De  forma  elementar,  o  que  será  trazido  nessas  linhas  é  um  breve  retrato  ou  representação  fragmentada  dos  processos  culturais  e  sua  relação  com  a  sociedade  e  o  elemento institucional dos meios de comunicação.  O  primeiro  capítulo  traça  um  breve  panorama  da  transição  experimentada  entre  a  modernidade e a pós­modernidade. Resultante de uma série de alterações na esfera social, a  pós­modernidade  está  repleta  de  controvérsias,  principalmente  quando  referenciada  em  função do tempo que lhe antecedeu.  No entanto, a trajetória do homem moderno, iniciada a partir da ideologia iluminista,  que  proveu  o  alicerce  para  o  desenvolvimento  técnico­científico,  racionalização  e  emancipação, se projetou até os dias de hoje resultando em profundas mudanças dos atributos  culturais.  Para  arquitetar  essa  análise,  a  cultura  e  os  meios  de  comunicação  se  apresentam  sempre de forma transversal. Essa relação é concebida a partir da colocação de Castells (1999,  p. 354), ele enuncia que “a comunicação, decididamente, molda a cultura”.  Tendo a apreciação dessa constatação como desafio, a modernidade é trazida a partir  dos  seus  elementos  expostos  pelas  metanarrativas.  Se  durante  o  período  de  intenso  culto  à  prosperidade  e  ufanismo  científico  reinavam  os  profundos  esforços  interpretativos,  na  pós­  modernidade,  todo  o  conjunto  de  gêneros,  fronteiras,  linguagem  e  tipos  historicamente  estáveis  se  misturam.  Seus  fragmentos  deram  origem  a  infinidades  de  intertextualidade,  hibridismo através de recursos como simulacro, paródia, pastiche, colagem/montagem, entre  outros. Featherstone caracteriza esse fenômeno como “uma superprodução de bens culturais,  difícil de controlar e ordenar, que desestabiliza as hierarquias simbólicas existentes”.  Esses bens culturais estão inseridos tanto no contexto social, pelas vias da mediação,  quanto  na  esfera  econômica,  representada  pelo  capitalismo  que  se  serve,  junto  às  demais  instituições, da possibilidade de atribuição dos valores simbólicos aos seus produtos.
  • 9. A  partir  desse  movimento,  novas  rupturas  sociais  são  expostas  de  forma  cada  vez  mais constante. O tempo assume modelos frenéticos, seja no transporte físico ou virtual, e a  nova relação do homem com o passado traz uma inconstância e por conseqüência o que Hall  (2001,  p.8)  denomina  de  fragmentação  das  “paisagens  culturais  de  classe,  gênero,  sexualidade,  etnia,  raça  e  nacionalidade,  que,  no  passado,  nos  tinham  fornecido  sólidas  localizações como indivíduos sociais”.  O  capítulo  2,  por  sua  vez,  expõe  um  histórico  sobre  a  evolução  dos  meios  de  comunicação  e  a  relação  mais  direta  entre  seus  desdobramentos  na  representação  do  poder  simbólico e a questão da “crise de identidade”. (HALL, 2001)  A discussão sobre identidade e cultura remete ao capítulo 3 responsável pela análise  do  objeto  proposto,  a  revista  piauí.  Com  o  objetivo  de  compreendê­la  tanto  perante  os  padrões  institucionais  dos  meios  de  comunicação,  quanto  ao  que  concerne  às  questões  técnicas, foram estipulados quatro eixos: produto e contexto, o cânone jornalístico, jornalismo  literário e figuras de linguagem.
  • 10. 10  Capítulo I  Uma Odisséia Social  Compreender o contexto atual das transformações sociais vigentes parece muito mais  um  exercício  de  experimentar  os  diferentes  fluxos  observados  na  informação,  no  deslocamento pelas cidades espalhadas ao redor do globo, diagnosticar nas paisagens urbanas  os fragmentos dos quais fazemos parte do que tentar fixar padrões simbólicos que possam nos  seguir  referendando  da  infância  ao  fim  da  vida. O  presente  capítulo  introduz  um  panorama  sobre a transição dos contextos sociais a partir de uma sociedade representada pela produção  industrial, bens materiais, situada na modernidade, até o seu modelo informacional, cujo papel  é o da abstração virtual, da velocidade instantânea, das representações simbólicas manifestas,  da completa efemeridade e descomprometido estado de ser vivenciados na pós­modernidade.  A  reconstrução  das  paisagens  contemporâneas  dessa  “realidade  complexa”  tem  se  processado de forma tão abissal que não só a estrutura física dos objetos é totalmente mutante  como a referência que temos dele é da mesma  forma fluida e  instável. (HARVEY, 1989, p.  46)  Os  meios  de  comunicação  através  do  seu  domínio  das  esferas  lingüísticas  e  de  expressão  têm  relevância  fundamental  nessas  transformações.  A  contínua  evolução  que  permitiu  a  sua  presença  cada  vez  mais  ubíqua  através  das  “novas  mídias”  (CASTELLS,  1999), responsáveis pela segmentação no consumo e participação produtiva, resultou em uma  recombinação dos elementos culturais construídos pela sociedade ao longo do tempo.  Conforme analisa Santos (1980, p. 15), “a linguagem dos meios de comunicação dá  forma  tanto  ao  nosso  mundo  (referente,  objeto),  quanto  ao  nosso  pensamento  (referencia,  sujeito)”.  Diante  da  onipresença  desses  meios,  “para  serem  alguma  coisa,  sujeito  e  objeto  passam ambos pelo signo... palavra, número, imagem” ali representados.  Hall  (2001)  atribui  a  esse  processo  de  “desreferencialização”  (SANTOS,  1980)  a  fragmentação  das  “paisagens  culturais  de  classe,  gênero,  sexualidade,  etnia,  raça  e  nacionalidade,  que,  no  passado,  nos  tinham  fornecido  sólidas  localizações  como  indivíduos  sociais”. (HALL, 2001, p. 8)  Isso é fruto da sociedade contemporânea denominada a partir de várias terminologias  como: Sociedade da informação, sociedade em rede, sociedade pós­industrial, sociedade pós­  moderna, sociedade de consumo ou simplesmente sociedade globalizada.
  • 11. 11  Mas  a  sociedade  industrial  e  a  modernidade  que  antecederam  o  contexto  pós­  moderno  e  se  posicionam  como  ponto de  referência  para  tal  caracterização,  ergueram  pelas  vias do contrastante e “sentidos conflitantes” permeados pelo ímpeto de mudanças profundas  da tradição, dos meios de produção, entre outros aspectos vigentes. (HARVEY, 1989, p. 21)  A  modernidade  foi  um  projeto  de  ideologia  humanista  estruturada  a  partir  das  concepções  iluministas.  “Esse  projeto  equivalia  a  um  extraordinário  esforço  intelectual  dos  pensadores iluministas ‘para desenvolver a ciência objetiva, a moralidade e a lei universais e a  arte autônoma nos termos da própria lógica  interna destas’”. Resultando em um movimento  que proveu o alicerce para o desenvolvimento técnico­científico, racionalização, emancipação  e, principalmente, da individualização. (HARVEY, 1989, p. 23)  O ideal de liberdade política pautado na racionalidade humana tinha como desafio o  rompimento das estruturas sociais  vigentes  no antigo regime, os estamentos. A dispersão do  modelo de  vida  comunitário  refletida  no  plano  social  paralela  à  dissociação  entre  público  e  privado,  com  o  surgimento  do  Estado  burocrático,  representando  um  novo  ordenamento  político,  foram  vias  para  o  surgimento  da  propriedade  e  por  conseqüência  de  um  senso  de  empreendedorismo individual.  O trabalho, as “mudanças técnicas, cientificas e  políticas” (BAUDRILLARD, 1982  p. 1) instituem um novo paradigma para a delimitação dos objetivos da vida. Perpetuar adota  uma conotação de transitoriedade do vigente, em substituição aos moldes antes consolidados  da tradição, agora tidos com residual.  A  dinâmica  espaço­temporal  moderna  também  incide  profundamente  na  compreensão  do  passado,  presente  e  futuro.  Esses  elementos  da  tradição  considerados  residuais são incorporados à vida como “um passado (tempo findo)” em oposição a um futuro  constantemente projetado à luz das rupturas que passam a ser cotidianas. (BAUDRILLARD,  1982, p. 3)  Essa  dialética  conflituosa  do  tempo,  que  se  configura  como  ponto  de  partida  da  tradição  em  uma  progressiva  linha  rumo  ao  moderno,  é  acompanhada  pelo  “aspecto  cronométrico” da produção industrial. A vida antes compreendida pelas estações, celebrações  comunitárias  em  dias  tradicionalmente  reconhecidos  por  datas  festivas,  e  até  mesmo  pela  paisagem  social  bem  delimitada,  que  possibilitava  o  acompanhamento  do  desenvolvimento  infantil até envelhecimento do adulto, é remontada sob escalas cronométricas. Os critérios do  novo  tempo  abstrato  se  apóiam  no  trabalho,  na  produtividade  e  se  apoderam  também  do  “tempo “livre”” e dos “lazeres”. (BAUDRILLARD, 1982, p. 3)
