SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 33
Baixar para ler offline
Jorge Nunes Barbosa




FAMÍLIAS




 PSICOLOGIA E SOCIOLOGIA




       iBooks Author
Capítulo 1


 REPRODUÇÃO
   SOCIAL
A mudança é um fenómeno extremamente complexo e
que levanta especiais dificuldades quanto à sua
observação, interpretação e compreensão. Tal deve-se,
em grande medida, ao facto de a mudança não ser um
processo contínuo e ininterrupto, mas, ao contrário, feito
de sobressaltos e rupturas que se sucedem a ritmos mais
ou menos espaçados ao longo da História.




                                                        iBooks Author
Jorge Barbosa                                                          vés do processo de socialização e adquirem uma função nor-
Psicologia e Sociologia                                                mativa e reguladora dos seus comportamentos, o que permite
                                                                       a reprodução da estrutura social. Deste modo, a família e a
2 de Fevereiro de 2012                                                 escola (instituições a abordar mais profundamente dentro em
Reprodução e Mudança Social                                            breve) surgem como dois dos principais agentes da reprodu-
                                                                       ção social.
1. A Reprodução Social
Na sequência do que foi dito sobre o papel das instituições so-
ciais na organização da vida das sociedades, analisemos ago-           2. A Mudança Social
ra um aspecto indissociável do anterior: o processo de repro-          Em geral diz-se que estamos em presença de uma mudança
dução social.                                                          social sempre que se transformam as estruturas básicas de
                                O processo de reprodução so-           um grupo social ou da sociedade. Deste modo, o conceito de
                                cial apresenta-se como o pro-          mudança social acentua o carácter instável, dinâmico e aber-
                                duto do jogo incessante entre          to à transformação da ordem social existente.
                                a estrutura social e a ac-             A mudança é um fenómeno extremamente complexo e que
                                ção social, ou um conjunto             levanta especiais dificuldades quanto à sua observação, inter-
                                de disposições permanentes -           pretação e compreensão. Tal deve-se, em grande medida, ao
                                o habitus, na expressão do soci-       facto de a mudança não ser um processo contínuo e ininter-
                                ólogo francês Pierre Bourdieu          rupto, mas, ao contrário, feito de sobressaltos e rupturas que
                                - que assegura a conservação           se sucedem a ritmos mais ou menos espaçados ao longo da
do modelo de sociedade existente, sem impedir a sua modifi-            História.
cação (controlada) através das acções individuais.                     Segundo Guy Rocher, há mudança social quando o fenóme-
Dissemos já que as instituições sociais assumem um pa-                 no em causa apresenta as seguintes quatro características:
pel fundamental neste processo de reprodução social, ou seja,           ๏ É colectivo, afectando as formas de pensar e de agir do
na manutenção da ordem social.                                            todo ou de uma parte considerável da sociedade;
Com efeito, tais instituições, enquanto práticas duradouras             ๏ É estrutural, modificando a totalidade ou partes da orga-
no tempo e partilhadas pela generalidade dos membros de                   nização social;
uma determinada sociedade, são por estes interiorizadas atra-

                                                                   2




                                                           iBooks Author
๏ É comparável com uma situação de referência situada                                        Ora, na origem dos fenómenos de transformação social es-
   no passado, permitindo apreciar as mudanças verifica-                                      tão, normalmente, vários factores que actuam de forma in-
   das desde então até à situação do presente;                                                ter-relacionada. Isto implica que dificilmente se pode isolar
 ๏ É durável, distinguindo-se dos epifenómenos instantâ-                                      um desses factores, tomando-o como a única causa explicati-
   neos ou efémeros                                                                           va da mudança, e que a compreensão dessa mudança deve
                                                                                              ser encontrada através da combinação de diversos mecanis-
Dando seguimento a esta caracterização, o mesmo autor defi-                                   mos.
ne assim o conceito sociológico de mudança social: é “toda a
transformação observável no tempo, que afecta, de uma ma-                                     Tais factores podem provocar a mudança a partir quer do in-
neira que não seja provisória ou efémera, a estrutura ou o                                    terior do sistema social (factores endógenos), quer do seu exte-
funcionamento da organização social duma dada colectivida-                                    rior (factores exógenos). No primeiro grupo, encontramos
de e modifica o curso da sua história”.                                                       aqueles factores que fazem parte do próprio funcionamento
                                                                                              da vida social, caso dos conflitos que se estabelecem entre in-
                                                                                              divíduos ou grupos (greves, manifestações, etc.). O segundo
                                                                                              grupo remete para factores que, vindo de fora do sistema soci-
                                                                                              al, nele introduzem mudanças (uma descoberta científica, por
     ESTRUTURA SOCIAL                      REPRODUÇÃO SOCIAL                                  exemplo).
                                                                                              Já quanto à natureza dos factores de mudança, é possível divi-
                                                                                              di-los em três categorias (que se podem interligar): económi-
                                             MUDANÇA SOCIAL
      ACÇÃO SOCIAL
                                                                                              cos, políticos e culturais.
                         Colectiva
                                                   Factores
                                                                            Natureza           ๏ Ao nível económico são de destacar as mudanças ocorri-
                                                                                                 das na sociedade em virtude quer das descobertas cientí-
                          Estrutural
                                                                                                 ficas quer das inovações tecnológicas, originadas pelas
                                       Endógenos                Económica
                        Comparável
                                                                                                 necessidades de crescimento do capitalismo industrial.
                                       Exógenos               Política                           Por exemplo, a invenção da máquina a vapor, no passa-
                           Durável                                                               do (que despoletou a Revolução Industrial), e da infor-
                                                              Cultural
                                                                                                 mática, em meados do século XX, foram dois aconteci-
                                                                                                 mentos que originaram o aumento da produção e da ri-
                                                                                                 queza, ao mesmo tempo que tiveram enormes impactos

                                                                                          3




                                                                                      iBooks Author
em todas as dimensões da actividade social, desde a fa-
   mília ao trabalho.
๏ Ao nível político, as decisões tomadas pelos líderes dos
  Estados com vista à expansão territorial e ao aumento
  da riqueza não deixam de afectar, positiva ou negativa-
  mente, a vida das populações, induzindo mudanças soci-
  ais. A guerra que os Estados Unidos da América promo-
  veram no Vietname, na década de 1960, suscitou enor-
  mes protestos da opinião pública americana, a forma-
  ção de diversos movimentos sociais antiguerra e, em últi-
  ma análise, a difusão de uma consciência pacifista que
  ainda hoje se manifesta (veja-se o caso recente da guerra
  no Iraque).
๏ Por fim, ao nível cultural, o desenvolvimento da ciência
  e do pensamento racional, a par da ruptura com as per-
  cepções morais e religiosas do passado, mudou o modo
  como pensamos e possibilitou a difusão de atitudes críti-
  cas e inovadoras. Também no conteúdo do pensamento se
  registaram transformações, patentes na incorporação e
  difusão de ideias novas como a liberdade, a igualdade e
  a participação democrática. Estas ideias inspiraram, por
  seu lado, algumas das mais significativas mudanças polí-
  ticas e sociais da história, caso das revoluções.




                                                              4




                                                       iBooks Author
Capítulo 2



       A FAMÍLIA

Ao longo das últimas décadas, Portugal e outros
países ocidentais passaram por mudanças nos
padrões familiares, que seriam inimagináveis
para gerações anteriores.




                                              iBooks Author
A família                                                            No entanto, não foi só a família e a composição do agregado
                                                                     familiar que sofreram alterações. A mudança nas expectati-
                                                                     vas criadas pelas pessoas nas suas relações com os outros foi
1. O Conceito de Família                                             igualmente importante. O termo “relações”, aplicado à vida
                                                                     pessoal, generalizou-se na linguagem corrente há cerca de
A mudança é um dos temas centrais da Sociologia. Vivemos
                                                                     vinte ou trinta anos, bem como a ideia que existe uma neces-
num mundo turbulento, difícil e estranho. Quer o queiramos
                                                                     sidade de “intimidade” e “compromisso” na vida pessoal.
ou não, temos de aceitar a mistura de oportunidades e riscos
                                                                     Nos tempos recentes, uma relação é algo de activo - algo em
que este mundo nos oferece. Esta observação é particular-
                                                                     que temos de nos empenhar. Para perdurar no tempo, uma
mente relevante quando falamos da nossa vida pessoal e emo-
                                                                     relação depende da confiança entre as pessoas. A maioria dos
cional.
                                                                     relacionamentos sexuais são hoje em dia vividos nesses ter-
Ao longo das últimas décadas, Portugal e outros países oci-          mos, tal como o casamento. As relações dependem cada vez
dentais passaram por mudanças nos padrões familiares, que            mais da colaboração e comunicação entre os participantes. A
seriam inimagináveis para gerações anteriores. A grande di-          comunicação emocional tornou-se central não só no relacio-
versidade de famílias e formas de agregados familiares tor-          namento que envolve relações sexuais, mas também nas ami-
nou-se um traço distintivo da época actual. As pessoas têm                                           zades e nas interacções entre
menos probabilidade de se virem a casar do que no passado,                                           pais e filhos.
e fazem-no numa idade mais tardia. O índice de divórcios su-
                                                                                                     As transformações menciona-
biu significativamente, contribuindo para o crescimento de
                                                                                                     das não se limitam aos países
famílias monoparentais. Constituem-se famílias “recompos-
                                                                                                     industrializados. Os proces-
tas” através de segundos casamentos, ou através de novas rela-
                                                                                                     sos descritos têm vindo a ter
ções que envolvem filhos de relações anteriores. As pessoas
                                                                                                     lugar - embora de forma desi-
optam cada vez mais por viverem juntas em coabitação antes
                                                                                                     gual - em outras sociedades.
do casamento, ou em alternativa ao casamento. Em resumo,
                                                                                                     A sociedade chinesa ilustra
o mundo familiar é hoje muito diferente do que o era há cin-
                                                                                                   claramente a natureza contra-
quenta anos. Apesar das instituições do casamento e da famí-
                                                                     ditória da mudança na esfera familiar. O índice de divórcios
lia ainda existirem e serem importantes nas nossas vidas, o
                                                                     na China permanece baixo, quando comparado com os paí-
seu carácter mudou radicalmente.
                                                                     ses ocidentais, embora tenha vindo a aumentar rapidamente
                                                                     - tal como noutras sociedades asiáticas desenvolvidas. Nas so-

                                                                 6




                                                          iBooks Author
ciedades chinesas, o divórcio e a coabitação são cada vez             2. Conceitos Elementares
mais frequentes. Estes factos fizeram com que o Estado pen-
                                                                      Em primeiro lugar, é necessário definir alguns conceitos bási-
sasse em dificultar a obtenção do divórcio. A legislação actual
                                                                      cos, em particular os de família, parentesco e casamento.
sobre o casamento, que data dos anos sessenta, é bastante li-
beral. O casamento é visto como um contrato de trabalho               Uma família é um grupo de pessoas unidas directamente
que pode ser dissolvido “quando ambos os parceiros o deseja-          por laços de parentesco, no qual os adultos assumem a res-
rem”. Mesmo que uma das partes tenha objecções, o divór-              ponsabilidade de cuidar das crianças.
cio pode ser concedido quando o “afecto mútuo” já não exis-           Os laços de parentesco são relações entre indivíduos estabe-
te entre o casal. Após duas semanas de espera e o pagamento           lecidas através do casamento ou por meio de linhas de descen-
de uma pequena taxa administrativa, o casal torna-se inde-            dência que ligam familiares consanguíneos (mães, pais, filhos
pendente.                                                             e filhas, avós, etc.).
Existe um grande debate na China sobre a defesa dos pa-               O casamento pode ser definido como uma união sexual en-
drões familiares “tradicionais”, como os ainda vigentes nas           tre dois indivíduos adultos, reconhecida e aprovada social-
zonas rurais. Apesar de políticas oficiais governamentais te-         mente. Quando duas pessoas se casam, tornam-se parentes;
rem limitado a natalidade a um ou dois filhos por casal, o ca-        contudo, o casamento une também um número mais vasto de
samento e a vida familiar continuam a ser muito mais tradici-                                        pessoas que se tornam paren-
onais nas zonas rurais do que nas áreas urbanas. O casamen-                                          tes. Pais, irmãos e outros fa-
to é um arranjo entre duas famílias, mais dependente dos                                             miliares de sangue tornam-se
pais do que do consentimento dos indivíduos envolvidos. Em                                           parentes do outro cônjuge
algumas províncias, aproximadamente 60% dos casamentos                                               através do casamento.
ainda são organizados pelos pais. Há, no entanto, um aspecto
irónico acarretado pela história da modernização chinesa. A
maior parte dos divórcios que ocorrem nas zonas urbanas chi-                                          As relações familiares são
nesas dá-se entre indivíduos casados segundo a tradição ru-                                           sempre reconhecidas dentro
ral, e na zona rural os divórcios são extremamente raros, en-                                         de grupos de parentesco mais
tre pessoas casadas segundo essa mesma tradição.                      amplos. Em praticamente todas as sociedades podemos identi-
                                                                      ficar aquilo que os sociólogos e os antropólogos designaram
                                                                      como família nuclear, ou seja, dois adultos vivendo juntos
                                                                      num mesmo agregado com os seus filhos biológicos ou adop-

                                                                  7




                                                           iBooks Author
tados. Na maioria das sociedades tradicionais, a família nucle-
ar estava inserida em redes de parentesco mais amplas. Quan-
do outro parente, além do casal e dos filhos, vive na mesma
casa ou está em contacto próximo e contínuo com eles, fala-
mos de família extensa. Uma família extensa pode ser defi-
nida como um grupo de três ou mais gerações que vivem na
mesma habitação ou muito próximas umas das outras. Pode
incluir avós, irmãos e as suas mulheres, irmãs e os seus mari-
dos, tias, tios, sobrinhas e sobrinhos.
Nas sociedades ocidentais, o casamento e, por conseguinte, a
família, está associado à monogamia. É ilegal que um ho-
mem ou uma mulher sejam casados com mais de um indiví-
duo simultaneamente. Contudo, esta situação não se verifica
em todo o mundo. Numa famosa comparação, que envolvia
várias centenas de sociedades em meados do século XIX,
George Murdock descobriu que a poligamia - que permitia
que um homem ou uma mulher tivessem mais do que um
cônjuge - era permitida em mais de 80 por cento delas. Exis-
tem dois tipos de poligamia:
 ๏ A poliginia, na qual um homem pode ser casado com
   mais do que uma mulher ao mesmo tempo;
 ๏ A poliandria, muito menos comum, na qual uma mulher
   pode ter simultaneamente dois ou mais maridos.




                                                                  8




                                                           iBooks Author
Capítulo 3


     A DIVERSIDADE DA
          FAMÍLIA

Ao usarmos o termo “famílias”, sublinhamos a
diversidade das formas familiares. Embora o termo
“família” possa ser usado mais facilmente, é vital
lembrarmo-nos da grande variedade que este abrange.




