Denúncias mostram que jovens atletas de grandes clubes brasileiros também são vítimas de abuso sexual. Muitos casos acabam em acordos antes do julgamento devido à pressão no meio do futebol. Os clubes dizem ter estruturas de apoio, mas na prática nem sempre é o que ocorre.

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Editor: Leonardo Cavalcanti
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8 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, sábado, 11 de agosto de 2012
VIOLÊNCIA VELADA EM
GRANDES CLUBES DO PAÍS
Denúncias mostram que jovens atletas de times de renome nacional também são vítimas de abuso e exploração sexual.
Em muitos dos casos, os processos acabam em acordos e termos de compromisso antes mesmo de serem julgados
» JULIANA BRAGA E RENATA MARIZ (TEXTOS)
» IANO ANDRADE (FOTO) LEI GARANTE
ão só em campinhos do interior
BEM-ESTAR
N do país, quando ser um astro
dos gramados ainda é um sonho
distante, o drama do abuso se-
xual está presente. A violência também
O desporto na infância e na
adolescência é regulamentado
ocorre em escolinhas e categorias de ba- pela Lei Pelé, de 1998, que, embo-
se da elite do futebol brasileiro. Além do ra não trate especificamente do
medo de serem mandadas embora de abuso sexual, exige dos clubes
um grande clube, contribui para o silên- uma estrutura de suporte para o
cio das vítimas o receio de não serem le- bem-estar dos jovens. Os times
vadas a sério. Poucas denúncias que alegam manter assistentes so-
saem da invisibilidade — muitas das ciais e psicólogos para detecta-
quais abafadas posteriormente devido a rem esse tipo de violência a partir
pressões inerentes a uma atividade que de uma relação de confiança. So-
movimenta bilhões no Brasil — mos- mente este ano, a Confederação
tram que o problema existe, a despeito Brasileira de Futebol (CBF) se
de às vezes ser tratado como folclore. dispôs a fiscalizar as equipes e
No Grêmio, uma denúncia de abuso dar um selo aos que atendem aos
sexual estourou em 2009, quando meni- requisitos. Porém, a CBF ainda
nos da categoria sub-13 criaram coragem desconhece o número de jogado-
para reclamar, depois de meses adiando res nas categorias de base e, dos
a decisão. “A gente falava entre a gente. 650 times profissionais do país,
Ficava pensando se alguém ia acreditar somente seis conquistaram o tí-
em nós”, diz Maurício*, em depoimento tulo de Clube Formador.
anexado ao processo obtido pelo Cor- Fernando Simone, gerente das
reio. Segundo trechos do documento, o categorias de base do Fluminense
menino, que morava sozinho no aloja- — que acolhe 93 atletas, entre
mento do clube em Porto Alegre, porque eles, 70 moram no clube —, des-
a família era do interior do estado, que- taca a existência de uma ouvido-
brou o silêncio durante uma viagem a O sonho de ser um astro de futebol: crianças que conseguem chegar às categorias de base de grandes times também estão sujeitas a abusos ria para receber denúncias, inclu-
Alegrete (RS) para um campeonato. sive de violência sexual. “Até hoje,
Na ocasião, o então coordenador téc- graças a Deus, não houve relatos”,
nico das categorias de base do tricolor Para a promotora, que só atuou na enquanto o médico do Grêmio não che- caso mais rumoroso, envolvendo um di- afirma Fernando. O Grêmio, com
gaúcho, José Alzir Flor da Silva, teria vol- esfera administrativa do caso, o mais gava”, contou um treinador, no processo. rigente do Flamengo, acabou arquivado. 240 atletas em categorias de base,
tado a tocar os garotos enquanto eles chocante foi constatar a cumplicidade Depois de 20 anos de casa, o treinador Segundo a assessoria de imprensa do mantém 14 profissionais, como
dormiam, como costumava fazer. Mas que o abusador encontrava dentro do foi demitido do time e, atualmente, res- MP do Rio, a vítima negou a violência, le- pedagogos, educadores e moni-
Maurício estava disposto a acabar com a clube. “Todos da categoria de base fo- ponde a processo na Justiça por crime vando o processo a ser extinto. tores, segundo Marco Biasotto,
situação. Ele conta, em seu depoimento, ram praticamente unânimes em dizer sexual contra menor de idade, agravado coordenador-geral da área.