  • 12. 12  Conforme  Baudrillard  (1982,  p.  2)  afirma,  esse  presente  próspero  atendia  a  amplitudes e “simultaneidade mundial”. Berman descreve a total ausência de fronteiras:  Ser  moderno  é  encontrar­se  num  ambiente  que  promete  aventura,  poder,  crescimento,  transformação  de  si  e  do  mundo  –  e,  ao  mesmo  tempo,  que  ameaça  destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. Os  ambientes  e  experiências modernos cruzam todas as fronteiras da geografia e da etnicidade, da  classe  e  da nacionalidade, da religião e da ideologia; nesse sentido, pode­se dizer  que  a  modernidade  une  toda  a  humanidade.  Mas  trata­se  de  uma  unidade  paradoxal,  uma  unidade  da  desunidade;  ela  nos  arroja  num  redemoinho  de  perpétua  desintegração  e  renovação,  de  luta  e  contradição,  de  ambigüidade  e  angustia. Ser moderno é ser parte de um universo em que, como disse Marx, “ tudo  que é sólido desmancha no ar. (Berman apud HARVEY, 1992, p. 21)  Mas  esse  contexto do desenvolvimento dos processos  produtivos, oportunidades  de  conquista  da  autonomia  pelo  trabalho  também  foi  palco  para  as  críticas  a  essa  liberdade  e  mesmo  às  suas  impossibilidades  já  que  novos  constrangimentos  substituem  os  antigos  na  mesma proporção em que produzia riquezas e inaugurava um novo tipo de desigualdade:  (...)  nas  classes,  as  molduras  que  (tão  intransigentemente  como  os  estamentos  já  dissolvidos)  encapsulavam  a  totalidade  das  condições  e  perspectivas  de  vida  e  determinavam  o  âmbito  dos  projetos  e  estratégias  realistas  de  vida.  A  tarefa  dos  indivíduos livres era usar  sua nova liberdade para encontrar o nicho apropriado e  ali  se  acomodar  e  adaptar:  seguindo  fielmente  as  regras  e  modos  de  conduta  identificados  como  corretos  e  apropriados  para  aquele  lugar.  (BAUMAN,  2001,  p.13)  O  conflito  trazido  ao  espírito  empreendedor  do  homem  também pôs  em  dúvida  os  meios  e  fins,  aprofundando  a  descrença  ainda  maior.  O  legado  de  críticas  às  concepções  iluministas em torno dos usos e da aplicabilidade da racionalidade e do desenvolvimento da  ciência  é  trazido  por  Max  Weber  e  Nietzsche  com  tamanha  veemência  que  suas  palavras  parecem traduzir “o epitáfio da razão iluminista” (HARVEY, 1992, p. 25).  “ Weber  alegava  que  a  esperança  e  a  expectativa  dos  pensadores  iluministas  era  uma amarga e irônica  ilusão. Eles mantinham um forte vínculo necessário  entre o  desenvolvimento  da  ciência,  da  racionalidade  e  da  liberdade  humana  universal.  Mas,  quando  desmascarado  e  compreendido,  o  legado  do Iluminismo  foi  o  triunfo  da  racionalidade....proposital­instrumental.  Essa  forma  de  racionalidade  afeta  e  infecta  todos  os  planos  da  vida  social  e  cultural,  abrangendo  as  estruturas  econômicas,  o  direito,  a  administração  burocrática  e  até  as  artes.  O  desenvolvimento  da  [racionalidade  proposital­instrumental]  não  leva  à  realização  concreta  da  liberdade  universal,  mas  à  criação  de  uma  “ jaula  de  ferro”  da  racionalidade  burocrática  da  qual  não  há  como  escapar”   (Bernstein    apud  HARVEY, 1992, p. 25).
  • 13. 13  A  pós­modernidade  tem  grande  fundamentação  no  ceticismo  anunciado  por  Nietzsche  anos  antes  da  sua  manifestação.  Surge  um  tempo  onde  impera  a  pluralidade  expressa  em  sistemas  abertos  de  expressão,  interpretação  e  entendimento.  As  figuras  representativas que perduraram durante a modernidade (o socialismo, o sujeito cartesiano, o  urbanismo),  através  de  tentativas  de  unificação  por  teorias  de  abrangência  universal,  as  metanarrativas, manifestaram pela espontânea impossibilidade de abarcar toda humanidade e  circunscrevê­la  em  uma  estrutura  determinista,  que  a  “gaiola  de  ferro”  da  racionalidade  apontada por Weber é incapaz de conter todas as complexas e diversas relações  sociais que  permeiam o contexto da vida humana.  A  trajetória  delimitada  pelo  indivíduo  passou  a  reconhecer,  também,  as  particularidades  inseridas  em  todos os  contextos.  Dessa forma,  foi  possível  perceber que  as  várias “realidades existentes podem coexistir, colidir e se interpenetrar”. (HARVEY, 1989, p.  46)  Ao  tratar do pós­modernismo,  Harvey  sugere  a  documentação  de  “mudanças  desse  tipo em toda uma gama de campos distintos”. Em análise ao “romance pós­moderno” através  da “passagem de um dominante “epistemológico” a um “ontológico” ele retrata o surgimento  de um “tipo de perspectvismo que permitia ao modernista uma melhor apreensão do sentido  de uma realidade complexa”. (HARVEY, 1989, p. 46)  Com  a  percepção  da  interseção  de  realidades  e  principalmente  de  um  novo  entendimento  das  instituições  que  alavancaram  a  modernidade,  o  pós­moderno  traz  à  tona  uma série de incertezas por aceitar com certa naturalidade a existência do transitório, fugidio e  contingente, fatores atribuídos à modernidade por Baudelaire, mas conforme conclui Harvey:  “contudo,  não  implica  que  o  pós­modernismo  não  passe  de  uma  versão  do  modernismo;  verdadeiras revoluções da sensibilidade podem ocorrer quando idéias latentes e dominadas de  um período se tornam explicitas e dominantes em outro”. (HARVEY, 1989, p. 49)  O questionamento a essas instituições representadas na economia pelo capitalismo e  na  política  pelo  Estado­Nação,  trouxe  dispersão  para  o  contexto  social  homogêneo  das  metanarrativas totalizantes.  A ênfase  à  interseção e à flexibilização da rigidez dos discursos modernos resultou  na  busca  por  formas  de  expressão  que  pudessem  dar  conta  da  pluralidade  existente.  O  isolacionismo lingüístico que por muito tempo imperou pelo estabelecimento de “fronteiras” e  “gêneros”  (Hassan  apud  HARVEY,  1989,  p.  22)  foi  se  descentralizando  no  discurso  pós­  moderno “no qual a “anarquia” e o “acaso” podem jogar em situações inteiramente “abertas”.  (HARVEY, 1989, p. 49)
  • 14. 14  Para dar conta de retratar o conjunto de elementos que compõem a realidade, a idéia  do fragmento foi evocada na construção desses discursos. Conforme o entendimento de que a  “significação  não  poderia  ser  unívoca  e  nem  estável”  (Derrida  apud  HARVEY,  p.  55)  modalidades como colagem/montagem reuniram elementos em combinações que recorrem ao  hibridismo. Se na metanarrativa o texto existia por si e para si, “o impulso desconstrucionista  é procurar dentro de um texto por outro, dissolver um texto em outro ou embutir um texto em  outro”. (HARVEY, 1989, p. 54)  O que Harvey traz como a caracterização da “minimização da autoridade do produtor  cultural”  traduz  a  ascensão  da  “produção  de  sentido”  nesse  jogo  aberto.  A  recusa  de  consumidores em aceitar o produto como algo pronto e com um fim em si mesmo, aliada à  despretensão de quem cria em fazê­lo, atribui a importância da contemplação “no processo”  na “performance”, no “happening”. (HARVEY, 1989, p. 55)  Essa nova postura do sujeito perante os diversos contextos se origina de mudanças no  surgimento  da  sociedade  pós­industrial.  As  tecnologias  de  disseminação  trazem  “uma  dramática transição social e política nas linguagens e comunicação em sociedades capitalistas  avançadas”. (HARVEY, 1989, p. 53)  Paralelo à ênfase dada à performance, a tecnologia dos meios de comunicação trouxe  o denominado por Santos como “hiper­real”, ou “real intensificado”. Os simulacros cada vez  mais  fiéis  à realidade  aliados  a  um  desenvolvimento  econômico  pautado  no uso dos bens  e  serviços resultaram na ascensão de um “moral hedonista” (SANTOS, 1980, p. 10).  Nessa  relação  econômica  e  de  produção  de  bens  culturais,  Featherstone  (1996,  p.  107) analisa o pós­modernismo como:  uma  superprodução  de  bens  culturais,  difícil  de  controlar  e  ordenar,  que  desestabiliza  as  hierarquias  simbólicas  existentes.  Essa  tendência,  que  Simmel  definiu  como  um  acúmulo  exagerado  de  cultura  objetiva,  difícil  de  lidar,  não  é  apenas  um  problema  intelectual.  Com  o  desenvolvimento  da  cultura  de  consumo,  costuma se dizer que aumentou não só a oferta de bens como também a de imagens  e signos. O consumo ficou mais difícil de decodificar porque aumentou o problema  de interpretar um campo mutável de signos.  A  evolução  tecnológica  trouxe,  portanto,  alterações  cada  vez  mais  profundas  na  maneira de experimentar situações cotidianas. A dissociação do espaço e do tempo observada  na  sociedade  industrial  com  a  invenção  dos  automóveis  e  posteriormente  dos  aeroplanos  deslocou­se na pós­modernidade para a escala virtual das mensagens eletrônicas.  Bauman (2000)  analisa  criticamente  essa  evolução  do  ordenamento  produtivo,  que  deslocou, também, a perspectiva da luta de classes com a presença do operariado, agora quase
