1. C-1
c
CMYK
CULTURA CORREIO BRAZILIENSE
Brasília, sexta-feira, 12 de dezembro de 2008
Editora: Clara Arreguy //claraarreguy.df@diariosassociados.com.br
Subeditores: Mariana Ceratti, Rosualdo Rodrigues,
Sérgio Maggio, Teresa Albuquerque e Teresa Mello
cultura@correioweb.com.br
3214 1178 • 3214 1179
PARCEIROS NAS PICAPES DESDE 1988, OS DJS ISN’T E THE SIX NÃO
TOCARAM EM NENHUMA FESTA ESTE ANO. CANSADOS DA NOITE NA CIDADE,
SUMIRAM DE CENA E ENTRARAM EM ESTADO DE “PAUSA E OBSERVAÇÃO”
Arquivo Pessoal Felipe Barboza/Divulgação
Daniel Grilo/Divulgação
APOSENTADOS,
UNDERGROUND FASHION
PONTO A PONTO
Pedro Tapajós —“As pessoas que se dizem under-
ground, esses fashionistas, esse povo que tomou de
assalto o underground pelo simples número, se-
guem subjetividades em série. É um código meio
ELES?
neurotiquinho, darkinho, barulhinho, com subidi-
nhas e descidinhas. São todos fabricados em série.”
André Costa — “No passado, havia uma bipolari-
dade, uma fronteira clara entre o underground e o
comercial. Hoje, o comercial se disfarça de under-
ground. O underground está morto há algum tem-
po. O que se faz é um apoderamento da idéia para
vender imagem. E a noite da cidade está morren-
do, agonizando.”
Pedro — “Sabe o que é underground aqui e agora? A
música eletrônica do Pará. São antropófagos totais.
Todo esse mundinho glossglam só recicla, imita e co-
e pistas incidentais da cidade – dos que mar- de Comunicação da Unieuro. Pedro é arqui-
DANIELA PAIVA
pia. Aqui destaco o Confronto Soundsystem, os meni-
caram a geração clubber dos anos 1990, co- vologista e possui também mestrado em co-
DA EQUIPE DO CORREIO
nos da black music, os projetos do Tomás Seferin. ”
mo Miqra e Wlöd, ao mais recente subsolo municação. Dá aula na Thomas Jefferson. A
sta matéria surgiu a partir de um boa- do Conic. Tocaram house, acid house, elec- rotina é preenchida pelo trabalho de tal ma-
E to. A dupla Isn’t e The Six, praticamen- troclash e outros estilos sempre com um pé neira que foi difícil encontrar espaço na
MINIMAL E TECHNO
te patrimônio histórico das pistas de antes da moda. agenda para as entrevistas. Nada que os im-
André — “O minimal e o techno viraram experimen-
Brasília, teria pendurado os headpho- Com eles, a festa deixou de ser simples e pedisse, porém, de voltar à velha forma de
tal por experimental. É o experimental sem a função
nes e se aposentado. O fato amparava-se por tornou-se inesperada, ousada, até esquisita esculpir uma festa se estivessem com o devi-
precisa que é questionar. O eletrônico não precisa
uma evidência: Isn’t e The Six sumiram de ce- para alguns. A pista de Isn’t e The Six não era do tesão. Afinal, a atividade como DJ nunca
questionar mais nada como na década de 1990. Hoje
na em 2008. Mais ainda: ficaram de fora da (nem é) um mero momento para dançar ou foi ganha-pão, e sim uma atividade artística
as pessoas querem que a batida flua e frua. É o expe-
Love Parade, que comemorou uma década e, badalar. A noite, para eles, era (e deve conti- mesmo, ressaltam.
rimento pelo experimento. O minimal virou mastur-
em todas as edições – exceto a de setembro nuar a ser) uma experiência estética única, O bate-papo rolou em duas etapas: uma
bação experimental sem a menor função. A coisa é
último – reservava espaço para a narrativa pessoal e intransferível. Por isso, criaram sig- pela manhã e outra numa sexta-feira à noi-
por si só e não pelo mais importante, que são os afe-
dos dois. André Costa e Pedro Tapajós, Isn’t e nificados inteiros com luvas cirúrgicas, coto- te, antes de uma saída que não chegou a
tos, as emoções, a oportunidade de encontro, de ale-
The Six respectivamente, não tocaram em netes, caixas de fósforo, sachês de catchup, acontecer tamanho o desânimo com a ce-
gria, de diversão, de amar, de as pessoas se encontra-
nenhuma festa no ano inteiro. cabelos, elásticos nos panfletos, decorações, na. Nele, André e Pedro, melhores amigos,
rem amorosamente.”
