O documento discute a falta de proteção e fiscalização de jovens atletas nas categorias de base do futebol brasileiro. Menciona que os casos de abuso sexual costumam ficar impunes devido à falta de estrutura nos órgãos responsáveis e de campanhas das entidades esportivas. Também aponta que as vítimas recebem pouco ou nenhum apoio após sofrerem violência.
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Editor: Leonardo Cavalcanti
Brasil
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6 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, segunda-feira, 13 de agosto de 2012
Devido à falta de uma rede de amparo, meninos que sonham com a carreira no futebol
acabam vulneráveis nas mãos de treinadores abusadores. Principais entidades do país
ligadas ao esporte afirmam que os casos são de polícia e não investem em prevenção
SEM FISCALIZAÇÃO, ATLETAS
FICAM DESPROTEGIDOS
»JULIANABRAGAERENATAMARIZ(TEXTOS)
» IANO ANDRADE (FOTO)
ão devastadora quanto os abusos dos. Wilson Melo de Oliveira, dirigente
T sofridos por jovens atletas em ca-
tegorias de base e escolinhas é a
falta de fiscalização e proteção pa-
ra esses garotos. Sindicatos, Ministério
do Sindicato dos Atletas de Futebol do
Mato Grosso do Sul, onde foi identifica-
da uma rede de pedófilos que agiam em
escolinhas itinerantes nos bairros po-
do Esporte e a entidade máxima do des- bres, ressalta que a organização atende
porto no país, a Confederação Brasileira basicamente ex-jogadores e treinado-
de Futebol (CBF), alegam que o assunto res. “As crianças que jogam nessa escoli-
é caso de polícia e não possuem instân- nhas não têm vínculo com o sindicato. É
cias ou campanhas específicas sobre o claro que, recebendo alguma denúncia,
tema. E o problema se estende ao trata- nós podemos ajudar. O problema é que,
mento dado após o abuso. Dados do Ins- quando chega ao nosso conhecimento,
tituto Brasileiro de Geografia e Estatísti- o professor já fugiu”, diz.
ca (IBGE) mostram que somente 30% Os aparelhos públicos de atendimen-
dos municípios têm cobertura dos Cen- to às vítimas também não são satisfató-
tros de Referência Especializado de As- rios. Os Creas cobrem apenas 30% dos
sistência Social (Creas), para onde as ví- municípios brasileiros. E os Conselhos
timas devem ser encaminhadas. Tutelares, apesar de terem maior capila-
A legislação que trata de jogadores até ridade — segundo a Secretaria de Direi-
18 anos é a Lei Pelé, de 1998. Pela norma, tos Humanos (SDH) estão em quase to-
os clubes devem oferecer aos atletas: dos as cidades — sofrem com falta de es-
educação, assistência médica, odontoló- trutura. A SDH reconhece a necessidade
gica e psicológica, além de horas de folga de reforço aos Conselhos: muitos en-
e lazer e dispensa para visitar a família. A frentam problemas de acesso à internet
regra foi criada para garantir aos times e, até, a ausência de veículos para a in-
um percentual na venda de jogadores vestigação de denúncias. O desembar-
nos quais eles investiram gador do Tribunal de Justi- Torcedor do Naútico e do Corinthians, Daniel não pôde esconder os abusos da mãe devido a um estágio avançado de sífilis
durante a formação. O ter- ça do Rio de Janeiro, que já
moclubeformadorfoicria- foi juiz da Vara de Infância,
do e a legislação estabelece
30% tentou firmar convênio
Do silêncio à doença
“
as exigências para que a com a CBF em 2003 para
agremiação possa solicitar garantir a fiscalização dos
no futuro um retorno pelo Porcentagem de clubes pelos Conselhos Tu- Uma coisa que os clubes
investimento no atleta.“Há telares, mas não houve en- “Ele dizia que eu tinha potencial”, afir- jogar em grandes clubes, fez, pelo menos,
pessoas que criticam a Lei municípios que tendimento. devem levar em ma Daniel, ao explicar por que se calou mais três vítimas na cidade, segundo o de-
Pelé, dizem que é uma lei contam com o consideração é a parte diante dos abusos sexuais que sofreu. legado Odívio Vasconcelos, responsável
do empresário, mas ela
atendimento Parceria intelectual do jogador Louco por futebol, o fã de Ronaldinho pelo caso. Além do sofrimento com a si-
trouxe garantias para o porque os jogadores Gaúcho frequentou, por cerca de dois tuação, a família de Daniel, que mora em
atleta profissional e ama- dos Creas Para o coordenador na- anos, uma escolinha particular de Tracu- uma casa simples dentro de um lotea-
dor. O problema é verificar cional do Programa para chegam muito jovens no nhaém, cidade onde mora, na zona da mento na beira de uma rodovia federal,
