Este resumo descreve um estudo sobre a interferência da benzedura no processo terapêutico. O estudo realizou entrevistas semiestruturadas com benzedeiras nas cidades de Brumado, Guanambi, Macaúbas e Urandi, na Bahia, para entender como as benzedeiras contribuem para o tratamento e cura através do ritual de benzedura e como esse ritual é transmitido. Conclui-se que a benzedura interfere no processo terapêutico e não exclui o tratamento médico, sendo útil para determinados
1. 1
RELIGIÃO, TRANSFORMAÇÕES
CULTURAIS E GLOBALIZAÇÃO
IV CONGRESSO INTERNACIONAL EM CIÊNCIAS DA
RELIGIÃO – PUC-GOIÁS
Realização
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
Programa stricto sensu em Ciências da Religião
Apoio
CAPES – PAULINAS – PAULUS – VOZES – OIKOS – SINODAL – METODISTA
Parceria
Universitá di Sociologia di Padova - Dipartimento di Sociologia
International Society for the Sociology of Religion (ISSR)
IRENE DIAS DE OLIVEIRA
IVONI RICHTER REIMER
SANDRA DUARTE DE SOUZA
(ORGS.)
2. 2
Anais do IV Congresso Internacional em Ciências da Religião
Programa em Ciências da Religião – PUC-GO
GRUPOS TEMÁTICOS
E
RESUMOS
EDIÇÃO DIGITAL – EBOOK
PAULINAS
ISSN 2177 – 3963
Periodicidade: anual
3. 3
IV CONGRESSO INTERNACIONAL EM CIÊNCIAS DA
RELIGIÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM
CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
TEMA
RELIGIÃO, TRANSFORMAÇÕES CULTURAIS E
GLOBALIZAÇÃO
LOCAL: Pontifícia Universidade Católica de Goiás
27 a 29 de setembro de 2010
Goiânia, Goiás, Brasil
4. 4
COMISSÃO ORGANIZADORA
PRESIDENTE: Dra. Irene Dias de Oliveira
MEMBROS
Dra. Ivoni Richter Reimer
Dr. José Carlos Avelino da Silva
Dra. Maria Eliane Rosa de Souza
Mndo. Adelman Soares Asevedo
Dranda. Cristhyan Martins Castro Milazzo
Mnda.Cilma Laurinda Freitas e Silva
Mnda.Cristina Galdino de Alencar
Dranda.Danielle Ventura Bandeira de Lima
Drando. Eleno Marques de Araújo
Dranda. Hulda Silva Cedro da Costa
Mndo. Iran Lima Aragão
Mndo. Israel Serique dos Santos
Mnda. Luzia Ireny e Silva
Dranda. Maria Cristina BonettI
Mndo. Oli Santos da Costa
Mnda. Sandra Célia de Oliveira
Mndo. Sérgio Batista de Oliveira
Ms. Uene José Gomes
Drando. Welthon Rodrigues Cunha
SECRETÁRIA EXECUTIVA: Geyza Pereira
COMITÉ TÉCNICO CIENTÍFICO
DR. AFONSO MARIA LIGÓRIO SOARES (SOTER)
DR. CARLOS RIBEIRO CALDAS FILHO (UPM)
DR. CRISTIAN PARKER (UNIVERSIDAD DE SANTIAGO DE CHILE)
DR. ENZO PACE (UNIVERSITÁ DI PADOVA)
DR. GILBRAZ DE SOUZA ARAGÃO (UNICAP)
DR. GERALDO DE MORI (FAJE)
DR. JUNG MO SUNG (UMESP)
DR. SILAS GUERRIERO (PUC-SP)
DR. MÁRIO SANCHES (PUC-PR)
DR. NEY DE SOUZA (PUC-SP)
DR. WILHELM WACHHOLZ (EST)
DR. VALMOR DA SILVA (PUC-GO)
6. 6
ÍNDICE
APRESENTAÇÃO --------------------------------------------------------------------------
GRUPOS TEMÁTICOS – GTs: COMUNICAÇÕES CIENTÍFICAS
GT 1 - IMPACTOS DAS TRANSFORMAÇÕES CULTURAIS E DA
GLOBALIZAÇÃO NA (INTER)RELAÇÃO ENTRE RELIGIÃO E SAÚDE
COORD.: Drª Carolina Teles Lemos
GT 2 - RELIGIÃO, VIOLÊNCIA, ETNICIDADE E GLOBALIZAÇÃO
COORD.: Drª Irene Dias de Oliveira
GT 3: PROTESTANTISMO E GLOBALIZAÇÃO
COORD.: Dr. Eduardo Gusmão de Quadros
GT 4: SANTIDADE, PROFECIA E SABEDORIA
COORD.: Dr. Valmor da Silva
GT 5: TRANSE E RELIGIOSIDADE PÓS-MODERNA
COORD.: Drando. Welthon Rodrigues Cunha
GT 6: RELIGIÃO E MODERNIDADE
COORD.: Dra. Sandra Duarte de Souza
GT 7: RELIGIÃO, FILOSOFIA E GLOBALIZAÇÃO
COORD.: Dra. Maria Eliane Rosa de Souza
GT 8:. O SAGRADO FEMININO E A GLOBALIZAÇÃO
COORD.: Dr. José Carlos Avelino da Silva e Dranda. Maria Cristina Bonetti
7. 7
GT 9: RESISTÊNCIA, ASSIMILAÇÃO E ACOMODAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DE
IDENTIDADE NOS INÍCIOS DA IGREJA
COORD.: Dra. Ivoni Richter Reimer
GT 10: DEMANDAS HISTÓRICO-SOCIAIS E CUIDADO ECOLÓGICO NA
TRADIÇÃO BÍBLICA
COORD.: Dr. Haroldo Reimer
GT 11: TRADIÇÃO HEBRAICA: HISTÓRIA, EMERGÊNCIAS E ACOMODAÇÕES
CULTURAIS
COORD.: Dr. Haroldo Reimer e Drando. Claude Detienne
GT 12: SOFIA COMO BUSCA DAS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS EM CORINTO
COORD.: Dr. Joel Antônio Ferreira
GT 13: RECUPERAÇÃO DA DIMENSÃO CRÍTICA DA FÉ DIANTE DOS
DESAFIOS DA GLOBALIZAÇÃO
COORD.: Dr. Élio Estanislau Gasda
GT 14: JUVENTUDE E RELIGIÃO NA (PÓS) MODERNIDADE
COORD.: Dr. Flávio Munhoz Sofiati
GT 15: CELEBRAÇÕES FESTIVAS: A VALORIZAÇÃO DA RELIGIOSIDADE
POPULAR NO BRASIL
COORD.: Drando. João Guilherme da Trindade Curado e Dranda. Tereza Caroline
Lobo
GT 16: RELIGIOSIDADE SERTANEJA: CULTURA IDENTIDADE E
GLOBALIZAÇÃO
COORD.: Ângela Cristina Borges
8. 8
RESUMOS
RELIGIÃO, TRANSFORMAÇÕES CULTURAIS E GLOBALIZAÇÃO
O Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciências da Religião da
Pontifícia Universidade Católica de Goiás, após uma década de atividades voltadas
para a pesquisa e a produção científica sobre o fenômeno religioso e a formação de
pesquisadores (as), realizou, de 27 a 30 de setembro de 2010, o seu IV Congresso
Internacional em Ciências da Religião, visando discutir o tema “Religião,
transformações culturais e globalização”.
Desde suas primeiras edições, esses eventos contaram com o apoio da
própria instituição (PUC Goiás), de editoras e livrarias (Paulus, Paulinas, Vozes) e de
outras instituições locais. A partir do formato de Congresso Internacional, a CAPES
vem prestando significativo apoio, o que tornou possível dar continuidade aos
eventos referidos, dando assim maior visibilidade e credibilidade às pesquisas
desenvolvidas no Centro-Oeste Brasileiro, em âmbito nacional e internacional.
Parcerias também foram estabelecidas com a SOTER Nacional e, nesse ano, com o
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade Metodista de São Paulo
e da Universidade de Bologna e a Associazione Internazionale di Sociologia della
Religione (seção italiana).
O IV Congresso Internacional em Ciências da Religião contou com a
participação de pesquisadores e instituições renomadas em nível nacional e
internacional. Todos eles pesquisam e se debruçam sobre o tema “Religião,
transformações culturais e globalização” o que possibilita maior consolidação do
Programa e o amadurecimento de seus docentes e alunos envolvidos em
pesquisas interdisciplinares. Além do mais contribuem para o fortalecimento de laços
de internacionalização do Programa e parcerias entre docentes pesquisadores (as),
fatores extremamente importantes para a pesquisa no Centro-Oeste.
Os Anais dos Congressos são publicados regularmente e nesse ano
contamos com o apoio da REVISTA ON-LINE CIBERTEOLOGIA para publicarmos
em sua seção de ANAIS todos os resumos e as melhores comunicações científicas
aprovadas e apresentadas. Em breve será também publicado o livro contendo as
9. 9
grandes conferências apresentadas por pesquisadores e pesquisadoras nacionais e
internacionais que estiveram presentes em nosso Congresso.
Nesse número de CIBERTEOLOGIA, apresentaremos os resultados da
pesquisa de teólogos(as) e cientistas da religião que apresentaram suas
comunicações distribuídas pelos vários Grupos de Trabalho multidisciplinares que,
apesar de terem a religião como tema central, tentaram discutir os impactos das
transformações culturais e da globalização sobre ela.
Portanto, é com imensa alegria que socializamos algumas das comunicações
e todos os resumos de trabalhos aprovados e apresentados por nossos (as)
estudantes e pesquisadores(as) presentes no IV CONGRESSO INTERNACIONAL
EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO e que se debruçam sobre a religião e seus desafios
em uma sociedade em constante transformação cultural.
Profa. Dra. Irene Dias de Oliveira
Presidente e Coordenadora do
IV CONGRESSO INTERNACIONAL EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO DA
PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
11. 11
GT 1: IMPACTOS DAS TRANSFORMAÇÕES
CULTURAIS E DA GLOBALIZAÇÃO NA
(INTER)RELAÇÃO ENTRE RELIGIÃO E
SAÚDE
Coordenação: Dra. Carolina Teles Lemos
Resumo: Se a reflexividade da vida social moderna consiste no fato de que as
práticas sociais são constantemente examinadas e revisadas à luz de novas
informações sobre estas próprias práticas, alterando constitutivamente seu caráter
(Giddens), também a tradicional (inter)relação entre religião e saúde passa por
essas revisões. Os impactos dessa reflexividade incidem tanto sobre a religião, que
reconfigura seu olhar em relação à saúde, quanto sobre a área da saúde
(pesquisadores da área, profissionais, pessoas acometidas de doenças graves ou
não), que revisa suas concepções e buscas religiosas. Tendo presente essa
conjuntura, o GT visa ser um espaço de debate sobre os impactos das
transformações culturais e da globalização na (inter)relação entre religião e saúde.
Palavras-chave: religião, saúde, transformações culturais.
