ATIVIDADE 1 - ESTRUTURA DE DADOS II - 52_2024.docx
Programa Produtor de Água
1. 1
Quantificação dos Benefícios Ambientais e Compensações Financeiras do
“Programa do Produtor de Água” (ANA): I. Teoria
Henrique Marinho Leite Chaves
Agência Nacional de Águas-ANA
e Faculdade de Tecnologia, UnB
Brasília, DF hchaves@ana.gov.br
Benedito Braga
Agência Nacional de Águas-ANA, Brasília, DF
e Instituto Politécnico-USP benbraga@ana.gov.br
Antônio Félix Domingues
Agência Nacional de Águas-ANA
Brasília, DF felix@ana.gov.br
Devanir Garcia dos Santos
Agência Nacional de Águas-ANA
Brasília, DF devanir@ana.gov.br
_______________________________________________________________________________
“É inútil fazer com mais o que pode ser feito com menos.” aplicação do método proposto a uma bacia rural é
Guilherme de Ockham (1300-1349)
apresentado.
RESUMO INTRODUÇÃO
Apesar do relativo sucesso de alguns programas de A poluição de origem difusa, como é caso
conservação de água e solo no Brasil nos últimos 20 anos, eles da sedimentação, ocorre em níveis inaceitáveis em
não consideraram explicitamente, em seu dimensionamento, os bacias rurais quando os produtores, ao tomarem suas
benefícios “off-site” relativos ao controle da poluição difusa, decisões sobre o tipo de uso e manejo do solo,
nem sua compensação, por parte dos beneficiários. Partindo desconsideram os impactos que esses processos
deste fato, bem como das novas tendências mundiais em impõem aos outros usuários e ao meio ambiente
programas agro-ambientais, a Agência Nacional de Águas- (Baumol & Oates, 1979). Além disso, a poluição
ANA desenvolveu um projeto de conservação de mananciais difusa é um problema mais complexo e elusivo do
estratégicos, onde incentivos financeiros, proporcionais aos que a poluição pontual, e os instrumentos
benefícios relativos ao abatimento da sedimentação, são desenvolvidos para o controle de uma não
propostos. Uma vez que a estimativa do abatimento da necessariamente se aplicam à outra (Ribaudo et al.,
sedimentação não é um processo trivial, ele foi emulado através 1999).
de uma simplificação da Equação Universal de Perda de Entretanto, a experiência recente tem
Solo-USLE, em nível de propriedade. De forma a não demonstrado que o controle da poluição difusa é
caracterizar os incentivos como uma forma de subsídio, esses mais eficaz quando políticas de incentivo, como
consideraram os custos de implantação das práticas aquela do “provedor-recebedor”, são usadas no
conservacionistas. A simplicidade e robustez da metodologia lugar de instrumentos coercitivos, tais como o
proposta, bem como a facilidade de sua certificação em nível de “poluidor-pagador” (Claassen et al., 2001).
campo, permitem que ela seja aplicada de forma Além disso, a proteção de mananciais tem
descentralizada, por comitês de bacia ou associações de ultimamente sido preferida ao tratamento intensivo
usuários de água e produtores rurais. Assim, uma vez de água, principalmente em resposta à legislações
atingidos os critérios técnicos e operacionais do Programa, os mais restritivas. Exemplo disso foi a cidade Nova
produtores participantes seriam certificados com um selo York. Esta, tendo que atender aos padrões do Safe
ambiental, o qual poderia ser usado para o recebimento do Drinking Water Act de 1986, optou por adquirir e
bônus correspondente. Os aspectos teóricos e metodológicos recuperar áreas da bacia de Castkill, um manancial ao
deste programa, intitulado “Produtor de Água”, são norte da cidade, ao invés de construir uma imensa
apresentados neste trabalho. Em um outro artigo, estação de filtração. A economia no processo foi de
companheiro deste (Chaves et al., 2004), um exemplo da
1
Revista Bras. de Recursos Hídricos, Vol. 9(3):5-14, 2004.