  • 15. 15  extinto, através de três elementos que dizem respeito aos aparatos disponíveis. A partir do que  ele  denomina  como  “wetware”,  as  atividades  reduzidas  às  aptidões  físicas  do  homem,  potencializada com  a  invenção  dos  “hardwares”, instrumentos  responsáveis  pela  diminuição  do esforço físico, até a  chegada do “software”, que reduz o tempo e produção a quase total  instantaneidade,  é  possível  perceber  a  valorização  do  ato,  “mas  também  a  exaustão  e  desaparecimento do interesse” (BAUMAN, 2000, p.134)  Estabelecendo uma relação desses meios trazidos pelo “software” e a valorização do  happening,  a  análise  de  Harvey  (1989)  sobre  a  esquizofrenia  pós­moderna  é  corroborada.  Harvey  propõe  para  que  a  reflexão  sobre  o  contexto  pós­moderno  tenha  validade,  há  necessidade de identificar  o  “modo particular de experimentar,  interpretar  e ser  no mundo”.  (HARVEY, 1989, p. 56)  A  esquizofrenia  é  fruto  então  de  “um  agregado  de  significantes  distintos  e  não  relacionas  entre  si”.  Esse  problema de “uma  série  de presentes  puros  e  não  relacionados  no  tempo”  associa  essa  ênfase  à  performance  como  ausência  de  profundidade.  Diante  disso,  a  ausência  de  memórias  passadas  ou  projeções  futuras  aliada  à  eminência  do  presente  impossibilita  a  unificação  desses  três  tempos  e  como  conseqüência  da  completude  do  indivíduo,  agora  caracterizado  pelo  modelo  esquizóide.  (Jameson apud  HARVEY,  1989,  p.  56)  Segundo sua análise da teoria proposta por Jameson:  Quando  essa  cadeia  se  rompe,  ‘temos esquizofrenia  na  forma  de  um  agregado  de  significantes distintos e não relacionados entre si’. Se a identidade pessoal é forjada  por meio de ‘certa unificação temporal do passado e do futuro com o presente que  tenho diante de mim’, e se as frases seguem a mesma trajetória, a incapacidade de  unificar passado, presente e futuro na frase assinala uma incapacidade semelhante  de  ‘unificar  o  passado,  o  presente e  futuro  na  frase  da  nossa  própria  experiência  biográfica ou vida psíquica’. Isso de fato se enquadra na preocupação pós­moderna  com o significante, e não com o significado, com a participação... em vez de com um  objeto de arte acabado. (HARVEY, 1989, p.56)  Estabelecendo um paralelo entre o sujeito anteriormente unificado do modernismo e  o novo sujeito fragmentado da pós­modernidade Harvey (1989, p. 57) diz:  O  modernismo  dedicava­se  muito  à  busca  de  futuros  melhores,  mesmo  que  a  frustração  perpétua  desse  alvo  levasse  à  paranóia.  Mas  o  pós­modernismo  tipicamente  descarta  essa  possibilidade  ao  concentrar­se  nas  circunstâncias  esquizofrênicas induzidas pela fragmentação e por todas as instabilidades (inclusive  lingüísticas) que  nos impedem  até mesmo  de  representar  coerentemente,  para  não  falar de conceber estratégias para produzir, algum futuro radicalmente diferente.
  • 16. 16  A conflituosa negação do passado e a ausência de perspectivas na pós­modernidade  ilustram a postura hedonista. A cultura que deve estabelecer uma construção representativa da  sociedade  com  realces  históricos  se  reduz  ao  presente.  A  “lógica  cultural  do  capitalismo  avançado”  que  muito  utiliza  da  cultura  pela  “‘experimentação  estética’  com  intuito  de  produzir novas ondas de bens com aparência cada vez mais nova” (Mandel apud HARVEY,  1989,  p.  65)  constrói  essa  representação  histórica  por  “simulacros  pop  dessa  história”.  (Hewsison apud HARVEY p. 64)  Há  uma  relação  intrínseca  entre  o  modo  peculiar  de  compreensão  dos  diferentes  tempos  na  pós­modernidade  e  a  conseqüente  mudança  na  maneira  de  caracterizar  e  contemplar a experiência em sociedade. A idéia dos “presentes puros e não relacionados no  tempo”  induzem  ao  aumento  da  intensidade  vivida,  que  resultam  em  “uma  ilusão  estereoscópica”.  A  presença  dessa  conjuntura  no  tecido  social  dá  consistência  ao  “caráter  imediato dos eventos, o sensacionalismo do espetáculo (político, científico, militar, bem como  de diversão) se tornam a matéria de que a consciência é forjada.” (HARVEY, 1989, p. 57)  Além do simulacro, outros vários códigos de linguagem, às vezes isolados outras em  presença  concomitante,  são  responsáveis  pela  “dissolução  de  algumas  fronteiras  e  divisões  fundamentais”.  A  “sociedade  de  consumo”  fruto  da  “emergência  de  um  novo  tipo  de  vida  social e de uma nova ordem econômica” põe fim à fronteira entre “cultura erudita e cultura  popular (a dita cultura de massa)”. (JAMESON, 1985, p. 17)  A  paródia,  segundo  analisa  Jameson  (1985),  não  só  traça  um  paralelo  entre  as  diferenças  nos  modelos  de  expressão  moderna  e  pós­moderna  como  reafirma  a  importância  das figuras de linguagem na construção dos elementos culturais como expressão do contexto  social e também a relação inversa.  Conforme  ele  propõe,  a  fragmentação  está  presente  também  na  modernidade.  Manifestada na individualidade da “norma lingüística” o que caracteriza como “privatização  da  literatura  moderna  –  sua  explosão  em  um  bando  de  estilos  privados  e  maneirismos  distintos”.  Essa  fragmentação  autoral  das  metanarrativas  deu  origem  a  um  perturbado  isolacionismo lingüístico. (JAMESON, 1985, p. 18)  Ao  descrever  a  impossibilidade  da  paródia  frente  a  esse  movimento,  por  incapacidade de inserir qualquer idiossincrasia que pudesse originar a partir da interpretação  das  obras,  Jameson  descreve  o  pastiche  como  “paródia  lacunar”.  Tal  lacuna  origina­se  da  impossibilidade do parodista em desenvolver qualquer “simpatia tácita pelo original”.  A aversão a esse modelo metanarrativo de linguagem conduz as análises do seu uso  na  esfera  social  pela  inserção  plural  apoiadas  pelo  que  Focault  denomina  de  “poder  de
  • 17. 17  discurso”.  Conforme  aponta  em  sua  análise,  o  autor  descreve  uma  “íntima  relação  entre  os  sistemas de conhecimento (“discursos”) que codificam técnicas e práticas para o exercício do  controle  e  do  domínio  sociais  em  contextos  localizados  particulares”.  (Focault  apud  HARVEY, p. 50)  Sem  adentrar  ao  viés  político  de  Focault,  é  possível  perceber  o  valor  atribuído  ao  domínio  da  codificação  como  técnica  básica  da  interpretação  e por  conseqüência  do uso da  língua como código universal para o domínio cultural.  Sendo  a  pós­modernidade  palco  das  manifestações  plurais,  que  tendem  à  superficialidade fragmentada culturalmente e descentralizada em seus meios de produção, os  grupos  representativos  buscam  formas  de  apresentar  sua  voz  como  “autêntica  e  legítima”.  (HARVEY, 1989, p. 52)  Nesse  contexto  eles  estruturam  o  que  consideram  conhecimento  válido.  Como  conseqüência, temos a criação dos:  (...) ‘determinismos locais’... compreendidos... como ‘comunidades interpretativas’,  formadas por produtores e consumidores de tipos particulares de conhecimento, de  textos,  com  freqüência  operando  num  contexto  institucional  particular  (como  a  universidade, o sistema legal, agrupamentos religiosos), em divisões particulares do  trabalho cultural (como a arquitetura, a pintura, o teatro, a dança) ou  em lugares  particulares (vizinhanças, nações etc.).  (HARVEY, 1989, p.57)  O  novo  panorama  que  se  desvela  para  a  linguagem  é  o  da  fragmentação  cultural.  Todas  as  singularidades  concebidas  na  modernidade  são  fruto  do  indivíduo  unificado,  mas  que na pós­modernidade sofre todo processo de descentralização, conforme será abordado no  próximo capítulo.  Na pós­modernidade, o eu singular se perde em fragmentos das mudanças estruturais  dos  modelos  de  produção,  reprodução,  relações  sociais,  consumo,  entre  outros.  Com  a  dissolução das fronteiras  entre os gêneros, esgotamento das produções individuais, a cultura  passa a se alimentar dos códigos híbridos, do simulacro, do pastiche e da paródia para traduzir  o novo contexto onde as produções editoriais se encontram.
