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Jan Davidz de Heem
Joana Kruse
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Lembra-te
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Mário Cesariny
in "Pena Capital"
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Deixei de ouvir-te. E sei que sou
mais triste com o teu silêncio.
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se encostar ao teu pulso o meu ouvido
não escutarei senão a minha dor.
Deus precisou de ti, bem sei. E
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Aproxima o teu coração
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Amo-te enfim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
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Eu faço versos como quem chora
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Ricardo Reis
In “Poemas de Ricardo Reis”
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O Poeta é um Guardador
o poeta é um guardador
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guarda da indiferença
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Ana Hatherly
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Entre o Luar e a Folhagem
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Entre o sossego e o arvoredo,
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Segue-o minha alma na passagem.
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Atrai e dói.
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Nada é nem faz.
Só de segui-lo me perdi.
Fernando Pessoa
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Quando Tornar a Vir a Primavera
Quando tornar a vir a Primavera
Talvez já não me encontre no mundo.
Gostava agora de poder julgar que a Primavera é gente
Para poder supor que ela choraria,
Vendo que perdera o seu único amigo.
Mas a Primavera nem sequer é uma coisa:
É uma maneira de dizer.
Nem mesmo as flores tornam, ou as folhas verdes.
Há novas flores, novas folhas verdes.
Há outros dias suaves.
Nada torna, nada se repete, porque tudo é real.
Alberto Caeiro
In “Poemas Inconjuntos. Poemas de Alberto Caeiro” (Fernando Pessoa)
Thomas Benjamin Kennington
Dez Chamamentos ao Amigo (I)
Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse.
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei. E há um tempo.
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.
Hilda Hilst
In “Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão”
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Os Poemas
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhoso espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
Mário Quintana
In “Esconderijos do Tempo”
Jacek Malczewski
A.C.W. Duncan.
Canção
Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
— depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas.
O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...
Cecília Meireles
in “Viagem”
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Cai a Chuva no Portal
Cai a chuva no portal, está caindo
Entre nós e o mundo, essa cortina
Não a corras, não a rasgues, está caindo
Fina chuva no portal da nossa vida.
Gotas caem separando-nos do mundo
Para vivermos em paz a nossa vida.
Cai a chuva no portal, está caindo
Entre nós e o mundo, essa toalha
Ela nos cobre, não a rasgues, está caindo
Chuva fina no portal da nossa casa.
Por um dia todos longe e nós dormindo
Lado a lado, como páginas dum livro.
Lídia Jorge
Fernando Álvarez de Sotomayor
O Mundo é Grande
O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.
Carlos Drummond de Andrade
in “Amar se Aprende Amando”
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Estigma
Filhos dum deus selvagem e secreto
E cobertos de lama, caminhamos
Por cidades,
Por nuvens
E desertos.
Ao vento semeamos
O que os homens não querem.
Ao vento arremessamos
As verdades que doem
E as palavras que ferem.
Da noite que nos gera, e nós amamos,
Só os astros trazemos.
A treva ficou onde
Todos guardamos a certeza oculta
Do que nós não dizemos,
Mas que somos.
José Carlos Ary dos Santos
In “Obra Poética”
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Auto-Retrato
Espáduas brancas palpitantes:
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.
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Canção do Verdadeiro Abandono
Podem todos rir de mim,
podem correr-me à pedrada,
podem espreitar-me à janela
e ter a porta fechada.
Com palavras de ilusão
não me convence ninguém.
Tudo o que guardo na mão
não tem vislumbres de além.
Não sou irmã das estrelas,
nem das pombas nem dos astros.
Tenho uma dor consciente
de bicho que sofre as pedras
e se desloca de rastos.
Natércia Freire
Dennis Perrin
Voar
Deve ser bom voar! Abrir as asas,
fechar os olhos e partir sem rumo,
pairar sobre as cidades, sobre as casas,
como pássaro, estrelas, nuvem, fumo...
