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Assim que nasceu o dia, o quarto daquele mês de agosto, que
poderia muito bem ter sido o primeiro ou o sexto, mas foi o
quarto, porque assim quiseram os deuses da Natureza que
fosse, dum ano que já distante vai, iniciei a travessia. Maleta
não tinha, nem identidade, tampouco passaporte carimbado.
Estava nua e chorei. O caminho estava aberto para que os
meus pés descalços o percorressem. Como o melhor da
viagem não é a chegada, mas sim o seu percurso, estou na
estrada até hoje, caminhante que sou pelas trilhas da Vida.
Embondeiro
Vejo-te solitário e fulgido
Em fundo vermelho de sol poente
Como monumento p´la natureza erigido
Sobre a planície agreste e inclemente;
Como se benfazeja chuva mendigasses
Teus secos braços nus aos céus lanças
E como se a árida paisagem afagasses
Pelo espaço te estendes e avanças;
Caem-te, como lágrimas, frutos tão pesados
A saciar o faminto e sedento caminheiro
Que, de pés descalços, gretados e cansados,
Te reverencia e te atribuiu dons de curandeiro;
Tens bravia beleza e mistérios de feiticeiro
Habitas o meu chão, a minha história por contar,
Sempre estiveste no meu caminho, Embondeiro,
Quisera eu nunca de ti me separar.
A minha rua
Rua feita de pedra e sol
De largueza pouca entre o casario
Por onde passavam dias modorrentos
E gente carregada de estio
Rua que, da longa avenida,
Era sossegada travessa,
Por onde passava a vida
Num caminhar sem pressa
Rua que à noite era vazia
Sem nela ninguém passar
Só o silêncio se ouvia
E as pedras eram feitas de luar
Rua que hoje é lembrança
De quando a dizia minha
À época eu a criança
Que por ela ia e vinha
Por ela há muito não passo
Perdi-a no tempo e na distância
Mas de mim será sempre pedaço
Aquela rua chamada infância
Dormia ainda a manhã
fechei a porta
sem alarde
parti
levei na memória a cor
vermelha da terra
e do sangue no verdejante capim
encarnada do jindungo e das pitangas
das missangas
cravejando peles escuras
descalças no cafezal
a brancura do sisal
do algodão em flor
zarcão dos poentes sobre o cais
dourada das fogueiras nos quintais
rubra das acácias nos umbrais
o verde dançante das palmas
entre areias e céu em tardes calmas
anil do mar ao sol do meio-dia
à noite envolto em ardentia
levei na memória o odor da maresia
da poeira suspensa quando não chovia
da goiaba do maboque e do caju
do suor do povo quase nu
parti
nada mais tinha para levar
a não ser a vontade de ficar
Exílio – Cores e Odores
Exílio - Saudade de mim
São as de outrora
as casas, as ruas e os becos;
iguais aos de antes,
as angústias, os prantos e os medos;
são os mesmos e sempre tantos
os ritmos e os cantos,
os encantos,
os acalantos;
ainda lá habitam os vermelhos
do sangue e da terra,
os dos últimos raios de sol
entornados sobre o mar
da baía e das praias do farol
de areias velhas e brancas
de onde partem os dongos
em noites de aragens brandas
e de luares antigos
a esculpirem sombras dançantes
das esguias casuarinas ...
São hoje, como eram antes,
os sabores de gajaja e tamarindo,
as cores vivas do céu, do capim
e das acácias florindo ...
És como sempre foste, Luanda.
Tu ficaste, eu parti.
Saudade tenho de mim,
de como fui enquanto te percorri.
Olhos-mar
trago em meus olhos
tanto mar
em tempestade
também em calmaria
de sal
de saudade
e ardentia
são meus olhos
lágrimas-mar
por um Mar
que já não tenho
distante que é de meu
olhar
Abandono
Lá longe - tão longe
Onde o tempo é sempre azul
E há noites encharcadas de luar
Lá longe - tão a Sul
Onde o areal encontra o mar
Deixei meus sonhos espalhados
Não voltei para os buscar
Continuam lá
Abandonados
Mesa Vazia
Quando pão não havia
- e se havia era pouco -
Quando não era o vinho bastante
Para embriagar a fome,
Sentávamo-nos à mesa
E repartíamos migalhas.
Tempo de medo e de incerteza.
Tempo de guerra!
Povo em fuga, destroçado,
A manchar de vermelho a terra.
Quando já nem migalhas havia
Para repartir,
Ainda assim sentávamo-nos à mesa,
Deixávamos o Sonho afluir,
Dizíamosnão à tristeza
E alimentávamo-nos de Esperança.
Zinco ao meio-dia
Meio-dia
Terra vermelha nos cumes
Reflectida em espelhos
Como lâminas de dois gumes
Lado a lado
Que cortam
Desfazem
E cobrem
Sonhos agrilhoados
De todos os esquecidos
Que de tão empobrecidos
De esperança
Ali ficaram calados
Com olhos amargurados
Vendo o brilho
De seus telhados de zinco
Retirante
Ter de ir
Não poder ficar
Sair sem deixar sinais
Calar o riso brando
O breve pranto
Levar nas mãos o nada
Na alma o desencanto
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Todo o desalento
Toda a afeição
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Seguir o vento
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Buscar um novo chão
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Texto e poemas: Guida Burt (guidaburt@gmail.com)

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  • 1. Assim que nasceu o dia, o quarto daquele mês de agosto, que poderia muito bem ter sido o primeiro ou o sexto, mas foi o quarto, porque assim quiseram os deuses da Natureza que fosse, dum ano que já distante vai, iniciei a travessia. Maleta não tinha, nem identidade, tampouco passaporte carimbado. Estava nua e chorei. O caminho estava aberto para que os meus pés descalços o percorressem. Como o melhor da viagem não é a chegada, mas sim o seu percurso, estou na estrada até hoje, caminhante que sou pelas trilhas da Vida.