2. mais de US$ 3 bilhões (The Catskill Center, 2004). Os fundamentos do Programa, no que diz
No caso do Brasil, apesar de programas respeito aos seus indicadores ambientais e
exitosos de conservação do solo terem sido econômicos, são descritos a seguir.
implementados nos últimos anos (Roloff &
Bragagnolo, 1997), eles foram concebidos sem 1. Estimativa do Abatimento da Erosão e
considerar, de forma explícita, os benefícios fora da Sedimentação
propriedade, tais como a redução da sedimentação
(Boerma, 2000). A avaliação parte de um estágio inicial,
Apesar da atual legislação sobre recursos onde o nível de erosão Ao (ton/ha.ano) é estimado
hídricos incentivar a gestão descentralizada da água, na gleba ou propriedade, antes da implantação do
bem como a articulação da gestão de recursos Programa. A mesma estimativa é feita para a
hídricos com a do uso do solo, não há, nessa Lei, um condição após a implantação do projeto
tratamento específico para a poluição difusa de conservacionista (A1).
origem rural (Martini & Lanna, 2003). Assim, o percentual de abatimento de
Entretanto, considerando que os prejuízos erosão e de sedimentação (P.A.E.), obtido com a
anuais da sedimentação no Brasil, referentes à perda implantação do projeto proposto, por um produtor
de vida útil de reservatórios e à custos adicionais de participante, é dado pela seguinte equação:
tratamento de água, somam mais de US$ 1 bilhão
(Hernani et al., 2.002), bem como a alta relação P.A.E. (%) = 100 (1− A1/A0) [1]
benefício/custo de projetos baseados em
performance (Claassen et al., 2001), programas A quantificação dos valores de erosão
incentivados de controle da poluição difusa teriam média nas condições atuais e propostas (A0 e A1)
um grande potencial de aplicação no país. requer, por sua vez, a aplicação de modelos de
Por outro lado, se indicadores tradicionais predição de erosão.
de performance ambiental usados nesses programas, Considerando-se os critérios necessários
tais como a quantificação da erosão e da para a seleção adequada do modelo, tais como a
sedimentação, apresentam impecilhos operacionais, disponibilidade de dados e parâmetros locais, a
o mesmo não ocorre com instrumentos baseados em precisão das predições, a robustez do modelo e a sua
projeto, os quais são mais facilmente mensuráveis. facilidade de uso (Heathcote, 1998; James & Burges,
Dentre estes estão a classificação do tipo de uso e 1982; Risse et al., 1993), a Equação Universal de
manejo do solo, tecnologia e insumos usados Perda de Solo-USLE apareceu como a candidata
(Ribaudo et al., 1.999). natural para a tarefa.
Considerando os aspectos acima, o A USLE, por sua vez, é dada pela seguinte
presente trabalho teve como objetivo o equação (Wischmeier & Smith, 1978):
desenvolvimento de uma metodologia de estimativa
dos benefícios ambientais e compensações A=RKLSCP [2]
financeiras relativos a programas conservacionistas,
que incorporasse, ao mesmo tempo, as vantagens Onde A (ton/ha.ano) é a perda de solo
dos intrumentos baseados em performance e a média anual na gleba de interesse, R (MJ mm/ha h) é
facilidade e praticidade daqueles baseados em a erosividade da chuva e da enxurrada, K
projeto, no que diz respeito ao seu monitoramento. (t.ha.h/ha.MJ.mm) é a erodibilidade do solo, L
No presente trabalho, é apresentado o (adimensional) é o fator de comprimento de rampa,
desenvolvimento desta metodologia, que é parte S (adimensional) é o fator de declividade da rampa,
integrante do Programa do Produtor de Água (ANA, C (adimensional) é o fator de uso e manejo do solo,
2003). e P (adimensional) é o fator de práticas
conservacionistas.
DESENVOLVIMENTO DO MÉTODO Entretanto, mesmo sendo a USLE um
PROPOSTO modelo relativamente simples, usado na previsão da
erosão laminar e em sulcos de vertentes, sua
Seguindo as tendências agro-ambientais aplicação é dificultada nas condições brasileiras, quer
mais recentes, o “Produtor de Água” foi concebido pela inexperiência dos agentes extensionistas com o
como um programa voluntário, flexível, de modelo, quer pela dificuldade de obtenção de
implantação descentralizada, que visa o controle da parâmetros locais (Chaves, 1996a).