André e Pedro (ou Pedrinho, como é co- temas filosóficos. parceiros, irmãos de alma, discutiram con-
nhecido) são parceiros nas picapes desde Isn’t e The Six tinham muito a dizer – e ceitos, palavras, significados, complemen-
1988. Boa parte dos DJs que hoje são estrelas ainda têm, só que o discurso ficou tão re- taram frases um do outro. Por vezes, discor-
CÓPIA E TRASH
na cidade – ou que foram em outras épocas – pleto de repetições nos últimos anos que daram. Mas a longa convivência lhes trou-
André — “Fui a uma festa onde supostamente es-
assume que aprendeu a tal arte e ofício de eles cansaram de falar. Na festa que elegem xe a maturidade da compreensão e do res-
sas duplinhas estariam tocando — cópia da cópia
“djeizar” com os dois. Eles não gostam da pa- como a última (não contam uma em de- peito. Nunca foram amantes, nem briga-
da cópia. Não tenho nada contra as pessoas toca-
lavra pioneirismo, usada com freqüência pa- zembro de 2007), em junho do ano passa- ram ou pediram divórcio musical. Mas es-
rem mal, até porque a gente já teve nossos momen-
ra descrever a atuação da dupla em Brasília. do, batizada de Rejane, a crítica estava em tão juntos num “estado de pausa e observa-
tos. Mas tive vontade de ir lá e xingar aquela pessoa
Mas o arquivo que abriram para o Correio, entrelinhas como a cabine de DJ a cargo da ção” – e não de aposentadoria.
que estava no som. Quem se aventura a subir numa
com inúmeras fotos e panfletos ao longo empregada, a Rejane do título, no cozidão
cabine de som tem que saber o mínimo. Era uma
desses 20 anos atrás das picapes, é prova de cabeças de DJs. “Era uma grande metá-
coisa tão agressiva, podre, irritante, malfeita e sem
mais do que concreta da exuberância criati- fora crítica ao papel nefasto do DJ na cultu-
o mínimo senso estético. Senti que arremessavam
correiobraziliense.com.br
va e vanguardista nas pistas brasilienses. ra da noite”, explica André, 39 anos, forma-
porcaria na minha cara. ”
Iconoclastas, loucos, filosóficos, perfor- do em arquitetura e mestre em comunica-
Ouça: Pedro – “É o inverso. Ao invés de o DJ estar entre-
máticos ou conceituais – ou melhor, com um ção. “Foi um discurso contra o DJ como um Trecho de set de Isn’t e The Six
gando (música), ele está se colocando como su-
pouquinho de cada –, Isn’t e The Six rendem grande astro de rock.”
gador de estrelato: ‘Olhe para mim, eu sou uma
um livro sobre a história da noite de Brasília. André é professor das disciplinas cultura Veja:
estrela fashion’.”
Galeria de fotos da dupla
Passaram por provavelmente todos os clubs contemporânea e filosofia, do Departamento
André — “A estética deles é do bizarro, andrógino,
gótico, feio, sujo. Há um culto ao trash como se isso
Edilson Rodrigues/CB/D.A Press - 30/9/08
fosse valor. Quando usamos o trash foi com o objeti-
vo de contestar. Brasília importa porcaria cultural de
São Paulo que não serve para a gente.”
DJ ANÔNIMO
André — “Viemos de um pensamento de DJ sem
rosto, um anônimo. Mudamos de nomes várias ve-
zes (Sunrise1, Cnun) por causa disso. Gostamos da
idéia de um DJ que não é uma megaestrela. ”
Pedro — “Nada mais real e irônico do que o grande
DJ da cidade ter sido um astro de rock e não conten-
te com isso ter se tornado um astro da música eletrô-
nica. É o DJ egóico, DJ pênis (na construção simbóli-
ca, não sexual), que representa o capitalismo, o ma-
chismo, o egocentrismo.”
FÓRMULA
Pedro — “A cartografia de pista de dança hoje é mui-
to simples e reproduzida em série.”
André — “Fórmula de generalização de festa ele-
trônica é igual à cabine de som centralizada e alta,
como num trono, mais DJ com ar de todo-podero-
so e cara feia mais paredão de caixas mais luz es-
troboscópica.”
PROJETO
Pedro — “A idéia de projeto é a epítome dessa me-
diocridade toda. Projeto x, projeto y, projeto z.”
André — “Assim como em outras épocas tudo era
manifesto.”
Pedro — “A palavra projeto implicaria um agrupa-
ANDRÉ COSTA E PEDRO TAPAJÓS (DE BARBA) PASSARAM POR QUASE TODOS
mento de pessoas para produzir algo e com objeti-
OS CLUBS DE BRASÍLIA E RECLAMAM DOS DJs QUE POSAM DE ASTROS DO ROCK
vos, metas, idéias, união estética. Projeto blebleblé,
segundo ano. Segundo ano de quê? É o mesmo DJ
que toca em três outros projetos!”
LEIA MAIS SOBRE ISN’T E THE SIX NA PÁGINA 2
C-1
CMYK