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                                                                                                                                                                                                                                              Editor: Leonardo Cavalcanti




Brasil
                                                                                                                                                                                                                                                    brasil.df@dabr.com.br
                                                                                                                                                                                                                                      3214-1104/ 1186/ 1293 • 3214-1155




14 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, domingo, 12 de agosto de 2012




     A abordagem é a
      mesma: eles se
 aproximam e prometem
                                                   JOGADABASEADA                                                                                                                          aniversário dos meninos, estava sempre
                                                                                                                                                                                          na vizinhança”, conta Joana, 32 anos.
                                                                                                                                                                                          “Comecei a entender o motivo de tantos
                                                                                                                                                                                          presentes, até uma bicicleta ele deu para




                                                    NACONFIANÇA
                                                                                                                                                                                          o Henrique. Eu achava que fosse porque
                                                                                                                                                                                          ele era sozinho e gostava da gente.”
  um futuro de sucesso.                                                                                                                                                                       Questionado pela mãe, o filho mais
                                                                                                                                                                                          velho negou qualquer abuso. O mais no-
   Famílias acreditam e                                                                                                                                                                   vo, Henrique, que conviveu com o pedó-
                                                                                                                                                                                          filo dos 7 aos 8 anos, quis chorar quando
  entregam seus filhos a                                                                                                                                                                  Joana perguntou se o professor já havia
                                                                                                                                                                                          tocado em suas partes íntimas. Nervosa,
    abusadores. Para                                                                                                                                                                      a criança respondeu: “Eu também vou
 especialistas, o medo de                                                                                                                                                                 ser preso?”. Depois que Joana explicou
                                                                                                                                                                                          que nada aconteceria com ele, Henrique
 não concretizar o sonho                                                                                                                                                                  confirmou os abusos. “Ele entrou na mi-
                                                                                                                                                                                          nha casa, ganhou minha confiança para
faz o silêncio predominar                                                                                                                                                                 fazer uma coisa dessas”, revolta-se.
                                                                                                                                                                                              Assim como Joana, outros pais do Co-
                                                                                                                                                                                          libri, bairro de Campo Grande afastado
                                                                                                                                                                                          do centro, acreditaram nas boas inten-
»JULIANABRAGAERENATAMARIZ(TEXTOS)                                                                                                                                                         ções do professor, preso em flagrante.
» IANO ANDRADE (FOTO)                                                                                                                                                                     “Ele vinha a nossa casa para convidar os
                                                                                                                                                                                          meninos. Pegava fotos, tinha ficha de ins-
       les se aproximam com promessas.                                                                                                                                                    crição, tudo direitinho. A gente nunca ia

E      Geralmente, procuram filhos de
       famílias humildes, garotos que
       veem na carreira desportiva não só
o sonho de viver de futebol, mas tam-
                                                                                                                                                                                          imaginar uma coisa dessas”, afirma Mara,
                                                                                                                                                                                          mãe de outro garoto que treinava com
                                                                                                                                                                                          Martins. A impressão de seriedade da es-
                                                                                                                                                                                          colinha modesta, que cobrava pequenos
bém de ascensão social. Vêm com pre-                                                                                                                                                      valores e funcionava em um campinho
sentes, alimentam a expectativa de o                                                                                                                                                      público, compensava a falta de grandes
menino se tornar um ídolo e, depois de                                                                                                                                                    craques revelados pelo treinador.
conquistada a cumplicidade das crian-                                                                                                                                                         Além do mais, Martins estava sempre
ças e o respeito da família, a violência co-                                                                                                                                              pronto a ajudar as famílias, inclusive fi-
meça. Em todo o país, os abusadores                                                                                                                                                       nanceiramente. “Teve um mês que ele
que atuam no esporte agem da mesma                                                                                                                                                        pagou meu aluguel”, diz Joana. A relação
maneira. Aproveitam-se dos sonhos, das                                                                                                                                                    próxima inibe os garotos de denuncia-
fragilidades e do medo de um estigma.                                                                                                                                                     rem a violência. Principalmente quando
    Favores financeiros são uma das for-                                                                                                                                                  têm pouca idade, explica a psicóloga Mô-
mas que os pedófilos usam para garantir                                                                                                                                                   nica Café, especialista no tema, as víti-
a confiança da família. Esmeralda estra-                                                                                                                                                  mas não conseguem compreender a di-
nhou quando o vizinho Osvaldo Guides                                                                                                                                                      mensão do abuso.“Isso causa muita con-
Camargo, o Bozó, se ofereceu para levar                                                                                                                                                   fusão na cabeça das crianças, porque
o filho de 11 anos, Guilherme, para trei-                                                                                                                                                 embora ela possa se sentir invadida e im-
nar na escolinha onde lecionava em So-                                                                                                                                                    potente, as zonas erógenas do corpo
rocaba (SP). “Disse que não tinha di-                                                                                                                                                     quando manipuladas dão prazer. E aí a
nheiro para pagar as aulas, mas ele disse                                                                                                                                                 personalidade pode ficar muito mexida.”
que levaria de graça”, conta Esmeralda.
Surpreendeu-se quando o menino co-                                                                                                                                                        Em respeito ao ECA, os nomes dos
meçou a aparecer com pequenas quan-                                                                                                                                                       personagens citados são fictícios
tias em casa — entre R$ 5 e R$ 10. “Fui
perguntar pro Bozó que dinheiro era
aquele e ele disse que era porque meu fi-
                                                                                                                                                                                                Carlos Moura/CB/D.A Press - 31/5/12