poluição difusa em mananciais estratégicos (ANA, Por outro lado, considerando que se trata
2003). Ele parte da premissa que a melhoria da mesma área (gleba de interesse), vários dos
ambiental auferida fora da propriedade pelo parâmetros da USLE são constantes antes e depois
produtor participante é proporcional ao abatimento da implantação do projeto. Chamando de Z o
da erosão e, conseqüentemente da sedimentação, em produto C*P da equação [2], teríamos, após
função das modificações no uso e manejo do solo e dividirmos a perda de solo sob a condição proposta
dos custos de sua implantação por parte do (A1) pela perda na condição inicial (A0,), e
participante. cancelarmos os termos comuns na equação [2]:
3. Chesters, 1981), e uma vez que seu monitoramento e
A1/A0 = Z1/Z0 [3] modelagem não é trivial (Knisel, 1978), a presente
metodologia permite também que o abatimento
Substituindo-se a equação [3] na equação deste tipo de poluição seja estimado. Este, por sua
[1], temos finalmente: vez, foi suposto como sendo proporcional ao
abatimento da sedimentação na bacia.
P.A.E. (%) = 100 (1− Z1/Z0) [4] Tabela 1. Valores de Z* para usos e manejos
convencional (Zo) e conservacionista (Z1)
A vantagem desta simplificação é que, Manejo Convencional Z0
conhecendo-se apenas dois dos seis fatores originais Grãos 0,25
(C e P) da USLE, é possível calcular a redução da
Algodão 0,62
perda de solo, relativamente à situação inicial, sem
perda de generalidade ou de robustez do modelo. Mandioca 0,62
Uma possível complicação dessa Cana-de-açúcar 0,10
simplificação da USLE seria a introdução do Batata 0,75
terraceamento em nível. Esta prática Café 0,37
conservacionista reduz o comprimento de rampa da
Hortaliças 0,50
vertente e, conseqüentemente, o fator L da USLE.
Entretanto, pode-se demonstrar que a redução na Pastagem degradada 0,25
erosão é uma função linear do comprimento de Capoeira degradada 0,15
rampa. Assim, esta redução poderá ser contabilizada Cascalheira/ solo nú 1,00
pela introdução de um outro fator ao valor de Z
Manejo Conservacionista Z1
(vide demonstração no Apêndice A).
Valores são disponíveis para os parâmetros Grãos, rotação 0,20
C e P (e, portanto, de Z) para agricultura (Derpsch, Grãos, em nível 0,13
2002; De Maria & Lombardi Neto, 1997, Margolis et Grãos, rotação, em nível 0,10
al., 1985; Bertoni & Lombardi Neto, 1990; Leprun, Grãos, faixas vegetadas 0,08
1983) e para florestas (Paula Lima, 2003, Grãos, cordões vegetação 0,05
comunicação pessoal). Uma lista de valores de Z
Grãos, plantio direto 0,03
para diferentes usos e manejos, convencionais e
conservacionistas, é apresentada na Tabela 1. Algodão/Mandioca, rotação 0,40
Assim, para a estimativa do abatimento da Algodão/Mandioca, nível 0,31
erosão no campo, seria necessário conhecer-se Algodão/Mandioca, plantio direto 0,04
apenas os valores tabelados de Z para os usos, Cana, em nível 0,05
manejos e práticas das situações inicial e proposta,
Cana, em faixas 0,03
num processo bem mais simples e barato que o
monitoramento direto, a campo. Dessa forma, Batata, em nível 0,38
agentes certificadores poderiam facilmente atestar o Batata, em faixas 0,22
cumprimento da meta ambiental proposta, Café, em nível 0,19
simplesmente através da verificação, a campo, da Café, em faixas 0,11
implementação do projeto, e obter os respectivos Hortaliças, em nível 0,25
valores de Z da Tabela 1. Para tanto, fichas-padrão,
Pastagem recuperada 0,12
descrevendo as condições para cada uma das
condições de uso, manejo e práticas Pastagem, rotação c/ grãos 0,10
conservacionistas da Tabela 1, foram confeccionadas Reflorestamento denso 0,01
especialmente para o acompanhamento do Programa Reflorestamento ralo 0,03
(ANA, 2003). (*) Derpsch, 2002; De Maria & Lombardi Neto, 1997, Margolis
Apesar de os usos, manejos e práticas da et al., 1985; Bertoni & Lombardi Neto, 1990, Leprun, 1983; Paula
Lima, 2003.