  • 18. 18  Capítulo II  Panor ama da comunicação contempor ânea  e suas r elações com a cultura e os indivíduos  A compreensão do papel e da presença dos meios de comunicação, em suas diversas  formas  tecnológicas  e  processos  lingüísticos  nas  sociedades  dos  últimos  séculos,  é  fator  determinante  para  situar  no  contexto  atual  a  identificação  dos  aspectos  presentes  nas  mudanças  de  expressão,  intercâmbio  e  características  culturais  que  compõem  os  atributos  identitários.  O olhar que se estende sobre a análise desses meios pode ser delimitado, com intuito  de estabelecer uma lógica didática, em dois aspectos preponderantes: o de cunho técnico e o  de viés social. Inseridos na perspectiva tecnológica, os meios de comunicação atuam na vida  da humanidade tecendo novas formas de lhe dar com o tempo, espaço e por conseqüência de  compreender globalmente contextos diversos, enquanto seus reflexos sociais são atuantes, na  maioria  das  vezes,  sob  condições  latentes  de  expressão  que  passam  a  se  apropriar  dialeticamente  dos  códigos  vigentes  em  um  processo  de  retroalimentação.  À  medida  que  o  meio  se  abastece  desses  códigos,  os  reproduz  em  novas  formas  de  expressão  que  também  criam novos códigos, ilustrando um ciclo hermético em sua ação, mas extremamente aberto à  configuração  e  captação  de  novos  elementos.  Essa  dinâmica  tende  a  se  clarear  durante  a  análise seguinte.  À medida que sua abrangência, principalmente a partir do século XIX, se expandia,  os  meios  de  comunicação  assumiram  traços  cada  vez  mais  relevantes  em  todos os  aspectos  cotidianos.  Essa  abrangência,  interligando  pontos  distantes  ao  redor  do  globo  e  suprimindo  distâncias,  propiciou  a  “disjunção  espaço  temporal”  (THOMPSON,  1998).    A  redução  do  tempo ao estado quase virtual no transporte das mensagens resultou em uma nova dinâmica  de  mediação.  As  telecomunicações  interligaram  todo  o  globo  e  dissociaram  a  idéia  de  presença e contato como atos simultâneos.  Novas  formas  de  intercambiar  as  experiências  e  fatos  do  passado  foram  surgindo  pelo registro e reprodução dessas experiências. Se nas tradições orais era necessário o diálogo  face  a  face  ilustrando  o  testemunho  como  força  maior  de  expressão,  pelos  meios  de  comunicação  o  sentido  do  passado  é  determinado  pela  “historicidade  mediada”  (THOMPSON,  1998).  O  conteúdo  simbólico  da  mídia  é  transformado  em  elemento  de  perpetuação dos fatos. Uma vez que a fixação em um substrato qualquer estava ao alcance do
  • 19. 19  homem,  o  fluxo  da  história  e  o  “nosso  sentido  do  passado  e  como  ele  nos  alcança”  (THOMPSON, 1998, p. 38) trouxe, também, novas experiências de compreensão do mundo.  A  caracterização  de  Thompson  para o  termo  genericamente  chamado  comunicação  de  massa,  dividida  em  cinco  partes  integrantes,  evoca,  ao  mesmo  tempo,  as  vertentes  tecnológicas e sociais dos meios e estabelece contextos de interseção entre as duas. No plano  social, a primeira das cinco características define os meios de comunicação como instituições  alicerçadas  por  aparatos  técnicos  que  atuam  em  consonância  com  a  busca  do  “poder  simbólico”  1 .  Institucionalizar  significa  estabelecer  um  “conjunto  relativamente  estável  de  regras, recursos e relações sociais”. (THOMPSON, 1998, p. 21)  A partir desse conjunto estável, as instituições, jornais, revistas, rádios, redes de TV,  tendem a atribuir certo valor aos produtos da comunicação, definindo a segunda característica  como  a  mercantilização  dos  meios.  O  potencial  de  abrangência  atende,  principalmente,  aos  anseios da sociedade moderna que passa a entender o mundo como um lugar sem fronteiras.  A  necessidade  de  difundir  produtos,  valores,  formas  sociais  de  convívio,  métodos  de  produção, atribui uma valorização tanto econômica como simbólica desses elementos.  Com  a  produção  desses  bens  simbólicos  e  a  necessidade  de  difundi­los  por  toda  extensão  do  globo  evidencia­se  uma  dissociação  entre  a  produção  e  a  recepção  das  formas  simbólicas. A terceira característica volta às atenções para o fluxo das mensagens transmitidas  para contextos distantes de onde foi produzida.  Acrescentado a isso o fato da disponibilidade dessas produções e sua permanência no  tempo  e  no  espaço,  como  sendo  quarta  característica,  reforça  o  teor  da  produção  e  sua  distribuição por terras distantes.  Como quinta e última característica, a comunicação implica “a circulação pública de  formas simbólicas mediadas” (THOMPSON, 1998, p.32). Com isso ela assume a condição de  quase onipresença nos espaços públicos de maneira geral. Passa, então, a registrar o mundo.  Em decorrência dessas características, a comunicação passa a alterar de forma cada  vez mais  incidente a compreensão da experiência além do campo de vivência do homem. A  “mundanidade  mediada”  (THOMPSON,  1998)  como  propriedade  de  retratar  a  realidade  de  forma  global  e  por  conseqüência  dilatar  os  horizontes  espaciais  alterou  o  sentido  de  comunidade  onde  indivíduos  atribuem,  através  de  um  senso  de  pertencimento,  valores  às  1  Thompson (1998) descreve em caráter analítico quatro formas de poder manifestadas nas sociedades, cada uma  atuando através de recursos que lhes competem. Esses poderes e seus respectivos recursos são: poder econômico,  poder  político,  poder  coercitivo  e  poder  simbólico,  exercidos  através  dos  recursos  materiais  e  financeiros,  autoridade, força física e armada, além dos meios de informação e comunicação.
  • 20. 20  histórias vivenciadas em um passado comum. O panorama da vida passa a ser delimitado por  diversas  formas  simbólicas  da  mídia  que  retratam  contextos  distantes  e  os  tornam  presentes  em espaços diferentes.  (...)  à  medida  que  nossa  compreensão  do  passado  se  torna  cada  vez  mais  dependente da mediação das formas simbólicas, e a nossa compreensão do mundo e  do lugar que ocupamos nele vai  se  alimentando dos produtos da mídia,  do mesmo  modo a nossa compreensão dos grupos e comunidades com que compartilhamos um  caminho comum através do tempo e  do espaço, uma  origem  e um destino comuns,  também vai sendo alterada: sentimo­nos pertencentes a grupos e comunidades que  se constituem em parte através da mídia. (THOMPSON, 1998, p.39)  Essas  formas  simbólicas  são  expressas  em  linguagens  que  durante  toda  a  trajetória  ascendente  da  integração  dos  meios de  comunicação  ao  convívio  social  se  alternaram entre  sistemas  expressos  ora  pela  escrita,  ora  pelo  audiovisual,  até  reuni­los  em  um  sistema  unificado.  O  que  Castells  (1999)  denomina  como  “Galáxia  de  Gutenberg...  um  sistema  de  comunicação  essencialmente  dominado  pela  mente  tipográfica  e  pela  ordem  do  alfabeto  fonético”  é  a  primeira  manifestação  instrumental  e  como  meio  técnico  da  comunicação  mediante o advento da imprensa e do papel que trouxeram consigo a produção e distribuição  em larga escala.  Mas  a  relação  entre  linguagem,  comunicação  e  cultura,  se  dá  de  forma  intrínseca.  Para  compreender  o  papel  da  evolução  desses  sistemas  tipográficos  e  audiovisuais  é  necessário  acompanhar  sua  incidência  na  esfera  cultural.  Para  tanto  Castells  (1999,  p.  354)  enuncia que  (...) a comunicação, decididamente, molda a cultura porque, como afirma Postman  ‘nós  não  vemos...  a  realidade  ...  como  ela  é,  mas  como  são  nossas  linguagens.  E  nossas linguagens são nossas mídias. Nossas mídias são nossas metáforas. Nossas  metáforas  criam  o  conteúdo  de  nossa  cultura’.  Como  a  cultura  é  mediada  e  determinada  pela  comunicação,  as  próprias  culturas,  isto  é,  nossos  sistemas  de  crenças  e  códigos  historicamente  produzidos  são  transformados  de  maneira  fundamental  pelo  novo  sistema  tecnológico  e  o  serão  ainda  mais  com    passar  do  tempo.  A  difusão  em  larga  escala  dos  impressos  proporcionou  grandes  mudanças  nos  aspectos  culturais  uma  vez  que  estabeleceu  a  lógica  cumulativa  do  conhecimento  e  da  informação.  No  entanto,  durante  todo  o  tempo  em  que  prevaleceu,  a  comunicação  escrita  condicionou  o  sistema  audiovisual  a  um  estado  de  pouca  expressão  delegando  a  ele  os
  • 21. 21  “bastidores das artes, que lidam com o domínio privado das emoções e com o mundo público  da liturgia”. (CASTELLS, 1999, p. 353)  Com o advento da televisão, porém, a incidência dessas transformações na expressão  cultural  se  intensificou  de  forma  jamais  vista,  ensejando  o  surgimento  dos  termos  comunicação de massa e delimitando novos traços na abrangência dos meios de comunicação.  Esse  “sistema  de  crenças  e  códigos”,  como  Castells  caracteriza  a  cultura,  é  veementemente  alterado pelo  novo  arranjo  sistêmico  da  comunicação  trazido pela  televisão,  que  assume  o  “epicentro  cultural  de  nossas  sociedades...  um  meio  fundamentalmente...  caracterizado  pela  sedução,  estimulação  sensorial  da  realidade  e  fácil  comunicabilidade”.  (CASTELLS, 1999, p. 358) O seu poder, continuando a linha de análise de Castells, está no  fato  de  que  ela  “arma  o  palco  para  todos  os  processos  que  se  pretendem  comunicar  à  sociedade em geral, de política a negócios, inclusive esportes e arte”. (CASTELLS, 1999, p.  361)  A  televisão  como  aparato  técnico  surge  em  meio  ao  rádio,  aos  filmes,  as  artes,  jornais,  revistas  e  livros,  tornando­se  o  centro  de  todas  as  vertentes  técnicas  e  suportes  da  comunicação. Seu aspecto informativo, de entretenimento, fixação, transmissão, entre outros,  logrou  de  um  poder  de  capilarização  e  penetração  em  escalas  jamais  experimentadas.  O  impacto  disso  foi  visto  por  muitos  como  uma  tentativa  de  homogeneização  que  inevitavelmente  ocorreria  mediante  e  existência  de  uma  massa  consumidora  portando­se  como receptáculos passivos a todo tipo de veiculação arbitrária.  A  televisão  não  só  inseriu  o  sistema  audiovisual  em  um  contexto  abrangente  como  seduziu a todos pelo tipo de postura que deveriam assumir perante a sua existência. Segundo  analisa Castells, a denominada lei do menor esforço decorre não da sedutora condição da TV,  e sim de um contexto social permeado por novas condições de vida, trabalho, família, “falta  de  alternativas  o  envolvimento  pessoal/cultural”  (CASTELLS,  1999),  que  de  certa  forma  delegaram ao homem o poder de escolha cercado por situações que o impeliam a uma opção,  assistir as exibições da nova tela desenhada por elétrons.  A relação entre o conceito de cultura de massa e a TV está basicamente apoiada no  controle tecnológico da comunicação eletrônica. No entanto, a relação entre o telespectador e  a  televisão  segue  uma  lógica  não  de  opressão  e  sim  emocional,  conforme  anuncia  Castells  (1999, p. 357)enfocando as idéias de McLuhan:  (...) os telespectadores têm de preencher os espaços da imagem e por isso aumentam  seu  envolvimento  emocional  com  o  ato  de  assistir  (o  que  ele,  paradoxalmente,  caracterizou como um “ meio frio” ). Tal envolvimento não contradiz a hipótese do
