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Grahame e seus companheiros foram sequestrados, em pleno voo, na Terra, en-
quanto Absu e seus companheiros chegaram a Erewhon de uma caravana em movi-
mento a caminho do Reino de Gren Li. Absurdamente confusos, esses seres vivos en-
contravam-se longe do mundo que conheciam, mas quanto tempo tinham levado
para chegar a Erewhon? Alguns minutos ou alguns séculos? Além desses dois grupos
tão diferentes e tão humanos, havia mais alguém? E seus sequestradores? Estavam
cercados num estranho mundo e eram tratados como cobaias por seres de inteligên-
cia altamente desenvolvida, ou estavam presos em suas próprias imaginações? Esta-
vam vivos. Isso eles sabiam. Mas o que havia por detrás da névoa e do rio, intrans-
poníveis, e como os alimentos que consumiam em supermercados eram imediata-
mente substituídos?
Título Original: SeaHorse in the Sky
© 1969 by Edmund Cooper
1
Parecia o cenário do Dia da Ressurreição.
Talvez fosse apenas um pesadelo irracional em plena luz do dia - com um toque de
Brueghel, uma pincelada de Dali e uma pitadinha de Peter Sellers. O conjunto provo-
cava uma vontade irresistível de dar gargalhadas, ou chorar ou fazer outra coisa
qualquer. De repente, as pessoas começaram a rir e a chorar - e a fazer outras coisas
mais. De fato, não existe nada que possa perturbar, ou desnortear ou incomodar
mais do que a total ignorância de onde, como, por que e quem.
O primeiro a sair de seu “caixão” foi Russell Grahame. Teve muita sorte. Quase no
mesmo instante lembrou-se que era Russell Grahame, Membro do Parlamento, eleito
em Middleport North, no condado de Lancashire.
Sabia quem era, mas continuou ignorando onde, como e por que. Também faltava-
lhe a noção de quando. Deduziu que isso provava tratar-se de algum sonho maluco,
e não demoraria em acordar pela voz de alguém dizendo: “Apertem seus cintos, por
favor, e apaguem os cigarros. Em mais ou menos dez minutos estaremos aterrissan-
do no aeroporto de Londres”.
Percebeu que não poderia acordar, pois já estava acordado, e o pesadelo era real.
Saíra de um “caixão” que parecia feito de plástico verde. Era o último de uma fila de
caixões idênticos, ordenadamente dispostos no meio da rua, entre um prédio que os-
tentava o letreiro “Hotel” de um lado e outra construção que ostentava o letreiro “Su-
permercado” do outro.
A rua parecia ter uma largura de dez metros e um comprimento de cem. Começa-
va e terminava num mato espesso de gramas e arbustos. Era um minúsculo oásis ur-
bano numa grande savana verde. Em frente ao hotel havia um táxi. Via-se um carro
parado ao lado do supermercado.
Não se via gente nenhuma - fora as pessoas que estavam emergindo dos caixões
verdes.
Uma moça de pele escura chutou com violência a tampa de seu caixão, levantou-
se, emitiu um grito estridente e desmaiou. Pareceu o sinal que desencadeou uma al-
gazarra completa. Logo emergiram um homem e uma mulher. Ambos eram brancos.
Lançaram olhares assustados em volta, encontraram-se, e se lançaram um contra o
outro, abraçando-se com tanta força que parecia não quererem mais se soltar.
Dois homens saíram de dois caixões que se encontravam lado a lado, esbarrando
um no outro e caíram ao chão; atracaram-se quase que no mesmo instante, come-
çando a lutar. E pararam de súbito.
Três moças aterrorizadas estavam rindo e chorando, sentindo-se estranhamente
mais seguras compartilhando do mesmo terror.
Finalmente dezesseis pessoas, após saírem de dezesseis caixões, começaram a fa-
zer um barulho cujo tamanho poderia ser suficiente para acordar até os mortos, ou
pelo menos chamar a atenção de qualquer um que se encontrasse no interior do ho-
tel ou do supermercado. Mas parecia que se houvesse alguém morando no hotel ou
fazendo compras no supermercado, já estivesse acostumado com a bagunça provo-
cada pela ressurreição no meio da única rua à vista, para não ter nenhuma curiosida-
de a respeito.
Ninguém apareceu.
A algazarra parecia não querer chegar ao fim; as pessoas falavam, gritavam, gesti-
culavam ou balbuciavam coisas sem nexo. Pareciam confusas, traumatizadas, como
se tivessem passado por alguma experiência terrível. E na realidade era isso que
acontecera com elas. Aliás, continuava acontecendo.
Russell Grahame, que por algum motivo estranho se sentia completamente aliena-
do daquela absurda confusão, passou repetida e mecanicamente sua mão pelos ca-
belos, num gesto muito característico que lhe valera, entre seus poucos amigos na
Casa dos Comuns, o apelido de “Massagista de cérebro” . Não demorou muito em
perceber que sua cabeça não tinha a forma costumeira. Descobriu um galo próximo
ao cérebro. O galo era de proporções respeitáveis, liso e redondo, com algo que lem-
brava tecido cicatricial em seu topo. Os cabelos por cima do galo pareciam muito
mais curtos que os outros em sua volta.
Russell Grahame, Membro do Parlamento, passou a língua sobre os lábios e perce-
beu de repente que estava se sentindo muito abalado. Precisava de um trago. Preci-
sava muitíssimo de um bom trago. Observou o hotel e começou a andar devagar e
com muita cautela em sua direção. Não era admissível que um Membro do Parlamen-
to - mesmo em se tratando de um que finalmente decidira se afastar daquele mani-
cômio em que a euforia de massa era salpicada continuamente por expressões abs-
tratas - caminhasse e fosse cair ao chão no meio da rua.
O saguão do hotel estava deserto, a não ser por uma montanha de malas empilha-
das logo ao lado da porta giratória. Não havia ninguém atrás do balcão da recepção.
Bateu três vezes na campainha, mas ninguém apareceu.
Viu na parede um letreiro: “Cocktails-Bar” e uma seta que indicava um curto corre-
dor. Foi para o bar. Também estava deserto. Refletiu por alguns instantes, em segui-
da dirigiu-se atrás do balcão e despejou uma dose de whisky num copo.
Engoliu um bom trago da bebida. Procurou os cigarros com dedos trêmulos. Teve a
impressão que a algazarra do lado de fora começava a se acalmar um pouco. Tocou
o galo na parte traseira da cabeça e tomou mais um trago de whisky. Começou a se
sentir um pouco mais à vontade.
Ouviu alguém bater na campainha da recepção. Não provou vontade nenhuma de
chegar até lá e dar informações. Que chegassem até onde ele estava se quisessem.
Aconteceu assim mesmo. Uma pessoa apareceu. Os outros demoraram mais um
pouco para achar o caminho.
O homem que apareceu tinha de vinte e cinco a trinta anos - era alto, loiro, de
olhos azuis, bastante bem apessoado e com uma aparência extrovertida, do tipo con-
tinental. Logo que o viu, Grahame começou a sentir-se muito britânico e bastante
idoso por ter quarenta anos.
- Uma vodca, das grandes! E que raio aconteceu com o serviço? - o moço alto per-
guntou agressivo.
Grahame encheu um copo de vodca
- Saúde. Não tem serviço por aqui.
- Quem é você?-
O inglês olhou seu whisky, pensativo, e tomou mais um trago.
- Eu também sou um dos mortos ambulantes. Meu nome é Russell Grahame -.
Sentiu a necessidade de acrescentar: - Inglês... E você?
O moço abriu a boca, fechou-a de novo e colocou o copo de vodca no tampo do
balcão com dedos que tremiam. Dava a impressão de estar muito confuso.
- Tome todo o tempo que quiser falou Grahame com simpatia. - Tenho a impressão
que não vai faltar tempo. Estou com o palpite que teremos a nossa disposição todo o
tempo que quisermos.
- Norstedt -, anunciou o moço e sua voz parecia conter um curioso tom de dúvida.
- Sou Tore Norstedt... sueco. Muito prazer em conhecê-lo.- Esticou a mão direita e
Grahame apertou-a com toda a cerimônia.
- Ótimo, agora sabemos quem somos. Tome mais um drinque. Eu vou tomar mais
um. - Sorriu. - Acho que são por conta da casa.
- Sim. Muito obrigado.- Norstedt também sorriu. - Acredito que talvez a vodca seja
o remédio indicado. - Num gesto inconsciente apalpou a nuca.
Grahame percebeu o gesto.
- Não se preocupe -, disse. - Eu também estou com um galo. Parece que isso faz
parte da operação.
Norstedt bateu o copo sobre o balcão com tanta violência que despejou um pouco
de vodca
- Que operação? Onde é que nós estamos? Que diabo está acontecendo?
- Fique calmo. Eu também não sei de nada. Após bebermos o suficiente para acal-
mar a tremedeira, poderemos tentar encontrar algum nexo em tudo isso... Aliás, dei-
xe que o diga: seu inglês é excelente.
Norstedt sacudiu a cabeça.
- Sueco. Estou falando sueco e você também está falando sueco.
Grahame encolheu os ombros.
- Como quiser. Mas para seu governo, eu não falo sueco - ou, pelo menos, não falo
muita coisa. - Teve uma ideia súbita. - Arlanda!
- Sim! Sim, Arlanda! - Norstedt repetiu excitado. - Isso mesmo!
Um primeiro pedacinho do puzzle encontrou seu lugar certo.
- O aeroporto de Arlanda -, continuou Grahame - O voo da tarde, de Estocolmo
para Londres... Foi aí que eu vi você - foi no aeroporto. Você estava logo a minha
frente. Você... você estava com excesso de bagagem. Dez kronor... Agora me lembro
que fiquei especulando se me sobrava dinheiro suficiente para pagar meu próprio ex-
cesso.
- Estou me lembrando! Estou me lembrando! - A voz de Norstedt era quase um
grito. - Não consegui achar um táxi. Fiquei pensando que ia perder o avião!
- Fiquei observando os movimentos de seus lábios -, falou Grahame e sua voz es-
tava tensa. - Você está falando sueco, por Deus! Mas as palavras que ouço são ingle-
sas!
- Estive fazendo a mesma coisa -, confirmou Norstedt. - Os movimentos de seus
lábios não são suecos - mas as palavras que eu ouço, sim.
Enquanto trocavam essas impressões Grahame percebeu repetidamente o som da
campainha da recepção e vozes de pessoas falando alto no saguão do hotel. As vo-
zes se tornaram mais nítidas enquanto seus donos se aproximavam do bar.
- Todos os caminhos levam a Roma -, observou com voz soturna. - Amigo Nors-
tedt, tenho a impressão que teremos uma reunião bastante interessante.
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A reunião foi deveras interessante. E deixou todo mundo frustrado e desnorteado.
Russell Grahame preferiu ficar atrás do balcão. Descobriu ser um barman muito
eficiente. Isso levou-o à amarga reflexão que parecia mais dotado quando servia be-
bidas de que quando atuava na política. Quem sabe o que poderia ter acontecido se
vinte e cinco anos antes tivesse se submetido a um teste de aptidões profissionais.
Poderia agora ser um barman de primeira categoria num hotel de cinco estrelas, em
vez de um político de terceira categoria, reduzido a pó entre as mós de um agonizan-
te sistema bipartidário. Apresentara um pedido de demissão do Partido Trabalhista
Parlamentar na mesma hora em que o Partido estava a ponto de excluí-lo de suas fi-
leiras. Enquanto passava suas férias na Suécia decidira, com o mesmo extraordinário
senso de oportunidade, apresentar sua demissão do Parlamento na mesma hora em
que chegasse em casa.
Se chegasse em casa... Os fatos que estavam emergindo na reunião pareciam re-
legar essa perspectiva para um futuro bastante remoto...
De qualquer forma, durante algum tempo esteve ocupado demais e não teve tem-
po para reflexões: ficou atendendo aos pedidos de seus companheiros de desventu-
ra. Ninguém contestou seu direito de monopolizar o balcão. Muito ao contrário, pare-
cia até que todo mundo pensava que ele era um barman excelente. Já era alguma
coisa. Considerando a quantidade de whisky consumida por ele mesmo, começou a
lamentar sempre mais de nunca ter feito o tal teste vocacional.
Praticamente, a totalidade das pessoas presentes estava tomando uma ou outra
bebida alcoólica. O álcool parecia muito apropriado, considerando a situação em que
se encontravam.
Todas as dezesseis pessoas estavam no bar, após ter abandonado os malucos cai-
xões no meio da maluca rua daquela maluca cidade fantasma, que parecia ser o cen-
tro daquele maluco não-cosmo em que se encontravam a contragosto.
As apresentações aconteceram de forma caótica e até espasmódica, todas as ve-
zes que as pessoas conseguiam finalmente lembrar-se de seus nomes. A última a re-
cuperar sua identidade foi uma moça esguia e atraente das Índias Ocidentais que
usava o incrível nome de Selene Bergere. Lembrou desse fato interessante enquanto
bebia uma coca cola fartamente temperada com rum, e seu corpo admirável cor de
chocolate se encolheu todo num montinho cheio de graça.
Ela parecia ser a mais jovem do grupo e fora a última em se lembrar. Russell ob-
servou rapidamente os outros e julgou ser o mais velho de todos. Era evidente que
fora o primeiro a recuperar sua identidade. Ficou a especular se esses fatos tinham
alguma importância.
Sem dúvida, o tempo era de especulações.
Especulações fantásticas...
Entretanto decidiu que antes de se deixar submergir por estranhas fantasias, ou
antes de ficar bêbado, ou antes de ambas as coisas ao mesmo tempo, seria preferí-
vel passar em resenha os fatos apurados até aquele instante.
Primeiro fato: havia dezesseis pessoas na mesma desagradável situação. Oito ho-
mens e oito mulheres. Possivelmente o equilíbrio entre os sexos não era uma mera
coincidência.
Segundo fato: Ninguém sabia por que, como, quando e onde. Os relógios de todos
estavam parados, incluindo um, acionado por uma pilha, o qual, como sua dona rus-
sa explicou em perfeito inglês, sueco ou outro idioma que fosse, tinha garantia para
funcionar um ano inteiro.
Terceiro fato: Todos tinham galos e tecido cicatricial na parte traseira da cabeça. A
mais, o grupo era absolutamente internacional, mas todos pareciam capazes de falar
corretamente inglês, sueco, francês, hindu e russo, apesar de cada um estar aparen-
temente falando sua própria língua.
Quarto fato: Todos estavam a bordo do mesmo jato que saíra de Arlanda, em Es-
tocolmo, em direção a Heathrow, em Londres. Era interessante notar que os mais
moços do grupo levaram algum tempo e precisaram de um pouco de ajuda para che-
garem a se lembrar disso.
Quinto fato: As malas de todo mundo estavam empilhadas no saguão do hotel - e
Russell Grahame só não tinha percebido isso porque, assim refletiu, estava preocupa-
do demais em encontrar o bar. Por sinal, tinha visto todas aquelas bagagens, mas
não as tinha ligado com sua própria pessoa e com as pessoas suas companheiras de
desterro.
Sexto fato: A cidade não era uma cidade, aliás, não era sequer uma aldeia. Havia
só o hotel, o supermercado e algumas construções menores nos dois lados de um
trecho de rua que começava em lugar nenhum e terminava em lugar nenhum. Dava
quase a impressão de ser o cenário para uma fita. Por isso, apresentava possibilida-
des para uma série de suposições - a começar de um show humorístico para a televi-
são, e daí por diante.
Sétimo fato: Não havia gente. Não havia ninguém, a não ser dezesseis criaturas
humanas - pré-embaladas por mãos que não poderiam ser humanas. Isso sem dúvi-
da era muito importante, e ao mesmo tempo provocava uma certa inquietação.
Oitavo fato: Era tudo verdadeiro. Não havia a menor demagogia em tudo aquilo.
Era a mais horrível e maldita realidade.
- Reuni oito fatos -, Grahame anunciou a um homem que acabava de depositar no
balcão uma bandeja com oito copos vazios.
- Alegro-me muitíssimo, meu velho. Parabéns -, exclamou Mohan das Gupta, que
tinha vinte e oito anos e era executivo de uma companhia de petróleo hindu. - Que
tal, você deixar por enquanto seus fatos na geladeira, e me dar uma cerveja, um gim
com limão, um conhaque bem grande e um Bloody Mary?
- Podemos tirar um certo número de conclusões.
- Tire todas as conclusões que quiser, mas não seja pão-duro com o conhaque,
sim?
Grahame preparou docilmente as bebidas sentindo-se dominado por uma imensa
frustração. Todos pareciam falar a não mais poder - com certeza apresentando as
mais desencontradas e fantásticas teorias a respeito de quando acontecera e porquê.
Mas o inquérito, toda aquela atividade, faltavam totalmente de coordenação. Não ha-
via disciplina nenhuma. Não havia coesão. Assim, dessa forma ninguém ia chegar a
qualquer maldita conclusão.
Era o momento de Russell Grahame, Membro do Parlamento, entrar em cena. Re-
almente suas reuniões constitucionais sempre se revelaram modelos de mediocridade
e exemplos de ineficiência, a ponto de deixar todas as vezes seus copartidários de
Middleport North completamente estarrecidos. Mas afinal, que diabo, alguém precisa-
va fazer alguma coisa.
- Senhoras e senhores -, começou com voz vibrante. - Senhoras e senhores, po-
dem me dar sua atenção por alguns minutos?
- Porque? - Alguém já estava num pileque avançado. - Sua própria atenção não lhe
basta mais?
- Porque -, continuou Grahame paciente, - me repugna ser parte de um sonho que
não é um sonho. Isso me dá enxaqueca. E porque gostaria de voltar a Londres qual-
quer dia desses - se isso for possível.
- Apoiado -, disse uma voz masculina, muito britânica.
Os rostos se viraram para Grahame com expressões esperançosas e ele começou
seu pequeno discurso.
- Não vou me demorar em considerações sobre a maneira em que chegamos aqui.
Tenho certeza que todos nós vamos nos lembrar disso por algum tempo. Nem pre-
tendo insistir no fato - e vou agradecer a todos se guardarem para mais tarde qual-
quer observação humorística a respeito - que alguma coisa muito esquisita aconte-
ceu na parte traseira de todas as nossas cabeças. Não possuímos qualquer dado com
referência ao tempo; ninguém entre nós tem lembranças que digam respeito ao nos-
so voo de Estocolmo a Londres, e acredito que não há ninguém entre nós que tenha
a menor ideia sobre o lugar em que nos encontramos
- América do Sul -, alguém sugeriu.
- Hollywood -, disse uma outra voz.
- Por favor -, Grahame levantou uma mão. - O que eu quis dizer é que não temos
o menor indício para adivinharmos onde estamos. Tenho certeza que existem muitas
teorias confusas e desencontradas, e teremos todo o tempo de discuti-las mais adi-
ante. Acontece que as únicas provas que possuímos mostram a evidência do absur-
do. Chegamos dentro de objetos que não posso descrever de forma diferente: são
caixões; estamos numa cidade que comprovadamente não é nenhuma cidade; esta-
mos saboreando bebidas num hotel completamente vazio; e aparentemente, todos
ganhamos o dom de entender e expressarmos em muitos idiomas. Parece-me por-
tanto que quem quer que seja - ou qualquer coisa seja - que provocou essa situação,
sem dúvida interessante, teve que fazê-lo por algum motivo muito sério. Consideran-
do que nossa bagagem também foi transportada para cá, presumo logicamente que
nossa estada aqui não será muito breve.
- Conclua, meu velho, conclua-, gritou das Gupta com aquele seu jeito muito pes-
soal.
- A conclusão é essa, minha gente-, retrucou Grahame com ênfase. - Vamos ter
que começar a nos organizar, e já. Caso contrário, poderíamos mais tarde chegar à
conclusão que desperdiçamos um tempo precioso torcendo as mãos e chorando den-
tro dos nossos gins-tônicas
- Com sua licença, sim? O que é que você sugere? - A voz era de uma mulher de
cabelos escuros, de uns trinta e cinco anos, mais interessante do que propriamente
bonita.
Grahame observou-a com satisfação.
- Antes de mais nada, acho boa a ideia de nos identificarmos perante todo mundo,
assim mais tarde saberemos quem está falando a respeito de que. Eu sou Russell
Grahame, Membro do Parlamento... britânico, é claro. E a senhora?
- Anna Markova, jornalista... russa. Qual é sua linha política, senhor Grahame?
- Isso é importante?
- Poderia ser.
- Está bem. Sou socialista - ou pelo menos, uma espécie de socialista.
Anna Markova encolheu os ombros.
- Poderia ter sido pior.
Alguém bateu palmas.
- Respondendo à sua pergunta, senhorita Markova, acredito que devíamos nos di-
vidir em grupos. Um grupo poderia vistoriar o hotel e escolher as acomodações - e
aposto que vamos precisar disso. Um outro grupo precisaria ver o que há ao redor -
o que existe da cidade e a área em volta. Um terceiro grupo poderia ver se há algu-
ma possibilidade de encontrar alimentos. Um quarto grupo, finalmente, poderia ver
se conseguimos encontrar um sentido qualquer em nossa situação, além de ajudar
os outros em suas tarefas.
Um homem alto e magro, de idade aproximada à de Grahame, ou talvez um pouco
mais novo, levantou-se.
- Sou Robert Hyman, funcionário público, inglês. Acredito que as propostas do se-
nhor Grahame são muito sensatas.
Mais um homem falou. Era loiro, de constituição pesada.
- Gunnar Rudefors, professor, sueco... O senhor Grahame está certo. Precisamos
fazer alguma coisa.
Uma moça tomou a palavra. Parecia ter uns dezenove anos e estava sentada junto
a mais duas moças. Estava muito nervosa e quase não deu para ouvir o que ela esta-
va dizendo.
- Chamo-me
Andrea Small. Sou estudante e inglesa. Francamente, estou muito assustada. Es-
tou tão assustada que não sei o que fazer. Minhas amigas também... Precisamos de
alguém que nos diga o que fazer.
- Estou de acordo - e acredito que a maioria de nós também concordará com isso.-
As palavras vieram de um homem de grandes proporções e cabelos claros. A seu
lado estava uma mulher loira, atraente e rechonchuda. O homem continuou: - Meu
nome é Paul Redman. Sou um agente literário americano.- Acenou para sua compa-
nheira: - Esta é minha esposa Marion. Desde que o senhor Grahame é o primeiro en-
tre nós que tenta tomar uma atitude construtiva, achamos que pelo menos por esse
motivo, devia ser ele a pessoa que comanda as operações.
Tore Norstedt levantou o copo em direção a Grahame. - Senhor, acho que não lhe
resta mais nada a fazer, senão aceitar. - Olhou rapidamente em volta e acrescentou:
- Oh, eu sou Tore Norstedt, oficial radiotelegrafista, sueco.
Grahame bebeu mais um pouco de whisky. - Antes de confessar que eu sou bas-
tante idiota em aceitar essa responsabilidade, gostaria de saber se há objeções. Ou
talvez alguém queira sugerir um outro nome?
Todos ficaram calados.
Grahame sorriu.
- Muito bem. A ideia foi vossa. De qualquer forma, toda a minha experiência de-
monstra que nunca se consegue nada quando existem muitas discussões. Por isso,
desejo estabelecer um regulamento simples à salvaguarda minha e dos outros. Pará-
grafo primeiro: minha autoridade deve ser absoluta. Parágrafo segundo: Se quatro
ou mais pessoas objetam contra minhas ordens, vou ceder essa autoridade a ou-
trem... Vamos votar? Por favor, levantem as mãos.
Observando seus companheiros Grahame refletiu que era essa a primeira e única
vez em que uma proposta dele era aceita por unanimidade.
O choque aconteceu alguns instantes mais tarde.
Um homem de estatura baixa, sem características especiais levantou-se.
- Meu nome é John Howard. Sou inglês e professor. - Indicou a mulher sentada a
seu lado que estava movimentando nervosamente seu copo de whisky aguado. -
Essa é minha esposa Mary. Ambos ensinamos física, e acredito que percebemos algo
que provavelmente ninguém entre vocês percebeu. - Hesitou por um instante: - A
coisa é bastante estarrecedora... Talvez seria melhor se eu falasse a respeito com o
senhor Grahame em particular.
Grahame sacudiu a cabeça.
- Não sou a favor de segredinhos, senhor Howard. Acho que posso adivinhar seus
motivos. Suas revelações poderiam ser alarmantes. Mas nossa situação comum já é
bastante alarmante e acredito que cada um de nós tem o direito de conhecer todas
as informações. Assim, acho melhor o senhor falar agora.
John Howard sorriu um pouco sem jeito.
- Receio que a coisa seja um pouco negativa... Quando o senhor começou a falar,
alguém aqui sugeriu que poderíamos estar na América do Sul. Sinto muito, mas pre-
ciso afirmar que essa possibilidade e as outras devem ser excluídas.
- Nesse caso, o senhor talvez saiba onde estamos? - Grahame perguntou com um
surto de esperança.
- Não. Só sei onde não estamos.
- Como assim?
- Não estamos na Terra -, Howard declarou com tristeza.
Suas palavras foram seguidas por um silêncio geral e prolongado. Todos os rostos
se viraram para ele.
Grahame passou a língua nos lábios.
- Como é que o senhor pode afirmar isso?