Tabela 1 não cobrirem todas as possíveis situações
de uso e manejo do solo do país, elas englobam
aquelas mais comuns, as quais serão usadas na
ausência de dados mais definitivos, resultados de 2. Estimativa dos Valores dos Incentivos
pesquisa local. Financeiros aos Produtores Participantes
Uma vez atendidos os critérios técnicos e
operacionais do Programa, os produtores Em programas de compensação por
participantes receberiam um certificado de serviços ambientais, como o “Produtor de Água”,
conformidade (Selo Azul de Produtor de Água-ANA), o haveria vários custos envolvidos, tais como os de
qual poderá ser usado para recebimento do mobilização e cadastramento dos produtores, os
respectivo bônus financeiro. relativos à assistência técnica, os de compensação
Considerando que grande parte dos das modificações de uso e manejo do solo, e os de
poluentes responsáveis pela poluição difusa rural são monitoramento e auditoria (Martini & Lanna, 2003).
transportados adsorvidos no sedimento (Novotny & Entretanto, o presente trabalho se ateve apenas
4. àqueles custos referentes à compensação financeira de compensação financeira, um abatimento de
aos agricultores, em função dos benefícios erosão mínimo de 25%. Além disso, visando
ambientais auferidos fora da propriedade. permitir o acesso do maior número possível de
Partindo-se da premissa que uma solução participantes no Programa, sugere-se um limite
viável é aquela em que uma meta ambiental é máximo de 250 ha para cada produtor participante.
atingida a um custo mínimo (Ribaudo et al., 1999), As etapas do Programa do Produtor de Água,
buscaram-se valores financeiros que atendessem, ao incluindo os processos de auditoria e certificação,
mesmo tempo, aos seguintes critérios: são apresentadas na Figura 1.
De forma a validar a metodologia proposta,
A. Fossem suficientes para atingir a meta incluindo o cumprimento das metas ambientais
de abatimento de erosão e previstas pelo Programa e os valores do fator Z, seu
sedimentação pretendida; órgão executor (Estado, Comitê de Bacia etc.)
deverá implantar um sistema adequado de
B. Fossem suficientes para atrair
monitoramento hidro-sedimentológico, em pontos
produtores para o Programa; e
estratégicos da bacia (p. ex., Walling, 1988).
C. Fossem iguais ou inferiores ao custo de
implantação e operação do manejo DISCUSSÃO
e/ou prática conservacionista
proposta, de forma a não caracterizar Apesar de simples e robusta, a metodologia
subsídio agrícola. proposta requereu algumas suposições e
simplificações, de forma a facilitar sua aplicação às
Como cada manejo e prática condições brasileiras. Portanto, uma discussão sobre
conservacionista implica em custos e eficácias as mesmas se faz necessária, e é apresentada a seguir.
distintos, e tendo como pressuposto que os A primeira delas diz respeito à suposição
pagamentos devem ser proporcionais ao seu que o percentual de abatimento da sedimentação
desempenho ambiental, tomou-se, como ponto de (benefício fora da propriedade), proporcionado por
partida, uma prática conservacionista que é, ao um certo manejo ou prática conservacionista,
mesmo tempo, econômica e ambientalmente equivale ao abatimento de erosão dentro da
eficiente e amplamente utilizada nas diferentes propriedade, conforme dado pela equação [4]. A
regiões agrícolas brasileiras: o plantio direto. Esta segunda suposição é relativa à “universalização” dos
prática reduz cerca de 90% da erosão (e da valores de Z para diferentes regiões agrícolas
sedimentação), relativamente ao sistema brasileiras, independentemente de suas diferenças
convencional (Derpsch, 2002), com um custo de climáticas. A terceira, por sua vez, é a justificativa
implantação médio de R$ 100/ha (Melo Filho & econômica de que o valor do pagamento incentivado
Mendes, 1999). (VPI) deve considerar o custo de implantação do
À partir desse critério, valores de uso, prática ou manejo conservacionista, por parte
pagamento incentivado (V.P.I.) foram definidos para do produtor participante. A quarta e última delas foi
outros manejos e práticas, de acordo com as faixas a de que o abatimento da poluição difusa na bacia é
da Tabela 2. proporcional ao abatimento da sedimentação e,
conseqüentemente, do abatimento da erosão.
