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Elza Padua
ESQUIZOFRENIA SOCIAL
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AGRADECIMENTOS
A J. Roberto Whitaker Penteado, interlocutor sério, crítico, e que mesmo com seu jeito
muitas vezes transverso, colocou-se a todo instante como meu melhor amigo.
A meus Mestres, que foram os facilitadores desta jornada empreendida no
amalgama da vida: com alegria, sofrimento e uma paixão solitária - minha gratidão.
A Marcia Diogo, parceira exemplar, meu gesto de admiração.
A Humberto Marini, pela inestimável ajuda.
A João Mauricio Valladares Padua - companheiro na eternidade imolado neste
processo - e que me deu a dimensão da necessária mudança.
A minha filha Anna Luiza, que - por suas escolhas e solidez de caráter – fez valer a
pena o esforço empreendido.
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DEDICATÓRIAS
Este trabalho é dedicado primeiro a mim, pela coragem de aos 60 anos, decidir-
me a trilhar esta empreitada, este ato de amor. Para que sirva de referência a esta nova
geração de maduros-jovens que como eu, tem muito que contar, muito a aprender, muito
que viver, muito que doar. É, também, dedicado a todas as crianças que ainda não foram
maculadas e que na figura de meus netos, Theo e Juliana, me trazem a esperança.
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ÍNDICE
1
Introdução: identificando a Esquizofrenia Social
e procurando entendê-la
2
Contorno e dimensões da Esquizofrenia Social
O papel da Mídia
3
As relações sociais construídas a partir da família
A insuficiência da visão individualista
É na família que se define a pessoa
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O sujeito fractal de Baudrillard
Esquizofrenia como indiferença narcísica
A alteridade no caminho da reconstrução psíquica
A família e a construção coletiva
5
Qual realidade?
Ódio e destrutividade
Cisão e dissimulação
Violência como patologia do sentimento
Conformismo e rebelião são variações de violência
6
O poder é expressão do vazio interior
Loucura, normalidade e literatura
Simplificação, banalização e cisão
7
Leibnitz e Ibsen: do Pato Selvagem à pós-modernidade
A função da memória no processo psicológico
Memoria e grupos familiares
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Comunicação e Vida Privada
O público e o privado na sociedade
A mídia definindo a ética no espaço público
Ambivalências e contradições no modelo
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Pragmatismo: as palavras ainda têm valor
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Conclusão: a insuportável relevância do novo eu
Referências bibliográficas
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Alguns chegam ao ponto de conjeturar que nunca
houve outro louco além dele, em Itaguaí.
(Machado de Assis – O alienista)
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Introdução: identificando a Esquizofrenia Social
e procurando entendê-la
A descrição desta Esquizofrenia Social originou-se da tese submetida ao
Programa de Pós-Graduação de Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ), Brasil, como requisito para a obtenção de meu grau de Doutor em
Psicologia Social,em 30 de março de 2005. Com ela, proponho a construção de um nova
reflexão que se somará aos paradigmas já conhecidos como quando Kuhn, em seu livro
Estrutura das revoluções científicas, destaca a Revolução Científica como contraponto à
ciência normal.
Utilizei a minha formação de pesquisadora, que atravessa diversas áreas, sem que
esta postura se confundisse com a interdisciplinaridade que elimina ou prestigia uma
disciplina em relação a outra. Optei pela pluridisciplinaridade crítica, que deve ser
entendida como a busca do rompimento com a fragmentação entre as disciplinas, gerada,
de certa forma, pelo avanço científico e tecnológico. Diante das demandas do mundo
contemporâneo, penso tornar-se necessário que se abordem os fenômenos globalmente,
recuperando-se a unidade perdida.
Minha formação de pesquisadora se inscreve no âmbito do multidisciplinar, com
graduação e mestrado em Comunicação Social e experiência em pedagogia,
administração de educação, jornalismo de reportagem. Profundamente comprometida, há
35 anos, com a terapia freudiana, kleiniana e de Winnicott, como paciente, tenho uma
objetiva tendência à construção coletiva, em que se busca o diálogo como processo e se
estabelece um confronto entre diferentes saberes, evitando-se hierarquizações.
A história humana, muito difícil de se historiar, é mesclada de sentimentos
diversos. Diferentes saberes são bem-vindos, mas sem as miopias dos conhecimentos
especializados. Não é sair do formato científico, não é entrar no gênero literário – pensar
livre é pensar –, mas pretender mesclar de forma saudável, eficiente e eficaz a apreensão
do conhecimento. Sei que os temas e as agendas de assuntos mal definidos levam a
digressões erradas, mas estou bem acompanhado quando enveredo pelos caminhos
trilhados por autores como Gianne Vattimo e outros.
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Acredito que este sistema chama a contribuição de um amplo leque de disciplinas,
sem preconceitos, somando os conteúdos relativos a cada uma delas, tão necessários à
sistematização de determinados princípios e de certos conceitos. O desafio que se impõe,
é de me voltar para os estudos sobre as renovações das relações interpessoais, a sua
origem na família, a sua representação na mídia dos nossos tempos e a sua contribuição a
uma qualidade de viver melhor para todos nós. Essas questões são fascinantes neste
projeto: propor que uma intervenção ocorra antes que problemas maiores e irreversíveis
aconteçam. Mesmo me considerando inserida na modernidade, com grande fascínio pelo
contemporâneo, os autores nos quais este trabalho se respalda foram, muitas vezes,
buscados nos clássicos eternos, referência ao saber, reverência à sabedoria que nada tem
de obsoleta e anacrônica.
Com a finalidade de particularizar essa experiência, tentei estabelecer uma visão
filtrada pelo conhecimento vivenciado, que trilha os sentidos que percorreram, juntos, os
caminhos do desenvolvimento deste trabalho, fazendo constar, na seqüência, um texto de
reflexão sobre a condição humana e os valores perseguidos, os quais tomo como direção,
rumo e tema de vida escolhida, onde se insere este percurso trilhado:
"A abertura ao mistério possui a inocência da criança diante de um desmoronar do
universo. A alma de pesquisador pensa o provável não-explícito, o desejo, a inadequação
amorosa, a incomunicabilidade e o invisível, a tragicidade límpida e lúcida aliada à
loucura de ver e a não-resignação ao determinismo. Debruça-se sobre si sem alhear-se do
real e faz da meditação um ato criador. Toda a sua história traz consigo a sua versão, toda
a sua cultura em soma. A criatividade é usada como quem descobre não sem medo que o
não-conhecido é o canal que nos faz ultrapassar a dimensão do humano. Estes aspectos
mágicos são o seu conceito do sagrado, do Divino. Liga-se ao ritual, criando uma
sistemática amorosa com as suas fragilidades, num diálogo possível entre o visível e o
invisível, no ver por dentro das coisas. A subversão do riso está sempre presente, o riso
que vem do espírito, que dá Graça, que lhe enche de Graça. Ele é lúdico, atemporal e
eterno. Não é um riso banal. Senta perto da ironia buscada.
Aprendeu a jogar e o jogo da vida é fascinante. Nele vê regras para um melhor
desempenho mas coloca a liberdade da razão na esfera dos sentimentos. Nesta fronteira
em que vive, entre o diálogo e o duelo, está sua vontade de compreender e de se
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expressar. Esta é a sua religião, que crê em todas, mas não pratica especificamente
nenhuma porque desenquadra do institucional este sentimento de princípio divino. Nesta
criação erótica, neste êxtase com que se envolve de corpo e alma, está a dimensão
sagrada da palavra. Este gesto humano que tem a sua importância original pela
representação física das falas, onde busca a harmonia. O estudo da dicotomia das falas
demonstra o mal imerso nesta disfunção. Isto aparece em Lévi-Strauss ao usar em suas
teorias o Teorema de Gödel: “A história pode nos levar a qualquer lugar, sob a condição
de que saiamos dela”.
O que pode ser lido, ouvido, pensado, falado, tem na escrita em qualquer forma a
sua representação. Mas a voz, aquilo que nos identifica na nossa singularidade e na nossa
comunhão com o outro, é o que interage e o que distingue: as modulações dos sons e os
ritmos diversos que são mensagens diferenciadas e que são sentidos com as vísceras. Na
incompletude que encontramos na busca de uma razão transparente, onde estamos quase,
sem nunca alcançar, vaga o seu espírito. Neste espaço cheio de vazios há gozo e prazer. É
invisível, mas concreto. Sua busca pelo que está no fundo tem a dimensão da procura da
origem do real como sucessão de acontecimentos. A imaginação transformadora não
distorce a visão. Sua crença ficou na idade da criança. Acredita, é pura, mas tem
basicamente uma maneira limpa de olhar, sem a ingenuidade da ignorância.
Dessacralizar as palavras, tirar delas o peso mortal das definições imutáveis é dar
ao tempo novas visões. Se a tragédia como humano é não conseguir entender mesmo
tudo, é não saber mesmo tudo, é viver seguro na improbabilidade, é possível pensar, sem
a tristeza que este reconhecimento dos limites traz, que a dimensão da finitude está nesta
vitalidade, nesta dinâmica vital que se traduz pela enorme energia que nos move para a
ação. Esta intensidade do sentir assusta. Por isso essa pesquisadora registra tudo que vê,
que sente, tentando não esquecer. Sua memória tem hieróglifos (escrita dos deuses). De
beleza, também."
Assim, consegui fazer o meu próprio mapa com um certo distanciamento
científico.
A abordagem deste livro traz a contribuição fundamental de alguns autores, entre
eles Sigmund Freud. Acredito que ter o olhar psicanalítico permeando este trabalho
permitirá construir os indícios que me levarão ao exame da questão da esquizofrenia
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social no quadro da família contemporânea. Ao tomar Freud, que utilizou os mecanismos
do inconsciente, trazendo uma visão do papel do indivíduo na história, criando, a partir
daí, a teoria das repressões, como um dos pontos de partida para as minhas reflexões, o
que penso é que a repressão individual está na esfera das repressões coletivas. Daí
focalizar os fenômenos da repressão e da esquizofrenia (Freud e outros) sob um ponto
mais social do que clínico-individual.
O que proponho é estudar e desenvolver uma análise a respeito da noção de
esquizofrenia social que vem sendo construída e está claramente desnudada em nossos
dias. A partir do núcleo social primeiro que é a família, pretendo verificar até que ponto a
dicotomia das informações veiculadas na mídia desvirtuam a integridade do homem, e as
conseqüências sociais que isto provoca, levando-se em conta as contradições secundárias
que ainda se permitem para que não se atinja o cerne de seus interesses e até para que se
diga: “Vejam como a imprensa é livre”.
A construção do sujeito social dentro do processo de desenvolvimento humano
existe em caminhos diversos de socialização com características distintas. As ações
práticas, das atividades e da interação, em contraponto com as representações, as crenças,
idéias e concepções, levam a uma nova compreensão da natureza humana. A integração
destas relações não é linear, mas baseia-se numa articulação de conhecimentos. É
acreditando nesta premissa que considero que o desenvolvimento humano existe na
junção de características biológicas com a história cultural do ser. Não se pode separar a
linha cultural do desenvolvimento da linha natural, mas acredito que elas estão
interligadas.
Os estudos de Vygotsky, propõem algumas bases para pensar-se numa
integração entre o biológico e o cultural, permitindo que se possa ter uma abordagem
interacionista, ou seja, sociocultural do desenvolvimento dos sujeitos. É pela interação
que se constroem, de forma dialética – entre natureza e história –, os processos do
desenvolvimento humano. O que é importante são os mediadores, instrumentos e signos,
dos quais nos apropriamos, dentro do caldo cultural, para tornarmos o que somos. O
conhecimento se constrói pela rede de trocas que ocorre paralelamente ao
desenvolvimento biológico da criança. Nesse sentido, é de fundamental importância,
pensar o desenvolvimento individual dos sujeitos, como um estudo sobre as relações
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familiares na formação de adultos que desempenham papéis sociais e dos quais é cobrada
uma série de comportamentos. Para isso abordei o desenvolvimento do ser no social e
na família e as configurações da estrutura familiar frente às inúmeras pressões da
sociedade contemporânea, dentro do quadro da esquizofrenia social.
Criar adultos responsáveis e sociedades bem desenvolvidas nunca pareceu ter
tanto a ver com a relação da pessoa, do indivíduo, e sua própria família, primeiro núcleo
social produtor do desenvolvimento do ser. Criar adultos dignos, a partir da estrutura
familiar, depende de duas vertentes: da maneira pela qual os pais vivem e da confiança
que dão aos seus próprios valores e como os transmitem às novas gerações. Os pais têm
um papel fundamental de estruturadores do caráter dos filhos. Os modelos – o que somos
e quais as nossas identificações mais harmônicas à nossa integridade – são passos
seguidos a partir de alguma referência imposta, inicialmente, pelo social familiar; pelo
menos era assim até os primórdios disto que se tem chamado de Era Pós-Industrial ou
Pós-Modernidade. As erupções das décadas de 1960 e 1970 (tendo como ícone o Levante
de Maio a partir de Nanterre) com o advento das greves dos estudantes reduziram
intensamente o papel da família, que se tornou, a bem dizer, ridicularizável. Hoje até se
usa “fulano é do tipo família” no sentido depreciativo. Algo como ultrapassado,
impotente.
Mas, são os pais que primeiro definem as atitudes no espaço público e privado –
através dos seus pensamentos e dos próprios modelos – construindo valores,
estabelecendo e desenvolvendo a qualidade que desejam para os seus relacionamentos e
para a convivência social. Por mais que aspirem a diferenças, as gerações apropriam-se
das suas referências familiares, ao mesmo tempo ressignificando-as. Já os pais pós-
modernos não criam valores, simplesmente, porque não os podem criar: estão imersos
num mundo reduzido ao sentido de mercado, onde os “valores” se resumem àquilo que
proporciona resultados financeiros. Esta é a dificuldade que têm os pais de formar as
bases de que as novas gerações possam se adequar e reformular as referências familiares.
Assim, não se trata de uma relação estática, mas de um permanente movimento que não
envolve uma simples apropriação de valores e sim uma constante ressignificação.
Há uma interconexão profunda entre as características iniciais da criança e o meio
cultural no qual ela nasce. A família é o eixo principal do ser humano em seu
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desenvolvimento inicial. É ela que deixa marcas indeléveis, por toda a vida, façamos o
que quiser para nos livrar das cicatrizes, pois é responsável não só por nossa introdução
na cultura, mas também pelas nossas primeiras concepções de como agir nela,
transformando-a ou não.
Portanto, as reflexões a respeito da esquizofrenia social estarão sendo pensadas a
partir de um conceito atual da idéia de família. Este trabalho visa caminhar pelo
desenvolvimento de comportamentos esquizofrênicos dentro da sociedade
contemporânea e seus entrelaces com os seguintes temas: família, indivíduo, mídia e,
finalmente, ética.
Observei como comportamentos solidificados e referendados pela estrutura
familiar tradicional e pelo social têm-se transformado, nos últimos anos, em nossa
sociedade. Por outro lado, tais comportamentos têm modificado a própria idéia de
família, de núcleo seguro para a estabilidade do sujeito, influenciado pela multifacetada
sociedade da informação, do valor da linguagem, da influência da nova forma dos
espaços públicos e privados, da morte e seu confronto com a cultura vigente.
Sem dúvida, a família monogâmica é, há muito tempo, compreendida como base
de nossa sociedade, reconhecida e formalizada a partir da cultura religiosa cristã
ocidental, e estabelecedora dos comportamentos desejados. Pude observar que os
comportamentos sociais da atualidade têm como uma de suas características a dicotomia
das falas, ou seja, a diferença entre o que se diz, se vê, se fala, se ouve, se faz e o que se
acredita. Alteram-se assim as concepções tradicionais de família, indivíduo e ética,
criando-se a “diferença entre o que se faz e se acredita”. A impossibilidade de acreditar
no que se está fazendo, e mesmo a desnecessidade, pois o que vale é adquirir os meios da
sociedade mercantil, é a responsável pela desistência dos valores que, mal ou bem,
embasaram a sociedade até meados do século XX. As crenças se fragilizam e os jovens
não acreditam nos mais velhos, com toda razão.
A família contemporânea, especialmente no Ocidente - e o campo de observação
é a classe média alta da sociedade brasileira palco dos modelos sociais - atravessa uma
fase de falta de “sincro”, como nos filmes mal produzidos: seus membros, atrelados aos
compromissos de consangüinidade, ainda declaram amor eterno entre si, mas encobrem
competições, vilezas e ódios que, na verdade, são os sentimentos de ponta que permeiam
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as relações. Há uma conivencia no silêncio consentido. A família encontra-se
fragmentada, como também está cada um dos seus membros. A vivência do indivíduo
ocorre na duplicidade: um jogo de acobertamentos entre o que (se) sente e o que se diz.
Pretendo conservar a esperança de um papel positivo da mídia e mesmo quanto aos
“valores familiares”. Mas esse jogo de acobertamento entre o que se sente e o que se
enuncia produz pessoas que passam diariamente mentindo por necessidade de
acomodação social e por imperativo profissional. Fingem que não são roubadas em um
centavo no troco do supermercado, fazem anúncios assegurando que “Omo lava mais
branco” ou empenhando um desodorante maravilhoso, escrevem para o patrão jornalista
que a eleição de um político notoriamente corrupto é garantia de honestidade para a
cidade, agradecem uma homenagem com discurso de enaltecimento aos concedentes (e
cujos aspectos negativos de caráter conhece como eles aos seus). Depois entram em casa,
ficam sabendo que seu filho foi castigado na escola por mentir à professora e fazem o
discurso de “Nunca minta, meu filho, isto é muito feio”. Quer que ele acredite na família?
Representar dois papéis e não perceber a contradição que impossibilita a harmonia da
esfera pública com a privada é o que chamo de esquizofrenia ética, base doente sobre a
qual periclitam as palafitas da esquizofrenia social.
O que desenvolvi buscou na família a origem deste comportamento social,
representado pela dicotomia das falas, em função de sua própria história. Esta história
mostra a família tradicional como espaço social central de produção daquilo que
considero hipocrisia e que se fundamenta em sua origem religiosa e de controle social.
Muitas vezes a criança é educada para se comportar não de acordo com seu pensamento
individual e sim dentro das demandas sociais.
Por outro lado, a sociedade ocidental é profundamente individualista, o que
provoca uma cisão entre o que o sujeito considera ser sua identidade e os estímulos da
sociedade, ou como deve se comportar para sobreviver. Daí resulta uma dicotomia com
origem no interior da própria pessoa.
Talvez seja necessário esclarecer de que Ocidente falo. Contemplei a Europa
Central e do Sul e suas áreas de influência.
A partir disto, pretendi analisar como a hiperinformação, que produz a
desinformação, à qual as pessoas são submetidas pela mídia, é, em si mesma,
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multiplicadora deste processo. A hiperinformação cria o que chamo de esquizofrenia
social, a saber, a incapacidade de ter-se a noção do conjunto social que nos circunda,
bem como de se responsabilizar pelos próprios atos sociais. Por outro lado, a mídia é, ao
mesmo tempo, denunciadora desta dicotomia/esquizofrenia. Isto se revela na própria
produção jornalística sobre o comportamento, que volta seu olhar para a família
tradicional e para o corpo social, criticando-o e analisando-o.
A mídia não é geradora mas divulgadora da síndrome da esquizofrenia social, a
qual vem da sujeição do ser humano ao sistema que dele se serve para multiplicar os
resultados financeiros. Ao embaralhar os sinais, deixa o espectador/leitor perdido, mas
também salvo para o mercado. Se ele começar a raciocinar, estará salvo para sua
individualidade, mas perdido para o sistema, cujos “valores” refutará.
Menciono uma sociedade que não se apresenta marxista, no sentido que define a
História como a decisão dos interesses econômicos, nem darwinista, em que o sucesso só
cabe aos mais fortes e protegidos sociais. Sem me abstrair de que falo de uma
manifestação global, tentei sair das teorias conspiratórias das grandes corporações da
mídia. Mas não nego a observação de que estamos numa sociedade conduzida pelos
interesses econômicos, deslumbrada pelo sucesso a qualquer preço, e de que, às vezes, as
definições nomeativas são inevitáveis na ciência social (o tráfico de drogas é mau, toda
corrupção contamina a polícia, são juízos de valores inevitáveis), sem o que ela se
esteriliza. De qualquer modo, olhando uma mídia mundial cujo centro não passa de meia
dúzia de proprietários – Berlusconi, Ted Turner, Azcárraga e, mesmo mapeando a grande
mídia brasileira, Marinho, Civita, Sirotsky –, é difícil desdenhar da hipótese da “teoria
conspiratória das grandes corporações da mídia”.
A pesquisa de base teórica que desenvolvi demonstrou a Esquizofrenia Social que
vivencia o brasileiro na contemporaneidade e vislumbrou a busca de sinais de uma saída:
o estabelecimento de novos ritos de passagem do núcleo familiar ao social como
necessários ao crescimento e desenvolvimento de cada um – sem obsessões – embasados
num novo compromisso ético-social.
Ao observar que a instituição família e a educação de hoje não se voltam para a
integração familiar, tem-se a hipótese de que, embora a dicotomia das falas tenha sido
engendrada pela família tradicional do passado, a família, como grupo primário, é ainda a
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única opção de sobrevivência psíquica das pessoas. A estabilidade do compromisso
familiar pode ser o espaço para a administração da integridade do sujeito, nesta sociedade
na qual não se sabe que voz ouvir, devido à existência de informações díspares e em
excesso.
Penso que os indivíduos terão que recorrer a novos laços familiares, agora
construídos por opção. A partir de minhas análises, pude levantar a hipótese de que os
intuitos desses indivíduos talvez funcionem como uma fuga da duplicidade constante das
mensagens contraditórias, que se encontram no seio da família, importante demais para
ser desconsiderado e a busca da permanência de sua sanidade e da consciência de
identidade diante da multiplicidade. A isso chamei de “escolha pela família”, que, agora,
não será somente o núcleo de nascimento da pessoa, mas principalmente grupos
identitários, subgrupos formados pela amizade, por laços afetivos, por objetivos comuns,
com responsabilidades onde não se permita o uso manipulador das figuras de retórica,
dos jogos de palavras, das omissões, que dificultam o entendimento e confundem.
Eleições que se sobrepõem ao conceito de irmandade por fraternidade escolhida e que
trazem embutida uma incondicional lealdade.
Acredito que esta postura, quando retorna ao corpo social mais amplo, inaugura
uma nova ética, a partir de pessoas formadas no seio desta nova família, surgida da
necessidade de transparência e da ética do compromisso. Aqui o afeto – sem máscaras – é
o princípio que rege a relação com o outro, em condições de confronto compassivo com a
alteridade, que permitem o exercício da liberdade. Esta é a ética do cuidado, que surge da
urgência de nossa cultura em transformar as bases para a formação dos indivíduos, como
condição de nossa própria preservação.
Em suma, tomei esta assertiva, mesmo questionando Ética como expediente de
sobrevivência dentro da sociedade de comunicação, já que não é incomum a aceitação do
sacrifício expressar melhor a vivência ética que o instinto de sobrevivência. Exemplos
históricos como o de Leônidas nas Termópilas, ou o do rei ao dizer “Perca-se tudo menos
a honra” podem parecer altissonantes ou pomposos, mas são pura escolha Ética.