- Quando saí daquele - hum - daquele caixão, eu pulei. Foi uma coisa involuntária,
pelo menos a primeira vez. Em seguida, quando consegui me controlar melhor, pulei
de propósito. Para experimentar. - Sorriu. - Mary fez a mesma coisa, logo que parou
de chorar.
- Vocês deram pulos?- Grahame repetiu sem conseguir compreender.
- Isso mesmo. Estou surpreso que ninguém tenha percebido nada. Acho que vocês
iam ter percebido. Estamos com menos de um G. A força de gravidade desse planeta
parece ser somente três quartos da força de gravidade da Terra... Experimentem um
pouco. Mas cuidado, para não bater com a cabeça no forro.
Uma meia dúzia de pessoas começou a pular com expressão compenetrada. Subi-
ram no ar até três, quatro, cinco e também seis pés. Quando desciam, isso acontecia
vagarosamente.
Os rostos se tornaram pálidos e tensos. Ninguém desmaiou. Um homem, porém, e
três mulheres começaram a chorar.
Russell Grahame despejou uma boa dose de whisky em seu copo e chegou à con-
clusão que precisava dizer alguma coisa.
Sem perder tempo.
3
O resto da tarde - pois pela posição e o movimento do sol conseguiram estabele-
cer que era de tarde - passou num claro-escuro, alternando momentos de tensão
dramática com outros totalmente absurdos. O sol não parecia diferente daquele ou-
tro sol que todos se acostumaram a ver desde que nasceram, apesar de ninguém
conseguir olhar para ele de forma direta. Mas todos perceberam que ele parecia se
movimentar um pouco mais rápido no arco do céu.
Todos conseguiram repor em movimento seus relógios, com exceção do relógio
que estava precisando de uma pilha nova - e fazendo um cálculo por alto, viram que
esse dia estranho teria um comprimento de aproximadamente vinte horas da Terra.
Antes de formar os grupos para compor uma aparência de ordem naquilo que por
enquanto parecia o caos, Grahame fez a chamada do que ele, num surto de humor
negro, apelidou sua legião estrangeira. A primeira medida foi de simplesmente ano-
tar seus nomes, idades, nacionalidades e profissões, para ter uma ideia de quem po-
deria fazer o que. Prometeu a si mesmo de pedir mais detalhes em seguida e, quem
sabe, descobrir aptidões que fossem de utilidade para todos.
Entretanto, ele pensou, havia uma necessidade urgente de mandá-los fazer algo o
mais rápido possível - não fosse por outro motivo, para dar-lhes a ilusão que não es-
tavam completamente desamparados e vítimas de uma situação extremamente es-
quisita.
Ninguém conseguia lembrar quantas pessoas estavam no jato de Estocolmo para
Londres, mas parecia certo que o total dos passageiros, superava largamente dezes-
seis pessoas. Mais tarde poderiam especular a respeito do destino dos pilotos, dos
comissários e do resto. Por enquanto, parecia mais sensato concentrar todos os es-
forços em avaliar a situação presente e torná-la o quanto mais possível segura, con-
siderando as circunstâncias.
Os ingleses compunham a exata metade da legião estrangeira de Grahame. Refle-
tindo, chegou a conclusão que a proporção não era extraordinária para um voo entre
Estocolmo e Londres no fim da estação turística.
Escreveu cuidadosamente seu próprio nome, encabeçando a lista, e depois anotou
os nomes dos outros desterrados ingleses. A seguir anotou dois americanos, dois su-
ecos, um hindu, uma russa, uma francesa e a moça das Índias Ocidentais.
Antes de formar os grupos estudou a lista com o maior cuidado. Era a seguinte:
Russell Grahame, Membro do Parlamento, 39 anos, inglês;
Robert Hyman, 39 anos, inglês, funcionário público;
Andrew Payne, 28 anos, inglês, ator de TV;
John Howard, 31 anos, inglês, professor e
Mary Howard, 27 anos, inglesa, professora, sua esposa;
Janice Blake, 20 anos, inglesa, estudante de economia doméstica;
Andrea Small, 20 anos, inglesa, estudante de economia doméstica;
Marina Jessop, 20 anos, inglesa, estudante de economia doméstica;
Paul Redman, 40 anos, americano, agente literário e
Marion Redman, 32 anos, americana, dona de casa, sua esposa;
Gunnar Rudefors, 35 anos, sueco, professor;
Tore Norstedt, 25 anos, sueco, oficial radiotelegrafista;
Mohan das Gupta, 28 anos, hindu, relações públicas (companhia petrolífera);
Anna Markova, 33 anos, russa, jornalista de modas;
Simone Michel, 23 anos, francesa, artista ;
Selene Bergere, 21 anos, das Índias Ocidentais, modelo.
Examinando a lista, Grahame percebeu que a profissão do ensino estava bem re-
presentada, mas isso não era nada fora do comum. Nesses tempos os professores
estavam sempre viajando para um ou outro lado.
Suspirou. Um médico, um cientista de um tipo qualquer e quem sabe, dois ou três
braçais marrudos seriam, nas circunstâncias atuais, de muito maior utilidade que
pessoas como o ator de TV, o agente literário, o relações públicas e as moças que ti-
nham escolhido uma carreira. De qualquer forma, uma coisa parecia bastante clara:
as criaturas ou coisas ou o que mais fosse, que tinham planejado o sequestro, o rap-
to, a transferência - não existia uma palavra única para descrever o ato - não tiveram
nenhuma preocupação em compor um grupo equilibrado. Isto é, sem considerar o
equilíbrio dos sexos, e este fato em si já era suficiente para despertar bastante curio-
sidade...
De qualquer forma, essa circunstância poderia ser estudada mais adiante. Por en-
quanto era necessário tomar uma atitude a respeito de assuntos mais importantes.
Dividiu as pessoas em quatro grupos de quatro, como já pensara antes. O estado-
maior, que ele também definiu como o grupo auxiliar de reserva, era formado por ele
mesmo, Gunnar Rudefors e Paul e Marion Redman. Dois outros grupos eram com-
postos de duas mulheres e dois homens cada - eram os grupos de exploração - e o
quarto grupo, cuja tarefa era de procurar alimentos, era composto pelo radiotelegra-
fista sueco e as três estudantes inglesas.
O estado-maior elegeu por sede o bar e os outros foram cumprir suas tarefas.
Logo, e aos poucos, começaram a chegar informações interessantes.
A primeira e mais importante foi a de que não havia sinal de criaturas vivas dentro
de um raio de cerca de um quilômetro. A cidade era composta unicamente pelo ho-
tel, o supermercado, um pedaço de rua e algumas pequenas construções equipadas
com máquinas simples de oficina. A rua começava num mato baixo que poderia ser
definido como uma savana, e também terminava na savana. O táxi estacionado ao
lado do hotel parecia ser um Mercedes. Faltava-lhe o motor e a bateria. O carro esta-
cionado ao lado do supermercado era um Saab: também faltavam a bateria e o mo-
tor.
O supermercado estava cheio de alimentos. Tore Norstedt e suas três assistentes
femininas, que a esse ponto estavam adorando, encontraram carrinhos providenciais
que foram carregados de alimentos e empurrados para o hotel do outro lado da rua.
Durante esse tempo dois do grupo auxiliar - Gunnar Rudefors e Paul Redman - re-
tiraram os caixões de plástico verde do meio da rua, empilhando-os de forma orde-
nada atrás de um dos barracos. Examinaram demoradamente os caixões. O plástico
era muito leve, mas assim mesmo duríssimo, tanto que foi impossível sequer arra-
nhá-lo com a ponta de um canivete de aço. Internamente eram forrados com um
material esponjoso que podia ser cortado a faca: mas não descobriram mais nada
além desses dois fatos.
O hotel tinha vinte quartos, dez de casal e dez de solteiro. Além disso, possuía
uma cozinha perfeitamente equipada, completa de uma geladeira e uma máquina
para lavar louça. Todos os quartos tinham água corrente quente e fria. A iluminação
era elétrica e funcionava perfeitamente. De fato, era um típico pequeno e confortável
hotel, desses que a gente poderia encontrar em qualquer parte da Europa.
A água encanada e a iluminação elétrica deram a Grahame algumas ideias a serem
elaboradas mais adiante. Decidiu que, caso não houvesse distrações de outra espé-
cie, não acontecessem aparições e não fossem interrompidos de outro jeito, poderia
ser interessante descobrir a origem do encanamento e da força. Alguém, ou então
alguma coisa, estava se esforçando muito para que dezesseis criaturas da Terra en-
contrassem um lar longe de seus lares.
O crepúsculo aconteceu de repente, de maneira espetacular - como acontece na
Terra nas regiões tropicais e equatoriais - e todos se reuniram no bar para fazer seus
relatórios.
Parecia óbvio que não existia nenhuma outra alternativa e seriam obrigados a pas-
sar a noite no hotel - quem sabe, até uma longa sucessão de noites - e Grahame pe-
diu a Anna Markova, que parecia uma mulher muito eficiente, de distribuir alojamen-
tos. As três estudantes de economia doméstica foram mandadas para a cozinha para
pôr em prática as teorias aprendidas. Não demorou e todo o grupo foi se sentar na
sala de jantar para saborear uma refeição que poderia ser servida até no Savoy -
com a única diferença que todos os alimentos eram enlatados.
Quando chegaram ao café e ao conhaque, Grahame decidiu começar um inquérito
sobre o total dos acontecimentos e sua sequência, e lançou a pergunta que interes-
sava a todos.
A teoria que mais adeptos tinha e que sem dúvida era devida ao ter assistido a um
sem número de filmes e peças de televisão baratas, e à leitura de um número infinito
de histórias em quadrinhos, era de que os dezesseis eram vítimas de um sequestro
perpetrado por Marcianos, Venusianos ou qualquer outra raça solar parecida que,
com a ajuda de discos voadores, tinham capturado o grupo dentro do jato saído de
Arlanda, antes de destruir o avião.
John Howard, o professor inglês, foi o primeiro a invalidar essa teoria. Aproximou-
se das porta-janelas da sala de jantar, abriu uma e saiu para o terraço. A noite era
clara e fria. Convidou o resto do grupo a sair também.
As estrelas visíveis no céu não pertenciam a nenhuma das constelações que eles
conheciam antes, quando estavam em casa. Também não eram estrelas de constela-
ções do hemisfério austral. Eram estrelas desconhecidas num céu desconhecido. Bri-
lhantes, gélidas e longínquas. E eram terríveis, porque eram estranhas.
Grahame percebeu de forma aguda a angústia, a solidão e o desespero dos outros
e convidou-os rapidamente a voltar à sala de jantar. Foram sentando com expressão
soturna em volta da mesa e começaram mais uma vez a saborear seus cafezinhos.
As conversas pararam. Ninguém estava com vontade de discutir as impressionantes e
horríveis possibilidades que se apresentavam às suas mentes.
Não havia ainda possibilidade de medir o tempo com certeza ou de prever a dura-
ção da noite. Era, porém evidente que todos estavam esgotados pelo cansaço - por
causa do esforço, do medo, do desespero e dos pensamentos. Duas estudantes já
estavam cochilando, sentadas em suas cadeiras.
Os acontecimentos foram demais. Um número excessivo de possibilidades assusta-
doras se apresentavam ao cérebro humano, que não estava em condições de lidar
com todas elas. Todo mundo estava precisando descansar.
Grahame, porém, decidiu que nem todos poderiam descansar - ou pelo menos,
nem todos ao mesmo tempo. Dividiu os oito homens em patrulhas noturnas compos-
tas de dois homens cada, para vigiar em turnos de uma hora. Teriam que cuidar que
ninguém invadisse o hotel e que ninguém se machucasse. Mandou também que,
como medida de precaução, todas as portas dos quartos ficassem escancaradas.
Durante a noite não aconteceu nada de estranho - a não ser os acessos de choro e
alguns brandos ataques histéricos das mulheres e dos homens também, que porém,
foram muito mais discretos.
Quando o dia voltou a clarear, uma pequena patrulha saiu do hotel para controlar
se tudo se encontrava nas mesmas condições do dia anterior, e fez uma descoberta
muito interessante.
Os caixões empilhados tinham desaparecido.
4
Antes que chegasse a noite do segundo dia, foram feitas mais descobertas interes-
santes.
Tore Norstedt, o jovem oficial radiotelegrafista sueco, foi o primeiro a descobrir
que com toda probabilidade, o grupo estava sendo observado. Fizera essa constata-
ção logo após terminar seu turno de patrulha, enquanto estava deitado em sua
cama, no escuro, procurando dormir. Vira então quatro minúsculos pontos esverdea-
dos, que emitiam uma luz fraca nos cantos do quarto, onde as paredes se encontra-
vam com o forro.
Após acender o abajur da mesa de cabeceira - de um tipo muito comum e terres-
tre, com lâmpada de sessenta watts - examinara os cantos com cuidado. Com a luz,
a fraca reverberação esverdeada desaparecera por completo: mas no canto em que
as paredes e o forro se encontravam, descobrira quatro lentes, uma em cada canto
do quarto, invisíveis a um examinador superficial. As lentes eram diminutas, mais ou
menos do tamanho da cabeça de um fósforo, mas não podia haver dúvidas a respei-
to: eram mesmo lentes. Ficou especulando se seria conveniente raspar a massa da
superfície da parede, para expor uma porção maior de equipamento, mas refletiu
que talvez fosse preferível deixar as coisas na condição em que estavam.
Cedo de manhã quando encontrou-se com Grahame e enquanto tomavam seu
desjejum, contou-lhe a respeito. Uma busca aprimorada revelou que todos os quar-
tos eram providos de quatro lentes, e que o mesmo tipo de lentes podia ser encon-
trado até nos corredores. Grahame ficou muito perturbado com a descoberta. Pediu
que Norstedt não falasse com ninguém a esse respeito, pelo menos por algum tem-
po. A situação de todos já era bastante complicada e não achava necessário piorá-la
com a noção da mais total perda de qualquer intimidade.
Tore Norstedt disse que estava com vontade de arrancar parte daquele equipa-
mento para examiná-lo, e talvez, em seguida, destruí-lo: mas Grahame optou pelo
contrário. Sua experiência na política sugeriu-lhe uma solução bastante inteligente.
Quando todos tivessem abandonado seus quartos, Norstedt teria que passar por to-
dos, colando pequenos pedaços de papel sobre as lentes. Em qualquer outro lugar
do hotel as lentes ficariam no estado em que estavam.
Grahame achou que dessa forma os observadores compreenderiam que seus espé-
cimes não se recusavam a serem observados, pelo menos em princípio, mas que de-
sejavam resguardar uma parte de suas vidas particulares.
Logo após o desjejum organizou uma investigação mais apurada das cercanias - o
que não fora possível ou aconselhável no dia da chegada. Dessa vez o grupo que
partiu para uma missão de reconhecimento era composto só de homens, comanda-
dos por John Howard, o professor inglês, que já tinha comprovado ser uma pessoa
dotada de espírito de observação e muito equilíbrio.
As instruções foram simples. Teriam que marchar em direção norte durante uma
hora, e depois disso voltariam novamente ao hotel. O norte foi determinado tomando
por leste a direção em que surgia o sol. Se encontrassem uma elevação qualquer, ela
teria que ser usada para observar o terreno em volta. Recomendou que evitassem,
em geral, qualquer contato com a vida animal indígena; a menos que fossem ataca-
dos e tivessem que se defender, teriam que evitar qualquer ato que poderia eventu-
almente ser interpretado como uma ação hostil.
A questão da necessidade de defesa era uma questão bastante delicada. Grahame
sentia uma grande repugnância em mandar que os homens fossem para uma missão
que poderia se revelar perigosa sem que eles tivessem qualquer meio de defesa.
Uma busca no supermercado, que continuava vazio de compradores, levou a duas
descobertas importantes. Em primeiro lugar, todos os mantimentos levados do super-
mercado no dia anterior, já estavam substituídos por outros do mesmo gênero. Em
segundo lugar, descobriram uma seção de ferragens em que, no dia anterior, nin-
guém reparara.
Os quatro homens que compunham a patrulha encontraram na seção de ferragens
facas e machadinhas. A temperatura estava se tornando bastante elevada e o sol
resplandecia num céu sem nuvens: todos retiraram as roupas mais pesadas. Com as
mangas das camisas arregaçadas, as facas no cinto e as machadinhas nas mãos, o
grupo se apresentava como um temível bando de assaltantes.
Todo mundo saiu do hotel para cumprimentá-los enquanto partiam para aquela
volta no interior. Caminhando pela rua que não levava a parte alguma, empunhando
suas armas de fortuna e tentando não parecer confusos, eles começaram a perceber
de forma aguda o absurdo daquela situação. Grahame também, apesar de sentir que
todas as preocupações desse estranho mundo estavam pesando em seus ombros,
não conseguiu controlar o riso. O grupo expedicionário se parecia de forma vaga com
um ensaio de uma cena de “ópera-buffa” .
Voltaram pontualmente duas horas e dez minutos mais tarde.
Todos estavam perfeitamente bem. Nenhum deles tinha corrido o menor risco.
Mas o relatório não concorreu em nada para aliviar a sensação geral de angústia e
insegurança.
John Howard relatou em primeiro lugar os fatos que todos concordaram terem ob-
servado. Pela sua estimativa, a marcha fora de aproximadamente oito quilômetros
por uma planície que não apresentava nenhuma característica especial, a não ser es-
tranhos arbustos, pequenas flores, plantas que se pareciam com samambaias de por-
te excepcional e capim muito alto. Descobriram que havia um rio e não longe dali vi-
ram uma sequência de colinas de elevação moderada. Mas o grupo, em sua totalida-
de, não tinha encontrado espécime nenhum de vida animal de qualquer tipo.
Houve, porém, dois relatos particulares.
O primeiro foi de Paul Redman, o agente literário americano. Ele explicou que en-
quanto caminhavam em meio a grandes touceiras de capim cuja altura poderia ser
estimada em metade da altura de um homem de estatura média, parara para enxu-
gar o suor da testa. Fazendo isso, levantara os olhos para o céu.
Redman afirmou que por um instante vira a passagem de um grupo de criaturas
voadoras, brilhantes e extraordinárias. Disse que elas pareciam ter compridos cabe-
los dourados e rostos diminutos que se pareciam com rostos humanos. Explicou que
por quanto estranho pudesse parecer, a única maneira de descrever as criaturas era
dizer que tinham a aparência esquisita de fadas.
O segundo relato foi feito por Gunnar Rudefors, o professor sueco. Os quatro ho-
mens marchavam em fila, cada um a uma distância de uma dúzia de passos do ou-
tro. Concordaram que essa era a maneira mais segura de caminhar, considerando
que não conheciam nada a respeito da região a ser explorada. O lugar do que enca-
beçava a patrulha era, claramente, a posição mais perigosa e por isso todos se alter-
naram como batedores.
A vez de Gunnar Rudefors chegou quando já estava quase se esgotando o tempo
estabelecido para a primeira parte da marcha: a patrulha teria que começar o regres-
so dali a pouco. Estava desejoso de fazer o máximo possível durante aquela primeira
expedição e por isso acelerou o passo e acabou precedendo os outros muito mais do
que devia.
Caminhando desse jeito, emergiu de uma zona cheia de altas samambaias, viu por
um instante algo que ele insistiu ser um cavaleiro medieval, coberto por uma estra-
nha e reluzente armadura, a uma distância que julgou ser vinte passos.
Gunnar Rudefors não se deixou abalar por observações irônicas e nem por um cer-
rado interrogatório: a descrição continuou a mesma.
O cavaleiro usava uma espécie de visor e seu rosto estava quase que totalmente
coberto.
Levava também uma arma que parecia uma espécie de espada ou de lança.
Estava montado num animal com chifres galhados, e cujo porte era menor do de
um cavalo, mas maior do que o de um gamo.
O cavaleiro e Gunnar Rudefors se defrontaram durante um momento. Em seguida
o cavaleiro resmungou uma palavra, parecida com: - Adiante! - virou sua cavalgadu-
ra puxando-a pelos chifres e, trotando, desapareceu entre um grupo de árvores.
Quando os outros homens chegaram perto do sueco que parecia petrificado pelo
que vira, o cavaleiro já não estava mais lá.
John Howard, que era o segundo da fila, admitiu ter ouvido algo parecido ao esta-
lar de cascos e uma espécie de grito, que pensou tivesse sido emitido por Rudefors.
Mas não viu coisa nenhuma.
Grahame, após ouvir os relatos dessa expedição, percebeu que estava precisando
urgentemente de um drinque. Um drinque bem grande, e já.
Não foi o único que sentiu essa necessidade.
5
Não foi feito nenhum contato com as pessoas ou criaturas responsáveis pelo se-
questro de dezesseis passageiros do voo Estocolmo-Londres, todavia alguns fatos in-
teressantes aconteceram nos dias seguintes e dois desses fatos tiveram um desfecho
trágico. A primeira tragédia foi o suicídio de Marina Jessop, estudante inglesa, com
vinte anos. Aconteceu na noite do mesmo dia em que Paul Redman viu as fadas e
Gunnar Rudefors viu o cavaleiro medieval.
Naquela noite Russell Grahame, Membro do Parlamento e comandante da legião
extraterrestre, resumiu após o jantar os fatos conhecidos e comunicou sua interpre-
tação provisória dos mesmos. Não conseguiu evitar fazer um discurso, mas fez o
possível para que fosse o mais objetivo possível, consciente da forte tensão emocio-
nal que dominava a todos e que sem dúvida continuaria a existir até a situação ficar
esclarecida.
- Senhoras e senhores -, começou, olhando penalizado para o grupo abatido e ner-
voso, - fiquei pensando um bocado - como também vocês já fizeram - em tudo o que
aconteceu conosco. Apesar de estarmos vivendo dentro de um absurdo pesadelo e
apesar da irritante falta de informações, acho necessário tentar tirar alguma conclu-
são do que sabemos, para tranquilizar minha própria consciência. Evidentemente, es-
tou brincando! Mas preciso ver se tudo isso tem algum sentido. É possível que minha
interpretação dos fatos seja totalmente errada, mas vou apresentá-la pelo que vale.
Se, após eu terminar, alguém pretende apresentar alguma explicação mais válida,
gostaria muito de ouvi-la. Entretanto, aqui vai a minha.
Esperou por um instante.
- Quero partir da suposição que quanto aconteceu conosco foi feito por razões sé-
rias e não à-toa. Pelo que vimos, fomos todos raptados e levados de um avião a jato
em voo internacional, fomos todos submetidos a uma cirurgia e agora estamos num
mundo estranho, que talvez se encontra a uma distância incrível da Terra. Parece-me
que toda essa operação, que eu considero abaixo de qualquer crítica, só poderia ter
sido efetuada por pessoas ou criaturas cuja civilização está tão mais adiantada que a
nossa, como a nossa é adiantada a respeito da Idade da Pedra. - Parou mais uma
vez, vendo a tristeza estampada em todos aqueles rostos e acrescentou em tom de
brincadeira: - É claro que estou me referindo à Idade da Pedra terrestre. Se podemos
acreditar no que diz o senhor Redman, esse planeta poderia ter uma pré-história
muito mais colorida. - Estava esperando que alguém sorrisse, mas ninguém mudou
de expressão. Continuou rápido:
- O esforço e os meios usados nessa operação estão além de nossas imaginações
baseadas no século vinte. Dizer que foram colossais poderia ser insuficiente. Isso me
leva a concluir, minhas senhoras e meus senhores, que fomos trazidos para cá por
razões muito sérias. Acredito que o objetivo é de descobrir como somos nós, os da
Terra. - Teve a absurda impressão de estar pronunciando a palavra com uma letra
capital. - Não consigo adivinhar se em seguida seremos levados de volta ou não. Es-
tou, porém convencido que durante nossa estada aqui teremos todos os confortos
necessários.
- E as fadas?- alguém perguntou.
- E que tal o cavaleiro medieval?- observou um outro.
Grahame encolheu os ombros.
- Existem muitas coisas que ainda não tem resposta. Outras, aliás, que talvez nun-
ca terão resposta. Só podemos concentrar todos os esforços em tentar adivinhar...
Eu estou adivinhando, senhoras e senhores, quando digo que estamos sendo obser-
vados como espécimes de jardim zoológico. Se realmente existem fadas e cavaleiros
circulando por aí, só posso imaginar que eles também não passam de espécimes re-
colhidos e trazidos para cá. Não tenho a mais pálida ideia de onde possam ter chega-
do. Poderiam até ser indígenas desse planeta. De qualquer forma, não podem ser
eles os responsáveis do que aconteceu conosco.
Acho que precisamos fazer logo duas coisas, ambas absolutamente necessárias.
Precisamos descobrir o mais possível a respeito do mundo em que nos encontramos
e precisamos fazer o impossível para estabelecer um contato direto com as pessoas
que nos trouxeram para cá, sem provocar animosidade. Sem dúvida, em comparação
com eles, podemos parecer débeis mentais ou bichos. Mas se o grau de progresso
ético deles está em alguma relação com seu progresso tecnológico, poderíamos tal-
vez convencê-los a mandar-nos para nossas casas - após um certo período de estu-
do.
Seguiu-se uma pequena discussão, mas ninguém conseguiu oferecer uma explica-
ção melhor ou mais plausível: de fato, todos estavam ainda por demais traumatiza-
dos para conseguir pensar com clareza. Aos poucos os casais e os desacompanhados
foram se deitar.