Tabela 2. Valores sugeridos para pagamentos
incentivados (VPI), em função do abatimento de Suposição Relativa ao Abatimento da
erosão (PAE) proporcionado Sedimentação na Bacia
P.A.E. 25-50% 51-75% 75- Uma das vantagens de se usar o abatimento
(%) 100% da erosão dentro da propriedade como indicador do
V.P.I. abatimento da sedimentação na bacia é que apenas
( R$/ha) 50 75 100 parâmetros relativos aos usos e manejos inicial e
proposto são necessários, facilitando
Assim, na passagem de uma pastagem significativamente a estimativa do benefício
degradada (Z0=0,25), para pastagem recuperada ambiental gerado, por agentes certificadores.
(Z1=0,12) teríamos, pela equação [4], um percentual Para tanto, deve-se demonstrar que, para
de abatimento de sedimentação de 52%. Da Tabela cada tonelada de erosão abatida dentro da
2, obteríamos um valor correspondente de V.P.I. de propriedade, uma tonelada correspondente será
R$ 75/ha. abatida no processo de sedimentação, a jusante.
Os valores de VPI da Tabela 2 são apenas Partindo-se da relação de aporte de
sugestivos, e podem variar de uma bacia hidrográfica sedimento, R.A.S. (adimensional), considerada
para outra, dependendo do nível de poluição difusa constante para uma dada bacia (Walling, 1988;
existente, bem como das condições sócio- Renfro, 1975), temos:
econômicas regionais.
De forma que o Programa tenha uma R.A.S. = (Y/ Ab) [5]
eficiência ambiental mínima, estipulou-se, para fins
5. Onde Y (t/ano) é o aporte de sedimento anual no necessário que os parâmetros ρ e ζ da Equação [6]
exutório da bacia, cuja erosão total anual é Ab sejam semelhantes entre si.
(t/ano). A relação de aporte de sedimento varia de 0 Com relação à primeira hipótese, e
a 1, sendo inversamente proporcional à área da bacia considerando-se o período de verão, onde se
(Roehl, 1962; USDA-NRCS, 1983;). concentram as perdas de solo, os tipos e as épocas
Assim, se o abatimento da erosão gerado dos cultivos e manejos do solo são praticamente os
em uma certa propriedade, de área α, participante do mesmos nas regiões de interesse. Eventuais
Programa, representar 1% do valor total da erosão variabilidades espaciais são insuficientes para
na bacia, ou seja, (A1−A0).α = 0,01Ab, temos que, influenciar ζ de forma significativa, mesmo porque
para que a R.A.S. permaneça constante na equação essas poderão ser excedidas pelas variações
[5], um valor correspondente a 1% também deve ser temporais (Risse et al., 1993).
reduzido na produção de sedimento, Y, no exutório No caso da segunda suposição, relativa às
de interesse da bacia. Isto demonstra a possibilidade distribuições das erosividades, testou-se a hipótese
de se utilizar a erosão média na propriedade como de que elas são espacialmente correlacionadas entre
indicador do aporte de sedimento médio no exutório si. Para tanto, foram comparadas as erosividades de
da bacia, conforme proposto anteriormente. localidades representativas de áreas agrícolas das três
regiões: Londrina (Região Sul), Campinas (Região
Suposição relativa aos valores do parâmetro Sudeste) e Distrito Federal (Região Centro-Oeste). A
Z Figura 2 apresenta as distribuições das erosividades
mensais médias destas localidades, ao longo do ano.
Uma vez que os valores de Zo e Z1, dados Graficamente, por esta Figura, observa-se
pela Tabela 1, foram considerados constantes para que as distribuições das erosividades são
diferentes regiões agrícolas e considerando que este semelhantes. Além disso, uma análise de correlação
parâmetro depende da distribuição da erosividade da entre elas foi realizada, e os resultados são
chuva (R) e das épocas de cultivo e manejo do solo apresentados na Tabela 3.
(Wischmeier, 1976), a utilização generalizada dos
valores da Tabela 1, bem como a simplificação do Tabela 3. Coeficientes de correlação (Pearson) entre
fator R na equação [2], só poderiam ser feitas nas as distribuições das erosividades das 3 localidades
seguintes condições: analisadas.
i. As características agronômicas dos rLond/Camp rCamp/DF rLond/DF
cultivos, tratos culturais e manejos do
solo de regiões de interesse do 0,81 0,85 0,91
projeto, mesmo climaticamente
distintas, são semelhantes para uma Todos os valores de r da Tabela 3 são
certa cultura e ocorrem em datas mais superiores a 0,80, indicando alta correlação entre as
ou menos coincidentes ao longo do erosividades mensais das três localidades, ou seja, de
ano; que há uma dependência estocástica entre elas
(Haan, 1977). Além disso, um teste de independência
ii. A distribuição das erosividades (Student), realizado entre distribuições das
médias mensais das chuvas ao longo erosividades mensais das 3 localidades, foi rejeitado,
do ano é semelhante nas regiões a um nível de 99%. Esses resultados reforçam a
agrícolas de interesse do Projeto, hipótese inicial de similaridade entre as erosividades,
independentemente de seu clima. o que permite sua simplificação na Equação [2].