12. 12
A INTERFERÊNCIA DA BENZEDURA NO PROCESSO TERAPÊUTICO
Filipe Gomes Gadeia Brito1
Sandra Célia C. G. S. S. Oliveira2
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo conhecer de que forma as benzedeiras contribuem para o tratamento
terapêutico e a possível cura, assim como o ritual utilizado e como ele é transmitido. Para tal, foi realizado uma
pesquisa quanti/qualitativa, com informações coletadas a partir de entrevista semi-estruturada. Percebe-se que
existe a interferência da benzedura no processo terapêutico e vale salientar que a mesma não exclui o
tratamento médico, visto que existem determinados males onde os benzimentos não podem intervir. A prática
de benzimentos alcançou ao longo dos tempos lugar de grande importância, pois os que recorrem às
benzedeiras sejam movidos por uma fé no ritual, palavras e objetos utilizados, tentam encontrar ali a cura de
enfermidades.
A constante busca pelo estado de saúde faz com que muitos indivíduos busquem
métodos e formas alternativas para o alcance do bem-estar físico, psíquico e social,
sendo a benzedura uma dessa formas que alcançou grande difusão ao longo dos
tempos.
A benzeção realiza um dos momentos mais importantes da me-dicina
[sic] popular. Nela, os artifícios e estratégias do saber popular,
criados e recriados pela cultura popular rural, com os conhecimentos
sobre plantas, banhos, receitas, chás, sim-patias [sic], massagens,
escalda-pés, suadouros, garrafadas, medicamentos caseiros e às
vezes até mesmo industrializados, se corporificam nas concepções
terapêuticas da benzedeira [...]. (LEMOS, 2008, p. 71-72)
O presente estudo tem como objetivo conhecer de que forma as benzedeiras
contribuem para o tratamento terapêutico e a possível cura, assim como o ritual
utilizado e como ele é transmitido e para isso teve como campos de estudo as
cidades de Brumado, Guanambi, Macaúbas e Urandi, no estado da Bahia.
A IMPORTÂNCIA DA CULTURA POPULAR NO CONTEXTO DA SAÚDE
Desde os primórdios da humanidade, a busca pelo estado de saúde motivou o
homem a procurar meios e formas que lhe garantissem um estado de equilíbrio.
1
Graduando em Enfermagem pela Universidade do Estado da Bahia – lippe_ggb@hotmail.com
2
Mestranda em Ciências da religião da PUC - GO e Professora auxiliar da Universidade do Estado da
Bahia. Departamento de Educação, Campus XII, Guanambi : sandraccgs@hotmail.com
13. 13
Segundo Parker (1995), nos mais diversos lugares os indivíduos buscam amuletos,
talismãs, bênçãos, e cumprem ritos, com a finalidade de evitar os males, geralmente
relacionados à saúde.
O ato da benzedura é uma forma cultural muito procurada por pessoas de
diferentes etnias, gêneros, classes sociais, idades e religiões, a fim de obterem um
estado saudável. Este ato cultural, segundo Cavalcante & Chagas (200-), teve seu
início no período colonial brasileiro, bem como outras práticas médicas.
Segundo Ximenes (2000, p. 273), cultura é um conjunto de costumes, atitudes,
comportamentos, crenças, instituições, produções artísticas e intelectuais que
caracterizam um povo. Dessa forma, a cultura popular é algo de grande importância
para a formação da identidade de um povo e Gorzoni (2005, p. 69) ainda acrescenta
que os benzimentos são realizados por diversas culturas, de diferentes formas
possíveis e contam com o auxílio dos elementos da natureza e da religião, e todos
têm o mesmo objetivo: curar, abençoar e proteger as pessoas de forças negativas
do universo.
A INFLUÊNCIA DA RELIGIÃO E FÉ NO PROCESSO DE CURA
O homem sempre procurou o auxílio de uma força maior que o ajudasse a superar
os desafios encontrados no decorrer de sua vida, isso pode ser evidenciado nas
tentativas de superação das doenças, sendo estas sinônimo de caos e desordem,
além de ser considerada um castigo divino. Neste sentido a religião se encontra
numa concepção de intermediária entre os homens e deus(es), para assim obterem
a almejada graça, como a cura da doença. Para Priori (2007apud Cavalcante &
Chagas, 2000, p.4)
A enfermidade era vista por muitos pregadores e padres, e também
por médicos da época, como um remédio salutar para os
desregramentos do espírito. Nessa perspectiva, a doença nada mais
era do que o justo castigo por infrações e infidelidades perpetradas
pelos seres humanos.
Mesmo nos dias atuais, com o intenso desenvolvimento tecnológico e o grande
avanço na área da medicina, percebe-se que uma considerável parcela da
população ainda vê na religião uma forma de alcançarem a solução para os seus
problemas. A relação entre saúde e religião pode ser demonstrada de diversas
formas, como os ritos de imposição das mãos, benzeduras, exorcismos,
curandeirismo, xamanismo, pajelança, entre outros, cada um com sua crença, mas
todos convergem a um mesmo ponto: a cura das enfermidades.
14. 14
No contexto de religião e saúde, a fé desempenha um papel crucial, pois acredita-se
que a partir dela é que os indivíduos têm a esperança de alcançar o benefício
esperado. Afirma Santo Agostinho que a fé se baseia na crença e na aceitação do
que não é manifesto à razão, sendo seu objeto próprio os mistérios.
Sendo assim, podemos perceber a forte relação entre o tripé religião, fé e cura, pois
a religião não pode ser entendida como uma razão pura, mas sim por meio da fé, e é
esta fé que impulsiona o homem a crer nos mais diversos métodos que tenham por
objetivo alcançar a cura.
A PRÁTICA DE BENZIMENTOS NO PROCESSO TERAPÊUTICO
Parece contraditório nos dias atuais, que apesar de tantos avanços na área médica
e de pesquisas no campo da saúde existirem ainda as práticas de benzedura.
Comenta Cavalcante & Chagas (2000, p. 3)
Diante dos avanços do saber médico-científico[...] deveria supor que
práticas mágicas de intervenção no corpo estariam superadas,
restando a elas o espaço da literatura ou praticadas em comunidades
tradicionais. No entanto, isso não é o que a realidade mostra.
O ato da benzedura, uma prática cultural que atravessou os séculos e está presente
no cotidiano de muitas pessoas, consiste de um ritual em que se utilizam símbolos,
palavras e gestos, e tem por finalidade o restabelecimento da saúde. As
benzedeiras, também chamadas de rezadeiras, realizam o ritual de cura, motivadas
pela fé. Com relação a benzeção, afirma Aguiar (200-, p. 50):
As práticas de cura das mulheres benzedeiras não são um saber
especializado no mesmo sentido do saber dos médicos [...] a prática
das benzedeiras faz parte de uma vivência que é social, religiosa,
econômica e moral ao mesmo tempo. O exercício da benzedura
envolve todos os aspectos da vida da comunidade. As benzedeiras
são pessoas conhecidas das famílias da comunidade, donas de
casa, mães e avós, vizinhas, que, para retribuir o dom recebido de
Deus, rezam e curam.
Percebe-se que existe a interferência da benzedura no processo terapêutico e vale
salientar que a mesma não exclui o tratamento médico, visto que existem
determinados males onde os benzimentos não podem intervir. Neste caso, segundo
15. 15
relatos das benzedeiras, as mesmas aconselham os clientes a procurarem o
médico.
A cura das enfermidades, obtidas por meio dos benzimentos, é a responsável pelo
reconhecimento do ofício das benzedeiras.
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
Trata-se de uma pesquisa quanti/qualitativa, com informações coletadas por meio de
entrevista semi-estruturada, realizada com quatro benzedeiras e quarenta
entrevistados que recorreram às práticas de benzimentos, distribuídos nas cidades
de Brumado, Guanambi, Macaúbas e Urandi, no estado da Bahia.
Levando-se em consideração como as benzedeiras adquiriram o dom do
benzimento e de como ele pode ser transmitido, nota-se que 100% das
entrevistadas adquiriram atráves de herança familiar, podendo ser transmitido a
qualquer pessoa que tenha interesse em aprender. Com relação às enfermidades
em que se recorrem aos benzimentos, mau-olhado e quebranto são as mais
comuns. De acordo com as benzedeiras entrevistadas, as pessoas recorrem aos
benzimentos porque se sentem bem com a oração que elas praticam. E as mesmas
afirmam que há uma relação da cura com a fé.
Quanto ao dia e horário em que realiza-se os rituais verificou-se algumas diferenças
existentes. Dona Maria não reza aos domingos e nos outros dias só até às 9 hs da
noite. Dona Joana reza aos domingos só em caso de urgência e nos outros dias
reza normalmente, mas não às 18 hs e às 24 horas. Dona Norma e Ana rezam
qualquer dia e horário, não havendo restrições. Com relação ao ritual utilizado, Dona
Norma antigamente fazia uso dos ramos e após ser integrante da Renovação
Carismática Católica (RCC) passou a adotar a imposição das mãos, citando
passagem do Evangelho (Mc. 16), oração única e válida para todos os tipos de
enfermidades. As outras utilizam ramos no seu ritual, fazendo o sinal da cruz. Dona
Maria usa fitas, cartelinhas que contém as orações e cordão de São Francisco para
pessoas muito neuróticas. Dona Joana usa também faca de ponta, algodão e galho
seco. Dona Ana para realizar o ritual precisa de três ramos. Segundo Gorzoni (2005)
os benzimentos auxiliam na superação de situações de caos, como no caso de
patologias e grande parte das benzedeiras utilizam ervas, utensílios domésticos e
rezas no seu ritual.
16. 16
O último aspecto abordado diz respeito ao público que recorre às práticas de
benzedura. Verificou-se que 75% das entrevistadas (Brumado, Guanambi e
Macaúbas) atendem todos os públicos de todas as classes sociais. Entretanto, a
entrevistada de Urandi atende apenas crianças, não importando a classe social
pertencente.
Na entrevista realizada com as dez pessoas de cada cidade que já recorreram aos
benzimentos, verificou-se que a média de idade era 46 anos e são
predominantemente católicos. Tratando-se de gênero, a maior parte são mulheres,
representando um total de 72,5%. Com relação à obtenção de cura por parte dos
benzimentos, foi constatado que 37 pessoas afirmaram ter alcançado. No quesito de
enfermidades mais comuns, notou-se que a predominância era mau-olhado, vermes,
dor de estômago, alcoolismo e quebranto. Foi questionado também à quem as
pessoas atribuem a cura e notou-se que a maioria atribui a fé do cliente, a Deus e a
fé da benzedeira. Vale salientar que os nomes citados são todos fictícios.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das entrevistas e levantamento bibliográfico realizado, pode-se constatar que
realmente as práticas de benzimento contribuem de forma positiva no processo
terapêutico, isto, pois a maioria dos entrevistados relataram ter alcançado a cura por
meio do ritual e também foi possível detectar que há uma forte relação da cura com
a fé, seja por parte da benzedeira ou por parte do cliente.
Vale salientar que por meio dos dados coletados nos questionários feitos com as
benzedeiras, existem alguns malefícios onde os benzimentos não podem intervir,
neste caso aconselha-se o acompanhamento médico para a realização do devido
tratamento da patologia.