Outro argumento em favor da Ética não-relativista, tão comum hoje, é a existência
inegável de paradigmas que todas as sociedades conhecidas seguem. Sejam simples ou
complexas, ocidentais ou orientais, de nativos ou conquistadores: nenhuma aceita o
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princípio da traição, nenhuma aplaude o viajante que pede abrigo e assassina os anfitriões
enquanto dormem, nenhuma se compadece com a figura tenebrosa do torturador. Há,
certo, quem promova a Noite de São Bartolomeu, quem traia a confiança dos amigos,
quem mate quem lhe dá abrigo, quem dê choques elétricos num bebê para extrair
confissões da mãe, mas tais cometimentos pertencem a grupos interessados ou seitas
fanáticas, não sendo socialmente aceitos, no sentido mais amplo.
Assim, minha hipótese considera o nascimento de uma nova família, que será
fundada na cooperação e no reconhecimento, e não mais na tradição. A falta de opção e a
noção de urgente sobrevivência impulsionarão esta mudança, não pela via ética nem
religiosa, mas pela via negativa – decorrente da consciência da fragilidade e impotência
do indivíduo – e criarão esse canal alternativo ao desânimo e medo do universo social,
desestimulando o simples “encostar” na família tradicional, independentemente de sua
duplicidade e mensagens contraditórias. Há uma relação ao aspecto positivo da
“separação” do homem-sociedade administrada que é muito visível: quem não adere
corre o risco de ser rotulado de “esquizofrênico”.
Tentar mudar este padrão, esta referência, este modelo, colocar este assunto em
discussão é o esperançoso fio condutor deste trabalho.
Eu os convido para fazermos, juntos, esta trajetória.
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Deus engendrou um ovo, o ovo engendrou a espada,
A espada engendrou Davi....
(Machado de Assis – O alienista)
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Contorno e dimensões da Esquizofrenia Social
Diante do principal objetivo deste trabalho: analisar o conceito de esquizofrenia
social e o seu desenvolvimento a partir das relações familiares, buscando refletir sobre o
papel da mídia na formação dos sujeitos sociais e de seus comportamentos; precisava
realizar, sobretudo, um estudo psicossociológico, no qual entra a cultura e o que é
inerente ao ser humano como espécie. Mas o que é um objeto de pesquisa? O que é um
método para o estudo de algo? O objeto de pesquisa supõe o sujeito que pesquisa o
objeto. Objeto e pesquisador são partes inerentes deste trabalho que já é, em si, um
método intuitivo utilizado.
Desejava ancorar minha proposta em um duplo prisma: na utilização de
contribuições de diversos autores e também na criação de um novo paradigma associado
aos já conhecidos, e que fala de uma revolução científica em contraponto à revolução
normal. Guiados por um novo paradigma, os cientistas adotam novos instrumentos e
orientam seu olhar em novas direções. E o que é mais importante: durante as revoluções,
os cientistas vêem coisas novas e diferentes quando, empregando instrumentos familiares,
olham para os mesmos pontos já examinados anteriormente.
Mas o que vem em primeiro lugar é o problema, já que sujeito e objeto se definem
no processo de pensar a pesquisa. O problema é o que nos força a pensar nas vertentes
diversas que se integram à produção do conhecimento. Não se tem a meta da solução,
mas a construção do que ainda não está muito claro para que se possa pensar. Há algo nos
vetores históricos que marcam o desenvolvimento das pesquisas. O tema começa a ficar
insistente e força a pensar uma produção e o que se quer saber sobre o que é falado.
Tomar isso, não como uma técnica, mas como uma interseção, forçou-me a ir a múltiplas
direções.
O objeto, recortado pela escolha metodológica, precisava ser conhecido; saber
como ele foi produzido. As marcas da história, da sociologia, da antropologia esclarecem
o recorte construído por esse hibridismo saudável, em que a purificação do objeto vai
produzindo um foco, possibilitando um novo recorte. A lógica da separação entre sujeito
e objeto é montada, repetindo esta mesma separação. Pensar de outro jeito, olhar sob um
novo ponto de vista para criar um novo paradigma, uma outra maneira de experimentar o
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mundo. Desnaturalizar o objeto, com a força que o produziu, adentrando em seu plano
como uma pesquisa de intervenção. Isso é o que o difere da pesquisa-ação. O positivismo
da psicologia desarruma-se quando se pensa o que é neutralidade do sujeito frente ao
objeto. Aí é que se dá a intervenção. Tentar deslocar-se do lugar prefixado, desconstruir,
pensando na potência do problema.
As cognições e as representações sociais, a partir da psicanálise vivenciada, foram
as bases que sustentaram este projeto, que pretendeu clarear, explicar e apontar
resultados, nunca definitivos. Cheguei aqui com uma angústia e uma inquietação. E
estive buscando respaldo teórico, bibliográfico, acadêmico e de pesquisa psicossocial
para sustentar uma percepção que fala do perigo, da convivência sem harmonia e sem
responsabilidade, sobre as diversas formas dicotômicas de falas do ser humano e da
sociedade. Junto com a família, a mídia e o fenômeno da comunicação globalizada foram
os focos de investigação. Quiz, tambem, contemplar a ética, chegando pela via do
negativo, na medida em que ela não será mais impulsionada por questões morais ou
religiosas, mas sim por um determinismo de sobrevivência, dentro da sociedade da
comunicação-informação.
O conceito a que corresponde à “ética relativa” ou “ética do possível”, parece-me
deplorável, pois consiste em sofismar a Ética como valor absoluto (a de Platão,
Aristóteles, aquela que simplesmente significa verdade, justiça, amor, virtude, beleza).
Tal contrafação encontra-se com freqüência dissimulada em “éticas” particulares, de
entidades e associações, posto que são relativas e interessadas, quando a Ética não pode
ser relativa. Mesmo quando contraposta a fins absolutos, é na verdade aí que está a
quintessência de seu modelo ideal. É preciso que a Ética seja de Responsabilidade, não de
sofismas. Um exemplo seria a compaixão do médico que conforta o doente terminal com
a esperança de sobrevivência, fazendo-lhe bem em vez de destruí-lo. Essa idéia de ética
como ethos (estilo ou modo de viver de um povo) se presta a naturais confusões, pois, por
exemplo, tende a considerar ético o sacrifício humano numa sociedade que tem o ethos
canibal. Na sociedade em que vivemos, a disciplina subserviente aos códigos de medicina
junto a realidade das empresas hospitalares e seus convenios, tem levado muitos
profissionais ditos sérios, a captularem diante da perspectiva da falencia de seus
empregos, dos interesses políticos, a participarem da manutenção dos mortos-vivos. Em
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nome desta covardia, criou-se a sociedade da indústria da morte. Tudo na legalidade. Mas
sabemos que há uma ética maior, que inclui nao so o respeito à vida mas ao Ser.
Uma questão se impõe: o que fazer com minhas hipóteses? Precisava
sistematizar, organizar, dar sustentação teórica, interpretar o meu objeto. O conjunto
destes procedimentos podia confirmar ou não a hipótese formulada. A pesquisa é o lugar
de quem não sabe, mas o pesquisador tem nela espaço para ser obsessivo. Não se
interpreta a hipótese, mas tenta-se descrevê-la muito bem a fim de testá-la. Dessa
maneira, unindo `a observação e análise, pesquisa documental, tornei-me apta a fazer
uma análise do fenômeno estudado.
Ao pesquisador atribui-se querer e gostar de olhar, de observar. A imersão no
campo de observação é o que traz a interação com as questões que devem ser avaliadas.
O que é a observação sistemática para o processo de pesquisa científica? Não é igual, mas
diferente da percepção. Envolve inferência e vai além, inconsciente, mas consistente. É
um processo cultural e requer capacitação metodológica e teórica. É uma trajetória, cujo
processo envolve ao mesmo tempo: indução e dedução, participação e não-participação, o
explícito e o não-explícito.
Para dar conta das questões acima descritas, tive, antes, que me lembrar das
palavras de Crago, pesquisador norte-americano, que, escrevendo sobre a metodologia
utilizada no estudo de estímulos e respostas ligadas a textos e discursos, adverte que as
respostas observadas à literatura não são equivalentes à experiência interior da literatura.
Crago não hesita em afirmar que “jamais conseguiremos saber de que forma qualquer
indivíduo experimenta o corpo particular de estímulos organizados que chamamos de
"história". Embora ciente das limitações e imperfeições de quaisquer técnicas de pesquisa
para obter dados objetivos sobre comportamentos, opiniões e atitudes dos sujeitos
históricos, em relação a fenômenos tão sutis quanto complexos, como rever a importância
do papel das falas no universo das famílias, ainda assim acreditava que tal tentativa
permanecia válida.
Qualquer que seja o estímulo determinante da pesquisa, existe, por parte do
estudioso, o desejo da descoberta. Começa por uma indagação e chega ao conhecimento
quando alcança resultados, mesmo modestos. A dedicação que abarca a tarefa, no campo
da ciência, demanda uma relação de envolvimento total: está pautada a uma paixão de
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conhecer a verdade que não pode ser separada da paixão pelos resultados que essa
verdade encarna.
O pesquisador é conduzido a uma fixação pelos resultados, com os quais acaba
por se identificar. A identificação é de tal ordem que, freqüentemente, um
questionamento pode ser por ele ressentido como dúvida a respeito de sua própria
identidade. A pesquisa, então, provoca a emergência do sujeito histórico. O pesquisador
emerge na realidade socio-histórica como um ser singular, em uma sociedade singular.
Fica estabelecida uma relação de questionamento entre a singularidade do pesquisador e a
singularidade do assunto que ele se propõe a examinar.
Assim, pensar a estrutura familiar contemporânea e a construção de
comportamentos modificadores é tarefa complexa. Exige reflexões diante do conceito
tradicional da família. Demanda um posicionamento do pesquisador. A questão é de
relevo, em um trabalho que pretende investigar a subjetividade da família/sociedade,
circulando em diferentes áreas do domínio do homem: a psicologia, a comunicação, a
ética e a política.
Se uma técnica de pesquisa, isoladamente, não me permitir obter um dado
evasivo, o bom senso indica que deveria utilizar outras, e várias, na tentativa de fazer
com que a soma de diversas abstrações possa resultar em algum tipo de concretude.
Procurava reunir indicações a partir dos enfoques pluridimensionais que estavam ao meu
alcance, me valendo da pesquisa bibliográfica e documental.
Se os resultados obtidos pudessem ser considerados convergentes –, conquanto
não chegado à prova, no sentido jurídico –, poder-se-ia admitir o suporte necessário ao
que permanece sendo, afinal de contas, um estudo importante mas nunca um juízo
definitivo. Para levantar os dados objetivos sobre qualificações, comportamentos,
opiniões e atitudes do universo populacional que me interessava, tinha que efetuar ao
longo do desenvolvimento do trabalho, observações e vivências pré-organizadas
divididas em várias etapas que deveriam se complementar.
Há duas análises às quais os dados podem ser submetidos: a qualitativa e a
quantitativa. Ambas apresentam vantagens em relação aos objetivos do projeto, mas
guardam características distintas. Através da pesquisa qualitativa, podem ser extraídos
resultados como opiniões, atitudes, sentimentos e expectativas; ítens que não podem ser
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quantificados por serem diferentes de acordo com os sujeitos. São estes elementos os que
mais interessavam.
Diferentemente da análise qualitativa, que requer uma avaliação altamente
escrupulosa, os resultados da análise quantitativa podem ser transformados em dados
quantificáveis apresentados em gráficos e tabelas, prestando-se a mentiras comprováveis,
criando estatísticas irreais regidas por critérios inescrutáveis na formatação de
“verdades”. Neste tipo de pesquisa há uma grande preferência pelas amostras com
resultados e análises revelados através de tabelas. Já a pesquisa qualitativa procura
entender motivações, o que vai além de números, e corresponde a uma subjetividade
maior.
Minha pesquisa vinha com pressupostos humanistas. A abordagem humanista tem
sido uma importante corrente nas ciências sociais, pois rejeita que apenas os números
possam revelar o cerne da vida social e enfatiza ainda que o estudo da vida humana é,
essencialmente, diferente do estudo de outros fenômenos, requerendo, portanto, uma
metodologia diversa daquela proposta pela concepção positivista. Tentar reduzir as
palavras e os atos das pessoas a equações estatísticas faz com que o pesquisador abdique
do lado humano da vida social. Na pesquisa qualitativa o pesquisador parte de focos de
interesse amplos, que vão sendo definidos à medida que o estudo avança.
Era isso que desejava. Ter por objetivo observar o máximo possível a realidade
construída e constitutiva dos indivíduos, interagindo nos seus mundos sociais para
entender situações únicas como parte de um contexto particular e suas interações na
família.
A preocupação principal aqui era entender o grupo social, a família, em sua
multiplicidade no cenário brasileiro, sob a perspectiva dos atores e não do pesquisador,
correndo o risco de ver destruídas todas as minhas hipóteses. Novas hipóteses foram
construídas numa troca de experiências, processos, sentidos e conhecimentos. Foi preciso
que como pesquisador me colocasse na perspectiva do outro, não sendo o outro, o que
daria a possibilidade de sair desta condição imaginária quando quisesse.
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O papel da Midia
Constatava que a dicotomia das informações provenientes da produção intelectual
divulgada pela midia, vem desvirtuando a integridade do indivíduo na sociedade
brasileira e as conseqüências sociais que isso provoca podem ser sentidas no núcleo
familiar. Passando para o plano do comportamento, pretendia demonstrar a necessidade
de alterar as normas gerais que hoje legitimam as ações predatórias, reproduzidas no
cotidiano das famílias e na mídia.
Nesse contexto, esperava que fosse proveitosa uma percepção criativa própria,
com estrutura histórica e dinâmica como fruto de uma enorme ligação com a realidade.
Não só teorias ou terminologias fechadas e exclusivas de grupos especiais. Seriam
válidas as vivências que guiariam o meu olhar sobre o material coletado na mídia
impressa contemporanea.
Ao término do século XX, batizado por muitos como o “Século da Comunicação”,
ninguém mais discute que a mídia é poderosa e poucos discordam de que pode ser
manipuladora e manipulada. Mas a mídia não é uma entidade personalizada, com desejos
e aspirações singulares aos homens livres. A mídia é representação do tempo e da
sociedade em que está instalada. É a sua reprodução. Não ser claro, isto é, fingir que se
informa a verdade, não se fazer entender, é uma das estratégias da manutenção de um
poder corrompido pelo medo dos confrontos a que os questionamentos costumam levar.
Cria-se a sociedade das charadas e quebra-cabeças, com valores artificiais, fazem-se as
caricaturas dos modelos idealizados e desejados, em exaltações doentias que afastam a
realidade. Perdem-se os contornos na ausência da forma.
Para estudar-se os comportamentos expressos na mídia era necessario fazer
algumas colocações sobre a teoria da comunicação. O desenvolvimento de estudos mais
sistemáticos sobre a comunicação é conseqüência, antes de tudo, do advento de uma
prática da comunicação: a comunicação de massa. A teoria da comunicação é o conjunto
de estudos e pesquisas sobre as práticas comunicativas. Porém, este conjunto é
constituído por uma multiplicidade de conhecimentos, métodos e pontos de vista bastante
heterogêneos e discordantes.
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Nesse conjunto diverso um primeiro autor que me servia como referência era
Roland Barthes. Segundo ele, um texto não é apenas um produto estético, mas uma
prática significante que não constitui um conjunto de signos fechados com um sentido
único a ser encontrado, mas é um jogo estabelecido entre um volume de marcas em
deslocamento. Podemos observar, pela semiótica de Barthes, que o texto implica um
diálogo entre texto e leitor.
Para um outro autor, Wolf, há uma tradição, principalmente dentro dos estudos
americanos sobre os efeitos da comunicação, que pressupõe uma onipotência dos meios
de comunicação. A síntese dessa tradição é que cada indivíduo é diretamente atingido
pela mensagem veiculada pelos meios de comunicação de massa. Sua preocupação básica
é justamente com esses efeitos. Essa concepção da ação comunicativa, como uma relação
automática de estímulo e resposta, reduz a ação humana a uma relação de causalidade
linear, e reduz também a dimensão subjetiva da escolha em favor do caráter manipulável
do indivíduo.
Por outro lado, a semiótica constitui um campo autônomo de estudos, composto
por diversas perspectivas, que se desenvolvem de forma paralela à teoria da
comunicação. Por si só, ela representa um complexo âmbito de estudos que não se
preocupam nem com o processo comunicativo como tal, nem com a relação
comunicação-sociedade; o centro da preocupação é a mensagem.
Todos os sistemas de signos, e não só a língua, são estudados pela semiótica, a
partir de unidades significativas, das definições de signo e símbolo, significante e
significado, entre outras, na busca do processo de desencadeamento de sentido, do
mecanismo de significação. Estas são algumas das possibilidades no estudo das
mensagens. As tendências mais recentes buscam os elementos do processo comunicativo,
na investigação do material simbólico veiculado pelos meios de comunicação de massa.
Embora as análises semióticas e semiológicas não sejam estudos sobre o processo
comunicativo mas apenas sobre um de seus elementos – a mensagem –, o
desenvolvimento dessa vertente de estudo trouxe um grande avanço para a teoria da
comunicação: a identificação do ato comunicativo como processo de significação e não
apenas como um fenômeno transmissivo, linear, que foi a tônica das análises efetuadas
até então.
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A apreensão do fenômeno comunicativo como significação implica considerar a
especificidade dos processos da ordem do simbólico, da atribuição de sentido, da
formação de imagens – o que vai de encontro à lógica transmissiva e linear dominante. A
mensagem como significação não seria, pois, um elemento fechado em si mesmo, algo
que sai de um emissor e chega a um receptor tal qual saiu. A idéia de um intercâmbio de
sistemas é que coloca a dinâmica de significação como um processo de negociação.
Portanto, pensar o papel da mídia na construção de comportamentos não implica uma
análise mecânica, na qual se pressupõe que a imprensa constrói comportamentos de
forma unilateral. Os meios de comunicação de massa, embora desempenhem papel
fundamental na sociedade contemporânea, não são uma via de mão única, que
simplesmente manipulam os indivíduos e suas identidades.
Busquei suporte em Jean Baudrillard, que compreende o papel e o poder da
mídia na sociedade contemporânea e a mensagem veiculada pelos meios de comunicação
de massa como um sistema conjunto da informação e da mídia. Ele faz a analogia a uma
gigantesca máquina produtora do acontecimentos, com valor permutável no mercado
universal da ideologia, do starsystem, da catástrofe. Em suma, produtora do não-
acontecimento. A abstração da informação é a mesma da economia: lança uma matéria
codificada, decifrada de antemão, negociável em termos de modelos, assim como a
economia só lança produtos negociáveis em termos de preços e de valor. Entra-se aí no
trans-histórico, ou no transpolítico, onde os acontecimentos não ocorrem
verdadeiramente, em função de sua produção e de sua difusão “em tempo real”, onde se
perdem no vazio da informação (assim como a economia se perde no vazio da
especulação). A esfera da informação é como um espaço onde, depois de se terem
esvaziado os acontecimentos de sua substância, recria-se uma gravidade artificial e
recolocam-se os acontecimentos em órbita em tempo real, em que, depois de
desvitalizados historicamente, são projetados na cena transpolítica da informação.Assim,
pude fortalecer o conceito de que a mídia desempenha papel importante na formação de
identidades.
Para Baudrillard, a sociedade atual se encontra em um processo catastrófico, e não
de crise, no sentido de um “desregramento de todas as regras do jogo”. Estamos entrando
num processo de realidade, de positividade, de acontecimentos, de informação em
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demasia, o que significa entrar em um estado não contraditório, e sim paradoxal. O
mundo pós-moderno está centrado em um mundo coisificado, ditado pela tecnologia, pela
genética, pela realidade virtual pela comunicação e, finalmente, pela informação.
Dessa maneira, pensar a sociedade contemporânea pela via da construção de
novos comportamentos e de uma nova família é uma tarefa imbricada com a análise do
papel da mídia em um mundo globalizado. Mas esta análise deveria partir da
compreensão da mídia não apenas como manipuladora de identidades, e sim como
veiculando uma mensagem que engendra e parte de um conjunto de significantes e
significados que estabelecem uma permanente relação entre o texto e o seu leitor e a
relaidade social que a cerca.
Chegava `a Família como expressão da menor estrutura do núcleo social.
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3- As relações sociais construídas a partir da família.
Custaria [ a Dª Evarista] duvidar: o marido era um sábio,
não recolheria ninguém à Casa Verde sem prova evidente de loucura...
(Machado de Assis – O alienista)
Na relação entre pais e bebês já se encontra o germe de relações sociais mais
amplas. Isso fica claro na idéia de responsividade (receptividade) interpessoal, um
conceito representado em psicologia pelas duas faces de Janus: a experiência individual
do self e a que inclui o indivíduo e o self como partes integrantes de algo maior, no caso
um sistema midiático de interação. A interação pode compreender algumas dentre as
seguintes variáveis relacionais: sensibilidade interpessoal, consciência empática,
previsibilidade ou consistência interpessoal, previsibilidade, não-intrusão, disposição
emocional (engajamento).
Todas estas faces da responsividade têm seu reflexo na vida adulta. No Ocidente
elas são baseadas no modelo tradicional de família. Com a emancipação feminina isto
tem se modificado. O elo da relação entre a mãe ou cuidadora e o bebê traduz o mundo
para o universo infantil. Os primeiros registros deste contato tornam-se referências para o
futuro adulto. A noção de contingência está implícita pois o domínio interpessoal
depende das ações do outro. A nova postura materna pode modificar as relações futuras
dos adultos devido à nova contingência das relações entre mães e filhos. A presença dos
vários tipos de responsividade acima apontados podem formar adultos mais aptos ou não
para o diálogo ético-político e para o próprio crescimento. Os níveis relacionais, enfim,
são regulados por duas pontas: os parceiros envolvidos na relação e os conceitos
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transcendentes que determinam a relação. Isso forma um sistema, ao qual a
responsividade, como domínio de pesquisa, deve sempre se remeter.
A teoria dos sistemas familiares pode ser elaborada através da compreensão destes
sistemas, nos quais os parceiros e o status da relação não podem ser analisados
separadamente. A responsividade pode ser observada em outros grupos sociais e não
apenas na família.
Embora este conceito seja inerente à relação com bebês, é possível compreender
que ele se estende ao adulto e à sociedade. Diante disso posso levantar a seguinte
hipótese: o individualismo radical do Ocidente hoje tem no plano familiar um dos
principais eixos de sustentação.
A insuficiência da visão individualista
Em nossa sociedade observamos a exacerbação do individualismo, a princípio um
discurso igualitário. Este discurso, ao responsabilizar a todos, na verdade absolve os
cidadãos médios de pensar. Ele delega-o aos cidadãos de maior prestígio. Quando se
perde a capacidade reflexiva – substrato ideológico –desresponsabiliza-se do político.
Indivíduos são iguais, pessoas são diferentes, de acordo com a rede social em que estão
inseridas. As pessoas nem sempre se sentem responsáveis por aquilo que o conceito de
indivíduo impõe justamente por causa do individualismo, termo que pode ser usado para
analisar uma sociedade formada por pessoas que se fecham em si.