  • 22. 22  mínimo  esforço,  porque  a  TV  apela  à  mente  associativa/lírica,  não  envolvendo  o  esforço psicológico da recuperação e análise da informação (...)  Esse enfoque do poder de penetrabilidade social da televisão é fruto da afirmação de  McLuhan  que  o  diz  o  “meio  é  a  mensagem”.  Essa  supervalorização  do  meio,  como  significante, é desmistificada por Umberto Eco que diz:  Existe, dependendo das circunstâncias socioculturais, uma variedade de códigos, ou  melhor,  de  regras  de  competência  e  interpretação.  A  mensagem  tem  uma  forma  significante  que  pode  ser  completada  com  diferentes  significados...  Assim,  havia  margem  para  a  suposição  de  que  o  emissor  organizava  a  imagem  televisual  com  base nos próprios códigos, que coincidiam com aqueles da ideologia dominante, de  acordo com seus códigos culturais específicos.... aprendemos uma coisa: não existe  uma  Cultura  de  Massa  no  sentido  imaginado  pelos  críticos  apocalípticos  das  comunicações de  massa,  porque  esse  modelo  compete com  os outros (constituídos  por vestígios históricos, cultura de classe, aspectos da alta cultura transmitidos pela  educação, etc.) (Eco apud CASTELLS, 1999, p. 360)  Conceituando  o  processo  dessa  maneira,  Eco  introduz  a  percepção  de  que  há,  inserida em todas as relações entre receptores e os meios de comunicação, uma autonomia de  significação.  O  meio  (significante)  conduz  a  mensagem  que por  sua  vez é  transmitida  até  o  receptor, apoiado por uma gama de códigos culturais que embasarão seu viés de compreensão,  elevando o seu papel na construção final do significado referencial.  A  TV,  no  entanto,  é  um  meio  de  comunicação  que  atua,  como  todos os  outros, de  forma  institucionalizada  e  com  total  ausência  de  neutralidade.  Apesar  da  autonomia  dos  indivíduos frente à construção final dos significados, as mensagens veiculadas são carregadas  dos  mais  variados  artifícios  subliminares  ou  explícitos  e  talhadas  visando  uma  maior  penetração  e  identificação  nos  contextos  sociais.  O  emissor, então,  fica  longe  da  imaginada  opressão que poderia ter em uma conceituação mais simplista dos meios de comunicação, a  conseqüência disso é:  (...) aceitar ser misturado em um texto multissemântico, cuja sintaxe é extremamente  imprecisa.  Assim,  informação  e  entretenimento,  educação  e  propaganda,  relaxamento  e  hipnose,  tudo  isso  está  misturado  na  linguagem  televisiva.  Como  o  contexto do ato de assistir é controlável e familiar ao receptor, todas as mensagens  são absorvidas no modo tranqüilizador das situações domésticas ou aparentemente  domésticas (...) (CASTELLS, 1999, p. 361)  Esse  aspecto  multissemântico  é  corroborado  “mediante...  práticas  coletivas  ou  preferências  individuais”  (CASTELLS,  1999).  O  caracterizado  por  Castells,  “sistema  de  feedbacks entre espelhos deformadores”, é a estrita, contínua e inerente relação entre a cultura  e  a  sua  representação  mediada  pelos  meios  de  comunicação.  Com  o  crescimento  da
  • 23. 23  abrangência desses meios, essa relação construtiva, onde a mídia expressa a cultura e essa por  sua vez se constrói, em parte, por elementos midiáticos, passou a ser preponderante na ênfase  ao receptor, antes descrito como receptáculo passivo e agora dotado de crescente autonomia.  O  período  compreendido  entre  a  eminência  da  escrita  até  o  advento da  televisão é,  então, descrito como “Da galáxia de Gutenberg à Galáxia de McLuhan” (CASTELLS, 1999).  No  entanto,  a  compreensão  da  mídia  de  massa  seguiu  sua  trajetória  alicerçada  em  novos  fatores que modificaram, ainda mais, a sua conceituação.  Nos  anos  de  1980,  tendências  tecnológicas  representaram  o  impulso  para  as  transformações  dos  atributos  interativos  das  mídias.  Jornais  impressos  com  edições  simultâneas e sob medida para áreas diversas, rádios e equipamentos de reprodução portáteis,  novos canais de TV a cabo e o aumento expressivo dos canais da TV aberta, o videocassete,  as máquinas fotográficas, tudo isso implicou em uma nova via para o consumo segmentado,  controle e direcionamento dos conteúdos e, principalmente, um alento para a interatividade e  maior efetividade na adequação das mensagens.  Esse  novo  panorama  que  se  desenhou  tornou  o  que  para  muitos  se  apresentava  de  forma obscura em cristalinas porções de água. O reflexo da divisão do grande bojo midiático,  que abarcava a sociedade de massa, em pequenos nacos de conteúdos heterogêneos entre si, a  exemplo dos canais de televisão, implicou que:  (...) a nova mídia determina uma audiência segmentada,  diferenciada que, embora  maciça  em  termos  de  números,  já  não  é  uma  audiência  de  massa  em  termos  de  simultaneidade  e  uniformidade  da  mensagem  recebida.  A  nova  mídia  não  é  mais  mídia  de  massa  no  sentido  tradicional  do  envio  de  um  número  limitado  de  mensagens  a  uma  audiência  homogênea  de  massa.  Devido  à  multiplicidade  de  mensagens e fontes, a própria audiência torna­se mais seletiva. A audiência visada  tende  a  escolher  suas  mensagens,  assim  aprofundando  sua  segmentação,  intensificando  o  relacionamento  individual  entre  o  emissor  e  o  receptor.  (Sabbah  apud CASTELLS, 1999, p. 361)  O  reflexo  do  papel  fundamental  e  atuante  do  receptor  pela  descentralização  do  processo  e  dos  instrumentos  de  mediação,  diversificação  de  conteúdo  e,  principalmente,  adequação ao público alvo, concebeu o novo viés da conhecida frase de McLuhan, porém pela  visão  trazida  pertinentemente  por  Castells,  “a  mensagem  é  o  meio”.  É  ela  quem  dita  e  determina  as  formas  de  estruturação  tecnológica,  interfacial,  profissional,  imagética,  de  conteúdo, produção, transmissão, entre outros elementos dispostos em canais de TV, produtos  musicais,  programas  de  rádio  e  a  infinidade  de  processos  abarcados  por  essa  “nova  mídia”  (CASTELLS,  1999).  Em  torno  dela,  a  aldeia  global  se  posiciona  estruturando­se  por
  • 24. 24  “domicílios  sob  medida,  globalmente  produzidos  e  localmente  distribuídos”  (CASTELLS,  1999).  Não obstante a tudo isso, um novo movimento tenciona esse contexto, a “formação  de megagrupos e alianças estratégicas para conseguir fatias de mercado” (CASTELLS, 1999).  Observando as novas iniciativas desse cenário de mudanças, os veículos de comunicação com  grande expressividade iniciaram fusões para acompanhar a lógica de produção de conteúdo e  a conseqüente exposição a eles.  “ O  resultado  da  concorrência  e  concentração  desse  negócio  é  que,  embora  a  audiência  tenha  sido  segmentada  e  diversificada,  a  televisão  tornou­se  mais  comercializada  do  que  nunca  e  cada  vez  mais  oligopolista  no  âmbito  global.  O  conteúdo real da maioria das programações não é muito diferente de uma rede para  outra,  se  considerarmos  as  fórmulas  semânticas  subjacentes  dos  programas  mais  populares  como  um  todo.  No  entanto,  o  fato  de  que  nem  todos  assistem  à  mesma  coisa  simultaneamente  e  que  cada  cultura  e  grupo  social  tem  um  relacionamento  específico  com  o  sistema de mídia  faz uma diferença  fundamental vis­à­vis o velho  sistema de mídia de massa padronizado.” (CASTELLS, 1999, p. 365)  Os impactos dessa “nova mídia” incidiram de forma definitiva na comunicação. No  entanto,  a  TV  como  representação  de  maior  amplitude  e  difusão  global,  até  então,  não  conseguiu se  livrar desse padrão unilateral e com ausência de feedback dos telespectadores,  salvo manifestações de prescindir o consumo. A rede de interatividade foi, então, trazida pela  internet.  A irrupção da multimidialidade que culminou na rede com milhões de computadores  interligados em  todo  mundo  ensejou  mudanças  que  tomaram proporções,  mais  uma  vez,  de  propagação  global,  já  amplamente  vivenciadas  no  século  XXI.  A  internet  em  função  do  espectro amplo de sua concepção até a plena existência  seria objeto de outra análise dada a  sua complexidade.  Porém, a multimidialidade inseriu uma nova perspectiva global no que diz respeito à  cultura e os meios de comunicação, o que norteia o cerne desse estudo. A inserção definitiva  das pluralidades dependia de instrumentos mais efetivos para a expressão. Captar, produzir e  reproduzir são ações no processo comunicativo que assumiram novos formatos e perspectivas  de  inserção  e  hibridização.    Assim  como  uma  profunda  mudança  foi  sentida  diante  da  presença sedutora do sistema audiovisual trazido pela televisão, a multimídia rompeu com as  condições  vigentes  em  sua  chegada  criando  um  “supertexto  histórico  gigantesco”  (CASTELLS,  1999).  Tudo  isso  resulta  em  um  “novo  ambiente  simbólico”  abrangendo  a  virtualidade e implicando na sua presença na realidade.