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Gilberto Orácio de. Mulheres negras da montanha: as benzedeiras de Rio
de Contas, Bahia, na recuperação da saúde. Ciberteologia - Revista de Teologia e
Cultura. [S.l.]. Ano III, n. 21, p. 48-51, [200-].
CAVALCANTE, Joel Martins; CHAGAS, Waldeci Ferreira. As mulheres
benzedeiras: entre o sagrado, a saúde e a política. p.1-11, [2000].
GORZONI, Priscila. Mulheres de fé. Raízes, [S.l.], p.69-76, dez. 2005.
17. 17
LEMOS, Carolina Teles. Religião e Saúde: (re)significando as dores na vida
cotidiana. Rio de Janeiro: Descubra, 2008.
PARKER, Cristián. Religião popular e modernização capitalista: outra lógica na
América Latina. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
XIMENES, Sérgio. Minidicionário da língua portuguesa. 2.ed. São Paulo:
Ediouro, 2000. 980 p.
18. 18
PRINCÍPIOS E PRÁTICAS DE SAÚDE NO MOVIMENTO ADVENTISTA:
A RELAÇÃO ENTRE SAÚDE E RELIGIÃO
Francisco Luiz Gomes de Carvalho (PUC-SP)3
Nailton Santos de Matos (UNINOVE)4
RESUMO
Este trabalho visa discutir os princípios e as práticas de saúde dentro do movimento
adventista na segunda metade do século XIX. Neste período, os hábitos alimentares
dos norte-americanos já não propiciavam melhores condições físicas. Os princípios
fundamentais de saúde abraçados pelos adventistas vem de sua percepção da
estreita relação entre saúde física e saúde espiritual. Tais princípios estão
alicerçados nos trabalhos dos reformadores, médicos e fisiologistas do século XIX.
Segundo White (1997: 346 ), ―tudo que nos diminui a força física enfraquece a mente
e a torna menos capaz de discernir entre o bem e o mal. Ficamos menos aptos para
escolher o bem, e temos menos força de vontade para fazer aquilo que sabemos ser
justo‖. Compreender as práticas de saúde dentro do movimento adventista é
entender o modo como este movimento vê o homem e sua relação com seu Criador.
Palavras-chave: adventismo, saúde, religião, princípios, reflexividade
Movimento Adventista no século XIX e seus desdobramentos no século XX
O movimento adventista tem nos Estados Unidos da América o seu berço de
nascimento, em um período histórico em que o ambiente político foi marcado pelo
fenômeno social com as relações raciais, polarizações sociais, questões escravistas,
mas também de grande efervescência religiosa. Gaustad (1975) ao descrever o
ambiente religioso afirma que ―revivalistas e milenialistas, comunitários e utopistas,
espiritualistas e prognosticadores, celibatários e polígamos, perfecionistas e
transcendentalistas‖ compunham o cenário que anteriormente era dominado pelas
organizações religiosas convencionais.
Este movimento lança as suas bases ideológicas a partir do fracasso da
utopia pregada por Guilherme Miller e vivida no desapontamento de 1844. É a partir
3
fluizg@yahoo.com.br
4
nailtonmatos@yahoo.com.br
19. 19
desse momento que há a sistematização de crenças e a organização institucional,
passando a se denominar Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD). Ao descrever as
crenças particulares da IASD Derosche (2000) lista cinco crenças sucintamente, e
dentre elas destaca: a prática de reforma sanitária e alimentar, como elemento da
santificação pessoal.
Nascida no século XIX a IASD continua a propagar suas bases ideológicas
fundadas na compreensão de inspiração e inerrância da Bíblia como livro sagrado e
no reconhecimento da função orientadora da profetisa Ellen G. White. Ao sugerir
razões para o avanço ideológico e institucional desse movimento, Numbers (1987)
atribui dentre outras, o desenvolvimento do interesse adicional pela educação,
regime alimentar, cuidado médico, liberdade religiosa e observância rigorosa do
descanso.
Apesar de uma orientação fortemente fundada na crença dos eventos
escatológicos e iminente resgate inédito dos crentes, o movimento adventista
mantém investimentos consistentes em meios de solidificação de suas ideologias,
bem como na propagação universal de sua mensagem, fazendo-se valer de
instituições educacionais, hospitais e clínicas, fábricas de alimentos, bem como
editoras e publicações. Segundo dados,5 ao redor do mundo são 7.597 instituições
de ensino, 600 estabelecimentos (clinicas, hospitais, sanatórios) de saúde, 23
indústrias de alimentos, 61 editoras e 435 periódicos.
A concepção de saúde nos EUA na segunda metade do século XIX
O nascimento da medicina perpassa momentos de práticas de magia na
antiqüíssima Babilônia, lições de Hipócrates na Grécia, medicina árabe na Idade
Média até à elaboração cientifica. Difícil é a tarefa de estabelecer fronteiras nas
atitudes face às doenças, por um lado marcadas pela busca constante da pesquisa
cientifica no saber médico, e por outro a crença inveterada na eficácia da magia
(orações ou ervas) e nos mágicos (bruxas, milagreiros, curandeiros).
5
Para ver na íntegra acesse: <http://www.adventistarchives.org/docs/ASR/ASR2008.pdf>
Acesso em 05.09.2010
20. 20
As noções, pressupostos, concepções acerca de saúde possuem estrita
relação com o estágio do conhecimento e a idéia de ciência que lhe são
contemporâneas, o que demonstra que a medicina é por natureza histórica e muitas
vezes misturada à religiosidade, ingenuidade, charlatanismo e iluminismo da época.
(LE GOFF, 1991)
Nos Estados Unidos na primeira metade do século XIX, a medicina
caminhava a passos curtos e enfrentava desafios cada vez maiores. Estatísticas de
algumas cidades enumeravam uma ampla relação de causa mortis ―desde extensa
variedade de febres (tifóide, tipo, ´febre pútrida´) e doenças comuns da época
(cólera e sarampo).‖ (LAND, 1987). A expectativa de vida média em 1840 era de
22,6 anos e a causa mais comum de óbito era a tísica pulmonar (tuberculose). Para
especialistas da época, a saúde era um estado intermediário de agitação, e a tarefa
do médico consistia em ajustar o nível dessa agitação. O tratamento das doenças
seguia um modelo constituído principalmente em sangria, purgação e polifármacos
(REID, 1982). Na declaração do Dr. Oliver Wendell Holmes em 1860 sobre a
medicina aplicada na época entende-se a gravidade do caso, pois afirma que:
[...]se toda a ―matéria médica‖ empregada atualmente pudesse ser lançada no
fundo do mar, seria bem melhor para a humanidade, embora bem pior para os
peixes. (NUMBERS, 1976)
A segunda metade do século XIX foi inundada de inovações e idéias
centradas no ser humano que superaram a ordem racional e clássica do século
precedente, o que inspirou reformas em diversas áreas institucionais, dentre elas a
saúde. A medicina heróica e seus resultados dão lugar ao que podia ser feito com
bom senso. Trata-se da multiplicação de manuais de saúde destinados àqueles que
não tinham como recorrer ao médico (LAPLANTINE, 1991). Estudiosos tais como
Horace Mann, James C. Jackson, Russel T. Trall, Larkin B. Coles, Dio Lewis, Joel
Shew, Sylvester Graham, William A. Alcott, dentre outros exaltavam aspectos do
viver saudável, mas em sua maioria os livros eram técnicos, volumosos, caros e
cheios de verbosidade.
Partindo de uma compreensão em que a pessoa é uma unidade indivisível de
corpo, mente e espírito, e que os componentes interativos e integrativos do corpo,
mente e espírito exigiam a saúde de cada componente para que todos pudessem
21. 21
funcionar eficientemente, o movimento adventista estabeleceu as bases no
desenvolvimento de sua Filosofia de saúde com o senso teológico de totalidade.
Esta filosofia de saúde fornece os conceitos pelos quais os aderentes desse
movimento têm ordenado sua vida pessoal. Tal filosofia também levanta a
possibilidade de a própria natureza conter virtudes curativas inerentes, como
Hipócrates muito antes havia crido.
A concepção de ser humano e seus desdobramentos no movimento adventista
A noção de dualismo em relação ao ser humano está presente em quase
todas as religiões cristãs. A crença na existência de entidades desencarnadas
(almas, espíritos, fantasmas, demônios, divindades, etc) é central em praticamente
todas as religiões contemporâneas. Entretanto, vale ressaltar que a noção de
materialidade da mente humana não é estranha ao judaísmo e aos antigos cristãos.
Segundo Locke (1690, Bk. IV, Cap 3, S. 6):
Todos os grandes objetivos da moralidade e da religião estão suficientemente a
salvo, sem provas filosóficas da imaterialidade da alma; uma vez que é evidente
que nosso criador... pode e irá nos restaurar para a mesma sensibilidade em um
outro mundo.
Além disso, Priestly (1977, apud Brown, 1962, p. 271), o erudito teólogo e
químico, escreveu que o materialismo "dá muita importância à doutrina da
ressurreição dos mortos‖.
Para este mesmo autor, "o que denominamos mente, ou princípio da
percepção e do pensamento, não é uma substância diferente do corpo, mas o
resultado da organização corpórea" (p. 265). Em conseqüência, o mental cessa com
a morte, que é a decomposição; mas "tudo que é decomposto pode ser recomposto
pelo Ser que o compôs pela primeira vez" (p. 272).
A concepção cartesiana de corpo foi retardatária no seio do cristianismo.
Deve-se ao filósofo Plotino e ao filósofo judeu Filo esta concepção de dualismo
psicofísico que não encontra sustentação nas Escrituras para os que o tem como
livro sagrado e crêem em sua mensagem como Revelação.
O movimento adventista é defensor desta percepção materialista do corpo. Para o movimento, os
sujeitos são unos. É o corpo que nos coloca no mundo. A síntese de nossos engajamentos nesse
22. 22
mundo é feita por esse corpo. Ele é a escritura viva do Ser, espaço significante, possibilidade de
nossa instituição no mundo, do nosso habitar no espaço e no tempo.
Esta concepção de unidade corpo/mente dá ao movimento uma dimensão integral do ser humano.
O que afeta o corpo afeta a mente. O corpo é o veículo de ação do Ser no mundo e do ser com o
transcendente.
Seguindo o principio bíblico de que o corpo é o templo do Espírito Santo, os adventistas vêem
nisto uma prerrogativa para o cuidado com o corpo. Ao longo da história do movimento,
desenvolveram uma verdadeira busca pela compreensão integral do ser humano sabendo que
aquilo que afeta o corpo também interfere em sua relação com o sagrado.
Nesta perspectiva filosófica bíblica o corpo é a morada do Espírito. Ele é o canal através do qual o
ser humano entre em contato com Deus, nesta compreensão o transcendente supremo. O corpo é
o veículo de ação do Ser no mundo, e ter um corpo significa estar em um meio definido com o
compromisso decorrente dessa implicação, pois com ele o homem habita o mundo e através dele
o divino toca o mundo. A restauração da imagem do Criador não é apenas na esfera espiritual
uma vez que estas esferas são indissociáveis. Portanto, não é possível ver nenhuma delas de
forma isolada.