                                                     iBooks Author
A Diversidade da Família                                             Muitas das perspectivas adoptadas ainda há poucas décadas
Muitos sociólogos consideram que não podemos falar de “fa-           parecem agora muito menos convincentes, tendo em conta as
mília”, como se existisse um modelo de vida familiar mais ou         pesquisas mais recentes e as mudanças importantes que ocor-
menos universal. A predominância da família nuclear tradici-         reram no mundo social. Não obstante, é pertinente traçar bre-
onal foi sofrendo uma erosão pronunciada ao longo da segun-          vemente a evolução do pensamento sociológico, antes de ana-
da metade do século XX, como veremos ao longo deste capí-            lisarmos as abordagens contemporâneas no estudo da famí-
tulo. Menos de um quarto (25%) dos agregados familiares na           lia.
Grã-Bretanha, por exemplo, estão conformes com o modelo
tradicional de família. Existem também diferenças vincadas           1.1. A abordagem Funcionalista
nos padrões familiares entre os grupos étnicos minoritários.         A perspectiva funcionalista vê a sociedade como um conjun-
Por exemplo, os agregados familiares de origem asiática são          to de instituições sociais que desempenham funções específi-
muitas vezes compostos por algo mais do que uma família              cas, assegurando a continuidade e o consenso do todo social.
com filhos, enquanto as comunidades negras são caracteriza-          De acordo com esta perspectiva, a família desempenha fun-
das pela existência de um grande número de famílias mono-            ções importantes que contribuem para satisfazer as necessida-
parentais.                                                           des básicas da sociedade e para a reprodução da ordem soci-
Por estas razões, parece mais apropriado falar-se de “famíli-        al. Os sociólogos que trabalham na tradição funcionalista re-
as”. Ao usarmos o termo “famílias”, sublinhamos a diversida-         conhecem que a família nuclear desempenha determinados
de das formas familiares. Embora o termo “família” possa ser         papeis especializados nas sociedades modernas. Com o adven-
usado mais facilmente, é vital lembrarmo-nos da grande vari-         to da industrialização, a família tornou-se menos importante
edade que este abrange.                                              enquanto unidade de produção económica, acentuando o seu
                                                                     papel na reprodução, procriação e socialização.
Perspectivas Teóricas sobre a Família                                Segundo o sociólogo Talcott Parsons, as duas grandes fun-
O estudo da família e da vida familiar tem sido conduzido de         ções desempenhadas pela família são: a socialização primária e
modo diferente por sociólogos com posições contrastantes.            a estabilização da personalidade. A socialização primária é o

                                                                10




                                                         iBooks Author
processo através do qual a criança apreende as normas cultu-           Na época actual, a visão que Parsons apresenta da família sur-
rais da sociedade onde nasce. Em virtude desta aprendiza-              ge como inadequada e datada no tempo. As teorias funciona-
gem, ocorrido nos primeiros anos de vida da criança, a famí-           listas da família foram alvo de duras críticas pela sua justifica-
lia é a mais importante “arena” para o desenvolvimento da              ção da divisão do trabalho entre homens e mulheres no espa-
personalidade humana. Por estabilização da personali-                  ço doméstico, como sendo algo de natural e consensual. No
dade entende o papel desempenhado pela família na assistên-            entanto, estas teorias tornam-se mais compreensíveis se fo-
cia emocional aos membros adultos da família. O casamento              rem vistas à luz do contexto histórico em que emergiram. Os
entre homens e mulheres adultos é o dispositivo, através do            anos imediatos do pós-guerra presenciaram o regresso das
qual a personalidade dos adultos é suportada e mantida a um            mulheres aos seus papeis domésticos tradicionais, e o retomar
nível saudável. Afirma-se que o papel da família na estabiliza-        pelos homens da sua posição de único “ganha-pão” da famí-
ção das personalidades adultas na sociedade industrial é de            lia. Contudo, podemos criticar a visão funcionalista da famí-
importância crucial. Tal sucede porque a família nuclear está          lia noutros aspectos. Ao enfatizar a importância da família no
geralmente distanciada dos parentes extensos, tornando-se in-          desempenho de determinadas funções, Parsons negligencia o
capaz de manter laços de parentesco mais amplos, como ocor-            papel activo de outras instituições sociais, como o governo, os
ria antes da industrialização.                                         meios de comunicação social e as escolas, na socialização da
Para Parsons, a família nuclear era a unidade mais bem equi-           criança. A abordagem funcionalista omite as variações nas
pada para suportar as imposições da sociedade industrial. Na           formas familiares, que não correspondem ao modelo da famí-
“família convencional” um dos adultos pode trabalhar fora              lia nuclear. As famílias que não se encaixavam no modelo
de casa, enquanto o segundo toma conta da casa e das crian-            “ideal” da família branca, de classe média dos subúrbios,
ças. Em termos práticos, esta especialização dos papeis na fa-         eram vistas como desviantes.
mília nuclear envolveu, por um lado, a atribuição ao marido
do papel “instrumental” de “ganha-pão”, e por outro lado a             1.2. Abordagens Feministas
aceitação, por parte da esposa, do papel emocional e “afecti-          Para muitas pessoas, a família proporciona uma fonte vital de
vo” desempenhado no espaço doméstico.                                  consolo e conforto, amor e companheirismo. No entanto,


                                                                  11




                                                           iBooks Author
também pode ser um lugar de exploração, solidão e profunda             Os trabalhos feministas enfatizaram um vasto espectro de tó-
desigualdade. O movimento feminista teve um grande impac-              picos, mas três grandes temáticas são de particular importân-
to na sociologia ao contestar a visão da família como um es-           cia.
paço harmonioso e igualitário. Uma das primeiras vozes “dis-           Uma das preocupações centrais é a divisão doméstica do trabalho
sonantes” foi, em 1965, a da feminista americana Betty Frei-           - a forma como as tarefas são distribuídas entre os membros
dan, que escreveu sobre o “problema sem nome” - o isola-               do agregado familiar. Entre feministas existem opiniões diver-
mento e o aborrecimento que atingiam muitas donas de casa              gentes sobre a emergência histórica desta divisão. Enquanto
dos subúrbios norte-americanos, ao serem relegadas para um             algumas feministas consideram que se trata de uma conse-
ciclo interminável de criação de filhos e trabalho doméstico.          quência do capitalismo industrial, outras reclamam a sua liga-
Durante as décadas de 70 e 80, as perspectivas feministas do-          ção ao patriarcado que antecedeu a industrialização. Existem
minaram grande parte dos debates e pesquisas sobre a famí-             razões para acreditar que a divisão doméstica do trabalho já
lia. Se previamente a sociologia da família havia focado as es-        existia antes da industrialização, mas parece claro que a pro-
truturas familiares, o desenvolvimento histórico da família nu-        dução capitalista originou uma distinção definitiva entre os
clear e extensa, bem como a importância dos laços de paren-            espaços doméstico e de trabalho. Este processo resultou na
tesco, o feminismo teve êxito ao dirigir a sua atenção para o          cristalização de “espaços masculinos” e “espaços femininos”,
interior das famílias, examinando as experiências das mulhe-           e em relações de poder que ainda hoje se fazem sentir. Até
res no espaço doméstico. Muitas escritoras feministas questio-         muito recentemente o modelo do ganha-pão masculino esta-
naram a visão da família como unidade cooperativa baseada              va muito difundido nas sociedades industrializadas.
em interesses comuns e no suporte mútuo. Tentaram mostrar              As sociólogas feministas conduziram estudos sobre a forma
como a presença desigual de poder no interior das relações             como as tarefas domésticas, a criação dos filhos e o trabalho
familiares significa que determinados membros da família ten-          de casa, são partilhadas entre homens e mulheres. Investiga-
dem a beneficiar mais do que outros.                                   ram a validade de afirmações como a relativa à existência da
                                                                       “família simétrica”, segundo a qual, ao longo dos tempos, as
                                                                       famílias têm-se tornado cada vez mais igualitárias na distribu-


                                                                  12




                                                           iBooks Author
ição de funções e responsabilidades. As conclusões compro-            nistas procuraram compreender como a família se torna uma
vam que as mulheres continuam a carregar uma maior res-               “arena” para a opressão de género e para o abuso físico.
ponsabilidade nas tarefas domésticas, possuindo menos tem-            O estudo das actividades assistenciais é uma terceira área onde
po de lazer do que os homens, apesar de um número cada                os estudos feministas representaram um importante contribu-
vez maior de mulheres trabalharem num emprego pago fora               to. Esta é um espaço amplo que abrange uma enorme varie-
de casa.                                                              dade de processos, desde a assistência a um membro da famí-
Seguindo uma temática semelhante, alguns sociólogos têm               lia que está doente, até tomar conta de um parente idoso du-
vindo a examinar os ambientes contrastantes de trabalho               rante um longo período de tempo. Por vezes, tomar conta de
pago e do não pago, focando a sua atenção na contribuição             alguém significa apenas estar preocupado com o bem-estar
do trabalho doméstico não pago das mulheres para a econo-             psicológico de outra pessoa - algumas autoras feministas têm-
mia em geral. Outros têm investigado a forma como os recur-           se interessado pelo “trabalho emocional” no seio das rela-
sos são distribuídos entre os membros da família, e os pa-            ções. As mulheres tendem não só a encarregar-se de tarefas
drões de acesso às finanças do agregado e o seu controlo.             concretas como a limpeza e a criação dos filhos, como tam-
Em segundo lugar, as feministas têm chamado a atenção para            bém investem uma grande quantidade de trabalho emocional
as relações de poder desiguais existentes num grande número de        na manutenção das relações pessoais. Embora as actividades
famílias. Em resultado desta situação, um tópico tem mereci-          assistenciais se baseiem no amor e em emoções profundas, es-
do uma maior atenção, o fenómeno da violência doméstica.              tas também são uma forma de trabalho, que exige capacida-
O “espancamento da esposa”, a violação conjugal, o incesto            de para ouvir, perceber, negociar e agir criativamente.
e o abuso sexual das crianças têm recebido mais atenção pú-
blica como resultado das reivindicações feministas que argu-          1.3. Novas Perspectivas na Sociologia da Família
mentam que os aspectos violentos e abusivos da vida familiar
                                                                      Os estudos teóricos e empíricos conduzidos a partir da pers-
têm continuamente sido ignorados nos contextos académico
                                                                      pectiva feminista, durante as últimas décadas, têm gerado um
e legal, bem como nos círculos políticos. As sociólogas femi-
                                                                      aumento do interesse pela família entre os académicos e a po-
                                                                      pulação em geral. Termos como o “segundo turno” - que se

                                                                 13




                                                          iBooks Author
refere ao papel duplo da mulher, em casa e no trabalho - en-
traram na linguagem corrente. No entanto, em virtude de os              Beck e Beck-Gernsheim
estudos feministas da família focarem frequentemente temas              Em The Normal Chaos of Love (1995), Ulrich e Elisabeth Beck-
específicos do âmbito doméstico, nem sempre reflectem as                Gernsheim examinam a natureza tumultuosa das relações
grandes mudanças e influências que têm lugar fora desse con-            pessoais, os casamentos e padrões de família num mundo em
texto.                                                                  rápida mudança. Os autores argumentam que as tradições,
Na última década do século XX emergiu um importante cor-                regras e linhas de orientação que governavam as relações pes-
po de literatura sociológica da família que se apoia nas pers-          soais já não se aplicam, e que os indivíduos sãõ actualmente
pectivas feministas, mas que não se baseia estritamente nelas.          confrontados com uma série interminável de escolhas, que fa-
A preocupação central incide sobre as grandes transforma-               zem parte do processo de construção, ajustamento e melhora-
ções que têm vindo a ocorrer nas formas de família - a forma-           mento, ou dissolução, das uniões que formam com os outros.
ção e a dissolução das famílias e lares, e a evolução das expec-        O facto de os casamentos serem actualmente uniões voluntári-
tativas individuais no seio das relações. O crescimento do di-          as e não relacionamentos que obedecem a motivos económi-
vórcio e dos agregados monoparentais, a emergência das “fa-             cos ou que são impostos pelas famílias, acarreta tanto novas
mílias recompostas”, as famílias gay e a popularidade da coa-           liberdades como novos constrangimentos, exigindo um gran-
bitação são algumas das temáticas que geram interesse. No               de empenho em termos de esforço e dedicação.
entanto, estas transformações não podem ser compreendidas               Para Beck e Beck-Gernsheim a nossa época esta repleta de
se as separarmos das grandes mudanças que ocorreram na                  interesses conflituosos entre a família, o trabalho, o amor e a
nossa época de modernidade tardia. Para podermos compre-                liberdade para prosseguir objectivos individuais. A colisão é
ender a relação entre as transformações pessoais e os padrões           sentida de uma forma mais incisiva nas relações pessoais, par-
de transformação global, temos de prestar atenção às mudan-             ticularmente quando existem duas “biografias de mercado de
ças que ocorrem ao nível da organização da sociedade e in-              trabalho” em vez de uma. Os autores querem dizer com esta
clusivamente a nível global. Uma das mais importantes con-              expressão que, além dos homens um número crescente de mu-
tribuições para este grupo de obras é a da equipa formada               lheres tem carreiras profissionais no decurso das suas vidas.
pelo casal Ulrich Beck e Elisabeth Beck-Gernsheim.

                                                                   14




                                                           iBooks Author
Outrora existia uma maior tendência por parte das mulheres              grande procura de tratamentos de fertilidade. Poucas pessoas
para trabalhar a tempo parcial fora de casa, ou retirar um              podem desejar casar-se, mas o desejo de viver com outra pes-
tempo significativo às suas carreiras para o dedicar à criação          soa e fazer parte de um casal continua certamente firme. O
dos filhos. Estes padrões são, hoje em dia, menos fixos do que          que é que poderá explicar estas tendências opostas?
antigamente; tanto os homens como as mulheres dão hoje                  De acordo com estes autores a resposta é muito simples: o
uma importância enorme às suas necessidades pessoais e pro-             amor. Beck e Beck-Gernsheim argumentam que a “batalha
fissionais. Os autores concluem que as relações na nossa épo-           dos sexos” a que se assiste hoje em dia é o mais claro indica-
ca moderna são, por assim dizer, muito mais do que relações.            dor da “sede de amor” sentida pelas pessoas. As pessoas ca-
Não só o amor, o sexo, os filhos, o casamento e os deveres do-          sam-se por causa do amor e divorciam-se por causa do amor;
mésticos são tópicos de negociação nas relações, mas também             as pessoas empenham-se num interminável ciclo de esperan-
o são os tópicos que têm a ver com o trabalho, a política, a            ça, arrependimento e novas tentativas. Enquanto por um
economia, as profissões, e a desigualdade. Os casais moder-             lado as tensões entre homens e mulheres tendem a aumentar,
nos enfrentam um conjunto variado de problemas, que vão                 por outro lado permanece uma grande fé e esperança na pos-
dos mais mundanos aos mais profundos.                                   sibilidade de encontrar um grande amor que conduza a uma
Sendo assim, talvez não seja surpreendente que o antagonis-             maior realização pessoal.
mo entre homens e mulheres se encontre em crescimento. Os               Pode pensar-se que o “amor” é uma resposta muito simplista
autores defendem que a “batalha entre os sexos” é o “drama              para responder às complexidades da época actual. Mas os au-
central dos nossos tempos”, como o mostram o crescimento                tores argumentam que é precisamente por o nosso mundo se
da indústria de aconselhamento matrimonial, os tribunais de             ter tornado tão opressivo, impessoal, abstracto e em mudan-
família, os grupos de auto-ajuda marital, e os índices de divór-        ça constante, que o amor se tornou cada vez mais importan-
cio. Todavia, embora o casamento e a vida familiar pareçam              te. De acordo com estes autores, o amor é o único lugar onde
muito mais débeis do que antigamente, ainda são muito im-               as pessoas podem verdadeiramente encontrar-se e ligar-se a
portantes para as pessoas. Os divórcios são cada vez mais co-           outros. Num mundo de incerteza e risco como o nosso, o
muns, mas os índices de novos casamentos são elevados. A                amor é algo bem real. É uma força poderosa que obedece às
taxa de natalidade pode estar em declínio, mas existe uma

                                                                   15




                                                           iBooks Author
suas próprias regras e que inscreve as suas mensagens nas ex-
pectativas, ansiedades e padrões de comportamento das pes-
soas. No nosso mundo flutuante, o amor tornou-se uma nova
fonte de fé, mas também de insatisfação.




                                                                16




                                                         iBooks Author
Capítulo 4


 CASAMENTO E
   DIVÓRCIO
As pessoas que tenham sido divorciadas podem colocar
mais expectativas no casamento do que as que se casam
pela primeira vez. Assim, podem igualmente ter uma
propensão maior para dissolver os novos casamentos do
que aquelas que só casaram uma vez. Possivelmente, os
segundos casamentos que perduram são, de uma forma
geral, mais satisfatórios do que os primeiros.