Grahame percebeu que as ligações sexuais já estavam começando. No grupo já
havia quatro pessoas casadas, mas percebia-se que pelo menos mais quatro tinham
assumido uma condição de casados temporários, então achou que isso fosse um
mau sinal. Se havia alguém que conseguia encontrar algum conforto no sexo ou em
simples companhia, ótimo. Possivelmente conseguiria se manter racional durante um
período mais demorado.
Marina Jessop estava sozinha num quarto. Suas duas colegas partilhavam outro e
a convidaram a ficar com elas. Marina, porém, sempre tivera uma preferência pela
solidão e não gostava de interferências na sua intimidade.
Subiu para seu quarto e escreveu uma notinha. Em seguida foi tomar banho. Só
foi encontrada na manhã seguinte. Um aquecedor elétrico portátil, que parecia ter
sido puxado de propósito para dentro da água, resolvera todos seus problemas.
A notinha era para Grahame, pessoalmente.
Querido senhor Grahame,
Sinto muito por estar desertando. Sou muito covarde mesmo e não aguento mais.
Andrea e Janice poderão confirmar que eu sempre fui muito tímida. Tenho medo do
escuro e me assusto até com sombras. O que aconteceu conosco é a pior sombra
que eu já vi. Estou tão aterrorizada que não consigo mais continuar fingindo que
tudo está normal.
O senhor precisa me perdoar. Precisa mesmo. Três dias atrás eu estava voltando
para minha casa e minha família após lindas férias na Suécia. Estava feliz de voltar
para a faculdade. Mas sei - e o senhor também está sabendo - que ninguém entre
nós jamais voltará para casa. Esse pensamento me deixa desesperada. Não posso
me transformar numa heroína. Não tenho forças suficientes para aguentar ser uma
prisioneira, longe de todas as pessoas que eu amo. Seria terrível se eu tivesse que
enlouquecer e dar muito trabalho a todos vocês.
Por favor, compreenda isso e me perdoe. Se por um acaso o senhor conseguir vol-
tar de alguma maneira, fale com meus pais. Eles moram em Stockport, na Eden
Street, 71, no Cheshire. Por favor, diga-lhes que eu fui vitima de um acidente. Tenho
também um gato chamado Floco de Neve, mas acho que não adianta dizer a ele que
eu sofri um acidente.
Acredite, por favor, que eu não seria de nenhuma utilidade para o senhor ou para
qualquer um.
Lembranças de sua
Marina Jessop
Grahame chorou após ler a cartinha. Esperou ficar sozinho e chorou. Lembrou-se
que o rosto de Marina Jessop estava pálido - muito, muito pálido. Seus cabelos eram
lisos, negros e compridos e tivera um olhar distante e perdido. Parecia uma persona-
gem de uma fábula de Hans Andersen. Marina fora a primeira vítima. Ficou especu-
lando quantas mais haveria.
Mas a vida tinha que continuar - dentro dos limites do possível. Marina foi sepulta-
da antes do meio-dia atrás do hotel, a uma distância de cinquenta metros, num tre-
cho em que o terreno era plano e limpo.
Anna Markova, que declarava abertamente seu ateísmo, cantou para ela o Salmo
23 com sua belíssima voz de contralto. Mohan das Gupta, um hindu, fabricou uma
cruz.
E a vida continuou.
Durante a tarde Grahame chamou a todos e pediu que fizessem um inventário de
tudo o que possuíam, excluindo roupas e artigos de toalete. Achava boa ideia saber
quais eram os recursos com que poderiam contar.
A lista que resultou continha em sua maioria os costumeiros apetrechos de turistas
- máquinas fotográficas, pequenos objetos de vidro ou aço produzidos na Suécia, al-
guns radinhos de pilha e livros. Havia, porém alguns objetos de grande valia, como
por exemplo um compasso que mostrou que o planeta estava provido de polos mag-
néticos - dois pares de binóculos, duas caixas de pronto-socorro bem equipadas,
uma boa quantidade de pílulas e até duas máquinas de escrever portáteis.
Grahame, em parte para afastar os pensamentos cio pessoal da morte de Marina e
em parte porque achava que isso seria de alguma utilidade, estava planejando uma
exploração de uma certa envergadura. O grupo encarregado teria que ir para o sul.
Sairia ao clarear do dia seguinte e só voltaria ao crepúsculo do segundo dia. Graha-
me calculava que dessa forma o grupo poderia avançar durante um dia inteiro - per-
correndo de vinte e cinco a trinta quilômetros antes de acampar durante a noite - e
teria um dia inteiro para voltar.
Passar a noite a céu aberto poderia talvez ser perigoso, mas era evidente que tor-
nava-se necessário correr alguns riscos, se eles quisessem apreender fatos importan-
tes. Pediu voluntários.
John Howard, que já dirigira a expedição anterior, se ofereceu junto com sua mu-
lher. Gunnar Rudefors também disse que iria. A quarta pessoa que fez questão de ir
foi a moça francesa, Simone Michel.
Grahame ficou meio preocupado, não sabendo se era oportuno deixar que mulhe-
res tomassem parte numa empresa desse tipo. Acabou se convencendo que precon-
ceitos e inibições à maneira antiga não iriam ajudá-lo em nada. Anna Markova expli-
cou que as mulheres tinham uma resistência diferente, mas não inferior à dos ho-
mens, e a presença delas poderia exercer uma influência estabilizadora. Com certeza
elas não deixariam que os homens se arriscassem de forma desnecessária.
Os voluntários então foram mandados descansar enquanto o resto do grupo pre-
parava tudo quanto era necessário. Quatro deles, inclusive as duas estudantes ingle-
sas, receberam a tarefa de confeccionar uma tenda completa de piso, feita de lençóis
e capas de chuva de plástico. Robert Hyman, que era funcionário público, revelou
possuir um talento secreto e muito útil: era um arqueiro amador bastante habilidoso.
Ofereceu-se para fazer dois arcos e uma dúzia de flechas e de ensinar aos homens
como deviam ser usados.
Tore Norstedt começou a construir um transmissor primitivo, feito de pedaços de
metal e fio de arame de cobre insulado, encontrados numa das oficinas. O transmis-
sor seria útil de duas maneiras. O grupo de exploradores poderia levar radinhos de
pilha e manter assim um contato unilateral com o resto da turma, e haveria também
a possibilidade de estabelecer qualquer contato radiofônico com as criaturas respon-
sáveis pela situação ou com qualquer outro grupo de seres humanos que se encon-
trasse numa situação parecida à deles.
Tudo estava pronto às primeiras luzes do dia seguinte, e todos se levantaram para
desejar boa sorte ao grupo que ia fazer uma “exploração profunda”. O transmissor
poderia ser de até quarenta quilômetros. Norstedt preparara um simples código tele-
gráfico. Já fizera testes de transmissão e tinha certeza que o alcance do transmissor
poderia ser de até quarenta quilômetros. Estava usando a força do hotel, modifican-
do a corrente direta em alternada.
Havia, porém uma dificuldade: no grupo ninguém entendia sinais Morse. O trans-
missor de Norstedt não servia para a irradiação da linguagem falada, e isso fazia ne-
cessário reduzir os sinais a um mínimo muito simples. SOS queria dizer, “voltem com
toda urgência” . OK queria dizer, “continuem segundo os planos”. As emissões seriam
irradiadas de hora em hora.
Grahame estava desapontado pela impossibilidade de comunicação mútua. Tore
Norstedt explicou que a construção de um transmissor portátil com as poucas coisas
que tinha à disposição, levaria muito tempo e muitos testes.
Considerando as circunstâncias, a expedição estava bastante bem equipada. Tinha
lanças de fabricação caseira, facas, machados, dois arcos e uma dúzia de flechas. Ti-
nha também uma tenda e rações enlatadas. A mais, um compasso, um binóculo e
uma máquina fotográfica.
Apesar disso, Grahame ficou acenando para eles com o coração pesado. A expedi-
ção anterior não chegara muito longe antes que o grupo descobrisse aparições que
se pareciam com fadas e um cavaleiro. Este grupo iria muito mais longe ao interior.
Não estava com muita vontade de pensar nas notícias que trariam, quando voltas-
sem - se por acaso fossem capazes de voltar.
Seus temores não eram sem fundamento.
O grupo voltou ao crepúsculo do dia seguinte. Ou melhor, três pessoas do grupo
voltaram.
Gunnar Rudefors que estava agindo de batedor durante o último trecho da jorna-
da, caíra num buraco dissimulado. Foi transpassado pelas estacas pontiagudas finca-
das no fundo.
6
Russell Grahame estava sentado na cama, em seu quarto, refletindo amargamente
sobre a morte de dois de seus companheiros durante os últimos três dias. Trouxera
do bar uma meia garrafa de whisky e estava acabando-a de forma sistemática. Nun-
ca antes achara agradável beber sozinho. Aliás, continuava não achando o fato agra-
dável. Estava simplesmente usando o whisky da mesma forma em que um homem
com uma perna quebrada usa uma muleta.
Explicou a si mesmo que se continuasse a beber as mesmas quantidades consumi-
das durante aqueles últimos dias, conseguiria bater todos os recordes de velocidade
em se tornar alcoolizado. Era ótimo que os fornecedores invisíveis continuassem a
suprir todos os mantimentos. Mas era completamente incompreensível como conse-
guissem fazê-lo. Colocara um turno de guardas para vigiar o supermercado, mas nin-
guém conseguiu ver nada. Apesar disso, todas as manhãs os mantimentos levados
por eles se encontravam mais uma vez nas prateleiras. Era um mistério e tanto. Po-
rém o que representava mais um maldito mistério num lugar tão cheio de mistérios?
Estava se sentindo desesperadamente só. As razões eram mais do que óbvias. Pos-
sivelmente a situação não seria tão desagradável se ele não tivesse se colocado de
forma egocêntrica à disposição dos outros, aceitando o comando e com isso todas as
responsabilidades. Todos os outros dependiam dele e continuavam a fazer perguntas,
como se ele soubesse todas as malditas respostas. Raios, ele nem sequer sabia as
perguntas certas. Um belo chefe, realmente!
Despejou mais whisky no copo.
Por ter aceito a responsabilidade, estava agora sentindo mais profundamente pela
perda da moça inglesa e do jovem sueco. Salud, Marina. Salud, Gunnar! Que seus
despojos e seus espíritos descansem em paz nessa terra estranha, tão longe dos ver-
des campos da Terra...
Esforçou-se em se concentrar nas informações trazidas pelos sobreviventes da se-
gunda expedição. Eram muito mais alarmantes do que o insignificante relato da pri-
meira expedição. De fato, todos os integrantes dessa vez concordavam a respeito do
que viram. Ainda por cima, tinham fotografias para prová-lo.
O acontecimento mais desconcertante, a não se considerar a morte de Gunnar,
fora a descoberta de outras criaturas humanas - as que eles agora estavam chaman-
do de o Povo do Rio.
A primeira a vê-los foi Simone, a jovem artista francesa. Poderiam também ter
passado despercebidos com a maior facilidade, porque naquele instante a expedição
estava a cerca de vinte quilômetros de - casa -, caminhando em direção quase para-
lela ao rio, mas a mais ou menos dois quilômetros do próprio. Simone começou a
perseguir algo que acreditou ser uma enorme e linda borboleta, que parecia ter se
assustado com o progresso do grupo entre as árvores bastante aproximadas. A bor-
boleta começou a se movimentar lentamente - quase como querendo ser perseguida,
a moça observou mais tarde.
Talvez, fosse isso mesmo. O grupo já estava perto da margem da floresta e, sem-
pre seguindo a borboleta, ela saiu para o terreno descoberto e subiu por uma leve
elevação, de onde se podia ver o rio. A esse ponto perdeu de vista a borboleta. Si-
mone, porém, estava carregando o binóculo e começou a observar distraidamente as
margens do rio. Algo que num primeiro momento parecia uma espécie de ponte, re-
sultou não ser uma ponte quando ela começou a observá-la com mais atenção. Aliás,
era sim uma ponte, mas feita de choças primitivas construídas sobre palafitas. A fu-
maça estava saindo dos buracos no topo. Os moradores das choças estavam eviden-
temente em casa.
O grupo de exploradores começou a se aproximar cautelosamente do pequeno
agrupamento de choças, usando de bastante bom senso. Chegaram a não mais de
quinhentos metros e desse ponto fizeram suas investigações com os binóculos.
Havia algumas pessoas na margem. O povo do rio tinha uma aparência primitiva:
seus cabelos eram emaranhados e estavam cobertos com peles de animais. John
Howard explicou que, pela sua aparência, eles davam a impressão de serem rema-
nescentes da Idade da Pedra. Estavam armados com machados e tacapes, que apa-
rentemente eram feitos com pedaços de pedra, e com lanças com pontas também de
pedra. Tinham também canoas que pareciam feitas com troncos de árvores.
John Howard decidiu, com muito bom senso, não insistir mais nas investigações.
Achou que era muito mais importante levar de volta à base as informações que já
possuíam. Dedicou, porém algum tempo a estudar não só os movimentos do Povo do
Rio, mas também o terreno em volta. Viu a uma certa distância, do outro lado do rio,
algo que conseguiu descrever somente como uma espécie de alta muralha de névoa
ou neblina. Parecia estar a cinco ou seis quilômetros de distância e julgou sua altura
em aproximadamente duzentos metros.
O grupo voltou para a floresta para acampar, e passaram a noite ali com duas pes-
soas de guarda e duas dormindo, se alternando a cada hora. Ouviram ruídos alar-
mantes feitos por animais selvagens, mas não viram nada. No dia seguinte, quando
estavam a apenas sete ou oito quilômetros da base, Gunnar Rudefors caiu na arma-
dilha.
O buraco não era muito grande, mas estava situado de maneira astuciosa ao longo
de uma trilha quase invisível - possivelmente a trilha feita por animais que iam ao
bebedouro - e o grupo estava seguindo-a talvez de forma inconsciente. As estacas
pontiagudas o mataram rapidamente. Estavam dispostas de maneira tal que só pro-
vocariam um prejuízo mínimo na presa.
Gunnar foi duas vezes mal-afortunado. Em primeiro lugar, porque naquela hora era
a sua vez de servir de batedor, e em segundo lugar porque não percebeu que o ca-
pim mais em frente era murcho e amarelado...
Russell Grahame ficou examinando todos os acontecimentos desde o instante que
saíra de seu caixão e entrara no hotel. Chegou à conclusão que estava totalmente
despreparado para ser um chefe. Chefe, pois sim! Não seria capaz de dirigir um gru-
po de escoteiros...
Se tivesse um pingo de bom senso, teria inventado uma porção de tarefas para
todo o mundo, e então Marina teria ficado cansada demais para ter vontade de pen-
sar em suicídio. Se ele tivesse um pingo de bom senso não teria permitido a um gru-
po sair em exploração sem ter antes um treinamento adequado. Se ele tivesse um
pingo de bom senso...
Um chefe, pois sim! O responsável pelas decisões, pois sim! Por Deus, ainda esta-
va em tempo de renunciar ao cargo, antes que os outros se cansassem de sua in-
competência e o mandassem embora!
Alguém bateu e a porta se abriu.
- Posso entrar?
Anna Markova entrou sem esperar a resposta.
- Olá, Anna.
- Olá, Russell.
Todo mundo já passara a usar o primeiro nome. Era ridículo insistir em formalida-
des quando todos estavam num lugar a quem sabe quantos anos-luz de um livro de
etiqueta. Também era estranho, realmente muito estranho, que com a possibilidade
de todo mundo entender a língua de todo mundo, as nacionalidades já não tinham
importância nenhuma.
Anna espiou o whisky.
- Você gosta de beber sozinho?
- Não.
Ela sorriu.
- Então me ofereça um pouco também.
- Desculpe-me. Não queria ser malcriado... Você não se importa de beber num
copo comum, que está no banheiro, ou prefere que eu busque um copo para whisky
no bar?
- O copo comum vai ser ótimo, muito obrigada.- Ela sentou na beira da cama e pu-
lou um pouco, como testando. - Acho que essa cama é mais confortável que a mi-
nha.
- Vá se queixar com a gerência -, ele respondeu com um pálido sorriso. - Ou en-
tão, se você assim preferir, podemos trocar de quarto.
Ela mudou rapidamente de assunto.
- Russell, você está muito triste. É uma coisa muito natural sentir tristeza por
aqueles que morreram, mas ninguém devia ficar sozinho nessas circunstâncias. E
isso, ela acrescentou indicando o whisky que estava em sua mão, - não pode ajudar
como você está esperando que faça.
- Amém -, ele respondeu levantando o copo.
- Amém -, repetiu Anna bebendo também. - Essa é a primeira vez que consigo fa-
lar a sós com você. Vou dizer-lhe o que eu penso e depois você me dirá o que pensa.
Está bem assim?
- Perfeito.
- Muito bem -, ela continuou. - Parece-me óbvio que estamos numa espécie de zo-
ológico. Na Terra, nos zoológicos mais modernos -, disse com um sorriso nos olhos, -
ou pelo menos nos mais modernos zoológicos da Rússia, tentamos proporcionar aos
animais um ambiente o mais possível parecido com seu ambiente natural. Parece-me
que os que nos capturaram fizeram isso mesmo conosco. Foi por isso que nos deram
um hotel para morar, por isso temos um supermercado para nossos suprimentos e
por isso existem carros na rua.
- Os carros não funcionam.-
- Claro que não. Também não há estradas por onde dirigi-los. Mas os que cumpri-
ram essa façanha sabem que estamos acostumados com essas coisas e fizeram o
possível para que nos sentíssemos à vontade.
- Eu apreciaria muito mais toda essa delicadeza conosco se eles nos mandassem
para casa -, ele respondeu de cara amarrada.
- Mas eles não pretendem fazer isso -, disse Anna.
- Por que não?
- Somos - ou melhor, éramos - oito homens e oito mulheres.
- Daí?
Anna ficou a observá-lo com um olhar ao mesmo tempo triste e divertido. - Mas é
tão óbvio, Russell. Fomos trazidos para cá para nos multiplicarmos... Você não acha?
Ele não respondeu e nem olhou para seu lado.
- Estou vendo que você também chegou a essa conclusão. É muito melhor enfren-
tar a realidade, não é mesmo? Fomos trazidos para cá para nos multiplicarmos. Com
essa premissa, acho quase impossível que algum dia sejamos devolvidos à Terra.
Russell levantou o olhar e ficou admirado pela calma que leu no rosto dela.
- Você parece não estar aterrorizada por esse pensamento.
Ela foi sacudida por um calafrio.
- Precisa encarar a realidade e saber como aceitá-la. A vida então pode continuar.
Aliás, a vida deve continuar. O que aconteceu conosco é horrível e ao mesmo tempo
é extraordinário. Não podemos permitir que se torne inútil.
- O que é que você quer dizer com isso?
- Quero dizer que vamos nos multiplicar. Em nosso grupo há casais e outros estão
se formando. - Deu uma gargalhada quase cruel. - Russell, acho que naquele super-
mercado tão cômodo e cheio de coisas, não há nenhum estoque de anticoncepcio-
nais.
Ele apanhou a mão dela num gesto impulsivo e ficou segurando-a.
- Anna, você já reparou que essa gente ou essas criaturas nos apanharam da mes-
ma maneira em que os biólogos recolhem espécimes? Para eles, nós não passamos
de material experimental, e quando a experiência terminar... - Não terminou a sen-
tença.
- Você quer dizer que o material para experiências não terá mais nenhuma utilida-
de para eles?
Russell acenou com a cabeça.
- Isso é possível -, refletiu Anna. - Mas não acredito que seja provável. De qual-
quer maneira, é importante agirmos como se não estivéssemos pensando nisso. De
outra forma - de outra forma tudo se tornaria insuportável.
- Ainda não é insuportável?
- Não.
Ele riu.
- Acho que você tem uma personalidade muito forte.
- Isso é possível. Mas só vou poder me manter forte se... Russell, você me acha
atraente?
- Acho que você é muito atraente, Anna.
- Você deixou uma esposa ou uma família na Inglaterra?
- Não. Fiquei tão ocupado sendo um péssimo socialista que não tive tempo de me
dedicar a algo assim - criativo.
Ela sorriu.
- Então agora você poderá ter uma oportunidade. Eu sou uma péssima comunista,
mas sou uma mulher muito prática. Não sou virgem, e aprendi a não esperar muito
dos homens... Por isso, vou morar com você e vamos aprender a proporcionar um
pouco de calor um ao outro. Acho que ambos poderíamos achar agradável a parte
sexual, mas não vamos deixar que isso se torne simplesmente uma obrigação. Afinal,
existe algo muito mais importante - por exemplo, a amizade. Você concorda?
Olhou para ela em silêncio por alguns instantes, com as sobrancelhas arqueadas.
Em seguida disse em tom solene:
- Anna Markova, eu estou um pouco bêbado, e você é uma mulher extraordinária.-
- Então, estamos de acordo. Se por acaso não conseguirmos nos adaptar um ao
outro, nossa relação pode ser facilmente desfeita. Não estou me referindo à amizade,
é claro.
Russell ergueu o copo.
- Deus abençoe Karl Marx.
Anna se levantou, erguendo seu próprio copo e anunciou, de maneira um pouco
misteriosa:
- À Rainha! - Bebeu seu whisky e saiu para apanhar suas coisas.
Russell Grahame descobriu de repente que já não se sentia mais deprimido e que
mais uma vez estava se sentindo confiante. Levou alguns instantes para descobrir
como isso tinha acontecido.
Então percebeu que já não estava mais sentindo o peso da solidão.
7
Segue um trecho do diário de Robert Hyman:
É a décima quinta noite de nossa estada num mundo que Russell achou engraçado
chamar de Erewhon. Não acredito que ele tenha lido o livro de Samuel Butler, mas
isso não tem importância. O nome é bastante apropriado por muitas razões. Em rela-
ção ao resto da raça humana, nós realmente estamos no meio do nada. Alguns entre
nós, sem dúvida, irão fazer muita falta e provocar um luto profundo. Para mim é um
conforto saber que esse não vai ser meu caso. Eu estava sozinho na Terra e acho
que vou continuar sozinho aqui. Afinal, esse é o privilégio de quem é homossexual,
mas ao mesmo tempo não tem a coragem de suas próprias convicções.
Por algum tempo tive esperanças que Andrew - o coitado do Andrew, o magro e
insípido herói daquele péssimo seriado de espionagem da TV - fosse aflito, abençoa-
do com as mesmas tendências. Mas não é assim. O coitado do menino não passa de
um macho levemente afeminado. Aliás, do jeito que está agora, só Deus sabe se al-
guma vez será de alguma utilidade. Nesse momento parece até bastante calmo e
quem sabe, daqui a algum tempo estará em condições de sair da camisa de força
que tivemos que improvisar para ele. É claro que não poderíamos continuar indefini-
damente a cuidar dele. Estou pensando que teria sido melhor para ele se tivesse
conseguido cortar sua própria garganta de maneira mais eficiente.
Todo mundo está enervado pelas suas frases desconexas a respeito de grandes
aranhas metálicas. Pelas poucas coisas coerentes que conseguiu dizer, parece que se
levantou durante a noite para dar alguns passos no único pedacinho de rua calçada
de nossa mini-cidade-fantasma. Ele afirma ter visto essas criaturas indo para o su-
permercado, carregadas de suprimentos - apesar da turma de patrulha não ter per-
cebido nada. Só sabemos com certeza que encontramos Andrew no chão, pouco an-
tes do dia clarear, deitado na rua rígido como uma tábua, e de olhos arregalados. Ti-
vemos que forçá-lo para que se movimentasse. Quando conseguimos isso, ele se fe-
chou como uma ostra e não quis falar mais nada. Quando lembramos mais uma vez
dele, vimos que estava trancado em seu banheiro, berrando como um louco e ten-
tando cortar a garganta com uma lâmina. Conseguiu arrumar uma bela confusão.
Acho que temos muita sorte que Marion Redman entenda um pouco de enferma-
gem. Andrew não conseguiu se prejudicar muito, mas parecia que ia morrer de he-
morragia. E agora o coitadinho está sentado ali, com suas ataduras e dentro da ca-
misa de força, girando os olhos arregalados em todas as direções e murmurando a
respeito de aranhas carregadas de pacotes de detergente e alimentos enlatados.
De qualquer forma, é um verdadeiro mistério de que maneira nossos suprimentos
chegam ao supermercado. Mantemos constantemente guardas, mas ninguém viu
nada, a não ser Andrew. John Howard se saiu com uma teoria pela qual estaríamos
condicionados a não ver. Tore tem uma teoria ainda mais maluca, pela qual nossos
guardiões conseguem nos “desligar” todas as vezes que acharem conveniente. Ele
acha que eles simplesmente esqueceram de “desligar” Andrew.
Assim mesmo, ainda não demos algum passo para nos aproximarmos à solução
dos mistérios que nos envolvem. Talvez não estamos fadados a resolvê-los...
Essa noite fiz minha confissão. Não sei porque fiz isso. Achei, porém, muito impor-
tante agir assim. Talvez seja porque todos parecem estar se juntando em casais e
em trios. Tore Norstedt levou Janice e Andrea para seu quarto. Parece que ninguém
está ligando. E por que deviam? Mohan das Gupta está tendo um caso violento e
tempestuoso com Simone. Parece que ela pretende pintá-lo, enquanto ele só quer
fazer amor. A coitada pequena Selene Bergere - céus, que nome impossível! - está
cobiçando humildemente e à distância nosso respeitado chefe. John e Mary continu-
am calmos e mutuamente devotados e Paul e Marion só brigam quando pensam que
ninguém está ouvindo.