lho tinha ajudado a lavar o carro. Eu
mandei o Guilherme devolver. Quem
tem que dar dinheiro para ele sou eu.”
Ainda assim, não desconfiava de abusos.
    O alerta veio de um sobrinho de Es-
meralda que havia treinado na escolinha
e não gostava de Bozó. Depois de per-
guntar e insistir, o garoto relatou os abu-
sos. Os encontros eram no haras em que
ocorriam as aulas e na casa do professor.
Participavam, além de Guilherme, outros
dois meninos da mesma idade. Bozó se




                                                                                                                                                                                                                                           “
tocava enquanto mandava as crianças
fazerem sexo oral uma nas outras. Além
da prática, o treinador também obrigava                                                                                                                                                            Alguns jovens
os meninos a darem banho nele.
    Essa forma de abuso, além de cruel,                                                                                                                                                     infelizmente se prestam a
não deixa marcas físicas. Os exames rea-                                                                                                                                                       algumas coisas para
lizados pelo Instituto Médico Legal não
encontraram sinais de violência sexual,                                                                                                                                                        poder jogar no time,
mas, para a titular da Delegacia da Mu-                                                                                                                                                        receber um pouco de
lher de Sorocaba, Ana Luiza Salomone,                                                                                                                                                            dinheiro e treinar.
não há dúvidas a respeito do crime.“Hoje                  Joana não acreditou quando o homem que frequentava a casa e dava aulas para seus filhos foi preso por abuso sexual
os juízes já entendem que a ausência de                                                                                                                                                           O responsável, o
lesões não significa que não houve o                                                                                                                                                              treinador, estão
abuso. Até porque algumas denúncias só             do abuso em si, mas também as circuns-         Nesse contexto, existe ainda a posição     Descrença
são feitas depois de um tempo”, explica.           tâncias de construção da masculinida-       de autoridade dos professores. “É tudo                                                       totalmente errados e têm
    Esse tempo é ganho, principalmente,            de”, pontua. Quando os jovens atletas       muito cruel, muito vil. Ele cresce na auto-       A incredulidade tomou conta de Joa-              que ir pra cadeia
pelo medo de os garotos admitirem a                precisam sair de casa atrás da carreira,    ridade para cima dessas crianças que, de      na quando um homem preso por pedo-




                                                                                                                                                                                                                                           ”
agressão. A ministra da Secretaria de Di-          tornam-se presas indefesas. “A ida para     alguma maneira são indefesas e acredi-        filia, ano passado, apareceu em um pro-
reitos Humanos, Maria do Rosário, expli-           outras cidades, sob a responsabilidade      tam que ele é capaz de realizar um so-        grama da televisão sul-mato-grossense.
ca que, no caso de meninos, o relato pas-          de outros adultos, é preocupante. Não       nho”, explica a delegada Ana Luiza. “A        “Não consegui acreditar”, lembra a ma-                      Romário,
sa ainda por tabus relacionados à sexuali-         deixa de ser uma forma de agenciamento      ameaça de não viabilizar suas carreiras       nicure de cabelos oxigenados. O rosto              deputado federal e ex-jogador
dade.“Estamos lidando com uma dimen-               a busca do menino na periferia de uma       serve como garantia de silêncio. Que me-      era de José Martins, professor de futebol
são cultural perversa, em que o que está           grande cidade ou no interior, para dizer    nino não quer ser jogador de futebol          de seus dois filhos, também considera-
colocado em questão não é só a situação            que ele vai ser um craque em um time.”      num clube grande?”                            do um amigo. “Fazíamos churrasco no