                                                       iBooks Author
Casamento e Divórcio                                                   tugal, um pouco mais tarde, seguiram o exemplo, embora
                                                                       com variações de pormenor.
Estarão Beck e Beck-Gernsheim certos ao dizerem que o an-              Obviamente, as crescentes taxas de divórcio não são um índi-
tagonismo entre homens e mulheres é o “drama central dos               ce directo de infelicidade conjugal. Por um lado, as taxas de
nossos tempos”? As estatísticas de casamento e divórcio dão            divórcio não incluem as pessoas que se separam, mas não es-
algum suporte a esta tese. O aumento das taxas de divórcio             tão legalmente divorciadas. Além disso, pessoas infelizes no
tem sido uma das tendências mais importantes que influenci-            casamento podem preferir manter-se juntas - porque acredi-
ou os padrões familiares em muitas sociedades industrializa-           tam na santidade do matrimónio, porque se preocupam com
das.                                                                   as consequências financeiras e económicas da separação, ou
                                                                       ainda por preferirem ficar juntas para proporcionar aos filhos
Durante muito tempo, o casamento foi considerado no Oci-
                                                                       um lar “familiar”. A infelicidade conjugal será, portanto, mui-
dente como praticamente indissolúvel. O divórcio era apenas
                                                                       to superior ao que as taxas de divórcio poderão significar.
concedido em casos muito especiais, como a não consumação
do casamento. Num ou noutro país industrializado, o divór-             Por que razão se estará a tonar o divórcio cada vez mais co-
cio não é ainda reconhecido, mas trata-se hoje em dia de               mum? Há vários factores envolvidos, que têm a ver com mu-
exemplos isolados. A maioria dos países optou rapidamente              danças sociais mais amplas. Excepto para uma pequena pro-
por facilitar o divórcio. Os chamados divórcios litigiosos eram        porção de pessoas ricas, o casamento, hoje em dia, já não
característicos de praticamente todos os países industrializa-         está relacionado com desejo de perpetuar a propriedade e a
dos. Sob este sistema, para ser permitido o divórcio era neces-        posição social de geração em geração. À medida que as mu-
sário que um dos esposos apresentasse queixa (maus-tratos,             lheres se vão tornando economicamente mais independentes,
abandono ou adultério, por exemplo) contra o outro. As pri-            o casamento deixa de ser uma necessidade económica para
meiras leis de divórcio por comum acordo foram introduzi-              os cônjuges como acontecia outrora. Uma maior prosperida-
das em alguns países em meados década de sessenta do sécu-             de global significa que é mais fácil hoje em dia estabelece-
lo XX. Desde então, muitos países ocidentais, incluindo Por-           rem-se residências autónomas, em caso de separação conju-
                                                                       gal, do que antigamente. O facto de o divórcio não ser hoje


                                                                  18




                                                           iBooks Author
um grande factor de estigma é em parte o resultado de tudo             Giddens, 2010). O estado monoparental tende a ser transitó-
isto, mas também lhe dá impulso. Um outro factor importan-             rio, e as suas fronteiras são bastante fluidas. Existem múlti-
te é a tendência crescente para avaliar o casamento em ter-            plos caminhos que conduzem ao estado monoparental, e ou-
mos da satisfação pessoal que possa oferecer. As taxas crescen-        tros tantos que conduzem à saída deste mesmo estado.
tes de divórcio não parecem indicar uma profunda insatisfa-            Entre as famílias monoparentais, a categoria que cresce mais
ção com o casamento propriamente dito, mas uma determi-                rapidamente é a de mãe solteira, que nunca casou. É difícil
nação cada vez maior para fazer dele uma relação gratifican-           saber quantas destas mulheres optaram deliberadamente por
te e satisfatória.                                                     criar os filhos sozinhas. A maioria das mulheres não deseja
                                                                       ser uma progenitora só, mas há uma minoria cada vez maior
Agregados Monoparentais                                                que opta por sê-lo - decidem ter um ou mais filhos sem o
                                                                       apoio de um cônjuge ou parceiro. “Mães solteiras por opção”
Os agregados monoparentais têm-se tornado cada vez mais
                                                                       é uma descrição adequada a algumas progenitoras, que possu-
comuns nas últimas três décadas. Mais de vinte por cento das
                                                                       em normalmente recursos suficientes para gerir satisfatoria-
crianças dependentes vivem actualmente em agregados mo-
                                                                       mente um agregado monoparental. Para a maioria das mães
noparentais. Na sua maioria - aproximadamente 90% - são
                                                                       sós ou solteiras a realidade é diferente; há uma grande corre-
encabeçados por mulheres (Anthony Giddens, 2010). Muitos
                                                                       lação entre a taxa de nascimentos fora do casamento e indica-
progenitores solitários, quer tenham estado casados ou não,
                                                                       dores de pobreza e exclusão social.
enfrentam ainda a desaprovação social e a insegurança finan-
ceira. Contudo, os termos mais antigos e mais discriminatóri-          Há quem argumente que a grande diversidade de “cami-
os como “mulher abandonada”, “famílias sem pai” e “lares               nhos” para entrar ou para sair das famílias monoparentais si-
desfeitos” tendem a desaparecer.                                       gnifica que os progenitores solitários como um todo não são
                                                                       um grupo unificado ou coeso. Embora as famílias monopa-
Há uma grande diversidade interna nesta categoria da famí-
                                                                       rentais partilhem em comum algumas desvantagens sociais e
lia monoparental. Mais de metade das mães viúvas, por exem-
                                                                       materiais, apresentam uma identidade colectiva difusa. A plu-
plo, são proprietárias das casas que habitam, mas a grande
                                                                       ralidade de caminhos que levam ao estado monoparental e à
maioria das mães solteiras vivem em casas arrendadas (A.

                                                                  19




                                                           iBooks Author
saída do mesmo significa que, para efeitos de política social,           Por mais estranho que possa parecer, estatisticamente, a me-
as suas fronteiras são difíceis de definir e as suas necessidades        lhor forma de maximizar as oportunidades de casamento é,
difíceis de apontar.                                                     para ambos os sexos, ter sido casado anteriormente. As pesso-
                                                                         as que já foram casadas e se divorciaram têm mais probabili-
Voltar a Casar                                                           dades de voltar a casar do que as pessoas solteiras da mesma
                                                                         idade. Em todos os grupos etários, os homens divorciados são
Um novo casamento envolve várias circunstâncias. Alguns ca-
                                                                         mais propensos a voltar a casar do que as mulheres divorcia-
sais que voltam a casar têm pouco mais de 20 anos e nenhum
                                                                         das. Em termos estatísticos, pelo menos, os novos casamentos
dos parceiros leva filhos para a nova relação. As pessoas que
                                                                         são menos bem sucedidos do que os primeiros. As taxas de di-
voltam a casar quando têm perto de 30 ou 40 anos podem le-
                                                                         vórcio de segundos casamentos são mais elevadas do que as
var um ou mais filhos do casamento (ou casamentos) anterior
                                                                         taxas dos primeiros.
para viver na mesma casa com o novo cônjuge. Aqueles que
                                                                         Isto não significa que os segundos casamentos estejam conde-
voltam a casar numa idade mais tardia podem ter filhos adul-
                                                                         nados a falhar. As pessoas que tenham sido divorciadas po-
tos que nunca irão viver nos novos lares que os pais estabele-
                                                                         dem colocar mais expectativas no casamento do que as que
cem. Podem existir também filhos deste novo casamento.
                                                                         se casam pela primeira vez. Assim, podem igualmente ter
Qualquer dos cônjuges podia ser anteriormente solteiro, di-
                                                                         uma propensão maior para dissolver os novos casamentos do
vorciado ou viúvo, factores que levam a oito combinações
                                                                         que aquelas que só casaram uma vez. Possivelmente, os segun-
possíveis. Por conseguinte, embora valha a pena salientar al-
                                                                         dos casamentos que perduram são, de uma forma geral, mais
gumas questões gerais, as generalizações acerca de novos ca-
                                                                         satisfatórios do que os primeiros.
samentos devem ser feitas com relativo cuidado.
Até à idade de 35 anos, a maioria dos segundos casamentos                Famílias Recompostas
envolve pessoas divorciadas. A partir dessa idade, aumenta o             Uma família recomposta pode ser definida como uma família
número de novos casamentos de viúvas e viúvos, e pelos 55                em que pelo menos um dos adultos tem filhos de um dos ma-
anos o número de casamentos entre viúvos é maior do que o                trimónios anteriores. Existem alegrias e benefícios associados
de novos casamentos entre pessoas divorciadas.                           às famílias recompostas, e ao crescimento de famílias exten-


                                                                    20




                                                             iBooks Author
sas que daí provém. No entanto, tendem igualmente a surgir               apropriado? Será que estes deveriam disciplinar os enteados
certas dificuldades.                                                     como um progenitor biológico o faria? Como é que um pa-
Em primeiro lugar, existe normalmente um progenitor bioló-               dastro ou madastra deverá tratar o novo esposo do seu parcei-
gico que vive em outro lugar e cuja influência sobre o filho             ro anterior quando este for buscar as crianças?
ou filhos provavelmente se mantém intensa.                               As famílias recompostas estão a desenvolver novos tipos de re-
Em segundo lugar, as relações de cooperação entre pessoas                lações de parentesco nas sociedades ocidentais; as dificulda-
divorciadas tornam-se muitas vezes tensas quando um ou am-               des criadas pelos segundos casamentos depois do divórcio tam-
bos voltam a casar. Pensemos no caso de uma mulher com                   bém são novas. Os membros dessas famílias estão a desenvol-
dois filhos, que casa com um homem que também tinha ou-                  ver as suas formas próprias de ajustamento às circunstâncias
tros dois filhos, passando a viver todos juntos. Se os progenito-        relativamente inéditas em que se encontram. Actualmente,
res “exteriores” insistirem que os filhos os continuem a visitar         alguns autores falam já em famílias binucleares, entendendo por
com a mesma regularidade de outrora, as tensões inerentes à              tal que dois agregados familiares depois de um divórcio conti-
manutenção da unidade do novo agregado familiar serão exa-               nuam a implicar um único sistema familiar sempre que há cri-
cerbadas. Por exemplo, pode tornar-se impossível reunir a                anças envolvidas, mas com dois núcleos.
nova família aos fins de semana.                                         Na presença de transformações tão ricas e confusas, talvez a
Em terceiro lugar, as famílias recompostas misturam filhos               conclusão mais apropriada a que se possa chegar seja a de
provenientes de meios diferentes, que podem ter expectativas             que embora os casamentos acabem em divórcio, as famílias
variadas quanto ao comportamento familiar apropriado.                    enquanto tal permanecem. Em especial quando há crianças
Dado a maioria dos enteados “pertencer” a dois agregados                 envolvidas, persistem muitos laços, apesar de se construírem
familiares, é provável que venham a existir confrontos consi-            novas relações familiares através de novos matrimónios.
deráveis de hábitos e perspectivas.
Há poucas normas que definam a relação entre enteados e                  O “Pai Ausente”
padastros. Deverá o enteado chamar o padastro ou madastra                O período que vai dos anos 30 até à década de 70 foi já desi-
pelo seu nome, ou será “pai” e “mãe” o tratamento mais                   gnado por vezes como o período do “pai ausente”. Durante a

                                                                    21




                                                            iBooks Author
Segunda Guerra Mundial, muitos pais quase não viam os fi-             os rapazes que crescem sem pais irão ter de lutar para eles
lhos porque estavam no campo de batalha ou a prestar servi-           próprios serem pais bem sucedidos.
ço militar. No período que se seguiu à guerra, numa percenta-         Uma abordagem diferente da “crise da paternidade” é a de-
gem elevada de famílias, a maioria das mulheres não tinha             fendida por Francis Fukuyama. Este autor localiza as raízes
uma actividade laboral paga e ficava em casa a tomar conta            da “grande ruptura” na família nos níveis crescentes de em-
dos filhos. O pai era o principal ganha-pão da família e, con-        prego feminino. O autor não afirma que as mulheres que tra-
sequentemente, estava fora de casa durante o dia inteiro, só          balham negligenciam as suas responsabilidades na criação
estando com os filhos à noite e ao fim de semana.                     dos filhos, mas antes (e paradoxalmente) que os homens vêem
Com o aumento das taxas de divórcio nos últimos anos e o              as mulheres como mais independentes e capazes de tomar
número cada vez maior de agregados monoparentais, a ques-             conta de qualquer criança gerada por elas. Se outrora os jo-
tão do “pai ausente” passou a ter outro significado. Hoje em          vens eram obrigados a assumir a responsabilidade dos seus
dia esta expressão refere-se a pais que, em consequência de           actos, a emancipação da mulher conduziu-os a comporta-
uma separação ou divórcio, têm muito pouco contacto com               rem-se menos responsavelmente do que antes.
os filhos ou deixam pura e simplesmente de estar com eles.            Há quem defenda que sociedades com taxas elevadas de di-
Escrevendo a partir de perspectivas diferentes, sociólogos e          vórcio enfrentam não só a perda dos pais mas a própria ero-
analistas têm dito que o número cada vez maior de famílias            são da ideia de paternidade - com consequências sociais gra-
sem pai está na origem de toda uma série de problemas soci-           víssimas, na medida em que, hoje em dia, muitas crianças
ais, que vão do aumento da criminalidade à multiplicação              crescem sem um modelo de autoridade, a quem possam re-
dos custos com a educação das crianças. Alguns autores argu-          correr nas alturas em que mais necessitam dele. Em todas as
mentam que as crianças nunca serão membros efectivos de               sociedades conhecidas até ao presente, o casamento e a pater-
um grupo social, se não forem expostas a exemplos constan-            nidade fornecem um meio de canalizar as energias sexuais e
tes de negociação, cooperação e compromisso entre adultos             agressivas masculinas. Sem estas instituições, estas energias
no seu ambiente imediato. De acordo com tais argumentos,              expressar-se-ão provavelmente na criminalidade e na violên-
                                                                      cia.


                                                                 22




                                                          iBooks Author
Será mesmo assim? A questão do pai ausente sobrepõe-se a
outra questão mais geral referente aos efeitos do divórcio so-
bre as crianças - e, como se viu, as conclusões tiradas a partir
dos dados disponíveis não são nada claras. Podemos colocar
a seguinte questão: “Será que um mau pai gera maus filhos?
Não serão alguns pais prejudiciais à família?” Alguns estudio-
sos sugerem que a questão central não é a de saber se o pai
está ou não presente, mas se está comprometido com a vida
familiar e com a paternidade. Por outras palavras, a configu-
ração do lar pode não ser tão importante quanto a qualidade
do afecto, atenção e suporte que as crianças recebem dos
membros da família.




                                                                   23




                                                           iBooks Author
Capítulo 5

     ALTERNATIVAS
          AO
     CASAMENTO
Lorem ipsum dolor sit amet, ligula suspendisse nulla
pretium, rhoncus tempor placerat fermentum, enim
integer ad vestibulum volutpat. Nisl rhoncus turpis est,
vel elit, congue wisi enim nunc ultricies sit, magna
tincidunt. Maecenas aliquam maecenas ligula nostra,
accumsan taciti. Sociis mauris in integer, a dolor netus
non dui aliquet, sagittis felis sodales, dolor sociis mauris,
vel eu est libero cras.




                                                               iBooks Author
Alternativas ao Casamento                                         o tempo de duração da coabitação ter vindo a aumen-
                                                                  tar e cada vez mais casais a escolherem em alternativa
Coabitação                                                        ao casamento. Os jovens têm passado a viver juntos
A coabitação é uma situação que tem lugar quando                  mais pela marcha dos acontecimentos do que por um
um casal vive junto e mantém relações sexuais sem ha-             planeamento calculado. Um casal que mantenha um
ver casamento - tem vindo a generalizar-se na maioria             relacionamento sexual passa cada vez mais tempo jun-
das sociedades ocidentais. Se anteriormente o casamen-            to, acabando um ou outro por abdicar da sua habita-
to era a base definitiva da união entre duas pessoas, ac-         ção individual. Os jovens que vivem juntos quase sem-
tualmente tal já não acontece. Hoje em dia começa a               pre planeiam casar-se, mas não necessariamente com o
ser mais apropriado falar-se em juntar-se e separar-se.           seu parceiro de então. Só uma minoria destes casais
Um número crescente de casais, envolvidos em rela-                tem um orçamento conjunto.
ções de longa duração, escolhem não se casar, e em vez            Num estudo levado a cabo por investigadores da Uni-
disso optam por viver juntos e criar assim os seus filhos.        versidade de Nottingham, em 1999, os sociólogos con-
Apesar da coabitação se ter tornado cada vez mais po-             duziram entrevistas a uma amostra de casais que coabi-
pular, pesquisas recentes indicam que o casamento con-            tavam ou estavam casados, com filhos com menos de
tinua ainda a ser mais estável. Existe uma maior proba-           11 anos, bem como a uma amostra constituída pelos
bilidade de separação entre os casais que vivem juntos,           seus pais, que ainda eram casados. Estes sociólogos inte-
do que entre os casais casados.                                   ressavam-se pelas diferenças em matéria de compromis-
Actualmente, a coabitação num grande número de paí-               so, entre as pessoas casadas mais velhas, e os casais da
ses ocidentais parece ser para a maioria das pessoas um           nova geração. Os investigadores concluíram que a jo-
estágio experimental anterior ao casamento, apesar de             vem geração, tanto os casados como os que viviam em


                                                             25




                                                      iBooks Author
coabitação, tinham mais em comum entre si, do que               juntos. Muitas das características tradicionais das rela-
com os seus pais. Enquanto a geração mais velha via o           ções heterossexuais - como o acompanhamento mútuo,
casamento em termos de obrigações e deveres, a nova             o afecto e a responsabilidade em caso de doença, a par-
geração valorizava os compromissos livremente aceites.          tilha do dinheiro, e outras mais - estão a integrar-se nas
A grande diferença entre os mais novos residia no facto         famílias homossexuais através de formas que não eram
de alguns deles preferirem ver o seu compromisso reco-          possíveis antigamente.
nhecido publicamente através do casamento.                      Existe, desde os anos 80 do século XX, um interesse
                                                                académico crescente pelas famílias homossexuais de
Casais Homossexuais                                             um ou de outro sexo. Os sociólogos observaram que as
Actualmente, muitos homens e mulheres homossexuais              relações homossexuais apresentam formas de intimida-
mantêm relacionamentos estáveis como casais. As rela-           de e de igualdade muito diferentes das que são comuns
ções entre homens e mulheres homossexuais são muito             nos casais heterossexuais. As relações homossexuais
mais baseadas no compromisso pessoal e na confiança             têm de ser construídas e negociadas fora das normas e
mútua do que na lei, pois a maior parte dos países ain-         linhas de orientação que governam muitas uniões hete-
da não aprova o casamento entre homossexuais, e na-             rossexuais, sobretudo porque os papeis tradicionais dos
queles em que já existe uma lei favorável (como em Por-         géneros não são facilmente aplicáveis aos casais do mes-
tugal), as coisas ainda não se passam com a naturalida-         mo sexo. Há ainda quem sugira que a epidemia da
de necessária. Tem-se aplicado a expressão “famílias            SIDA foi um factor importante no desenvolvimento de
de escolha” às relações homossexuais, pois estas reflec-        uma cultura distinta de afecto e compromisso entre par-
tem as formas positivas e criativas da vida quotidiana          ceiros homossexuais, por ter fornecido razões para o es-
que os casais homossexuais cada vez mais levam a cabo           tabelecimento de relações mais estáveis e duradouras.