Gosto muito do Russell. Talvez foi por isso que confessei. Ele é a primeira pessoa
após Sammy - e o coitado e querido Sammy morreu há tanto tempo que quase não
consigo me lembrar de seu rosto - a quem eu realmente falei no assunto.
Pensei que talvez Russell estivesse admirado por eu não tentar querer “consolar”
uma das moças. Mas não foi por isso que eu falei. Estava simplesmente com vontade
de falar. Ele não ligou a mínima.
Só disse, - Robert, meu velho, você está entre amigos. É uma lástima que as coi-
sas não possam ser um pouco mais fáceis para você.-
Entendi perfeitamente o que ele quis dizer com isso. De qualquer forma, estou
acostumado com a solidão.
Apesar de duas mortes e de um colapso, e apesar de relatos a respeito de fadas,
cavaleiros medievais e selvagens, ainda não sabemos realmente nada de mais positi-
vo a respeito de nossa situação, desde a hora em que chegamos aqui. A teoria do
zoológico é a mais aceita. Também acho que é a mais razoável. De qualquer forma é
inquietante não saber quem está dirigindo esse zoológico!
Anna parece estar convencida de que eles querem que nos multipliquemos. Ela é
metódica como todos os russos e parece que a ideia não a deixa indignada. Aliás,
está ameaçando de presentear Russell com meia dúzia de filhos - tendo o tempo ne-
cessário de produzi-los.
Tentamos explorar mais um pouco, é claro. Pelo menos, assim fizemos até que An-
drew encontrou as tais aranhas. Mas não fomos muito longe, porque Russell insiste
para ficarmos todos juntos. Segurança devida à união, e coisas assim. Se os direto-
res do zoológico possuem um eficiente sistema de observação, devem estar às gar-
galhadas quando nos veem sair para “treinamento no campo”, armados de arcos e
flechas, lanças e tacapes rudimentares.
De fato, acredito que Russell não está muito interessado em “explorações”, mas
simplesmente em treinar-nos e dar-nos mais segurança. Acho que ele deve ter al-
gum plano.
8
Eram três horas da tarde, hora de Erewhon. O calor era estafante. Os dias pareci-
am estar ficando mais compridos e mais quentes. Havia estranhas sementes pluma-
das de capins altos que esvoaçavam pela rua, amontoando-se de maneira desorde-
nada, e todos os sinais deixavam concluir que era pleno verão.
Russell Grahame estava sentado sobre os degraus de acesso do hotel com uma fo-
tografia na mão, observando distraidamente as sementes que se empilhavam contra
a inútil Mercedes e o igualmente inútil Saab. Tentou calcular quanto tempo levaria
até que ambos os carros ficassem completamente cobertos. As sementes vinham vo-
ando em grandes nuvens da savana verde. Algumas pessoas ficaram brevemente
afetadas por uma aguda febre de feno, mas parecia que não provocavam outros in-
convenientes. Pelo jeito, em alguns dias a estrada toda ficaria coberta por uma ca-
mada de duas ou três polegadas de sementes. Russell perguntou a si mesmo se não
seria oportuno constituir uma equipe para limpar a rua. Mas estava inquieto, como
todos os outros; chegou à conclusão que seria mais oportuno varrer as sementes
quando não houvesse mais chegando da savana.
Russell não estava sozinho. Andrew Payne, já sem camisa de força, mas ainda
cheio de ataduras, estava sentado ao seu lado junto com a morena e infantil Selene
Bergere, cuja aparência era curiosamente etérea. Selene contara a todos que seu
verdadeiro nome era Jojane Jones. Mas ninguém conseguia pensar nela como Joja-
ne. O nome Selene parecia muito mais apropriado.
Desde a malograda tentativa de suicídio de Andrew, ela estava cuidando dele. Ape-
sar dele estar quase completamente recuperado, ela continuava se preocupando com
ele; parecia que entre ambos estivesse se desenvolvendo um comovente relaciona-
mento fraternal.
A volta de Andrew a um estado quase normal, após dias de ausência alternados
com ataques histéricos, era devida em grande parte à fotografia que Russell estava
segurando.
A fotografia fora obtida com a ajuda de flash. A câmera ficou apontada para a por-
ta de entrada com o obturador ligado a um barbante esticado entre duas prateleiras.
Paul Redman emprestara a máquina e a colocara em posição. Felizmente estava com
dois rolos de filme e uma meia dúzia de bulbos de flash ainda sem uso. Tore Nors-
tedt deu o toque final, ligando o barbante do obturador a uma campainha de desper-
tador arrumada para a ocasião.
Dessa forma foi possível estabelecer exatamente a hora em que foi batida a foto:
mais ou menos às duas e trinta da madrugada.
A foto mostrava - infelizmente sem muitos detalhes - a silhueta de uma aranha
metálica carregando uma caixa cheia de mantimentos, possivelmente para repor o
que estava faltando.
Dessa forma as palavras de Andrew foram confirmadas e a vista daquela fotografia
teve mais efeito do que o melhor dos remédios.
Russell observou mais uma vez a foto - talvez fosse até pela vigésima vez. O corpo
da aranha parecia não ser maior do que uma bola de futebol, com uma espécie de
pequeno copo invertido - possivelmente o mecanismo sensor colocado no topo da
esfera. Parecia estar caminhando com quatro pernas providas de muitas juntas, e
usando mais quatro braços, também com muitas juntas, para suspender a caixa de
mantimentos acima de sua cabeça ou corpo. A máquina - porque evidentemente tra-
tava-se de uma máquina - não parecia ter uma altura superior a um metro.
- O que é que você acha?- perguntou Andrew, olhando com algo que se parecia
com carinho para a foto que o ajudara a encontrar mais uma vez sua sanidade men-
tal. - Você acredita que essa coisa é inteligente?
- Isso é possível -, admitiu Russell. - Mas na minha opinião há maiores probabilida-
des disso ser um robô com controle remoto... O que realmente atrapalha é que so-
mos condicionados por conceitos humanos ortodoxos. Afinal, não podemos sabê-lo,
mas esse brinquedinho poderia ser até o senhor e dono desse planeta, que poderia
ter dominado seus criadores que eram talvez seres biológicos. Assim mesmo, a mi-
nha impressão é que se trata simplesmente de um robô - o executor das ordens de
um dono elusivo e invisível.
Selene estremeceu e se aproximou mais de Andrew que colocou um braço em vol-
ta dos ombros dela, com ar de protetor, dando a Russell um motivo de divertimento.
- Eu me assusto com muita facilidade, senhor Russell -, ela disse. Apesar dos pro-
testos de Grahame, Selene sempre o chamava de senhor Russell, sendo ele o chefe
reconhecido do grupo. - Realmente sou muito assustadiça. Que tal se tivesse legiões
dessas coisas, só esperando para atacar-nos?
Russell deu uma gargalhada. - Se eles quisessem nos atacar, Selene, já o teriam
feito antes. Ao contrário, você mesma precisa reconhecer que até agora eles cuida-
ram de nós - ou pelo menos, cuidaram para que nada nos faltasse. Fizeram isso de
maneira muito eficiente. Pessoalmente acho que a principal tarefa deles é cuidar para
que... - Parou.
Mohan das Gupta acabava de sair do supermercado e atravessou a rua correndo.
- Não tem um maldito cigarro sequer -, anunciou.
- Como assim?
- Ontem havia pacotes e pacotes de cigarros, e hoje não há nenhum.
Grahame refletiu por um instante. - Você tem certeza que ninguém foi buscar ci-
garros antes de você?
- Hoje é o meu dia de ir buscar mantimentos e coisas -, explicou Mohan. Sorriu. -
Quem sabe, alguém está querendo me pregar uma peça.-
- Acho que não -, retrucou Russell. - Faz calor demais para qualquer um estar com
vontade de brincadeiras.-
- Retaliação -, disse Andrew de repente. - É isso: estão retaliando.
- Como assim? - Por um momento Russell pareceu não entender.
- É simples: as aranhas - ou quem as está controlando - não gosta de gente curio-
sa -, explicou Andrew. - Eu vi uma e acabei tendo um caso de loucura temporária, e
tentei me suicidar. Você poderia dizer que eu estava assustado, é claro - e eu estava
mesmo! - mas não consigo me livrar da suspeita que alguém me ajudou um pouqui-
nho para que meu cérebro realmente parasse de funcionar... Agora conseguimos fo-
tografar uma dessas aranhas. Elas não conseguiram que a máquina fotográfica tives-
se acessos, e por uma razão qualquer deixaram de destruí-la. Em consequência es-
tão tentando desencorajar-nos deixando de nos dar algo que consumimos em grande
quantidade.
- A teoria não deixa de ser interessante -, concordou Russell. - Mas as provas são
apenas circunstanciais... De qualquer forma - é bastante plausível...
- Pode também ser que a resposta seja ainda mais simples, meu velho -, sugeriu
Mohan com um sorriso. - Talvez simplesmente eles estão sem estoque. Talvez lá na
base deles ninguém estava pensando que todos nos tornaríamos fumantes. Teve um
engraçado estremecimento. - Mas que dia mais infernal! É uma caminhada e tanto
até o mais próximo charuteiro.
- Temos uma possibilidade de averiguar isso -, Russell disse lentamente. - Bastaria
colocar mais uma vez a máquina e ver se Andrew está certo.
Os olhos de Mohan brilharam em seu rosto escuro. Levantou as mãos num gesto
de horror.
- Devagar, meu caro, devagar! Dessa maneira eles seriam capazes de cortar nosso
suprimento de gim!
Selene segurou o braço de Andrew sacudindo-o:
- Olhe! - gritou, apontando para o fim da rua. - Oh, meu Deus, meu Deus! O que é
isso?
Uma figura estranha aparecera de repente, destacando-se do verde brilhante da
savana que lhe servia de pano de fundo. Começou a caminhar cambaleando como
um bêbado, aproximando-se pelo curto trecho de rua que os estava separando.
- Agora estou pronto para acreditar em qualquer coisa -, disse Russell com a voz
tensa. - Gunnar estava certo. No fundo de nosso jardim realmente há fadas e cava-
leiros.
9
A criatura que aparentava ser um cavaleiro se encontrava visivelmente em péssi-
mas condições. Estava usando somente uma couraça sobre o peito, que parecia ser
de bronze, calções de couro e um jaleco. Parecia ter perdido seu capacete com visor
e também não havia sinal de sua cavalgadura.
O rosto que parecia composto de traços mongóis e negroides estava manchado de
sangue. O calção e o jaleco embaixo da couraça metálica estavam molhados e ver-
melhos. Era claro que estava bastante machucado. Tinha, porém forças suficientes
para segurar com a mão direita uma espécie de espada.
O pequeno grupo nos degraus do hotel ficou imóvel, como que petrificado. O cava-
leiro continuou a cambalear em direção a eles. Mantinha os olhos arregalados e imó-
veis, mas sem enxergar nada em sua volta. Talvez estivesse preocupado com coisas
que só ele estava conseguindo ver.
Apesar de estar sentado e imóvel, à espera do que pudesse acontecer, o cérebro
de Grahame estava trabalhando com a rapidez de um relâmpago. Tudo parecia estar
acontecendo em câmera lenta, tanto assim que conseguiu registrar todos os meno-
res detalhes da aparência do cavaleiro. Viu os rasgos na roupa de couro, os hemato-
mas, os fragmentos de terra e os fios de capim grudados nas roupas, na armadura e
no rosto. Teve a impressão de estar vendo o sangue jorrar dos ferimentos ocultos - e
até de estar ouvindo as batidas dolorosas do coração do homem ferido.
O cavaleiro continuava avançando em direção ao hotel. A cada três ou quatro pas-
sos esboçava um gesto com a mão que segurava a espada, como querendo atingir
um inimigo invisível.
De repente, sem saber se já tinha passado meio século ou só dez segundos, Gra-
hame se controlou, levantou-se e caminhou em direção à estranha criatura.
O cavaleiro percebeu sua presença. Estacou e ficou ondulando, como quem está
prestes a cair. Com um esforço terrível conseguiu focalizar Russell, mas o que viu pa-
receu não inspirar-lhe nenhuma confiança. Tentou erguer a espada, quase perdeu o
equilíbrio e fez logo outra tentativa. Mas foi inútil. Murmurando um palavrão entre os
dentes apoiou a ponta da espada na superfície do calçamento e usou a arma como
se usa uma muleta.
Tossiu com evidente esforço e cuspiu em direção de Russell. Com um último e pe-
noso esforço conseguiu erguer a espada.
- Adiante -, pronunciou com voz sufocada, mas em excelente inglês. - Para trás,
demônio, papão, duende, diabo, bruxo, espírito do Mal. Eu o ordeno, em nome da
Rainha branca e da Rainha preta! Volte para as entranhas da terra que são seu reino!
Russell ficou imóvel. Compreendeu que a situação era idiota, mas conseguiu pen-
sar e dizer só uma única palavra:
- Paz.
- Paz!- berrou o guerreiro com desdém. - Paz! Estás querendo zombar de mim por-
que estou fraco! Pois morrerás, miserável, sabendo que Absumes Marur está muito
ferido, pois de outra forma não terias a honra de ser transpassado com a espada!
O cavaleiro tentou investir contra ele e Russell deu um passo para o lado. Foi um
movimento inútil porque o arremesso do cavaleiro não poderia chegar até o fim. Era
evidente que a estranha aparição já não tinha mais um pingo de energia. Sem emitir
mais um som caiu, batendo o rosto no chão.
Russell virou-o delicadamente. Em sua extrema palidez, o rosto do homem parecia
quase branco. E era muito jovem.
10
Absumes Marur, senhor do clã Marur, gonfaloneiro das torres ocidentais, auriga das
caravanas da pimenta vermelha, guardião do falcão real e suserano eleito das terras
desconhecidas, ficou inconsciente durante dois dias num dos quartos do hotel que
Mohan das Gupta chamava zombando de Erewhon Hilton. Seus ferimentos eram pro-
fundos, mas nenhum deles era mortal. Se ele fosse uma criatura terrestre, possivel-
mente teria morrido de choque, infecção e hemorragia. Mas, qualquer que fosse sua
origem, Absumes Marur não era um homem da Terra. No fim da tarde do terceiro dia
a febre baixou e ele abriu os olhos.
Marion Redman cuidara dele durante quase todo aquele tempo. Limpara os feri-
mentos, colocara compressas frias sobre sua testa que ardia pela febre e fizera o
possível para que ele se sentisse confortável. Durante todo esse tempo John Howard
e Tore Norstedt foram para o norte, o sul, leste e oeste, agindo como batedores,
para ver se era possível travar contato com os companheiros do homem ferido. Mas
não acharam ninguém. Grahame ainda por cima não queria que se afastassem mais
do que três ou quatro quilômetros de cada vez, por razões que eram mais do que
óbvias. Se os amigos, ou talvez os inimigos, do cavaleiro quisessem aparecer de re-
pente e tivessem uma disposição à truculência, o problema poderia se tornar muito
sério.
Grahame estava no quarto quando Absumes Marur recobrou os sentidos.
- Não se mexa -, Grahame disse com voz calma. - Aqui ninguém quer lhe fazer mal
algum. Você esteve quase à morte. Quando você estiver melhor e tiver descansado o
suficiente, vamos acompanhá-lo até sua casa - se você assim o quiser... Naturalmen-
te, se formos capazes de descobrir onde você mora.
O homem deitado na cama virou os olhos e estremeceu. Apalpou o peito, procu-
rando sua couraça, mas Marion já a havia tirado no primeiro dia, cortando as correias
que a firmavam. Procurou sua espada, mas também não a achou.
Grahame percebeu que ele não estava à vontade, e pensou que talvez se sentisse
nu sem toda aquela parafernália. Teve um rasgo de intuição e tirou a espada do ar-
mário onde se encontrava, colocando-a sobre a cama, de forma que o cavaleiro pu-
desse apoiar a mão sobre o cabo. Recebeu um olhar cheio de gratidão.
- Não sei se você é homem, fantasma ou demônio -, o homem falou em seguida,
de maneira curiosa. - Gostaria porém de saber seu nome, sua linhagem e seus títu-
los. Deitado aqui, cheio de vergonha perante si mesmo e perante vocês, está Absu-
mes Marur, senhor do clã Marur.
- Muito prazer -, respondeu Grahame cauteloso. - Meu nome é Russell Grahame.
- Você é o senhor de seu clã?
- Não estou entendendo.-
Absumes Marur ainda estava muito fraco e estava começando a se cansar de ma-
neira evidente. Estava porém decidido a saber o mais possível a respeito das circuns-
tâncias em que se encontrava.
- Essa mulher -, continuou em voz fraca, - ela é sua mulher?
- Não. Ela não é minha mulher.-
O cavaleiro suspirou.
- Nesse caso não pretendo falar com você. Chame o senhor de seu clã.
Marion foi a primeira a entender o que ele queria.
- Russell, ele só quer saber se você é nosso líder. Pelo amor de Deus, tranquilize o
coitado antes que sua febre volte a subir.
- Eu sou o líder eleito de meu povo -, disse Grahame. - Espero que você com-
preenda isso. Nós não temos um clã, como você acredita, mas talvez você entenda
que eu sou o chefe entre os meus companheiros e amigos.
Absumes Marur teve um breve sorriso.
- Pois então você é o senhor de seu clã. Fique sabendo que suas armas poderão se
cruzar condignamente com as minhas, quando estarei mais uma vez em condições
de erguer minha espada.
- Não tenho a menor intenção de lutar com você -, disse Grahame. - Nem agora e
nem nunca.
- Mas é sua obrigação!
- Não é minha obrigação coisa nenhuma. Minha obrigação é levar você até sua
casa quando estiver mais uma vez em condições de viajar.
O cavaleiro estremeceu mais uma vez. Fez um esforço violento para se controlar.
- Sou gonfaloneiro das torres ocidentais, auriga das caravanas da pimenta verme-
lha, guardião do falcão real e suserano eleito das terras desconhecidas -, anunciou
com bastante orgulho. - Quem tiver a ousadia de me espezinhar poderia, quando
chegar a hora, precisar de muitos esquadrões de lanceiros para defendê-lo.
- Ninguém está querendo espezinhar você -, Grahame explicou com muita paciên-
cia. - Meus companheiros e eu só queremos ajudá-lo... Se for preciso lutar, então lu-
taremos; mas preferimos viver em paz. Queremos ser seus amigos. Queremos tam-
bém que você e seu povo sejam nossos amigos. Agora descanse, Absumes Marur.
Ninguém vai lhe fazer mal algum.
O cavaleiro estava respirando com dificuldade e sua testa estava coberta de suor.
- Qual é sua linhagem?- perguntou.
- Não tenho linhagem nenhuma.
Absumes Marur soltou um gemido.
- Pelo amor de Deus, Russell - protestou Marion. - Diga alguma coisa! O coitado
está quase fundindo a cuca pela angústia.
- Mas minha querida -, retrucou Grahame, - não foi mesmo Oscar Wilde quem dis-
se que estávamos separados pela barreira de um idioma comum? Esse sujeito parece
estar falando inglês - mas nós sabemos que não é assim, e seus lábios se mexem de
forma diferente. Acredito que ele também teve a sua cabeça manipulada, da mesma
forma que nós. Estamos nos comunicando, mas a dificuldade consiste no fato que os
conceitos dele são completamente estranhos - medievais, suponho eu.
- Sua linhagem!- berrou Absu mes Marur desesperado.
Russell encolheu os ombros.
- Está bem. Lá vai.- Virou-se para o cavaleiro. - Sou Russell Grahame, Membro do
Parlamento -, anunciou solenemente. - Sou a Voz do Povo da Rainha, autor dos de-
cretos reais, condecorado com a estrela de 1939-1945 e sócio do Real Automóvel
Clube.
Absumes Marur acenou com a cabeça, cheio de entusiasmo, mas era evidente que
não estava entendendo nada.
- Então é verdade que você é o senhor de seu clã?
- Pois assim seja. Eu sou o senhor de meu clã... Mas você e eu chegamos para cá
de mundos diferentes. Tente compreender isso. Meu povo e eu chegamos de um
mundo que se encontra além das estrelas e do outro lado do sol. Chegamos aqui de
uma forma que eu...
Absumes Marur que o estava fitando de olhos arregalados soltou um grito agudo e
mergulhou mais uma vez no conforto proporcionado pela perda da consciência.
11
Passaram-se vários dias antes que os ferimentos de Absu mes Marur se cicatrizas-
sem o suficiente para ele conseguir se levantar da cama. Durante esse tempo Russell
Grahame e Absumes Marur conversaram muito, trocando uma grande quantidade de
informações a respeito deles próprios e a respeito dos mundos muito diferentes dos
quais vinham. Grahame se encontrava numa posição de vantagem, pois fora criado
numa sociedade tecnológica e emocionalmente muito sofisticada. Podia, por isso,
compreender ideias e conceitos que estavam fora do alcance do outro, cuja cultura
poderia ser comparada mais ou menos, pelo que Grahame estava vendo, à do perío-
do do obscurantismo europeu.
Russell Grahame e seus companheiros não conseguiam, porém, se conformar com
o fato surpreendente de Absu ser indiscutivelmente humano. Apesar de sua familiari-
dade com os inícios da exploração espacial e com os preparativos para viagens inter-
planetárias que estavam sendo feitos na Terra, Grahame nunca pensara muito nas
possibilidades extraordinárias que essas viagens poderiam proporcionar. Imaginara
que esse tipo de jornada teria que ser necessariamente limitada ao sistema solar,
pois as distâncias entre as estrelas eram tão vastas que não poderiam ser superadas
com métodos “convencionais” de locomoção.
Ele e seus companheiros, porém, receberam de forma bastante dramática a confir-
mação de que as viagens interplanetárias eram possíveis e podiam ser feitas com
uma certa facilidade. Entretanto, os terrestres estavam inconscientes durante seu se-
questro, e não tinham por isso a possibilidade de saber quanto tempo tinham levado
para chegar em Erewhon. Poderiam ter ficado em seus caixões plásticos durante al-
guns minutos - ou durante séculos, - submetidos a alguma espécie de suspensão
temporária de vida. Talvez algum dia seus sequestradores poderiam decidir revelar
suas identidades e explicar o mecanismo e o propósito do sequestro, mas por en-
quanto nada havia de positivo; estavam só fazendo todo tipo de conjeturas.
Após um grande número de discussões ficou claro que os terrestres não eram os
únicos a se encontrar, confusos e isolados, longe do mundo que conheciam. Absumes
Marur e quinze companheiros chegaram em Erewhon de maneira muito parecida à
deles. A diferença estava no fato deles não terem sido sequestrados de um avião em
pleno voo, mas de uma caravana em movimento, composta de mercadores, guerrei-
ros, mulheres e animais de carga que transportavam a preciosa pimenta vermelha
desde o Reino de Ullos até o Reino Superior e ao Reino Inferior de Gren Li.
Grahame tinha certeza absoluta que esses reinos descritos por Absu com fartura
de pormenores não podiam existir em parte nenhuma de planeta algum dentro do
sistema solar. Sabia o suficiente a respeito do sistema solar para ter certeza que so-
mente a Terra, o terceiro planeta, apresentava condições favoráveis à evolução da
vida humana.
Assim mesmo, Absumes Marur, cujo planeta de origem devia pertencer a uma es-
trela desconhecida, era definitivamente humano. Na Terra sua aparência daria a im-
pressão dele ser o resultado de uma mistura de sangue asiático e africano. Ele, po-
rém não era da Terra, e nem do sistema solar. E assim mesmo, era humano. Quanto
mais tempo passava, mais Grahame se convencia que Absumes Marur e seu povo
acabariam por se revelar também geneticamente compatíveis com os homens e as
mulheres da Terra.
Lembrou-se, preocupado, da promessa de Anna Markova de dar-lhe filhos. Se os
acontecimentos continuassem a se desenrolar satisfatoriamente - ou talvez insatisfa-
toriamente - dentro dessa situação deveras fantástica, a pobre Anna e as outras mu-
lheres do grupo talvez tivessem que encarar a possibilidade de ter que enfrentar coi-
sas que ninguém, no momento presente, poderia imaginar.
Absu não foi de muita ajuda no que dizia respeito a suas origens. Apesar do horror
e da vergonha que manifestara no começo, e que deviam ser a resultante de estra-
nhos tabus e costumes esquisitos, ele acabou confiando em Grahame e aceitando
sua amizade.
- Vamos conversar, Absu -, falou Grahame uma manhã, vendo que o cavaleiro es-
tava bem disposto e capaz de se sentar na cama e se concentrar. - Acho que precisa-
mos discutir um certo número de coisas.
- Estou disposto a conversar com o Sir Grahame -, respondeu Absu calmo, - se o
Sir Grahame me declarar, com suas mãos cruzadas sobre a testa e sobre o coração,
jurando pelo manto sagrado, que não haverá engano ou traição em suas palavras.
Grahame, sentindo-se bastante ridículo, colocou as mãos sobre a testa e sobre o
coração.
- É assim que você quer?
Absumes Marur acenou com a cabeça:
- Este é o costume.
- Eu juro -, proferiu Grahame em tom solene, - pelo manto sagrado, que não há
engano e não há traição nas minhas palavras. Juro também que eu e meus compa-
nheiros não alimentamos qualquer inimizade pelo Sir Absumes Marur e seu povo.
- É um juramento muito generoso, Sir Grahame.