que após o coordenador ter se mastur- que os meninos já haviam relatado os pelo fato de que exercia, na época, auto- Suspeitas No Santos, clube que revelou
bado tocando-o, ele levantou da cama e fatos”, diz. Os funcionários estranha- ridade sobre a vítima, na condição de grandes craques como Neymar e
avisou: “Eu vi o que tu fez e eu vou contar vam que Alzir preferisse dormir no aloja- coordenador técnico da base. A reporta- No Ministério Público Federal de São Robinho, até a escola onde os garo-
para minha mãe e para o diretor”. Alzir, mento dos garotos em vez de usar as aco- gem tentou contato com Alzir, por meio Paulo, a denúncia chegou de uma mãe tos estudam está no Centro deTrei-
por sua vez, teria retrucado: “Volte a dor- modações da equipe técnica. Ele tam- de seu advogado, mas não obteve retor- que, após ver seu filho dispensado do Co- namento Rei Pelé. Victor Andrade,
mir que tu está sonhando”. “Não estou bém pedia para ver a genitália dos meni- no. Enquanto os detalhes do caso do rinthians por ter sofrido uma lesão, deci- 16 anos, trocou o Benfica, em Por-
sonhando e eu sei que isso é grave”, res- nos para medir a “maturação”. “Fazia isso Grêmio convenceram o MP gaúcho a diu quebrar o silêncio. Ela percebeu mu- tugal, onde treinava, para voltar pa-
pondeu. O incidente da madrugada foi dizendo que era para não perder tempo oferecer denúncia, no Rio de Janeiro o danças no comportamento do jovem, e ra o Brasil e ficar perto da família.
repassado, logo de manhã, a um estagiá- depois de muita conversa, o menino fa- “Aqui a estrutura é semelhante à de
rio por quem os garotos tinham amizade lou. Evanir Jesus de Moraes, o Vando, ge- lá, não deixa a desejar. E, além da
e confiança. Tempos depois, o caso ex- rente de Futebol amador do clube, levava praia, eu posso ficar perto da mi-
“
trapolou as paredes do Grêmio, chegan- os atletas de base para o sítio que tinha nha mãe, da minha família”, conta.
do aos pais e às autoridades. em Indaiatuba e, nas festinhas que orga- A procuradora de Justiça Lau-
Fernando Borges/Divulgação
Laudos assinados por psicólogos e nizava, cometia os abusos. ra Bueno, especialista na área dos
psiquiatras do Ministério Público (MP) Nunca vi, mas já ouvi falar. A gente sabe Integrantes do Ministério Público direitos da criança e do adoles-
do Rio Grande do Sul apontam que os que isso, às vezes, acontece. A criança, o relatam que, com a certeza da impuni- cente, pondera que nem sempre
depoimentos dos meninos atenderam dade, Vando foi se tornando cada vez o atendimento previsto no papel
aos critérios de veracidade. “Precisáva-
jovem, fica com receio e acaba não menos cuidadoso e, quando o time foi ocorre na prática. “É preciso sa-
mos ver se não era uma forma de tirar denunciando. Não é uma coisa acionado, se prontificou a resolver a si- ber se o psicólogo, o assistente
aquele funcionário do clube”, lembra a frequente, mas é algo comentado tuação. Foi firmado um termo de com- social, entre outros profissionais,
promotora DeniseVillela, que firmou um promisso em que o clube paulista se de fato atuam dentro dos clubes.
termo de compromisso operacional com comprometeu a afastar Vando e a me- Posso dizer que são poucas as
”
o Grêmio determinando algumas regras. lhorar a estrutura da base do time. O agremiações que cumprem os di-
“Um exemplo é que o clube não admita abusador não chegou a ser preso. reitos do jovem atleta, em todos
em seus quadros quem responde por cri- os sentidos.”
Raí, ex-jogador
me envolvendo criança e adolescente.” *Nome fictício em respeito ao ECA
A série Quando a
infância perde o jogo foi
vencedora da Categoria
Impresso do Leia amanhã como agem os abusadores
Fernando Lopes/CB/D.A Press
VI Concurso Tim Lopes
de Jornalismo Visite o hotsite especial sobre a série de reportagens em
Investigativo, realizado www.correiobraziliense.com.br
pela Agência de Notícias
da Infância (Andi) e
Childhood Brasil, com o
apoio do Unicef, da OIT,
da Fenaj e da Abraji.
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