  • 25. 25  Essa  “virtualidade  real”  (CASTELLS,  1999)  é  o  elemento  ratificador  do  binário  “presença/ausência  no  sistema  multimídia  de  comunicação”  (CASTELLS,  1999).  Seria  entender  que  o  virtual,  exibido  imagético  e  simbolicamente  nos  meios  de  comunicação,  a  exemplo dos personagens, é  fruto do reflexo de padrões e códigos culturais, mas ao mesmo  tempo  incidem  mudanças  nesses  padrões  e  códigos  e,  portanto,  faz  parte  deles.    É  de  se  imaginar  que  com  o  crescimento  da  quantidade  de  “espelhos  deformadores”  (CASTELLS,  1999),  a  multimídia,  e de um  acentuado  aumento  na  autonomia dos  feedbacks,  essa  relação  cultura/meios  de  comunicação  assume  uma  consistência  fragmentada  impossível  de  ser  acompanhada.  O  fato  preponderante  é  que  sobre  um  “sistema  de  comunicação,  baseado  na  integração  em rede  digitalizada  de  múltiplos  modos  de  comunicação” e  “sua  capacidade  de  inclusão  e  abrangência  de  todas  as  expressões  culturais”  (CASTELLS,  1999)  esse  processo  tende a se consolidar e realimentar­se eternamente.  Tendo proposto essa breve descrição do panorama da comunicação contemporânea e  sua relação com os aspectos culturais das sociedades, um ponto torna­se crucial: o indivíduo  inserido  nesse  contexto  de  intensa  mudança  dos  elementos  identitários,  sendo,  portanto,  objeto de análise das próximas linhas.  O  que  genericamente  se  propõe  como  pauta  discursiva  no  campo  atual  das  identidades é a recorrente tradução da “crise de identidade” (HALL, 2001). Essa terminologia  crise dedica­se mais a confrontar a dinâmica referencial que se percebeu durante algum tempo  do  possível  ser  unificado  com  a  dinâmica  referencial  atual  que,  em  decorrência  de  vários  fatores  de  mudanças  sociais,  ou um panorama  cultural  difícil  de precisar  e perpetuar, o que  criou,  através  da  fragmentação  e  hibridismos,  processos  de  referenciação  mais  abertos  e  permeáveis. A tendência que antes prevalecia, de busca incessante da precisão referencial era  apoiada por um  centro que  em  seu  cerne  pairavam  as  instituições  bem delimitadas  de certo  período  histórico,  a  família,  o  estado­nação,  o  mercado,  entre  outras.    A  partir  delas  se  derivaria  todo  estado  incipiente  de  análise  para  então  compor  as  linhas  de  observação  e  formação identitária.  O desenvolvimento de uma nova mídia descentralizada, segmentada e composta por  múltiplos  meios  de  comunicação  apresenta  uma  profunda  relação  com  o  processo  de  constante  reestruturação  das  paisagens  identitárias.  Segundo  a  definição  de  Castells,  a  identidade pode ser entendida como um processo de “construção de significado com base em  um  atributo  cultural,  ou  ainda  um  conjunto  de  atributos  culturais  inter­relacionados,  o(s)  qual(ais)  prevalece(m)  sobre  outras  fontes  de  significado.”  (CASTELLS,  1999,  p.  22).  À
  • 26. 26  medida  que  a  pluralidade  de  expressões  torna­se  cada  vez  mais  acessível,  as  manifestações  culturais  remontam  a  ausência  de  um  centro  ou  atributo  uniforme  na  sociedade,  situando  vários elementos aleatoriamente posicionados.  Essa  ausência  de  um  centro  referencial  tida  como  a  “descentração  do  sujeito”,  implica a perda de um “sentido de si” e o deslocamento “tanto do seu lugar no mundo social e  cultural  quanto  de  si  mesmo”.  (HALL,  2001,  p.  9)  Esse  fenômeno  é  um  dos  elementos  da  discussão sobre a aventada crise das identidades analisada por Stuart Hall.  É pertinente retroceder um pouco no tempo para traduzir como os aspectos técnicos  da  comunicação  têm  desdobramentos  profundos  na  análise  social  das  identidades.  Hall,  em  sua  linha  de  raciocínio  para  explicar  quando  o  sujeito  realmente  pôde  ser  concebido  como  unificado, menciona uma importante definição trazida pelo iluminista John Locke que dizia:  “a  identidade da pessoa alcança  a  exata  extensão  em  que  sua  consciência  pode  ir  para trás,  para qualquer ação ou pensamento passado”. (Locke apud HALL, 2001, p.27­28).  Apoiado  nessa  perspectiva,  depreende­se  que  se  hoje  tendemos  a  uma  expansão  vertiginosa  no  aprofundamento  do  passado  graças  à  lógica  cumulativa  dos  meios  de  comunicação e se a presença de todos esses elementos registrados tem um caráter infinito de  existência temporal em função dos diversos suportes hoje existentes, é  notório perceber que  essa  unidade  de  alcance,  mencionada  por  Locke,  atualmente  vai  tão  além  do  poder  de  mensuração  do  sujeito  que  a  consequente  formação  identitária  se  multiplica  também  em  proporções  difíceis  de  acompanhar  e  impossíveis  de  precisar.  As  fontes  de  significado  se  entrelaçam para conceber uma rede na qual valores, crenças e  símbolos se conjugam para a  formação de novos valores, novas crenças e novos símbolos altamente permeados pela idéia  do simultâneo e passageiro.  2  O  esquema  proposto  por  Hall  (2001)  para  caracterizar  os  três  tipos  de  sujeito  existentes  segundo  a  sua  concepção  registra  as  primeiras  grandes  alterações  a  partir  do  “sujeito  sociológico”.  O  autor  pondera  que  a  partir  desse  sujeito  tivemos  a  introdução  da  lógica  da  mediação  dos  sentidos,  valores  e  símbolos  atuando  permanentemente  no  desenvolvimento  do  homem.  Esse  repertório  exibido  através  das  paisagens  culturais  dava  origem à identidade que preenchia o “espaço entre o “interior” e o “exterior” – entre o mundo  pessoal e o mundo público.” (HALL, 2001, p.11)  2  Hall  elenca  os  três  sujeitos  a  partir  de  determinados  momentos  históricos.  Devido  à  relevância  dos  sujeitos  sociológico  e  pós­moderno,  esse  último  de  forma  mais  abrangente,  vou  prescindir  e  menção  do  sujeito  do  iluminismo, de igual importância, porém que estenderia a análise desnecessariamente.