- Meu primeiro nome é Russell, e acho que o seu é Absu. Você acha apropriado
que em nossas conversas nós nos chamemos dessa forma?
- Sim, mas só após estabelecermos o vínculo.
- De que forma vamos estabelecer este vínculo?
Absumes Marur sorriu: - Com uma espada, uma lança ou uma adaga colocada so-
bre nossas gargantas. Entre senhores de clãs é mais apropriado usar uma espada.
- Não tenho nenhuma espada, mas desejo estabelecer este vínculo.- Olhou para a
espada deitada sobre a cama de Absu e que estava ali desde o momento em que ele
mesmo a colocara. - Você não acha que poderíamos fazer isso com uma única espa-
da?
- Essa modalidade já foi usada -, admitiu o cavaleiro. - Mas só aconteceu nos cam-
pos de batalha.
- Meu amigo -, observou Grahame sério, - acho que na situação em que nos en-
contramos, podemos considerar-nos num campo de batalha.
- Assim seja -, disse o cavaleiro. - E que o sangue jorre agora!
Com um movimento de agilidade surpreendente num homem ferido e deitado
numa cama, Absumes Marur agarrou a espada, inclinou-se para frente e apoiou leve-
mente a ponta na garganta de Grahame.
Grahame percebeu que um filete de sangue estava a lhe escorrer pelo pescoço.
Olhou ao longo da afiadíssima lâmina e encontrou os olhos ferozes do homem que
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Edmund Cooper - Cavalo-marinho no Céu

  • 1.
  • 2. Grahame e seus companheiros foram sequestrados, em pleno voo, na Terra, en- quanto Absu e seus companheiros chegaram a Erewhon de uma caravana em movi- mento a caminho do Reino de Gren Li. Absurdamente confusos, esses seres vivos en- contravam-se longe do mundo que conheciam, mas quanto tempo tinham levado para chegar a Erewhon? Alguns minutos ou alguns séculos? Além desses dois grupos tão diferentes e tão humanos, havia mais alguém? E seus sequestradores? Estavam cercados num estranho mundo e eram tratados como cobaias por seres de inteligên- cia altamente desenvolvida, ou estavam presos em suas próprias imaginações? Esta- vam vivos. Isso eles sabiam. Mas o que havia por detrás da névoa e do rio, intrans- poníveis, e como os alimentos que consumiam em supermercados eram imediata- mente substituídos? Título Original: SeaHorse in the Sky © 1969 by Edmund Cooper
  • 3. 1 Parecia o cenário do Dia da Ressurreição. Talvez fosse apenas um pesadelo irracional em plena luz do dia - com um toque de Brueghel, uma pincelada de Dali e uma pitadinha de Peter Sellers. O conjunto provo- cava uma vontade irresistível de dar gargalhadas, ou chorar ou fazer outra coisa qualquer. De repente, as pessoas começaram a rir e a chorar - e a fazer outras coisas mais. De fato, não existe nada que possa perturbar, ou desnortear ou incomodar mais do que a total ignorância de onde, como, por que e quem. O primeiro a sair de seu “caixão” foi Russell Grahame. Teve muita sorte. Quase no mesmo instante lembrou-se que era Russell Grahame, Membro do Parlamento, eleito em Middleport North, no condado de Lancashire. Sabia quem era, mas continuou ignorando onde, como e por que. Também faltava- lhe a noção de quando. Deduziu que isso provava tratar-se de algum sonho maluco, e não demoraria em acordar pela voz de alguém dizendo: “Apertem seus cintos, por favor, e apaguem os cigarros. Em mais ou menos dez minutos estaremos aterrissan- do no aeroporto de Londres”. Percebeu que não poderia acordar, pois já estava acordado, e o pesadelo era real. Saíra de um “caixão” que parecia feito de plástico verde. Era o último de uma fila de caixões idênticos, ordenadamente dispostos no meio da rua, entre um prédio que os- tentava o letreiro “Hotel” de um lado e outra construção que ostentava o letreiro “Su- permercado” do outro. A rua parecia ter uma largura de dez metros e um comprimento de cem. Começa- va e terminava num mato espesso de gramas e arbustos. Era um minúsculo oásis ur- bano numa grande savana verde. Em frente ao hotel havia um táxi. Via-se um carro parado ao lado do supermercado. Não se via gente nenhuma - fora as pessoas que estavam emergindo dos caixões verdes. Uma moça de pele escura chutou com violência a tampa de seu caixão, levantou- se, emitiu um grito estridente e desmaiou. Pareceu o sinal que desencadeou uma al- gazarra completa. Logo emergiram um homem e uma mulher. Ambos eram brancos. Lançaram olhares assustados em volta, encontraram-se, e se lançaram um contra o outro, abraçando-se com tanta força que parecia não quererem mais se soltar. Dois homens saíram de dois caixões que se encontravam lado a lado, esbarrando um no outro e caíram ao chão; atracaram-se quase que no mesmo instante, come- çando a lutar. E pararam de súbito. Três moças aterrorizadas estavam rindo e chorando, sentindo-se estranhamente mais seguras compartilhando do mesmo terror. Finalmente dezesseis pessoas, após saírem de dezesseis caixões, começaram a fa- zer um barulho cujo tamanho poderia ser suficiente para acordar até os mortos, ou pelo menos chamar a atenção de qualquer um que se encontrasse no interior do ho- tel ou do supermercado. Mas parecia que se houvesse alguém morando no hotel ou
  • 4. fazendo compras no supermercado, já estivesse acostumado com a bagunça provo- cada pela ressurreição no meio da única rua à vista, para não ter nenhuma curiosida- de a respeito. Ninguém apareceu. A algazarra parecia não querer chegar ao fim; as pessoas falavam, gritavam, gesti- culavam ou balbuciavam coisas sem nexo. Pareciam confusas, traumatizadas, como se tivessem passado por alguma experiência terrível. E na realidade era isso que acontecera com elas. Aliás, continuava acontecendo. Russell Grahame, que por algum motivo estranho se sentia completamente aliena- do daquela absurda confusão, passou repetida e mecanicamente sua mão pelos ca- belos, num gesto muito característico que lhe valera, entre seus poucos amigos na Casa dos Comuns, o apelido de “Massagista de cérebro” . Não demorou muito em perceber que sua cabeça não tinha a forma costumeira. Descobriu um galo próximo ao cérebro. O galo era de proporções respeitáveis, liso e redondo, com algo que lem- brava tecido cicatricial em seu topo. Os cabelos por cima do galo pareciam muito mais curtos que os outros em sua volta. Russell Grahame, Membro do Parlamento, passou a língua sobre os lábios e perce- beu de repente que estava se sentindo muito abalado. Precisava de um trago. Preci- sava muitíssimo de um bom trago. Observou o hotel e começou a andar devagar e com muita cautela em sua direção. Não era admissível que um Membro do Parlamen- to - mesmo em se tratando de um que finalmente decidira se afastar daquele mani- cômio em que a euforia de massa era salpicada continuamente por expressões abs- tratas - caminhasse e fosse cair ao chão no meio da rua. O saguão do hotel estava deserto, a não ser por uma montanha de malas empilha- das logo ao lado da porta giratória. Não havia ninguém atrás do balcão da recepção. Bateu três vezes na campainha, mas ninguém apareceu. Viu na parede um letreiro: “Cocktails-Bar” e uma seta que indicava um curto corre- dor. Foi para o bar. Também estava deserto. Refletiu por alguns instantes, em segui- da dirigiu-se atrás do balcão e despejou uma dose de whisky num copo. Engoliu um bom trago da bebida. Procurou os cigarros com dedos trêmulos. Teve a impressão que a algazarra do lado de fora começava a se acalmar um pouco. Tocou o galo na parte traseira da cabeça e tomou mais um trago de whisky. Começou a se sentir um pouco mais à vontade. Ouviu alguém bater na campainha da recepção. Não provou vontade nenhuma de chegar até lá e dar informações. Que chegassem até onde ele estava se quisessem. Aconteceu assim mesmo. Uma pessoa apareceu. Os outros demoraram mais um pouco para achar o caminho. O homem que apareceu tinha de vinte e cinco a trinta anos - era alto, loiro, de olhos azuis, bastante bem apessoado e com uma aparência extrovertida, do tipo con- tinental. Logo que o viu, Grahame começou a sentir-se muito britânico e bastante idoso por ter quarenta anos. - Uma vodca, das grandes! E que raio aconteceu com o serviço? - o moço alto per- guntou agressivo. Grahame encheu um copo de vodca - Saúde. Não tem serviço por aqui. - Quem é você?- O inglês olhou seu whisky, pensativo, e tomou mais um trago. - Eu também sou um dos mortos ambulantes. Meu nome é Russell Grahame -. Sentiu a necessidade de acrescentar: - Inglês... E você? O moço abriu a boca, fechou-a de novo e colocou o copo de vodca no tampo do
  • 5. balcão com dedos que tremiam. Dava a impressão de estar muito confuso. - Tome todo o tempo que quiser falou Grahame com simpatia. - Tenho a impressão que não vai faltar tempo. Estou com o palpite que teremos a nossa disposição todo o tempo que quisermos. - Norstedt -, anunciou o moço e sua voz parecia conter um curioso tom de dúvida. - Sou Tore Norstedt... sueco. Muito prazer em conhecê-lo.- Esticou a mão direita e Grahame apertou-a com toda a cerimônia. - Ótimo, agora sabemos quem somos. Tome mais um drinque. Eu vou tomar mais um. - Sorriu. - Acho que são por conta da casa. - Sim. Muito obrigado.- Norstedt também sorriu. - Acredito que talvez a vodca seja o remédio indicado. - Num gesto inconsciente apalpou a nuca. Grahame percebeu o gesto. - Não se preocupe -, disse. - Eu também estou com um galo. Parece que isso faz parte da operação. Norstedt bateu o copo sobre o balcão com tanta violência que despejou um pouco de vodca - Que operação? Onde é que nós estamos? Que diabo está acontecendo? - Fique calmo. Eu também não sei de nada. Após bebermos o suficiente para acal- mar a tremedeira, poderemos tentar encontrar algum nexo em tudo isso... Aliás, dei- xe que o diga: seu inglês é excelente. Norstedt sacudiu a cabeça. - Sueco. Estou falando sueco e você também está falando sueco. Grahame encolheu os ombros. - Como quiser. Mas para seu governo, eu não falo sueco - ou, pelo menos, não falo muita coisa. - Teve uma ideia súbita. - Arlanda! - Sim! Sim, Arlanda! - Norstedt repetiu excitado. - Isso mesmo! Um primeiro pedacinho do puzzle encontrou seu lugar certo. - O aeroporto de Arlanda -, continuou Grahame - O voo da tarde, de Estocolmo para Londres... Foi aí que eu vi você - foi no aeroporto. Você estava logo a minha frente. Você... você estava com excesso de bagagem. Dez kronor... Agora me lembro que fiquei especulando se me sobrava dinheiro suficiente para pagar meu próprio ex- cesso. - Estou me lembrando! Estou me lembrando! - A voz de Norstedt era quase um grito. - Não consegui achar um táxi. Fiquei pensando que ia perder o avião! - Fiquei observando os movimentos de seus lábios -, falou Grahame e sua voz es- tava tensa. - Você está falando sueco, por Deus! Mas as palavras que ouço são ingle- sas! - Estive fazendo a mesma coisa -, confirmou Norstedt. - Os movimentos de seus lábios não são suecos - mas as palavras que eu ouço, sim. Enquanto trocavam essas impressões Grahame percebeu repetidamente o som da campainha da recepção e vozes de pessoas falando alto no saguão do hotel. As vo- zes se tornaram mais nítidas enquanto seus donos se aproximavam do bar. - Todos os caminhos levam a Roma -, observou com voz soturna. - Amigo Nors- tedt, tenho a impressão que teremos uma reunião bastante interessante.
  • 6. 2 A reunião foi deveras interessante. E deixou todo mundo frustrado e desnorteado. Russell Grahame preferiu ficar atrás do balcão. Descobriu ser um barman muito eficiente. Isso levou-o à amarga reflexão que parecia mais dotado quando servia be- bidas de que quando atuava na política. Quem sabe o que poderia ter acontecido se vinte e cinco anos antes tivesse se submetido a um teste de aptidões profissionais. Poderia agora ser um barman de primeira categoria num hotel de cinco estrelas, em vez de um político de terceira categoria, reduzido a pó entre as mós de um agonizan- te sistema bipartidário. Apresentara um pedido de demissão do Partido Trabalhista Parlamentar na mesma hora em que o Partido estava a ponto de excluí-lo de suas fi- leiras. Enquanto passava suas férias na Suécia decidira, com o mesmo extraordinário senso de oportunidade, apresentar sua demissão do Parlamento na mesma hora em que chegasse em casa. Se chegasse em casa... Os fatos que estavam emergindo na reunião pareciam re- legar essa perspectiva para um futuro bastante remoto... De qualquer forma, durante algum tempo esteve ocupado demais e não teve tem- po para reflexões: ficou atendendo aos pedidos de seus companheiros de desventu- ra. Ninguém contestou seu direito de monopolizar o balcão. Muito ao contrário, pare- cia até que todo mundo pensava que ele era um barman excelente. Já era alguma coisa. Considerando a quantidade de whisky consumida por ele mesmo, começou a lamentar sempre mais de nunca ter feito o tal teste vocacional. Praticamente, a totalidade das pessoas presentes estava tomando uma ou outra bebida alcoólica. O álcool parecia muito apropriado, considerando a situação em que se encontravam. Todas as dezesseis pessoas estavam no bar, após ter abandonado os malucos cai- xões no meio da maluca rua daquela maluca cidade fantasma, que parecia ser o cen- tro daquele maluco não-cosmo em que se encontravam a contragosto. As apresentações aconteceram de forma caótica e até espasmódica, todas as ve- zes que as pessoas conseguiam finalmente lembrar-se de seus nomes. A última a re- cuperar sua identidade foi uma moça esguia e atraente das Índias Ocidentais que usava o incrível nome de Selene Bergere. Lembrou desse fato interessante enquanto bebia uma coca cola fartamente temperada com rum, e seu corpo admirável cor de chocolate se encolheu todo num montinho cheio de graça. Ela parecia ser a mais jovem do grupo e fora a última em se lembrar. Russell ob- servou rapidamente os outros e julgou ser o mais velho de todos. Era evidente que fora o primeiro a recuperar sua identidade. Ficou a especular se esses fatos tinham alguma importância. Sem dúvida, o tempo era de especulações. Especulações fantásticas... Entretanto decidiu que antes de se deixar submergir por estranhas fantasias, ou antes de ficar bêbado, ou antes de ambas as coisas ao mesmo tempo, seria preferí-
  • 7. vel passar em resenha os fatos apurados até aquele instante. Primeiro fato: havia dezesseis pessoas na mesma desagradável situação. Oito ho- mens e oito mulheres. Possivelmente o equilíbrio entre os sexos não era uma mera coincidência. Segundo fato: Ninguém sabia por que, como, quando e onde. Os relógios de todos estavam parados, incluindo um, acionado por uma pilha, o qual, como sua dona rus- sa explicou em perfeito inglês, sueco ou outro idioma que fosse, tinha garantia para funcionar um ano inteiro. Terceiro fato: Todos tinham galos e tecido cicatricial na parte traseira da cabeça. A mais, o grupo era absolutamente internacional, mas todos pareciam capazes de falar corretamente inglês, sueco, francês, hindu e russo, apesar de cada um estar aparen- temente falando sua própria língua. Quarto fato: Todos estavam a bordo do mesmo jato que saíra de Arlanda, em Es- tocolmo, em direção a Heathrow, em Londres. Era interessante notar que os mais moços do grupo levaram algum tempo e precisaram de um pouco de ajuda para che- garem a se lembrar disso. Quinto fato: As malas de todo mundo estavam empilhadas no saguão do hotel - e Russell Grahame só não tinha percebido isso porque, assim refletiu, estava preocupa- do demais em encontrar o bar. Por sinal, tinha visto todas aquelas bagagens, mas não as tinha ligado com sua própria pessoa e com as pessoas suas companheiras de desterro. Sexto fato: A cidade não era uma cidade, aliás, não era sequer uma aldeia. Havia só o hotel, o supermercado e algumas construções menores nos dois lados de um trecho de rua que começava em lugar nenhum e terminava em lugar nenhum. Dava quase a impressão de ser o cenário para uma fita. Por isso, apresentava possibilida- des para uma série de suposições - a começar de um show humorístico para a televi- são, e daí por diante. Sétimo fato: Não havia gente. Não havia ninguém, a não ser dezesseis criaturas humanas - pré-embaladas por mãos que não poderiam ser humanas. Isso sem dúvi- da era muito importante, e ao mesmo tempo provocava uma certa inquietação. Oitavo fato: Era tudo verdadeiro. Não havia a menor demagogia em tudo aquilo. Era a mais horrível e maldita realidade. - Reuni oito fatos -, Grahame anunciou a um homem que acabava de depositar no balcão uma bandeja com oito copos vazios. - Alegro-me muitíssimo, meu velho. Parabéns -, exclamou Mohan das Gupta, que tinha vinte e oito anos e era executivo de uma companhia de petróleo hindu. - Que tal, você deixar por enquanto seus fatos na geladeira, e me dar uma cerveja, um gim com limão, um conhaque bem grande e um Bloody Mary? - Podemos tirar um certo número de conclusões. - Tire todas as conclusões que quiser, mas não seja pão-duro com o conhaque, sim? Grahame preparou docilmente as bebidas sentindo-se dominado por uma imensa frustração. Todos pareciam falar a não mais poder - com certeza apresentando as mais desencontradas e fantásticas teorias a respeito de quando acontecera e porquê. Mas o inquérito, toda aquela atividade, faltavam totalmente de coordenação. Não ha- via disciplina nenhuma. Não havia coesão. Assim, dessa forma ninguém ia chegar a qualquer maldita conclusão. Era o momento de Russell Grahame, Membro do Parlamento, entrar em cena. Re- almente suas reuniões constitucionais sempre se revelaram modelos de mediocridade e exemplos de ineficiência, a ponto de deixar todas as vezes seus copartidários de
  • 8. Middleport North completamente estarrecidos. Mas afinal, que diabo, alguém precisa- va fazer alguma coisa. - Senhoras e senhores -, começou com voz vibrante. - Senhoras e senhores, po- dem me dar sua atenção por alguns minutos? - Porque? - Alguém já estava num pileque avançado. - Sua própria atenção não lhe basta mais? - Porque -, continuou Grahame paciente, - me repugna ser parte de um sonho que não é um sonho. Isso me dá enxaqueca. E porque gostaria de voltar a Londres qual- quer dia desses - se isso for possível. - Apoiado -, disse uma voz masculina, muito britânica. Os rostos se viraram para Grahame com expressões esperançosas e ele começou seu pequeno discurso. - Não vou me demorar em considerações sobre a maneira em que chegamos aqui. Tenho certeza que todos nós vamos nos lembrar disso por algum tempo. Nem pre- tendo insistir no fato - e vou agradecer a todos se guardarem para mais tarde qual- quer observação humorística a respeito - que alguma coisa muito esquisita aconte- ceu na parte traseira de todas as nossas cabeças. Não possuímos qualquer dado com referência ao tempo; ninguém entre nós tem lembranças que digam respeito ao nos- so voo de Estocolmo a Londres, e acredito que não há ninguém entre nós que tenha a menor ideia sobre o lugar em que nos encontramos - América do Sul -, alguém sugeriu. - Hollywood -, disse uma outra voz. - Por favor -, Grahame levantou uma mão. - O que eu quis dizer é que não temos o menor indício para adivinharmos onde estamos. Tenho certeza que existem muitas teorias confusas e desencontradas, e teremos todo o tempo de discuti-las mais adi- ante. Acontece que as únicas provas que possuímos mostram a evidência do absur- do. Chegamos dentro de objetos que não posso descrever de forma diferente: são caixões; estamos numa cidade que comprovadamente não é nenhuma cidade; esta- mos saboreando bebidas num hotel completamente vazio; e aparentemente, todos ganhamos o dom de entender e expressarmos em muitos idiomas. Parece-me por- tanto que quem quer que seja - ou qualquer coisa seja - que provocou essa situação, sem dúvida interessante, teve que fazê-lo por algum motivo muito sério. Consideran- do que nossa bagagem também foi transportada para cá, presumo logicamente que nossa estada aqui não será muito breve. - Conclua, meu velho, conclua-, gritou das Gupta com aquele seu jeito muito pes- soal. - A conclusão é essa, minha gente-, retrucou Grahame com ênfase. - Vamos ter que começar a nos organizar, e já. Caso contrário, poderíamos mais tarde chegar à conclusão que desperdiçamos um tempo precioso torcendo as mãos e chorando den- tro dos nossos gins-tônicas - Com sua licença, sim? O que é que você sugere? - A voz era de uma mulher de cabelos escuros, de uns trinta e cinco anos, mais interessante do que propriamente bonita. Grahame observou-a com satisfação. - Antes de mais nada, acho boa a ideia de nos identificarmos perante todo mundo, assim mais tarde saberemos quem está falando a respeito de que. Eu sou Russell Grahame, Membro do Parlamento... britânico, é claro. E a senhora? - Anna Markova, jornalista... russa. Qual é sua linha política, senhor Grahame? - Isso é importante? - Poderia ser.
  • 9. - Está bem. Sou socialista - ou pelo menos, uma espécie de socialista. Anna Markova encolheu os ombros. - Poderia ter sido pior. Alguém bateu palmas. - Respondendo à sua pergunta, senhorita Markova, acredito que devíamos nos di- vidir em grupos. Um grupo poderia vistoriar o hotel e escolher as acomodações - e aposto que vamos precisar disso. Um outro grupo precisaria ver o que há ao redor - o que existe da cidade e a área em volta. Um terceiro grupo poderia ver se há algu- ma possibilidade de encontrar alimentos. Um quarto grupo, finalmente, poderia ver se conseguimos encontrar um sentido qualquer em nossa situação, além de ajudar os outros em suas tarefas. Um homem alto e magro, de idade aproximada à de Grahame, ou talvez um pouco mais novo, levantou-se. - Sou Robert Hyman, funcionário público, inglês. Acredito que as propostas do se- nhor Grahame são muito sensatas. Mais um homem falou. Era loiro, de constituição pesada. - Gunnar Rudefors, professor, sueco... O senhor Grahame está certo. Precisamos fazer alguma coisa. Uma moça tomou a palavra. Parecia ter uns dezenove anos e estava sentada junto a mais duas moças. Estava muito nervosa e quase não deu para ouvir o que ela esta- va dizendo. - Chamo-me Andrea Small. Sou estudante e inglesa. Francamente, estou muito assustada. Es- tou tão assustada que não sei o que fazer. Minhas amigas também... Precisamos de alguém que nos diga o que fazer. - Estou de acordo - e acredito que a maioria de nós também concordará com isso.- As palavras vieram de um homem de grandes proporções e cabelos claros. A seu lado estava uma mulher loira, atraente e rechonchuda. O homem continuou: - Meu nome é Paul Redman. Sou um agente literário americano.- Acenou para sua compa- nheira: - Esta é minha esposa Marion. Desde que o senhor Grahame é o primeiro en- tre nós que tenta tomar uma atitude construtiva, achamos que pelo menos por esse motivo, devia ser ele a pessoa que comanda as operações. Tore Norstedt levantou o copo em direção a Grahame. - Senhor, acho que não lhe resta mais nada a fazer, senão aceitar. - Olhou rapidamente em volta e acrescentou: - Oh, eu sou Tore Norstedt, oficial radiotelegrafista, sueco. Grahame bebeu mais um pouco de whisky. - Antes de confessar que eu sou bas- tante idiota em aceitar essa responsabilidade, gostaria de saber se há objeções. Ou talvez alguém queira sugerir um outro nome? Todos ficaram calados. Grahame sorriu. - Muito bem. A ideia foi vossa. De qualquer forma, toda a minha experiência de- monstra que nunca se consegue nada quando existem muitas discussões. Por isso, desejo estabelecer um regulamento simples à salvaguarda minha e dos outros. Pará- grafo primeiro: minha autoridade deve ser absoluta. Parágrafo segundo: Se quatro ou mais pessoas objetam contra minhas ordens, vou ceder essa autoridade a ou- trem... Vamos votar? Por favor, levantem as mãos. Observando seus companheiros Grahame refletiu que era essa a primeira e única vez em que uma proposta dele era aceita por unanimidade. O choque aconteceu alguns instantes mais tarde. Um homem de estatura baixa, sem características especiais levantou-se.
