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Mídia e Cultura na Amazônia
                      Aula 4a


A noção de “sociação” em Simmel

          Prof. Dr. Fábio Fonseca de Castro
  Programa de Pós-graduação Comunicação, Cultura e
                  Amazônia – UFPA
              Belém, 4 de abril de 2012
Para Simmel, a interação é um
processo social básico, a sociedade é
 constituída pelas diversas maneiras
            de interação.
O processo de interação até mesmo está no lugar da
 noção de “sociedade”: segundo Simmel não existe
sociedade em si, mas só a extraordinária pluralidade
       e variedade das formas da interação.
Portanto, “Sociedade” é “apenas
 o nome para vários indivíduos
    ligados pela interação”.
Podemos relacionar esse pensamento de
Simmel como o que estamos compreendendo,
  em nosso curso, como uma superação das
   metafísicas da vida social: Compreender
 sociedade como “interação social” equivale a
  superar a metafísica presente na noção de
                 “sociedade”.
Em Simmel, a sociedade é vista como algo não
 estático, acabado, mas, pelo contrário, como
 algo que acontece ou está acontecendo num
   constante fazer, desfazer e refazer, numa
     incessante vida de aproximação e de
      separação, de consenso e conflito,
   competição, dominação e subordinação.
Esse processo fundamental da
 interação, da relação recíproca,
constitui o que Simmel denomina
      “Vergesellschaftung”.
Esse termo significa, ao pé da letra, socialificação,
mais do que sociedade.

Mas a tradução convencionalmente usada pelos
tradutores de Simmel, em português, é
“sociação”.

Tradutores espanhóis usam “socialificación”,
Anthony Giddens, entre outros, usa
“societalization”.
Em qualquer caso “sociação” não deve ser
confundida com “socialização” – do ato de
              socializar.

  Ainda mais incorreto é compreender
    “sociação” como “sociabilidade”,
      “socialidade” e “associação”.
Em Simmel, sociabilidade é uma
das formas específicas do
processo geral da sociação.
A noção de sociação é
análoga à de forma social.
Há em Simmel um dualismo importante a
compreender: a diferença entre “forma” e
“conteúdo”.
A sociação é constituída pelos impulsos dos
indivíduos, seus motivos, interesses e
objetivos e pelas formas que esses conteúdos
assumem.

(Mas, como formas e conteúdos são
inextricáveis, inseparáveis, não há formas
vazias nem conteúdos sem forma; as formas
funcionam como “tipos-ideais” no sentido de
Max Weber).
•   Em qualquer sociedade humana pode-se fazer a distinção entre
    conteúdos (ou: matéria) e formas de vida social.
     – Os conteúdos, ou seja, o material que preenche as formas sociais, são os
       interesses que fazem alguém entrar em interação, “sejam sensuais ou ideais,
       temporários ou duradouros, conscientes ou inconscientes”, os instintos
       eróticos, impulsos religiosos, propósitos de defesa ou ataque, de auxílio ou
       instrução e incontáveis outros, que fazem com que o homem aja com outros
       homens, por eles, contra eles, e assim formem a “sociedade”. Tudo que está
       presente nos indivíduos – impulsos, interesses, estado psíquico, etc. –
       funciona como matéria para a sociação. Enquanto fatores de sociação eles
       transformam o agregado de indivíduos isolados em formas de interação;
       desse modo, “a sociação é a forma” “pela qual os indivíduos se agrupam”
       (Simmel 1983: 166).
•
     – Os materiais são transformados em formas, e isso é o processo de sociação.
     – Porém, os conteúdos e as formas não são colados ou conectados para sempre
• Talvez exista uma semelhança entre a
  sociabilidade e o que Malinowski chamou de
  “phatic communion”,
A noção de sociação em Simmel

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A noção de sociação em Simmel

  • 1. Mídia e Cultura na Amazônia Aula 4a A noção de “sociação” em Simmel Prof. Dr. Fábio Fonseca de Castro Programa de Pós-graduação Comunicação, Cultura e Amazônia – UFPA Belém, 4 de abril de 2012
  • 2. Para Simmel, a interação é um processo social básico, a sociedade é constituída pelas diversas maneiras de interação.
  • 3. O processo de interação até mesmo está no lugar da noção de “sociedade”: segundo Simmel não existe sociedade em si, mas só a extraordinária pluralidade e variedade das formas da interação.
  • 4. Portanto, “Sociedade” é “apenas o nome para vários indivíduos ligados pela interação”.
  • 5. Podemos relacionar esse pensamento de Simmel como o que estamos compreendendo, em nosso curso, como uma superação das metafísicas da vida social: Compreender sociedade como “interação social” equivale a superar a metafísica presente na noção de “sociedade”.
  • 6. Em Simmel, a sociedade é vista como algo não estático, acabado, mas, pelo contrário, como algo que acontece ou está acontecendo num constante fazer, desfazer e refazer, numa incessante vida de aproximação e de separação, de consenso e conflito, competição, dominação e subordinação.
  • 7. Esse processo fundamental da interação, da relação recíproca, constitui o que Simmel denomina “Vergesellschaftung”.
  • 8. Esse termo significa, ao pé da letra, socialificação, mais do que sociedade. Mas a tradução convencionalmente usada pelos tradutores de Simmel, em português, é “sociação”. Tradutores espanhóis usam “socialificación”, Anthony Giddens, entre outros, usa “societalization”.
  • 9. Em qualquer caso “sociação” não deve ser confundida com “socialização” – do ato de socializar. Ainda mais incorreto é compreender “sociação” como “sociabilidade”, “socialidade” e “associação”.
  • 10. Em Simmel, sociabilidade é uma das formas específicas do processo geral da sociação.
  • 11. A noção de sociação é análoga à de forma social.
  • 12. Há em Simmel um dualismo importante a compreender: a diferença entre “forma” e “conteúdo”.
  • 13. A sociação é constituída pelos impulsos dos indivíduos, seus motivos, interesses e objetivos e pelas formas que esses conteúdos assumem. (Mas, como formas e conteúdos são inextricáveis, inseparáveis, não há formas vazias nem conteúdos sem forma; as formas funcionam como “tipos-ideais” no sentido de Max Weber).
  • 14. Em qualquer sociedade humana pode-se fazer a distinção entre conteúdos (ou: matéria) e formas de vida social. – Os conteúdos, ou seja, o material que preenche as formas sociais, são os interesses que fazem alguém entrar em interação, “sejam sensuais ou ideais, temporários ou duradouros, conscientes ou inconscientes”, os instintos eróticos, impulsos religiosos, propósitos de defesa ou ataque, de auxílio ou instrução e incontáveis outros, que fazem com que o homem aja com outros homens, por eles, contra eles, e assim formem a “sociedade”. Tudo que está presente nos indivíduos – impulsos, interesses, estado psíquico, etc. – funciona como matéria para a sociação. Enquanto fatores de sociação eles transformam o agregado de indivíduos isolados em formas de interação; desse modo, “a sociação é a forma” “pela qual os indivíduos se agrupam” (Simmel 1983: 166). • – Os materiais são transformados em formas, e isso é o processo de sociação. – Porém, os conteúdos e as formas não são colados ou conectados para sempre
  • 15. • Talvez exista uma semelhança entre a sociabilidade e o que Malinowski chamou de “phatic communion”,