  • 27. 27  Mesmo  visto  dessa  forma,  o  sujeito  ainda  era  compreendido  como  unificado,  pois  nascia  com  um  “núcleo  interior”  que  se  desenvolvia  na  “relação  com  “outras  pessoas  importantes para ele”. (HALL, 2001, p.11)  No  entanto,  essa  miríade  de  elementos  subjetivos  que  deveriam  ser  alinhados  socialmente sofreu mudanças intensas introduzidas pela idéia de que o sujeito não possui mais  uma identidade fixa ou permanente, assim se define o “sujeito pós­moderno”.  O processo de  identificação  tornou­se  “provisório,  variável  e  problemático”,  pois  “à  medida  em  que  os  sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma  multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais  poderíamos no identificar – ao menos temporariamente.” (HALL, 2001, p. 13)  Além do processo de identificação, outro fator de mudança estrutural compete para a  fragmentação do sujeito. As várias instituições do mundo pós­moderno exigem dele posturas  diferentes em momentos diferentes. Dessa forma, os papéis sociais que segundo Castells são  definidos  “pelas  normas  estruturadas”  por  essas  instituições  e  organizações  refletem  na  caracterização da identidade, resultando em “identidades diferentes em momentos diferentes”.  (HALL, 2001, p.13)  A crise da identidade resultante da descentração do sujeito pós­moderno é fruto desse  novo contexto. Para corroborar essa total desagregação, Hall enumera cinco avanços na teoria  social e nas ciências humanas, mas pela pertinência abordaremos somente três.  O  primeiro  deles  parte  da  estrutura  lingüística  e  está  associado  ao  trabalho  de  Ferdinand  de  Saussure.  A  língua,  assim  como  os  diversos  instrumentos  de  produção  de  significado,  possui  uma  dinâmica  autônoma  que  independe  de  quem  está  produzindo  as  mensagens. Assim como as identidades se comportam, as palavras estão sempre apoiadas em  um referencial que é um objeto externo às relações estruturadas em similaridade e diferença.  É nítido, portanto, que não há uma determinação final do significado e nem da identidade por  não  haver  mais  uma  determinação  categórica  de  similaridade  e  nem  diferença.  Na  mesma  proporção em que se tenta estabilizar esse significado em uma vertente cabal, a multiplicação  dos códigos e objetos referenciais perturbam pelo seu ininterrupto movimento multidirecional,  se situando como se estivesse em uma câmara espelhada observada por dentro sempre a partir  de diferentes pontos.  Nesse  aspecto,  a  produção  lingüística  em  geral,  que  venha  expressar  os  códigos  culturais, por maior precisão que se busque por parte do emissor, a recepção, conforme já foi  dito,  é  um  ato  cada  vez  mais  dissociado  da  produção  e  altamente  subjetivo.  O  que  torna  imprevisível os resultados da assimilação.
  • 28. 28  Outra  teoria  discutida  é  o  processo  denominado  por  Michel  Focault  de  “poder  disciplinar”  (Focault  apud  HALL,  2001).  Esse  poder  é  exercido  por  instituições  contemporâneas  como  escolas,  prisões,  hospitais,  entre  outras,  interessa  para  essa  análise  tendo como foco as instituições midiáticas.  O processo discutido anteriormente quanto à ausência de neutralidade dos meios de  comunicação  e  as  possíveis  iniciativas  frente  ao  consumo  segmentado  são  estratégias,  na  maioria das vezes de individualização em meio ao coletivo, exatamente como ocorre quando  se busca esse poder disciplinar.  Assim como hospitais possuem prontuários com excessiva carga descritiva em busca  de  delimitação  do  indivíduo  em  meio  ao  coletivo  para  fins  de  controle,  esses  meios  de  comunicação  ainda  tentam  descobrir  mecanismos  para  estabelecer  certos  denominadores  comuns de modo a interromper a segmentação ou pelo menos abrandar esse processo.  Por  outro  lado,  alguns  veículos,  como  a  revista  piauí,  se  integram  ao  fluxo  imprevisível  de  montagem  das  paisagens  culturais  para  expressar  a  impossibilidade  de  se  fechar  em  um  significado,  ao  contrário,  se  entrega  a  todos  eles  em  uma  dinâmica  oposta,  partindo da comunhão de várias individualidades para a composição de uma conteúdo voltado  para um coletivo socialmente segmentado e fragmentado.  A  última  teoria  diz  respeito  ao  impacto  social  do  feminismo.  Esse  movimento  representou,  junto  aos  movimentos  de  luta  racial,  gays,  lésbicas,  antibelicistas,  uma  contestação  social  que  permeou  todas  as  esferas  de  convivência,  mas  que  trouxe,  principalmente,  em  função  da  sua  amplitude,  a  idéia  da  “política  de  identidade  –  uma  identidade para cada movimento”. (HALL, 2001, p. 45)  Como  encerramento  é  preciso  trazer  a  nova  lógica  das  formações  identitárias  proposta por Castells. O autor aponta três formas e origens de construção de identidades:  Identidade legitimadora: introduzida pelas instituições dominantes da sociedade no  intuito de expandir e racionalizar sua dominação em relação aos atores sociais...dá  origem a uma sociedade  civil, ou seja, um conjunto de organizações e instituições,  bem como uma série de atores sociais(..).  Identidade de resistência: criada por  atores que encontram  em posições/condições  desvalorizadas(...)Leva à formação de comunas, ou comunidades...  Identidade  de  projeto:  quando  os atores sociais,  utilizando­se  de  qualquer  tipo  de  material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir  sua posição na sociedade (...) (CASTELLS, 1999, p. 24)  Há  um  ponto  crucial  a  ser  pensado  considerando  esses  processos  de  construção.  Segundo a linha de raciocínio do próprio Castells, durante a modernidade, as identidades de  projeto  se  formavam  a  partir  da  sociedade  civil  com  o  intuito  de  propor  novas  lógicas  às
  • 29. 29  instituições dominantes, grande exemplo disso foi o socialismo. Com o advento dessa série de  movimentos  sociais  que  fragmentaram  as  identidades  em  uma  perspectiva  política,  a  identidade de projeto passa a se desenvolver a partir das identidades de resistência. É o que  ele chama de “transformação social na era da informação.” (CASTELLS, 1999, p. 28)  Com  a  finalidade  de  identificar  essas  manifestações  linguísticas  características  da  pós­modernidade, o pastiche,  a  paródia e  o simulacro, que visam  determinar  um público  de  consumo,  representando  segmentações  tanto  produtivas,  quanto  receptivas,  a  proposta  de  análise é a revista piauí. Além de se dirigir a um segmento de indivíduos, pelo uso de códigos  e elementos culturais específicos, piauí reforça o papel das identidades na determinação das  novas vertentes de produção editorial.