Mesmo que persistam eventuais variações
Estas duas condições decorrem da regionais nos dois parâmetros da equação [6], elas
definição física do fator Z (Foster & Lane, 1987), ou tenderiam a ser auto-compensadas, em função da
seja: sua estrutura fatorial (Chaves, 1996a; Troutman,
12 1985).
Z= Σ (ρi ζi) [6]
i=1 Justificativa para os valores de VPI do
Onde ρi (adimensional) é o percentual da Programa
erosividade da chuva do mês i em relação à
erosividade média anual e ζi (adimensional) é a razão Conceitualmente, as faixas de valores de
de perda de solo do mês i em relação à perda média pagamento incentivado (VPI) do Programa do
anual, entre uma parcela descoberta (padrão) e a Produtor de Água foram definidas em função do
custo-base de adoção das práticas e manejos
parcela com um certo uso e manejo do solo.
Portanto, para que os valores de Z sejam elegíveis, ou seja, aquele suficiente para “cobrir” os
considerados constantes nas principais regiões custos adicionais de produção do produtor
agrícolas brasileiras, para as quais o Programa foi participante, relativos à implantação da tecnologia.
Graficamente, esta compensação seria
desenhado (Sul, Sudeste e Centro-Oeste), é
6. aquela que permitisse que o participante passasse de (Donigian & Crawford, 1976; McElroy et al., 1976):
uma situação atual a (sem abatimento de erosão),
para uma situação b, com abatimento de erosão Yi = Cis Ei Y [7]
(Figura 3). Neste caso, haveria uma redução da sua
renda líquida, relativa ao custo de implantação da Onde Yi (kg/ha) é a carga do poluente i no
prática (dada pelo segmento ax, na Figura 3). Este exutório da bacia, Cis (kg/kg solo) é a concentração
valor, por sua vez, seria exatamente o valor de do poluente i no solo, Ei (adimensional) é a relação
pagamento incentivado (VPI) para a prática tomada de enriquecimento do poluente i entre a fonte e o
como padrão (plantio direto). exutório da bacia, e Y (kg/ha) é a carga de
De forma a atender aos critérios A, B e C, sedimento no exutório.
citados anteriormente, e considerando que os custos Considerando que, para um certo poluente
relativos à implantação do plantio direto i, em uma certa bacia, os fatores Cis e Ei são
correspondem aos custos fixos de aquisição do constantes, uma redução de, digamos, 50% na carga
implemento necessário, ou seja, a depreciação mais de sedimento Y resultaria, pela equação [7], em uma
os juros sobre o capital fixo, este valor seria de R$ mesma redução na carga do poluente i. Isto
100/ha (Melo Filho & Mendes, 1999; SEPLAN-PR, demonstra que a suposição inicial é válida.
2003).
É possível que os valores da Tabela 2 sejam CONCLUSÕES
insuficientes para cobrir os custos de implantação
de algumas práticas elegíveis do Programa. Por Uma metodologia foi desenvolvida para a
exemplo, um produtor que proponha reflorestar estimativa dos benefícios ambientais gerados à partir
uma pastagem degradada, obterá, através da equação da adoção de práticas e manejos conservacionistas,
[4] e da Tabela 2, um VPI de R$ 100/ha, o que no âmbito do Programa do Produtor de Água, da ANA.
representaria cerca de 1/3 dos custos totais de Na metodologia proposta, o abatimento de
implantação do projeto (SEPLAN-PR, 1999). sedimentação na bacia, de complexa obtenção, foi
Entretanto, considerando que o plantio direto e o emulado pelo abatimento de erosão na propriedade.
reflorestamento apresentariam desempenhos Este, por sua vez, foi obtido através de uma
semelhantes no que diz respeito ao abatimento da simplificação da Equação Universal de Perda de
sedimentação (Tabela 1), os valores de VPI de Solo-USLE (Wischmeier & Smith, 1978).