Precisei, então, saber mais sobre o individualismo.No Ocidente seu surgimento fez
emergir a fragmentação. O indivíduo passa a ser a totalidade, o fragmento do conjunto
social em que vive. A gênese histórica disso é religiosa, prisma pelo qual se interpretam
todos os fatos sociais, políticos e econômicos. Vem a construção da alma. Mas é a falta
de intermediação, com a leitura da Bíblia em Calvino, que cria a linha direta com Deus.
Então, a ética protestante fundamenta o capitalismo com a noção de poupança como
prova da proteção divina. A acumulação e o direito à propriedade privada são os seus
alvos. Em contrapartida a ética capitalista não tem que provar a salvação divina, que
reside na economia por si. É aí que o todo social tem que ser protegido, igualdade e
liberdade funcionando como freios da ganância individual. A ética é entendida como
proteção pessoal, que se torna mútua. Esta lógica emancipa-se e torna-se a racionalidade
econômica, mas seu fundamento é, sobretudo, religioso e onde a base da racionalidade
pode ser o irracional (misticismo). O fio da sociedade moderna convive na divisão da
explicação psicológica com a explicação científica.
O individualismo, responsável pela construção do poder capitalista, cede lugar a uma
complacência generalizada. A busca do conhecimento vai significar poder e relevância
social. Cria-se o sujeito do individualismo epistêmico, com escolhas racionais que
conduzem a ação. Isso pode ser verificado no reconhecimento da competência, onde a
mobilidade social é possível.
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Mas, a cada processo de transformação da burguesia – que passa de uma classe para outra
por imitação (são os novos nobres) –, a elite inventa outros padrões para manter a
diferenciação. Este modelo perdura até o século XX como paradigma da Ciência. O
mundo fáustico, contrário à tradição, precisa da intervenção do Estado para a economia
moderna. Um Estado monopolizado pela classe dominante. O indivíduo moral, senhor de
si, autônomo, é uma construção social, dependente do retorno ao respeito aos direitos
naturais do homem, antes das diferenças na acumulação de capital. Será que tudo que as
pessoas desejam é prestígio e reconhecimento social? Recompensas comuns num sistema
econômico em que o público e o privado não se confundam – mas impossível na
capilaridade do sistema social moderno. A ótica do que é público e privado sofre uma
reviravolta.
Considerei a possibilidade de ser partícipe de um momento histórico em que as
superestruturas políticas e ideológicas estão enfraquecidas. As instituições civis e
políticas estão rompendo seu equilíbrio, a socialização do capitalismo não é mais o desejo
da instalação de um regime político mas a urgência da constituição de uma nova ordem
social.
O aparato do Estado tem atualmente que passar por uma superação radical da
fragmentação (paradoxalmente globalizante), propiciando ao homem moderno transceder
barreiras de gênero e classe social. A fluidez da economia, a absorção das necessidades
locais pelo cosmopolitismo internacional fazem com que a sociedade crie o “terror” da
antropofagia, própria da sua natureza autodestrutiva, em vez da superação das condições
de nascimento. O sujeito passa a fazer parte do todo como objeto. Mas, o todo revelado
na sua crueza, deixa clara a ascensão de um novo espectro na distinção entre o que é
aberto e o que é velado. O indivíduo passa a ser explicado por si só. No individualismo, a
referência é o eu-indivisível. Ele é todo nele mesmo.
A organização da vida, a disciplina e o romantismo mantidos pela utopia gestam o espaço
psicológico do mundo atual. A constituição do indivíduo é, essencialmente, a expressão
do desenvolvimento das potencialidades pessoais, que o tornam auto-suficiente. A
educação entra como a possibilidade de fazer florescer o que se é. Dá-se a predominância
do ego sobre o superego, no plano da política os espaços públicos são levados para os
conceitos privados.
Uma das questões centrais da teoria política diz respeito à relação entre o público e o
privado, entre a ação individual e a ação coletiva, interesse privado e interesse público,
escolha individual e escolha coletiva, vontade particular e vontade geral, indivíduo e
sociedade. O que se deseja, desde o romantismo, é o ser humano natural, mas está cada
vez mais difícil achá-lo em sua humanidade. Uma nova preocupação com o indivíduo e a
busca de formas criativas devem determinar as nossas vidas na sociedade atual.
Para completar esta reflexão, referi-me ao texto de Postman que trata do tecnopólio como
uma ameaça e um desafio contemporâneo ao individualismo. Diz que no tempo em que a
tecnologia se multiplicava em seus triunfos geniais, como nas últimas décadas, velhas
fontes de crença estavam sendo encurraladas: Nietzsche anunciou a morte de Deus;
Darwin afirmou que a divindade humana passava por caminhos estranhos; Marx
argumentou que a História tem uma agenda própria, e que todos somos levados por ela
sem considerar nossos desejos; Freud enunciou que não suspeitávamos de nossas
necessidades mais profundas; o behaviorista John Watson demonstrou que o livre-arbítrio
é uma ilusão; Einstein, que tudo é relativo. Mais recentemente, Hawking, o maior físico
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da atualidade, revê seus cálculos sobre os buracos negros e declara: eles não são o
caminho para um universo paralelo, ainda que isso frustre os amantes da ficção científica.
No mesmo contexto desta reflexão poderia acrescentar ainda a análise de Hall, ao
citar a contribuição de Copérnico, cuja descoberta de que a Terra gira em torno do Sol
representou a primeira grande desilusão do homem a respeito de sua própria grandeza e
centramento. Ele descreve que no século XX há pelo menos cinco modos importantes de
mostrar esta ruptura crescente:
– Althusser parte da semi-autonomia, na qual o signo abre-se de modo a que o significado
(sentido) seja superado pelo significante, amarrando-se sempre a um fantasma de
percepção do referente, como condição de autopreservação (o rompimento dessa amarra é
característica da pós-modernidade). Mesma semi-autonomia pode ser transposta para a
História, na qual o homem tem de respeitar as condições sociais. O homem, como sujeito
da História, deixa de existir: sem uma essência universal (a História é relativa a cada
povo) deixará de ser individual acima do social;
– Freud provoca o segundo grande descentramento (primeiro, cronologicamente), com
sua teoria do inconsciente, que passa a reger nossa identidade, a sexualidade e a estrutura
de nossos desejos. O que era até 1900 um sujeito racional passa a ter três instâncias, id-
ego-superego.
– A lingüística, com Ferdinand de Saussure, volta a deslocar o sujeito, mas agora numa
direção que nos faz perceber que ele não fala por si mesmo nem para expressar suas
verdades, e, portanto, não é o autor de sua fala. A linguagem preexiste ao indivíduo, não
sendo um sistema individual, mas social, que ao falar está ativando um código simbólico
repleto de significados sociais;
– Foucault também influiu no processo de descentramento. Hall destaca que, além de
reforçar que não existe autoria, Foucault estabeleceu a genealogia do sujeito moderno,
com seus estudos de micropolítica, efetuados em presídios, hospitais, oficinas, quartéis,
clínicas etc. Neles, identifica um novo tipo de poder, o poder institucional, voltado para a
normatização, a vigilância e a punição. Esse poder vigia, controla e pune o indivíduo
desde que individualizado, a partir de fora: aí se definem o infrator, o louco, o doente, o
esquisito etc. Nessa instância, a mania por ginástica aeróbica, alimentação macrobiótica,
condenação ao fumo e às drogas, tudo, enfim, que, sob pressão da mídia diz respeito à
política do corpo encontra sentido
Outro fator decisivo para o descentramento, seria dado pelas reivindicações das minorias,
uma politização da qual o feminismo foi a vanguarda nos anos 60, junto com a pós-
modernidade. Seguem-se movimentos igualmente descentradores do sujeito racional e
universal, os gays, os negros, os revolucionários do Terceiro Mundo, os pacifistas, os
estudantes rebelados, os Verdes. Sua ação objetivou-se contra as instituições
estabelecidas a Leste e Oeste, não indo diretamente ao sujeito. Preconizaram em lugar da
burocracia os atos de micropolítica; apelaram sempre para a identidade do segmento
envolvido na ação, cujo sentido era paradoxalmente marcar a diferença; entenderam o
pessoal como político; questionaram a divisão social do trabalho e os papéis
discriminadores aí estabelecidos. Na pós-modernidade, esgotado praticamente esse
campo de luta e conquistado o lugar ao sol, o feminismo parte para veredas secundárias,
como o lesbianismo militante. De qualquer forma, necessita de um Outro que confirme o
Eu, tendo perdido força a “opressão machista”.
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Estes fatos faziam-me desconfiar dos nossos sistemas de crença e em nós mesmos, mas
conferia que a defesa do individualismo continua como preocupação dominante do
pensamento político, ético e filosófico contemporâneo. mesmo com seus males, o
individualismo mantém-se salvaguardado, enquanto tudo e todos podem ser
questionados. Porém, como diz Octavio Paz em O labirinto da solidão, “entre viver a
história e interpretá-la, nossas vidas passam”.
Considerava que era urgente repor o indivíduo no âmbito da moral. Partindo do que é a
ética e para que servem os critérios morais, cada sujeito se responsabilizaria pelo
desenvolvimento coletivo. É um processo que se dá, privilegiadamente, no interior da
família. Mas deve evoluir para um tipo de grupo que produza solidariedade e
compromisso ético. Um modelo prematuro para os tempos de hoje.
A ética da sociedade moderna exige ser que os sujeitos passem além de espectadores:
participantes, atores da cidadania democrática, portadores de novas idéias, agentes de
mudanças. É o oposto do anestesiamento provocado pela vulgarização da delinqüência,
as clonagens sem ética, o aumento da criminalidade e a perda das autoridade paterna. Há,
sem dúvida, um aspecto cultural nesta patologia social. Cresce na ética social vigente o
descompromisso entre ação e reação, causa e efeito, desejo e satisfação, calcados na
impunidade e nos modelos deformados que ocorrem nas famílias, vitrine destas
distorções. Quadros como estes são emblemáticos dos tempos esquizofrênicos, que levam
Raquel Paiva a constatar: "É necessário pontuar que a origem do atualmente tão
propalado atomismo social esteja na excessiva ênfase - nem sempre muito visível, mas
nem por isso menos eficaz - que na história da humanidade deu-se ao indivíduo, em
detrimento de uma visão de coletividade".
É na família que se define a pessoa
A família particularizada, incluída em meu foco de exame, faz parte de um
desenvolvimento histórico da idéia de família-padrão no Ocidente. Ela submete-se e a
todos os seus membros ao poder da instância do consumo, máxima da sociedade
contemporânea, obediente à publicidade e aos meios de comunicação de massa. Esta
família tem como meta a individualização precoce e a regulação interna dos afetos,
enquanto há outras culturas onde as relações sociais são muito próximas e a compreensão
do self é de co-agente, numa relação de dependência com o grupo.
Minha crença é de que só com educação se desenvolve a adequada noção de self.
É ela que faz com que o agente se compreenda e se auto-avalie, considerando-se bem-
sucedido ou não. A auto-estima é a base do desenvolvimento do self, e por isso deve ser
direcionada pela família e pelo social de forma salutar. Até que ponto o self autônomo
pode mudar a própria cultura em que vive?
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Há chance para a criatividade. A rigidez com que um segmento social de adultos
despreparados tenta consertar, corrigir e desvalorizar a criação original é a razão das
inibições da idade adulta. Um uso de poder perverso. Muitos adultos nem pensam em
tentar corrigir, por lhes faltar ferramentas. Essa “desistência” que chamo de liberalidade,
mascara o desinteresse e a impotência. Não se vê em nossa sociedade a tendência para
ampliar as opções de formação de futuros adultos, já que isso favorece o estímulo dos que
buscarão intervir na sociedade, o que parece indesejável no contexto atual.
Mas mesmo submetidos a instituições sociais, os indivíduos trabalham de forma
própria as crenças que recebem, não estando apenas passivos. De acordo com o self
desenvolvido pela família haverá mais transformação, até mesmo na negação da própria
família. Diante da capacidade adaptativa, o natural e o cultural interagem no aprendizado
do social. Cada vez mais, as interações internalizadas podem ser elementos de troca. Os
processos interpessoais, como construção, são as bases dos processos intrapessoais.
Daí nasce a questão: é a intersubjetividade produto ou conteúdo? Parece-me que
as duas coisas. A base é inata, começa com uma sintonia e se transforma rapidamente no
contato com outros seres. Os níveis de subjetividade atencional produzem a socialização
e o estabelecimento de relações entre os seres humanos. A atenção voluntária que é
mediada pelo outro ser humano é diferente da atenção conjunta onde se compartilham
valores e crenças. O alicerce é a cultura. Convém que os scripts sejam construídos para o
futuro adulto.
No caso de uma sociedade individualista, o princípio básico das relações só
poderá vir desta fonte primeira: a família. É nesse meio que se constrói o indivíduo
social. A família como instituição primordial da socialização dos indivíduos, porém não a
reduz a imperativos funcionais. É preciso banir o repúdio às contestações (a não ser que
se chame de contestação um “É proibido proibir” – aforismo sobre o qual nada se pode
construir). O que me preocupa – é a falta de valores familiares na pós-modernidade. A
família tradicional, desatualizada e reacionária, constitui-se de loosers que nada têm a
dizer.
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A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida
no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente.
(Machado de Assis – O alienista)
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O sujeito fractal de Baudrillard
A idéia de sujeito, nos dias de hoje, retorna sobre si mesma, construindo o que se
denomina “sujeito fractal”. As transformações nas estruturas mentais produzidas pela
sociedade de consumo, a sua hiperinformação (desinformação para mim) é uma
abundância indigerível de signos que conduz à fatal alienação, uma vez que a própria
busca da felicidade vai desaguar no mascarar das desigualdades sociais. O denominador
comum para a organização social seria a personalização publicitária (o consumismo),
que, girando como um cata-vento, ao sabor dos interesses econômicos, induz o “sujeito
fractal”.
Tal “sujeito fractal” não tem nenhuma positividade, nenhum tipo de ressurreição
do individualismo (mesmo narcisista). Toda a sua digressão inicia-se na tentativa de ligar
o desaparecimento do sujeito ao individualismo ressuscitado, consubstanciado no
individualismo narcisista contemporâneo. Nesse ponto reside a idéia de um sujeito
fractal. Na verdade, não há mais a idéia de sujeito como dono de uma identidade, que é
sua essência. .
A pós-modernidade, ao fim de um processo de dessencialização da identidade,
exalta totalmente a noção construtivista da identidade e retira-se de qualquer
essencialismo, mesmo reconhecendo que alguns importantes autores – entre eles Stuart
Hall – negam simplesmente o conceito de identidade e, portanto, impedindo que haja
paradoxo. Para Esteves, a noção de identidade pós-moderna, encerra em si esse paradoxo,
pois não deixa transparecer a mínima tensão entre pensamento e realidade, indivíduo e
sociedade, elemento e todo. Este é, então, o paradoxo das identidades de nossos dias.
Nossa miséria começa com as necessidades de eleição na construção de nós mesmos,
com possibilidades aparentemente ilimitadas, para depois depararmo-nos, na vida real,
com limitações drásticas, que impedem a mudança: a verdadeira escolha e construção da
nossa identidade, que dificultam o nosso próprio reconhecimento e nos deixam perplexos
com aquilo que nos tornamos. Sem a nossa vontade ou mesmo, na maioria das vezes,
contra a nossa própria vontade.
A idéia de que nossa personalidade tem que ser construída nos impõe uma
ansiedade a respeito do que deveremos ser. Em geral, tal ansiedade vem do que a
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sociedade estabelece como padrão ideal para as pessoas. Tal padrão é “a instância do
consumo” e tal instância gera o indivíduo fractal. Mas, acreditava que poderia ser
possível, encontrarmos nossas próprias identidades, apesar das limitações drásticas que
impedem a mudança. O risco é de como ficamos. No narcisismo esquizofrênico? Isto
seria a confissão de derrota do caminho apontado? Resistia a uma mensagem de fé no
futuro, tornando claras as fases de transição, apontando as deficiências e as
incompreensões vivenciadas.
No entanto, as transformações recorrentes nas sociedades se sobrepõem ao
indivíduo. Ao mesmo tempo que ele se produz, encontra-se em meio a uma realidade
provisória, sempre com algo de novo a se voltar sobre sua subjetividade. Dessa forma, ele
nunca consegue construir aquilo que idealmente quer para si, uma vez que seu desejo
inclui as facetas necessárias à vida em sociedade, que estão em constante mudança.
Portanto, sobre a identidade dos sujeitos na sociedade pós-moderna, pode-se dizer que é
extremamente fragilizada, que se apresenta como uma realidade cada vez mais instável,
resultado de processos sociais complexos da vida coletiva nos nossos dias
Esta é a encruzilhada de uma sociedade altamente individualista: a existência de
um narcisismo esquizofrênico, caracterizado pela idéia de que o reconhecimento pleno
das qualidades do indivíduo pelos padrões de seu grupo é impossível, uma vez que existe
um corpo social extremamente complexo que lhe impõe sempre mais. Portanto, para que
sua auto-estima não se reduza a nada, o indivíduo volta sua libido para seu próprio ego.
Ama, então, a si mesmo e a sua constante transformação, encontrando nesta faceta
camaleônica de sua personalidade dessencializada a realização de sua auto-estima. Só
assim não se sentirá totalmente irrelevante para si e para o outro. Na verdade, fragmenta-
se para não se autodestruir e mantém um equilíbrio tênue entre esta sobrevivência e a
autodestruição.
Conto do processo histórico pelo qual chegava à idéia de fragmentação dos
sujeitos, ou seja, chegava ao sujeito fractal de Baudrillard. Para este, o sujeito agora é
como um objeto fractal, que não é apenas fragmentário, mas despedaçado. O fractal
contém, em cada uma das suas dimensões, o seu todo. Não é mais o indivíduo no sentido
tradicional, mas estilhaçado em múltiplos fragmentos, dos quais cada um se assemelha a
outro. O sujeito perde a sua síntese e torna-se múltiplo, vagueando de uma imagem a
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outra, e essas imagens são a melhor corporificação desta ruptura. De acordo com esse
sistema, cuja figura central é o sujeito fractal, não há mais nenhum outro, restando apenas
o eu estilhaçado, que se assemelha, sobretudo, a si mesmo.
O termo “persona” deixa ver a superficialidade da determinação daquilo que
somos numa série de facetas, o que permite fazer contato com o outro, pois não há uma
essência de identidade, mas vários papéis assumidos no palco, de acordo com o grupo
onde as relações se estabelecem. A partir desta idéia se descortina uma sociedade
esquizofrênica. Todos preocupados em buscar sua auto-estima e exibi-la para não se
destruírem. Mas auto-estima traduz inteireza, o que não combina com a idéia de
consumista-giroscópio e o se saber descartável. A auto-estima na pós-moderna, só
poderia advir de uma coletivização da capacidade de transformação, que dá prazer ao ego
individual em meio a uma sociedade onde não se sabe o que esperar do outro. O sujeito
fractal não tem ponto de apoio sobre o qual se edificar em eu, salvo as imposições
mutantes da publicidade e do mercado, que o esvaziam e o tornam merecedores da
exclusão e substituíveis.
Ao indivíduo resta tornar-se máscara de si mesmo, pelas quais atua com atos
específicos em momentos distintos na relação com os outros que o cercam, combinando-
se circunstancialmente, sem essência de uma personalidade além daquela denominada
pela característica mais marcante do animal, a que chamamos camaleão. Assim, chega-se
a processos esquizofrênicos que se incorporam ao ser num processo cultural, pois o
prazer do indivíduo pode vir até mesmo do fato de ser contraditório consigo mesmo.
Andrade, psicanalista, refletindo sobre questões da contemporaneidade, diz que a pós-
modernidade tem incluído nos currículos dos estudiosos a subjetividade e a sensação de
um sujeito caótico fragmentado e mobilizado que, no senso comum, tem sido considerado
o sujeito estressado.
Esquizofrenia como indiferença narcísica
O sujeito fractal contém a cristalização de diferentes looks em uma sociedade
fragmentada, na qual o sujeito se dilacera em várias tribos, pequenos grupos que
demonstram que, nesse jogo de aparições cíclicas, há mais máscaras do que indivíduos.
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Há, na verdade, uma indiferenciação radical, onde todos são clones de si mesmos, não
importa o papel que representem. Não há drama, nem tragédia, mas identidades
indefinidas que precisam produzir diferenças em solos indiferentes.
Para a sociedade em que vivemos, este processo não é nem ao menos trágico, pois
ocorre outro fenômeno: a indiferença. Não há mais nem alienação, nem ruptura
provocada pela alienação. O que ocorre é a simulação, pois nos encontramos em uma
área de identidades sem formato que precisam produzir diferenças infinitas, ao mesmo
tempo que essas diferenças são compreendidas como naturais e parte da existência, sendo
encaradas com extrema ingenuidade.
Portanto, é fatídico! Tal processo se dá na existência de uma sociedade
eminentemente narcísica devido a seus procedimentos voltarem-se para a satisfação
individualista de cada ser. Seres que são as engrenagens que movem este corpo social,
que o faz crer que a satisfação egocêntrica de seu prazer é a medida para as relações
coletivas. Daí vem nossa esquizofrenia coletiva.
Dentro do conceito de esquizofrenia analisado por Freud no interior de seus
estudos e voltados mais para os casos particulares, sabia que o termo “esquizofrenia” não
foi cunhado por Freud, mas sim por E. Bleuler para designar um grupo de psicoses cujas
características principais são a incoerência do pensamento, da ação e da afetividade. O
indivíduo volta-se para si, abandonando-se a produções fantasmáticas, em uma atividade
delirante, relativamente marcada e mal sistematizada. É uma doença crônica. Evolui no
sentido da deterioração intelectual e afetiva.
No entanto, ao evocar Freud e Bleuler, não estaria, me referindo à esquizofrenia
individual mas ao que ela assume de social.
Para mim, o mais importante são as relações que Freud fez entre esquizofrenia e
narcisismo. Isso seria extremamente necessário às minhas futuras reflexões sobre a
sociedade atual e o papel que a família desempenha neste quadro. Baseada no texto
Introdução ao narcisismo, publicado pela primeira vez em 1925, escrito em 1914, eis o
conceito freudiano.
Freud, diz, que pacientes esquizofrênicos caracterizam-se por dois aspectos:
megalomania e desinteresse pelo mundo externo. Incrivelmente, estas são características
do tipo de sujeito e da sociedade contemporânea, que se auto-reproduzem adorando a si
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mesmo, sua própria face, fragmentando-se em identidades múltiplas, estanques,
impossibilitados de se integrar. Na verdade, o sujeito pós-moderno vive este quadro
dramático num narcisismo esquizofrênico coletivo.
Os esquizofrênicos, para Freud, são diferentes dos neuróticos. Os neuróticos
perdem o interesse pelo mundo externo, mas desviam sua libido para suas fantasias, que
se confundem com a realidade. Já os esquizofrênicos não transferem sua libido para a
fantasia. O que fazem, então, com ela? A megalomania serve para explicar esse aspecto.