                                                           26




                                                    iBooks Author
Alguns autores distinguem três padrões significativos
nos casais homossexuais de um e de outro sexo.
๏ Em primeiro lugar, existe uma maior oportunidade
  de igualdade entre os parceiros, pois estes não são guia-
  dos pelos estereótipos culturais e sociais que condici-
  onam as relações heterossexuais.
๏ Em segundo lugar, os parceiros homossexuais nego-
  ceiam os parâmetros e o funcionamento das suas rela-
  ções. Enquanto os casais heterossexuais são influenci-
  ados por papeis associados ao género socialmente en-
  raizados, entre os casais do mesmo sexo as expectati-
  vas sobre quem faz o quê numa relação são meno-
  res. Por exemplo, se nos casais heterossexuais, as mu-
  lheres tendem a ocupar-se mais do trabalho domésti-
  co e da criação dos filhos, tais expectativas não exis-
  tem nas relações homossexuais.
๏ Em terceiro lugar, as relações homossexuais demons-
  tram ser uma forma particular de compromisso, para o
  qual não existe um enquadramento institucional, o
  que implica uma confiança mútua muito particular,
  face às dificuldades que têm de partilhar.

                                                              27




                                                       iBooks Author
Capítulo 6
VIOLÊNCIA E ABUSO NA
             VIDA
           FAMILIAR
Lorem ipsum dolor sit amet, ligula suspendisse nulla
pretium, rhoncus tempor placerat fermentum, enim
integer ad vestibulum volutpat. Nisl rhoncus turpis est,
vel elit, congue wisi enim nunc ultricies sit, magna
tincidunt. Maecenas aliquam maecenas ligula nostra,
accumsan taciti. Sociis mauris in integer, a dolor netus
non dui aliquet, sagittis felis sodales, dolor sociis mauris,
vel eu est libero cras.




                                                               iBooks Author
Violência e Abuso na Vida Familiar                              outros membros. Os estudos mostram que o principal
                                                                alvo de abuso desta natureza são as crianças, sobretudo
A vida familiar abrange virtualmente toda a gama de             as crianças pequenas com menos de 6 anos. Mas há
experiências emocionais, pois as relações familiares ou         também um segundo tipo de violência física bastante
de parentesco fazem parte da existência de toda a gen-          comum, que é o que é exercido pelos maridos sobre as
te. As relações familiares - entre marido e mulher, pais        mulheres (o contrário é muito menos frequente). Contu-
e filhos, irmãos e irmãs, ou entre parentes mais afasta-        do as mulheres, não tão raramente quanto se pensa, po-
dos - podem ser calorosas e gratificantes. Mas podem            dem também ser perpetradoras de violência contra fi-
igualmente estar impregnadas das mais pronunciadas              lhos pequenos.
tensões que levam as pessoas ao desespero ou as en-             Há quem diga que a casa é o lugar mais perigoso da so-
chem de um sentimento profundo de ansiedade e de                ciedade moderna. Em termos puramente estatísticos,
culpa. Este “lado sombrio” da vida familiar contrasta           seja qual for o sexo ou a idade, uma pessoa tem mais
com as imagens cor-de-rosa de harmonia que impreg-              probabilidade de ser sujeita a violência em casa do que
nam frequentemente os anúncios publicitários e outros           numa rua à noite. Por exemplo, no Reino Unido, 25%
locais dos meios de comunicação social populares. Os            dos homicídios são cometidos por um membro da famí-
maus tratos sobre crianças são um dos seus aspectos             lia contra outro. As mulheres correm mais risco de vio-
mais inquietantes.                                              lência física por parte de homens com quem têm rela-
                                                                ções familiares e íntimas do que por parte de estra-
                                                                nhos.
A Violência no seio da família
                                                                O problema da violência doméstica ganhou atenção po-
Podemos definir a violência doméstica como o abuso
                                                                pular e académica durante a década de 70 do século
físico de um membro da família em relação a outro ou

                                                           29




                                                    iBooks Author
XX, em resultado do trabalho desenvolvido por grupos             pelos homens. Estes autores defendem que não é sufici-
feministas nos centros de refúgio para “mulheres mal-            ente olhar para os “números” que retratam incidentes
tratadas”. Antes disso, a violência doméstica, bem               violentos nas famílias. Pelo contrário, é essencial olhar
como os maus-tratos às crianças eram fenómenos dis-              para o significado, o contexto e o efeito da violência
cretamente ignorados.                                            exercida. Segundo estes autores “bater na mulher”, isto
Muitos estudiosos têm vindo a afirmar nos últimos tem-           é, a agressão física regular dos maridos sobre as
pos que a violência familiar não é uma consequência              mulheres, é algo que não tem equivalente da parte das
do poder masculino patriarcal, como defendem as femi-            mulheres. Parece, portanto, que as mulheres podem
nistas, mas que tem a ver com as “famílias disfuncio-            ser, muitas vezes, violentas com os homens, mas é mais
nais”. Assim, a violência dirigida contra a mulher é um          raro que transformem esse comportamento violento
reflexo da crise crescente da família e da erosão dos pa-        num comportamento regular, diário ou mesmo sema-
drões morais. Estes autores também contestam os da-              nal. A violência física das mulheres contra os homens é
dos que dão como rara a violência das mulheres contra            mais episódica e menos grave, em termos gerais. Já, no
os homens, pois os homens estarão menos dispostos a              que diz respeito, à violência sobre crianças (as filhas ou
reportar situações em que tenham sofrido violência por           filhos), parece que as mulheres começam a aproximar-
parte de mulheres.                                               se do comportamento violento dos homens, mais do
Estas afirmações têm sido fortemente criticadas por fe-          que a distanciar-se dele.
ministas e por outros investigadores que argumentam              Porque será que a violência doméstica é tão banal (a
que a violência por parte das mulheres é, em todo o              acreditar nos números tornados públicos)? Os investiga-
caso, restringida e episódica, com menos probabilidade           dores têm apresentado duas ordens de razões:
de causar danos físicos permanentes, do que a exercida


                                                            30




                                                     iBooks Author
๏ Combinação entre intensidade emocional e                      seus progenitores. Estas acções gozam frequentemen-
  intimidade pessoal. Os laços familiares estão                 te da aprovação dos outros e provavelmente nem se-
  normalmente impregnados de emoções fortes, que                quer são reconhecidas como “violência”. Embora
  misturam frequentemente amor e ódio. As desaven-              menos explícita, existe (ou existiu no passado) tam-
  ças que ocorrem no ambiente doméstico podem li-               bém uma aprovação social de uma certa violência
  bertar antagonismos que não seriam sentidos da                (controlada) entre esposos. Só que fica difícil garan-
  mesma forma noutros contextos sociais. O que pode             tir face a esta tolerância, primeiro, o que é violência
  parecer um incidente menor pode precipitar hostili-           e o que não é, segundo e mais grave, que esses com-
  dades em larga escala entre cônjuges ou entre pais e          portamentos tolerados não se transformem muito ra-
  filhos. Por exemplo, um homem tolerante em rela-              pidamente em comportamentos intoleráveis... Pare-
  ção às excentricidades de comportamento de outra              ce, portanto, só haver uma forma de combater a vio-
  mulher pode ficar furioso se a sua mulher falar de-           lência física: é não tolerar nenhuma, por mais benig-
  mais num jantar ou revelar intimidades que ele dese-          na que possa parecer à primeira vista.
  ja manter em segredo.
๏ Tolerância social face à violência no âmbito                Num estudo realizado nos Estados Unidos, em 1983,
  da família. Embora a violência familiar socialmen-          por Gleenbart, verificou-se que 1 em cada 4 dos ameri-
  te aprovada seja de natureza relativamente limitada,        canos de ambos os sexos pensa que pode haver razões
  pode facilmente degenerar em formas mais severas            que justifiquem o marido bater na mulher. Há outros
  de agressão. Não haverá muitas crianças em Portu-           autores que, um pouco mais tarde, recolheram dados
  gal que nunca tenham levado uma bofetada ou apa-            que mostram que uma proporção substancial de casais
  nhado uma “surra” - mesmo que leve - de um dos              acredita que, em determinadas circunstâncias, é legíti-


                                                         31




                                                  iBooks Author
mo um dos membros do casal (homem ou mulher) ba-                xam na definição de abuso. Em caso de abuso sexual,
ter no outro. Na verdade, se pensarmos bem, no local            um adulto está basicamente a explorar um menor ou
de trabalho e em outros lugares públicos é regra geral          uma criança com propósito sexual. No entanto, a for-
que ninguém pode bater em ninguém, por mais ofensi-             ma mais comum de incesto é aquela em que há tam-
va ou irritante que a outra pessoa seja. Aquilo que se          bém abuso sexual - as relações incestuosas entre pai e
deve defender é que, no espaço da vida familiar, seja           filhas menores.
posta em prática a mesma regra. Para isso, em primei-
ro lugar, é necessário criar um ambiente social que res-
ponsabilize e culpabilize a tolerância face à violência,
tanto na vida privada da família, quanto na vida públi-
ca do local de trabalho, por exemplo.


O Incesto e o Abuso Sexual de Crianças


Podemos definir o abuso sexual de crianças com a
prática de actos sexuais por adultos com crianças de
idade inferior ao que é permitido por lei (em Portugal,
16 anos). Entende-se por incesto as relações sexuais
entre parentes próximos. Nem todos os casos de inces-
to são de abuso sexual. As relações sexuais entre irmão
e irmã, por exemplo, são incestuosas, mas não se encai-

                                                           32




                                                    iBooks Author

Mais conteúdo relacionado

Destaque

Familia e relações de parentesco
Familia e relações de parentescoFamilia e relações de parentesco
Familia e relações de parentescoEdigar Gleibson
 
Palestra família
Palestra famíliaPalestra família
Palestra famíliapmgv5
 
Indicadores demograficos
Indicadores demograficosIndicadores demograficos
Indicadores demograficosjoanaanm
 
Conceitos de família e parentesco
Conceitos de família e parentescoConceitos de família e parentesco
Conceitos de família e parentescoProf. Noe Assunção
 
Imigrantes no RS
Imigrantes no RSImigrantes no RS
Imigrantes no RSvintecinco
 
Evolução das populações: indicadores demográficos; estrutura etária das popul...
Evolução das populações: indicadores demográficos; estrutura etária das popul...Evolução das populações: indicadores demográficos; estrutura etária das popul...
Evolução das populações: indicadores demográficos; estrutura etária das popul...inessalgado
 
Manacá - Língua Portuguesa, 1º ano
Manacá - Língua Portuguesa, 1º anoManacá - Língua Portuguesa, 1º ano
Manacá - Língua Portuguesa, 1º anoEdpositivo
 
Estrutura Familiar e Dinâmica Social
Estrutura Familiar e Dinâmica SocialEstrutura Familiar e Dinâmica Social
Estrutura Familiar e Dinâmica Socialaintazambuja
 
Civilização Chinesa
Civilização ChinesaCivilização Chinesa
Civilização ChinesaDoug Caesar
 
Caracteristicas de los distintos tipos de familia
Caracteristicas de los distintos tipos de familiaCaracteristicas de los distintos tipos de familia
Caracteristicas de los distintos tipos de familiaGise Yévenez
 

Destaque (20)

Familia e relações de parentesco
Familia e relações de parentescoFamilia e relações de parentesco
Familia e relações de parentesco
 
Imigracao Italiana Para O Brasil
Imigracao Italiana Para O BrasilImigracao Italiana Para O Brasil
Imigracao Italiana Para O Brasil
 
Palestra família
Palestra famíliaPalestra família
Palestra família
 
Família
FamíliaFamília
Família
 
Indicadores demograficos
Indicadores demograficosIndicadores demograficos
Indicadores demograficos
 
Casamento e divorcio
Casamento e divorcioCasamento e divorcio
Casamento e divorcio
 
A familia
A familiaA familia
A familia
 
Parentesco
ParentescoParentesco
Parentesco
 
Família
FamíliaFamília
Família
 
Conceitos de família e parentesco
Conceitos de família e parentescoConceitos de família e parentesco
Conceitos de família e parentesco
 
Familia na atualidade
Familia na atualidadeFamilia na atualidade
Familia na atualidade
 
Imigrantes no RS
Imigrantes no RSImigrantes no RS
Imigrantes no RS
 
Família
FamíliaFamília
Família
 
Evolução das populações: indicadores demográficos; estrutura etária das popul...
Evolução das populações: indicadores demográficos; estrutura etária das popul...Evolução das populações: indicadores demográficos; estrutura etária das popul...
Evolução das populações: indicadores demográficos; estrutura etária das popul...
 
Manacá - Língua Portuguesa, 1º ano
Manacá - Língua Portuguesa, 1º anoManacá - Língua Portuguesa, 1º ano
Manacá - Língua Portuguesa, 1º ano
 
Estrutura Familiar e Dinâmica Social
Estrutura Familiar e Dinâmica SocialEstrutura Familiar e Dinâmica Social
Estrutura Familiar e Dinâmica Social
 
Civilização Chinesa
Civilização ChinesaCivilização Chinesa
Civilização Chinesa
 
Cultura chinesa
Cultura chinesaCultura chinesa
Cultura chinesa
 
Diferentes tipos de família
Diferentes tipos de famíliaDiferentes tipos de família
Diferentes tipos de família
 
Caracteristicas de los distintos tipos de familia
Caracteristicas de los distintos tipos de familiaCaracteristicas de los distintos tipos de familia
Caracteristicas de los distintos tipos de familia
 

Semelhante a Famílias

Familia em mudança
Familia em mudançaFamilia em mudança
Familia em mudançamtdsequeira
 
Mudanças sociais
Mudanças sociaisMudanças sociais
Mudanças sociaisColegio GGE
 
Sociologia 1º ano fatores da mudança e da reprodução social-meta
 Sociologia 1º ano fatores da mudança e da reprodução social-meta Sociologia 1º ano fatores da mudança e da reprodução social-meta
Sociologia 1º ano fatores da mudança e da reprodução social-metaProfessor: Ellington Alexandre
 
Teria estruturalista1
Teria estruturalista1Teria estruturalista1
Teria estruturalista1JLMeneghetti
 
Teria estruturalista1
Teria estruturalista1Teria estruturalista1
Teria estruturalista1JLMeneghetti
 
Teria estruturalista2
Teria estruturalista2Teria estruturalista2
Teria estruturalista2JLMeneghetti
 
Desafios da sociologia geral em tempos de isolamento social em Moçambique.pdf
Desafios da sociologia geral em tempos de  isolamento social em Moçambique.pdfDesafios da sociologia geral em tempos de  isolamento social em Moçambique.pdf
Desafios da sociologia geral em tempos de isolamento social em Moçambique.pdfUniversidade Pedagogica
 
Desafios da sociologia geral em tempos de isolamento social em Moçambique.docx
Desafios da sociologia geral em tempos de  isolamento social em Moçambique.docxDesafios da sociologia geral em tempos de  isolamento social em Moçambique.docx
Desafios da sociologia geral em tempos de isolamento social em Moçambique.docxUniversidade Pedagogica
 
Resumo de Introdução a Sociologia
Resumo de Introdução a SociologiaResumo de Introdução a Sociologia
Resumo de Introdução a SociologiaJosenilson S'ilva
 
Socializacao controle social
Socializacao controle socialSocializacao controle social
Socializacao controle socialLoredana Ruffo
 
“EXCLUSÃO SOCIAL” E CONTROLE SOCIAL.pdf
“EXCLUSÃO SOCIAL” E CONTROLE SOCIAL.pdf“EXCLUSÃO SOCIAL” E CONTROLE SOCIAL.pdf
“EXCLUSÃO SOCIAL” E CONTROLE SOCIAL.pdfEduardoNeto70
 
Slide sharemudança e aprendizagem
Slide sharemudança e aprendizagemSlide sharemudança e aprendizagem
Slide sharemudança e aprendizagemPOSEADUP
 
Atividade psicologia institucional e processo grupal cap 15
Atividade psicologia institucional e processo grupal   cap 15Atividade psicologia institucional e processo grupal   cap 15
Atividade psicologia institucional e processo grupal cap 15Natália Paz
 
A interacção geracional como estratégia de envelhecimento activo1
A interacção geracional como  estratégia de envelhecimento activo1A interacção geracional como  estratégia de envelhecimento activo1
A interacção geracional como estratégia de envelhecimento activo1Bruniiinha
 