Deve ser bom voar! Erguer os braços
e acima dos telhados e dos ninhos,
esquecer os sinais de inúteis passos,
fugir ao pó de todos os caminhos...
Mas onde as asas para assim voar,
para subir às nuvens e às estrelas?
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  • 2. Joana Kruse Amanhecer Navego no cristal da madrugada, Na dureza do frio reflectido, Onde a voz ensurdece, laminada, Sob o peso da noite e do gemido. Abre o cristal em nuvem desmaiada, Foge a sombra, o silêncio e o sentido Da nocturna memória sufocada Pelo murmúrio do dia amanhecido. José Saramago In “Os Poemas Possíveis”
  • 3. Conrad Kiesel Pudesse Eu Pudesse eu não ter laços nem limites Ó vida de mil faces transbordantes Para poder responder aos teus convites Suspensos na surpresa dos instantes! Sophia de Mello Breyner Andresen In “Poesia I”
  • 4. William Orpen À Tua Espera Tranquila e serena a nossa casa nos quatro cantos o sol do meio-dia à tua espera alegre e descansada injecto-me de amor às escondidas Sobre a garganta passo os dedos espessos e a roupa uma a uma vai caindo para que então amor com os teus dedos quando vieres me vás depois vestindo Maria Teresa Horta in “Candelabro”
  • 6. John Singer Sargent Gota de Água Eu, quando choro, não choro eu. Choro aquilo que nos homens em todo o tempo sofreu. As lágrimas são as minhas mas o choro não é meu. António Gedeão In “Movimento Perpétuo”
  • 7. Jean-Honore Fragonard Urgentemente É urgente o amor É urgente um barco no mar É urgente destruir certas palavras, ódio, solidão e crueldade, alguns lamentos, muitas espadas. É urgente inventar alegria, multiplicar os beijos, as searas, é urgente descobrir rosas e rios e manhãs claras. Cai o silêncio nos ombros e a luz impura, até doer. É urgente o amor, é urgente permanecer. Eugénio de Andrade in "Até Amanhã"
  • 8. Carl Wilhelm Holsoe Busque Amor novas artes, novo engenho, para matar-me, e novas esquivanças; que não pode tirar-me as esperanças, que mal me tirará o que eu não tenho. Olhai de que esperanças me mantenho! vede que perigosas seguranças: que não temo contrastes nem mudanças, andando em bravo mar perdido o lenho Mas, conquanto não pode haver desgosto onde esperança falta, lá me esconde Amor um mal, que mata e não se vê; que dias há que na alma me tem posto um não sei quê, que nasce não sei onde, vem não sei como e dói não sei por quê. Luís Vaz de Camões
  • 10. Lembra-te Lembra-te que todos os momentos que nos coroaram todas as estradas radiosas que abrimos irão achando sem fim seu ansioso lugar seu botão de florir o horizonte e que dessa procura extenuante e precisa não teremos sinal senão o de saber que irá por onde fomos um para o outro vividos Mário Cesariny in "Pena Capital" Edward John Poynter
  • 11. Charles Perugini Deixei de ouvir-te. E sei que sou mais triste com o teu silêncio. Preferia pensar que só adormeceste; mas se encostar ao teu pulso o meu ouvido não escutarei senão a minha dor. Deus precisou de ti, bem sei. E não vejo como censurá-lo ou perdoar-lhe. Maria do Rosário Pedreira
  • 12. Delphin Enjolras Primeira Palavra Aproxima o teu coração e inclina o teu sangue para que eu recolha os teus inacessíveis frutos para que prove da tua água e repouse na tua fronte Debruça o teu rosto sobre a terra sem vestígio prepara o teu ventre para a anunciada visita até que nos lábios humedeça a primeira palavra do teu corpo Mia Couto in “Raiz de Orvalho”