Considerações finais
O movimento adventista desde o seu surgimento no século XIX tem se
dedicado em oferecer uma concepção de religiosidade baseada na compreensão do
ser humano como uma unidade integral, indivisível e indissociável de mente e corpo.
Tal concepção é corroborada pelo discurso do psiquiatra George F. Solomon,
(cunhou o termo ―psicoimunologia‖, depois expandido para ―psiconeuroimonologia‖
por Robert Ader) quando afirmou que ― mente e corpo não podem ser separadas...o
bem-estar físico e mental acham-se intrinsecamente entrelaçados‖
As obras produzidas pelo movimento ao longo deste período visam orientar
seus adeptos a preservarem seu corpo/mente saudável. São obras sobre regime
alimentar, cuidados com o corpo, uso dos recursos naturais para promoção da
saúde e criação de indústrias de alimentos naturais. Vale ressaltar que o estilo de
vida defendido pelo movimento não tem nenhuma implicação determinista para
salvação. A mudança de hábitos alimentares implica melhoria na qualidade de vida
para uma religião que entende que enquanto o homem aguarda a manifestação do
dia do Senhor pode e deve viver com qualidade agora.
23. 23
REFERÊNCIAS
BAKER, Beth. Scientists finding more evidence of link between mind and health.
AARP Bulletim, 1993.
DEROSCHE, Henri. Dicionário de Messianismos e Milenialismos. São Bernado do
Campo: UMESP, 2000.
DOUGLAS, Herbert E. Mensageira do Senhor. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira,
2001.
GAUSTAD, Edwin, ed. The Rise of Adventism. New York: Harper & Row, 1975.
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Editora, 1991.
LE GOFF, Jacques. As Doenças tem História. Lisboa: TERRAMAR, 1991.
NUMBERS, Ronald L. Prophetess of Health. New York: Harper & Row, 1976. Edição
revisada. Knoxville, TN: The University of Tennesse Press, 1992.
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Indiana University Press, 1987.
REID, George W. A Sound of Trumpets. Washington, D.C: RHPA, 1982.
WHITE,Ellen G. Parábolas de Jesus .Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1997.
24. 24
ASSOCIAÇÃO ENTRE PRÁTICA RELIGIOSA E DE ATIVIDADE FÍSICA EM
UNIVERSITÁRIOS GUANAMBIENSES
Deyvis Nascimento Rodrigues6
Aleone de Oliveira Martins7
Ricardo Franklin de Freitas Mussi 8
Sandra Célia Coelho Gomes da Silva S de Oliveira9
INTRODUÇÃO
Independente do período histórico e grupo social as práticas religiosas
parecem desempenhar importante papel nas relações humanas, costumando
―desempenhar papel central na experiência humana, influenciando nossa forma de
perceber os ambientes deste mundo em que vivemos e de reagir a eles‖ (GIDDENS,
2005, p.426). Podendo ser considerada importante fator nas experiências do
homem, fazendo-se necessário estudar as práticas religiosas associadas as mais
variadas atividades humanas, verificando o grau de sua interferência no cotidiano do
homem.
A religião influencia o modo como o homem percebe o mundo, interferindo
nas relações do indivíduo com os seus semelhantes. Neste sentido Malinowski,
1988 apud Lemos (2008, p.13) expõe a sua influência na compreensão do indivíduo
quanto a si e sua identidade, segundo valores e crenças da natureza humana e
destino. Além disso, Lemos (2008, p.12) acrescenta que ―a religião é indispensável
para a sociedade por ser ela que mantém os indivíduos em relação uns com os
outros‖. Uma vez que
A religião consegue manter a vida em sociedade porque além dela oferecer
a possibilidade de que os indivíduos vivam muito bem e por muitos anos,
quando a concretização dessa oferta se torna impossível, a religião abre
ainda a possibilidade de que essa promessa se realize em um tempo, no
tempo futuro. (LEMOS, ano, p.16)
Ao se pensar em indivíduos longevos e vivendo bem, deve-se pensar
prioritariamente em uma vida saudável. Terrin (1998) apud Lemos (2008, p.53)
mostra que saúde e salvação originaram-se do termo svastha e partilharam mesmo
significado, bem-estar e plenitude, por um longo período. Sendo a saúde o estado
de bem-estar e salvação, ainda é possível estabelecer a relação existente entre a
doença e a interferência de espíritos maus, possessão demoníaca e o pecado.
Romano (1998) apud Lemos (2008, p.62) defende que ―a doença é uma
quebra de equilíbrio biopsicossocial do indivíduo e obrigatoriamente remete o
paciente à revisão de valores, ações e desencadeia mecanismos de resgate da
6
Graduando em licenciatura plena em Educação Física – UNEB, Pesquisador LEPEAF e GAMA;
rodriguesdeyvis@yahoo.com.br
7
Graduanda em licenciatura plena em Educação Física – UNEB;
8
Orientador: Professor da UNEB–Campus IV; Mestrando em Saúde Coletiva – UEFS; Pesquisador
LEPEAF e GAMA;
9
Professora da UNEB–Campus XII; Mestranda em Ciências da religião – PUC/GO;
25. 25
condição humana e de suas relações‖. Quanto à relação saúde e religiosidade
Guimarães e Avezum (2007, p.93) dizem que:
a influência da religiosidade/espiritualidade tem demonstrado potencial
impacto sobre saúde física, definindo-se como possível fator de prevenção
ao desenvolvimento de doenças, na população sadia, e eventual redução
de óbito ou impacto de diversas doenças.
Ainda, deve ser compreendida a idéia de que a saúde é dinâmica, variando
dentro de um continuum com pólos positivo (capacidade de apreciar a vida e resistir
aos desafios cotidianos) e negativo (relacionado às morbidades e mortalidade
prematura). (NAHAS, 2006)
Sendo a religião construtora de entendimentos relacionados à saúde e o
bem-estar, surge a necessidade do desenvolvimento de estudos relacionando-a com
os principais fatores de promoção de saúde, inclusive quanto a pratica de atividade
física regular, uma vez que a esta vem sendo ―associada ao bem-estar, á saúde e a
qualidade de vida das pessoas em todas as faixas etárias‖ (BARROS & NAHAS,
2003, p.10).
Caspersen, Powell & Christenson (1985) apud Pitanga (2000) definem
atividade física como qualquer movimento corporal, advindo da musculatura
esquelética, com gasto energético. Barbanti (2003, p.53) acrescenta que esta seria
representada pelo esporte, aptidão física, recreação, brincadeira, jogo e exercício.
Na prevenção das doenças Gonçalves e Basso (2005, p.33) dizem que ela
―é compreendida como prática relevante para beneficio à saúde‖. Desta maneira, o
presente trabalho teve por objetivo identificar as relações entre o nível de Atividades
Físicas Habituais (NAFH) e prática religiosa em universitários da área da saúde das
universidades presenciais com campus em Guanambi/BA.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O trabalho possui característica descritiva (THOMAS, NELSON e
SILVERMAN, 2007, p. 29-30) Além de correlacional, neste caso representado pelo
acometimento e inter-relações da Religião e do NAFH. Finalmente apresenta
características quantitativas e qualitativas por pontuar, mensurar e avaliar variáveis
de estudo (MINAYO, 2007).
A coleta de dados foi precedida pela instrução das questões fundamentais
do estudo, entrega e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.
Seguindo-se as orientações da norma regulamentadora CNS 196/96.
O instrumento foi composto por questionário com itens sobre informações
sócio-demográficas, prática religiosa e Questionário de Atividades Físicas Habituais
(Pate apud Nahas, 2006: 46).
Sendo importante salientar que o NAFH foi classificado em
―Insuficientemente Ativos‖ (escore inferior/igual a 11 pontos) e ―Ativos‖ (superior/igual
a 12 pontos).
Os dados foram tabulados e analisados descritivamente e por freqüência no
SPSS 11.5 for Windows, seguida de análise correlacional em tabela cruzada entre
Religião e NAFH.
RESULTADOS
26. 26
Amostra foi composta por 41 avaliados, com idade de 20,85+3,4 anos,
estudantes do 1º bloco dos cursos de saúde das faculdades presenciais de
Guanambi/BA, sendo 63,4%(26) mulheres e 36,6%(15) homens, 82,9%(34)
solteiros, 12,2%(5) casados e 4,9%(2) com outra situação, 48,78%(20) católicos,
36,58%(15) evangélicos, 2,44% (1) espírita e 12,20%(5) de outra religião,
51,22%(21) insuficientemente ativos e 48,78%(20) ativos.
- Associação entre prática religiosa e Nível de
Tabela 1 – Relação entre Religião e Nível de Atividade Física
Nível de Atividade Física
Insuficientemente Ativo
Ativo
Religião Católico 30% (6) 70% (14)
Evangélico 86,6% (13) 13,4% (2)
Outra 33,4% (2) 66,6% (4)
DISCUSSÕES
Observando-se os dados presentes na Tabela 1 nota-se há uma influencia
diferenciada entre a prática religiosa e o nível de atividade física, uma vez que70%
dos ditos católicos são considerados fisicamente ativos, no entanto 86,6% dos que
se dizem evangélicos são classificados como insuficientemente ativos, em contra
partida, os de outras religiões não houve um contingente amostral para expressar a
correlação entre as variáveis. Desta forma, nota-se que o grupo dos que se dizem
católicos é aderente a programas de atividade física, no entanto esta aderência é
comprometida no grupo dos evangélicos.
Barbanti (1994) apud Tahara, Schwartz e Silva (2003, p.8) define aderência
como, ―a participação mantida constante em programas de exercícios, considerados
nas formas individual ou coletiva, previamente estruturados ou não‖.
O processo de aderência não acontece por acaso, Pollock (1988) citado por
Gonçalves e Compane (2005, p.19) relata que os principais fatores que podem
afetar a aderência a programas de atividade física são:
Atitude em relação à atividade física; personalidade; tipos de programas de
exercício (freqüência, duração, intensidade e o modo da atividade); peso e
composição corporal; problemas médicos (lesões, nível de aptidão,
supervisão do grupo); estabilidade; influência do cônjuge; idade; sexo;
estado socioeconômico; custo e método de pagamento e fatores
relacionados com o tempo.
Além destes fatores, Guarnieri (1997) mencionado por Tahara, Schwartz e
Silva (2003, p.8) descreve que os principais fatores que levam a população adulta a
aderir a programas de atividade física regular são: ―benefícios para a saúde, sentir-
se bem, controlar o peso, melhorar a aparência e reduzir o estresse‖.
No que diz respeito aos benefícios da atividade física Carvalho et. al. (1996
p. 79) descreve que ―a saúde e a qualidade de vida do homem podem ser
preservadas e aprimoradas pela prática regular de atividade física‖ Sendo assim os
católicos estão mais propensos a atingir os benefícios a saúde, propostos pela
prática regular de atividade física do que os evangélicos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
27. 27
Conclui-se que a prática religiosa é um importante fator no que diz respeito à
manutenção de níveis saudáveis de atividades físicas, uma vez que, como sugerem
os resultados deste trabalho, a religião interfere na adesão a programas de atividade
física. No que diz respeito aos benefícios destes programas, nota-se que os
evangélicos se encontram em situação de risco, pois, como refere Carvalho et. al.