Ao buscar subsídios no comportamento infantil e na dos povos primitivos, Freud diz que
neles existem características megalomaníacas como, por exemplo, a onipotência do
pensamento e a visão de eficácia da mágica. Isso reflete uma visão disposta a partir de
seu próprio ego, para onde se volta toda a libido, chegando ao ápice do narcisismo que é
a esquizofrenia, acreditando-se capazes de tudo e amando-se acima de qualquer coisa.
Um doente!
No entanto, pensava que o estabelecimento, a qualificação de “doente” obedece a
interesses sociais vigente, com referencial estabelecido por determinação das classes
dominantes.
Historicamente, muitos foram os enganos cometidos por causa dessa definição, o
que fazia conjecturar que o considerado doente pela sociedade, muitas vezes, na
realidade é o são, pois, mais que megalomania e desinteresse, nutre verdadeira ojeriza
pela falsidade do mundo externo, recolhendo-se ao interior de si onde crê encontrar sua
individualidade íntegra. Numa leitura possível, que parece ser a dos antipsiquiatras: o
indivíduo desloca sua libido para os objetos, mas, ao repudiar (com inteira justiça) a
clonagem do mundo publicitário-consumista em que está imerso, repele os objetos que
simbolizam essa sociedade e volta-se para dentro da integridade do eu. Seria então um
esquizofrênico/são, ao passo que a sociedade seria esquizofrênica/doente.
O narcisismo seria, para Freud, uma fase do desenvolvimento de todo ser humano.
Esta constatação torna-se importante para o desenvolvimento de futuros conceitos
freudianos, pois aqui nasce a idéia de ego ideal. O narcisismo, no curso normal de
desenvolvimento humano, para Freud, é um complemento libidinal do egoísmo, do
instinto de autopreservação, presente em todo sujeito. Porém, nas pessoas normais, ele
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existe submerso aos seus interesses pelos objetos do mundo externo, para os quais se
voltam.
Somente nas crianças ele é observado claramente, pois ainda não se transformou
em interesse pelo mundo externo:"Esse ego ideal é agora alvo do amor de si mesmo (self-
love) desfrutado na infância pelo ego real. O narcisismo do indivíduo surge deslocado em
direção a esse novo ego ideal, o qual, como o ego infantil, se acha possuído de toda
perfeição de valor. Como acontece sempre que a libido está envolvida, mais uma vez aqui
o homem se acha incapaz de abrir mão de uma satisfação de que outrora desfrutou. Ele
não está disposto a renunciar à perfeição narcisista de sua infância; e quando, ao crescer,
se vê perturbado pelas admoestações de terceiros e pelo despertar de seu próprio
julgamento crítico, de modo a não poder mais reter aquela perfeição, procura recuperá-la
sob a forma de um ego ideal. O que ele projeta diante de si como sendo seu ideal é o
substituto do narcisismo perdido na infância na qual ele era o seu próprio ideal ", escreve
Freud.
Freud define os impulsos como: a energia de instinto (instinto animal), o instinto
do ego (algo como uma força psíquica do humano), a libido do ego (libido voltada para o
próprio eu) e a libido objetal (libido voltada para o mundo externo ao eu). Isso ele faz por
compreender o desenvolvimento de uma libido sexual a partir dos instintos do ego e
transcendendo o puro instinto.
Para explicar, o que é da natureza instintiva do homem e o que é da sua natureza
psíquica, Freud exemplifica com a distinção entre fome e amor. Isso diferencia instintos
sexuais e instintos do ego desde o início. Por isso, Freud tenta manter separado as idéias
de algo orgânico e de energias psíquicas. Há uma antítese entre os instintos do ego e os
sexuais. A partir disto, surge a noção de catexia libidinal original do ego, como força
psíquica, normal em toda pessoa. Esta é, em parte, transmitida depois da infância, aos
objetos. Ela pode ser comunicada aos objetos e retirada deles, de acordo com as
experiências de cada um. Quando se fala de um ser em estado de paixão, ele se encontra
no nível máximo de catexia objetal, já que desiste de sua própria personalidade e volta-se
totalmente ao outro.
A esquizofrenia é, justamente, o contrário desta postura não necessariamente uma
doença. Dependendo da ótica do observador, o esquizofrênico seria são ao retirar-se de
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um mundo decepcionante para dentro de si mesmo, onde sabe ou acredita residir a
integridade.
Freud procura analisar a transferência de libido no caso de pessoas com doenças
orgânicas. Elas negam seu interesse libidinal aos objetos amorosos e voltam-se só para si
mesmas e suas doenças. Retiram suas catexias libidinais dos objetos e as retomam para
seu ego, o que difere ao ficarem sãs. Libido e ego, aqui, não se distinguem; o egoísmo do
enfermo está nos dois. A alteração da libido é, assim, resultado de alterações no ego. O
hipocondríaco é um caso patológico do que se narra acima e que ocorre com pessoas
“normais”. Ele não sai do estado de egoísmo, mesmo sem manifestações orgânicas de sua
doença. Há a neurose de transferência dos interesses nos objetos aos interesses
fantasiosos (as doenças). A hipocondria é uma egoista neurose de angústia. Neste
contexto o conceito de “normal” entra com aspas por considerar de difícil interpretação o
referencial a que estava aludindo.
Sobre o egoísmo, tão questionado no foco dos valores judaico-cristão, é fato que
ele evita que adoeçamos e coloca que é necessário amar-nos para nos manter saudável,
ou seja, é necessário à nossa vida mental a orientação da libido aos objetos. Nos casos de
neurose, no entanto, essa libido passa para objetos da própria fantasia. Nos
megalomaníacos, volta-se inteiramente para o próprio ego. A libido liberada pela
frustração não vai para fantasias, mas sim para o ego.
O narcisismo, quando se apresenta desta forma, é patológico e próprio do
esquizofrênico. Em certos tipos de patologias, as pessoas adotam como modelo o seu
próprio eu. Essa é sua escolha objetal e revela-se narcisista. Nos adultos “normais”, sua
megalomania infantil foi diminuída por características psíquicas da psicologia da
repressão, através da qual a libido de seu ego foi moldada por um ego ideal. Nem por isso
todos ficam, patologicamente, neuróticos. Em geral, os impulsos entram em choque com
a cultura e a ética do adulto. Muitos desejos são abafados antes mesmo de virem à
consciência.
O ego ideal é despertado por terceiros, pelas outras pessoas; ele nasce da vida
coletiva que pretende promover o desenvolvimento da capacidade crítica do ser humano.
Mas a capacidade crítica do ser humano não pode, por definição de seus próprios termos,
ser promovida por uma vida coletiva falseada pela hipocrisia e outros achaques aludidos
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ao longo do texto (hipocrisia, corrida pelo sucesso, afirmação via reconhecimento
externo). Ela surge, quando surge, a contrapelo disso tudo. Este ideal substitui o
narcisismo. A sublimação do ego real pelo ideal recai sobre os desejos.
A libido narcisista também existe em adultos normais. Um exemplo é a auto-
estima necessária a toda pessoa, mas isto se dá quando há um equilíbrio entre seu ego real
e seu ego ideal. No esquizofrênico, a auto-estima aumenta, mas no neurótico diminui.
Neste, o fato de não ser amado diminui a auto-estima, enquanto os primeiros amam a si
mesmos, aumentando-a. Em ambos há a dependência do objeto amado. Quando há a
catexia objetal, a pessoa apaixonada diminui seu narcisismo em prol do outro. Este amor
só pode ser substituído pelo de outra pessoa. O estar apaixonado é um fluir do ego para o
objeto amado. O neurótico perde-se no não-amor, e por isso busca a cura na psicanálise.
A história está cheia de grandes amores neuróticos, a maioria dos quais se tornou
lenda (o suicídio ou assassinato do arquiduque Rodolfo por causa de Maria Vetsera, que
morre com seu amante, e o príncipe da Áustria, 1871-1889, personagem de conhecida
tragédia internacional, chamada “O Crime de Mayerling”, por exemplo). São pessoas
neuróticas que diante de tanto amor e de tanta possibilidade de felicidade preferiram se
matar. Mas, na pós-modernidade, esta atitude parece não se sustentar.
O neurótico deve retornar ao seu ego, reconstituindo sua auto-estima e
equilibrando seu ideal de ego repressor. O medo de perder o amor deve desaparecer na
cura pelo amor. As perturbações esquizofrênicas não respeitam esta lógica, pois elas são
a transformação do ego em seu próprio objeto, e só dele pode ser retirado o prazer.
Pode-se perguntar: que tipo de ego ideal poderia brotar, motivado pela sociedade
contemporânea? O que o indivíduo deve ansiar para si é simplesmente a constante
superação de si mesmo? Inevitavelmente, em uma sociedade só regida pelo capital e
sucesso ocorre o contrário: esvaziamento e adesão aos símbolos de êxito social. Isso,
certamente, o induziria a um processo sem fim, e, caso não voltasse para dentro de seu
próprio eu, não se esgotaria? E as relações interpessoais, como se dariam nesta sociedade
na qual tudo que o outro exige é que se dê o máximo possível, sem reconhecimento
algum mas apenas como parte do movimento de um todo social que se acostumou à
desestabilização?
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Tanto o outro quanto o próprio eu são incapazes do amor nessa sociedade, pois
são incapazes de se reconhecer como elos de uma coletividade que corresponde aos
anseios de seu ego. Não é a neurose que nos traga, mas a esquizofrenia, que foi
constituída sobre a explosão do individualismo ocidental e da massificação. Até mesmo
como sobrevivência do indivíduo, que se ama, para não sucumbir ao processo, sempre
frustrante, de uma auto-superação infinita. Quanto à esquizofrenia, como já dito, resulta
da sociedade que “construímos” em cima de valores pirotécnicos mais fáceis de nos
atordoar, eliminando o medo do confronto com o que seja o sentido da vida.
Por isso verificava que nossa sociedade transforma as relações com o outro em
relações consigo mesmo. Ao não esperar reconhecimento no outro, o individualismo
narcisista faz com que só certifiquemos a nós mesmos para equilibrar nossa auto-estima,
além de tornar impossível que reconheçamos algo no outro, além do que tange a nós
mesmos. Apresenta-se, então, uma sociedade não só egocêntrica, como egoísta. Na
verdade, o outro, a idéia de alteridade, somos nós mesmos travestidos em nossas diversas
personas. Nossa sociedade é esquizofrênica porque, em meio à exaltação do indivíduo,
desaparece a essência da identidade, o que ocorre pelo desaparecimento do outro, da
alteridade, instância necessária à formação de um ego saudável. Só restam os fractais de
sujeitos que são outros de si mesmos, onde desaparece a auto-estima, fruto do amor de
reconhecimento, e emerge a auto-adoração de um ego fragmentado e falido.
Freud diz que para o neurótico o amor é parte da cura, para o esquizofrênico não.
Isso ocorre porque antes de saber ser amado ele deve reaprender a viver com a alteridade,
e depois amá-la. Creio que o grande exercício da sociedade contemporânea é desaprender
a ler “alteridade” sob o manto da hipocrisia e do abandono e re-aprender a vivê-la sem o
risco de significar, numa acepção mais ampla, a domesticação do indivíduo.
A alteridade no caminho da reconstrução psíquica
Essas reflexões serviriam como solução ao imenso egoísmo em que se vive. Não
poderia mais achar que deveria estar sempre na superação, mas descobria o caminhar
para a comunhão através da consciência de melhoria do conjunto social. Precisaria tentar
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superar a desgraça de um eu centrado em si, em troca de um eu em união com o outro,
tentando organizar melhor o que é de todos.
A importância desse novo eu, para um projeto social mais amplo e que vise
superar a fragmentação das identidades em nossos dias, pode ser relacionada com a ação
desse eu em prol do amor confluente. É possível relacionar o novo eu ao self reflexivo. O
tipo de eu que se requer para o relacionamento só pode ser baseado na idéia de que o
sujeito é quem se autoconstrói. O amor confluente nasce da necessidade de privacidade,
mas se preserva na noção de cumplicidade e amizade, é a relação pura, que inclui
confiança e responsabilidade.
A necessidade destes eus deve, por prolongamento, remeter-se ao conceito de
alteridade e à relação do eu com o outro, uma vez que não queria eliminar a
individualidade, mas sim recolocar um ego saudável no ser contemporâneo. O amor
confluente recoloca a auto-estima do ego, sem que ele deixe sua autoconstrução para trás,
ao mesmo tempo que o preserva das frustrações a que levam as impossibilidades de ser
totalmente onipotente o que produz a esquizofrenia do tudo querer/nada poder e
transportam os sujeitos ao narcisismo, que o faz fractal por salvação. Esta forma de amor
recupera parte da essência, sem engessá-la, através da relação do eu com o outro.
No entanto, como vimos, Freud afirmava que o amor não funciona como remédio
para a esquizofrenia. Antes o esquizofrênico tem de entender o que é o outro, para depois
se deixar invadir pelo amor consciente. Este é um dos problemas cruciais da questão da
alteridade.
Jodelet, em seu texto A alteridade como produto e processo psicossocial,
enxerga na alteridade o elo necessário para a recuperação dos sujeitos fractais, a partir do
momento em que ela exista com base no amor, na ética, no convívio para a
sobrevivência. A alteridade apresenta-se em um duplo processo: de construção e exclusão
social. A alteridade que se coloca como elo de construção social é aquela alteridade de
fora, de longe e do exótico, que define uma comunidade ao diferenciar-se das outras. A
alteridade que se coloca dentro de uma sociedade e que define a exclusão em seu próprio
interior refere-se àqueles marcados pela diferença (étnica, religiosa etc.). Uma definição
mais geral de alteridade seria a distinção entre o eu e o outro, que nem todos percebem.
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Muitos vêem nela a própria condição para que a identidade exista. Decorre disso a noção
de diferença, que, com a idéia de identidade, também define a idéia de pluralidade.
Mas como isso poderia se dar no quadro terrível apresentado de uma sociedade
em pleno desenvolvimento esquizofrênico? Alteridade é, em geral, um termo somente
usado para apontar uma distância radical em relação a uma identidade. Como se passa do
próximo ao outro e da diferença à alteridade no contexto do sujeito fractal? Na verdade,
uma reelaboração do conceito de alteridade pode ser vista como retorno a uma certa
essência, que permita ao sujeito fractal fugir de sua fractalidade e dessencialidade. O
próximo é o alter, o outro constitutivo da identidade da pessoa, que se pressupõe como
parte de seu superego, de sua estrutura una e coletiva, que a faz viver além de si mesma
na busca de uma auto-estima existente além de seu narcisismo.
Por que falaria de reelaboração do conceito de alteridade? Há a alteridade
excludente que elimina o outro, que o considera não-humano e a alteridade radical que é
um grau de diferenciação que nega ao outro sua própria humanidade. Um exemplo bem
atual dessa polarização está no Eixo do Mal (Bin Laden) e do Bem (Bush), que
demonstra um puro irracionalismo, modelo de “alteridade radical”.
Jodelet vai mostrar esse processo no seio de uma comunidade que recebe doentes
psiquiátricos e que constrói marcas de exclusão e hierarquização de alteridade radical
frente aos doentes (totalmente outros, de natureza distinta dos homens normais), ao
mesmo tempo que se define por sua atividade de acolher os loucos frente ao mundo
externo. A comunidade, portanto, carrega em si a dualidade. O doente é considerado
anormal, ou seja, é não-humano e perigoso. A comunidade que o acolhe é marcada pela
crença de estar em constante ameaça. Porém, a alteridade insinua-se também no coração
da identidade individual até fazer da pessoa do louco, nas sociedades igualitárias e
democráticas, um estranho a si mesmo.
A articulação entre identidade e alteridade faz parte de nossa base cognitiva
fundamental. A partir daí, se inicia um processo de diferenciação. Há o outro-semelhante,
que é o mediador da identidade, da representação que dá sentido ao que o sujeito
ressente. Daí vem, nas comunidades, a essência de um nós. Esta é a alteridade de dentro,
contraposta à alteridade de fora.
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Isso permitiria ao outro ser aceito na sociabilidade. É esse o tipo de alteridade que
acreditava ser algo a se buscar como antídoto para as mazelas de nossa fractalidade. De
uma sociedade esquizofrênica nasceria, por necessidade de preservação, na tentativa de
sobrevivência, a demanda pelo reconhecimento de uma alteridade que pressuponha
admiração e respeito pela diferença, compreendida em sua humanidade.
Nos dias atuais também faz parte do individualismo a idéia de uma compreensão
egóica da diferença. Talvez por isso seja possível construir, a partir do ego, a
compreensão de um alter que o qualifique e o faça se retirar de seu narcisismo, devido a
seu próprio prazer autocentrado. Ao querer ser mais generoso, ético e altruísta em seu
individualismo, o narcisista também dá prazer a si mesmo, porém deste prazer pode
nascer a consciência do outro. É um prazer que pode oferecer um elo de transformação ao
esquizofrênico. Ao tentar, em seu narcisismo, demonstrar para si mesmo o
desprendimento necessário ao individualista em uma de suas personas – numa sociedade
da racionalidade que produz a ajuda –, o esquizofrênico pode deparar-se com a
constatação de que a diferença realmente existe e vai além dele, reconhecendo, portanto,
um outro real, além de si mesmo, e se abrindo para o amor confluente. Saindo da
assertiva hegeliana de que o escravo só se reconhece através do olhar do dono, sua
vontade pelo reconhecimento é tal que, na literatura, já despertou grandes paixões e
dedicações do escravo pelo senhor.
Desta maneira, de dentro da própria sociedade esquizofrênica nasceria a cura
devido ao exagero da doença social, mesmo se considerando que sociedade
esquizofrênica e alteridade não são necessariamente interdependentes e indissolúveis, em
que a condição de uma será a reação de outra. A alteridade independente da esquizofrenia
social é característica apenas de sociedades complexas. Os índios sabem que o guerreiro
tem papel diferente do ancião.
Da falta de diferenciação nasce a cura na diferenciação, se a preocupação com as
mazelas coletivas possuir um elo com o direito narcísico ao altruísmo. Ou seja, não a cura
pelo amor, mas a cura que vem ao se acordar para a diferença que pode ser amada.
Afinal, em um ego reestruturado deve haver o amor redirecionado ao objeto. O que resta
aos sãos, quanto a este processo, é educar para o diálogo, de forma que de uma doença
não se passe a outra, da esquizofrenia para a neurose, em virtude de um amor mal
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direcionado. O diálogo, as ídas e vindas, os ajustes e a negociação, então, passarão a ser
a base de uma construção amorosa.
A família e a construção coletiva
O desenvolvimento das competências cognitivas da criança está imerso em um
certo cenário e é determinado por scripts de atividades determinadas pelos pais de acordo
com as crenças do que deve ser o progresso da criança. Outro aspecto que deve estar
mais presente nas discussões psicológicas é o aspecto cultural da linguagem. Aceita-se a
idéia de uma base inata para a emergência da linguagem nos seres humanos, como em
Chomsky, porém é necessário um mínimo de condições culturais para que se desenvolva
a competência lingüística nos seres humanos. Na linguagem sempre ocorre a co-
construção e ela é um limite.
A língua oral tem diferenças de funcionamento em relação à língua escrita. Não se
podem falar duas coisas ao mesmo tempo, apesar de, através da polissemia, da
ambigüidade, podermos “falar” mil sentidos simultaneamente. Mas pode-se pensar em
diversos canais. Estudam-se as manifestações das linguagens nas representações sociais,
incluindo as tradições pessoais e as representações atuais que, muitas vezes, entram em
choque com as contradições pessoais. O universo do grupo interagindo pela linguagem
com o universo pessoal define como cada sujeito internaliza as representações sociais dos
grupos e de sua história pessoal. Chegavamos aos princípios de identidade e de auto-
estima em que as diferenças culturais e de individualidade modelam e limitam de forma
diversa as etapas da evolução humana, diferentemente dos multiculturalistas, reconhecia
que os processos de construção não serão abertos em grandes espaços para as diferenças
culturais e que a oportunidade de apropriação dos conhecimentos diferentes depende de
cada um isoladamente.
A linguagem é pois, resultado de um processo em construção, formado junto com
o desenvolvimento do sujeito ao longo de sua vida. No processo de construção do
conteúdo não importa o que se faz, mas como se faz. A natureza da troca é o que vai ser
determinante. Com produtos de interpretação tão diversos, o que fazer com os
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significantes culturais? Servem como carta de intenção no desenvolvimento
sociocognitivo para estimular a pensar que as interações sociais são fatores constitutivos
em que o nicho esta na família, acrescida do contexto sociocultural, do ambiente físico e
dos costumes. O nicho é a unidade usada para observar a formação do caráter da pessoa e
sua influência é a repetição dos padrões primeiros em todas as esferas sociais grupais e
individuais. Filhos e pais não são propriedades inalteradas, passivas e estanques; mesmo
ainda não tendo um claro modelo de família que irá substituir o arquétipo da família
tradicional – que já não existe nesta sociedade fragmentada –, percebia suas mutações.
Chamo de consciência da importância desta troca, o compromisso mútuo que
deverá ser aceito ou não: a liberdade e a ética da co-responsabilidade. Considerando que
as variáveis da responsividade existem em dois níveis e as variáveis moleculares da
responsividade são bases das relações interpessoais particulares, nas quais as ações de um
dependem das seqüências interativas de seu parceiro, quando os parceiros esperam a
construção co-responsável de algo, isto contraria a limitação, a prisão que a “verdade”
religiosa prega, a obrigação imutável. Promove uma necessidade de rever
dinamicamente a relação, criando a possibilidade de continuidade por escolha e prazer.
Esta ação, no entanto, deverá ser sempre compartilhada para ter validade.
A construção de uma nova relação da família passa pelo afastamento da obrigação
e pela disponibilidade e desejo do grupo envolvido. Não dá para querer viver sozinho,
apesar da neurose do abandono individualista. Acreditava que na interação crescem
todos os envolvidos, dentro de um mundo moderno com novos paradigmas e uma nova
família.
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O padre Lopes confessou que não imaginara
a existência de tantos doidos no mundo..
(Machado de Assis – O alienista)
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Qual realidade?
Continuava investigando na busca que explicasse, no iníicio, na infancia.
Durante a infância é possível perceber um processo complexo na construção do eu
dos indivíduos, mas a essência do próprio eu pode perder-se de vista à medida que a
criança vê a si mesma não como é, mas através de um processo de “adaptação” às
necessidades dos pais. Isto provoca uma cisão na estrutura psicológica individual, num
verdadeiro ato de autotraição, desligando o seu mundo interior das ligações com o
exterior. Ao perder o elo com seu interior, o sujeito terá que recorrer a um eu falsificado,
geralmente, a imagem de um determinado comportamento e de atitudes que agradam a
outros. A necessidade, até obsessão, de preservar tal imagem sobrepõe-se ao que
poderiam ter sido percepções, sentimentos e vivências empáticas genuínas.
Essa impossibilidade de estar enraizado em si próprio tende a provocar um
comportamento destrutivo e maldoso, que pode se estabelecer através de um conjunto de
relações, cuja raiz é o poder.
Nesse processo de busca de uma fração, que seja, de um poder ilusório, composto
de responsabilidade, dever e obediência, podemos estar diante de uma manifestação de
loucura que encobre a si própria e se mascara como saúde mental e vida normal. A
adaptabilidade, a não-independência interior e a realidade do poder sobreposta à realidade
do amor – misto de conformismo e rebelião (que têm pontos em comum) – fazem com
que se manifeste a loucura com aparencia e aceitação de normalidade.