  • 2. Embondeiro Vejo-te solitário e fulgido Em fundo vermelho de sol poente Como monumento p´la natureza erigido Sobre a planície agreste e inclemente; Como se benfazeja chuva mendigasses Teus secos braços nus aos céus lanças E como se a árida paisagem afagasses Pelo espaço te estendes e avanças; Caem-te, como lágrimas, frutos tão pesados A saciar o faminto e sedento caminheiro Que, de pés descalços, gretados e cansados, Te reverencia e te atribuiu dons de curandeiro; Tens bravia beleza e mistérios de feiticeiro Habitas o meu chão, a minha história por contar, Sempre estiveste no meu caminho, Embondeiro, Quisera eu nunca de ti me separar.
  • 3. A minha rua Rua feita de pedra e sol De largueza pouca entre o casario Por onde passavam dias modorrentos E gente carregada de estio Rua que, da longa avenida, Era sossegada travessa, Por onde passava a vida Num caminhar sem pressa Rua que à noite era vazia Sem nela ninguém passar Só o silêncio se ouvia E as pedras eram feitas de luar Rua que hoje é lembrança De quando a dizia minha À época eu a criança Que por ela ia e vinha Por ela há muito não passo Perdi-a no tempo e na distância Mas de mim será sempre pedaço Aquela rua chamada infância
  • 4. Dormia ainda a manhã fechei a porta sem alarde parti levei na memória a cor vermelha da terra e do sangue no verdejante capim encarnada do jindungo e das pitangas das missangas cravejando peles escuras descalças no cafezal a brancura do sisal do algodão em flor zarcão dos poentes sobre o cais dourada das fogueiras nos quintais rubra das acácias nos umbrais o verde dançante das palmas entre areias e céu em tardes calmas anil do mar ao sol do meio-dia à noite envolto em ardentia levei na memória o odor da maresia da poeira suspensa quando não chovia da goiaba do maboque e do caju do suor do povo quase nu parti nada mais tinha para levar a não ser a vontade de ficar Exílio – Cores e Odores
  • 5. Exílio - Saudade de mim São as de outrora as casas, as ruas e os becos; iguais aos de antes, as angústias, os prantos e os medos; são os mesmos e sempre tantos os ritmos e os cantos, os encantos, os acalantos; ainda lá habitam os vermelhos do sangue e da terra, os dos últimos raios de sol entornados sobre o mar da baía e das praias do farol de areias velhas e brancas de onde partem os dongos em noites de aragens brandas e de luares antigos a esculpirem sombras dançantes das esguias casuarinas ... São hoje, como eram antes, os sabores de gajaja e tamarindo, as cores vivas do céu, do capim e das acácias florindo ... És como sempre foste, Luanda. Tu ficaste, eu parti. Saudade tenho de mim, de como fui enquanto te percorri.
  • 6. Olhos-mar trago em meus olhos tanto mar em tempestade também em calmaria de sal de saudade e ardentia são meus olhos lágrimas-mar por um Mar que já não tenho distante que é de meu olhar
  • 7. Abandono Lá longe - tão longe Onde o tempo é sempre azul E há noites encharcadas de luar Lá longe - tão a Sul Onde o areal encontra o mar Deixei meus sonhos espalhados Não voltei para os buscar Continuam lá Abandonados
  • 8. Mesa Vazia Quando pão não havia - e se havia era pouco - Quando não era o vinho bastante Para embriagar a fome, Sentávamo-nos à mesa E repartíamos migalhas. Tempo de medo e de incerteza. Tempo de guerra! Povo em fuga, destroçado, A manchar de vermelho a terra. Quando já nem migalhas havia Para repartir, Ainda assim sentávamo-nos à mesa, Deixávamos o Sonho afluir, Dizíamosnão à tristeza E alimentávamo-nos de Esperança.
  • 9. Zinco ao meio-dia Meio-dia Terra vermelha nos cumes Reflectida em espelhos Como lâminas de dois gumes Lado a lado Que cortam Desfazem E cobrem Sonhos agrilhoados De todos os esquecidos Que de tão empobrecidos De esperança Ali ficaram calados Com olhos amargurados Vendo o brilho De seus telhados de zinco
  • 10. Retirante Ter de ir Não poder ficar Sair sem deixar sinais Calar o riso brando O breve pranto Levar nas mãos o nada Na alma o desencanto Que tem doído tanto Todo o desalento Toda a afeição Cortar os laços Seguir o vento Apressar os passos Buscar um novo chão Partir Sem olhar pra trás O medo despir E recomeçar ...
  • 11. Fotografias: Angola – Retiradas da Internet Música: Angola (Cesária Évora) Texto e poemas: Guida Burt (guidaburt@gmail.com)