AS REFORMAS DO ESTADO E DA EDUCAÇÃO BÁSICA IMPLEMENTADAS NO BRASIL NA DÉCADA ...
AS REFORMAS DO ESTADO E DA EDUCAÇÃO BÁSICA IMPLEMENTADAS NO BRASIL NA DÉCADA ...AS REFORMAS DO ESTADO E DA EDUCAÇÃO BÁSICA IMPLEMENTADAS NO BRASIL NA DÉCADA ...
AS REFORMAS DO ESTADO E DA EDUCAÇÃO BÁSICA IMPLEMENTADAS NO BRASIL NA DÉCADA ...amiltonp
 
Análise comportamental da cultura - parte 1
Análise comportamental da cultura - parte 1Análise comportamental da cultura - parte 1
Análise comportamental da cultura - parte 1Márcio Borges Moreira
 
Definição de sociologia
Definição de sociologia Definição de sociologia
Definição de sociologia Matheus Bolzan
 

Semelhante a Famílias (20)

Familia em mudança
Familia em mudançaFamilia em mudança
Familia em mudança
 
Mudança Social
Mudança SocialMudança Social
Mudança Social
 
Mudanças sociais
Mudanças sociaisMudanças sociais
Mudanças sociais
 
Sociologia 1
Sociologia 1Sociologia 1
Sociologia 1
 
Sociologia 1º ano fatores da mudança e da reprodução social-meta
 Sociologia 1º ano fatores da mudança e da reprodução social-meta Sociologia 1º ano fatores da mudança e da reprodução social-meta
Sociologia 1º ano fatores da mudança e da reprodução social-meta
 
Teria estruturalista1
Teria estruturalista1Teria estruturalista1
Teria estruturalista1
 
Teria estruturalista1
Teria estruturalista1Teria estruturalista1
Teria estruturalista1
 
Teria estruturalista2
Teria estruturalista2Teria estruturalista2
Teria estruturalista2
 
Desafios da sociologia geral em tempos de isolamento social em Moçambique.pdf
Desafios da sociologia geral em tempos de  isolamento social em Moçambique.pdfDesafios da sociologia geral em tempos de  isolamento social em Moçambique.pdf
Desafios da sociologia geral em tempos de isolamento social em Moçambique.pdf
 
Desafios da sociologia geral em tempos de isolamento social em Moçambique.docx
Desafios da sociologia geral em tempos de  isolamento social em Moçambique.docxDesafios da sociologia geral em tempos de  isolamento social em Moçambique.docx
Desafios da sociologia geral em tempos de isolamento social em Moçambique.docx
 
Sociologia
SociologiaSociologia
Sociologia
 
Resumo de Introdução a Sociologia
Resumo de Introdução a SociologiaResumo de Introdução a Sociologia
Resumo de Introdução a Sociologia
 
Socializacao controle social
Socializacao controle socialSocializacao controle social
Socializacao controle social
 
“EXCLUSÃO SOCIAL” E CONTROLE SOCIAL.pdf
“EXCLUSÃO SOCIAL” E CONTROLE SOCIAL.pdf“EXCLUSÃO SOCIAL” E CONTROLE SOCIAL.pdf
“EXCLUSÃO SOCIAL” E CONTROLE SOCIAL.pdf
 
Slide sharemudança e aprendizagem
Slide sharemudança e aprendizagemSlide sharemudança e aprendizagem
Slide sharemudança e aprendizagem
 
Atividade psicologia institucional e processo grupal cap 15
Atividade psicologia institucional e processo grupal   cap 15Atividade psicologia institucional e processo grupal   cap 15
Atividade psicologia institucional e processo grupal cap 15
 
A interacção geracional como estratégia de envelhecimento activo1
A interacção geracional como  estratégia de envelhecimento activo1A interacção geracional como  estratégia de envelhecimento activo1
A interacção geracional como estratégia de envelhecimento activo1
 
AS REFORMAS DO ESTADO E DA EDUCAÇÃO BÁSICA IMPLEMENTADAS NO BRASIL NA DÉCADA ...
AS REFORMAS DO ESTADO E DA EDUCAÇÃO BÁSICA IMPLEMENTADAS NO BRASIL NA DÉCADA ...AS REFORMAS DO ESTADO E DA EDUCAÇÃO BÁSICA IMPLEMENTADAS NO BRASIL NA DÉCADA ...
AS REFORMAS DO ESTADO E DA EDUCAÇÃO BÁSICA IMPLEMENTADAS NO BRASIL NA DÉCADA ...
 
Análise comportamental da cultura - parte 1
Análise comportamental da cultura - parte 1Análise comportamental da cultura - parte 1
Análise comportamental da cultura - parte 1
 
Definição de sociologia
Definição de sociologia Definição de sociologia
Definição de sociologia
 

Mais de Jorge Barbosa

Ideias em Debate sobre Educação Prioritária
Ideias em Debate sobre Educação PrioritáriaIdeias em Debate sobre Educação Prioritária
Ideias em Debate sobre Educação PrioritáriaJorge Barbosa
 
Assuntos para Debate na Educação
Assuntos para Debate na EducaçãoAssuntos para Debate na Educação
Assuntos para Debate na EducaçãoJorge Barbosa
 
Rapport cn num_education_oct14
Rapport cn num_education_oct14Rapport cn num_education_oct14
Rapport cn num_education_oct14Jorge Barbosa
 
Proposta Honesta e Concreta de Reestruturação da Dívida Portuguesa
Proposta Honesta e Concreta de Reestruturação da Dívida PortuguesaProposta Honesta e Concreta de Reestruturação da Dívida Portuguesa
Proposta Honesta e Concreta de Reestruturação da Dívida PortuguesaJorge Barbosa
 
Organização do Ano Letivo 2014/2015
Organização do Ano Letivo 2014/2015Organização do Ano Letivo 2014/2015
Organização do Ano Letivo 2014/2015Jorge Barbosa
 
Relatorio Educacao Especial
Relatorio Educacao EspecialRelatorio Educacao Especial
Relatorio Educacao EspecialJorge Barbosa
 
Sentimentos Acráticos, Empatia e Autoconsciência
Sentimentos Acráticos, Empatia e AutoconsciênciaSentimentos Acráticos, Empatia e Autoconsciência
Sentimentos Acráticos, Empatia e AutoconsciênciaJorge Barbosa
 
Afetos, Emoções e Conceitos Aparentados
Afetos, Emoções e Conceitos AparentadosAfetos, Emoções e Conceitos Aparentados
Afetos, Emoções e Conceitos AparentadosJorge Barbosa
 
regime de seleção, recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos b...
regime de seleção, recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos b...regime de seleção, recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos b...
regime de seleção, recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos b...Jorge Barbosa
 
Despacho Normativo 6/2014
Despacho Normativo 6/2014Despacho Normativo 6/2014
Despacho Normativo 6/2014Jorge Barbosa
 
guião reforma estado
guião reforma estadoguião reforma estado
guião reforma estadoJorge Barbosa
 
Revolução kantiana
Revolução kantianaRevolução kantiana
Revolução kantianaJorge Barbosa
 
O Teeteto de Platão e a Apologia de Sócrates
O Teeteto de Platão e a Apologia de SócratesO Teeteto de Platão e a Apologia de Sócrates
O Teeteto de Platão e a Apologia de SócratesJorge Barbosa
 
Estado Crítico da Democracia - Publicação recente
Estado Crítico da Democracia - Publicação recenteEstado Crítico da Democracia - Publicação recente
Estado Crítico da Democracia - Publicação recenteJorge Barbosa
 
Comunicacão associacões CSH ao MEC
Comunicacão associacões CSH ao MECComunicacão associacões CSH ao MEC
Comunicacão associacões CSH ao MECJorge Barbosa
 
Introdução a Espinosa
Introdução a EspinosaIntrodução a Espinosa
Introdução a EspinosaJorge Barbosa
 
Comunicacão do Presidente
Comunicacão do PresidenteComunicacão do Presidente
Comunicacão do PresidenteJorge Barbosa
 

Mais de Jorge Barbosa (20)

Ideias em Debate sobre Educação Prioritária
Ideias em Debate sobre Educação PrioritáriaIdeias em Debate sobre Educação Prioritária
Ideias em Debate sobre Educação Prioritária
 
Assuntos para Debate na Educação
Assuntos para Debate na EducaçãoAssuntos para Debate na Educação
Assuntos para Debate na Educação
 
Rapport cn num_education_oct14
Rapport cn num_education_oct14Rapport cn num_education_oct14
Rapport cn num_education_oct14
 
Proposta Honesta e Concreta de Reestruturação da Dívida Portuguesa
Proposta Honesta e Concreta de Reestruturação da Dívida PortuguesaProposta Honesta e Concreta de Reestruturação da Dívida Portuguesa
Proposta Honesta e Concreta de Reestruturação da Dívida Portuguesa
 
Organização do Ano Letivo 2014/2015
Organização do Ano Letivo 2014/2015Organização do Ano Letivo 2014/2015
Organização do Ano Letivo 2014/2015
 
Relatorio Educacao Especial
Relatorio Educacao EspecialRelatorio Educacao Especial
Relatorio Educacao Especial
 
Sentimentos Acráticos, Empatia e Autoconsciência
Sentimentos Acráticos, Empatia e AutoconsciênciaSentimentos Acráticos, Empatia e Autoconsciência
Sentimentos Acráticos, Empatia e Autoconsciência
 
Afetos, Emoções e Conceitos Aparentados
Afetos, Emoções e Conceitos AparentadosAfetos, Emoções e Conceitos Aparentados
Afetos, Emoções e Conceitos Aparentados
 
regime de seleção, recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos b...
regime de seleção, recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos b...regime de seleção, recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos b...
regime de seleção, recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos b...
 
Despacho Normativo 6/2014
Despacho Normativo 6/2014Despacho Normativo 6/2014
Despacho Normativo 6/2014
 
guião reforma estado
guião reforma estadoguião reforma estado
guião reforma estado
 
A Ética - Espinosa
A Ética - EspinosaA Ética - Espinosa
A Ética - Espinosa
 
A Cidade
A CidadeA Cidade
A Cidade
 
Velha do Postigo
Velha do PostigoVelha do Postigo
Velha do Postigo
 
Revolução kantiana
Revolução kantianaRevolução kantiana
Revolução kantiana
 
O Teeteto de Platão e a Apologia de Sócrates
O Teeteto de Platão e a Apologia de SócratesO Teeteto de Platão e a Apologia de Sócrates
O Teeteto de Platão e a Apologia de Sócrates
 
Estado Crítico da Democracia - Publicação recente
Estado Crítico da Democracia - Publicação recenteEstado Crítico da Democracia - Publicação recente
Estado Crítico da Democracia - Publicação recente
 
Comunicacão associacões CSH ao MEC
Comunicacão associacões CSH ao MECComunicacão associacões CSH ao MEC
Comunicacão associacões CSH ao MEC
 
Introdução a Espinosa
Introdução a EspinosaIntrodução a Espinosa
Introdução a Espinosa
 
Comunicacão do Presidente
Comunicacão do PresidenteComunicacão do Presidente
Comunicacão do Presidente
 

Último

Poema sobre o mosquito Aedes aegipyti -
Poema sobre o mosquito Aedes aegipyti  -Poema sobre o mosquito Aedes aegipyti  -
Poema sobre o mosquito Aedes aegipyti -Mary Alvarenga
 
AS REBELIÕES NA AMERICA IBERICA (Prof. Francisco Leite)
AS REBELIÕES NA AMERICA IBERICA (Prof. Francisco Leite)AS REBELIÕES NA AMERICA IBERICA (Prof. Francisco Leite)
AS REBELIÕES NA AMERICA IBERICA (Prof. Francisco Leite)profesfrancleite
 
Como fazer um Feedback Eficaz - Comitê de Gestores
Como fazer um Feedback Eficaz - Comitê de GestoresComo fazer um Feedback Eficaz - Comitê de Gestores
Como fazer um Feedback Eficaz - Comitê de GestoresEu Prefiro o Paraíso.
 
ARTE BARROCA E ROCOCO BRASILEIRO-min.pdf
ARTE BARROCA E ROCOCO BRASILEIRO-min.pdfARTE BARROCA E ROCOCO BRASILEIRO-min.pdf
ARTE BARROCA E ROCOCO BRASILEIRO-min.pdfItaloAtsoc
 
Termo de audiência de Mauro Cid na ìntegra
Termo de audiência de Mauro Cid na ìntegraTermo de audiência de Mauro Cid na ìntegra
Termo de audiência de Mauro Cid na ìntegrafernando846621
 
Ressonancia_magnetica_basica_slide_da_net.pptx
Ressonancia_magnetica_basica_slide_da_net.pptxRessonancia_magnetica_basica_slide_da_net.pptx
Ressonancia_magnetica_basica_slide_da_net.pptxPatriciaFarias81
 
Slides Lição 1, CPAD, O Início da Caminhada, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
Slides Lição 1, CPAD, O Início da Caminhada, 2Tr24, Pr Henrique.pptxSlides Lição 1, CPAD, O Início da Caminhada, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
Slides Lição 1, CPAD, O Início da Caminhada, 2Tr24, Pr Henrique.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
Trabalho DAC História 25 de Abril de 1974
Trabalho DAC História 25 de Abril de 1974Trabalho DAC História 25 de Abril de 1974
Trabalho DAC História 25 de Abril de 1974AnaRitaFreitas7
 
EBOOK LINGUAGEM GRATUITO EUDCAÇÃO INFANTIL.pdf
EBOOK LINGUAGEM GRATUITO EUDCAÇÃO INFANTIL.pdfEBOOK LINGUAGEM GRATUITO EUDCAÇÃO INFANTIL.pdf
EBOOK LINGUAGEM GRATUITO EUDCAÇÃO INFANTIL.pdfIBEE5
 
Apresentação sobrea dengue educação.pptx
Apresentação sobrea dengue educação.pptxApresentação sobrea dengue educação.pptx
Apresentação sobrea dengue educação.pptxtaloAugusto8
 
QUIZ - GEOGRAFIA - 8º ANO - FASES DO CAPITALISMO.pptx
QUIZ - GEOGRAFIA - 8º ANO - FASES DO CAPITALISMO.pptxQUIZ - GEOGRAFIA - 8º ANO - FASES DO CAPITALISMO.pptx
QUIZ - GEOGRAFIA - 8º ANO - FASES DO CAPITALISMO.pptxAntonioVieira539017
 
A CONCEPÇÃO FILO/SOCIOLÓGICA DE KARL MARX
A CONCEPÇÃO FILO/SOCIOLÓGICA DE KARL MARXA CONCEPÇÃO FILO/SOCIOLÓGICA DE KARL MARX
A CONCEPÇÃO FILO/SOCIOLÓGICA DE KARL MARXHisrelBlog
 
1. CIENCIAS-HUMANAS-GLOBALIZAÇÃO, TEMPO E ESPAÇO-V1.pdf
1. CIENCIAS-HUMANAS-GLOBALIZAÇÃO, TEMPO E ESPAÇO-V1.pdf1. CIENCIAS-HUMANAS-GLOBALIZAÇÃO, TEMPO E ESPAÇO-V1.pdf
1. CIENCIAS-HUMANAS-GLOBALIZAÇÃO, TEMPO E ESPAÇO-V1.pdfRitoneltonSouzaSanto
 
O-P-mais-importante.pptx de Maria Jesus Sousa
O-P-mais-importante.pptx de Maria Jesus SousaO-P-mais-importante.pptx de Maria Jesus Sousa
O-P-mais-importante.pptx de Maria Jesus SousaTeresaCosta92
 
A Congregação de Jesus e Maria, conhecida também como os Eudistas, foi fundad...
A Congregação de Jesus e Maria, conhecida também como os Eudistas, foi fundad...A Congregação de Jesus e Maria, conhecida também como os Eudistas, foi fundad...
A Congregação de Jesus e Maria, conhecida também como os Eudistas, foi fundad...Unidad de Espiritualidad Eudista
 
SEMIOSES DO OLHAR - SLIDE PARA ESTUDO 123
SEMIOSES DO OLHAR - SLIDE PARA ESTUDO 123SEMIOSES DO OLHAR - SLIDE PARA ESTUDO 123
SEMIOSES DO OLHAR - SLIDE PARA ESTUDO 123JaineCarolaineLima
 
Atividade de matemática para simulado de 2024
Atividade de matemática para simulado de 2024Atividade de matemática para simulado de 2024
Atividade de matemática para simulado de 2024gilmaraoliveira0612
 
FORMAÇÃO POVO BRASILEIRO atividade de história
FORMAÇÃO POVO BRASILEIRO atividade de históriaFORMAÇÃO POVO BRASILEIRO atividade de história
FORMAÇÃO POVO BRASILEIRO atividade de históriaBenigno Andrade Vieira
 
Caça palavras - BULLYING
Caça palavras  -  BULLYING  Caça palavras  -  BULLYING
Caça palavras - BULLYING Mary Alvarenga
 

Último (20)

Poema sobre o mosquito Aedes aegipyti -
Poema sobre o mosquito Aedes aegipyti  -Poema sobre o mosquito Aedes aegipyti  -
Poema sobre o mosquito Aedes aegipyti -
 