  • 10. - Meu nome é John Howard. Sou inglês e professor. - Indicou a mulher sentada a seu lado que estava movimentando nervosamente seu copo de whisky aguado. - Essa é minha esposa Mary. Ambos ensinamos física, e acredito que percebemos algo que provavelmente ninguém entre vocês percebeu. - Hesitou por um instante: - A coisa é bastante estarrecedora... Talvez seria melhor se eu falasse a respeito com o senhor Grahame em particular. Grahame sacudiu a cabeça. - Não sou a favor de segredinhos, senhor Howard. Acho que posso adivinhar seus motivos. Suas revelações poderiam ser alarmantes. Mas nossa situação comum já é bastante alarmante e acredito que cada um de nós tem o direito de conhecer todas as informações. Assim, acho melhor o senhor falar agora. John Howard sorriu um pouco sem jeito. - Receio que a coisa seja um pouco negativa... Quando o senhor começou a falar, alguém aqui sugeriu que poderíamos estar na América do Sul. Sinto muito, mas pre- ciso afirmar que essa possibilidade e as outras devem ser excluídas. - Nesse caso, o senhor talvez saiba onde estamos? - Grahame perguntou com um surto de esperança. - Não. Só sei onde não estamos. - Como assim? - Não estamos na Terra -, Howard declarou com tristeza. Suas palavras foram seguidas por um silêncio geral e prolongado. Todos os rostos se viraram para ele. Grahame passou a língua nos lábios. - Como é que o senhor pode afirmar isso? - Quando saí daquele - hum - daquele caixão, eu pulei. Foi uma coisa involuntária, pelo menos a primeira vez. Em seguida, quando consegui me controlar melhor, pulei de propósito. Para experimentar. - Sorriu. - Mary fez a mesma coisa, logo que parou de chorar. - Vocês deram pulos?- Grahame repetiu sem conseguir compreender. - Isso mesmo. Estou surpreso que ninguém tenha percebido nada. Acho que vocês iam ter percebido. Estamos com menos de um G. A força de gravidade desse planeta parece ser somente três quartos da força de gravidade da Terra... Experimentem um pouco. Mas cuidado, para não bater com a cabeça no forro. Uma meia dúzia de pessoas começou a pular com expressão compenetrada. Subi- ram no ar até três, quatro, cinco e também seis pés. Quando desciam, isso acontecia vagarosamente. Os rostos se tornaram pálidos e tensos. Ninguém desmaiou. Um homem, porém, e três mulheres começaram a chorar. Russell Grahame despejou uma boa dose de whisky em seu copo e chegou à con- clusão que precisava dizer alguma coisa. Sem perder tempo.
  • 11. 3 O resto da tarde - pois pela posição e o movimento do sol conseguiram estabele- cer que era de tarde - passou num claro-escuro, alternando momentos de tensão dramática com outros totalmente absurdos. O sol não parecia diferente daquele ou- tro sol que todos se acostumaram a ver desde que nasceram, apesar de ninguém conseguir olhar para ele de forma direta. Mas todos perceberam que ele parecia se movimentar um pouco mais rápido no arco do céu. Todos conseguiram repor em movimento seus relógios, com exceção do relógio que estava precisando de uma pilha nova - e fazendo um cálculo por alto, viram que esse dia estranho teria um comprimento de aproximadamente vinte horas da Terra. Antes de formar os grupos para compor uma aparência de ordem naquilo que por enquanto parecia o caos, Grahame fez a chamada do que ele, num surto de humor negro, apelidou sua legião estrangeira. A primeira medida foi de simplesmente ano- tar seus nomes, idades, nacionalidades e profissões, para ter uma ideia de quem po- deria fazer o que. Prometeu a si mesmo de pedir mais detalhes em seguida e, quem sabe, descobrir aptidões que fossem de utilidade para todos. Entretanto, ele pensou, havia uma necessidade urgente de mandá-los fazer algo o mais rápido possível - não fosse por outro motivo, para dar-lhes a ilusão que não es- tavam completamente desamparados e vítimas de uma situação extremamente es- quisita. Ninguém conseguia lembrar quantas pessoas estavam no jato de Estocolmo para Londres, mas parecia certo que o total dos passageiros, superava largamente dezes- seis pessoas. Mais tarde poderiam especular a respeito do destino dos pilotos, dos comissários e do resto. Por enquanto, parecia mais sensato concentrar todos os es- forços em avaliar a situação presente e torná-la o quanto mais possível segura, con- siderando as circunstâncias. Os ingleses compunham a exata metade da legião estrangeira de Grahame. Refle- tindo, chegou a conclusão que a proporção não era extraordinária para um voo entre Estocolmo e Londres no fim da estação turística. Escreveu cuidadosamente seu próprio nome, encabeçando a lista, e depois anotou os nomes dos outros desterrados ingleses. A seguir anotou dois americanos, dois su- ecos, um hindu, uma russa, uma francesa e a moça das Índias Ocidentais. Antes de formar os grupos estudou a lista com o maior cuidado. Era a seguinte: Russell Grahame, Membro do Parlamento, 39 anos, inglês; Robert Hyman, 39 anos, inglês, funcionário público; Andrew Payne, 28 anos, inglês, ator de TV; John Howard, 31 anos, inglês, professor e Mary Howard, 27 anos, inglesa, professora, sua esposa; Janice Blake, 20 anos, inglesa, estudante de economia doméstica; Andrea Small, 20 anos, inglesa, estudante de economia doméstica;
  • 12. Marina Jessop, 20 anos, inglesa, estudante de economia doméstica; Paul Redman, 40 anos, americano, agente literário e Marion Redman, 32 anos, americana, dona de casa, sua esposa; Gunnar Rudefors, 35 anos, sueco, professor; Tore Norstedt, 25 anos, sueco, oficial radiotelegrafista; Mohan das Gupta, 28 anos, hindu, relações públicas (companhia petrolífera); Anna Markova, 33 anos, russa, jornalista de modas; Simone Michel, 23 anos, francesa, artista ; Selene Bergere, 21 anos, das Índias Ocidentais, modelo. Examinando a lista, Grahame percebeu que a profissão do ensino estava bem re- presentada, mas isso não era nada fora do comum. Nesses tempos os professores estavam sempre viajando para um ou outro lado. Suspirou. Um médico, um cientista de um tipo qualquer e quem sabe, dois ou três braçais marrudos seriam, nas circunstâncias atuais, de muito maior utilidade que pessoas como o ator de TV, o agente literário, o relações públicas e as moças que ti- nham escolhido uma carreira. De qualquer forma, uma coisa parecia bastante clara: as criaturas ou coisas ou o que mais fosse, que tinham planejado o sequestro, o rap- to, a transferência - não existia uma palavra única para descrever o ato - não tiveram nenhuma preocupação em compor um grupo equilibrado. Isto é, sem considerar o equilíbrio dos sexos, e este fato em si já era suficiente para despertar bastante curio- sidade... De qualquer forma, essa circunstância poderia ser estudada mais adiante. Por en- quanto era necessário tomar uma atitude a respeito de assuntos mais importantes. Dividiu as pessoas em quatro grupos de quatro, como já pensara antes. O estado- maior, que ele também definiu como o grupo auxiliar de reserva, era formado por ele mesmo, Gunnar Rudefors e Paul e Marion Redman. Dois outros grupos eram com- postos de duas mulheres e dois homens cada - eram os grupos de exploração - e o quarto grupo, cuja tarefa era de procurar alimentos, era composto pelo radiotelegra- fista sueco e as três estudantes inglesas. O estado-maior elegeu por sede o bar e os outros foram cumprir suas tarefas. Logo, e aos poucos, começaram a chegar informações interessantes. A primeira e mais importante foi a de que não havia sinal de criaturas vivas dentro de um raio de cerca de um quilômetro. A cidade era composta unicamente pelo ho- tel, o supermercado, um pedaço de rua e algumas pequenas construções equipadas com máquinas simples de oficina. A rua começava num mato baixo que poderia ser definido como uma savana, e também terminava na savana. O táxi estacionado ao lado do hotel parecia ser um Mercedes. Faltava-lhe o motor e a bateria. O carro esta- cionado ao lado do supermercado era um Saab: também faltavam a bateria e o mo- tor. O supermercado estava cheio de alimentos. Tore Norstedt e suas três assistentes femininas, que a esse ponto estavam adorando, encontraram carrinhos providenciais que foram carregados de alimentos e empurrados para o hotel do outro lado da rua. Durante esse tempo dois do grupo auxiliar - Gunnar Rudefors e Paul Redman - re- tiraram os caixões de plástico verde do meio da rua, empilhando-os de forma orde- nada atrás de um dos barracos. Examinaram demoradamente os caixões. O plástico era muito leve, mas assim mesmo duríssimo, tanto que foi impossível sequer arra- nhá-lo com a ponta de um canivete de aço. Internamente eram forrados com um material esponjoso que podia ser cortado a faca: mas não descobriram mais nada além desses dois fatos.
  • 13. O hotel tinha vinte quartos, dez de casal e dez de solteiro. Além disso, possuía uma cozinha perfeitamente equipada, completa de uma geladeira e uma máquina para lavar louça. Todos os quartos tinham água corrente quente e fria. A iluminação era elétrica e funcionava perfeitamente. De fato, era um típico pequeno e confortável hotel, desses que a gente poderia encontrar em qualquer parte da Europa. A água encanada e a iluminação elétrica deram a Grahame algumas ideias a serem elaboradas mais adiante. Decidiu que, caso não houvesse distrações de outra espé- cie, não acontecessem aparições e não fossem interrompidos de outro jeito, poderia ser interessante descobrir a origem do encanamento e da força. Alguém, ou então alguma coisa, estava se esforçando muito para que dezesseis criaturas da Terra en- contrassem um lar longe de seus lares. O crepúsculo aconteceu de repente, de maneira espetacular - como acontece na Terra nas regiões tropicais e equatoriais - e todos se reuniram no bar para fazer seus relatórios. Parecia óbvio que não existia nenhuma outra alternativa e seriam obrigados a pas- sar a noite no hotel - quem sabe, até uma longa sucessão de noites - e Grahame pe- diu a Anna Markova, que parecia uma mulher muito eficiente, de distribuir alojamen- tos. As três estudantes de economia doméstica foram mandadas para a cozinha para pôr em prática as teorias aprendidas. Não demorou e todo o grupo foi se sentar na sala de jantar para saborear uma refeição que poderia ser servida até no Savoy - com a única diferença que todos os alimentos eram enlatados. Quando chegaram ao café e ao conhaque, Grahame decidiu começar um inquérito sobre o total dos acontecimentos e sua sequência, e lançou a pergunta que interes- sava a todos. A teoria que mais adeptos tinha e que sem dúvida era devida ao ter assistido a um sem número de filmes e peças de televisão baratas, e à leitura de um número infinito de histórias em quadrinhos, era de que os dezesseis eram vítimas de um sequestro perpetrado por Marcianos, Venusianos ou qualquer outra raça solar parecida que, com a ajuda de discos voadores, tinham capturado o grupo dentro do jato saído de Arlanda, antes de destruir o avião. John Howard, o professor inglês, foi o primeiro a invalidar essa teoria. Aproximou- se das porta-janelas da sala de jantar, abriu uma e saiu para o terraço. A noite era clara e fria. Convidou o resto do grupo a sair também. As estrelas visíveis no céu não pertenciam a nenhuma das constelações que eles conheciam antes, quando estavam em casa. Também não eram estrelas de constela- ções do hemisfério austral. Eram estrelas desconhecidas num céu desconhecido. Bri- lhantes, gélidas e longínquas. E eram terríveis, porque eram estranhas. Grahame percebeu de forma aguda a angústia, a solidão e o desespero dos outros e convidou-os rapidamente a voltar à sala de jantar. Foram sentando com expressão soturna em volta da mesa e começaram mais uma vez a saborear seus cafezinhos. As conversas pararam. Ninguém estava com vontade de discutir as impressionantes e horríveis possibilidades que se apresentavam às suas mentes. Não havia ainda possibilidade de medir o tempo com certeza ou de prever a dura- ção da noite. Era, porém evidente que todos estavam esgotados pelo cansaço - por causa do esforço, do medo, do desespero e dos pensamentos. Duas estudantes já estavam cochilando, sentadas em suas cadeiras. Os acontecimentos foram demais. Um número excessivo de possibilidades assusta- doras se apresentavam ao cérebro humano, que não estava em condições de lidar com todas elas. Todo mundo estava precisando descansar. Grahame, porém, decidiu que nem todos poderiam descansar - ou pelo menos,
  • 14. nem todos ao mesmo tempo. Dividiu os oito homens em patrulhas noturnas compos- tas de dois homens cada, para vigiar em turnos de uma hora. Teriam que cuidar que ninguém invadisse o hotel e que ninguém se machucasse. Mandou também que, como medida de precaução, todas as portas dos quartos ficassem escancaradas. Durante a noite não aconteceu nada de estranho - a não ser os acessos de choro e alguns brandos ataques histéricos das mulheres e dos homens também, que porém, foram muito mais discretos. Quando o dia voltou a clarear, uma pequena patrulha saiu do hotel para controlar se tudo se encontrava nas mesmas condições do dia anterior, e fez uma descoberta muito interessante. Os caixões empilhados tinham desaparecido.
  • 15. 4 Antes que chegasse a noite do segundo dia, foram feitas mais descobertas interes- santes. Tore Norstedt, o jovem oficial radiotelegrafista sueco, foi o primeiro a descobrir que com toda probabilidade, o grupo estava sendo observado. Fizera essa constata- ção logo após terminar seu turno de patrulha, enquanto estava deitado em sua cama, no escuro, procurando dormir. Vira então quatro minúsculos pontos esverdea- dos, que emitiam uma luz fraca nos cantos do quarto, onde as paredes se encontra- vam com o forro. Após acender o abajur da mesa de cabeceira - de um tipo muito comum e terres- tre, com lâmpada de sessenta watts - examinara os cantos com cuidado. Com a luz, a fraca reverberação esverdeada desaparecera por completo: mas no canto em que as paredes e o forro se encontravam, descobrira quatro lentes, uma em cada canto do quarto, invisíveis a um examinador superficial. As lentes eram diminutas, mais ou menos do tamanho da cabeça de um fósforo, mas não podia haver dúvidas a respei- to: eram mesmo lentes. Ficou especulando se seria conveniente raspar a massa da superfície da parede, para expor uma porção maior de equipamento, mas refletiu que talvez fosse preferível deixar as coisas na condição em que estavam. Cedo de manhã quando encontrou-se com Grahame e enquanto tomavam seu desjejum, contou-lhe a respeito. Uma busca aprimorada revelou que todos os quar- tos eram providos de quatro lentes, e que o mesmo tipo de lentes podia ser encon- trado até nos corredores. Grahame ficou muito perturbado com a descoberta. Pediu que Norstedt não falasse com ninguém a esse respeito, pelo menos por algum tem- po. A situação de todos já era bastante complicada e não achava necessário piorá-la com a noção da mais total perda de qualquer intimidade. Tore Norstedt disse que estava com vontade de arrancar parte daquele equipa- mento para examiná-lo, e talvez, em seguida, destruí-lo: mas Grahame optou pelo contrário. Sua experiência na política sugeriu-lhe uma solução bastante inteligente. Quando todos tivessem abandonado seus quartos, Norstedt teria que passar por to- dos, colando pequenos pedaços de papel sobre as lentes. Em qualquer outro lugar do hotel as lentes ficariam no estado em que estavam. Grahame achou que dessa forma os observadores compreenderiam que seus espé- cimes não se recusavam a serem observados, pelo menos em princípio, mas que de- sejavam resguardar uma parte de suas vidas particulares. Logo após o desjejum organizou uma investigação mais apurada das cercanias - o que não fora possível ou aconselhável no dia da chegada. Dessa vez o grupo que partiu para uma missão de reconhecimento era composto só de homens, comanda- dos por John Howard, o professor inglês, que já tinha comprovado ser uma pessoa dotada de espírito de observação e muito equilíbrio. As instruções foram simples. Teriam que marchar em direção norte durante uma hora, e depois disso voltariam novamente ao hotel. O norte foi determinado tomando
  • 16. por leste a direção em que surgia o sol. Se encontrassem uma elevação qualquer, ela teria que ser usada para observar o terreno em volta. Recomendou que evitassem, em geral, qualquer contato com a vida animal indígena; a menos que fossem ataca- dos e tivessem que se defender, teriam que evitar qualquer ato que poderia eventu- almente ser interpretado como uma ação hostil. A questão da necessidade de defesa era uma questão bastante delicada. Grahame sentia uma grande repugnância em mandar que os homens fossem para uma missão que poderia se revelar perigosa sem que eles tivessem qualquer meio de defesa. Uma busca no supermercado, que continuava vazio de compradores, levou a duas descobertas importantes. Em primeiro lugar, todos os mantimentos levados do super- mercado no dia anterior, já estavam substituídos por outros do mesmo gênero. Em segundo lugar, descobriram uma seção de ferragens em que, no dia anterior, nin- guém reparara. Os quatro homens que compunham a patrulha encontraram na seção de ferragens facas e machadinhas. A temperatura estava se tornando bastante elevada e o sol resplandecia num céu sem nuvens: todos retiraram as roupas mais pesadas. Com as mangas das camisas arregaçadas, as facas no cinto e as machadinhas nas mãos, o grupo se apresentava como um temível bando de assaltantes. Todo mundo saiu do hotel para cumprimentá-los enquanto partiam para aquela volta no interior. Caminhando pela rua que não levava a parte alguma, empunhando suas armas de fortuna e tentando não parecer confusos, eles começaram a perceber de forma aguda o absurdo daquela situação. Grahame também, apesar de sentir que todas as preocupações desse estranho mundo estavam pesando em seus ombros, não conseguiu controlar o riso. O grupo expedicionário se parecia de forma vaga com um ensaio de uma cena de “ópera-buffa” . Voltaram pontualmente duas horas e dez minutos mais tarde. Todos estavam perfeitamente bem. Nenhum deles tinha corrido o menor risco. Mas o relatório não concorreu em nada para aliviar a sensação geral de angústia e insegurança. John Howard relatou em primeiro lugar os fatos que todos concordaram terem ob- servado. Pela sua estimativa, a marcha fora de aproximadamente oito quilômetros por uma planície que não apresentava nenhuma característica especial, a não ser es- tranhos arbustos, pequenas flores, plantas que se pareciam com samambaias de por- te excepcional e capim muito alto. Descobriram que havia um rio e não longe dali vi- ram uma sequência de colinas de elevação moderada. Mas o grupo, em sua totalida- de, não tinha encontrado espécime nenhum de vida animal de qualquer tipo. Houve, porém, dois relatos particulares. O primeiro foi de Paul Redman, o agente literário americano. Ele explicou que en- quanto caminhavam em meio a grandes touceiras de capim cuja altura poderia ser estimada em metade da altura de um homem de estatura média, parara para enxu- gar o suor da testa. Fazendo isso, levantara os olhos para o céu. Redman afirmou que por um instante vira a passagem de um grupo de criaturas voadoras, brilhantes e extraordinárias. Disse que elas pareciam ter compridos cabe- los dourados e rostos diminutos que se pareciam com rostos humanos. Explicou que por quanto estranho pudesse parecer, a única maneira de descrever as criaturas era dizer que tinham a aparência esquisita de fadas. O segundo relato foi feito por Gunnar Rudefors, o professor sueco. Os quatro ho- mens marchavam em fila, cada um a uma distância de uma dúzia de passos do ou- tro. Concordaram que essa era a maneira mais segura de caminhar, considerando
  • 17. que não conheciam nada a respeito da região a ser explorada. O lugar do que enca- beçava a patrulha era, claramente, a posição mais perigosa e por isso todos se alter- naram como batedores. A vez de Gunnar Rudefors chegou quando já estava quase se esgotando o tempo estabelecido para a primeira parte da marcha: a patrulha teria que começar o regres- so dali a pouco. Estava desejoso de fazer o máximo possível durante aquela primeira expedição e por isso acelerou o passo e acabou precedendo os outros muito mais do que devia. Caminhando desse jeito, emergiu de uma zona cheia de altas samambaias, viu por um instante algo que ele insistiu ser um cavaleiro medieval, coberto por uma estra- nha e reluzente armadura, a uma distância que julgou ser vinte passos. Gunnar Rudefors não se deixou abalar por observações irônicas e nem por um cer- rado interrogatório: a descrição continuou a mesma. O cavaleiro usava uma espécie de visor e seu rosto estava quase que totalmente coberto. Levava também uma arma que parecia uma espécie de espada ou de lança. Estava montado num animal com chifres galhados, e cujo porte era menor do de um cavalo, mas maior do que o de um gamo. O cavaleiro e Gunnar Rudefors se defrontaram durante um momento. Em seguida o cavaleiro resmungou uma palavra, parecida com: - Adiante! - virou sua cavalgadu- ra puxando-a pelos chifres e, trotando, desapareceu entre um grupo de árvores. Quando os outros homens chegaram perto do sueco que parecia petrificado pelo que vira, o cavaleiro já não estava mais lá. John Howard, que era o segundo da fila, admitiu ter ouvido algo parecido ao esta- lar de cascos e uma espécie de grito, que pensou tivesse sido emitido por Rudefors. Mas não viu coisa nenhuma. Grahame, após ouvir os relatos dessa expedição, percebeu que estava precisando urgentemente de um drinque. Um drinque bem grande, e já. Não foi o único que sentiu essa necessidade.