A negação da realidade ocorre quando o eu nascente, que deveria se moldar livre
e abertamente em auto-responsabilidade, entrega-se obedientemente à influência
marcante dos outros: “Torno-me no que queres para que me aceites”. Assim, o ato de se
fazer dependente é convertido na vingança pela sujeição e pelo desprezo próprio. O
desejo de vingança passa a ser a origem e determinante inconfessa e incógnita deste
estado mental. Esse processo é de tal modo importante e dramático, que, segundo Gruen ,
a dor da não aceitação será, muito provavelmente, a razão de algumas crianças serem
vitimadas pela denominada morte infantil repentina.
A contradição entre a necessidade de manter as aparências perante si próprio e a
disposição em subjugar-se ao poder é sustentada por uma ideologia social que identifica
Esquizofrenia Social - Elza Pádua
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Esquizofrenia Social - Elza Pádua

  • 2. 1 1 AGRADECIMENTOS A J. Roberto Whitaker Penteado, interlocutor sério, crítico, e que mesmo com seu jeito muitas vezes transverso, colocou-se a todo instante como meu melhor amigo. A meus Mestres, que foram os facilitadores desta jornada empreendida no amalgama da vida: com alegria, sofrimento e uma paixão solitária - minha gratidão. A Marcia Diogo, parceira exemplar, meu gesto de admiração. A Humberto Marini, pela inestimável ajuda. A João Mauricio Valladares Padua - companheiro na eternidade imolado neste processo - e que me deu a dimensão da necessária mudança. A minha filha Anna Luiza, que - por suas escolhas e solidez de caráter – fez valer a pena o esforço empreendido.
  • 3. 2 2 DEDICATÓRIAS Este trabalho é dedicado primeiro a mim, pela coragem de aos 60 anos, decidir- me a trilhar esta empreitada, este ato de amor. Para que sirva de referência a esta nova geração de maduros-jovens que como eu, tem muito que contar, muito a aprender, muito que viver, muito que doar. É, também, dedicado a todas as crianças que ainda não foram maculadas e que na figura de meus netos, Theo e Juliana, me trazem a esperança.
  • 4. 3 3 ÍNDICE 1 Introdução: identificando a Esquizofrenia Social e procurando entendê-la 2 Contorno e dimensões da Esquizofrenia Social O papel da Mídia 3 As relações sociais construídas a partir da família A insuficiência da visão individualista É na família que se define a pessoa 4 O sujeito fractal de Baudrillard Esquizofrenia como indiferença narcísica A alteridade no caminho da reconstrução psíquica A família e a construção coletiva 5 Qual realidade? Ódio e destrutividade Cisão e dissimulação Violência como patologia do sentimento Conformismo e rebelião são variações de violência 6 O poder é expressão do vazio interior Loucura, normalidade e literatura Simplificação, banalização e cisão 7 Leibnitz e Ibsen: do Pato Selvagem à pós-modernidade A função da memória no processo psicológico Memoria e grupos familiares 8 Comunicação e Vida Privada O público e o privado na sociedade A mídia definindo a ética no espaço público Ambivalências e contradições no modelo 9 Pragmatismo: as palavras ainda têm valor 10 Conclusão: a insuportável relevância do novo eu Referências bibliográficas
  • 5. 4 4 1 Alguns chegam ao ponto de conjeturar que nunca houve outro louco além dele, em Itaguaí. (Machado de Assis – O alienista)
  • 6. 5 5 Introdução: identificando a Esquizofrenia Social e procurando entendê-la A descrição desta Esquizofrenia Social originou-se da tese submetida ao Programa de Pós-Graduação de Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Brasil, como requisito para a obtenção de meu grau de Doutor em Psicologia Social,em 30 de março de 2005. Com ela, proponho a construção de um nova reflexão que se somará aos paradigmas já conhecidos como quando Kuhn, em seu livro Estrutura das revoluções científicas, destaca a Revolução Científica como contraponto à ciência normal. Utilizei a minha formação de pesquisadora, que atravessa diversas áreas, sem que esta postura se confundisse com a interdisciplinaridade que elimina ou prestigia uma disciplina em relação a outra. Optei pela pluridisciplinaridade crítica, que deve ser entendida como a busca do rompimento com a fragmentação entre as disciplinas, gerada, de certa forma, pelo avanço científico e tecnológico. Diante das demandas do mundo contemporâneo, penso tornar-se necessário que se abordem os fenômenos globalmente, recuperando-se a unidade perdida. Minha formação de pesquisadora se inscreve no âmbito do multidisciplinar, com graduação e mestrado em Comunicação Social e experiência em pedagogia, administração de educação, jornalismo de reportagem. Profundamente comprometida, há 35 anos, com a terapia freudiana, kleiniana e de Winnicott, como paciente, tenho uma objetiva tendência à construção coletiva, em que se busca o diálogo como processo e se estabelece um confronto entre diferentes saberes, evitando-se hierarquizações. A história humana, muito difícil de se historiar, é mesclada de sentimentos diversos. Diferentes saberes são bem-vindos, mas sem as miopias dos conhecimentos especializados. Não é sair do formato científico, não é entrar no gênero literário – pensar livre é pensar –, mas pretender mesclar de forma saudável, eficiente e eficaz a apreensão do conhecimento. Sei que os temas e as agendas de assuntos mal definidos levam a digressões erradas, mas estou bem acompanhado quando enveredo pelos caminhos trilhados por autores como Gianne Vattimo e outros.
  • 7. 6 6 Acredito que este sistema chama a contribuição de um amplo leque de disciplinas, sem preconceitos, somando os conteúdos relativos a cada uma delas, tão necessários à sistematização de determinados princípios e de certos conceitos. O desafio que se impõe, é de me voltar para os estudos sobre as renovações das relações interpessoais, a sua origem na família, a sua representação na mídia dos nossos tempos e a sua contribuição a uma qualidade de viver melhor para todos nós. Essas questões são fascinantes neste projeto: propor que uma intervenção ocorra antes que problemas maiores e irreversíveis aconteçam. Mesmo me considerando inserida na modernidade, com grande fascínio pelo contemporâneo, os autores nos quais este trabalho se respalda foram, muitas vezes, buscados nos clássicos eternos, referência ao saber, reverência à sabedoria que nada tem de obsoleta e anacrônica. Com a finalidade de particularizar essa experiência, tentei estabelecer uma visão filtrada pelo conhecimento vivenciado, que trilha os sentidos que percorreram, juntos, os caminhos do desenvolvimento deste trabalho, fazendo constar, na seqüência, um texto de reflexão sobre a condição humana e os valores perseguidos, os quais tomo como direção, rumo e tema de vida escolhida, onde se insere este percurso trilhado: "A abertura ao mistério possui a inocência da criança diante de um desmoronar do universo. A alma de pesquisador pensa o provável não-explícito, o desejo, a inadequação amorosa, a incomunicabilidade e o invisível, a tragicidade límpida e lúcida aliada à loucura de ver e a não-resignação ao determinismo. Debruça-se sobre si sem alhear-se do real e faz da meditação um ato criador. Toda a sua história traz consigo a sua versão, toda a sua cultura em soma. A criatividade é usada como quem descobre não sem medo que o não-conhecido é o canal que nos faz ultrapassar a dimensão do humano. Estes aspectos mágicos são o seu conceito do sagrado, do Divino. Liga-se ao ritual, criando uma sistemática amorosa com as suas fragilidades, num diálogo possível entre o visível e o invisível, no ver por dentro das coisas. A subversão do riso está sempre presente, o riso que vem do espírito, que dá Graça, que lhe enche de Graça. Ele é lúdico, atemporal e eterno. Não é um riso banal. Senta perto da ironia buscada. Aprendeu a jogar e o jogo da vida é fascinante. Nele vê regras para um melhor desempenho mas coloca a liberdade da razão na esfera dos sentimentos. Nesta fronteira em que vive, entre o diálogo e o duelo, está sua vontade de compreender e de se
  • 8. 7 7 expressar. Esta é a sua religião, que crê em todas, mas não pratica especificamente nenhuma porque desenquadra do institucional este sentimento de princípio divino. Nesta criação erótica, neste êxtase com que se envolve de corpo e alma, está a dimensão sagrada da palavra. Este gesto humano que tem a sua importância original pela representação física das falas, onde busca a harmonia. O estudo da dicotomia das falas demonstra o mal imerso nesta disfunção. Isto aparece em Lévi-Strauss ao usar em suas teorias o Teorema de Gödel: “A história pode nos levar a qualquer lugar, sob a condição de que saiamos dela”. O que pode ser lido, ouvido, pensado, falado, tem na escrita em qualquer forma a sua representação. Mas a voz, aquilo que nos identifica na nossa singularidade e na nossa comunhão com o outro, é o que interage e o que distingue: as modulações dos sons e os ritmos diversos que são mensagens diferenciadas e que são sentidos com as vísceras. Na incompletude que encontramos na busca de uma razão transparente, onde estamos quase, sem nunca alcançar, vaga o seu espírito. Neste espaço cheio de vazios há gozo e prazer. É invisível, mas concreto. Sua busca pelo que está no fundo tem a dimensão da procura da origem do real como sucessão de acontecimentos. A imaginação transformadora não distorce a visão. Sua crença ficou na idade da criança. Acredita, é pura, mas tem basicamente uma maneira limpa de olhar, sem a ingenuidade da ignorância. Dessacralizar as palavras, tirar delas o peso mortal das definições imutáveis é dar ao tempo novas visões. Se a tragédia como humano é não conseguir entender mesmo tudo, é não saber mesmo tudo, é viver seguro na improbabilidade, é possível pensar, sem a tristeza que este reconhecimento dos limites traz, que a dimensão da finitude está nesta vitalidade, nesta dinâmica vital que se traduz pela enorme energia que nos move para a ação. Esta intensidade do sentir assusta. Por isso essa pesquisadora registra tudo que vê, que sente, tentando não esquecer. Sua memória tem hieróglifos (escrita dos deuses). De beleza, também." Assim, consegui fazer o meu próprio mapa com um certo distanciamento científico. A abordagem deste livro traz a contribuição fundamental de alguns autores, entre eles Sigmund Freud. Acredito que ter o olhar psicanalítico permeando este trabalho permitirá construir os indícios que me levarão ao exame da questão da esquizofrenia
  • 9. 8 8 social no quadro da família contemporânea. Ao tomar Freud, que utilizou os mecanismos do inconsciente, trazendo uma visão do papel do indivíduo na história, criando, a partir daí, a teoria das repressões, como um dos pontos de partida para as minhas reflexões, o que penso é que a repressão individual está na esfera das repressões coletivas. Daí focalizar os fenômenos da repressão e da esquizofrenia (Freud e outros) sob um ponto mais social do que clínico-individual. O que proponho é estudar e desenvolver uma análise a respeito da noção de esquizofrenia social que vem sendo construída e está claramente desnudada em nossos dias. A partir do núcleo social primeiro que é a família, pretendo verificar até que ponto a dicotomia das informações veiculadas na mídia desvirtuam a integridade do homem, e as conseqüências sociais que isto provoca, levando-se em conta as contradições secundárias que ainda se permitem para que não se atinja o cerne de seus interesses e até para que se diga: “Vejam como a imprensa é livre”. A construção do sujeito social dentro do processo de desenvolvimento humano existe em caminhos diversos de socialização com características distintas. As ações práticas, das atividades e da interação, em contraponto com as representações, as crenças, idéias e concepções, levam a uma nova compreensão da natureza humana. A integração destas relações não é linear, mas baseia-se numa articulação de conhecimentos. É acreditando nesta premissa que considero que o desenvolvimento humano existe na junção de características biológicas com a história cultural do ser. Não se pode separar a linha cultural do desenvolvimento da linha natural, mas acredito que elas estão interligadas. Os estudos de Vygotsky, propõem algumas bases para pensar-se numa integração entre o biológico e o cultural, permitindo que se possa ter uma abordagem interacionista, ou seja, sociocultural do desenvolvimento dos sujeitos. É pela interação que se constroem, de forma dialética – entre natureza e história –, os processos do desenvolvimento humano. O que é importante são os mediadores, instrumentos e signos, dos quais nos apropriamos, dentro do caldo cultural, para tornarmos o que somos. O conhecimento se constrói pela rede de trocas que ocorre paralelamente ao desenvolvimento biológico da criança. Nesse sentido, é de fundamental importância, pensar o desenvolvimento individual dos sujeitos, como um estudo sobre as relações
  • 10. 9 9 familiares na formação de adultos que desempenham papéis sociais e dos quais é cobrada uma série de comportamentos. Para isso abordei o desenvolvimento do ser no social e na família e as configurações da estrutura familiar frente às inúmeras pressões da sociedade contemporânea, dentro do quadro da esquizofrenia social. Criar adultos responsáveis e sociedades bem desenvolvidas nunca pareceu ter tanto a ver com a relação da pessoa, do indivíduo, e sua própria família, primeiro núcleo social produtor do desenvolvimento do ser. Criar adultos dignos, a partir da estrutura familiar, depende de duas vertentes: da maneira pela qual os pais vivem e da confiança que dão aos seus próprios valores e como os transmitem às novas gerações. Os pais têm um papel fundamental de estruturadores do caráter dos filhos. Os modelos – o que somos e quais as nossas identificações mais harmônicas à nossa integridade – são passos seguidos a partir de alguma referência imposta, inicialmente, pelo social familiar; pelo menos era assim até os primórdios disto que se tem chamado de Era Pós-Industrial ou Pós-Modernidade. As erupções das décadas de 1960 e 1970 (tendo como ícone o Levante de Maio a partir de Nanterre) com o advento das greves dos estudantes reduziram intensamente o papel da família, que se tornou, a bem dizer, ridicularizável. Hoje até se usa “fulano é do tipo família” no sentido depreciativo. Algo como ultrapassado, impotente. Mas, são os pais que primeiro definem as atitudes no espaço público e privado – através dos seus pensamentos e dos próprios modelos – construindo valores, estabelecendo e desenvolvendo a qualidade que desejam para os seus relacionamentos e para a convivência social. Por mais que aspirem a diferenças, as gerações apropriam-se das suas referências familiares, ao mesmo tempo ressignificando-as. Já os pais pós- modernos não criam valores, simplesmente, porque não os podem criar: estão imersos num mundo reduzido ao sentido de mercado, onde os “valores” se resumem àquilo que proporciona resultados financeiros. Esta é a dificuldade que têm os pais de formar as bases de que as novas gerações possam se adequar e reformular as referências familiares. Assim, não se trata de uma relação estática, mas de um permanente movimento que não envolve uma simples apropriação de valores e sim uma constante ressignificação. Há uma interconexão profunda entre as características iniciais da criança e o meio cultural no qual ela nasce. A família é o eixo principal do ser humano em seu
  • 11. 10 10 desenvolvimento inicial. É ela que deixa marcas indeléveis, por toda a vida, façamos o que quiser para nos livrar das cicatrizes, pois é responsável não só por nossa introdução na cultura, mas também pelas nossas primeiras concepções de como agir nela, transformando-a ou não. Portanto, as reflexões a respeito da esquizofrenia social estarão sendo pensadas a partir de um conceito atual da idéia de família. Este trabalho visa caminhar pelo desenvolvimento de comportamentos esquizofrênicos dentro da sociedade contemporânea e seus entrelaces com os seguintes temas: família, indivíduo, mídia e, finalmente, ética. Observei como comportamentos solidificados e referendados pela estrutura familiar tradicional e pelo social têm-se transformado, nos últimos anos, em nossa sociedade. Por outro lado, tais comportamentos têm modificado a própria idéia de família, de núcleo seguro para a estabilidade do sujeito, influenciado pela multifacetada sociedade da informação, do valor da linguagem, da influência da nova forma dos espaços públicos e privados, da morte e seu confronto com a cultura vigente. Sem dúvida, a família monogâmica é, há muito tempo, compreendida como base de nossa sociedade, reconhecida e formalizada a partir da cultura religiosa cristã ocidental, e estabelecedora dos comportamentos desejados. Pude observar que os comportamentos sociais da atualidade têm como uma de suas características a dicotomia das falas, ou seja, a diferença entre o que se diz, se vê, se fala, se ouve, se faz e o que se acredita. Alteram-se assim as concepções tradicionais de família, indivíduo e ética, criando-se a “diferença entre o que se faz e se acredita”. A impossibilidade de acreditar no que se está fazendo, e mesmo a desnecessidade, pois o que vale é adquirir os meios da sociedade mercantil, é a responsável pela desistência dos valores que, mal ou bem, embasaram a sociedade até meados do século XX. As crenças se fragilizam e os jovens não acreditam nos mais velhos, com toda razão. A família contemporânea, especialmente no Ocidente - e o campo de observação é a classe média alta da sociedade brasileira palco dos modelos sociais - atravessa uma fase de falta de “sincro”, como nos filmes mal produzidos: seus membros, atrelados aos compromissos de consangüinidade, ainda declaram amor eterno entre si, mas encobrem competições, vilezas e ódios que, na verdade, são os sentimentos de ponta que permeiam
  • 12. 11 11 as relações. Há uma conivencia no silêncio consentido. A família encontra-se fragmentada, como também está cada um dos seus membros. A vivência do indivíduo ocorre na duplicidade: um jogo de acobertamentos entre o que (se) sente e o que se diz. Pretendo conservar a esperança de um papel positivo da mídia e mesmo quanto aos “valores familiares”. Mas esse jogo de acobertamento entre o que se sente e o que se enuncia produz pessoas que passam diariamente mentindo por necessidade de acomodação social e por imperativo profissional. Fingem que não são roubadas em um centavo no troco do supermercado, fazem anúncios assegurando que “Omo lava mais branco” ou empenhando um desodorante maravilhoso, escrevem para o patrão jornalista que a eleição de um político notoriamente corrupto é garantia de honestidade para a cidade, agradecem uma homenagem com discurso de enaltecimento aos concedentes (e cujos aspectos negativos de caráter conhece como eles aos seus). Depois entram em casa, ficam sabendo que seu filho foi castigado na escola por mentir à professora e fazem o discurso de “Nunca minta, meu filho, isto é muito feio”. Quer que ele acredite na família? Representar dois papéis e não perceber a contradição que impossibilita a harmonia da esfera pública com a privada é o que chamo de esquizofrenia ética, base doente sobre a qual periclitam as palafitas da esquizofrenia social. O que desenvolvi buscou na família a origem deste comportamento social, representado pela dicotomia das falas, em função de sua própria história. Esta história mostra a família tradicional como espaço social central de produção daquilo que considero hipocrisia e que se fundamenta em sua origem religiosa e de controle social. Muitas vezes a criança é educada para se comportar não de acordo com seu pensamento individual e sim dentro das demandas sociais. Por outro lado, a sociedade ocidental é profundamente individualista, o que provoca uma cisão entre o que o sujeito considera ser sua identidade e os estímulos da sociedade, ou como deve se comportar para sobreviver. Daí resulta uma dicotomia com origem no interior da própria pessoa. Talvez seja necessário esclarecer de que Ocidente falo. Contemplei a Europa Central e do Sul e suas áreas de influência. A partir disto, pretendi analisar como a hiperinformação, que produz a desinformação, à qual as pessoas são submetidas pela mídia, é, em si mesma,
  • 13. 12 12 multiplicadora deste processo. A hiperinformação cria o que chamo de esquizofrenia social, a saber, a incapacidade de ter-se a noção do conjunto social que nos circunda, bem como de se responsabilizar pelos próprios atos sociais. Por outro lado, a mídia é, ao mesmo tempo, denunciadora desta dicotomia/esquizofrenia. Isto se revela na própria produção jornalística sobre o comportamento, que volta seu olhar para a família tradicional e para o corpo social, criticando-o e analisando-o. A mídia não é geradora mas divulgadora da síndrome da esquizofrenia social, a qual vem da sujeição do ser humano ao sistema que dele se serve para multiplicar os resultados financeiros. Ao embaralhar os sinais, deixa o espectador/leitor perdido, mas também salvo para o mercado. Se ele começar a raciocinar, estará salvo para sua individualidade, mas perdido para o sistema, cujos “valores” refutará. Menciono uma sociedade que não se apresenta marxista, no sentido que define a História como a decisão dos interesses econômicos, nem darwinista, em que o sucesso só cabe aos mais fortes e protegidos sociais. Sem me abstrair de que falo de uma manifestação global, tentei sair das teorias conspiratórias das grandes corporações da mídia. Mas não nego a observação de que estamos numa sociedade conduzida pelos interesses econômicos, deslumbrada pelo sucesso a qualquer preço, e de que, às vezes, as definições nomeativas são inevitáveis na ciência social (o tráfico de drogas é mau, toda corrupção contamina a polícia, são juízos de valores inevitáveis), sem o que ela se esteriliza. De qualquer modo, olhando uma mídia mundial cujo centro não passa de meia dúzia de proprietários – Berlusconi, Ted Turner, Azcárraga e, mesmo mapeando a grande mídia brasileira, Marinho, Civita, Sirotsky –, é difícil desdenhar da hipótese da “teoria conspiratória das grandes corporações da mídia”. A pesquisa de base teórica que desenvolvi demonstrou a Esquizofrenia Social que vivencia o brasileiro na contemporaneidade e vislumbrou a busca de sinais de uma saída: o estabelecimento de novos ritos de passagem do núcleo familiar ao social como necessários ao crescimento e desenvolvimento de cada um – sem obsessões – embasados num novo compromisso ético-social. Ao observar que a instituição família e a educação de hoje não se voltam para a integração familiar, tem-se a hipótese de que, embora a dicotomia das falas tenha sido engendrada pela família tradicional do passado, a família, como grupo primário, é ainda a
  • 14. 13 13 única opção de sobrevivência psíquica das pessoas. A estabilidade do compromisso familiar pode ser o espaço para a administração da integridade do sujeito, nesta sociedade na qual não se sabe que voz ouvir, devido à existência de informações díspares e em excesso. Penso que os indivíduos terão que recorrer a novos laços familiares, agora construídos por opção. A partir de minhas análises, pude levantar a hipótese de que os intuitos desses indivíduos talvez funcionem como uma fuga da duplicidade constante das mensagens contraditórias, que se encontram no seio da família, importante demais para ser desconsiderado e a busca da permanência de sua sanidade e da consciência de identidade diante da multiplicidade. A isso chamei de “escolha pela família”, que, agora, não será somente o núcleo de nascimento da pessoa, mas principalmente grupos identitários, subgrupos formados pela amizade, por laços afetivos, por objetivos comuns, com responsabilidades onde não se permita o uso manipulador das figuras de retórica, dos jogos de palavras, das omissões, que dificultam o entendimento e confundem. Eleições que se sobrepõem ao conceito de irmandade por fraternidade escolhida e que trazem embutida uma incondicional lealdade. Acredito que esta postura, quando retorna ao corpo social mais amplo, inaugura uma nova ética, a partir de pessoas formadas no seio desta nova família, surgida da necessidade de transparência e da ética do compromisso. Aqui o afeto – sem máscaras – é o princípio que rege a relação com o outro, em condições de confronto compassivo com a alteridade, que permitem o exercício da liberdade. Esta é a ética do cuidado, que surge da urgência de nossa cultura em transformar as bases para a formação dos indivíduos, como condição de nossa própria preservação. Em suma, tomei esta assertiva, mesmo questionando Ética como expediente de sobrevivência dentro da sociedade de comunicação, já que não é incomum a aceitação do sacrifício expressar melhor a vivência ética que o instinto de sobrevivência. Exemplos históricos como o de Leônidas nas Termópilas, ou o do rei ao dizer “Perca-se tudo menos a honra” podem parecer altissonantes ou pomposos, mas são pura escolha Ética. Outro argumento em favor da Ética não-relativista, tão comum hoje, é a existência inegável de paradigmas que todas as sociedades conhecidas seguem. Sejam simples ou complexas, ocidentais ou orientais, de nativos ou conquistadores: nenhuma aceita o
  • 15. 14 14 princípio da traição, nenhuma aplaude o viajante que pede abrigo e assassina os anfitriões enquanto dormem, nenhuma se compadece com a figura tenebrosa do torturador. Há, certo, quem promova a Noite de São Bartolomeu, quem traia a confiança dos amigos, quem mate quem lhe dá abrigo, quem dê choques elétricos num bebê para extrair confissões da mãe, mas tais cometimentos pertencem a grupos interessados ou seitas fanáticas, não sendo socialmente aceitos, no sentido mais amplo. Assim, minha hipótese considera o nascimento de uma nova família, que será fundada na cooperação e no reconhecimento, e não mais na tradição. A falta de opção e a noção de urgente sobrevivência impulsionarão esta mudança, não pela via ética nem religiosa, mas pela via negativa – decorrente da consciência da fragilidade e impotência do indivíduo – e criarão esse canal alternativo ao desânimo e medo do universo social, desestimulando o simples “encostar” na família tradicional, independentemente de sua duplicidade e mensagens contraditórias. Há uma relação ao aspecto positivo da “separação” do homem-sociedade administrada que é muito visível: quem não adere corre o risco de ser rotulado de “esquizofrênico”. Tentar mudar este padrão, esta referência, este modelo, colocar este assunto em discussão é o esperançoso fio condutor deste trabalho. Eu os convido para fazermos, juntos, esta trajetória.