AS REBELIÕES NA AMERICA IBERICA (Prof. Francisco Leite)
AS REBELIÕES NA AMERICA IBERICA (Prof. Francisco Leite)AS REBELIÕES NA AMERICA IBERICA (Prof. Francisco Leite)
AS REBELIÕES NA AMERICA IBERICA (Prof. Francisco Leite)
 
Como fazer um Feedback Eficaz - Comitê de Gestores
Como fazer um Feedback Eficaz - Comitê de GestoresComo fazer um Feedback Eficaz - Comitê de Gestores
Como fazer um Feedback Eficaz - Comitê de Gestores
 
Abordagem 2. Análise temática (Severino, 2013)_PdfToPowerPoint.pdf
Abordagem 2. Análise temática (Severino, 2013)_PdfToPowerPoint.pdfAbordagem 2. Análise temática (Severino, 2013)_PdfToPowerPoint.pdf
Abordagem 2. Análise temática (Severino, 2013)_PdfToPowerPoint.pdf
 
ARTE BARROCA E ROCOCO BRASILEIRO-min.pdf
ARTE BARROCA E ROCOCO BRASILEIRO-min.pdfARTE BARROCA E ROCOCO BRASILEIRO-min.pdf
ARTE BARROCA E ROCOCO BRASILEIRO-min.pdf
 
Termo de audiência de Mauro Cid na ìntegra
Termo de audiência de Mauro Cid na ìntegraTermo de audiência de Mauro Cid na ìntegra
Termo de audiência de Mauro Cid na ìntegra
 
Ressonancia_magnetica_basica_slide_da_net.pptx
Ressonancia_magnetica_basica_slide_da_net.pptxRessonancia_magnetica_basica_slide_da_net.pptx
Ressonancia_magnetica_basica_slide_da_net.pptx
 
Slides Lição 1, CPAD, O Início da Caminhada, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
Slides Lição 1, CPAD, O Início da Caminhada, 2Tr24, Pr Henrique.pptxSlides Lição 1, CPAD, O Início da Caminhada, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
Slides Lição 1, CPAD, O Início da Caminhada, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
 
Trabalho DAC História 25 de Abril de 1974
Trabalho DAC História 25 de Abril de 1974Trabalho DAC História 25 de Abril de 1974
Trabalho DAC História 25 de Abril de 1974
 
EBOOK LINGUAGEM GRATUITO EUDCAÇÃO INFANTIL.pdf
EBOOK LINGUAGEM GRATUITO EUDCAÇÃO INFANTIL.pdfEBOOK LINGUAGEM GRATUITO EUDCAÇÃO INFANTIL.pdf
EBOOK LINGUAGEM GRATUITO EUDCAÇÃO INFANTIL.pdf
 
Apresentação sobrea dengue educação.pptx
Apresentação sobrea dengue educação.pptxApresentação sobrea dengue educação.pptx
Apresentação sobrea dengue educação.pptx
 
QUIZ - GEOGRAFIA - 8º ANO - FASES DO CAPITALISMO.pptx
QUIZ - GEOGRAFIA - 8º ANO - FASES DO CAPITALISMO.pptxQUIZ - GEOGRAFIA - 8º ANO - FASES DO CAPITALISMO.pptx
QUIZ - GEOGRAFIA - 8º ANO - FASES DO CAPITALISMO.pptx
 
A CONCEPÇÃO FILO/SOCIOLÓGICA DE KARL MARX
A CONCEPÇÃO FILO/SOCIOLÓGICA DE KARL MARXA CONCEPÇÃO FILO/SOCIOLÓGICA DE KARL MARX
A CONCEPÇÃO FILO/SOCIOLÓGICA DE KARL MARX
 
1. CIENCIAS-HUMANAS-GLOBALIZAÇÃO, TEMPO E ESPAÇO-V1.pdf
1. CIENCIAS-HUMANAS-GLOBALIZAÇÃO, TEMPO E ESPAÇO-V1.pdf1. CIENCIAS-HUMANAS-GLOBALIZAÇÃO, TEMPO E ESPAÇO-V1.pdf
1. CIENCIAS-HUMANAS-GLOBALIZAÇÃO, TEMPO E ESPAÇO-V1.pdf
 
O-P-mais-importante.pptx de Maria Jesus Sousa
O-P-mais-importante.pptx de Maria Jesus SousaO-P-mais-importante.pptx de Maria Jesus Sousa
O-P-mais-importante.pptx de Maria Jesus Sousa
 
A Congregação de Jesus e Maria, conhecida também como os Eudistas, foi fundad...
A Congregação de Jesus e Maria, conhecida também como os Eudistas, foi fundad...A Congregação de Jesus e Maria, conhecida também como os Eudistas, foi fundad...
A Congregação de Jesus e Maria, conhecida também como os Eudistas, foi fundad...
 
SEMIOSES DO OLHAR - SLIDE PARA ESTUDO 123
SEMIOSES DO OLHAR - SLIDE PARA ESTUDO 123SEMIOSES DO OLHAR - SLIDE PARA ESTUDO 123
SEMIOSES DO OLHAR - SLIDE PARA ESTUDO 123
 
Atividade de matemática para simulado de 2024
Atividade de matemática para simulado de 2024Atividade de matemática para simulado de 2024
Atividade de matemática para simulado de 2024
 
FORMAÇÃO POVO BRASILEIRO atividade de história
FORMAÇÃO POVO BRASILEIRO atividade de históriaFORMAÇÃO POVO BRASILEIRO atividade de história
FORMAÇÃO POVO BRASILEIRO atividade de história
 
Caça palavras - BULLYING
Caça palavras  -  BULLYING  Caça palavras  -  BULLYING
Caça palavras - BULLYING
 