                       A série Quando a
                       infância perde o jogo foi
                       vencedora da Categoria
                       Impresso do                                                                                                                                         Leia amanhã sobre a falta de
                                                                                                                                                                                                                                                                        Fernando Lopes/CB/D.A Press




                       VI Concurso Tim Lopes
                       de Jornalismo
                                                                                                                                                                  fiscalização nos clubes e escolinhas
                       Investigativo, realizado                                                                                                             Visite o hotsite especial sobre a série de reportagens em
                       pela Agência de Notícias
                       da Infância (Andi) e                                                                                                                                       www.correiobraziliense.com.br
                       Childhood Brasil, com o
                       apoio do Unicef, da OIT,
                       da Fenaj e da Abraji.




                                                                             CMYK

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Abusadores se aproveitam da confiança em promessas de sucesso no esporte

  • 1. CMYK Editor: Leonardo Cavalcanti Brasil brasil.df@dabr.com.br 3214-1104/ 1186/ 1293 • 3214-1155 14 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, domingo, 12 de agosto de 2012 A abordagem é a mesma: eles se aproximam e prometem JOGADABASEADA aniversário dos meninos, estava sempre na vizinhança”, conta Joana, 32 anos. “Comecei a entender o motivo de tantos presentes, até uma bicicleta ele deu para NACONFIANÇA o Henrique. Eu achava que fosse porque ele era sozinho e gostava da gente.” um futuro de sucesso. Questionado pela mãe, o filho mais velho negou qualquer abuso. O mais no- Famílias acreditam e vo, Henrique, que conviveu com o pedó- filo dos 7 aos 8 anos, quis chorar quando entregam seus filhos a Joana perguntou se o professor já havia tocado em suas partes íntimas. Nervosa, abusadores. Para a criança respondeu: “Eu também vou especialistas, o medo de ser preso?”. Depois que Joana explicou que nada aconteceria com ele, Henrique não concretizar o sonho confirmou os abusos. “Ele entrou na mi- nha casa, ganhou minha confiança para faz o silêncio predominar fazer uma coisa dessas”, revolta-se. Assim como Joana, outros pais do Co- libri, bairro de Campo Grande afastado do centro, acreditaram nas boas inten- »JULIANABRAGAERENATAMARIZ(TEXTOS) ções do professor, preso em flagrante. » IANO ANDRADE (FOTO) “Ele vinha a nossa casa para convidar os meninos. Pegava fotos, tinha ficha de ins- les se aproximam com promessas. crição, tudo direitinho. A gente nunca ia E Geralmente, procuram filhos de famílias humildes, garotos que veem na carreira desportiva não só o sonho de viver de futebol, mas tam- imaginar uma coisa dessas”, afirma Mara, mãe de outro garoto que treinava com Martins. A impressão de seriedade da es- colinha modesta, que cobrava pequenos bém de ascensão social. Vêm com pre- valores e funcionava em um campinho sentes, alimentam a expectativa de o público, compensava a falta de grandes menino se tornar um ídolo e, depois de craques revelados pelo treinador. conquistada a cumplicidade das crian- Além do mais, Martins estava sempre ças e o respeito da família, a violência co- pronto a ajudar as famílias, inclusive fi- meça. Em todo o país, os abusadores nanceiramente. “Teve um mês que ele que atuam no esporte agem da mesma pagou meu aluguel”, diz Joana. A relação maneira. Aproveitam-se dos sonhos, das próxima inibe os garotos de denuncia- fragilidades e do medo de um estigma. rem a violência. Principalmente quando Favores financeiros são uma das for- têm pouca idade, explica a psicóloga Mô- mas que os pedófilos usam para garantir nica Café, especialista no tema, as víti- a confiança da família. Esmeralda estra- mas não conseguem compreender a di- nhou quando o vizinho Osvaldo Guides mensão do abuso.