(1996 p. 79) ―o sedentarismo é condição indesejável e representa risco para a
saúde‘.
REFERÊNCIAS
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2003
BARROS, M.V. G. de & NAHAS, M.V. Medidas da Atividade Física: teoria e
aplicação em diversos grupos populacionais. Londrina: Midiograf, 2003.
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Esporte: atividade física e saúde. Rev Bras Med Esport. v.2, n.4, 1996.
GONÇALVES, A.; e BASSO, A. C. Atividade Física. In: GONZÁLEZ, F.J. &
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GIDDENS, Anthony. Sociologia/ Anthony Gidenns; tradução Sandra Regina Netz. 4
ed. Porto Alegre: Artmed, 2005
MADUREIRA, A.S.; FONSECA, S.A. & MAIA, M. de F. M. Estilo de Vida e Atividade
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MINAYO, M. C. de S. O Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde.
10ª ed. São Paulo: Hucitec, 2007.
NAHAS, M. V. Atividade Física, Saúde e Qualidade de Vida: conceitos e sugestões
para um estilo de vida ativo. 4 ed. rev. e atual. Londrina: Midiograf, 2006.
PITANGA, F. J. G. Testes, medidas e avaliação em Educação Física e esportes.
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TAHARA, A. K.; SCHWARTZ G. M.; SILVA K. A. Aderência e manutenção da prática
de exercícios em academias Revista bras. Ci. e Mov. v.11 n.4 p. 7-12, 2003.
THOMAS, J. R.; NELSON, J. K.; SILVERMAN, S. J. Métodos de pesquisa em
atividade física. Tradução Denise Regina de Sales, Márcia dos santos Dornelles. 5
ed, Porto Alegre: Artmed, 2007.
29. 29
GT 2 - RELIGIÃO, VIOLÊNCIA, ETNICIDADE
E GLOBALIZAÇÃO
Coordenação: Drª Irene Dias de Oliveira
Resumo: Esta mesa pretende analisar a relação entre religião, violência e
etnicidade no âmbito da sociedade globalizada, multicultural e plurirreligiosa. A
violência tem tido um aumento considerável na sociedade atual e exige reflexão
mais acurada e atenta. De outro lado a relação entre violência, religião e etnicidade
tem dado origem a polêmicas generalizadas e por vezes superficiais impedindo um
olhar mais atento e acurado para as dimensões históricas, culturais e sociais em
relação a determinados grupos étnicos. Esta mesa pretende portanto acolher
propostas que debatam e questionem a relação religião, violência e etnicidade na
sociedade atual.
Palavras-chave: religião, etnicidade e violência.
30. 30
AFRICANIDADE, RESISTÊNCIA CULTURAL E RELIGIOSIDADE: LEITURAS DA
NÃO DISCIPLINARIZAÇÃO DO CORPO NA CAPOEIRA EM BELÉM.
Leila do Socorro Araújo Melo10
Resumo
A Capoeira, manifestação da cultura afro-brasileira constitui campo
privilegiado de estudos na atualidade, porém a existência da capoeira, espécie de
jogo/luta/dança, parece remontar o Brasil colonial, mais precisamente ao contexto de
luta dos negros contra o sistema de escravidão, sendo o corpo o principal referencial
dessa resistência física e simbólica, haja vista que, nessa estrutura de extrema
dominação, ocorre o esforço de imposição de novos valores, como a língua
portuguesa, a religião católica, os costumes em geral, principalmente aos negros
escravos, parcela importante da população, que ao longo de seu desenvolvimento
cria estratégias de luta e formas de organização que se passam desde o conflito
aberto contra os senhores, bem como pela negociação11.
1. Capoeira e Perseguição
Tida como ―coisa de negro‖, assim como outras manifestações (o samba, o
batuque, os afoxés) ligadas a uma tradição negro-africana no Brasil, a capoeira,
ao longo do século XIX e início do século XX, emerge como uma prática
associada ao universo da vagabundagem e da marginalidade, sendo duramente
perseguida e inclusive enquadrada como crime no código penal brasileiro de
1890, permanecendo nessa situação até a década de 30 deste século, quando é
elevada a categoria de esporte pelo Estado Novo de Getúlio Vargas (SOARES,
1994)
Ao longo de sua trajetória, a prática da capoeira comportou vários
significados. Se, no início da fase republicana, a criminalização refletia a leitura
10
Mestre em Antropologia Social e docente do curso de Ciências da Religião da Universidade do
Estado do Pará ( leilamelo1@yahoo.com.br)
11
Sobre o caráter de resistência negra no Brasil, uma recente produção historiográfica vem
chamando atenção para as estratégias cotidianas desenvolvidas por homens e mulheres para a
conquista da liberdade. A barganha e a negociação constituem os principais mecanismos de luta,
sendo que as imagens construídas de Zumbi (reforçando a rebelião) e ―Pai João‖ (representando a
submissão) representam dois extremos de um processo pautado sobretudo por uma zona
intermediária, na qual as formas de negociação ganham maior peso. Cf. Reis e Silva (1989),
Chalhoub (1990).
31. 31
que determinados seguimentos faziam a respeito da capoeiragem, como era
definido o delito, na época imperial, momentos de tolerância e repressão se
alternavam demonstrando o jogo de interesses do período.
Marcos Bretas nos fornece um quadro a respeito da presença de capoeiras
no Rio imperial e sua participação no enlace da ordem e desordem política do
contexto.
As maltas- bandos de capoeiras – tomam parte nos grandes
eventos urbanos: desfilam sempre à frente das bandas de
música e procissões, exibindo sua destreza e provocando
tumultos {...}. Pouco a pouco eles são incorporados à
atividade política, produzindo segurança ou insegurança,
dependendo de quem seja o dono do comício ou da eleição.
Exército das ruas, os capoeiras incorporam-se também –
através das práticas do favor – às fileiras das forças
regulares, tornando-se além de exímios navalhistas, agentes
de polícia, a celebrar a identidade entre a ordem e a
desordem (BRETAS, 1989, p. 57).
Inserido na conjuntura política do período, o capoeira do contexto pós-
escravista contraria, muitas vezes, a alcunha de ―vagabundo‖ e ―vadio‖, corrente
no momento, integrando-se ao universo profissional do final do século XIX.
Através da análise dos registros da Casa de Detenção do Rio de Janeiro, durante
a dura repressão iniciada no alvorecer da República, Bretas chama a atenção
para o perfil profissional dos indivíduos presos por capoeiragem. Havia uma
diversidade de atividades que incluía “artesões, vendedores ambulantes,
empregados nos transportes e serviços urbanos, cozinheiros, pedreiros,
cocheiros, vendedores de bala, pescadores, etc”12, o que parece reproduzir a
mistura que o ambiente urbano ocasionou entre os ex-escravos e o conjunto dos
homens livres e pobres.
Um outro momento de valorização dos capoeiras durante o Império se
percebe na participação desses homens na Guerra do Paraguai. Atraídos pelas
promessas de alforria, muitos cativos aumentaram os contigentes do exército
brasileiro que, após o término do conflito, teve o seu prestígio consideravelmente
elevado.
Por outro lado, a presença em massa de elementos das camadas
populares na guerra ocasionou o ressurgimento do temor, por parte das elites,
12
BRETAS, op. cit. Pág.58.
32. 32
com esses seguimentos formados por ex-escravos, criminosos, desordeiros, que
agora exibiam pelas ruas uniformes, medalhas e o título de ―heróis da pátria‖. O
confronto se tornava inevitável, demonstrando o inconformismo com os papéis
anteriores que esses sujeitos ocupavam na ordem social urbana (SOARES,
2004).
Enfim, a guerra representou uma expectativa de prestígio social e
reconhecimento, desses soldados negros13, o que dificilmente ocorreria sem o
conflito, e colocou em cena esses personagens de grande importância no jogo
político da época imperial.
Sobre a capoeira desenvolvida em Belém, Salles (1994) demonstra através
de documentos jornalísticos e literários sobre o tema a forte presença de
capoeiras em eventos religiosos e festas populares, demonstrando, talvez, uma
forma particularizada de organização.
Seguindo as pistas deixadas por Salles, Leal (1997) utilizando
documentações distintas (obras literárias, processos-crimes, jornais, legislação,
etc), relaciona a capoeira a outras manifestações populares na cidade de Belém
(o carnaval, o futebol). O autor procura discutir como o discurso letrado do século
XIX caracteriza esses personagens, atento para os locais de suas aparições e
também para os mecanismos institucionalizados que irão agir na repressão dessa
atividade.
Atualmente entre um conjunto de significados e práticas a capoeira
pode ser lida como uma linguagem cultural, que expressa a articulação de
experiências individuais e coletivas, no qual o corpo é o guardião dessa historicidade
de resistência e luta imprescindível para o conhecimento de nossas raízes.
Nesse processo de formação identitária o aprender a ser capoeira envolve
pontos inovadores para o campo da educação, pois sua base não se encontra em
um modelo de conhecimento fechado, modular, e sim na elaboração do
conhecimento pelo auto-conhecimento. Os componentes reafirmadores do educar
13
A guarda negra formada por esses soldados, surge, como uma milícia anti-republicana, cujo símbolo era a
princesa Isabel, transformando-se em uma força de expressiva atuação na vida política da corte, cf. GOMES,
Flávio dos Santos. No meio das águas turvas: racismo e cidadania no alvorecer da República: a Guarda negra
na corte: 1888-1889. Rio de Janeiro: Estudos Afro-Asiáticos, (21) 75-96, dez. 1991, SOARES, Op. Cit. Areias
(1983).
33. 33
envolvem valores como identidade, confiança, companheirismo, respeito e
lealdade, sintetizados na complexa noção de fundamentos.
No entanto, a ambigüidade (Reis, 1997) marca o desenvolvimento da
capoeira contemporânea. Seus vários aspectos (jogo, luta, dança) alternam-se de
acordo com as concepções particularizadas de seus atores. Barbieri (1993, p. 54)
demonstra o caráter ambíguo ao apresentar a capoeira como um continuum que
tem como pólos o sentido da destruição e o sentido da cooperação. Esses pólos
apresentam-se de modo alternado dependendo do tipo de diálogo travado e
objetivo delimitado no desenrolar do jogo, ou seja, sua feição é dada pela
intencionalidade e pelos preceitos que norteiam os integrantes da roda de
capoeira, do grupo.
Nesse sentido, a capoeira pode ser um mecanismo educacional pautado
nos princípios da corporeidade (ludicidade, auto-percepção, liberdade e
participação), afirmando a roda enquanto espaço de expressividade humana, de
encontro, de troca, de reflexão sobre os valores éticos da sociedade mais geral,
da “grande roda”; por outro lado, a capoeira pensada como mecanismo de
eficiência física, privilegiando a competividade não crítica, que conduz ao reforço
de valores reafirmadores da luta e, muitas vezes, geradores de conflito.