Famílias

  • 1. Jorge Nunes Barbosa FAMÍLIAS PSICOLOGIA E SOCIOLOGIA  iBooks Author
  • 2. Capítulo 1 REPRODUÇÃO SOCIAL A mudança é um fenómeno extremamente complexo e que levanta especiais dificuldades quanto à sua observação, interpretação e compreensão. Tal deve-se, em grande medida, ao facto de a mudança não ser um processo contínuo e ininterrupto, mas, ao contrário, feito de sobressaltos e rupturas que se sucedem a ritmos mais ou menos espaçados ao longo da História.  iBooks Author
  • 3. Jorge Barbosa vés do processo de socialização e adquirem uma função nor- Psicologia e Sociologia mativa e reguladora dos seus comportamentos, o que permite a reprodução da estrutura social. Deste modo, a família e a 2 de Fevereiro de 2012 escola (instituições a abordar mais profundamente dentro em Reprodução e Mudança Social breve) surgem como dois dos principais agentes da reprodu- ção social. 1. A Reprodução Social Na sequência do que foi dito sobre o papel das instituições so- ciais na organização da vida das sociedades, analisemos ago- 2. A Mudança Social ra um aspecto indissociável do anterior: o processo de repro- Em geral diz-se que estamos em presença de uma mudança dução social. social sempre que se transformam as estruturas básicas de O processo de reprodução so- um grupo social ou da sociedade. Deste modo, o conceito de cial apresenta-se como o pro- mudança social acentua o carácter instável, dinâmico e aber- duto do jogo incessante entre to à transformação da ordem social existente. a estrutura social e a ac- A mudança é um fenómeno extremamente complexo e que ção social, ou um conjunto levanta especiais dificuldades quanto à sua observação, inter- de disposições permanentes - pretação e compreensão. Tal deve-se, em grande medida, ao o habitus, na expressão do soci- facto de a mudança não ser um processo contínuo e ininter- ólogo francês Pierre Bourdieu rupto, mas, ao contrário, feito de sobressaltos e rupturas que - que assegura a conservação se sucedem a ritmos mais ou menos espaçados ao longo da do modelo de sociedade existente, sem impedir a sua modifi- História. cação (controlada) através das acções individuais. Segundo Guy Rocher, há mudança social quando o fenóme- Dissemos já que as instituições sociais assumem um pa- no em causa apresenta as seguintes quatro características: pel fundamental neste processo de reprodução social, ou seja, ๏ É colectivo, afectando as formas de pensar e de agir do na manutenção da ordem social. todo ou de uma parte considerável da sociedade; Com efeito, tais instituições, enquanto práticas duradouras ๏ É estrutural, modificando a totalidade ou partes da orga- no tempo e partilhadas pela generalidade dos membros de nização social; uma determinada sociedade, são por estes interiorizadas atra- 2  iBooks Author
  • 4. ๏ É comparável com uma situação de referência situada Ora, na origem dos fenómenos de transformação social es- no passado, permitindo apreciar as mudanças verifica- tão, normalmente, vários factores que actuam de forma in- das desde então até à situação do presente; ter-relacionada. Isto implica que dificilmente se pode isolar ๏ É durável, distinguindo-se dos epifenómenos instantâ- um desses factores, tomando-o como a única causa explicati- neos ou efémeros va da mudança, e que a compreensão dessa mudança deve ser encontrada através da combinação de diversos mecanis- Dando seguimento a esta caracterização, o mesmo autor defi- mos. ne assim o conceito sociológico de mudança social: é “toda a transformação observável no tempo, que afecta, de uma ma- Tais factores podem provocar a mudança a partir quer do in- neira que não seja provisória ou efémera, a estrutura ou o terior do sistema social (factores endógenos), quer do seu exte- funcionamento da organização social duma dada colectivida- rior (factores exógenos). No primeiro grupo, encontramos de e modifica o curso da sua história”. aqueles factores que fazem parte do próprio funcionamento da vida social, caso dos conflitos que se estabelecem entre in- divíduos ou grupos (greves, manifestações, etc.). O segundo grupo remete para factores que, vindo de fora do sistema soci- al, nele introduzem mudanças (uma descoberta científica, por ESTRUTURA SOCIAL REPRODUÇÃO SOCIAL exemplo). Já quanto à natureza dos factores de mudança, é possível divi- di-los em três categorias (que se podem interligar): económi- MUDANÇA SOCIAL ACÇÃO SOCIAL cos, políticos e culturais. Colectiva Factores Natureza ๏ Ao nível económico são de destacar as mudanças ocorri- das na sociedade em virtude quer das descobertas cientí- Estrutural ficas quer das inovações tecnológicas, originadas pelas Endógenos Económica Comparável necessidades de crescimento do capitalismo industrial. Exógenos Política Por exemplo, a invenção da máquina a vapor, no passa- Durável do (que despoletou a Revolução Industrial), e da infor- Cultural mática, em meados do século XX, foram dois aconteci- mentos que originaram o aumento da produção e da ri- queza, ao mesmo tempo que tiveram enormes impactos 3  iBooks Author
  • 5. em todas as dimensões da actividade social, desde a fa- mília ao trabalho. ๏ Ao nível político, as decisões tomadas pelos líderes dos Estados com vista à expansão territorial e ao aumento da riqueza não deixam de afectar, positiva ou negativa- mente, a vida das populações, induzindo mudanças soci- ais. A guerra que os Estados Unidos da América promo- veram no Vietname, na década de 1960, suscitou enor- mes protestos da opinião pública americana, a forma- ção de diversos movimentos sociais antiguerra e, em últi- ma análise, a difusão de uma consciência pacifista que ainda hoje se manifesta (veja-se o caso recente da guerra no Iraque). ๏ Por fim, ao nível cultural, o desenvolvimento da ciência e do pensamento racional, a par da ruptura com as per- cepções morais e religiosas do passado, mudou o modo como pensamos e possibilitou a difusão de atitudes críti- cas e inovadoras. Também no conteúdo do pensamento se registaram transformações, patentes na incorporação e difusão de ideias novas como a liberdade, a igualdade e a participação democrática. Estas ideias inspiraram, por seu lado, algumas das mais significativas mudanças polí- ticas e sociais da história, caso das revoluções. 4  iBooks Author
  • 6. Capítulo 2 A FAMÍLIA Ao longo das últimas décadas, Portugal e outros países ocidentais passaram por mudanças nos padrões familiares, que seriam inimagináveis para gerações anteriores.  iBooks Author
  • 7. A família No entanto, não foi só a família e a composição do agregado familiar que sofreram alterações. A mudança nas expectati- vas criadas pelas pessoas nas suas relações com os outros foi 1. O Conceito de Família igualmente importante. O termo “relações”, aplicado à vida pessoal, generalizou-se na linguagem corrente há cerca de A mudança é um dos temas centrais da Sociologia. Vivemos vinte ou trinta anos, bem como a ideia que existe uma neces- num mundo turbulento, difícil e estranho. Quer o queiramos sidade de “intimidade” e “compromisso” na vida pessoal. ou não, temos de aceitar a mistura de oportunidades e riscos Nos tempos recentes, uma relação é algo de activo - algo em que este mundo nos oferece. Esta observação é particular- que temos de nos empenhar. Para perdurar no tempo, uma mente relevante quando falamos da nossa vida pessoal e emo- relação depende da confiança entre as pessoas. A maioria dos cional. relacionamentos sexuais são hoje em dia vividos nesses ter- Ao longo das últimas décadas, Portugal e outros países oci- mos, tal como o casamento. As relações dependem cada vez dentais passaram por mudanças nos padrões familiares, que mais da colaboração e comunicação entre os participantes. A seriam inimagináveis para gerações anteriores. A grande di- comunicação emocional tornou-se central não só no relacio- versidade de famílias e formas de agregados familiares tor- namento que envolve relações sexuais, mas também nas ami- nou-se um traço distintivo da época actual. As pessoas têm zades e nas interacções entre menos probabilidade de se virem a casar do que no passado, pais e filhos. e fazem-no numa idade mais tardia. O índice de divórcios su- As transformações menciona- biu significativamente, contribuindo para o crescimento de das não se limitam aos países famílias monoparentais. Constituem-se famílias “recompos- industrializados. Os proces- tas” através de segundos casamentos, ou através de novas rela- sos descritos têm vindo a ter ções que envolvem filhos de relações anteriores. As pessoas lugar - embora de forma desi- optam cada vez mais por viverem juntas em coabitação antes gual - em outras sociedades. do casamento, ou em alternativa ao casamento. Em resumo, A sociedade chinesa ilustra o mundo familiar é hoje muito diferente do que o era há cin- claramente a natureza contra- quenta anos. Apesar das instituições do casamento e da famí- ditória da mudança na esfera familiar. O índice de divórcios lia ainda existirem e serem importantes nas nossas vidas, o na China permanece baixo, quando comparado com os paí- seu carácter mudou radicalmente. ses ocidentais, embora tenha vindo a aumentar rapidamente - tal como noutras sociedades asiáticas desenvolvidas. Nas so- 6  iBooks Author
  • 8. ciedades chinesas, o divórcio e a coabitação são cada vez 2. Conceitos Elementares mais frequentes. Estes factos fizeram com que o Estado pen- Em primeiro lugar, é necessário definir alguns conceitos bási- sasse em dificultar a obtenção do divórcio. A legislação actual cos, em particular os de família, parentesco e casamento. sobre o casamento, que data dos anos sessenta, é bastante li- beral. O casamento é visto como um contrato de trabalho Uma família é um grupo de pessoas unidas directamente que pode ser dissolvido “quando ambos os parceiros o deseja- por laços de parentesco, no qual os adultos assumem a res- rem”. Mesmo que uma das partes tenha objecções, o divór- ponsabilidade de cuidar das crianças. cio pode ser concedido quando o “afecto mútuo” já não exis- Os laços de parentesco são relações entre indivíduos estabe- te entre o casal. Após duas semanas de espera e o pagamento lecidas através do casamento ou por meio de linhas de descen- de uma pequena taxa administrativa, o casal torna-se inde- dência que ligam familiares consanguíneos (mães, pais, filhos pendente. e filhas, avós, etc.). Existe um grande debate na China sobre a defesa dos pa- O casamento pode ser definido como uma união sexual en- drões familiares “tradicionais”, como os ainda vigentes nas tre dois indivíduos adultos, reconhecida e aprovada social- zonas rurais. Apesar de políticas oficiais governamentais te- mente. Quando duas pessoas se casam, tornam-se parentes; rem limitado a natalidade a um ou dois filhos por casal, o ca- contudo, o casamento une também um número mais vasto de samento e a vida familiar continuam a ser muito mais tradici- pessoas que se tornam paren- onais nas zonas rurais do que nas áreas urbanas. O casamen- tes. Pais, irmãos e outros fa- to é um arranjo entre duas famílias, mais dependente dos miliares de sangue tornam-se pais do que do consentimento dos indivíduos envolvidos. Em parentes do outro cônjuge algumas províncias, aproximadamente 60% dos casamentos através do casamento. ainda são organizados pelos pais. Há, no entanto, um aspecto irónico acarretado pela história da modernização chinesa. A maior parte dos divórcios que ocorrem nas zonas urbanas chi- As relações familiares são nesas dá-se entre indivíduos casados segundo a tradição ru- sempre reconhecidas dentro ral, e na zona rural os divórcios são extremamente raros, en- de grupos de parentesco mais tre pessoas casadas segundo essa mesma tradição. amplos. Em praticamente todas as sociedades podemos identi- ficar aquilo que os sociólogos e os antropólogos designaram como família nuclear, ou seja, dois adultos vivendo juntos num mesmo agregado com os seus filhos biológicos ou adop- 7  iBooks Author
  • 9. tados. Na maioria das sociedades tradicionais, a família nucle- ar estava inserida em redes de parentesco mais amplas. Quan- do outro parente, além do casal e dos filhos, vive na mesma casa ou está em contacto próximo e contínuo com eles, fala- mos de família extensa. Uma família extensa pode ser defi- nida como um grupo de três ou mais gerações que vivem na mesma habitação ou muito próximas umas das outras. Pode incluir avós, irmãos e as suas mulheres, irmãs e os seus mari- dos, tias, tios, sobrinhas e sobrinhos. Nas sociedades ocidentais, o casamento e, por conseguinte, a família, está associado à monogamia. É ilegal que um ho- mem ou uma mulher sejam casados com mais de um indiví- duo simultaneamente. Contudo, esta situação não se verifica em todo o mundo. Numa famosa comparação, que envolvia várias centenas de sociedades em meados do século XIX, George Murdock descobriu que a poligamia - que permitia que um homem ou uma mulher tivessem mais do que um cônjuge - era permitida em mais de 80 por cento delas. Exis- tem dois tipos de poligamia: ๏ A poliginia, na qual um homem pode ser casado com mais do que uma mulher ao mesmo tempo; ๏ A poliandria, muito menos comum, na qual uma mulher pode ter simultaneamente dois ou mais maridos. 8  iBooks Author
  • 10. Capítulo 3 A DIVERSIDADE DA FAMÍLIA Ao usarmos o termo “famílias”, sublinhamos a diversidade das formas familiares. Embora o termo “família” possa ser usado mais facilmente, é vital lembrarmo-nos da grande variedade que este abrange.  iBooks Author
  • 11. A Diversidade da Família Muitas das perspectivas adoptadas ainda há poucas décadas Muitos sociólogos consideram que não podemos falar de “fa- parecem agora muito menos convincentes, tendo em conta as mília”, como se existisse um modelo de vida familiar mais ou pesquisas mais recentes e as mudanças importantes que ocor- menos universal. A predominância da família nuclear tradici- reram no mundo social. Não obstante, é pertinente traçar bre- onal foi sofrendo uma erosão pronunciada ao longo da segun- vemente a evolução do pensamento sociológico, antes de ana- da metade do século XX, como veremos ao longo deste capí- lisarmos as abordagens contemporâneas no estudo da famí- tulo. Menos de um quarto (25%) dos agregados familiares na lia. Grã-Bretanha, por exemplo, estão conformes com o modelo tradicional de família. Existem também diferenças vincadas 1.1. A abordagem Funcionalista nos padrões familiares entre os grupos étnicos minoritários. A perspectiva funcionalista vê a sociedade como um conjun- Por exemplo, os agregados familiares de origem asiática são to de instituições sociais que desempenham funções específi- muitas vezes compostos por algo mais do que uma família cas, assegurando a continuidade e o consenso do todo social. com filhos, enquanto as comunidades negras são caracteriza- De acordo com esta perspectiva, a família desempenha fun- das pela existência de um grande número de famílias mono- ções importantes que contribuem para satisfazer as necessida- parentais. des básicas da sociedade e para a reprodução da ordem soci- Por estas razões, parece mais apropriado falar-se de “famíli- al. Os sociólogos que trabalham na tradição funcionalista re- as”. Ao usarmos o termo “famílias”, sublinhamos a diversida- conhecem que a família nuclear desempenha determinados de das formas familiares. Embora o termo “família” possa ser papeis especializados nas sociedades modernas. Com o adven- usado mais facilmente, é vital lembrarmo-nos da grande vari- to da industrialização, a família tornou-se menos importante edade que este abrange. enquanto unidade de produção económica, acentuando o seu papel na reprodução, procriação e socialização. Perspectivas Teóricas sobre a Família Segundo o sociólogo Talcott Parsons, as duas grandes fun- O estudo da família e da vida familiar tem sido conduzido de ções desempenhadas pela família são: a socialização primária e modo diferente por sociólogos com posições contrastantes. a estabilização da personalidade. A socialização primária é o 10  iBooks Author
  • 12. processo através do qual a criança apreende as normas cultu- Na época actual, a visão que Parsons apresenta da família sur- rais da sociedade onde nasce. Em virtude desta aprendiza- ge como inadequada e datada no tempo. As teorias funciona- gem, ocorrido nos primeiros anos de vida da criança, a famí- listas da família foram alvo de duras críticas pela sua justifica- lia é a mais importante “arena” para o desenvolvimento da ção da divisão do trabalho entre homens e mulheres no espa- personalidade humana. Por estabilização da personali- ço doméstico, como sendo algo de natural e consensual. No dade entende o papel desempenhado pela família na assistên- entanto, estas teorias tornam-se mais compreensíveis se fo- cia emocional aos membros adultos da família. O casamento rem vistas à luz do contexto histórico em que emergiram. Os entre homens e mulheres adultos é o dispositivo, através do anos imediatos do pós-guerra presenciaram o regresso das qual a personalidade dos adultos é suportada e mantida a um mulheres aos seus papeis domésticos tradicionais, e o retomar nível saudável. Afirma-se que o papel da família na estabiliza- pelos homens da sua posição de único “ganha-pão” da famí- ção das personalidades adultas na sociedade industrial é de lia. Contudo, podemos criticar a visão funcionalista da famí- importância crucial. Tal sucede porque a família nuclear está lia noutros aspectos. Ao enfatizar a importância da família no geralmente distanciada dos parentes extensos, tornando-se in- desempenho de determinadas funções, Parsons negligencia o capaz de manter laços de parentesco mais amplos, como ocor- papel activo de outras instituições sociais, como o governo, os ria antes da industrialização. meios de comunicação social e as escolas, na socialização da Para Parsons, a família nuclear era a unidade mais bem equi- criança. A abordagem funcionalista omite as variações nas pada para suportar as imposições da sociedade industrial. Na formas familiares, que não correspondem ao modelo da famí- “família convencional” um dos adultos pode trabalhar fora lia nuclear. As famílias que não se encaixavam no modelo de casa, enquanto o segundo toma conta da casa e das crian- “ideal” da família branca, de classe média dos subúrbios, ças. Em termos práticos, esta especialização dos papeis na fa- eram vistas como desviantes. mília nuclear envolveu, por um lado, a atribuição ao marido do papel “instrumental” de “ganha-pão”, e por outro lado a 1.2. Abordagens Feministas aceitação, por parte da esposa, do papel emocional e “afecti- Para muitas pessoas, a família proporciona uma fonte vital de vo” desempenhado no espaço doméstico. consolo e conforto, amor e companheirismo. No entanto, 11  iBooks Author
  • 13. também pode ser um lugar de exploração, solidão e profunda Os trabalhos feministas enfatizaram um vasto espectro de tó- desigualdade. O movimento feminista teve um grande impac- picos, mas três grandes temáticas são de particular importân- to na sociologia ao contestar a visão da família como um es- cia. paço harmonioso e igualitário. Uma das primeiras vozes “dis- Uma das preocupações centrais é a divisão doméstica do trabalho sonantes” foi, em 1965, a da feminista americana Betty Frei- - a forma como as tarefas são distribuídas entre os membros dan, que escreveu sobre o “problema sem nome” - o isola- do agregado familiar. Entre feministas existem opiniões diver- mento e o aborrecimento que atingiam muitas donas de casa gentes sobre a emergência histórica desta divisão. Enquanto dos subúrbios norte-americanos, ao serem relegadas para um algumas feministas consideram que se trata de uma conse- ciclo interminável de criação de filhos e trabalho doméstico. quência do capitalismo industrial, outras reclamam a sua liga- Durante as décadas de 70 e 80, as perspectivas feministas do- ção ao patriarcado que antecedeu a industrialização. Existem minaram grande parte dos debates e pesquisas sobre a famí- razões para acreditar que a divisão doméstica do trabalho já lia. Se previamente a sociologia da família havia focado as es- existia antes da industrialização, mas parece claro que a pro- truturas familiares, o desenvolvimento histórico da família nu- dução capitalista originou uma distinção definitiva entre os clear e extensa, bem como a importância dos laços de paren- espaços doméstico e de trabalho. Este processo resultou na tesco, o feminismo teve êxito ao dirigir a sua atenção para o cristalização de “espaços masculinos” e “espaços femininos”, interior das famílias, examinando as experiências das mulhe- e em relações de poder que ainda hoje se fazem sentir. Até res no espaço doméstico. Muitas escritoras feministas questio- muito recentemente o modelo do ganha-pão masculino esta- naram a visão da família como unidade cooperativa baseada va muito difundido nas sociedades industrializadas. em interesses comuns e no suporte mútuo. Tentaram mostrar As sociólogas feministas conduziram estudos sobre a forma como a presença desigual de poder no interior das relações como as tarefas domésticas, a criação dos filhos e o trabalho familiares significa que determinados membros da família ten- de casa, são partilhadas entre homens e mulheres. Investiga- dem a beneficiar mais do que outros. ram a validade de afirmações como a relativa à existência da “família simétrica”, segundo a qual, ao longo dos tempos, as famílias têm-se tornado cada vez mais igualitárias na distribu- 12  iBooks Author
  • 14. ição de funções e responsabilidades. As conclusões compro- nistas procuraram compreender como a família se torna uma vam que as mulheres continuam a carregar uma maior res- “arena” para a opressão de género e para o abuso físico. ponsabilidade nas tarefas domésticas, possuindo menos tem- O estudo das actividades assistenciais é uma terceira área onde po de lazer do que os homens, apesar de um número cada os estudos feministas representaram um importante contribu- vez maior de mulheres trabalharem num emprego pago fora to. Esta é um espaço amplo que abrange uma enorme varie- de casa. dade de processos, desde a assistência a um membro da famí- Seguindo uma temática semelhante, alguns sociólogos têm lia que está doente, até tomar conta de um parente idoso du- vindo a examinar os ambientes contrastantes de trabalho rante um longo período de tempo. Por vezes, tomar conta de pago e do não pago, focando a sua atenção na contribuição alguém significa apenas estar preocupado com o bem-estar do trabalho doméstico não pago das mulheres para a econo- psicológico de outra pessoa - algumas autoras feministas têm- mia em geral. Outros têm investigado a forma como os recur- se interessado pelo “trabalho emocional” no seio das rela- sos são distribuídos entre os membros da família, e os pa- ções. As mulheres tendem não só a encarregar-se de tarefas drões de acesso às finanças do agregado e o seu controlo. concretas como a limpeza e a criação dos filhos, como tam- Em segundo lugar, as feministas têm chamado a atenção para bém investem uma grande quantidade de trabalho emocional as relações de poder desiguais existentes num grande número de na manutenção das relações pessoais. Embora as actividades famílias. Em resultado desta situação, um tópico tem mereci- assistenciais se baseiem no amor e em emoções profundas, es- do uma maior atenção, o fenómeno da violência doméstica. tas também são uma forma de trabalho, que exige capacida- O “espancamento da esposa”, a violação conjugal, o incesto de para ouvir, perceber, negociar e agir criativamente. e o abuso sexual das crianças têm recebido mais atenção pú- blica como resultado das reivindicações feministas que argu- 1.3. Novas Perspectivas na Sociologia da Família mentam que os aspectos violentos e abusivos da vida familiar Os estudos teóricos e empíricos conduzidos a partir da pers- têm continuamente sido ignorados nos contextos académico pectiva feminista, durante as últimas décadas, têm gerado um e legal, bem como nos círculos políticos. As sociólogas femi- aumento do interesse pela família entre os académicos e a po- pulação em geral. Termos como o “segundo turno” - que se 13  iBooks Author