  • 14. Mona Hopton Bell Soneto do Amor Total Amo-te tanto meu amor... não cante O humano coração com mais verdade... Amo-te como amigo e como amante Numa sempre diversa realidade. Amo-te enfim, de um calmo amor prestante E te amo além, presente na saudade. Amo-te, enfim, com grande liberdade Dentro da eternidade e a cada instante. Amo-te como um bicho, simplesmente De um amor sem mistério e sem virtude Com um desejo maciço e permanente. E de te amar assim, muito e amiúde É que um dia em teu corpo de repente Hei de morrer de amar mais do que pude. Vinicius de Moraes
  • 15. Lilian Matilda Genth Eu faço versos como quem chora De desalento... de desencanto... Fecha o meu livro, se por agora Não tens motivo nenhum de pranto. Meu verso é sangue. Volúpia ardente... Tristeza esparsa... remorso vão... Dói-me nas veias. Amargo e quente, Cai, gota a gota, do coração. E nestes versos de angústia rouca Assim dos lábios a vida corre, Deixando um acre sabor na boca. - Eu faço versos como quem morre. Manuel Bandeira
  • 16. Sally Rosenbaum Da Tua Vida Da tua vida o que não podem entender Nem oiro nem poder nem segurança Mas a paixão do Tempo e de seus riscos Tu buscaste o instante e a intensidade E foste do combate e da mudança Por isso um rastro de ruptura e de viagem Ou talvez este fogo inconquistado Como breve eternidade De passagem Manuel Alegre in "Chegar Aqui"
  • 18. Vladimir Volegov Amo o Que Vejo Porque Deixarei Amo o que vejo porque deixarei Qualquer dia de o ver. Amo-o também porque é. No plácido intervalo em que me sinto, Do amar, mais que ser, Amo o haver tudo e a mim. Melhor me não dariam, se voltassem, Os primitivos deuses, Que também, nada sabem. Ricardo Reis In “Poemas de Ricardo Reis” (Fernando Pessoa)
  • 19. William McGregor Paxton O Poeta é um Guardador o poeta é um guardador guarda a diferença guarda da indiferença no incerto guarda a certeza da voz Ana Hatherly in “Um Calculador de Improbabilidades”
  • 20. Harold Knight Entre o Luar e a Folhagem Entre o luar e a folhagem, Entre o sossego e o arvoredo, Entre o ser noite e haver aragem Passa um segredo. Segue-o minha alma na passagem. Tênue lembrança ou saudade, Princípio ou fim do que não foi, Não tem lugar, não tem verdade. Atrai e dói. Segue-o meu ser em liberdade. Vazio encanto ébrio de si, Tristeza ou alegria o traz? O que sou dele a quem sorri? Nada é nem faz. Só de segui-lo me perdi. Fernando Pessoa
  • 22. Sue Halstenberg Quando Tornar a Vir a Primavera Quando tornar a vir a Primavera Talvez já não me encontre no mundo. Gostava agora de poder julgar que a Primavera é gente Para poder supor que ela choraria, Vendo que perdera o seu único amigo. Mas a Primavera nem sequer é uma coisa: É uma maneira de dizer. Nem mesmo as flores tornam, ou as folhas verdes. Há novas flores, novas folhas verdes. Há outros dias suaves. Nada torna, nada se repete, porque tudo é real. Alberto Caeiro In “Poemas Inconjuntos. Poemas de Alberto Caeiro” (Fernando Pessoa)
  • 23. Thomas Benjamin Kennington Dez Chamamentos ao Amigo (I) Se te pareço noturna e imperfeita Olha-me de novo. Porque esta noite Olhei-me a mim, como se tu me olhasses. E era como se a água Desejasse. Escapar de sua casa que é o rio E deslizando apenas, nem tocar a margem. Te olhei. E há um tempo. Entendo que sou terra. Há tanto tempo Espero Que o teu corpo de água mais fraterno Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta Olha-me de novo. Com menos altivez. E mais atento. Hilda Hilst In “Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão”