As posturas diferenciadas diante do real expressam, portanto, os aspectos
contraditórios desse jogo e as elaborações construídas sobre a prática. As
escolhas seguidas por seus praticantes refletem as posturas assumidas diante da
historicidade contraditória desse jogo.
REFERÊNCIAS
BRETAS, Marcos Luiz. Navalhas e Capoeiras: Uma outra queda. Rio de Janeiro:
Ciência Hoje, (59) 56-64, Nov. 1989.
LEAL, Luiz Augusto Pinheiro. Amolando as gambias: significados e prática da
Capoeira em Belém (1840 1853). Belém: Departamento de História/UFPa, mimeo.
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MELO, Leila do Socorro Araújo. Nas trilhas da ginga: Tradição e Fundamento
construindo a prática educativa da capoeira em Belém.Belém, Laboratório de
Antropologia/UFPA, mimeo. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social, 2000.
34. 34
SALLES, Vicente. A defesa pessoal do negro: a capoeira no Pará. Brasília: Micro-
edição autor, 1994.
SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A Negregada Instituição. Rio de Janeiro: Coleção
Biblioteca Carioca, 1994.
SOCIEDADE, POLÍTICA E MEIO AMBIENTE
ROBERTO FERNANDES DE MELO
Resumo
O presente artigo, fazendo uso da pesquisa bibliográfica, faz uma análise das
relações entre sociedade e natureza, mostrando que as injustiças e violências nas
relações humanas e sociais promovem também a exploração do meio ambiente.
Desta forma as consciências políticas e ambientais caminham juntas. Ecologia e
cidadania são inseparáveis quando se pretende estabelecer um equilíbrio
socioambiental, assim os movimentos ambientais são apresentados como modelos
na busca de mudanças paradigmáticas das relações sociedade e meio ambiente.
Abstract
This article, using the literature search, analyzes the relationships between society
and nature, showing that the injustices of human and social relations also promote
the exploitation of the environment. Thus the political and environmental awareness
go together. Ecology and citizenship are inseparable when envisaging a socio-
environmental balance, and environmental movements are presented as models in
the search for a paradigm shift in relations society and environment.
Palavras Chaves: Políticas, violência, problemas socioambientais, consumismo e
movimentos ambientais.
Sociedade e natureza
As relações entre sociedade e natureza, até o século XIX, em sua compreensão
tradicional, analisava o homem e a natureza como pólos excludentes, tendo como
referência a compreensão da natureza como objeto e fonte ilimitada de recursos
para a utilização do homem. Assim afirmam Bernardes e Ferreira (2005):
35. 35
A compreensão tradicional das relações entre a sociedade e a natureza
desenvolvidas até o século XIX, vinculadas ao processo de produção
capitalista, considerava o homem e a natureza como pólos excludentes,
tendo subjacente a concepção de uma natureza objeto, fonte ilimitada de
recursos à disposição do homem (p. 17).
Essa visão tradicional reflete as fases da evolução terrestre e da história humana e,
sobretudo, a fase da chamada sociedade industrial que é a mais reduzida de todas
as fases históricas anteriores. Segundo De Masi (2000):
Nesta longa trajetória da evolução terrestre e da história humana, a fase
que, segundo convencionamos, corresponde à sociedade industrial – da
metade do século XVIII à metade do século XX – é muito mais reduzida do
que todas as fases históricas anteriores, caracterizadas sucessivamente
pela caça, pelo pastoreio, pelo trabalho agrícola, pela grande transformação
mercantil (p. 12).
Existem três fenômenos que emergem da sociedade industrial , segundo de Masi
1
(2000, p. 18 -20). O primeiro refere-se a uma convergência progressiva entre os
países industriais, que independe do regime político, como foi o caso de EUA e
URSS. O segundo consiste no crescimento das classes médias (no nível da
sociedade) e da tecno-estrutura (no nível de empresa). O terceiro, refere-se à
difusão do consumo de massa e da sociedade de massa que, segundo o mesmo
autor, é uma das mais significativas da transição da sociedade industrial para a pós
industrial. É justamente sobre as relações violentas entre sociedade de consumo e
natureza que focamos nossos estudos.
Segundo a leitura e interpretação que os autores Bernardes e Ferreira (2005) fazem
sobre as idéias de Marx em relação à sociedade e natureza, essas relações
acontecem como formas de determinada sociedade se organizar para ter acesso e
utilizar os recursos naturais existentes. Vale citar que ―na abordagem de Marx, as
relações sociedade/natureza são enfocadas em termos das formas como
determinada sociedade se organiza para o acesso e o uso dos recursos naturais‖
(p.19).
Desta forma, fica evidente que a relação com a natureza sempre acompanha as
relações sociais . Quando existem injustiças , abusos, violência e exploração nas
2 3
36. 36
relações sociais, também essas mesmas injustiças, abusos violência e exploração
aparecem nas relações com a natureza. A sociedade de consumo necessita da
produção de excedentes, esses excedentes são produzidos por meio de uma maior
exploração da natureza.
Produzir em excesso é uma condição necessária para a intensificação das relações
comerciais, desenvolvimento do capital e geração do lucro. Isso implica uma nova
forma de relacionamento com a natureza. Assim, vale apontar:
Sob o processo de acumulação, o capitalismo deve expandir-se
continuamente para sobreviver enquanto modo de produção, ocorrendo a
apropriação da natureza e sua transformação em meios de produção em
escala mundial. Com a produção da natureza nessa escala, a relação com a
natureza passa a ser, antes de mais nada, uma relação de valor de troca: é
a partir da etiqueta de preço que se coloca, na mercadoria é que se
determina, o destino da natureza, passando a relação com a natureza a ser
determinada pela lógica do valor de troca (BERNARDES e FERREIRA,
2005, p. 21).
O aumento do consumo e da produtividade são marcas da sociedade capitalista, tais
marcas incentivam o desperdício e com isso geram um ciclo de mais produção e
maior intensificação do consumo, e conseqüentemente, maior destruição da
natureza.
Como membros de uma sociedade de consumidores, na atual fase do
capitalismo, vivemos num mundo em que a economia se caracteriza pelo
desperdício, onde todas as coisas devem ser devoradas e abandonadas tão
rapidamente como surgem...(BERNARDES e FERREIRA, 2005, p. 21).
Podemos falar de uma crise fundamental provocada justamente pelo consumismo
exagerado. Esse tipo de comportamento se difundiu ou foi imposto praticamente ao
mundo inteiro, caracterizando e formando um tipo de civilização.
Qual é o primeiro sinal visível que caracteriza esse tipo de civilização? É
que ela produz sempre pobreza e miséria de um lado e riqueza e
acumulação do outro. Esse fenômeno se nota em nível mundial. Há poucos
países ricos e muitos países pobres. Nota-se principalmente no âmbito das
nações: poucos estratos beneficiados com grande abundância de bens de
vida (comida, meios de saúde, de moradia, de formação, de lazer) e
grandes maiorias carentes do que é essencial e decente para a vida.
Mesmo nos países chamados industrializados do hemisfério norte notamos
bolsões de pobreza (terceiromundialização no Primeiro Mundo) como
37. 37
existem também setores opulentos no Terceiro Mundo (uma
primeiromundialização do Terceiro Mundo), no meio da miséria
generalizada (BOFF, 2005, p. 20).
Dessa forma, o espaço é modelado conforme os interesses (capitalistas)
econômicos e sociais de um determinado modelo vigente , estas relações não
4
acontecem no mundo abstrato, mas no espaço concreto, conforme afirma de
maneira contundente Bernardes e Ferreira (2005).
As relações sociais e econômicas não se realizam num distanciado circuito
abstrato, mas, ao contrário estão solidamente inseridas numa materialidade
espacial. Portanto, é pelas vias espaciais que o modo de produção veicula
seus valores de troca e de uso, drenando os lucros obtidos neste processo
e funcionando como um instrumento de concentração de renda (p. 23).
A política econômica vigente gera exclusão, pobreza e exploração – do homem em
5
relação à natureza e do homem em relação ao próprio homem – sendo urgente a
escolha e aplicação de novas práticas políticas. Sobre a exclusão promovida pelo
mercado, afirma L.Boff:
Este tipo de mercado excludente cria níveis de pobreza mundial jamais
vistos. É injusto e impiedoso ver que 20%da humanidade detenham 84%
dos meios de vida (em 1970 eram 70%), e os 20% mais pobres tenham que
contentar-se com apenas 1,4% (em 1960 eram 2,3%) dos recursos. É
injusto e cruel manter mais de um bilhão de pessoas em extrema pobreza e
tolerar que 14 milhões de crianças morram antes de completar cinco dias de
existência (p. 8).
Essa política de exploração é uma ameaça constante ao sistema Terra. O grito dos
explorados é o grito também da Terra. As relações do homem com o homem, e do
homem com a natureza (sociedade e natureza) precisam ser direcionados por
políticas que valorizem a solidariedade e tenha compromisso com a preservação do
meio ambiente. Sobre o drama da exploração da Terra, afirma Boff (2000):
A este drama é preciso acrescentar a ameaça que pesa sobre o sistema
Terra. A aceleração do processo industrial faz com que a cada dia
desapareçam 10 espécies de seres vivos e 50 espécies de vegetais. O
equilíbrio físico–químico da Terra, construído sutilmente durante milhões e
milhões de anos, pode romper-se devido à irresponsabilidade humana. A
mesma lógica que explora as classes oprime as nações periféricas e
submete a Terra à pilhagem. Não são somente os pobres que gritam, grita
38. 38
também a Terra sob o esgotamento sistemático de seus recursos não
renováveis e sob a contaminação do ar, do solo e da água...(p. 9).
Política e práticas socioambientais
Quando falamos em equilíbrio entre as relações da sociedade com a natureza é
importante afirmar a necessidade de políticas que verdadeiramente possam
contribuir para práticas efetivas de preservação. Primeiramente é necessária uma
definição do que seja política. Dallari (1999) define política como:
Os gregos davam o nome de polis à cidade, isto é ao lugar onde as pessoas
viviam juntas. E Aristóteles diz que o homem é um animal político, porque
nenhum ser humano vive sozinho e todos precisam da companhia de
outros. A própria natureza dos seres humanos é que exige que ninguém
viva sozinho. Assim sendo, ―política‖ se refere à vida na polis, ou seja, à
vida em comum, às regras de organização dessa vida, aos objetivos da
comunidade e às decisões sobre todos esses pontos (p.8).
Pedro Demo (2006) também faz a sua definição sobre política da seguinte forma:
Não vou aqui reconstruir uma discussão complexa e longa (Demo, 2002),
mas indicar algumas pistas mais pertinentes à nossa discussão. Desde os
gregos fala-se de ―zoón politikón‖ (animal político), sugerindo essa
expressão que o ser humano não lida apenas com estruturas às quais se
curva de modo geral, mas também com dinâmicas históricas, nas quais
pode conquistar alguma margem de manobra, como regra através da
habilidade de aprender e conhecer. Damos a essas dinâmicas o nome de
―politicidade‖, quase sempre em referência a Paulo Freire (1997), que por
primeiro falou de ―politicidade da educação‖, ao discutir o desafio da
autonomia (p. 8).