ambos deveriam ser equivalentes. Isto garante, ao As vantagens deste enfoque são múltiplas.
mesmo tempo, a eficácia econômico-ambiental do A primeira diz respeito à necessidade mínima de
Programa, sem, entretanto, reduzir a flexibilidade no dados de campo, o que favorece sua aplicação para
que diz respeito à escolha da prática, por parte do as condições brasileiras. A segunda é relativa à
participante. possibilidade de estimar, através do método
Por outro lado, há a possibilidade que a proposto, o abatimento da poluição difusa na bacia.
prática ou o manejo proposto apresente um custo A terceira, por sua vez, diz respeito à facilidade de
inferior ao valor de pagamento incentivado monitoramento da implementação dos projetos
estimado, em função da alta eficiência técnica e propostos, por parte de certificadores
econômica do participante. Neste caso, não haverá independentes, através de fichas padronizadas,
problema, pois esta é exatamente a filosofia do especialmente desenvolvidas para o Programa. Por
Programa, ou seja, premiar os melhores último, o Programa estimula a eficiência econômico-
desempenhos, sejam eles ambientais ou econômicos. ambiental dos participantes, uma vez que a
compensação financeira é proporcional ao benefício
Suposição relativa ao abatimento da ambiental auferido e ao custo de implantação da
poluição difusa na bacia prática.
Além disso, o aspecto descentralizado e
Uma vez que o processo de modelagem do flexível do Programa permite que o mesmo seja
transporte poluentes não é trivial (Knisel, 1978), e implantado em bacias estratégicas (mananciais),
como sua quantificação seria inviável para um como resultado de acordos entre usuários de água,
programa como o proposto, em função do grande gestores e agricultores (Martini & Lanna, 2003).
número de variáveis envolvidas no processo, supôs- Mesmo que não haja no País legislação específica
se que o abatimento da poluição difusa seria relativa à este tipo de compensação financeira,
proporcional ao abatimento da sedimentação na principalmente quando os setores público (usuários
bacia. de água) e privado (produtor rural) são envolvidos,
Apesar de alguns tipos de poluentes serem um dos princípios basilares do Direito
transportados em solução, pela enxurrada, a maior Administrativo, o da repartição das cargas públicas,
parte deles chega aos corpos d’água adsorvidos no respalda sua aplicação. Este princípio estipula que
sedimento (Novotny & Chesters, 1981). todo sacrifício individual instituído em prol do bem
Dessa forma, e uma vez que o transporte comum deve ser compensado (Chaves, 1996b).
de poluentes adsorvidos é função do movimento do Finalmente, visando justificar as suposições
sedimento na bacia, aquele pode ser expresso por e simplificações usadas na metodologia proposta,
tanto nos aspectos ambientais como econômicos,
7. foram apresentadas considerações usando dados, FOSTER, G.R. & LANE, L.J. Beyond the USLE:
conceitos e relações disponíveis na literatura. Advancements in soil erosion prediction, in L.L.
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APÊNDICE A
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A simplificação proposta para a USLE,
ROLOFF, G. & BRAGAGNOLO, N. Strategies for dada pela equação [3] requer, no caso de introdução
successful conservation programs: The case of Paraná da prática de terraceamento em nível, uma
State, Brazil. The Land, p. 171-182, 1997. demonstração de que a redução da erosão A, na
equação [2], é uma função linear da redução do fator
THE CATSKILL CENTER. New York City’s Need de comprimento de rampa, L.
for Water–The Watershed Agreement. Na USLE, o fator L é definido como
www.catskillcenter.org/programs/csp/H20/Le sendo (Wischmeier & Smith, 1978):
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TROUTMAN, B.M. Errors and parameter estimation in L = ( l / 22,1)M [A1]
precipitation-runoff modeling - I. Theory. Water
Resour. Res. 21(8):1195-1213, 1985. Onde: l (m) = comprimento de rampa da
gleba, e M = coeficiente proporcional à declividade
USDA-NRCS. National Engineering Handbook – Section da rampa (M varia entre 0,1 a 0,5).