  • 24. Sally Rosenbaum Os Poemas Os poemas são pássaros que chegam não se sabe de onde e pousam no livro que lês. Quando fechas o livro, eles alçam voo como de um alçapão. Eles não têm pouso nem porto alimentam-se um instante em cada par de mãos e partem. E olhas, então, essas tuas mãos vazias, no maravilhoso espanto de saberes que o alimento deles já estava em ti... Mário Quintana In “Esconderijos do Tempo”
  • 26. A.C.W. Duncan. Canção Pus o meu sonho num navio e o navio em cima do mar; — depois, abri o mar com as mãos, para o meu sonho naufragar. Minhas mãos ainda estão molhadas do azul das ondas entreabertas, e a cor que escorre dos meus dedos colore as areias desertas. O vento vem vindo de longe, a noite se curva de frio; debaixo da água vai morrendo meu sonho, dentro de um navio... Cecília Meireles in “Viagem”
  • 27. Sally Rosenbaum Cai a Chuva no Portal Cai a chuva no portal, está caindo Entre nós e o mundo, essa cortina Não a corras, não a rasgues, está caindo Fina chuva no portal da nossa vida. Gotas caem separando-nos do mundo Para vivermos em paz a nossa vida. Cai a chuva no portal, está caindo Entre nós e o mundo, essa toalha Ela nos cobre, não a rasgues, está caindo Chuva fina no portal da nossa casa. Por um dia todos longe e nós dormindo Lado a lado, como páginas dum livro. Lídia Jorge
  • 28. Fernando Álvarez de Sotomayor O Mundo é Grande O mundo é grande e cabe nesta janela sobre o mar. O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar. O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar. Carlos Drummond de Andrade in “Amar se Aprende Amando”
  • 30. Asta Nørregaard Estigma Filhos dum deus selvagem e secreto E cobertos de lama, caminhamos Por cidades, Por nuvens E desertos. Ao vento semeamos O que os homens não querem. Ao vento arremessamos As verdades que doem E as palavras que ferem. Da noite que nos gera, e nós amamos, Só os astros trazemos. A treva ficou onde Todos guardamos a certeza oculta Do que nós não dizemos, Mas que somos. José Carlos Ary dos Santos In “Obra Poética”
  • 31. Andre Fontaine Auto-Retrato Espáduas brancas palpitantes: asas no exílio dum corpo. Os braços calhas cintilantes para o comboio da alma. E os olhos emigrantes no navio da pálpebra encalhado em renúncia ou cobardia. Por vezes fêmea. Por vezes monja. Conforme a noite. Conforme o dia. Molusco. Esponja embebida num filtro de magia. Aranha de ouro presa na teia dos seus ardis. E aos pés um coração de louça quebrado em jogos infantis. Natália Correia
  • 33. Albert Anker Canção do Verdadeiro Abandono Podem todos rir de mim, podem correr-me à pedrada, podem espreitar-me à janela e ter a porta fechada. Com palavras de ilusão não me convence ninguém. Tudo o que guardo na mão não tem vislumbres de além. Não sou irmã das estrelas, nem das pombas nem dos astros. Tenho uma dor consciente de bicho que sofre as pedras e se desloca de rastos. Natércia Freire
  • 34. Dennis Perrin Voar Deve ser bom voar! Abrir as asas, fechar os olhos e partir sem rumo, pairar sobre as cidades, sobre as casas, como pássaro, estrelas, nuvem, fumo... Deve ser bom voar! Erguer os braços e acima dos telhados e dos ninhos, esquecer os sinais de inúteis passos, fugir ao pó de todos os caminhos... Mas onde as asas para assim voar, para subir às nuvens e às estrelas? As dos homens, são asas de matar... ...e as dos anjos, quem pode pretendê-las? Fernanda de Castro In “Trinta e Nove Poesias”