A natureza humana necessita da vida em sociedade, portanto, o homem é um ser
social por natureza e tudo o que ele tem e realiza é tido e realizado em sociedade.
Todos os seres humanos valem exatamente a mesma coisa, por natureza todos
nascem iguais e é a sociedade que estabelece as diferenças. Assim, as diferenças
de valor entre os seres humanos são artificiais, não naturais, é contra a natureza
permitir que uns nasçam ricos e socialmente bem situados enquanto outros nascem
39. 39
miseráveis e condenados a uma vida de sacrifícios e inferioridade social (DALLARI,
1999, p. 13).
A consciência política - e da prática da cidadania – e ambiental estão diretamente
relacionadas, não existe uma separação ou ruptura entre elas. A problemática
socioambiental amplia a consciência de suas causas sociais, podendo promover
uma maior participação política e cidadã. Assim afirma Carvalho (2008):
Nessa perspectiva, a introdução da problemática socioambiental na esfera
pública não apenas denuncia os riscos ambientais, mas também amplia a
consciência de suas causas sociais. Essa consciência de riscos
compartilhados pode atuar como força agregadora, cooperando para a
formação de redes de ações solidárias (p. 169).
Desta forma, as consciências ambientais e sociais caminham juntas e mostram-se
indispensáveis à convivência e sobrevivência humana. Da mesma forma, continua
Carvalho falando sobre a consciência e ação socioambiental:
Tais ações, por sua vez, contrapõem-se aos mecanismos de desintegração
social e degradação ambiental relativos à apropriação dos bens ambientais
por parte dos interesses privados, contribuindo assim para a preservação
tanto do planeta quanto dos vínculos de solidariedade social, indispensáveis
à convivência humana (2008, p. 169).
As questões socioambientais contribuem para ampliar a noção de cidadania e justiça
social, principalmente quando enfatiza a dimensão ambiental das lutas sociais e
apóia as ações em favor da justiça no acesso aos bens ambientais e no uso desses
bens (CARVALHO, 2008, p. 170).
Os movimentos ambientais e as questões sociais
40. 40
Algumas mudanças ocorridas no pensamento social e ambiental foram provocadas
pelos movimentos ecologistas. A humanidade conseguiu perceber que os recursos
naturais são finitos, que a sua própria existência corre risco, e que degradação
ambiental e injustiças sociais estão interligadas.
Um dos mais importantes movimentos sociais dos últimos anos,
promovendo significantes transformações no comportamento da sociedade
e na organização política e econômica, foi a chamada ―revolução
ambiental‖. Com raízes no final do século XIX, a questão ambiental emergiu
após a Segunda Guerra Mundial, promovendo importantes mudanças na
visão do mundo. Pela primeira vez a humanidade percebeu que os recursos
naturais são finitos e que seu uso incorreto pode representar o fim de sua
própria existência (BERNARDES E FERREIRA, 2005, p. 27).
L.Boff (2005) descreve a definição e a importância dos movimentos ambientais e 10
ecológicos. Assim diz:
Eles constatam que os tipos de sociedade e de desenvolvimento existentes
não conseguem produzir riqueza sem simultaneamente produzir
degradação ambiental. O que o sistema industrialista produz em demasia:
lixo, rejeitos tóxicos, escórias radioativas, contaminação atmosférica,
chuvas ácidas, diminuição da camada de ozônio, envenenamento da terra,
das águas e do ar; numa palavra, deterioração da qualidade geral da vida. A
fome da população, as doenças, a falta de habitação, de educação e lazer,
a ruptura dos laços familiares e sociais são agressões ecológicas contra o
ser mais complexo da CRIAÇÃO, o ser humano, especialmente o mais
indefeso, que é o pobre, o excluído (p. 24).
Essas preocupações acabam promovendo uma cultura ecológica, ou seja,
despertam a consciência coletiva da responsabilidade pela sobrevivência do planeta
em sua enorme biodiversidade e pelo futuro da espécie humana (BOFF, 2005, p.
24). No entanto, são enormes os desafios enfrentados pelos movimentos
ambientalistas e ainda existe uma longa estrada para ser percorrida. Quanto maior
forem as injustiças sociais maior será o desafio a enfrentar, assim afirma Jacobi
(2003):
41. 41
O movimento ecológico enfrenta no Sul, maiores desafios que no Norte,
devido à explosiva combinação dos problemas de degradação ambiental e
injustiça social. Existe uma complexa tensão entre a justiça social e o
ecologismo (p.23).
Jacobi (2003) continua apontando algumas dificuldades também em relação a
―distância‖ entre os movimentos, por não perceberem sua essencial semelhança,
assim diz:
Os setores populares do Sul (movimento sindical, movimentos populares
urbanos e rurais) mantêm-se distantes do discurso ecologista, apesar que
alguns dos objetivos mais importantes destes movimentos são
profundamente ecologistas (luta por condições de trabalho, saneamento
básico, melhoria dos serviços de saúde pública, propriedade da terra para
quem a trabalha) (p.23)
A visão da vida humana que o movimento ecológico traz constitui-se um novo
paradigma. Esse caráter reestruturador cultural e político se transformam em meio
de surgimento de novos partidos políticos, partidos verdes ou ecopacifistas. Esses
partidos verdes são partidos de valores que não pretendem apenas governar ou
tomar revolucionariamente o poder, pretendem sim, agir como transformadores da
cultura política introduzindo valores pós materialistas (JACOB, 2003, p. 23).
Portanto, a transformação socioambiental exige uma consciência política e prática
da cidadania; exige também um compromisso global e regional na superação da
agressão à vida, seja ela humana ou não. É necessário mais que uma ―pura
consciência ecológica‖, é preciso uma profunda consciência política voltada para
práticas efetivas de preservação, justiça social busca da paz e da promoção
humana.
Referências
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Ambiental: Diferentes Abordagens. In: Cunha e Guerra (org). - 2ª- Ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
42. 42
BOFF, Leonardo. Ética da Vida. Rio de Janeiro: Sextante, 2005.
_____________. Princípios de Compaixão e Cuidado. Petrópolis, RJ: Vozes,
2000.
BOFF, Clodovis. Teoria do Método Teológico. - 2ª- Ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
1998.
CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Educação Ambiental: a formação do
sujeito ecológico. – 4 ed.- São Paulo: Cortez, 2008.
DALLARI, Dalmo de Abreu. O Que é Participação Política. São Paulo: Brasiliense,
1999. (Coleção primeiros passos; 104).
DE MASI, Domenico. A Sociedade Pós Industrial. -3ª- Ed. São Paulo: Senac São
Paulo, 2000.
DEMO, Pedr. Charme da Exclusão Social. -2ª- Ed. Campinas, SP: Autores
Associados, 2002. (Coleção polêmicas de nosso tempo; 61).
__________. Pobreza Política – a pobreza mais intensa da pobreza brasileira.
Campinas, SP: Armazém do Ipê (Autores Associados), 2006.
JACOBI, Pedro. Movimento Ambientalista no Brasil. Representação social e
complexidade de articulações de práticas coletivas. In: Ribeiro, W. (org).
Publicado em Patrimônio Ambiental – EDUSP – 2003.
LIBÂNEO, J.B. Cristianismo, humanismo e democracia. In: Bento, Fábio Régio
(org). São Paulo: Paulus, 2005. (Temas da atualidade).
SOUZA, Herbert Souza de. Como se faz Análise de Conjuntura. -20ª- Ed.
Petrópolis, RJ: vozes, 1999.
43. 43
JOHN LOCKE E O PRENÚNCIO DA INDIVIDUALIDADE RELIGIOSA
AZIZE MARIA YARED DE MEDEIROS14
Resumo
Este trabalho apresenta uma reflexão sobre a Carta acerca da tolerância escrita no
ano de 1689 por John Locke (1632 – 1704). Nesse texto o filósofo inglês não só
argumenta a favor da tolerância entre as religiões, uma decorrência natural do
próprio Evangelho, como também demonstra o equívoco em que se constitui a
interferência do Estado em assunto tão evidentemente privado como é a religião. O
que chama a atenção é que, nessa busca pela tolerância, Locke permite entrever os
caminhos que a religião deverá buscar, com uma acentuada defesa da instituição de
um Estado laico. A argumentação lockeana sobre a tolerância religiosa e a
simultânea instauração de um Estado laico traz como consequência, na verdade e
de forma implícita, a defesa da individualidade religiosa como meio de impedir a
violência e instaurar o respeito pelas diferenças culturais e étnicas. Do mesmo
modo, é possível antever a consolidação da individualidade religiosa nos séculos
vindouros, o que se caracterizará, de modo bastante específico, na pós-
modernidade globalizada.
Palavras-chave: Tolerância. Estado laico. Individualidade religiosa.
Com muita freqüência, a mídia internacional fornece notícias estarrecedoras sobre
conflitos religiosos espalhados pelo planeta. Regularmente são divulgados dados
sobre centenas de mortes provocadas por homens-bomba de diferentes movimentos
muçulmanos; sikhs e hindus frequentemente entram em conflito na fronteira da Índia
com o Paquistão; católicos e protestantes permanecem com os ânimos acirrados na
velha Irlanda; vilarejos cristãos são destruídos e seus moradores massacrados por
grupos muçulmanos na África; budistas e muçulmanos se agridem constantemente
na Tailândia e Miyanmar; templos e monges budistas são destruídos pelos chineses
14
Doutoranda em Ciências da Religião pela PUC GOIÀS (azizemedeiros21@yahoo.com.br)
44. 44
no Tibet; e o humor entre turcos, árabes e cristãos na Europa e Estados Unidos
reflete momentos de tensão e provocação mútua. Tudo isso, em nome de Deus?
Essas questões resultantes do chamado fundamentalismo religioso e suas
manifestações no mundo contemporâneo exigem uma análise que transcende os
limites de uma simples compreensão dos aspectos que caracterizam o mundo
globalizado.
As mudanças econômicas, políticas e culturais que se sucederam nas
sociedades contemporâneas demonstram o alcance do capitalismo em escala
mundial e a inevitabilidade das transformações ocorridas no planeta. São fronteiras
que se desfazem, novas nações que surgem, intenso intercâmbio de informações,
encontros, desencontros e confrontos de etnias e de diferentes grupos sociais. A
insegurança diante do outro, o medo do desconhecido e a constante sensação de
invasão e ameaça decorrente da novidade criam situações em que as respostas
tradicionais mais comumente aceitas não apresentam soluções. Atualmente essas
situações têm-se agravado de forma intensa, pelas condições climáticas adversas.
Esse quadro nos fez refletir sobre o longo processo histórico que orientou as
relações entre religião e política e determinou a laicização do Estado. No entanto, a
persistência de confrontos religiosos, que ocorrem paralelamente à
institucionalização, em diferentes Estados, de expressões como “God save the
Queen”, “God Bless America”, “In God we trust” ou até mesmo ―Deus é Brasileiro‖,
mostra- nos que a ligação entre religião e Estado está longe de ser resolvida ou
banida do universo da chamada modernidade globalizada. Tais pensamentos nos
conduziram a uma reflexão sobre o papel significativo da intolerância humana nos
45. 45
acontecimentos contemporâneos e, consequentemente aos escritos do filósofo
empirista inglês John Locke.