  • 16. 15 15 2 Deus engendrou um ovo, o ovo engendrou a espada, A espada engendrou Davi.... (Machado de Assis – O alienista)
  • 17. 16 16 Contorno e dimensões da Esquizofrenia Social Diante do principal objetivo deste trabalho: analisar o conceito de esquizofrenia social e o seu desenvolvimento a partir das relações familiares, buscando refletir sobre o papel da mídia na formação dos sujeitos sociais e de seus comportamentos; precisava realizar, sobretudo, um estudo psicossociológico, no qual entra a cultura e o que é inerente ao ser humano como espécie. Mas o que é um objeto de pesquisa? O que é um método para o estudo de algo? O objeto de pesquisa supõe o sujeito que pesquisa o objeto. Objeto e pesquisador são partes inerentes deste trabalho que já é, em si, um método intuitivo utilizado. Desejava ancorar minha proposta em um duplo prisma: na utilização de contribuições de diversos autores e também na criação de um novo paradigma associado aos já conhecidos, e que fala de uma revolução científica em contraponto à revolução normal. Guiados por um novo paradigma, os cientistas adotam novos instrumentos e orientam seu olhar em novas direções. E o que é mais importante: durante as revoluções, os cientistas vêem coisas novas e diferentes quando, empregando instrumentos familiares, olham para os mesmos pontos já examinados anteriormente. Mas o que vem em primeiro lugar é o problema, já que sujeito e objeto se definem no processo de pensar a pesquisa. O problema é o que nos força a pensar nas vertentes diversas que se integram à produção do conhecimento. Não se tem a meta da solução, mas a construção do que ainda não está muito claro para que se possa pensar. Há algo nos vetores históricos que marcam o desenvolvimento das pesquisas. O tema começa a ficar insistente e força a pensar uma produção e o que se quer saber sobre o que é falado. Tomar isso, não como uma técnica, mas como uma interseção, forçou-me a ir a múltiplas direções. O objeto, recortado pela escolha metodológica, precisava ser conhecido; saber como ele foi produzido. As marcas da história, da sociologia, da antropologia esclarecem o recorte construído por esse hibridismo saudável, em que a purificação do objeto vai produzindo um foco, possibilitando um novo recorte. A lógica da separação entre sujeito e objeto é montada, repetindo esta mesma separação. Pensar de outro jeito, olhar sob um novo ponto de vista para criar um novo paradigma, uma outra maneira de experimentar o
  • 18. 17 17 mundo. Desnaturalizar o objeto, com a força que o produziu, adentrando em seu plano como uma pesquisa de intervenção. Isso é o que o difere da pesquisa-ação. O positivismo da psicologia desarruma-se quando se pensa o que é neutralidade do sujeito frente ao objeto. Aí é que se dá a intervenção. Tentar deslocar-se do lugar prefixado, desconstruir, pensando na potência do problema. As cognições e as representações sociais, a partir da psicanálise vivenciada, foram as bases que sustentaram este projeto, que pretendeu clarear, explicar e apontar resultados, nunca definitivos. Cheguei aqui com uma angústia e uma inquietação. E estive buscando respaldo teórico, bibliográfico, acadêmico e de pesquisa psicossocial para sustentar uma percepção que fala do perigo, da convivência sem harmonia e sem responsabilidade, sobre as diversas formas dicotômicas de falas do ser humano e da sociedade. Junto com a família, a mídia e o fenômeno da comunicação globalizada foram os focos de investigação. Quiz, tambem, contemplar a ética, chegando pela via do negativo, na medida em que ela não será mais impulsionada por questões morais ou religiosas, mas sim por um determinismo de sobrevivência, dentro da sociedade da comunicação-informação. O conceito a que corresponde à “ética relativa” ou “ética do possível”, parece-me deplorável, pois consiste em sofismar a Ética como valor absoluto (a de Platão, Aristóteles, aquela que simplesmente significa verdade, justiça, amor, virtude, beleza). Tal contrafação encontra-se com freqüência dissimulada em “éticas” particulares, de entidades e associações, posto que são relativas e interessadas, quando a Ética não pode ser relativa. Mesmo quando contraposta a fins absolutos, é na verdade aí que está a quintessência de seu modelo ideal. É preciso que a Ética seja de Responsabilidade, não de sofismas. Um exemplo seria a compaixão do médico que conforta o doente terminal com a esperança de sobrevivência, fazendo-lhe bem em vez de destruí-lo. Essa idéia de ética como ethos (estilo ou modo de viver de um povo) se presta a naturais confusões, pois, por exemplo, tende a considerar ético o sacrifício humano numa sociedade que tem o ethos canibal. Na sociedade em que vivemos, a disciplina subserviente aos códigos de medicina junto a realidade das empresas hospitalares e seus convenios, tem levado muitos profissionais ditos sérios, a captularem diante da perspectiva da falencia de seus empregos, dos interesses políticos, a participarem da manutenção dos mortos-vivos. Em
  • 19. 18 18 nome desta covardia, criou-se a sociedade da indústria da morte. Tudo na legalidade. Mas sabemos que há uma ética maior, que inclui nao so o respeito à vida mas ao Ser. Uma questão se impõe: o que fazer com minhas hipóteses? Precisava sistematizar, organizar, dar sustentação teórica, interpretar o meu objeto. O conjunto destes procedimentos podia confirmar ou não a hipótese formulada. A pesquisa é o lugar de quem não sabe, mas o pesquisador tem nela espaço para ser obsessivo. Não se interpreta a hipótese, mas tenta-se descrevê-la muito bem a fim de testá-la. Dessa maneira, unindo `a observação e análise, pesquisa documental, tornei-me apta a fazer uma análise do fenômeno estudado. Ao pesquisador atribui-se querer e gostar de olhar, de observar. A imersão no campo de observação é o que traz a interação com as questões que devem ser avaliadas. O que é a observação sistemática para o processo de pesquisa científica? Não é igual, mas diferente da percepção. Envolve inferência e vai além, inconsciente, mas consistente. É um processo cultural e requer capacitação metodológica e teórica. É uma trajetória, cujo processo envolve ao mesmo tempo: indução e dedução, participação e não-participação, o explícito e o não-explícito. Para dar conta das questões acima descritas, tive, antes, que me lembrar das palavras de Crago, pesquisador norte-americano, que, escrevendo sobre a metodologia utilizada no estudo de estímulos e respostas ligadas a textos e discursos, adverte que as respostas observadas à literatura não são equivalentes à experiência interior da literatura. Crago não hesita em afirmar que “jamais conseguiremos saber de que forma qualquer indivíduo experimenta o corpo particular de estímulos organizados que chamamos de "história". Embora ciente das limitações e imperfeições de quaisquer técnicas de pesquisa para obter dados objetivos sobre comportamentos, opiniões e atitudes dos sujeitos históricos, em relação a fenômenos tão sutis quanto complexos, como rever a importância do papel das falas no universo das famílias, ainda assim acreditava que tal tentativa permanecia válida. Qualquer que seja o estímulo determinante da pesquisa, existe, por parte do estudioso, o desejo da descoberta. Começa por uma indagação e chega ao conhecimento quando alcança resultados, mesmo modestos. A dedicação que abarca a tarefa, no campo da ciência, demanda uma relação de envolvimento total: está pautada a uma paixão de
  • 20. 19 19 conhecer a verdade que não pode ser separada da paixão pelos resultados que essa verdade encarna. O pesquisador é conduzido a uma fixação pelos resultados, com os quais acaba por se identificar. A identificação é de tal ordem que, freqüentemente, um questionamento pode ser por ele ressentido como dúvida a respeito de sua própria identidade. A pesquisa, então, provoca a emergência do sujeito histórico. O pesquisador emerge na realidade socio-histórica como um ser singular, em uma sociedade singular. Fica estabelecida uma relação de questionamento entre a singularidade do pesquisador e a singularidade do assunto que ele se propõe a examinar. Assim, pensar a estrutura familiar contemporânea e a construção de comportamentos modificadores é tarefa complexa. Exige reflexões diante do conceito tradicional da família. Demanda um posicionamento do pesquisador. A questão é de relevo, em um trabalho que pretende investigar a subjetividade da família/sociedade, circulando em diferentes áreas do domínio do homem: a psicologia, a comunicação, a ética e a política. Se uma técnica de pesquisa, isoladamente, não me permitir obter um dado evasivo, o bom senso indica que deveria utilizar outras, e várias, na tentativa de fazer com que a soma de diversas abstrações possa resultar em algum tipo de concretude. Procurava reunir indicações a partir dos enfoques pluridimensionais que estavam ao meu alcance, me valendo da pesquisa bibliográfica e documental. Se os resultados obtidos pudessem ser considerados convergentes –, conquanto não chegado à prova, no sentido jurídico –, poder-se-ia admitir o suporte necessário ao que permanece sendo, afinal de contas, um estudo importante mas nunca um juízo definitivo. Para levantar os dados objetivos sobre qualificações, comportamentos, opiniões e atitudes do universo populacional que me interessava, tinha que efetuar ao longo do desenvolvimento do trabalho, observações e vivências pré-organizadas divididas em várias etapas que deveriam se complementar. Há duas análises às quais os dados podem ser submetidos: a qualitativa e a quantitativa. Ambas apresentam vantagens em relação aos objetivos do projeto, mas guardam características distintas. Através da pesquisa qualitativa, podem ser extraídos resultados como opiniões, atitudes, sentimentos e expectativas; ítens que não podem ser
  • 21. 20 20 quantificados por serem diferentes de acordo com os sujeitos. São estes elementos os que mais interessavam. Diferentemente da análise qualitativa, que requer uma avaliação altamente escrupulosa, os resultados da análise quantitativa podem ser transformados em dados quantificáveis apresentados em gráficos e tabelas, prestando-se a mentiras comprováveis, criando estatísticas irreais regidas por critérios inescrutáveis na formatação de “verdades”. Neste tipo de pesquisa há uma grande preferência pelas amostras com resultados e análises revelados através de tabelas. Já a pesquisa qualitativa procura entender motivações, o que vai além de números, e corresponde a uma subjetividade maior. Minha pesquisa vinha com pressupostos humanistas. A abordagem humanista tem sido uma importante corrente nas ciências sociais, pois rejeita que apenas os números possam revelar o cerne da vida social e enfatiza ainda que o estudo da vida humana é, essencialmente, diferente do estudo de outros fenômenos, requerendo, portanto, uma metodologia diversa daquela proposta pela concepção positivista. Tentar reduzir as palavras e os atos das pessoas a equações estatísticas faz com que o pesquisador abdique do lado humano da vida social. Na pesquisa qualitativa o pesquisador parte de focos de interesse amplos, que vão sendo definidos à medida que o estudo avança. Era isso que desejava. Ter por objetivo observar o máximo possível a realidade construída e constitutiva dos indivíduos, interagindo nos seus mundos sociais para entender situações únicas como parte de um contexto particular e suas interações na família. A preocupação principal aqui era entender o grupo social, a família, em sua multiplicidade no cenário brasileiro, sob a perspectiva dos atores e não do pesquisador, correndo o risco de ver destruídas todas as minhas hipóteses. Novas hipóteses foram construídas numa troca de experiências, processos, sentidos e conhecimentos. Foi preciso que como pesquisador me colocasse na perspectiva do outro, não sendo o outro, o que daria a possibilidade de sair desta condição imaginária quando quisesse.
  • 22. 21 21 O papel da Midia Constatava que a dicotomia das informações provenientes da produção intelectual divulgada pela midia, vem desvirtuando a integridade do indivíduo na sociedade brasileira e as conseqüências sociais que isso provoca podem ser sentidas no núcleo familiar. Passando para o plano do comportamento, pretendia demonstrar a necessidade de alterar as normas gerais que hoje legitimam as ações predatórias, reproduzidas no cotidiano das famílias e na mídia. Nesse contexto, esperava que fosse proveitosa uma percepção criativa própria, com estrutura histórica e dinâmica como fruto de uma enorme ligação com a realidade. Não só teorias ou terminologias fechadas e exclusivas de grupos especiais. Seriam válidas as vivências que guiariam o meu olhar sobre o material coletado na mídia impressa contemporanea. Ao término do século XX, batizado por muitos como o “Século da Comunicação”, ninguém mais discute que a mídia é poderosa e poucos discordam de que pode ser manipuladora e manipulada. Mas a mídia não é uma entidade personalizada, com desejos e aspirações singulares aos homens livres. A mídia é representação do tempo e da sociedade em que está instalada. É a sua reprodução. Não ser claro, isto é, fingir que se informa a verdade, não se fazer entender, é uma das estratégias da manutenção de um poder corrompido pelo medo dos confrontos a que os questionamentos costumam levar. Cria-se a sociedade das charadas e quebra-cabeças, com valores artificiais, fazem-se as caricaturas dos modelos idealizados e desejados, em exaltações doentias que afastam a realidade. Perdem-se os contornos na ausência da forma. Para estudar-se os comportamentos expressos na mídia era necessario fazer algumas colocações sobre a teoria da comunicação. O desenvolvimento de estudos mais sistemáticos sobre a comunicação é conseqüência, antes de tudo, do advento de uma prática da comunicação: a comunicação de massa. A teoria da comunicação é o conjunto de estudos e pesquisas sobre as práticas comunicativas. Porém, este conjunto é constituído por uma multiplicidade de conhecimentos, métodos e pontos de vista bastante heterogêneos e discordantes.
  • 23. 22 22 Nesse conjunto diverso um primeiro autor que me servia como referência era Roland Barthes. Segundo ele, um texto não é apenas um produto estético, mas uma prática significante que não constitui um conjunto de signos fechados com um sentido único a ser encontrado, mas é um jogo estabelecido entre um volume de marcas em deslocamento. Podemos observar, pela semiótica de Barthes, que o texto implica um diálogo entre texto e leitor. Para um outro autor, Wolf, há uma tradição, principalmente dentro dos estudos americanos sobre os efeitos da comunicação, que pressupõe uma onipotência dos meios de comunicação. A síntese dessa tradição é que cada indivíduo é diretamente atingido pela mensagem veiculada pelos meios de comunicação de massa. Sua preocupação básica é justamente com esses efeitos. Essa concepção da ação comunicativa, como uma relação automática de estímulo e resposta, reduz a ação humana a uma relação de causalidade linear, e reduz também a dimensão subjetiva da escolha em favor do caráter manipulável do indivíduo. Por outro lado, a semiótica constitui um campo autônomo de estudos, composto por diversas perspectivas, que se desenvolvem de forma paralela à teoria da comunicação. Por si só, ela representa um complexo âmbito de estudos que não se preocupam nem com o processo comunicativo como tal, nem com a relação comunicação-sociedade; o centro da preocupação é a mensagem. Todos os sistemas de signos, e não só a língua, são estudados pela semiótica, a partir de unidades significativas, das definições de signo e símbolo, significante e significado, entre outras, na busca do processo de desencadeamento de sentido, do mecanismo de significação. Estas são algumas das possibilidades no estudo das mensagens. As tendências mais recentes buscam os elementos do processo comunicativo, na investigação do material simbólico veiculado pelos meios de comunicação de massa. Embora as análises semióticas e semiológicas não sejam estudos sobre o processo comunicativo mas apenas sobre um de seus elementos – a mensagem –, o desenvolvimento dessa vertente de estudo trouxe um grande avanço para a teoria da comunicação: a identificação do ato comunicativo como processo de significação e não apenas como um fenômeno transmissivo, linear, que foi a tônica das análises efetuadas até então.
  • 24. 23 23 A apreensão do fenômeno comunicativo como significação implica considerar a especificidade dos processos da ordem do simbólico, da atribuição de sentido, da formação de imagens – o que vai de encontro à lógica transmissiva e linear dominante. A mensagem como significação não seria, pois, um elemento fechado em si mesmo, algo que sai de um emissor e chega a um receptor tal qual saiu. A idéia de um intercâmbio de sistemas é que coloca a dinâmica de significação como um processo de negociação. Portanto, pensar o papel da mídia na construção de comportamentos não implica uma análise mecânica, na qual se pressupõe que a imprensa constrói comportamentos de forma unilateral. Os meios de comunicação de massa, embora desempenhem papel fundamental na sociedade contemporânea, não são uma via de mão única, que simplesmente manipulam os indivíduos e suas identidades. Busquei suporte em Jean Baudrillard, que compreende o papel e o poder da mídia na sociedade contemporânea e a mensagem veiculada pelos meios de comunicação de massa como um sistema conjunto da informação e da mídia. Ele faz a analogia a uma gigantesca máquina produtora do acontecimentos, com valor permutável no mercado universal da ideologia, do starsystem, da catástrofe. Em suma, produtora do não- acontecimento. A abstração da informação é a mesma da economia: lança uma matéria codificada, decifrada de antemão, negociável em termos de modelos, assim como a economia só lança produtos negociáveis em termos de preços e de valor. Entra-se aí no trans-histórico, ou no transpolítico, onde os acontecimentos não ocorrem verdadeiramente, em função de sua produção e de sua difusão “em tempo real”, onde se perdem no vazio da informação (assim como a economia se perde no vazio da especulação). A esfera da informação é como um espaço onde, depois de se terem esvaziado os acontecimentos de sua substância, recria-se uma gravidade artificial e recolocam-se os acontecimentos em órbita em tempo real, em que, depois de desvitalizados historicamente, são projetados na cena transpolítica da informação.Assim, pude fortalecer o conceito de que a mídia desempenha papel importante na formação de identidades. Para Baudrillard, a sociedade atual se encontra em um processo catastrófico, e não de crise, no sentido de um “desregramento de todas as regras do jogo”. Estamos entrando num processo de realidade, de positividade, de acontecimentos, de informação em
  • 25. 24 24 demasia, o que significa entrar em um estado não contraditório, e sim paradoxal. O mundo pós-moderno está centrado em um mundo coisificado, ditado pela tecnologia, pela genética, pela realidade virtual pela comunicação e, finalmente, pela informação. Dessa maneira, pensar a sociedade contemporânea pela via da construção de novos comportamentos e de uma nova família é uma tarefa imbricada com a análise do papel da mídia em um mundo globalizado. Mas esta análise deveria partir da compreensão da mídia não apenas como manipuladora de identidades, e sim como veiculando uma mensagem que engendra e parte de um conjunto de significantes e significados que estabelecem uma permanente relação entre o texto e o seu leitor e a relaidade social que a cerca. Chegava `a Família como expressão da menor estrutura do núcleo social.
  • 26. 25 25 3- As relações sociais construídas a partir da família. Custaria [ a Dª Evarista] duvidar: o marido era um sábio, não recolheria ninguém à Casa Verde sem prova evidente de loucura... (Machado de Assis – O alienista) Na relação entre pais e bebês já se encontra o germe de relações sociais mais amplas. Isso fica claro na idéia de responsividade (receptividade) interpessoal, um conceito representado em psicologia pelas duas faces de Janus: a experiência individual do self e a que inclui o indivíduo e o self como partes integrantes de algo maior, no caso um sistema midiático de interação. A interação pode compreender algumas dentre as seguintes variáveis relacionais: sensibilidade interpessoal, consciência empática, previsibilidade ou consistência interpessoal, previsibilidade, não-intrusão, disposição emocional (engajamento). Todas estas faces da responsividade têm seu reflexo na vida adulta. No Ocidente elas são baseadas no modelo tradicional de família. Com a emancipação feminina isto tem se modificado. O elo da relação entre a mãe ou cuidadora e o bebê traduz o mundo para o universo infantil. Os primeiros registros deste contato tornam-se referências para o futuro adulto. A noção de contingência está implícita pois o domínio interpessoal depende das ações do outro. A nova postura materna pode modificar as relações futuras dos adultos devido à nova contingência das relações entre mães e filhos. A presença dos vários tipos de responsividade acima apontados podem formar adultos mais aptos ou não para o diálogo ético-político e para o próprio crescimento. Os níveis relacionais, enfim, são regulados por duas pontas: os parceiros envolvidos na relação e os conceitos
  • 27. 26 26 transcendentes que determinam a relação. Isso forma um sistema, ao qual a responsividade, como domínio de pesquisa, deve sempre se remeter. A teoria dos sistemas familiares pode ser elaborada através da compreensão destes sistemas, nos quais os parceiros e o status da relação não podem ser analisados separadamente. A responsividade pode ser observada em outros grupos sociais e não apenas na família. Embora este conceito seja inerente à relação com bebês, é possível compreender que ele se estende ao adulto e à sociedade. Diante disso posso levantar a seguinte hipótese: o individualismo radical do Ocidente hoje tem no plano familiar um dos principais eixos de sustentação. A insuficiência da visão individualista Em nossa sociedade observamos a exacerbação do individualismo, a princípio um discurso igualitário. Este discurso, ao responsabilizar a todos, na verdade absolve os cidadãos médios de pensar. Ele delega-o aos cidadãos de maior prestígio. Quando se perde a capacidade reflexiva – substrato ideológico –desresponsabiliza-se do político. Indivíduos são iguais, pessoas são diferentes, de acordo com a rede social em que estão inseridas. As pessoas nem sempre se sentem responsáveis por aquilo que o conceito de indivíduo impõe justamente por causa do individualismo, termo que pode ser usado para analisar uma sociedade formada por pessoas que se fecham em si. Precisei, então, saber mais sobre o individualismo.No Ocidente seu surgimento fez emergir a fragmentação. O indivíduo passa a ser a totalidade, o fragmento do conjunto social em que vive. A gênese histórica disso é religiosa, prisma pelo qual se interpretam todos os fatos sociais, políticos e econômicos. Vem a construção da alma. Mas é a falta de intermediação, com a leitura da Bíblia em Calvino, que cria a linha direta com Deus. Então, a ética protestante fundamenta o capitalismo com a noção de poupança como prova da proteção divina. A acumulação e o direito à propriedade privada são os seus alvos. Em contrapartida a ética capitalista não tem que provar a salvação divina, que reside na economia por si. É aí que o todo social tem que ser protegido, igualdade e liberdade funcionando como freios da ganância individual. A ética é entendida como proteção pessoal, que se torna mútua. Esta lógica emancipa-se e torna-se a racionalidade econômica, mas seu fundamento é, sobretudo, religioso e onde a base da racionalidade pode ser o irracional (misticismo). O fio da sociedade moderna convive na divisão da explicação psicológica com a explicação científica. O individualismo, responsável pela construção do poder capitalista, cede lugar a uma complacência generalizada. A busca do conhecimento vai significar poder e relevância social. Cria-se o sujeito do individualismo epistêmico, com escolhas racionais que conduzem a ação. Isso pode ser verificado no reconhecimento da competência, onde a mobilidade social é possível.