se os clubes cumprem”, Eliminação do Trabalho clube e, às vezes, logo de mata pernambucana. No ano passado, teve de enfrentar a falta de estrutura para
avalia a procuradora do Infantil, da Organização cara, abandonam o estudo. sem explicação aparente, quis abandonar denunciar. “Dei duas viagens ao conselho
Ministério Público de Goiás, Laura Bue- Internacional do Trabalho (OIT), Rena- as aulas. “Eu não entendi. Quando o trei- tutelar, mas só encontrava a moça da lim-
no. A entidade responsável pela fiscali- to Mendes, uma solução para dificultar
Só querem jogar, acham nador vinha procurá-lo, ele mandava di- peza, então fui na promotoria, depois pa-
zação da lei é o Conselho Nacional do os abusos seria o investimento no es- que isso aqui é uma zer que não estava, ficava agressivo, grita- ra a delegacia, IML”, lembra Cecília. Para
Esporte (CNE), vinculado ao Ministério porte nas próprias escolas, onde, em te- maravilha. Os clubes que va. Eu perguntava o que tinha aconteci- garantir o atendimento psicológico, que
do Esporte. Procurada pelo Correio, a se, existe uma estrutura de proteção da são grandes e têm uma do, mas ele nunca dizia nada”, conta Cecí- deveria ser oferecido pelos Creas nos mu-
pasta disse que abusos sexuais são casos criança sem negligenciar a educação. lia, mãe de Daniel, de 14 anos. nicípios, mãe e filho tinham que percorrer
de polícia e não faria comentários. “Tendo em vista que dentro dos colégios
estabilidade é porque têm Uma febre intermitente, alergia pelo quase 80km, até a capital, Recife.
A CBF lançou uma norma interna no você ainda não tem uma política nacio- uma base boa. Isso aí é corpo e um caroço na virilha, porém, im- Mas o trauma não impediu Daniel, que
início deste ano, propondo-se a regula- nal que una o direito de aprender o es- fundamental pediram o garoto de continuar esconden- joga na ponta esquerda, de sonhar. Torce-
mentar a definição de clubes formado- porte ao de aprendizagem, a melhor saí- do a violência sofrida. Após rodar dois me- dor do Náutico e do Corinthians, ele elen-
”
res. Dos 650 times profissionais creden- da seria um acordo entre os órgãos pú- ses por hospitais, um exame de sangue re- ca suas qualidades. “Chuto com os dois
ciados à entidade, somente seis possuem blicos, ministérios e as secretarias da velou que Daniel, apesar da pouca idade, pés, tenho visão de jogo, dou um bom
o selo. O diretor de Registros e Transfe- educação com entidades privadas para Muricy Ramalho, estava com sífilis em estágio avançado. passe, olho para todos lados e faço gol”,
rências da CBF, Luiz Gustavo de Castro, que essas escolinhas estivessem vincu- Técnico do Santos “Foi com uma menina de 13 anos que afirma o garoto. Cecília conta que, apesar
explica que, como a regulamentação co- ladas às escolas”, sugere. mora no Recife”, tentou sustentar, choran- de ter medo, quer atender aos pedidos do
meçou no início de 2012, foram poucos Na avaliação de Mendes, essa mu- do. Uma semana depois, com os questio- menino de frequentar uma escolinha de
os times que tiveram tempo de mandar
Toshifumi Kitamura/AFP - 13/12/11
dança tornaria menos perverso o funil namentos constantes da mãe, o menino futebol em uma cidade vizinha. “Lá tem
os documentos. Por isso, inclusive, a CBF de escolha dos atletas, que dependem de contou, por meio de um bilhete.“Tarde da mais estrutura. Mas ainda estamos pen-
não é capaz de informar quantos atletas olheiros e intermediários. “Não pode- noite, me levantei e ele tinha deixado o sando. Sei que é um sonho para ele.”
em categorias de base existem no país. mos criar dois tipos de situação: a dos papel para mim, com o nome do Braga.”
Situação semelhante acontece nos que caíram na rede dos olheiros e aque- Atualmente preso, Nivaldo Braga, que Em respeito ao ECA, os nomes
sindicatos. Como não são consideradas les que, apesar de terem habilidade e prometialevarDanieleoutrosgarotospara dos personagens são fictícios
profissionais, as entidades alegam ser im- vontade, não terão o direito pelo simples
potentes em relação aos garotos abusa- fato de não terem sido vistos”, avalia.
A série Quando a
infância perde o jogo foi
vencedora da Categoria
Impresso do
Fernando Lopes/CB/D.A Press
VI Concurso Tim Lopes Visite o hotsite especial sobre a série de reportagens em
de Jornalismo
Investigativo, realizado www.correiobraziliense.com.br
pela Agência de Notícias
da Infância (Andi) e
Childhood Brasil, com o
apoio do Unicef, da OIT,
da Fenaj e da Abraji.
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