  • 18. 5 Não foi feito nenhum contato com as pessoas ou criaturas responsáveis pelo se- questro de dezesseis passageiros do voo Estocolmo-Londres, todavia alguns fatos in- teressantes aconteceram nos dias seguintes e dois desses fatos tiveram um desfecho trágico. A primeira tragédia foi o suicídio de Marina Jessop, estudante inglesa, com vinte anos. Aconteceu na noite do mesmo dia em que Paul Redman viu as fadas e Gunnar Rudefors viu o cavaleiro medieval. Naquela noite Russell Grahame, Membro do Parlamento e comandante da legião extraterrestre, resumiu após o jantar os fatos conhecidos e comunicou sua interpre- tação provisória dos mesmos. Não conseguiu evitar fazer um discurso, mas fez o possível para que fosse o mais objetivo possível, consciente da forte tensão emocio- nal que dominava a todos e que sem dúvida continuaria a existir até a situação ficar esclarecida. - Senhoras e senhores -, começou, olhando penalizado para o grupo abatido e ner- voso, - fiquei pensando um bocado - como também vocês já fizeram - em tudo o que aconteceu conosco. Apesar de estarmos vivendo dentro de um absurdo pesadelo e apesar da irritante falta de informações, acho necessário tentar tirar alguma conclu- são do que sabemos, para tranquilizar minha própria consciência. Evidentemente, es- tou brincando! Mas preciso ver se tudo isso tem algum sentido. É possível que minha interpretação dos fatos seja totalmente errada, mas vou apresentá-la pelo que vale. Se, após eu terminar, alguém pretende apresentar alguma explicação mais válida, gostaria muito de ouvi-la. Entretanto, aqui vai a minha. Esperou por um instante. - Quero partir da suposição que quanto aconteceu conosco foi feito por razões sé- rias e não à-toa. Pelo que vimos, fomos todos raptados e levados de um avião a jato em voo internacional, fomos todos submetidos a uma cirurgia e agora estamos num mundo estranho, que talvez se encontra a uma distância incrível da Terra. Parece-me que toda essa operação, que eu considero abaixo de qualquer crítica, só poderia ter sido efetuada por pessoas ou criaturas cuja civilização está tão mais adiantada que a nossa, como a nossa é adiantada a respeito da Idade da Pedra. - Parou mais uma vez, vendo a tristeza estampada em todos aqueles rostos e acrescentou em tom de brincadeira: - É claro que estou me referindo à Idade da Pedra terrestre. Se podemos acreditar no que diz o senhor Redman, esse planeta poderia ter uma pré-história muito mais colorida. - Estava esperando que alguém sorrisse, mas ninguém mudou de expressão. Continuou rápido: - O esforço e os meios usados nessa operação estão além de nossas imaginações baseadas no século vinte. Dizer que foram colossais poderia ser insuficiente. Isso me leva a concluir, minhas senhoras e meus senhores, que fomos trazidos para cá por razões muito sérias. Acredito que o objetivo é de descobrir como somos nós, os da Terra. - Teve a absurda impressão de estar pronunciando a palavra com uma letra capital. - Não consigo adivinhar se em seguida seremos levados de volta ou não. Es-
  • 19. tou, porém convencido que durante nossa estada aqui teremos todos os confortos necessários. - E as fadas?- alguém perguntou. - E que tal o cavaleiro medieval?- observou um outro. Grahame encolheu os ombros. - Existem muitas coisas que ainda não tem resposta. Outras, aliás, que talvez nun- ca terão resposta. Só podemos concentrar todos os esforços em tentar adivinhar... Eu estou adivinhando, senhoras e senhores, quando digo que estamos sendo obser- vados como espécimes de jardim zoológico. Se realmente existem fadas e cavaleiros circulando por aí, só posso imaginar que eles também não passam de espécimes re- colhidos e trazidos para cá. Não tenho a mais pálida ideia de onde possam ter chega- do. Poderiam até ser indígenas desse planeta. De qualquer forma, não podem ser eles os responsáveis do que aconteceu conosco. Acho que precisamos fazer logo duas coisas, ambas absolutamente necessárias. Precisamos descobrir o mais possível a respeito do mundo em que nos encontramos e precisamos fazer o impossível para estabelecer um contato direto com as pessoas que nos trouxeram para cá, sem provocar animosidade. Sem dúvida, em comparação com eles, podemos parecer débeis mentais ou bichos. Mas se o grau de progresso ético deles está em alguma relação com seu progresso tecnológico, poderíamos tal- vez convencê-los a mandar-nos para nossas casas - após um certo período de estu- do. Seguiu-se uma pequena discussão, mas ninguém conseguiu oferecer uma explica- ção melhor ou mais plausível: de fato, todos estavam ainda por demais traumatiza- dos para conseguir pensar com clareza. Aos poucos os casais e os desacompanhados foram se deitar. Grahame percebeu que as ligações sexuais já estavam começando. No grupo já havia quatro pessoas casadas, mas percebia-se que pelo menos mais quatro tinham assumido uma condição de casados temporários, então achou que isso fosse um mau sinal. Se havia alguém que conseguia encontrar algum conforto no sexo ou em simples companhia, ótimo. Possivelmente conseguiria se manter racional durante um período mais demorado. Marina Jessop estava sozinha num quarto. Suas duas colegas partilhavam outro e a convidaram a ficar com elas. Marina, porém, sempre tivera uma preferência pela solidão e não gostava de interferências na sua intimidade. Subiu para seu quarto e escreveu uma notinha. Em seguida foi tomar banho. Só foi encontrada na manhã seguinte. Um aquecedor elétrico portátil, que parecia ter sido puxado de propósito para dentro da água, resolvera todos seus problemas. A notinha era para Grahame, pessoalmente. Querido senhor Grahame, Sinto muito por estar desertando. Sou muito covarde mesmo e não aguento mais. Andrea e Janice poderão confirmar que eu sempre fui muito tímida. Tenho medo do escuro e me assusto até com sombras. O que aconteceu conosco é a pior sombra que eu já vi. Estou tão aterrorizada que não consigo mais continuar fingindo que tudo está normal. O senhor precisa me perdoar. Precisa mesmo. Três dias atrás eu estava voltando para minha casa e minha família após lindas férias na Suécia. Estava feliz de voltar para a faculdade. Mas sei - e o senhor também está sabendo - que ninguém entre nós jamais voltará para casa. Esse pensamento me deixa desesperada. Não posso
  • 20. me transformar numa heroína. Não tenho forças suficientes para aguentar ser uma prisioneira, longe de todas as pessoas que eu amo. Seria terrível se eu tivesse que enlouquecer e dar muito trabalho a todos vocês. Por favor, compreenda isso e me perdoe. Se por um acaso o senhor conseguir vol- tar de alguma maneira, fale com meus pais. Eles moram em Stockport, na Eden Street, 71, no Cheshire. Por favor, diga-lhes que eu fui vitima de um acidente. Tenho também um gato chamado Floco de Neve, mas acho que não adianta dizer a ele que eu sofri um acidente. Acredite, por favor, que eu não seria de nenhuma utilidade para o senhor ou para qualquer um. Lembranças de sua Marina Jessop Grahame chorou após ler a cartinha. Esperou ficar sozinho e chorou. Lembrou-se que o rosto de Marina Jessop estava pálido - muito, muito pálido. Seus cabelos eram lisos, negros e compridos e tivera um olhar distante e perdido. Parecia uma persona- gem de uma fábula de Hans Andersen. Marina fora a primeira vítima. Ficou especu- lando quantas mais haveria. Mas a vida tinha que continuar - dentro dos limites do possível. Marina foi sepulta- da antes do meio-dia atrás do hotel, a uma distância de cinquenta metros, num tre- cho em que o terreno era plano e limpo. Anna Markova, que declarava abertamente seu ateísmo, cantou para ela o Salmo 23 com sua belíssima voz de contralto. Mohan das Gupta, um hindu, fabricou uma cruz. E a vida continuou. Durante a tarde Grahame chamou a todos e pediu que fizessem um inventário de tudo o que possuíam, excluindo roupas e artigos de toalete. Achava boa ideia saber quais eram os recursos com que poderiam contar. A lista que resultou continha em sua maioria os costumeiros apetrechos de turistas - máquinas fotográficas, pequenos objetos de vidro ou aço produzidos na Suécia, al- guns radinhos de pilha e livros. Havia, porém alguns objetos de grande valia, como por exemplo um compasso que mostrou que o planeta estava provido de polos mag- néticos - dois pares de binóculos, duas caixas de pronto-socorro bem equipadas, uma boa quantidade de pílulas e até duas máquinas de escrever portáteis. Grahame, em parte para afastar os pensamentos cio pessoal da morte de Marina e em parte porque achava que isso seria de alguma utilidade, estava planejando uma exploração de uma certa envergadura. O grupo encarregado teria que ir para o sul. Sairia ao clarear do dia seguinte e só voltaria ao crepúsculo do segundo dia. Graha- me calculava que dessa forma o grupo poderia avançar durante um dia inteiro - per- correndo de vinte e cinco a trinta quilômetros antes de acampar durante a noite - e teria um dia inteiro para voltar. Passar a noite a céu aberto poderia talvez ser perigoso, mas era evidente que tor- nava-se necessário correr alguns riscos, se eles quisessem apreender fatos importan- tes. Pediu voluntários. John Howard, que já dirigira a expedição anterior, se ofereceu junto com sua mu- lher. Gunnar Rudefors também disse que iria. A quarta pessoa que fez questão de ir foi a moça francesa, Simone Michel. Grahame ficou meio preocupado, não sabendo se era oportuno deixar que mulhe- res tomassem parte numa empresa desse tipo. Acabou se convencendo que precon- ceitos e inibições à maneira antiga não iriam ajudá-lo em nada. Anna Markova expli-
  • 21. cou que as mulheres tinham uma resistência diferente, mas não inferior à dos ho- mens, e a presença delas poderia exercer uma influência estabilizadora. Com certeza elas não deixariam que os homens se arriscassem de forma desnecessária. Os voluntários então foram mandados descansar enquanto o resto do grupo pre- parava tudo quanto era necessário. Quatro deles, inclusive as duas estudantes ingle- sas, receberam a tarefa de confeccionar uma tenda completa de piso, feita de lençóis e capas de chuva de plástico. Robert Hyman, que era funcionário público, revelou possuir um talento secreto e muito útil: era um arqueiro amador bastante habilidoso. Ofereceu-se para fazer dois arcos e uma dúzia de flechas e de ensinar aos homens como deviam ser usados. Tore Norstedt começou a construir um transmissor primitivo, feito de pedaços de metal e fio de arame de cobre insulado, encontrados numa das oficinas. O transmis- sor seria útil de duas maneiras. O grupo de exploradores poderia levar radinhos de pilha e manter assim um contato unilateral com o resto da turma, e haveria também a possibilidade de estabelecer qualquer contato radiofônico com as criaturas respon- sáveis pela situação ou com qualquer outro grupo de seres humanos que se encon- trasse numa situação parecida à deles. Tudo estava pronto às primeiras luzes do dia seguinte, e todos se levantaram para desejar boa sorte ao grupo que ia fazer uma “exploração profunda”. O transmissor poderia ser de até quarenta quilômetros. Norstedt preparara um simples código tele- gráfico. Já fizera testes de transmissão e tinha certeza que o alcance do transmissor poderia ser de até quarenta quilômetros. Estava usando a força do hotel, modifican- do a corrente direta em alternada. Havia, porém uma dificuldade: no grupo ninguém entendia sinais Morse. O trans- missor de Norstedt não servia para a irradiação da linguagem falada, e isso fazia ne- cessário reduzir os sinais a um mínimo muito simples. SOS queria dizer, “voltem com toda urgência” . OK queria dizer, “continuem segundo os planos”. As emissões seriam irradiadas de hora em hora. Grahame estava desapontado pela impossibilidade de comunicação mútua. Tore Norstedt explicou que a construção de um transmissor portátil com as poucas coisas que tinha à disposição, levaria muito tempo e muitos testes. Considerando as circunstâncias, a expedição estava bastante bem equipada. Tinha lanças de fabricação caseira, facas, machados, dois arcos e uma dúzia de flechas. Ti- nha também uma tenda e rações enlatadas. A mais, um compasso, um binóculo e uma máquina fotográfica. Apesar disso, Grahame ficou acenando para eles com o coração pesado. A expedi- ção anterior não chegara muito longe antes que o grupo descobrisse aparições que se pareciam com fadas e um cavaleiro. Este grupo iria muito mais longe ao interior. Não estava com muita vontade de pensar nas notícias que trariam, quando voltas- sem - se por acaso fossem capazes de voltar. Seus temores não eram sem fundamento. O grupo voltou ao crepúsculo do dia seguinte. Ou melhor, três pessoas do grupo voltaram. Gunnar Rudefors que estava agindo de batedor durante o último trecho da jorna- da, caíra num buraco dissimulado. Foi transpassado pelas estacas pontiagudas finca- das no fundo.
  • 22. 6 Russell Grahame estava sentado na cama, em seu quarto, refletindo amargamente sobre a morte de dois de seus companheiros durante os últimos três dias. Trouxera do bar uma meia garrafa de whisky e estava acabando-a de forma sistemática. Nun- ca antes achara agradável beber sozinho. Aliás, continuava não achando o fato agra- dável. Estava simplesmente usando o whisky da mesma forma em que um homem com uma perna quebrada usa uma muleta. Explicou a si mesmo que se continuasse a beber as mesmas quantidades consumi- das durante aqueles últimos dias, conseguiria bater todos os recordes de velocidade em se tornar alcoolizado. Era ótimo que os fornecedores invisíveis continuassem a suprir todos os mantimentos. Mas era completamente incompreensível como conse- guissem fazê-lo. Colocara um turno de guardas para vigiar o supermercado, mas nin- guém conseguiu ver nada. Apesar disso, todas as manhãs os mantimentos levados por eles se encontravam mais uma vez nas prateleiras. Era um mistério e tanto. Po- rém o que representava mais um maldito mistério num lugar tão cheio de mistérios? Estava se sentindo desesperadamente só. As razões eram mais do que óbvias. Pos- sivelmente a situação não seria tão desagradável se ele não tivesse se colocado de forma egocêntrica à disposição dos outros, aceitando o comando e com isso todas as responsabilidades. Todos os outros dependiam dele e continuavam a fazer perguntas, como se ele soubesse todas as malditas respostas. Raios, ele nem sequer sabia as perguntas certas. Um belo chefe, realmente! Despejou mais whisky no copo. Por ter aceito a responsabilidade, estava agora sentindo mais profundamente pela perda da moça inglesa e do jovem sueco. Salud, Marina. Salud, Gunnar! Que seus despojos e seus espíritos descansem em paz nessa terra estranha, tão longe dos ver- des campos da Terra... Esforçou-se em se concentrar nas informações trazidas pelos sobreviventes da se- gunda expedição. Eram muito mais alarmantes do que o insignificante relato da pri- meira expedição. De fato, todos os integrantes dessa vez concordavam a respeito do que viram. Ainda por cima, tinham fotografias para prová-lo. O acontecimento mais desconcertante, a não se considerar a morte de Gunnar, fora a descoberta de outras criaturas humanas - as que eles agora estavam chaman- do de o Povo do Rio. A primeira a vê-los foi Simone, a jovem artista francesa. Poderiam também ter passado despercebidos com a maior facilidade, porque naquele instante a expedição estava a cerca de vinte quilômetros de - casa -, caminhando em direção quase para- lela ao rio, mas a mais ou menos dois quilômetros do próprio. Simone começou a perseguir algo que acreditou ser uma enorme e linda borboleta, que parecia ter se assustado com o progresso do grupo entre as árvores bastante aproximadas. A bor- boleta começou a se movimentar lentamente - quase como querendo ser perseguida, a moça observou mais tarde.
  • 23. Talvez, fosse isso mesmo. O grupo já estava perto da margem da floresta e, sem- pre seguindo a borboleta, ela saiu para o terreno descoberto e subiu por uma leve elevação, de onde se podia ver o rio. A esse ponto perdeu de vista a borboleta. Si- mone, porém, estava carregando o binóculo e começou a observar distraidamente as margens do rio. Algo que num primeiro momento parecia uma espécie de ponte, re- sultou não ser uma ponte quando ela começou a observá-la com mais atenção. Aliás, era sim uma ponte, mas feita de choças primitivas construídas sobre palafitas. A fu- maça estava saindo dos buracos no topo. Os moradores das choças estavam eviden- temente em casa. O grupo de exploradores começou a se aproximar cautelosamente do pequeno agrupamento de choças, usando de bastante bom senso. Chegaram a não mais de quinhentos metros e desse ponto fizeram suas investigações com os binóculos. Havia algumas pessoas na margem. O povo do rio tinha uma aparência primitiva: seus cabelos eram emaranhados e estavam cobertos com peles de animais. John Howard explicou que, pela sua aparência, eles davam a impressão de serem rema- nescentes da Idade da Pedra. Estavam armados com machados e tacapes, que apa- rentemente eram feitos com pedaços de pedra, e com lanças com pontas também de pedra. Tinham também canoas que pareciam feitas com troncos de árvores. John Howard decidiu, com muito bom senso, não insistir mais nas investigações. Achou que era muito mais importante levar de volta à base as informações que já possuíam. Dedicou, porém algum tempo a estudar não só os movimentos do Povo do Rio, mas também o terreno em volta. Viu a uma certa distância, do outro lado do rio, algo que conseguiu descrever somente como uma espécie de alta muralha de névoa ou neblina. Parecia estar a cinco ou seis quilômetros de distância e julgou sua altura em aproximadamente duzentos metros. O grupo voltou para a floresta para acampar, e passaram a noite ali com duas pes- soas de guarda e duas dormindo, se alternando a cada hora. Ouviram ruídos alar- mantes feitos por animais selvagens, mas não viram nada. No dia seguinte, quando estavam a apenas sete ou oito quilômetros da base, Gunnar Rudefors caiu na arma- dilha. O buraco não era muito grande, mas estava situado de maneira astuciosa ao longo de uma trilha quase invisível - possivelmente a trilha feita por animais que iam ao bebedouro - e o grupo estava seguindo-a talvez de forma inconsciente. As estacas pontiagudas o mataram rapidamente. Estavam dispostas de maneira tal que só pro- vocariam um prejuízo mínimo na presa. Gunnar foi duas vezes mal-afortunado. Em primeiro lugar, porque naquela hora era a sua vez de servir de batedor, e em segundo lugar porque não percebeu que o ca- pim mais em frente era murcho e amarelado... Russell Grahame ficou examinando todos os acontecimentos desde o instante que saíra de seu caixão e entrara no hotel. Chegou à conclusão que estava totalmente despreparado para ser um chefe. Chefe, pois sim! Não seria capaz de dirigir um gru- po de escoteiros... Se tivesse um pingo de bom senso, teria inventado uma porção de tarefas para todo o mundo, e então Marina teria ficado cansada demais para ter vontade de pen- sar em suicídio. Se ele tivesse um pingo de bom senso não teria permitido a um gru- po sair em exploração sem ter antes um treinamento adequado. Se ele tivesse um pingo de bom senso... Um chefe, pois sim! O responsável pelas decisões, pois sim! Por Deus, ainda esta- va em tempo de renunciar ao cargo, antes que os outros se cansassem de sua in- competência e o mandassem embora!
  • 24. Alguém bateu e a porta se abriu. - Posso entrar? Anna Markova entrou sem esperar a resposta. - Olá, Anna. - Olá, Russell. Todo mundo já passara a usar o primeiro nome. Era ridículo insistir em formalida- des quando todos estavam num lugar a quem sabe quantos anos-luz de um livro de etiqueta. Também era estranho, realmente muito estranho, que com a possibilidade de todo mundo entender a língua de todo mundo, as nacionalidades já não tinham importância nenhuma. Anna espiou o whisky. - Você gosta de beber sozinho? - Não. Ela sorriu. - Então me ofereça um pouco também. - Desculpe-me. Não queria ser malcriado... Você não se importa de beber num copo comum, que está no banheiro, ou prefere que eu busque um copo para whisky no bar? - O copo comum vai ser ótimo, muito obrigada.- Ela sentou na beira da cama e pu- lou um pouco, como testando. - Acho que essa cama é mais confortável que a mi- nha. - Vá se queixar com a gerência -, ele respondeu com um pálido sorriso. - Ou en- tão, se você assim preferir, podemos trocar de quarto. Ela mudou rapidamente de assunto. - Russell, você está muito triste. É uma coisa muito natural sentir tristeza por aqueles que morreram, mas ninguém devia ficar sozinho nessas circunstâncias. E isso, ela acrescentou indicando o whisky que estava em sua mão, - não pode ajudar como você está esperando que faça. - Amém -, ele respondeu levantando o copo. - Amém -, repetiu Anna bebendo também. - Essa é a primeira vez que consigo fa- lar a sós com você. Vou dizer-lhe o que eu penso e depois você me dirá o que pensa. Está bem assim? - Perfeito. - Muito bem -, ela continuou. - Parece-me óbvio que estamos numa espécie de zo- ológico. Na Terra, nos zoológicos mais modernos -, disse com um sorriso nos olhos, - ou pelo menos nos mais modernos zoológicos da Rússia, tentamos proporcionar aos animais um ambiente o mais possível parecido com seu ambiente natural. Parece-me que os que nos capturaram fizeram isso mesmo conosco. Foi por isso que nos deram um hotel para morar, por isso temos um supermercado para nossos suprimentos e por isso existem carros na rua. - Os carros não funcionam.- - Claro que não. Também não há estradas por onde dirigi-los. Mas os que cumpri- ram essa façanha sabem que estamos acostumados com essas coisas e fizeram o possível para que nos sentíssemos à vontade. - Eu apreciaria muito mais toda essa delicadeza conosco se eles nos mandassem para casa -, ele respondeu de cara amarrada. - Mas eles não pretendem fazer isso -, disse Anna. - Por que não? - Somos - ou melhor, éramos - oito homens e oito mulheres. - Daí?
  • 25. Anna ficou a observá-lo com um olhar ao mesmo tempo triste e divertido. - Mas é tão óbvio, Russell. Fomos trazidos para cá para nos multiplicarmos... Você não acha? Ele não respondeu e nem olhou para seu lado. - Estou vendo que você também chegou a essa conclusão. É muito melhor enfren- tar a realidade, não é mesmo? Fomos trazidos para cá para nos multiplicarmos. Com essa premissa, acho quase impossível que algum dia sejamos devolvidos à Terra. Russell levantou o olhar e ficou admirado pela calma que leu no rosto dela. - Você parece não estar aterrorizada por esse pensamento. Ela foi sacudida por um calafrio. - Precisa encarar a realidade e saber como aceitá-la. A vida então pode continuar. Aliás, a vida deve continuar. O que aconteceu conosco é horrível e ao mesmo tempo é extraordinário. Não podemos permitir que se torne inútil. - O que é que você quer dizer com isso? - Quero dizer que vamos nos multiplicar. Em nosso grupo há casais e outros estão se formando. - Deu uma gargalhada quase cruel. - Russell, acho que naquele super- mercado tão cômodo e cheio de coisas, não há nenhum estoque de anticoncepcio- nais. Ele apanhou a mão dela num gesto impulsivo e ficou segurando-a. - Anna, você já reparou que essa gente ou essas criaturas nos apanharam da mes- ma maneira em que os biólogos recolhem espécimes? Para eles, nós não passamos de material experimental, e quando a experiência terminar... - Não terminou a sen- tença. - Você quer dizer que o material para experiências não terá mais nenhuma utilida- de para eles? Russell acenou com a cabeça. - Isso é possível -, refletiu Anna. - Mas não acredito que seja provável. De qual- quer maneira, é importante agirmos como se não estivéssemos pensando nisso. De outra forma - de outra forma tudo se tornaria insuportável. - Ainda não é insuportável? - Não. Ele riu. - Acho que você tem uma personalidade muito forte. - Isso é possível. Mas só vou poder me manter forte se... Russell, você me acha atraente? - Acho que você é muito atraente, Anna. - Você deixou uma esposa ou uma família na Inglaterra? - Não. Fiquei tão ocupado sendo um péssimo socialista que não tive tempo de me dedicar a algo assim - criativo. Ela sorriu. - Então agora você poderá ter uma oportunidade. Eu sou uma péssima comunista, mas sou uma mulher muito prática. Não sou virgem, e aprendi a não esperar muito dos homens... Por isso, vou morar com você e vamos aprender a proporcionar um pouco de calor um ao outro. Acho que ambos poderíamos achar agradável a parte sexual, mas não vamos deixar que isso se torne simplesmente uma obrigação. Afinal, existe algo muito mais importante - por exemplo, a amizade. Você concorda? Olhou para ela em silêncio por alguns instantes, com as sobrancelhas arqueadas. Em seguida disse em tom solene: - Anna Markova, eu estou um pouco bêbado, e você é uma mulher extraordinária.- - Então, estamos de acordo. Se por acaso não conseguirmos nos adaptar um ao outro, nossa relação pode ser facilmente desfeita. Não estou me referindo à amizade,
  • 26. é claro. Russell ergueu o copo. - Deus abençoe Karl Marx. Anna se levantou, erguendo seu próprio copo e anunciou, de maneira um pouco misteriosa: - À Rainha! - Bebeu seu whisky e saiu para apanhar suas coisas. Russell Grahame descobriu de repente que já não se sentia mais deprimido e que mais uma vez estava se sentindo confiante. Levou alguns instantes para descobrir como isso tinha acontecido. Então percebeu que já não estava mais sentindo o peso da solidão.
  • 27. 7 Segue um trecho do diário de Robert Hyman: É a décima quinta noite de nossa estada num mundo que Russell achou engraçado chamar de Erewhon. Não acredito que ele tenha lido o livro de Samuel Butler, mas isso não tem importância. O nome é bastante apropriado por muitas razões. Em rela- ção ao resto da raça humana, nós realmente estamos no meio do nada. Alguns entre nós, sem dúvida, irão fazer muita falta e provocar um luto profundo. Para mim é um conforto saber que esse não vai ser meu caso. Eu estava sozinho na Terra e acho que vou continuar sozinho aqui. Afinal, esse é o privilégio de quem é homossexual, mas ao mesmo tempo não tem a coragem de suas próprias convicções. Por algum tempo tive esperanças que Andrew - o coitado do Andrew, o magro e insípido herói daquele péssimo seriado de espionagem da TV - fosse aflito, abençoa- do com as mesmas tendências. Mas não é assim. O coitado do menino não passa de um macho levemente afeminado. Aliás, do jeito que está agora, só Deus sabe se al- guma vez será de alguma utilidade. Nesse momento parece até bastante calmo e quem sabe, daqui a algum tempo estará em condições de sair da camisa de força que tivemos que improvisar para ele. É claro que não poderíamos continuar indefini- damente a cuidar dele. Estou pensando que teria sido melhor para ele se tivesse conseguido cortar sua própria garganta de maneira mais eficiente. Todo mundo está enervado pelas suas frases desconexas a respeito de grandes aranhas metálicas. Pelas poucas coisas coerentes que conseguiu dizer, parece que se levantou durante a noite para dar alguns passos no único pedacinho de rua calçada de nossa mini-cidade-fantasma. Ele afirma ter visto essas criaturas indo para o su- permercado, carregadas de suprimentos - apesar da turma de patrulha não ter per- cebido nada. Só sabemos com certeza que encontramos Andrew no chão, pouco an- tes do dia clarear, deitado na rua rígido como uma tábua, e de olhos arregalados. Ti- vemos que forçá-lo para que se movimentasse. Quando conseguimos isso, ele se fe- chou como uma ostra e não quis falar mais nada. Quando lembramos mais uma vez dele, vimos que estava trancado em seu banheiro, berrando como um louco e ten- tando cortar a garganta com uma lâmina. Conseguiu arrumar uma bela confusão. Acho que temos muita sorte que Marion Redman entenda um pouco de enferma- gem. Andrew não conseguiu se prejudicar muito, mas parecia que ia morrer de he- morragia. E agora o coitadinho está sentado ali, com suas ataduras e dentro da ca- misa de força, girando os olhos arregalados em todas as direções e murmurando a respeito de aranhas carregadas de pacotes de detergente e alimentos enlatados. De qualquer forma, é um verdadeiro mistério de que maneira nossos suprimentos chegam ao supermercado. Mantemos constantemente guardas, mas ninguém viu nada, a não ser Andrew. John Howard se saiu com uma teoria pela qual estaríamos condicionados a não ver. Tore tem uma teoria ainda mais maluca, pela qual nossos guardiões conseguem nos “desligar” todas as vezes que acharem conveniente. Ele
  • 28. acha que eles simplesmente esqueceram de “desligar” Andrew. Assim mesmo, ainda não demos algum passo para nos aproximarmos à solução dos mistérios que nos envolvem. Talvez não estamos fadados a resolvê-los... Essa noite fiz minha confissão. Não sei porque fiz isso. Achei, porém, muito impor- tante agir assim. Talvez seja porque todos parecem estar se juntando em casais e em trios. Tore Norstedt levou Janice e Andrea para seu quarto. Parece que ninguém está ligando. E por que deviam? Mohan das Gupta está tendo um caso violento e tempestuoso com Simone. Parece que ela pretende pintá-lo, enquanto ele só quer fazer amor. A coitada pequena Selene Bergere - céus, que nome impossível! - está cobiçando humildemente e à distância nosso respeitado chefe. John e Mary continu- am calmos e mutuamente devotados e Paul e Marion só brigam quando pensam que ninguém está ouvindo. Gosto muito do Russell. Talvez foi por isso que confessei. Ele é a primeira pessoa após Sammy - e o coitado e querido Sammy morreu há tanto tempo que quase não consigo me lembrar de seu rosto - a quem eu realmente falei no assunto. Pensei que talvez Russell estivesse admirado por eu não tentar querer “consolar” uma das moças. Mas não foi por isso que eu falei. Estava simplesmente com vontade de falar. Ele não ligou a mínima. Só disse, - Robert, meu velho, você está entre amigos. É uma lástima que as coi- sas não possam ser um pouco mais fáceis para você.- Entendi perfeitamente o que ele quis dizer com isso. De qualquer forma, estou acostumado com a solidão. Apesar de duas mortes e de um colapso, e apesar de relatos a respeito de fadas, cavaleiros medievais e selvagens, ainda não sabemos realmente nada de mais positi- vo a respeito de nossa situação, desde a hora em que chegamos aqui. A teoria do zoológico é a mais aceita. Também acho que é a mais razoável. De qualquer forma é inquietante não saber quem está dirigindo esse zoológico! Anna parece estar convencida de que eles querem que nos multipliquemos. Ela é metódica como todos os russos e parece que a ideia não a deixa indignada. Aliás, está ameaçando de presentear Russell com meia dúzia de filhos - tendo o tempo ne- cessário de produzi-los. Tentamos explorar mais um pouco, é claro. Pelo menos, assim fizemos até que An- drew encontrou as tais aranhas. Mas não fomos muito longe, porque Russell insiste para ficarmos todos juntos. Segurança devida à união, e coisas assim. Se os direto- res do zoológico possuem um eficiente sistema de observação, devem estar às gar- galhadas quando nos veem sair para “treinamento no campo”, armados de arcos e flechas, lanças e tacapes rudimentares. De fato, acredito que Russell não está muito interessado em “explorações”, mas simplesmente em treinar-nos e dar-nos mais segurança. Acho que ele deve ter al- gum plano.