  • 28. 27 27 Mas, a cada processo de transformação da burguesia – que passa de uma classe para outra por imitação (são os novos nobres) –, a elite inventa outros padrões para manter a diferenciação. Este modelo perdura até o século XX como paradigma da Ciência. O mundo fáustico, contrário à tradição, precisa da intervenção do Estado para a economia moderna. Um Estado monopolizado pela classe dominante. O indivíduo moral, senhor de si, autônomo, é uma construção social, dependente do retorno ao respeito aos direitos naturais do homem, antes das diferenças na acumulação de capital. Será que tudo que as pessoas desejam é prestígio e reconhecimento social? Recompensas comuns num sistema econômico em que o público e o privado não se confundam – mas impossível na capilaridade do sistema social moderno. A ótica do que é público e privado sofre uma reviravolta. Considerei a possibilidade de ser partícipe de um momento histórico em que as superestruturas políticas e ideológicas estão enfraquecidas. As instituições civis e políticas estão rompendo seu equilíbrio, a socialização do capitalismo não é mais o desejo da instalação de um regime político mas a urgência da constituição de uma nova ordem social. O aparato do Estado tem atualmente que passar por uma superação radical da fragmentação (paradoxalmente globalizante), propiciando ao homem moderno transceder barreiras de gênero e classe social. A fluidez da economia, a absorção das necessidades locais pelo cosmopolitismo internacional fazem com que a sociedade crie o “terror” da antropofagia, própria da sua natureza autodestrutiva, em vez da superação das condições de nascimento. O sujeito passa a fazer parte do todo como objeto. Mas, o todo revelado na sua crueza, deixa clara a ascensão de um novo espectro na distinção entre o que é aberto e o que é velado. O indivíduo passa a ser explicado por si só. No individualismo, a referência é o eu-indivisível. Ele é todo nele mesmo. A organização da vida, a disciplina e o romantismo mantidos pela utopia gestam o espaço psicológico do mundo atual. A constituição do indivíduo é, essencialmente, a expressão do desenvolvimento das potencialidades pessoais, que o tornam auto-suficiente. A educação entra como a possibilidade de fazer florescer o que se é. Dá-se a predominância do ego sobre o superego, no plano da política os espaços públicos são levados para os conceitos privados. Uma das questões centrais da teoria política diz respeito à relação entre o público e o privado, entre a ação individual e a ação coletiva, interesse privado e interesse público, escolha individual e escolha coletiva, vontade particular e vontade geral, indivíduo e sociedade. O que se deseja, desde o romantismo, é o ser humano natural, mas está cada vez mais difícil achá-lo em sua humanidade. Uma nova preocupação com o indivíduo e a busca de formas criativas devem determinar as nossas vidas na sociedade atual. Para completar esta reflexão, referi-me ao texto de Postman que trata do tecnopólio como uma ameaça e um desafio contemporâneo ao individualismo. Diz que no tempo em que a tecnologia se multiplicava em seus triunfos geniais, como nas últimas décadas, velhas fontes de crença estavam sendo encurraladas: Nietzsche anunciou a morte de Deus; Darwin afirmou que a divindade humana passava por caminhos estranhos; Marx argumentou que a História tem uma agenda própria, e que todos somos levados por ela sem considerar nossos desejos; Freud enunciou que não suspeitávamos de nossas necessidades mais profundas; o behaviorista John Watson demonstrou que o livre-arbítrio é uma ilusão; Einstein, que tudo é relativo. Mais recentemente, Hawking, o maior físico
  • 29. 28 28 da atualidade, revê seus cálculos sobre os buracos negros e declara: eles não são o caminho para um universo paralelo, ainda que isso frustre os amantes da ficção científica. No mesmo contexto desta reflexão poderia acrescentar ainda a análise de Hall, ao citar a contribuição de Copérnico, cuja descoberta de que a Terra gira em torno do Sol representou a primeira grande desilusão do homem a respeito de sua própria grandeza e centramento. Ele descreve que no século XX há pelo menos cinco modos importantes de mostrar esta ruptura crescente: – Althusser parte da semi-autonomia, na qual o signo abre-se de modo a que o significado (sentido) seja superado pelo significante, amarrando-se sempre a um fantasma de percepção do referente, como condição de autopreservação (o rompimento dessa amarra é característica da pós-modernidade). Mesma semi-autonomia pode ser transposta para a História, na qual o homem tem de respeitar as condições sociais. O homem, como sujeito da História, deixa de existir: sem uma essência universal (a História é relativa a cada povo) deixará de ser individual acima do social; – Freud provoca o segundo grande descentramento (primeiro, cronologicamente), com sua teoria do inconsciente, que passa a reger nossa identidade, a sexualidade e a estrutura de nossos desejos. O que era até 1900 um sujeito racional passa a ter três instâncias, id- ego-superego. – A lingüística, com Ferdinand de Saussure, volta a deslocar o sujeito, mas agora numa direção que nos faz perceber que ele não fala por si mesmo nem para expressar suas verdades, e, portanto, não é o autor de sua fala. A linguagem preexiste ao indivíduo, não sendo um sistema individual, mas social, que ao falar está ativando um código simbólico repleto de significados sociais; – Foucault também influiu no processo de descentramento. Hall destaca que, além de reforçar que não existe autoria, Foucault estabeleceu a genealogia do sujeito moderno, com seus estudos de micropolítica, efetuados em presídios, hospitais, oficinas, quartéis, clínicas etc. Neles, identifica um novo tipo de poder, o poder institucional, voltado para a normatização, a vigilância e a punição. Esse poder vigia, controla e pune o indivíduo desde que individualizado, a partir de fora: aí se definem o infrator, o louco, o doente, o esquisito etc. Nessa instância, a mania por ginástica aeróbica, alimentação macrobiótica, condenação ao fumo e às drogas, tudo, enfim, que, sob pressão da mídia diz respeito à política do corpo encontra sentido Outro fator decisivo para o descentramento, seria dado pelas reivindicações das minorias, uma politização da qual o feminismo foi a vanguarda nos anos 60, junto com a pós- modernidade. Seguem-se movimentos igualmente descentradores do sujeito racional e universal, os gays, os negros, os revolucionários do Terceiro Mundo, os pacifistas, os estudantes rebelados, os Verdes. Sua ação objetivou-se contra as instituições estabelecidas a Leste e Oeste, não indo diretamente ao sujeito. Preconizaram em lugar da burocracia os atos de micropolítica; apelaram sempre para a identidade do segmento envolvido na ação, cujo sentido era paradoxalmente marcar a diferença; entenderam o pessoal como político; questionaram a divisão social do trabalho e os papéis discriminadores aí estabelecidos. Na pós-modernidade, esgotado praticamente esse campo de luta e conquistado o lugar ao sol, o feminismo parte para veredas secundárias, como o lesbianismo militante. De qualquer forma, necessita de um Outro que confirme o Eu, tendo perdido força a “opressão machista”.
  • 30. 29 29 Estes fatos faziam-me desconfiar dos nossos sistemas de crença e em nós mesmos, mas conferia que a defesa do individualismo continua como preocupação dominante do pensamento político, ético e filosófico contemporâneo. mesmo com seus males, o individualismo mantém-se salvaguardado, enquanto tudo e todos podem ser questionados. Porém, como diz Octavio Paz em O labirinto da solidão, “entre viver a história e interpretá-la, nossas vidas passam”. Considerava que era urgente repor o indivíduo no âmbito da moral. Partindo do que é a ética e para que servem os critérios morais, cada sujeito se responsabilizaria pelo desenvolvimento coletivo. É um processo que se dá, privilegiadamente, no interior da família. Mas deve evoluir para um tipo de grupo que produza solidariedade e compromisso ético. Um modelo prematuro para os tempos de hoje. A ética da sociedade moderna exige ser que os sujeitos passem além de espectadores: participantes, atores da cidadania democrática, portadores de novas idéias, agentes de mudanças. É o oposto do anestesiamento provocado pela vulgarização da delinqüência, as clonagens sem ética, o aumento da criminalidade e a perda das autoridade paterna. Há, sem dúvida, um aspecto cultural nesta patologia social. Cresce na ética social vigente o descompromisso entre ação e reação, causa e efeito, desejo e satisfação, calcados na impunidade e nos modelos deformados que ocorrem nas famílias, vitrine destas distorções. Quadros como estes são emblemáticos dos tempos esquizofrênicos, que levam Raquel Paiva a constatar: "É necessário pontuar que a origem do atualmente tão propalado atomismo social esteja na excessiva ênfase - nem sempre muito visível, mas nem por isso menos eficaz - que na história da humanidade deu-se ao indivíduo, em detrimento de uma visão de coletividade". É na família que se define a pessoa A família particularizada, incluída em meu foco de exame, faz parte de um desenvolvimento histórico da idéia de família-padrão no Ocidente. Ela submete-se e a todos os seus membros ao poder da instância do consumo, máxima da sociedade contemporânea, obediente à publicidade e aos meios de comunicação de massa. Esta família tem como meta a individualização precoce e a regulação interna dos afetos, enquanto há outras culturas onde as relações sociais são muito próximas e a compreensão do self é de co-agente, numa relação de dependência com o grupo. Minha crença é de que só com educação se desenvolve a adequada noção de self. É ela que faz com que o agente se compreenda e se auto-avalie, considerando-se bem- sucedido ou não. A auto-estima é a base do desenvolvimento do self, e por isso deve ser direcionada pela família e pelo social de forma salutar. Até que ponto o self autônomo pode mudar a própria cultura em que vive?
  • 31. 30 30 Há chance para a criatividade. A rigidez com que um segmento social de adultos despreparados tenta consertar, corrigir e desvalorizar a criação original é a razão das inibições da idade adulta. Um uso de poder perverso. Muitos adultos nem pensam em tentar corrigir, por lhes faltar ferramentas. Essa “desistência” que chamo de liberalidade, mascara o desinteresse e a impotência. Não se vê em nossa sociedade a tendência para ampliar as opções de formação de futuros adultos, já que isso favorece o estímulo dos que buscarão intervir na sociedade, o que parece indesejável no contexto atual. Mas mesmo submetidos a instituições sociais, os indivíduos trabalham de forma própria as crenças que recebem, não estando apenas passivos. De acordo com o self desenvolvido pela família haverá mais transformação, até mesmo na negação da própria família. Diante da capacidade adaptativa, o natural e o cultural interagem no aprendizado do social. Cada vez mais, as interações internalizadas podem ser elementos de troca. Os processos interpessoais, como construção, são as bases dos processos intrapessoais. Daí nasce a questão: é a intersubjetividade produto ou conteúdo? Parece-me que as duas coisas. A base é inata, começa com uma sintonia e se transforma rapidamente no contato com outros seres. Os níveis de subjetividade atencional produzem a socialização e o estabelecimento de relações entre os seres humanos. A atenção voluntária que é mediada pelo outro ser humano é diferente da atenção conjunta onde se compartilham valores e crenças. O alicerce é a cultura. Convém que os scripts sejam construídos para o futuro adulto. No caso de uma sociedade individualista, o princípio básico das relações só poderá vir desta fonte primeira: a família. É nesse meio que se constrói o indivíduo social. A família como instituição primordial da socialização dos indivíduos, porém não a reduz a imperativos funcionais. É preciso banir o repúdio às contestações (a não ser que se chame de contestação um “É proibido proibir” – aforismo sobre o qual nada se pode construir). O que me preocupa – é a falta de valores familiares na pós-modernidade. A família tradicional, desatualizada e reacionária, constitui-se de loosers que nada têm a dizer.
  • 32. 31 31 4 A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente. (Machado de Assis – O alienista)
  • 33. 32 32 O sujeito fractal de Baudrillard A idéia de sujeito, nos dias de hoje, retorna sobre si mesma, construindo o que se denomina “sujeito fractal”. As transformações nas estruturas mentais produzidas pela sociedade de consumo, a sua hiperinformação (desinformação para mim) é uma abundância indigerível de signos que conduz à fatal alienação, uma vez que a própria busca da felicidade vai desaguar no mascarar das desigualdades sociais. O denominador comum para a organização social seria a personalização publicitária (o consumismo), que, girando como um cata-vento, ao sabor dos interesses econômicos, induz o “sujeito fractal”. Tal “sujeito fractal” não tem nenhuma positividade, nenhum tipo de ressurreição do individualismo (mesmo narcisista). Toda a sua digressão inicia-se na tentativa de ligar o desaparecimento do sujeito ao individualismo ressuscitado, consubstanciado no individualismo narcisista contemporâneo. Nesse ponto reside a idéia de um sujeito fractal. Na verdade, não há mais a idéia de sujeito como dono de uma identidade, que é sua essência. . A pós-modernidade, ao fim de um processo de dessencialização da identidade, exalta totalmente a noção construtivista da identidade e retira-se de qualquer essencialismo, mesmo reconhecendo que alguns importantes autores – entre eles Stuart Hall – negam simplesmente o conceito de identidade e, portanto, impedindo que haja paradoxo. Para Esteves, a noção de identidade pós-moderna, encerra em si esse paradoxo, pois não deixa transparecer a mínima tensão entre pensamento e realidade, indivíduo e sociedade, elemento e todo. Este é, então, o paradoxo das identidades de nossos dias. Nossa miséria começa com as necessidades de eleição na construção de nós mesmos, com possibilidades aparentemente ilimitadas, para depois depararmo-nos, na vida real, com limitações drásticas, que impedem a mudança: a verdadeira escolha e construção da nossa identidade, que dificultam o nosso próprio reconhecimento e nos deixam perplexos com aquilo que nos tornamos. Sem a nossa vontade ou mesmo, na maioria das vezes, contra a nossa própria vontade. A idéia de que nossa personalidade tem que ser construída nos impõe uma ansiedade a respeito do que deveremos ser. Em geral, tal ansiedade vem do que a
  • 34. 33 33 sociedade estabelece como padrão ideal para as pessoas. Tal padrão é “a instância do consumo” e tal instância gera o indivíduo fractal. Mas, acreditava que poderia ser possível, encontrarmos nossas próprias identidades, apesar das limitações drásticas que impedem a mudança. O risco é de como ficamos. No narcisismo esquizofrênico? Isto seria a confissão de derrota do caminho apontado? Resistia a uma mensagem de fé no futuro, tornando claras as fases de transição, apontando as deficiências e as incompreensões vivenciadas. No entanto, as transformações recorrentes nas sociedades se sobrepõem ao indivíduo. Ao mesmo tempo que ele se produz, encontra-se em meio a uma realidade provisória, sempre com algo de novo a se voltar sobre sua subjetividade. Dessa forma, ele nunca consegue construir aquilo que idealmente quer para si, uma vez que seu desejo inclui as facetas necessárias à vida em sociedade, que estão em constante mudança. Portanto, sobre a identidade dos sujeitos na sociedade pós-moderna, pode-se dizer que é extremamente fragilizada, que se apresenta como uma realidade cada vez mais instável, resultado de processos sociais complexos da vida coletiva nos nossos dias Esta é a encruzilhada de uma sociedade altamente individualista: a existência de um narcisismo esquizofrênico, caracterizado pela idéia de que o reconhecimento pleno das qualidades do indivíduo pelos padrões de seu grupo é impossível, uma vez que existe um corpo social extremamente complexo que lhe impõe sempre mais. Portanto, para que sua auto-estima não se reduza a nada, o indivíduo volta sua libido para seu próprio ego. Ama, então, a si mesmo e a sua constante transformação, encontrando nesta faceta camaleônica de sua personalidade dessencializada a realização de sua auto-estima. Só assim não se sentirá totalmente irrelevante para si e para o outro. Na verdade, fragmenta- se para não se autodestruir e mantém um equilíbrio tênue entre esta sobrevivência e a autodestruição. Conto do processo histórico pelo qual chegava à idéia de fragmentação dos sujeitos, ou seja, chegava ao sujeito fractal de Baudrillard. Para este, o sujeito agora é como um objeto fractal, que não é apenas fragmentário, mas despedaçado. O fractal contém, em cada uma das suas dimensões, o seu todo. Não é mais o indivíduo no sentido tradicional, mas estilhaçado em múltiplos fragmentos, dos quais cada um se assemelha a outro. O sujeito perde a sua síntese e torna-se múltiplo, vagueando de uma imagem a
  • 35. 34 34 outra, e essas imagens são a melhor corporificação desta ruptura. De acordo com esse sistema, cuja figura central é o sujeito fractal, não há mais nenhum outro, restando apenas o eu estilhaçado, que se assemelha, sobretudo, a si mesmo. O termo “persona” deixa ver a superficialidade da determinação daquilo que somos numa série de facetas, o que permite fazer contato com o outro, pois não há uma essência de identidade, mas vários papéis assumidos no palco, de acordo com o grupo onde as relações se estabelecem. A partir desta idéia se descortina uma sociedade esquizofrênica. Todos preocupados em buscar sua auto-estima e exibi-la para não se destruírem. Mas auto-estima traduz inteireza, o que não combina com a idéia de consumista-giroscópio e o se saber descartável. A auto-estima na pós-moderna, só poderia advir de uma coletivização da capacidade de transformação, que dá prazer ao ego individual em meio a uma sociedade onde não se sabe o que esperar do outro. O sujeito fractal não tem ponto de apoio sobre o qual se edificar em eu, salvo as imposições mutantes da publicidade e do mercado, que o esvaziam e o tornam merecedores da exclusão e substituíveis. Ao indivíduo resta tornar-se máscara de si mesmo, pelas quais atua com atos específicos em momentos distintos na relação com os outros que o cercam, combinando- se circunstancialmente, sem essência de uma personalidade além daquela denominada pela característica mais marcante do animal, a que chamamos camaleão. Assim, chega-se a processos esquizofrênicos que se incorporam ao ser num processo cultural, pois o prazer do indivíduo pode vir até mesmo do fato de ser contraditório consigo mesmo. Andrade, psicanalista, refletindo sobre questões da contemporaneidade, diz que a pós- modernidade tem incluído nos currículos dos estudiosos a subjetividade e a sensação de um sujeito caótico fragmentado e mobilizado que, no senso comum, tem sido considerado o sujeito estressado. Esquizofrenia como indiferença narcísica O sujeito fractal contém a cristalização de diferentes looks em uma sociedade fragmentada, na qual o sujeito se dilacera em várias tribos, pequenos grupos que demonstram que, nesse jogo de aparições cíclicas, há mais máscaras do que indivíduos.