  • 30. 30  Capítulo III  Desconcer tante constr ução  O  presente  trabalho  encarregou­se,  até  agora,  de  apontar  algumas  mudanças  ocorridas  tanto  nas  dinâmicas  sociais  quanto  nos  aspectos  técnicos  da  comunicação  e  seus  desdobramentos  e  relações  com  os  processos  identitários.  Para  consolidar  esse  panorama  exposto até então, é imprescindível referenciá­lo em um produto que possa espelhar e traduzir  esses aspectos que serão exemplificados pela análise da revista piauí.  A modernidade foi descrita pela sua rigidez no estabelecimento de fronteiras claras  entre os gêneros, que se fundiram na pós­modernidade e deram origem a uma tensão contrária  ao  isolacionismo  lingüístico  e  disciplinar  das  metanarrativas.  A  pluralidade  manifesta  na  desrefencialização identitária implicou em novas maneiras de projetar culturalmente minorias  no  âmbito  social.  Novas  tendências  eclodiram  nos  meios  de  comunicação  pelo  consumo  segmentado e pela maior participação do receptor na produção dos significados. A cultura foi  apresentada como detentora de traços da sociedade assim como a sociedade incorpora traços  da cultura para se completarem mutuamente. Tudo isso resultou em perspectivas de uso das  figuras e métodos de linguagem em  novos moldes como o desconstrucionismo, a colagem e  montagem,  o  simulacro,  o  pastiche  e  a  paródia  e,  principalmente,  a  concepção  da  estrutura  mutante  dos  signos  sob  a  ótica  dos  atores  sociais.  Essas  foram  algumas  mudanças  que  eclodiram nessa transição.  O  termo  gramática   é  recorrentemente  utilizado  nas  elucidações  sobre  a  pós­  modernidade e suas várias manifestações lingüísticas que se relacionam com o meio em uma  dinâmica de recriação e rompimento com hierarquias e padrões de expressão. Gramática  tem,  como  uma  de  suas  definições  “em  lingüística  descritiva,  estudo  objetivo  e  sistemático  dos  elementos (...) e dos processos (de formação, construção, flexão e expressão) que constituem  e caracterizam o sistema de uma língua” (Dicionário de Língua Portuguesa, p. 1474)  Essa  ênfase  aos  processos  de  formação  e  caráter  sistêmico  da  gramática  reforça  o  valor  atribuído  ao  significante  na  pós­modernidade  e  situa  o  objeto  em  questão  como  importante  instrumento  para  identificar  de  que  forma  as  novas  manifestações  editoriais  se  apropriam dos padrões vigentes relacionando­os em torno de novos significados.  O jornalismo como autêntica forma de expressão e retratação dos fatos segue a sua  própria  gramática  e  se  resguarda,  em  seu  valor  institucional,  nos  cânones,  ou  regras  particulares,  incumbidas  de  mediar  as  mensagens  de  forma  mais  familiar  e  pragmática  ao
  • 31. 31  receptor. Mesmo compreendendo a vivacidade da língua, manuais de redação, extensas obras  sobre  técnicas  de  escrita,  entre  outras  publicações,  permeiam  o  cotidiano  da  produção  jornalística.  Conforme  já  elucidado  no  capítulo  anterior,  há  uma  crescente  tensão  entre  o  fator  institucional  dos  meios  de  comunicação  e  as  formas  participativas,  interativas  e  descentralizadas  impostas  pela  nova  ordem  de  exposição  do  receptor  às  mensagens.  É  fato  que  a  institucionalização  depende,  conforme  caracteriza  Thompson  (1998),  de  certa  estabilidade  e  projeção  no  tempo.  No  entanto,  a  própria  desrefencialização  identitária  dos  sujeitos sociais incide nos mais diversos substratos de maneira divergente a essa estabilidade  que anteriormente utilizava da comunicação de massa travestida nos recém trazidos aparatos  tecnológicos, a exemplo da televisão.  Seguindo a lógica cultural de relacionamento entre o “sistema de crenças e códigos  historicamente  produzidos”  e  os  sujeitos  sociais  que  referendam  o  seu  uso  e  a  sua  perpetuação, a tendência das novas manifestações editoriais é justamente de seguir esse fluxo  pluralista  e  aberto,  não  obstante  presenciarmos  constantemente  produtos  que  resistem  em  ceder e deslocar­se do seu cânone, representação típica desse fator institucional. (CASTELLS,  1999, p. 34)  Compreendendo  tais  obras  como  as  metanarrativas,  mencionadas  anteriormente  como os amplos esquemas interpretativos que norteavam os pensadores modernos, a revista  piauí remonta o movimento desconcertante da pós­modernidade ao reunir aspectos da cultura  erudita,  porém  em  uma  vertente  contrária  ao  isolacionismo  lingüístico  e  a  concepção  de  gêneros  totalitários.  Ela  se  insere  na  perspectiva  segmentada  de  produção  voltada  para  um  público  específico,  projetado  à  luz  da  afinidade  e  identificação  com  seus  conteúdos  discursivos. Se  as paisagens  culturais  conforme pressagiou  Hall  (2001)  se  fragmentaram,  as  nuances  editorias  tendem  a  se  expandir  para  atender  as  novas  demandas  lançadas  por  esse  fenômeno,  de  maneira  que  a  segmentação  muito  acentuada  não  torne  se  exageradamente  individualizada para resultar em publicações quantitativamente inviáveis.  Ao  tratar  das  instituições,  tão  dependentes  da  estabilidade  e  antes  apoiada  pelas  fronteiras,  Harvey  (1989)  sugere  que  a  explosão  de  gêneros  e  sua  conseqüente  heterogeneidade de  jogos  linguagem  dá  “origem  a  instituições  em  pedaços – determinismos  locais”. (Lyotard apud HARVEY, 1989, p. 57).  No entanto, a estabilidade, nesse caso, é conferida coletivamente dentro daquilo que  os  indivíduos  “consideram  conhecimento  válido”.  “Determinismos  locais”  são  compreendidos,  nessa  abordagem,  como  “comunidades  interpretativas”.  Com  isso  Harvey
  • 32. 32  ilustra o poder de constante recriação advinda tanto dos produtores quanto consumidores uma  vez que constroem mutuamente seu repertório de códigos inseridos nessas comunidades.  Analogamente,  a  análise  proposta  se  aproxima  da  apreciação  elaborada  por  ele  de  Soft  City.  Essa  obra,  conforme  propõe,  por  mais  ingênua  que  pareça,  uma  vez  que  foi  concebida por um jovem recém chegado a Londres, ilustra um importante destaque diante do  contexto que se pensava existir. Quando se propunha que o espaço urbano era dominado pela  síntese totalizante e que pelas ruas circulavam somente acadêmicos dignos de interpretações  abissais, Soft City constrói uma nova visão. Novas produções de significados eram realizadas  pela parte viva da cidade, o caos urbano que se apresenta como impossível de ser controlado,  a autonomia de cada um dos atores os destaca em meio aquilo que foram gestados.  Para compreender melhor, é necessário traçar um panorama histórico do surgimento  de  piauí.  As  edições  selecionadas  para  apreciação  foram  as  duas  primeiras,  a  mais  recente  datada (outubro de 2008) tendo como referência  a conclusão desse trabalho, além de outros  dois  números  que  abordam  duas  tradições  mundialmente  reverenciadas,  o  natal  e  as  olimpíadas, essas selecionadas para fundamentar o enfoque dado às pautas de temas sazonais  e amplamente retratados.  É  importante  para  essa  análise  compreender  que,  dentro  de um processo  aberto  de  construção,  não  há  determinações  a  serem  seguidas  durante  a  trajetória  da  revista.  Sendo  assim,  o  interstício  que  separa  suas  primeiras  edições  da  mais  atual  reflete,  em  diversos  aspectos, mudanças em algumas de suas características identitárias. Foram escolhidas quatro  dimensões de análise: produto e contexto, cânone jornalístico – subjetividade e objetividade,  Jornalismo literário, figuras de linguagem.  Tradicionalmente  o  jornalismo  enfatiza,  quase  sempre,  as  mesmas  questões  dentro  das coberturas de grandes datas ou eventos. Entender como a revista ressalta outros elementos  desse pragmatismo é, também, de fundamental importância para caracterizá­la.  3.1 Pr oduto e contexto  Piauí  foi  concebida  há  dois  anos,  em  2006,  fruto  de  um  projeto  idealizado  pelo  documentarista João Moreira Salles e teve sua primeira edição publicada em outubro daquele  ano.  Alguns  aspectos de  sua  identidade  trazem dificuldades para uma  caracterização  fixa,  o
  • 33. 33  que,  no  entanto,  lhe  atribui  a  singularidade  necessária  ao  reunir  várias  vertentes  e  um  anarquismo aleatório.  “ A piauí é saudavelmente anárquica. Ela muda muito; é muito dinâmica. Acho que  dá  pra  dizer  que  a  revista  é  centrada  na  singularidade.  Não  temos  temas  gerais,  mas  sempre  uma  pessoa,  uma  instituição.  Generalização  no  Brasil  é  algo  muito  complicado, acaba sendo contraditório. Estamos com sete meses de revista e ainda  procuramos  a  cara  dela.  É  difícil  definir  a  piauí,  assim  como  é  difícil  definir  o  Brasil” (SALLES, 2007)  O  conteúdo  da  revista  é  elaborado,  a  cada  edição  mensal,  por  colaboradores,  inclusive  internacionais,  se  aproximando  do  modelo  de  produção  em  rede,  autônomo,  descentralizado  e  subjetivo.  Escritores,  médicos,  atores,  humoristas,  entre  outros,  dão  consistência  ao  expediente  que  não  busca  uma  completude  na  perpetuação,  mas  no  caráter  aberto de novas possibilidades e participações.  Reflexo dessa ausência de rigidez, as editorias de piauí, ou não editorias, seguem a  mesma  lógica  aleatória.  As  denominações,  ordem  seqüencial  de  indexação  e  a  própria  publicação  em  si  não  são  perenes,  salvo  exceções  como  Chegada ,  Despedida,  Diário  e  Esquina  (Figura 1). A primeira, conforme o próprio nome já caracteriza, aborda sempre temas  novos colocados em pauta, já despedida, que talvez pudesse referenciar as seções de óbito do  jornalismo  convencional,  retrata  uma  espécie  memórias  póstumas  de  algum  fato,  tratando  tanto  de pessoas  quanto de objetos  inanimados. Dois  exemplos  estão  na  edição  de  agosto  e  outubro  de  2008  que  trazem,  respectivamente,  os  textos  ATÉ  TU,  ITAIPULÂNDIA  e  o  discurso  de  paraninfo  para  formandos  A  LIBERDADE  DE  VER  OS  OUTROS,  do  escritor  americano David Foster.  Esquina   poderia  ser  a  seção  que,  em  função  de  uma  peculiaridade,  a  ausência  de  assinaturas,  se  aproxima  dos  editoriais,  inexistentes  na  revista,  salvo  exceção  da  edição  de  outubro de 2008 que trouxe o primeiro deles. Composta por pequenas histórias que trazem os  mais  diversos  assuntos,  Esquina ,  representaria,  portanto, o olhar  da revista  diante  de  alguns  fatos  da  realidade,  porém  sem  a  pretensão  de  expor  nenhuma  opinião  sobre  eles,  se  encarregando  somente  de  retratar  os  acontecimentos,  em  sua  grande  maioria  totalmente  avessos aos parâmetros de relevância e noticiabilidade.  A discussão em torno da temporalidade em piauí é fator recorrente em função de sua  evocação a temas inusitados. Pena (2006) trata dessa questão temporal e de acordo com suas  considerações  “temporalidade  não  se  refere  ao  fato,  mas  à  forma  como  é  transmitido,  ou  melhor, mediado. É o instante da mediação que realmente conta”. (PENA, 2006, p. 39)