  • 29. 8 Eram três horas da tarde, hora de Erewhon. O calor era estafante. Os dias pareci- am estar ficando mais compridos e mais quentes. Havia estranhas sementes pluma- das de capins altos que esvoaçavam pela rua, amontoando-se de maneira desorde- nada, e todos os sinais deixavam concluir que era pleno verão. Russell Grahame estava sentado sobre os degraus de acesso do hotel com uma fo- tografia na mão, observando distraidamente as sementes que se empilhavam contra a inútil Mercedes e o igualmente inútil Saab. Tentou calcular quanto tempo levaria até que ambos os carros ficassem completamente cobertos. As sementes vinham vo- ando em grandes nuvens da savana verde. Algumas pessoas ficaram brevemente afetadas por uma aguda febre de feno, mas parecia que não provocavam outros in- convenientes. Pelo jeito, em alguns dias a estrada toda ficaria coberta por uma ca- mada de duas ou três polegadas de sementes. Russell perguntou a si mesmo se não seria oportuno constituir uma equipe para limpar a rua. Mas estava inquieto, como todos os outros; chegou à conclusão que seria mais oportuno varrer as sementes quando não houvesse mais chegando da savana. Russell não estava sozinho. Andrew Payne, já sem camisa de força, mas ainda cheio de ataduras, estava sentado ao seu lado junto com a morena e infantil Selene Bergere, cuja aparência era curiosamente etérea. Selene contara a todos que seu verdadeiro nome era Jojane Jones. Mas ninguém conseguia pensar nela como Joja- ne. O nome Selene parecia muito mais apropriado. Desde a malograda tentativa de suicídio de Andrew, ela estava cuidando dele. Ape- sar dele estar quase completamente recuperado, ela continuava se preocupando com ele; parecia que entre ambos estivesse se desenvolvendo um comovente relaciona- mento fraternal. A volta de Andrew a um estado quase normal, após dias de ausência alternados com ataques histéricos, era devida em grande parte à fotografia que Russell estava segurando. A fotografia fora obtida com a ajuda de flash. A câmera ficou apontada para a por- ta de entrada com o obturador ligado a um barbante esticado entre duas prateleiras. Paul Redman emprestara a máquina e a colocara em posição. Felizmente estava com dois rolos de filme e uma meia dúzia de bulbos de flash ainda sem uso. Tore Nors- tedt deu o toque final, ligando o barbante do obturador a uma campainha de desper- tador arrumada para a ocasião. Dessa forma foi possível estabelecer exatamente a hora em que foi batida a foto: mais ou menos às duas e trinta da madrugada. A foto mostrava - infelizmente sem muitos detalhes - a silhueta de uma aranha metálica carregando uma caixa cheia de mantimentos, possivelmente para repor o que estava faltando. Dessa forma as palavras de Andrew foram confirmadas e a vista daquela fotografia teve mais efeito do que o melhor dos remédios.
  • 30. Russell observou mais uma vez a foto - talvez fosse até pela vigésima vez. O corpo da aranha parecia não ser maior do que uma bola de futebol, com uma espécie de pequeno copo invertido - possivelmente o mecanismo sensor colocado no topo da esfera. Parecia estar caminhando com quatro pernas providas de muitas juntas, e usando mais quatro braços, também com muitas juntas, para suspender a caixa de mantimentos acima de sua cabeça ou corpo. A máquina - porque evidentemente tra- tava-se de uma máquina - não parecia ter uma altura superior a um metro. - O que é que você acha?- perguntou Andrew, olhando com algo que se parecia com carinho para a foto que o ajudara a encontrar mais uma vez sua sanidade men- tal. - Você acredita que essa coisa é inteligente? - Isso é possível -, admitiu Russell. - Mas na minha opinião há maiores probabilida- des disso ser um robô com controle remoto... O que realmente atrapalha é que so- mos condicionados por conceitos humanos ortodoxos. Afinal, não podemos sabê-lo, mas esse brinquedinho poderia ser até o senhor e dono desse planeta, que poderia ter dominado seus criadores que eram talvez seres biológicos. Assim mesmo, a mi- nha impressão é que se trata simplesmente de um robô - o executor das ordens de um dono elusivo e invisível. Selene estremeceu e se aproximou mais de Andrew que colocou um braço em vol- ta dos ombros dela, com ar de protetor, dando a Russell um motivo de divertimento. - Eu me assusto com muita facilidade, senhor Russell -, ela disse. Apesar dos pro- testos de Grahame, Selene sempre o chamava de senhor Russell, sendo ele o chefe reconhecido do grupo. - Realmente sou muito assustadiça. Que tal se tivesse legiões dessas coisas, só esperando para atacar-nos? Russell deu uma gargalhada. - Se eles quisessem nos atacar, Selene, já o teriam feito antes. Ao contrário, você mesma precisa reconhecer que até agora eles cuida- ram de nós - ou pelo menos, cuidaram para que nada nos faltasse. Fizeram isso de maneira muito eficiente. Pessoalmente acho que a principal tarefa deles é cuidar para que... - Parou. Mohan das Gupta acabava de sair do supermercado e atravessou a rua correndo. - Não tem um maldito cigarro sequer -, anunciou. - Como assim? - Ontem havia pacotes e pacotes de cigarros, e hoje não há nenhum. Grahame refletiu por um instante. - Você tem certeza que ninguém foi buscar ci- garros antes de você? - Hoje é o meu dia de ir buscar mantimentos e coisas -, explicou Mohan. Sorriu. - Quem sabe, alguém está querendo me pregar uma peça.- - Acho que não -, retrucou Russell. - Faz calor demais para qualquer um estar com vontade de brincadeiras.- - Retaliação -, disse Andrew de repente. - É isso: estão retaliando. - Como assim? - Por um momento Russell pareceu não entender. - É simples: as aranhas - ou quem as está controlando - não gosta de gente curio- sa -, explicou Andrew. - Eu vi uma e acabei tendo um caso de loucura temporária, e tentei me suicidar. Você poderia dizer que eu estava assustado, é claro - e eu estava mesmo! - mas não consigo me livrar da suspeita que alguém me ajudou um pouqui- nho para que meu cérebro realmente parasse de funcionar... Agora conseguimos fo- tografar uma dessas aranhas. Elas não conseguiram que a máquina fotográfica tives- se acessos, e por uma razão qualquer deixaram de destruí-la. Em consequência es- tão tentando desencorajar-nos deixando de nos dar algo que consumimos em grande quantidade. - A teoria não deixa de ser interessante -, concordou Russell. - Mas as provas são
  • 31. apenas circunstanciais... De qualquer forma - é bastante plausível... - Pode também ser que a resposta seja ainda mais simples, meu velho -, sugeriu Mohan com um sorriso. - Talvez simplesmente eles estão sem estoque. Talvez lá na base deles ninguém estava pensando que todos nos tornaríamos fumantes. Teve um engraçado estremecimento. - Mas que dia mais infernal! É uma caminhada e tanto até o mais próximo charuteiro. - Temos uma possibilidade de averiguar isso -, Russell disse lentamente. - Bastaria colocar mais uma vez a máquina e ver se Andrew está certo. Os olhos de Mohan brilharam em seu rosto escuro. Levantou as mãos num gesto de horror. - Devagar, meu caro, devagar! Dessa maneira eles seriam capazes de cortar nosso suprimento de gim! Selene segurou o braço de Andrew sacudindo-o: - Olhe! - gritou, apontando para o fim da rua. - Oh, meu Deus, meu Deus! O que é isso? Uma figura estranha aparecera de repente, destacando-se do verde brilhante da savana que lhe servia de pano de fundo. Começou a caminhar cambaleando como um bêbado, aproximando-se pelo curto trecho de rua que os estava separando. - Agora estou pronto para acreditar em qualquer coisa -, disse Russell com a voz tensa. - Gunnar estava certo. No fundo de nosso jardim realmente há fadas e cava- leiros.
  • 32. 9 A criatura que aparentava ser um cavaleiro se encontrava visivelmente em péssi- mas condições. Estava usando somente uma couraça sobre o peito, que parecia ser de bronze, calções de couro e um jaleco. Parecia ter perdido seu capacete com visor e também não havia sinal de sua cavalgadura. O rosto que parecia composto de traços mongóis e negroides estava manchado de sangue. O calção e o jaleco embaixo da couraça metálica estavam molhados e ver- melhos. Era claro que estava bastante machucado. Tinha, porém forças suficientes para segurar com a mão direita uma espécie de espada. O pequeno grupo nos degraus do hotel ficou imóvel, como que petrificado. O cava- leiro continuou a cambalear em direção a eles. Mantinha os olhos arregalados e imó- veis, mas sem enxergar nada em sua volta. Talvez estivesse preocupado com coisas que só ele estava conseguindo ver. Apesar de estar sentado e imóvel, à espera do que pudesse acontecer, o cérebro de Grahame estava trabalhando com a rapidez de um relâmpago. Tudo parecia estar acontecendo em câmera lenta, tanto assim que conseguiu registrar todos os meno- res detalhes da aparência do cavaleiro. Viu os rasgos na roupa de couro, os hemato- mas, os fragmentos de terra e os fios de capim grudados nas roupas, na armadura e no rosto. Teve a impressão de estar vendo o sangue jorrar dos ferimentos ocultos - e até de estar ouvindo as batidas dolorosas do coração do homem ferido. O cavaleiro continuava avançando em direção ao hotel. A cada três ou quatro pas- sos esboçava um gesto com a mão que segurava a espada, como querendo atingir um inimigo invisível. De repente, sem saber se já tinha passado meio século ou só dez segundos, Gra- hame se controlou, levantou-se e caminhou em direção à estranha criatura. O cavaleiro percebeu sua presença. Estacou e ficou ondulando, como quem está prestes a cair. Com um esforço terrível conseguiu focalizar Russell, mas o que viu pa- receu não inspirar-lhe nenhuma confiança. Tentou erguer a espada, quase perdeu o equilíbrio e fez logo outra tentativa. Mas foi inútil. Murmurando um palavrão entre os dentes apoiou a ponta da espada na superfície do calçamento e usou a arma como se usa uma muleta. Tossiu com evidente esforço e cuspiu em direção de Russell. Com um último e pe- noso esforço conseguiu erguer a espada. - Adiante -, pronunciou com voz sufocada, mas em excelente inglês. - Para trás, demônio, papão, duende, diabo, bruxo, espírito do Mal. Eu o ordeno, em nome da Rainha branca e da Rainha preta! Volte para as entranhas da terra que são seu reino! Russell ficou imóvel. Compreendeu que a situação era idiota, mas conseguiu pen- sar e dizer só uma única palavra: - Paz. - Paz!- berrou o guerreiro com desdém. - Paz! Estás querendo zombar de mim por- que estou fraco! Pois morrerás, miserável, sabendo que Absumes Marur está muito
  • 33. ferido, pois de outra forma não terias a honra de ser transpassado com a espada! O cavaleiro tentou investir contra ele e Russell deu um passo para o lado. Foi um movimento inútil porque o arremesso do cavaleiro não poderia chegar até o fim. Era evidente que a estranha aparição já não tinha mais um pingo de energia. Sem emitir mais um som caiu, batendo o rosto no chão. Russell virou-o delicadamente. Em sua extrema palidez, o rosto do homem parecia quase branco. E era muito jovem.
  • 34. 10 Absumes Marur, senhor do clã Marur, gonfaloneiro das torres ocidentais, auriga das caravanas da pimenta vermelha, guardião do falcão real e suserano eleito das terras desconhecidas, ficou inconsciente durante dois dias num dos quartos do hotel que Mohan das Gupta chamava zombando de Erewhon Hilton. Seus ferimentos eram pro- fundos, mas nenhum deles era mortal. Se ele fosse uma criatura terrestre, possivel- mente teria morrido de choque, infecção e hemorragia. Mas, qualquer que fosse sua origem, Absumes Marur não era um homem da Terra. No fim da tarde do terceiro dia a febre baixou e ele abriu os olhos. Marion Redman cuidara dele durante quase todo aquele tempo. Limpara os feri- mentos, colocara compressas frias sobre sua testa que ardia pela febre e fizera o possível para que ele se sentisse confortável. Durante todo esse tempo John Howard e Tore Norstedt foram para o norte, o sul, leste e oeste, agindo como batedores, para ver se era possível travar contato com os companheiros do homem ferido. Mas não acharam ninguém. Grahame ainda por cima não queria que se afastassem mais do que três ou quatro quilômetros de cada vez, por razões que eram mais do que óbvias. Se os amigos, ou talvez os inimigos, do cavaleiro quisessem aparecer de re- pente e tivessem uma disposição à truculência, o problema poderia se tornar muito sério. Grahame estava no quarto quando Absumes Marur recobrou os sentidos. - Não se mexa -, Grahame disse com voz calma. - Aqui ninguém quer lhe fazer mal algum. Você esteve quase à morte. Quando você estiver melhor e tiver descansado o suficiente, vamos acompanhá-lo até sua casa - se você assim o quiser... Naturalmen- te, se formos capazes de descobrir onde você mora. O homem deitado na cama virou os olhos e estremeceu. Apalpou o peito, procu- rando sua couraça, mas Marion já a havia tirado no primeiro dia, cortando as correias que a firmavam. Procurou sua espada, mas também não a achou. Grahame percebeu que ele não estava à vontade, e pensou que talvez se sentisse nu sem toda aquela parafernália. Teve um rasgo de intuição e tirou a espada do ar- mário onde se encontrava, colocando-a sobre a cama, de forma que o cavaleiro pu- desse apoiar a mão sobre o cabo. Recebeu um olhar cheio de gratidão. - Não sei se você é homem, fantasma ou demônio -, o homem falou em seguida, de maneira curiosa. - Gostaria porém de saber seu nome, sua linhagem e seus títu- los. Deitado aqui, cheio de vergonha perante si mesmo e perante vocês, está Absu- mes Marur, senhor do clã Marur. - Muito prazer -, respondeu Grahame cauteloso. - Meu nome é Russell Grahame. - Você é o senhor de seu clã? - Não estou entendendo.- Absumes Marur ainda estava muito fraco e estava começando a se cansar de ma- neira evidente. Estava porém decidido a saber o mais possível a respeito das circuns- tâncias em que se encontrava.
  • 35. - Essa mulher -, continuou em voz fraca, - ela é sua mulher? - Não. Ela não é minha mulher.- O cavaleiro suspirou. - Nesse caso não pretendo falar com você. Chame o senhor de seu clã. Marion foi a primeira a entender o que ele queria. - Russell, ele só quer saber se você é nosso líder. Pelo amor de Deus, tranquilize o coitado antes que sua febre volte a subir. - Eu sou o líder eleito de meu povo -, disse Grahame. - Espero que você com- preenda isso. Nós não temos um clã, como você acredita, mas talvez você entenda que eu sou o chefe entre os meus companheiros e amigos. Absumes Marur teve um breve sorriso. - Pois então você é o senhor de seu clã. Fique sabendo que suas armas poderão se cruzar condignamente com as minhas, quando estarei mais uma vez em condições de erguer minha espada. - Não tenho a menor intenção de lutar com você -, disse Grahame. - Nem agora e nem nunca. - Mas é sua obrigação! - Não é minha obrigação coisa nenhuma. Minha obrigação é levar você até sua casa quando estiver mais uma vez em condições de viajar. O cavaleiro estremeceu mais uma vez. Fez um esforço violento para se controlar. - Sou gonfaloneiro das torres ocidentais, auriga das caravanas da pimenta verme- lha, guardião do falcão real e suserano eleito das terras desconhecidas -, anunciou com bastante orgulho. - Quem tiver a ousadia de me espezinhar poderia, quando chegar a hora, precisar de muitos esquadrões de lanceiros para defendê-lo. - Ninguém está querendo espezinhar você -, Grahame explicou com muita paciên- cia. - Meus companheiros e eu só queremos ajudá-lo... Se for preciso lutar, então lu- taremos; mas preferimos viver em paz. Queremos ser seus amigos. Queremos tam- bém que você e seu povo sejam nossos amigos. Agora descanse, Absumes Marur. Ninguém vai lhe fazer mal algum. O cavaleiro estava respirando com dificuldade e sua testa estava coberta de suor. - Qual é sua linhagem?- perguntou. - Não tenho linhagem nenhuma. Absumes Marur soltou um gemido. - Pelo amor de Deus, Russell - protestou Marion. - Diga alguma coisa! O coitado está quase fundindo a cuca pela angústia. - Mas minha querida -, retrucou Grahame, - não foi mesmo Oscar Wilde quem dis- se que estávamos separados pela barreira de um idioma comum? Esse sujeito parece estar falando inglês - mas nós sabemos que não é assim, e seus lábios se mexem de forma diferente. Acredito que ele também teve a sua cabeça manipulada, da mesma forma que nós. Estamos nos comunicando, mas a dificuldade consiste no fato que os conceitos dele são completamente estranhos - medievais, suponho eu. - Sua linhagem!- berrou Absu mes Marur desesperado. Russell encolheu os ombros. - Está bem. Lá vai.- Virou-se para o cavaleiro. - Sou Russell Grahame, Membro do Parlamento -, anunciou solenemente. - Sou a Voz do Povo da Rainha, autor dos de- cretos reais, condecorado com a estrela de 1939-1945 e sócio do Real Automóvel Clube. Absumes Marur acenou com a cabeça, cheio de entusiasmo, mas era evidente que não estava entendendo nada. - Então é verdade que você é o senhor de seu clã?
  • 36. - Pois assim seja. Eu sou o senhor de meu clã... Mas você e eu chegamos para cá de mundos diferentes. Tente compreender isso. Meu povo e eu chegamos de um mundo que se encontra além das estrelas e do outro lado do sol. Chegamos aqui de uma forma que eu... Absumes Marur que o estava fitando de olhos arregalados soltou um grito agudo e mergulhou mais uma vez no conforto proporcionado pela perda da consciência.
  • 37. 11 Passaram-se vários dias antes que os ferimentos de Absu mes Marur se cicatrizas- sem o suficiente para ele conseguir se levantar da cama. Durante esse tempo Russell Grahame e Absumes Marur conversaram muito, trocando uma grande quantidade de informações a respeito deles próprios e a respeito dos mundos muito diferentes dos quais vinham. Grahame se encontrava numa posição de vantagem, pois fora criado numa sociedade tecnológica e emocionalmente muito sofisticada. Podia, por isso, compreender ideias e conceitos que estavam fora do alcance do outro, cuja cultura poderia ser comparada mais ou menos, pelo que Grahame estava vendo, à do perío- do do obscurantismo europeu. Russell Grahame e seus companheiros não conseguiam, porém, se conformar com o fato surpreendente de Absu ser indiscutivelmente humano. Apesar de sua familiari- dade com os inícios da exploração espacial e com os preparativos para viagens inter- planetárias que estavam sendo feitos na Terra, Grahame nunca pensara muito nas possibilidades extraordinárias que essas viagens poderiam proporcionar. Imaginara que esse tipo de jornada teria que ser necessariamente limitada ao sistema solar, pois as distâncias entre as estrelas eram tão vastas que não poderiam ser superadas com métodos “convencionais” de locomoção. Ele e seus companheiros, porém, receberam de forma bastante dramática a confir- mação de que as viagens interplanetárias eram possíveis e podiam ser feitas com uma certa facilidade. Entretanto, os terrestres estavam inconscientes durante seu se- questro, e não tinham por isso a possibilidade de saber quanto tempo tinham levado para chegar em Erewhon. Poderiam ter ficado em seus caixões plásticos durante al- guns minutos - ou durante séculos, - submetidos a alguma espécie de suspensão temporária de vida. Talvez algum dia seus sequestradores poderiam decidir revelar suas identidades e explicar o mecanismo e o propósito do sequestro, mas por en- quanto nada havia de positivo; estavam só fazendo todo tipo de conjeturas. Após um grande número de discussões ficou claro que os terrestres não eram os únicos a se encontrar, confusos e isolados, longe do mundo que conheciam. Absumes Marur e quinze companheiros chegaram em Erewhon de maneira muito parecida à deles. A diferença estava no fato deles não terem sido sequestrados de um avião em pleno voo, mas de uma caravana em movimento, composta de mercadores, guerrei- ros, mulheres e animais de carga que transportavam a preciosa pimenta vermelha desde o Reino de Ullos até o Reino Superior e ao Reino Inferior de Gren Li. Grahame tinha certeza absoluta que esses reinos descritos por Absu com fartura de pormenores não podiam existir em parte nenhuma de planeta algum dentro do sistema solar. Sabia o suficiente a respeito do sistema solar para ter certeza que so- mente a Terra, o terceiro planeta, apresentava condições favoráveis à evolução da vida humana. Assim mesmo, Absumes Marur, cujo planeta de origem devia pertencer a uma es- trela desconhecida, era definitivamente humano. Na Terra sua aparência daria a im-
  • 38. pressão dele ser o resultado de uma mistura de sangue asiático e africano. Ele, po- rém não era da Terra, e nem do sistema solar. E assim mesmo, era humano. Quanto mais tempo passava, mais Grahame se convencia que Absumes Marur e seu povo acabariam por se revelar também geneticamente compatíveis com os homens e as mulheres da Terra. Lembrou-se, preocupado, da promessa de Anna Markova de dar-lhe filhos. Se os acontecimentos continuassem a se desenrolar satisfatoriamente - ou talvez insatisfa- toriamente - dentro dessa situação deveras fantástica, a pobre Anna e as outras mu- lheres do grupo talvez tivessem que encarar a possibilidade de ter que enfrentar coi- sas que ninguém, no momento presente, poderia imaginar. Absu não foi de muita ajuda no que dizia respeito a suas origens. Apesar do horror e da vergonha que manifestara no começo, e que deviam ser a resultante de estra- nhos tabus e costumes esquisitos, ele acabou confiando em Grahame e aceitando sua amizade. - Vamos conversar, Absu -, falou Grahame uma manhã, vendo que o cavaleiro es- tava bem disposto e capaz de se sentar na cama e se concentrar. - Acho que precisa- mos discutir um certo número de coisas. - Estou disposto a conversar com o Sir Grahame -, respondeu Absu calmo, - se o Sir Grahame me declarar, com suas mãos cruzadas sobre a testa e sobre o coração, jurando pelo manto sagrado, que não haverá engano ou traição em suas palavras. Grahame, sentindo-se bastante ridículo, colocou as mãos sobre a testa e sobre o coração. - É assim que você quer? Absumes Marur acenou com a cabeça: - Este é o costume. - Eu juro -, proferiu Grahame em tom solene, - pelo manto sagrado, que não há engano e não há traição nas minhas palavras. Juro também que eu e meus compa- nheiros não alimentamos qualquer inimizade pelo Sir Absumes Marur e seu povo. - É um juramento muito generoso, Sir Grahame. - Meu primeiro nome é Russell, e acho que o seu é Absu. Você acha apropriado que em nossas conversas nós nos chamemos dessa forma? - Sim, mas só após estabelecermos o vínculo. - De que forma vamos estabelecer este vínculo? Absumes Marur sorriu: - Com uma espada, uma lança ou uma adaga colocada so- bre nossas gargantas. Entre senhores de clãs é mais apropriado usar uma espada. - Não tenho nenhuma espada, mas desejo estabelecer este vínculo.- Olhou para a espada deitada sobre a cama de Absu e que estava ali desde o momento em que ele mesmo a colocara. - Você não acha que poderíamos fazer isso com uma única espa- da? - Essa modalidade já foi usada -, admitiu o cavaleiro. - Mas só aconteceu nos cam- pos de batalha. - Meu amigo -, observou Grahame sério, - acho que na situação em que nos en- contramos, podemos considerar-nos num campo de batalha. - Assim seja -, disse o cavaleiro. - E que o sangue jorre agora! Com um movimento de agilidade surpreendente num homem ferido e deitado numa cama, Absumes Marur agarrou a espada, inclinou-se para frente e apoiou leve- mente a ponta na garganta de Grahame. Grahame percebeu que um filete de sangue estava a lhe escorrer pelo pescoço. Olhou ao longo da afiadíssima lâmina e encontrou os olhos ferozes do homem que com um leve movimento de sua mão poderia terminar sua vida para sempre. Não se