  • 36. 35 35 Há, na verdade, uma indiferenciação radical, onde todos são clones de si mesmos, não importa o papel que representem. Não há drama, nem tragédia, mas identidades indefinidas que precisam produzir diferenças em solos indiferentes. Para a sociedade em que vivemos, este processo não é nem ao menos trágico, pois ocorre outro fenômeno: a indiferença. Não há mais nem alienação, nem ruptura provocada pela alienação. O que ocorre é a simulação, pois nos encontramos em uma área de identidades sem formato que precisam produzir diferenças infinitas, ao mesmo tempo que essas diferenças são compreendidas como naturais e parte da existência, sendo encaradas com extrema ingenuidade. Portanto, é fatídico! Tal processo se dá na existência de uma sociedade eminentemente narcísica devido a seus procedimentos voltarem-se para a satisfação individualista de cada ser. Seres que são as engrenagens que movem este corpo social, que o faz crer que a satisfação egocêntrica de seu prazer é a medida para as relações coletivas. Daí vem nossa esquizofrenia coletiva. Dentro do conceito de esquizofrenia analisado por Freud no interior de seus estudos e voltados mais para os casos particulares, sabia que o termo “esquizofrenia” não foi cunhado por Freud, mas sim por E. Bleuler para designar um grupo de psicoses cujas características principais são a incoerência do pensamento, da ação e da afetividade. O indivíduo volta-se para si, abandonando-se a produções fantasmáticas, em uma atividade delirante, relativamente marcada e mal sistematizada. É uma doença crônica. Evolui no sentido da deterioração intelectual e afetiva. No entanto, ao evocar Freud e Bleuler, não estaria, me referindo à esquizofrenia individual mas ao que ela assume de social. Para mim, o mais importante são as relações que Freud fez entre esquizofrenia e narcisismo. Isso seria extremamente necessário às minhas futuras reflexões sobre a sociedade atual e o papel que a família desempenha neste quadro. Baseada no texto Introdução ao narcisismo, publicado pela primeira vez em 1925, escrito em 1914, eis o conceito freudiano. Freud, diz, que pacientes esquizofrênicos caracterizam-se por dois aspectos: megalomania e desinteresse pelo mundo externo. Incrivelmente, estas são características do tipo de sujeito e da sociedade contemporânea, que se auto-reproduzem adorando a si
  • 37. 36 36 mesmo, sua própria face, fragmentando-se em identidades múltiplas, estanques, impossibilitados de se integrar. Na verdade, o sujeito pós-moderno vive este quadro dramático num narcisismo esquizofrênico coletivo. Os esquizofrênicos, para Freud, são diferentes dos neuróticos. Os neuróticos perdem o interesse pelo mundo externo, mas desviam sua libido para suas fantasias, que se confundem com a realidade. Já os esquizofrênicos não transferem sua libido para a fantasia. O que fazem, então, com ela? A megalomania serve para explicar esse aspecto. Ao buscar subsídios no comportamento infantil e na dos povos primitivos, Freud diz que neles existem características megalomaníacas como, por exemplo, a onipotência do pensamento e a visão de eficácia da mágica. Isso reflete uma visão disposta a partir de seu próprio ego, para onde se volta toda a libido, chegando ao ápice do narcisismo que é a esquizofrenia, acreditando-se capazes de tudo e amando-se acima de qualquer coisa. Um doente! No entanto, pensava que o estabelecimento, a qualificação de “doente” obedece a interesses sociais vigente, com referencial estabelecido por determinação das classes dominantes. Historicamente, muitos foram os enganos cometidos por causa dessa definição, o que fazia conjecturar que o considerado doente pela sociedade, muitas vezes, na realidade é o são, pois, mais que megalomania e desinteresse, nutre verdadeira ojeriza pela falsidade do mundo externo, recolhendo-se ao interior de si onde crê encontrar sua individualidade íntegra. Numa leitura possível, que parece ser a dos antipsiquiatras: o indivíduo desloca sua libido para os objetos, mas, ao repudiar (com inteira justiça) a clonagem do mundo publicitário-consumista em que está imerso, repele os objetos que simbolizam essa sociedade e volta-se para dentro da integridade do eu. Seria então um esquizofrênico/são, ao passo que a sociedade seria esquizofrênica/doente. O narcisismo seria, para Freud, uma fase do desenvolvimento de todo ser humano. Esta constatação torna-se importante para o desenvolvimento de futuros conceitos freudianos, pois aqui nasce a idéia de ego ideal. O narcisismo, no curso normal de desenvolvimento humano, para Freud, é um complemento libidinal do egoísmo, do instinto de autopreservação, presente em todo sujeito. Porém, nas pessoas normais, ele
  • 38. 37 37 existe submerso aos seus interesses pelos objetos do mundo externo, para os quais se voltam. Somente nas crianças ele é observado claramente, pois ainda não se transformou em interesse pelo mundo externo:"Esse ego ideal é agora alvo do amor de si mesmo (self- love) desfrutado na infância pelo ego real. O narcisismo do indivíduo surge deslocado em direção a esse novo ego ideal, o qual, como o ego infantil, se acha possuído de toda perfeição de valor. Como acontece sempre que a libido está envolvida, mais uma vez aqui o homem se acha incapaz de abrir mão de uma satisfação de que outrora desfrutou. Ele não está disposto a renunciar à perfeição narcisista de sua infância; e quando, ao crescer, se vê perturbado pelas admoestações de terceiros e pelo despertar de seu próprio julgamento crítico, de modo a não poder mais reter aquela perfeição, procura recuperá-la sob a forma de um ego ideal. O que ele projeta diante de si como sendo seu ideal é o substituto do narcisismo perdido na infância na qual ele era o seu próprio ideal ", escreve Freud. Freud define os impulsos como: a energia de instinto (instinto animal), o instinto do ego (algo como uma força psíquica do humano), a libido do ego (libido voltada para o próprio eu) e a libido objetal (libido voltada para o mundo externo ao eu). Isso ele faz por compreender o desenvolvimento de uma libido sexual a partir dos instintos do ego e transcendendo o puro instinto. Para explicar, o que é da natureza instintiva do homem e o que é da sua natureza psíquica, Freud exemplifica com a distinção entre fome e amor. Isso diferencia instintos sexuais e instintos do ego desde o início. Por isso, Freud tenta manter separado as idéias de algo orgânico e de energias psíquicas. Há uma antítese entre os instintos do ego e os sexuais. A partir disto, surge a noção de catexia libidinal original do ego, como força psíquica, normal em toda pessoa. Esta é, em parte, transmitida depois da infância, aos objetos. Ela pode ser comunicada aos objetos e retirada deles, de acordo com as experiências de cada um. Quando se fala de um ser em estado de paixão, ele se encontra no nível máximo de catexia objetal, já que desiste de sua própria personalidade e volta-se totalmente ao outro. A esquizofrenia é, justamente, o contrário desta postura não necessariamente uma doença. Dependendo da ótica do observador, o esquizofrênico seria são ao retirar-se de
  • 39. 38 38 um mundo decepcionante para dentro de si mesmo, onde sabe ou acredita residir a integridade. Freud procura analisar a transferência de libido no caso de pessoas com doenças orgânicas. Elas negam seu interesse libidinal aos objetos amorosos e voltam-se só para si mesmas e suas doenças. Retiram suas catexias libidinais dos objetos e as retomam para seu ego, o que difere ao ficarem sãs. Libido e ego, aqui, não se distinguem; o egoísmo do enfermo está nos dois. A alteração da libido é, assim, resultado de alterações no ego. O hipocondríaco é um caso patológico do que se narra acima e que ocorre com pessoas “normais”. Ele não sai do estado de egoísmo, mesmo sem manifestações orgânicas de sua doença. Há a neurose de transferência dos interesses nos objetos aos interesses fantasiosos (as doenças). A hipocondria é uma egoista neurose de angústia. Neste contexto o conceito de “normal” entra com aspas por considerar de difícil interpretação o referencial a que estava aludindo. Sobre o egoísmo, tão questionado no foco dos valores judaico-cristão, é fato que ele evita que adoeçamos e coloca que é necessário amar-nos para nos manter saudável, ou seja, é necessário à nossa vida mental a orientação da libido aos objetos. Nos casos de neurose, no entanto, essa libido passa para objetos da própria fantasia. Nos megalomaníacos, volta-se inteiramente para o próprio ego. A libido liberada pela frustração não vai para fantasias, mas sim para o ego. O narcisismo, quando se apresenta desta forma, é patológico e próprio do esquizofrênico. Em certos tipos de patologias, as pessoas adotam como modelo o seu próprio eu. Essa é sua escolha objetal e revela-se narcisista. Nos adultos “normais”, sua megalomania infantil foi diminuída por características psíquicas da psicologia da repressão, através da qual a libido de seu ego foi moldada por um ego ideal. Nem por isso todos ficam, patologicamente, neuróticos. Em geral, os impulsos entram em choque com a cultura e a ética do adulto. Muitos desejos são abafados antes mesmo de virem à consciência. O ego ideal é despertado por terceiros, pelas outras pessoas; ele nasce da vida coletiva que pretende promover o desenvolvimento da capacidade crítica do ser humano. Mas a capacidade crítica do ser humano não pode, por definição de seus próprios termos, ser promovida por uma vida coletiva falseada pela hipocrisia e outros achaques aludidos
  • 40. 39 39 ao longo do texto (hipocrisia, corrida pelo sucesso, afirmação via reconhecimento externo). Ela surge, quando surge, a contrapelo disso tudo. Este ideal substitui o narcisismo. A sublimação do ego real pelo ideal recai sobre os desejos. A libido narcisista também existe em adultos normais. Um exemplo é a auto- estima necessária a toda pessoa, mas isto se dá quando há um equilíbrio entre seu ego real e seu ego ideal. No esquizofrênico, a auto-estima aumenta, mas no neurótico diminui. Neste, o fato de não ser amado diminui a auto-estima, enquanto os primeiros amam a si mesmos, aumentando-a. Em ambos há a dependência do objeto amado. Quando há a catexia objetal, a pessoa apaixonada diminui seu narcisismo em prol do outro. Este amor só pode ser substituído pelo de outra pessoa. O estar apaixonado é um fluir do ego para o objeto amado. O neurótico perde-se no não-amor, e por isso busca a cura na psicanálise. A história está cheia de grandes amores neuróticos, a maioria dos quais se tornou lenda (o suicídio ou assassinato do arquiduque Rodolfo por causa de Maria Vetsera, que morre com seu amante, e o príncipe da Áustria, 1871-1889, personagem de conhecida tragédia internacional, chamada “O Crime de Mayerling”, por exemplo). São pessoas neuróticas que diante de tanto amor e de tanta possibilidade de felicidade preferiram se matar. Mas, na pós-modernidade, esta atitude parece não se sustentar. O neurótico deve retornar ao seu ego, reconstituindo sua auto-estima e equilibrando seu ideal de ego repressor. O medo de perder o amor deve desaparecer na cura pelo amor. As perturbações esquizofrênicas não respeitam esta lógica, pois elas são a transformação do ego em seu próprio objeto, e só dele pode ser retirado o prazer. Pode-se perguntar: que tipo de ego ideal poderia brotar, motivado pela sociedade contemporânea? O que o indivíduo deve ansiar para si é simplesmente a constante superação de si mesmo? Inevitavelmente, em uma sociedade só regida pelo capital e sucesso ocorre o contrário: esvaziamento e adesão aos símbolos de êxito social. Isso, certamente, o induziria a um processo sem fim, e, caso não voltasse para dentro de seu próprio eu, não se esgotaria? E as relações interpessoais, como se dariam nesta sociedade na qual tudo que o outro exige é que se dê o máximo possível, sem reconhecimento algum mas apenas como parte do movimento de um todo social que se acostumou à desestabilização?
  • 41. 40 40 Tanto o outro quanto o próprio eu são incapazes do amor nessa sociedade, pois são incapazes de se reconhecer como elos de uma coletividade que corresponde aos anseios de seu ego. Não é a neurose que nos traga, mas a esquizofrenia, que foi constituída sobre a explosão do individualismo ocidental e da massificação. Até mesmo como sobrevivência do indivíduo, que se ama, para não sucumbir ao processo, sempre frustrante, de uma auto-superação infinita. Quanto à esquizofrenia, como já dito, resulta da sociedade que “construímos” em cima de valores pirotécnicos mais fáceis de nos atordoar, eliminando o medo do confronto com o que seja o sentido da vida. Por isso verificava que nossa sociedade transforma as relações com o outro em relações consigo mesmo. Ao não esperar reconhecimento no outro, o individualismo narcisista faz com que só certifiquemos a nós mesmos para equilibrar nossa auto-estima, além de tornar impossível que reconheçamos algo no outro, além do que tange a nós mesmos. Apresenta-se, então, uma sociedade não só egocêntrica, como egoísta. Na verdade, o outro, a idéia de alteridade, somos nós mesmos travestidos em nossas diversas personas. Nossa sociedade é esquizofrênica porque, em meio à exaltação do indivíduo, desaparece a essência da identidade, o que ocorre pelo desaparecimento do outro, da alteridade, instância necessária à formação de um ego saudável. Só restam os fractais de sujeitos que são outros de si mesmos, onde desaparece a auto-estima, fruto do amor de reconhecimento, e emerge a auto-adoração de um ego fragmentado e falido. Freud diz que para o neurótico o amor é parte da cura, para o esquizofrênico não. Isso ocorre porque antes de saber ser amado ele deve reaprender a viver com a alteridade, e depois amá-la. Creio que o grande exercício da sociedade contemporânea é desaprender a ler “alteridade” sob o manto da hipocrisia e do abandono e re-aprender a vivê-la sem o risco de significar, numa acepção mais ampla, a domesticação do indivíduo. A alteridade no caminho da reconstrução psíquica Essas reflexões serviriam como solução ao imenso egoísmo em que se vive. Não poderia mais achar que deveria estar sempre na superação, mas descobria o caminhar para a comunhão através da consciência de melhoria do conjunto social. Precisaria tentar
  • 42. 41 41 superar a desgraça de um eu centrado em si, em troca de um eu em união com o outro, tentando organizar melhor o que é de todos. A importância desse novo eu, para um projeto social mais amplo e que vise superar a fragmentação das identidades em nossos dias, pode ser relacionada com a ação desse eu em prol do amor confluente. É possível relacionar o novo eu ao self reflexivo. O tipo de eu que se requer para o relacionamento só pode ser baseado na idéia de que o sujeito é quem se autoconstrói. O amor confluente nasce da necessidade de privacidade, mas se preserva na noção de cumplicidade e amizade, é a relação pura, que inclui confiança e responsabilidade. A necessidade destes eus deve, por prolongamento, remeter-se ao conceito de alteridade e à relação do eu com o outro, uma vez que não queria eliminar a individualidade, mas sim recolocar um ego saudável no ser contemporâneo. O amor confluente recoloca a auto-estima do ego, sem que ele deixe sua autoconstrução para trás, ao mesmo tempo que o preserva das frustrações a que levam as impossibilidades de ser totalmente onipotente o que produz a esquizofrenia do tudo querer/nada poder e transportam os sujeitos ao narcisismo, que o faz fractal por salvação. Esta forma de amor recupera parte da essência, sem engessá-la, através da relação do eu com o outro. No entanto, como vimos, Freud afirmava que o amor não funciona como remédio para a esquizofrenia. Antes o esquizofrênico tem de entender o que é o outro, para depois se deixar invadir pelo amor consciente. Este é um dos problemas cruciais da questão da alteridade. Jodelet, em seu texto A alteridade como produto e processo psicossocial, enxerga na alteridade o elo necessário para a recuperação dos sujeitos fractais, a partir do momento em que ela exista com base no amor, na ética, no convívio para a sobrevivência. A alteridade apresenta-se em um duplo processo: de construção e exclusão social. A alteridade que se coloca como elo de construção social é aquela alteridade de fora, de longe e do exótico, que define uma comunidade ao diferenciar-se das outras. A alteridade que se coloca dentro de uma sociedade e que define a exclusão em seu próprio interior refere-se àqueles marcados pela diferença (étnica, religiosa etc.). Uma definição mais geral de alteridade seria a distinção entre o eu e o outro, que nem todos percebem.
  • 43. 42 42 Muitos vêem nela a própria condição para que a identidade exista. Decorre disso a noção de diferença, que, com a idéia de identidade, também define a idéia de pluralidade. Mas como isso poderia se dar no quadro terrível apresentado de uma sociedade em pleno desenvolvimento esquizofrênico? Alteridade é, em geral, um termo somente usado para apontar uma distância radical em relação a uma identidade. Como se passa do próximo ao outro e da diferença à alteridade no contexto do sujeito fractal? Na verdade, uma reelaboração do conceito de alteridade pode ser vista como retorno a uma certa essência, que permita ao sujeito fractal fugir de sua fractalidade e dessencialidade. O próximo é o alter, o outro constitutivo da identidade da pessoa, que se pressupõe como parte de seu superego, de sua estrutura una e coletiva, que a faz viver além de si mesma na busca de uma auto-estima existente além de seu narcisismo. Por que falaria de reelaboração do conceito de alteridade? Há a alteridade excludente que elimina o outro, que o considera não-humano e a alteridade radical que é um grau de diferenciação que nega ao outro sua própria humanidade. Um exemplo bem atual dessa polarização está no Eixo do Mal (Bin Laden) e do Bem (Bush), que demonstra um puro irracionalismo, modelo de “alteridade radical”. Jodelet vai mostrar esse processo no seio de uma comunidade que recebe doentes psiquiátricos e que constrói marcas de exclusão e hierarquização de alteridade radical frente aos doentes (totalmente outros, de natureza distinta dos homens normais), ao mesmo tempo que se define por sua atividade de acolher os loucos frente ao mundo externo. A comunidade, portanto, carrega em si a dualidade. O doente é considerado anormal, ou seja, é não-humano e perigoso. A comunidade que o acolhe é marcada pela crença de estar em constante ameaça. Porém, a alteridade insinua-se também no coração da identidade individual até fazer da pessoa do louco, nas sociedades igualitárias e democráticas, um estranho a si mesmo. A articulação entre identidade e alteridade faz parte de nossa base cognitiva fundamental. A partir daí, se inicia um processo de diferenciação. Há o outro-semelhante, que é o mediador da identidade, da representação que dá sentido ao que o sujeito ressente. Daí vem, nas comunidades, a essência de um nós. Esta é a alteridade de dentro, contraposta à alteridade de fora.
  • 44. 43 43 Isso permitiria ao outro ser aceito na sociabilidade. É esse o tipo de alteridade que acreditava ser algo a se buscar como antídoto para as mazelas de nossa fractalidade. De uma sociedade esquizofrênica nasceria, por necessidade de preservação, na tentativa de sobrevivência, a demanda pelo reconhecimento de uma alteridade que pressuponha admiração e respeito pela diferença, compreendida em sua humanidade. Nos dias atuais também faz parte do individualismo a idéia de uma compreensão egóica da diferença. Talvez por isso seja possível construir, a partir do ego, a compreensão de um alter que o qualifique e o faça se retirar de seu narcisismo, devido a seu próprio prazer autocentrado. Ao querer ser mais generoso, ético e altruísta em seu individualismo, o narcisista também dá prazer a si mesmo, porém deste prazer pode nascer a consciência do outro. É um prazer que pode oferecer um elo de transformação ao esquizofrênico. Ao tentar, em seu narcisismo, demonstrar para si mesmo o desprendimento necessário ao individualista em uma de suas personas – numa sociedade da racionalidade que produz a ajuda –, o esquizofrênico pode deparar-se com a constatação de que a diferença realmente existe e vai além dele, reconhecendo, portanto, um outro real, além de si mesmo, e se abrindo para o amor confluente. Saindo da assertiva hegeliana de que o escravo só se reconhece através do olhar do dono, sua vontade pelo reconhecimento é tal que, na literatura, já despertou grandes paixões e dedicações do escravo pelo senhor. Desta maneira, de dentro da própria sociedade esquizofrênica nasceria a cura devido ao exagero da doença social, mesmo se considerando que sociedade esquizofrênica e alteridade não são necessariamente interdependentes e indissolúveis, em que a condição de uma será a reação de outra. A alteridade independente da esquizofrenia social é característica apenas de sociedades complexas. Os índios sabem que o guerreiro tem papel diferente do ancião. Da falta de diferenciação nasce a cura na diferenciação, se a preocupação com as mazelas coletivas possuir um elo com o direito narcísico ao altruísmo. Ou seja, não a cura pelo amor, mas a cura que vem ao se acordar para a diferença que pode ser amada. Afinal, em um ego reestruturado deve haver o amor redirecionado ao objeto. O que resta aos sãos, quanto a este processo, é educar para o diálogo, de forma que de uma doença não se passe a outra, da esquizofrenia para a neurose, em virtude de um amor mal
  • 45. 44 44 direcionado. O diálogo, as ídas e vindas, os ajustes e a negociação, então, passarão a ser a base de uma construção amorosa. A família e a construção coletiva O desenvolvimento das competências cognitivas da criança está imerso em um certo cenário e é determinado por scripts de atividades determinadas pelos pais de acordo com as crenças do que deve ser o progresso da criança. Outro aspecto que deve estar mais presente nas discussões psicológicas é o aspecto cultural da linguagem. Aceita-se a idéia de uma base inata para a emergência da linguagem nos seres humanos, como em Chomsky, porém é necessário um mínimo de condições culturais para que se desenvolva a competência lingüística nos seres humanos. Na linguagem sempre ocorre a co- construção e ela é um limite. A língua oral tem diferenças de funcionamento em relação à língua escrita. Não se podem falar duas coisas ao mesmo tempo, apesar de, através da polissemia, da ambigüidade, podermos “falar” mil sentidos simultaneamente. Mas pode-se pensar em diversos canais. Estudam-se as manifestações das linguagens nas representações sociais, incluindo as tradições pessoais e as representações atuais que, muitas vezes, entram em choque com as contradições pessoais. O universo do grupo interagindo pela linguagem com o universo pessoal define como cada sujeito internaliza as representações sociais dos grupos e de sua história pessoal. Chegavamos aos princípios de identidade e de auto- estima em que as diferenças culturais e de individualidade modelam e limitam de forma diversa as etapas da evolução humana, diferentemente dos multiculturalistas, reconhecia que os processos de construção não serão abertos em grandes espaços para as diferenças culturais e que a oportunidade de apropriação dos conhecimentos diferentes depende de cada um isoladamente. A linguagem é pois, resultado de um processo em construção, formado junto com o desenvolvimento do sujeito ao longo de sua vida. No processo de construção do conteúdo não importa o que se faz, mas como se faz. A natureza da troca é o que vai ser determinante. Com produtos de interpretação tão diversos, o que fazer com os
  • 46. 45 45 significantes culturais? Servem como carta de intenção no desenvolvimento sociocognitivo para estimular a pensar que as interações sociais são fatores constitutivos em que o nicho esta na família, acrescida do contexto sociocultural, do ambiente físico e dos costumes. O nicho é a unidade usada para observar a formação do caráter da pessoa e sua influência é a repetição dos padrões primeiros em todas as esferas sociais grupais e individuais. Filhos e pais não são propriedades inalteradas, passivas e estanques; mesmo ainda não tendo um claro modelo de família que irá substituir o arquétipo da família tradicional – que já não existe nesta sociedade fragmentada –, percebia suas mutações. Chamo de consciência da importância desta troca, o compromisso mútuo que deverá ser aceito ou não: a liberdade e a ética da co-responsabilidade. Considerando que as variáveis da responsividade existem em dois níveis e as variáveis moleculares da responsividade são bases das relações interpessoais particulares, nas quais as ações de um dependem das seqüências interativas de seu parceiro, quando os parceiros esperam a construção co-responsável de algo, isto contraria a limitação, a prisão que a “verdade” religiosa prega, a obrigação imutável. Promove uma necessidade de rever dinamicamente a relação, criando a possibilidade de continuidade por escolha e prazer. Esta ação, no entanto, deverá ser sempre compartilhada para ter validade. A construção de uma nova relação da família passa pelo afastamento da obrigação e pela disponibilidade e desejo do grupo envolvido. Não dá para querer viver sozinho, apesar da neurose do abandono individualista. Acreditava que na interação crescem todos os envolvidos, dentro de um mundo moderno com novos paradigmas e uma nova família.
  • 47. 46 46 5 O padre Lopes confessou que não imaginara a existência de tantos doidos no mundo.. (Machado de Assis – O alienista)
  • 48. 47 47 Qual realidade? Continuava investigando na busca que explicasse, no iníicio, na infancia. Durante a infância é possível perceber um processo complexo na construção do eu dos indivíduos, mas a essência do próprio eu pode perder-se de vista à medida que a criança vê a si mesma não como é, mas através de um processo de “adaptação” às necessidades dos pais. Isto provoca uma cisão na estrutura psicológica individual, num verdadeiro ato de autotraição, desligando o seu mundo interior das ligações com o exterior. Ao perder o elo com seu interior, o sujeito terá que recorrer a um eu falsificado, geralmente, a imagem de um determinado comportamento e de atitudes que agradam a outros. A necessidade, até obsessão, de preservar tal imagem sobrepõe-se ao que poderiam ter sido percepções, sentimentos e vivências empáticas genuínas. Essa impossibilidade de estar enraizado em si próprio tende a provocar um comportamento destrutivo e maldoso, que pode se estabelecer através de um conjunto de relações, cuja raiz é o poder. Nesse processo de busca de uma fração, que seja, de um poder ilusório, composto de responsabilidade, dever e obediência, podemos estar diante de uma manifestação de loucura que encobre a si própria e se mascara como saúde mental e vida normal. A adaptabilidade, a não-independência interior e a realidade do poder sobreposta à realidade do amor – misto de conformismo e rebelião (que têm pontos em comum) – fazem com que se manifeste a loucura com aparencia e aceitação de normalidade. A negação da realidade ocorre quando o eu nascente, que deveria se moldar livre e abertamente em auto-responsabilidade, entrega-se obedientemente à influência marcante dos outros: “Torno-me no que queres para que me aceites”. Assim, o ato de se fazer dependente é convertido na vingança pela sujeição e pelo desprezo próprio. O desejo de vingança passa a ser a origem e determinante inconfessa e incógnita deste estado mental. Esse processo é de tal modo importante e dramático, que, segundo Gruen , a dor da não aceitação será, muito provavelmente, a razão de algumas crianças serem vitimadas pela denominada morte infantil repentina. A contradição entre a necessidade de manter as aparências perante si próprio e a disposição em subjugar-se ao poder é sustentada por uma ideologia social que identifica