“Isso causa muita con- Camargo, o Bozó, se ofereceu para levar fusão na cabeça das crianças, porque o filho de 11 anos, Guilherme, para trei- embora ela possa se sentir invadida e im- nar na escolinha onde lecionava em So- potente, as zonas erógenas do corpo rocaba (SP). “Disse que não tinha di- quando manipuladas dão prazer. E aí a nheiro para pagar as aulas, mas ele disse personalidade pode ficar muito mexida.” que levaria de graça”, conta Esmeralda. Surpreendeu-se quando o menino co- Em respeito ao ECA, os nomes dos meçou a aparecer com pequenas quan- personagens citados são fictícios tias em casa — entre R$ 5 e R$ 10. “Fui perguntar pro Bozó que dinheiro era aquele e ele disse que era porque meu fi- Carlos Moura/CB/D.A Press - 31/5/12 lho tinha ajudado a lavar o carro. Eu mandei o Guilherme devolver. Quem tem que dar dinheiro para ele sou eu.” Ainda assim, não desconfiava de abusos. O alerta veio de um sobrinho de Es- meralda que havia treinado na escolinha e não gostava de Bozó. Depois de per- guntar e insistir, o garoto relatou os abu- sos. Os encontros eram no haras em que ocorriam as aulas e na casa do professor. Participavam, além de Guilherme, outros dois meninos da mesma idade. Bozó se “ tocava enquanto mandava as crianças fazerem sexo oral uma nas outras. Além da prática, o treinador também obrigava Alguns jovens os meninos a darem banho nele. Essa forma de abuso, além de cruel, infelizmente se prestam a não deixa marcas físicas. Os exames rea- algumas coisas para lizados pelo Instituto Médico Legal não encontraram sinais de violência sexual, poder jogar no time, mas, para a titular da Delegacia da Mu- receber um pouco de lher de Sorocaba, Ana Luiza Salomone, dinheiro e treinar. não há dúvidas a respeito do crime.“Hoje Joana não acreditou quando o homem que frequentava a casa e dava aulas para seus filhos foi preso por abuso sexual os juízes já entendem que a ausência de O responsável, o lesões não significa que não houve o treinador, estão abuso. Até porque algumas denúncias só do abuso em si, mas também as circuns- Nesse contexto, existe ainda a posição Descrença são feitas depois de um tempo”, explica. tâncias de construção da masculinida- de autoridade dos professores. “É tudo totalmente errados e têm Esse tempo é ganho, principalmente, de”, pontua. Quando os jovens atletas muito cruel, muito vil. Ele cresce na auto- A incredulidade tomou conta de Joa- que ir pra cadeia pelo medo de os garotos admitirem a precisam sair de casa atrás da carreira, ridade para cima dessas crianças que, de na quando um homem preso por pedo- ” agressão. A ministra da Secretaria de Di- tornam-se presas indefesas. “A ida para alguma maneira são indefesas e acredi- filia, ano passado, apareceu em um pro- reitos Humanos, Maria do Rosário, expli- outras cidades, sob a responsabilidade tam que ele é capaz de realizar um so- grama da televisão sul-mato-grossense. ca que, no caso de meninos, o relato pas- de outros adultos, é preocupante. Não nho”, explica a delegada Ana Luiza. “A “Não consegui acreditar”, lembra a ma- Romário, sa ainda por tabus relacionados à sexuali- deixa de ser uma forma de agenciamento ameaça de não viabilizar suas carreiras nicure de cabelos oxigenados. O rosto deputado federal e ex-jogador dade.“Estamos lidando com uma dimen- a busca do menino na periferia de uma serve como garantia de silêncio. Que me- era de José Martins, professor de futebol são cultural perversa, em que o que está grande cidade ou no interior, para dizer nino não quer ser jogador de futebol de seus dois filhos, também considera- colocado em questão não é só a situação que ele vai ser um craque em um time.” num clube grande?” do um amigo. “Fazíamos churrasco no A série Quando a infância perde o jogo foi vencedora da Categoria Impresso do Leia amanhã sobre a falta de Fernando Lopes/CB/D.A Press VI Concurso Tim Lopes de Jornalismo fiscalização nos clubes e escolinhas Investigativo, realizado Visite o hotsite especial sobre a série de reportagens em pela Agência de Notícias da Infância (Andi) e www.correiobraziliense.com.br Childhood Brasil, com o apoio do Unicef, da OIT, da Fenaj e da Abraji. CMYK