3: Sedimentation (Sediment Sources, yields and delivery Como o terraceamento em nível reduz o
ratios. Washington, 1983, p. 6.1-6.14. comprimento de rampa ( l ) mas não a declividade da
vertente, o valor de M na equação [A1] não é
WALLING, D.E. Measuring sediment yield from river
afetado. Assim, supondo que uma vertente agrícola
basins, in R. Lal (ed.): Soil erosion research methods.
de área igual a 100 ha, com comprimento igual a
Soil & Water Cons. Soc., Ankeny, p. 39-74, l0=200m seja reduzida, com a introdução do
1988.
terraceamento, a 4 vertentes iguais de l1=50 m (ou
WISCHMEIER, W.H. Use and misuse of the Universal seja, l1= l0/4). Teremos assim a seguinte redução
Soil Loss Equation. J. of Soil & Water Cons., relativa na perda de solo, A (t/ha ano):
31(1):5-9, 1976.
A1/A0 = L1/L0 = [( l1/22,1)M/( l0/22,1)M] [A2]
WISCHMEIER, W.H. & SMITH, D.D. Predicting
rainfall erosion losses: A guide for conservation = [(50/22,1)M (200/22,1)M]
planning. USDA Handbook No. 537. = ¼ ou 25%, como queríamos
Washington, 57 p., 1978. demonstrar.
Assim, no caso de terraceamento em nível,
um fator adicional (L) deverá ser introduzido no
Estimating the environmental benefits and fator consolidado Z, na estimativa de Z0 e Z1 para as
financial compensations of ANA’s “Water equações [3] e [4]:
Provider Program”: I. Theory
Z = C*P*L [A3]
ABSTRACT Onde C e P foram definidos
In spite of the relative success of soil & water anteriormente.
conservation programs in Brazil in the last 20 years, they
have not explicitly considered their off-site benefits, or utilized
compensation instruments. Considering these shortcomings, as
well as the new trends in agri-environmental programs, the
Brazilian National Water Agency-ANA developed a
conservation and reclamation project aimed at strategic water
supply sources, where the financial incentives for the
participants are proportional to the off-site benefits provided,
relative to the sedimentation abatement. Since the latter is not
a trivial process, it was emulated by a simplified version of the
Universal Soil Loss Equation-USLE, at the farm level.
Thus, the financial incentives for the participant farmers were
estimated as a function of the erosion and sedimentation
abatement provided, as well as the cost of the adoption of the
practice. The simplicity and robustness of the proposed
method, as well as the ease of the certification process in the
field, allow its decentralized implementation by watershed
committees or cooperatives. The theoretical and methodological
9. Apresentação do Projeto Figura 1. Fluxograma do Programa do “Produtor
(Produtor)
de Água” / ANA
Análise do Projeto (Órgão
Executor / Financiador)
N
Projeto Aprovado?
S
Estimar fator atual de
erosão (Z0) por ficha-padrão
e Tabela 1 (Exec/Certific.)
Estimar fator de erosão
proposto (Z1) por ficha
padrão e Tabela 1
(Exec/Certificador)
Estimar P.A.E. (%), através
da Eq. [4]
(Agente Certificador)
Implantação da prática ou
manejo (Produtor)
N Estimar valor corrigido de
Meta de abatimento
P.A.E.
de erosão atingida?
(Agente Certificador)
S
Estimar V.P.I. (R$/ha),
através da Tabela 2 P.A.E. > 25%? N Indeferir projeto
(Agente Certificador) (Órgão Executor)
S
Estimar V.P.I. (R$/ha),
Emitir Certificado de
através da Tabela 2
Produtor de Água
(Agente Certificador) (Agente Certificador)
Pagamento do Bônus Emitir Certificado de Pagamento do Bônus
(Órgão Executor) Produtor de Água (Órgão Executor)
(Agente Certificador)
10. Figura 2. Erosividade da Chuva de 3 localidades brasileiras
(Fontes: SEPLAN-PR, 2003, Bertoni & Lom bardi Neto, 1990; Silva, 2001)
2.000
1.600
Erosividade (MJ/ha.mm)
1.200 Londrina (PR)
Campinas (SP)
Brasília (DF)
800
400
-
Jan Mar Mai Jul Set Nov
Meses
Renda
Líquida
(R$/ha)
a
b
x
0 50 100 P.A.E.(%)
Figura 3. Trade-off entre a receita líquida e os benefícios ambientais, dados pelo abatimento de erosão (PAE), gerado
pela adoção de uma certa prática conservacionista (adaptado de Ribaudo et al., 1999).