Em sua Carta acerca da tolerância, escrita em 1689, Locke,
reconhecidamente cristão, argumenta a favor da separação entre Estado e religião,
ao discorrer sobre os deveres dos magistrados e afirmar que ―não cabe nas funções
do magistrado punir com leis e reprimir com a espada tudo o que acredita ser um
pecado contra Deus‖ (1973, p. 24). Declara com firmeza que não compete ao
magistrado civil, portanto autoridade do Estado, o cuidado das almas, porque ―o
cuidado da alma de cada homem pertence a ele próprio, tem-se de deixar a ele
próprio‖ (1973, p. 18).
O que provoca reflexão acerca das ideias de Locke não é tanto a sua defesa
de um estado laico, uma vez que o filósofo é considerado um dos precursores do
liberalismo e ferrenho opositor do absolutismo e do chamado ―poder divino‖ dos reis,
responsável direto pelas mais absurdas e tiranas atitudes. Importa-nos, sobretudo, o
fato de que o filósofo não só esclarece as funções do Estado e da religião, mas,
principalmente, apresenta alguns princípios para a preservação da tolerância.
É importante lembrar que na época de Locke a Inglaterra estava lidando
constantemente com embates entre católicos e protestantes e uma permanente
perseguição aos judeus e maometanos. A estes, não era permitida a construção de
templos, devia-se prestar seus cultos apenas em casa.
É preciso também acrescentar, a título de ilustração, que o aspecto religioso
era tão determinante naquele período da história inglesa que o próprio Locke,
46. 46
apesar de seu liberalismo incipiente, não estendia a doutrina da tolerância aos
ateus.
[...] os que negam a existência de Deus não devem ser de modo algum
tolerados. As promessas, os pactos e os juramentos, que são os vínculos
da sociedade humana, para um ateu não podem ter segurança ou
santidade, pois a supressão de Deus, ainda que apenas em pensamento,
dissolve tudo. Além disso, uma pessoa que solapa e destrói por seu
ateísmo toda religião não pode, baseada na religião, reivindicar para si
mesma o privilégio de tolerância. (1973, p. 30).
Locke, inicialmente, elucida o papel da verdadeira religião. Afirma que ela não
foi instituída para manutenção da pompa exterior, do domínio eclesiástico ou do
exercício da força, mas, diz ele, ―para regular a vida dos homens segundo a virtude
e a piedade‖ (1973, p. 9); e que não poderá jamais ser denominado cristão aquele
que não combate seus próprios vícios, orgulho e luxúria. O cristão deve buscar a
santidade da vida, pureza de conduta, benignidade e brandura do espírito. Para
Locke, ninguém pode forçar outra pessoa a se tornar cristã se não tiver realmente
optado pelo cristianismo em seu próprio coração; o verdadeiro Evangelho ensina a
agir não pela força, mas pelo amor.
O filósofo esclarece que não cabe ao magistrado civil e a nenhum outro
homem o poder sobre as almas. ‖Porque não parece‖, diz ele, que ―Deus jamais
tenha delegado autoridade a um homem sobre outro para induzir outros homens a
aceitar sua religião‖ (1973, p. 11). Segundo Locke, o poder dos magistrados consiste
em coerção, e o das religiões, na persuasão interior do espírito.
Em seus argumentos, afirma que a tolerância deveria ser uma decorrência
natural dos ensinamentos do Evangelho. E, em tais assuntos, o Estado não poderia
jamais se imiscuir, por se tratarem de temas alheios à sua área de atuação e,
certamente, privados. Enfatiza claramente o aspecto pacífico da religião cristã e
47. 47
propõe que os magistrados busquem outras causas para os males existentes, em
vez de que simplesmente atribuí-los à religião. Afirma Locke:
Não é a diversidade de opiniões (o que não pode ser evitado), mas a recusa
de tolerância para com os que tem opinião diversa, o que se poderia admitir,
que deu origem à maioria das disputas e guerras que se tem manifestado
no mundo cristão por causa da religião. (LOCKE, 1973, p. 33).
Locke critica de forma contundente a avareza e o desejo de domínio das autoridades
religiosas, que incitam a comunidade contra os não ortodoxos e se aliam aos
magistrados, que, segundo o filósofo, em nome de sua própria ambição e em
oposição às Leis do Evangelho, despojam-nos de suas casas e os destroem.
O filósofo insiste em que os magistrados deveriam punir e suprimir aqueles que são
assassinos, ladrões, caluniadores, sediciosos, independentemente da igreja a que
pertençam, pois sua função é defender os direitos e bens civis da comunidade. E as
autoridades eclesiásticas, que se abstenham da violência, pilhagem e de todos os
modos de perseguição, pois o seu dever é praticar a caridade, a humanidade e a
tolerância.
Para Locke, os bens civis são a vida, a liberdade, a saúde física, a libertação da dor
e a posse de coisas externas, como terras, dinheiro, móveis etc. Cabe, portanto, ao
magistrado determinar leis uniformes que assegurem ao povo em geral e ao cidadão
em particular a posse justa e a preservação desses bens da vida.
O cuidado das almas cabe à Igreja, ―sociedade de membros que se unem
voluntariamente para esse fim‖ (LOCKE, 1973, p. 13). Uma Igreja, como diz Locke,
também tem suas leis, o que devem ater-se somente aos assuntos relacionados ao
culto público de Deus. Suas armas deveriam ser: exortações, admoestações e
conselhos; e, aos teimosos e obstinados, a pena máxima: a exclusão daquela
48. 48
determinada igreja. A excomunhão não poderia jamais despojar o indivíduo de seus
bens civis ou de suas posses, que deveriam estar sob a proteção do magistrado,
pois se referem à vida do cidadão.
Segundo Locke, o que torna as pessoas indignadas, agressivas e violentas é a
opressão e a injustiça de que são vítimas em nome da religião. Em defesa da
necessidade de separação entre religião e Estado, o filósofo afirma: ―Falemos
francamente. O magistrado teme as outras igrejas e não a sua, porque favorece e
trata bem de sua igreja, sendo severo e cruel com as outras‖ (1973, p. 30).
Locke defende a ideia de que uma religião só é útil e verdadeira se a pessoa
acredita nela como verdadeira; de nada vale, portanto, a imposição de autoridades
que tentam obrigar os súditos a pertencerem a determinada igreja, com o pretexto
de salvar-lhes a alma. Para o filósofo, os indivíduos vão à igreja por sua livre
vontade, por acreditarem nela, não por serem forçados a isso. Deve-se, diz Locke,
―deixá-los à sua própria consciência. Libertemos, assim, todos os homens de se
dominarem mutuamente em assuntos religiosos‖ (1973, p. 20).
Para concluir esta reflexão, observa-se que, ao longo de toda sua Carta
acerca da tolerância, Locke insiste em dois aspectos fundamentais. Primeiro: a
religião é um assunto privado e, como tal, deve ser respeitada a escolha individual,
sem nenhum tipo de interferência das autoridades civis ou eclesiásticas. Segundo: a
tolerância é a única forma de evitar violência e dominação de um grupo sobre outro;
é, portanto, um princípio essencial a ser ensinado por todas as igrejas e diferentes
religiões.
49. 49
O que adquire um caráter surpreendente na leitura da Carta acerca da
tolerância é a constatação de que esse tema, cujo resgate é tão absolutamente
necessário nos dias atuais, já tenha sido motivo de muitas especulações filosóficas e
sociais em épocas distantes, quando o pluralismo cultural era menor e bem menos
ameaçador. O apelo à tolerância como uma virtude a ser ensinada e cultivada
representa, no mundo contemporâneo, não apenas uma questão urgente a ser
colocada na pauta das grandes negociações internacionais, mas, talvez, a única
saída possível para a sobrevivência de muitos grupos humanos. Portanto,
individualidade religiosa e tolerância deveriam ocupar o mesmo espaço na estrutura
da consciência humana. Juntas e entrelaçadas – como o próprio sagrado.
REFERÊNCIA
LOCKE, J. Carta acerca da tolerância. Tradução de Anoar Aiex. São Paulo: Abril
Cultural, 1973. Coleção Os Pensadores – vol. XVIII
50. 50
A ORDEM DO HOSPITAL NO NOROESTE DA PENÍNSULA IBÉRICA
DURANTE A IDADE MÉDIA
Dirceu Marchini Neto15
Resumo:
A Ordem Militar e Religiosa do Hospital esteve presente na Península Ibérica desde os primeiros anos do
século XII e atuou de forma muito significativa na região da Galiza, ao longo dos caminhos de Santiago. No
norte de Portugal desempenhou importante papel na organização do território, além da assistência aos
peregrinos. A existência dos Hospitalários no noroeste ibérico teve como sustentáculo as doações e privilégios
régios e pontifícios dos reis de Castela, Leão e Portugal e dos Sumos Pontífices.
A Ordem do Hospital foi fundada na transição do século XI para o XII, como
um fenômeno ligado ao Movimento de Cruzada. As ordens militares eram
instituições religiosas da Igreja cristã latina e suas funções primordiais eram a
defesa e a expansão da Cristandade ocidental frente ao Islã e aos demais povos
infiéis, pagãos ou heréticos. Além destes objetivos, a Ordem de São João de
Jerusalém ou do Hospital cumpriu um programa assistencial, que lhe conferiu uma
forte originalidade. Logo após serem fundadas, algumas ordens militares – aqui se
inclui a Ordem dos Hospitalários – adquiriram forte poder social, político e
econômico.
A Ordem de São João de Jerusalém, como também era conhecida a Ordem
do Hospital, nasceu em Jerusalém como uma ordem religiosa hospitalária, que
estava dedicada ao cuidado dos pobres, enfermos e peregrinos. No ano 1113,
obteve a aprovação do Papa, passando a ser dependente diretamente do Sumo
Pontífice, e ainda no século XII transformou-se em uma ordem militar devido às
urgentes necessidades defensivas das terras cristãs do Oriente Médio. Entretanto,
apesar de sua militarização, a Ordem nunca perdeu sua inicial característica
assistencial. Esta instituição religiosa se converteu em um dos grandes poderes
atuantes nos reinos e principados do Mediterrâneo oriental, contribuindo ativamente
na defesa frente aos muçulmanos. Em poucos anos, os Hospitalários se expandiram
por todo o Ocidente europeu, passando a ser uma ordem militar supranacional. Seu
15
O autor é mestre em História Medieval e do Renascimento pela Universidade do Porto e membro do Grupo de
Investigação “Estudos Medievais e do Renascimento” do CEPESE (Portugal)
dirceu_marchini@yahoo.com.br - . Este artigo foi escrito para ser apresentado durante o IV Congresso
Internacional em Ciências da Religião, simpósio temático “Religião, Violência, Etnicidade e Globalização”
(PUC-GO, 2010).