  • 15. refere ao papel duplo da mulher, em casa e no trabalho - en- traram na linguagem corrente. No entanto, em virtude de os Beck e Beck-Gernsheim estudos feministas da família focarem frequentemente temas Em The Normal Chaos of Love (1995), Ulrich e Elisabeth Beck- específicos do âmbito doméstico, nem sempre reflectem as Gernsheim examinam a natureza tumultuosa das relações grandes mudanças e influências que têm lugar fora desse con- pessoais, os casamentos e padrões de família num mundo em texto. rápida mudança. Os autores argumentam que as tradições, Na última década do século XX emergiu um importante cor- regras e linhas de orientação que governavam as relações pes- po de literatura sociológica da família que se apoia nas pers- soais já não se aplicam, e que os indivíduos sãõ actualmente pectivas feministas, mas que não se baseia estritamente nelas. confrontados com uma série interminável de escolhas, que fa- A preocupação central incide sobre as grandes transforma- zem parte do processo de construção, ajustamento e melhora- ções que têm vindo a ocorrer nas formas de família - a forma- mento, ou dissolução, das uniões que formam com os outros. ção e a dissolução das famílias e lares, e a evolução das expec- O facto de os casamentos serem actualmente uniões voluntári- tativas individuais no seio das relações. O crescimento do di- as e não relacionamentos que obedecem a motivos económi- vórcio e dos agregados monoparentais, a emergência das “fa- cos ou que são impostos pelas famílias, acarreta tanto novas mílias recompostas”, as famílias gay e a popularidade da coa- liberdades como novos constrangimentos, exigindo um gran- bitação são algumas das temáticas que geram interesse. No de empenho em termos de esforço e dedicação. entanto, estas transformações não podem ser compreendidas Para Beck e Beck-Gernsheim a nossa época esta repleta de se as separarmos das grandes mudanças que ocorreram na interesses conflituosos entre a família, o trabalho, o amor e a nossa época de modernidade tardia. Para podermos compre- liberdade para prosseguir objectivos individuais. A colisão é ender a relação entre as transformações pessoais e os padrões sentida de uma forma mais incisiva nas relações pessoais, par- de transformação global, temos de prestar atenção às mudan- ticularmente quando existem duas “biografias de mercado de ças que ocorrem ao nível da organização da sociedade e in- trabalho” em vez de uma. Os autores querem dizer com esta clusivamente a nível global. Uma das mais importantes con- expressão que, além dos homens um número crescente de mu- tribuições para este grupo de obras é a da equipa formada lheres tem carreiras profissionais no decurso das suas vidas. pelo casal Ulrich Beck e Elisabeth Beck-Gernsheim. 14  iBooks Author
  • 16. Outrora existia uma maior tendência por parte das mulheres grande procura de tratamentos de fertilidade. Poucas pessoas para trabalhar a tempo parcial fora de casa, ou retirar um podem desejar casar-se, mas o desejo de viver com outra pes- tempo significativo às suas carreiras para o dedicar à criação soa e fazer parte de um casal continua certamente firme. O dos filhos. Estes padrões são, hoje em dia, menos fixos do que que é que poderá explicar estas tendências opostas? antigamente; tanto os homens como as mulheres dão hoje De acordo com estes autores a resposta é muito simples: o uma importância enorme às suas necessidades pessoais e pro- amor. Beck e Beck-Gernsheim argumentam que a “batalha fissionais. Os autores concluem que as relações na nossa épo- dos sexos” a que se assiste hoje em dia é o mais claro indica- ca moderna são, por assim dizer, muito mais do que relações. dor da “sede de amor” sentida pelas pessoas. As pessoas ca- Não só o amor, o sexo, os filhos, o casamento e os deveres do- sam-se por causa do amor e divorciam-se por causa do amor; mésticos são tópicos de negociação nas relações, mas também as pessoas empenham-se num interminável ciclo de esperan- o são os tópicos que têm a ver com o trabalho, a política, a ça, arrependimento e novas tentativas. Enquanto por um economia, as profissões, e a desigualdade. Os casais moder- lado as tensões entre homens e mulheres tendem a aumentar, nos enfrentam um conjunto variado de problemas, que vão por outro lado permanece uma grande fé e esperança na pos- dos mais mundanos aos mais profundos. sibilidade de encontrar um grande amor que conduza a uma Sendo assim, talvez não seja surpreendente que o antagonis- maior realização pessoal. mo entre homens e mulheres se encontre em crescimento. Os Pode pensar-se que o “amor” é uma resposta muito simplista autores defendem que a “batalha entre os sexos” é o “drama para responder às complexidades da época actual. Mas os au- central dos nossos tempos”, como o mostram o crescimento tores argumentam que é precisamente por o nosso mundo se da indústria de aconselhamento matrimonial, os tribunais de ter tornado tão opressivo, impessoal, abstracto e em mudan- família, os grupos de auto-ajuda marital, e os índices de divór- ça constante, que o amor se tornou cada vez mais importan- cio. Todavia, embora o casamento e a vida familiar pareçam te. De acordo com estes autores, o amor é o único lugar onde muito mais débeis do que antigamente, ainda são muito im- as pessoas podem verdadeiramente encontrar-se e ligar-se a portantes para as pessoas. Os divórcios são cada vez mais co- outros. Num mundo de incerteza e risco como o nosso, o muns, mas os índices de novos casamentos são elevados. A amor é algo bem real. É uma força poderosa que obedece às taxa de natalidade pode estar em declínio, mas existe uma 15  iBooks Author
  • 17. suas próprias regras e que inscreve as suas mensagens nas ex- pectativas, ansiedades e padrões de comportamento das pes- soas. No nosso mundo flutuante, o amor tornou-se uma nova fonte de fé, mas também de insatisfação. 16  iBooks Author
  • 18. Capítulo 4 CASAMENTO E DIVÓRCIO As pessoas que tenham sido divorciadas podem colocar mais expectativas no casamento do que as que se casam pela primeira vez. Assim, podem igualmente ter uma propensão maior para dissolver os novos casamentos do que aquelas que só casaram uma vez. Possivelmente, os segundos casamentos que perduram são, de uma forma geral, mais satisfatórios do que os primeiros.  iBooks Author
  • 19. Casamento e Divórcio tugal, um pouco mais tarde, seguiram o exemplo, embora com variações de pormenor. Estarão Beck e Beck-Gernsheim certos ao dizerem que o an- Obviamente, as crescentes taxas de divórcio não são um índi- tagonismo entre homens e mulheres é o “drama central dos ce directo de infelicidade conjugal. Por um lado, as taxas de nossos tempos”? As estatísticas de casamento e divórcio dão divórcio não incluem as pessoas que se separam, mas não es- algum suporte a esta tese. O aumento das taxas de divórcio tão legalmente divorciadas. Além disso, pessoas infelizes no tem sido uma das tendências mais importantes que influenci- casamento podem preferir manter-se juntas - porque acredi- ou os padrões familiares em muitas sociedades industrializa- tam na santidade do matrimónio, porque se preocupam com das. as consequências financeiras e económicas da separação, ou ainda por preferirem ficar juntas para proporcionar aos filhos Durante muito tempo, o casamento foi considerado no Oci- um lar “familiar”. A infelicidade conjugal será, portanto, mui- dente como praticamente indissolúvel. O divórcio era apenas to superior ao que as taxas de divórcio poderão significar. concedido em casos muito especiais, como a não consumação do casamento. Num ou noutro país industrializado, o divór- Por que razão se estará a tonar o divórcio cada vez mais co- cio não é ainda reconhecido, mas trata-se hoje em dia de mum? Há vários factores envolvidos, que têm a ver com mu- exemplos isolados. A maioria dos países optou rapidamente danças sociais mais amplas. Excepto para uma pequena pro- por facilitar o divórcio. Os chamados divórcios litigiosos eram porção de pessoas ricas, o casamento, hoje em dia, já não característicos de praticamente todos os países industrializa- está relacionado com desejo de perpetuar a propriedade e a dos. Sob este sistema, para ser permitido o divórcio era neces- posição social de geração em geração. À medida que as mu- sário que um dos esposos apresentasse queixa (maus-tratos, lheres se vão tornando economicamente mais independentes, abandono ou adultério, por exemplo) contra o outro. As pri- o casamento deixa de ser uma necessidade económica para meiras leis de divórcio por comum acordo foram introduzi- os cônjuges como acontecia outrora. Uma maior prosperida- das em alguns países em meados década de sessenta do sécu- de global significa que é mais fácil hoje em dia estabelece- lo XX. Desde então, muitos países ocidentais, incluindo Por- rem-se residências autónomas, em caso de separação conju- gal, do que antigamente. O facto de o divórcio não ser hoje 18  iBooks Author
  • 20. um grande factor de estigma é em parte o resultado de tudo Giddens, 2010). O estado monoparental tende a ser transitó- isto, mas também lhe dá impulso. Um outro factor importan- rio, e as suas fronteiras são bastante fluidas. Existem múlti- te é a tendência crescente para avaliar o casamento em ter- plos caminhos que conduzem ao estado monoparental, e ou- mos da satisfação pessoal que possa oferecer. As taxas crescen- tros tantos que conduzem à saída deste mesmo estado. tes de divórcio não parecem indicar uma profunda insatisfa- Entre as famílias monoparentais, a categoria que cresce mais ção com o casamento propriamente dito, mas uma determi- rapidamente é a de mãe solteira, que nunca casou. É difícil nação cada vez maior para fazer dele uma relação gratifican- saber quantas destas mulheres optaram deliberadamente por te e satisfatória. criar os filhos sozinhas. A maioria das mulheres não deseja ser uma progenitora só, mas há uma minoria cada vez maior Agregados Monoparentais que opta por sê-lo - decidem ter um ou mais filhos sem o apoio de um cônjuge ou parceiro. “Mães solteiras por opção” Os agregados monoparentais têm-se tornado cada vez mais é uma descrição adequada a algumas progenitoras, que possu- comuns nas últimas três décadas. Mais de vinte por cento das em normalmente recursos suficientes para gerir satisfatoria- crianças dependentes vivem actualmente em agregados mo- mente um agregado monoparental. Para a maioria das mães noparentais. Na sua maioria - aproximadamente 90% - são sós ou solteiras a realidade é diferente; há uma grande corre- encabeçados por mulheres (Anthony Giddens, 2010). Muitos lação entre a taxa de nascimentos fora do casamento e indica- progenitores solitários, quer tenham estado casados ou não, dores de pobreza e exclusão social. enfrentam ainda a desaprovação social e a insegurança finan- ceira. Contudo, os termos mais antigos e mais discriminatóri- Há quem argumente que a grande diversidade de “cami- os como “mulher abandonada”, “famílias sem pai” e “lares nhos” para entrar ou para sair das famílias monoparentais si- desfeitos” tendem a desaparecer. gnifica que os progenitores solitários como um todo não são um grupo unificado ou coeso. Embora as famílias monopa- Há uma grande diversidade interna nesta categoria da famí- rentais partilhem em comum algumas desvantagens sociais e lia monoparental. Mais de metade das mães viúvas, por exem- materiais, apresentam uma identidade colectiva difusa. A plu- plo, são proprietárias das casas que habitam, mas a grande ralidade de caminhos que levam ao estado monoparental e à maioria das mães solteiras vivem em casas arrendadas (A. 19  iBooks Author
  • 21. saída do mesmo significa que, para efeitos de política social, Por mais estranho que possa parecer, estatisticamente, a me- as suas fronteiras são difíceis de definir e as suas necessidades lhor forma de maximizar as oportunidades de casamento é, difíceis de apontar. para ambos os sexos, ter sido casado anteriormente. As pesso- as que já foram casadas e se divorciaram têm mais probabili- Voltar a Casar dades de voltar a casar do que as pessoas solteiras da mesma idade. Em todos os grupos etários, os homens divorciados são Um novo casamento envolve várias circunstâncias. Alguns ca- mais propensos a voltar a casar do que as mulheres divorcia- sais que voltam a casar têm pouco mais de 20 anos e nenhum das. Em termos estatísticos, pelo menos, os novos casamentos dos parceiros leva filhos para a nova relação. As pessoas que são menos bem sucedidos do que os primeiros. As taxas de di- voltam a casar quando têm perto de 30 ou 40 anos podem le- vórcio de segundos casamentos são mais elevadas do que as var um ou mais filhos do casamento (ou casamentos) anterior taxas dos primeiros. para viver na mesma casa com o novo cônjuge. Aqueles que Isto não significa que os segundos casamentos estejam conde- voltam a casar numa idade mais tardia podem ter filhos adul- nados a falhar. As pessoas que tenham sido divorciadas po- tos que nunca irão viver nos novos lares que os pais estabele- dem colocar mais expectativas no casamento do que as que cem. Podem existir também filhos deste novo casamento. se casam pela primeira vez. Assim, podem igualmente ter Qualquer dos cônjuges podia ser anteriormente solteiro, di- uma propensão maior para dissolver os novos casamentos do vorciado ou viúvo, factores que levam a oito combinações que aquelas que só casaram uma vez. Possivelmente, os segun- possíveis. Por conseguinte, embora valha a pena salientar al- dos casamentos que perduram são, de uma forma geral, mais gumas questões gerais, as generalizações acerca de novos ca- satisfatórios do que os primeiros. samentos devem ser feitas com relativo cuidado. Até à idade de 35 anos, a maioria dos segundos casamentos Famílias Recompostas envolve pessoas divorciadas. A partir dessa idade, aumenta o Uma família recomposta pode ser definida como uma família número de novos casamentos de viúvas e viúvos, e pelos 55 em que pelo menos um dos adultos tem filhos de um dos ma- anos o número de casamentos entre viúvos é maior do que o trimónios anteriores. Existem alegrias e benefícios associados de novos casamentos entre pessoas divorciadas. às famílias recompostas, e ao crescimento de famílias exten- 20  iBooks Author
  • 22. sas que daí provém. No entanto, tendem igualmente a surgir apropriado? Será que estes deveriam disciplinar os enteados certas dificuldades. como um progenitor biológico o faria? Como é que um pa- Em primeiro lugar, existe normalmente um progenitor bioló- dastro ou madastra deverá tratar o novo esposo do seu parcei- gico que vive em outro lugar e cuja influência sobre o filho ro anterior quando este for buscar as crianças? ou filhos provavelmente se mantém intensa. As famílias recompostas estão a desenvolver novos tipos de re- Em segundo lugar, as relações de cooperação entre pessoas lações de parentesco nas sociedades ocidentais; as dificulda- divorciadas tornam-se muitas vezes tensas quando um ou am- des criadas pelos segundos casamentos depois do divórcio tam- bos voltam a casar. Pensemos no caso de uma mulher com bém são novas. Os membros dessas famílias estão a desenvol- dois filhos, que casa com um homem que também tinha ou- ver as suas formas próprias de ajustamento às circunstâncias tros dois filhos, passando a viver todos juntos. Se os progenito- relativamente inéditas em que se encontram. Actualmente, res “exteriores” insistirem que os filhos os continuem a visitar alguns autores falam já em famílias binucleares, entendendo por com a mesma regularidade de outrora, as tensões inerentes à tal que dois agregados familiares depois de um divórcio conti- manutenção da unidade do novo agregado familiar serão exa- nuam a implicar um único sistema familiar sempre que há cri- cerbadas. Por exemplo, pode tornar-se impossível reunir a anças envolvidas, mas com dois núcleos. nova família aos fins de semana. Na presença de transformações tão ricas e confusas, talvez a Em terceiro lugar, as famílias recompostas misturam filhos conclusão mais apropriada a que se possa chegar seja a de provenientes de meios diferentes, que podem ter expectativas que embora os casamentos acabem em divórcio, as famílias variadas quanto ao comportamento familiar apropriado. enquanto tal permanecem. Em especial quando há crianças Dado a maioria dos enteados “pertencer” a dois agregados envolvidas, persistem muitos laços, apesar de se construírem familiares, é provável que venham a existir confrontos consi- novas relações familiares através de novos matrimónios. deráveis de hábitos e perspectivas. Há poucas normas que definam a relação entre enteados e O “Pai Ausente” padastros. Deverá o enteado chamar o padastro ou madastra O período que vai dos anos 30 até à década de 70 foi já desi- pelo seu nome, ou será “pai” e “mãe” o tratamento mais gnado por vezes como o período do “pai ausente”. Durante a 21  iBooks Author
  • 23. Segunda Guerra Mundial, muitos pais quase não viam os fi- os rapazes que crescem sem pais irão ter de lutar para eles lhos porque estavam no campo de batalha ou a prestar servi- próprios serem pais bem sucedidos. ço militar. No período que se seguiu à guerra, numa percenta- Uma abordagem diferente da “crise da paternidade” é a de- gem elevada de famílias, a maioria das mulheres não tinha fendida por Francis Fukuyama. Este autor localiza as raízes uma actividade laboral paga e ficava em casa a tomar conta da “grande ruptura” na família nos níveis crescentes de em- dos filhos. O pai era o principal ganha-pão da família e, con- prego feminino. O autor não afirma que as mulheres que tra- sequentemente, estava fora de casa durante o dia inteiro, só balham negligenciam as suas responsabilidades na criação estando com os filhos à noite e ao fim de semana. dos filhos, mas antes (e paradoxalmente) que os homens vêem Com o aumento das taxas de divórcio nos últimos anos e o as mulheres como mais independentes e capazes de tomar número cada vez maior de agregados monoparentais, a ques- conta de qualquer criança gerada por elas. Se outrora os jo- tão do “pai ausente” passou a ter outro significado. Hoje em vens eram obrigados a assumir a responsabilidade dos seus dia esta expressão refere-se a pais que, em consequência de actos, a emancipação da mulher conduziu-os a comporta- uma separação ou divórcio, têm muito pouco contacto com rem-se menos responsavelmente do que antes. os filhos ou deixam pura e simplesmente de estar com eles. Há quem defenda que sociedades com taxas elevadas de di- Escrevendo a partir de perspectivas diferentes, sociólogos e vórcio enfrentam não só a perda dos pais mas a própria ero- analistas têm dito que o número cada vez maior de famílias são da ideia de paternidade - com consequências sociais gra- sem pai está na origem de toda uma série de problemas soci- víssimas, na medida em que, hoje em dia, muitas crianças ais, que vão do aumento da criminalidade à multiplicação crescem sem um modelo de autoridade, a quem possam re- dos custos com a educação das crianças. Alguns autores argu- correr nas alturas em que mais necessitam dele. Em todas as mentam que as crianças nunca serão membros efectivos de sociedades conhecidas até ao presente, o casamento e a pater- um grupo social, se não forem expostas a exemplos constan- nidade fornecem um meio de canalizar as energias sexuais e tes de negociação, cooperação e compromisso entre adultos agressivas masculinas. Sem estas instituições, estas energias no seu ambiente imediato. De acordo com tais argumentos, expressar-se-ão provavelmente na criminalidade e na violên- cia. 22  iBooks Author
  • 24. Será mesmo assim? A questão do pai ausente sobrepõe-se a outra questão mais geral referente aos efeitos do divórcio so- bre as crianças - e, como se viu, as conclusões tiradas a partir dos dados disponíveis não são nada claras. Podemos colocar a seguinte questão: “Será que um mau pai gera maus filhos? Não serão alguns pais prejudiciais à família?” Alguns estudio- sos sugerem que a questão central não é a de saber se o pai está ou não presente, mas se está comprometido com a vida familiar e com a paternidade. Por outras palavras, a configu- ração do lar pode não ser tão importante quanto a qualidade do afecto, atenção e suporte que as crianças recebem dos membros da família. 23  iBooks Author
  • 25. Capítulo 5 ALTERNATIVAS AO CASAMENTO Lorem ipsum dolor sit amet, ligula suspendisse nulla pretium, rhoncus tempor placerat fermentum, enim integer ad vestibulum volutpat. Nisl rhoncus turpis est, vel elit, congue wisi enim nunc ultricies sit, magna tincidunt. Maecenas aliquam maecenas ligula nostra, accumsan taciti. Sociis mauris in integer, a dolor netus non dui aliquet, sagittis felis sodales, dolor sociis mauris, vel eu est libero cras.  iBooks Author
  • 26. Alternativas ao Casamento o tempo de duração da coabitação ter vindo a aumen- tar e cada vez mais casais a escolherem em alternativa Coabitação ao casamento. Os jovens têm passado a viver juntos A coabitação é uma situação que tem lugar quando mais pela marcha dos acontecimentos do que por um um casal vive junto e mantém relações sexuais sem ha- planeamento calculado. Um casal que mantenha um ver casamento - tem vindo a generalizar-se na maioria relacionamento sexual passa cada vez mais tempo jun- das sociedades ocidentais. Se anteriormente o casamen- to, acabando um ou outro por abdicar da sua habita- to era a base definitiva da união entre duas pessoas, ac- ção individual. Os jovens que vivem juntos quase sem- tualmente tal já não acontece. Hoje em dia começa a pre planeiam casar-se, mas não necessariamente com o ser mais apropriado falar-se em juntar-se e separar-se. seu parceiro de então. Só uma minoria destes casais Um número crescente de casais, envolvidos em rela- tem um orçamento conjunto. ções de longa duração, escolhem não se casar, e em vez Num estudo levado a cabo por investigadores da Uni- disso optam por viver juntos e criar assim os seus filhos. versidade de Nottingham, em 1999, os sociólogos con- Apesar da coabitação se ter tornado cada vez mais po- duziram entrevistas a uma amostra de casais que coabi- pular, pesquisas recentes indicam que o casamento con- tavam ou estavam casados, com filhos com menos de tinua ainda a ser mais estável. Existe uma maior proba- 11 anos, bem como a uma amostra constituída pelos bilidade de separação entre os casais que vivem juntos, seus pais, que ainda eram casados. Estes sociólogos inte- do que entre os casais casados. ressavam-se pelas diferenças em matéria de compromis- Actualmente, a coabitação num grande número de paí- so, entre as pessoas casadas mais velhas, e os casais da ses ocidentais parece ser para a maioria das pessoas um nova geração. Os investigadores concluíram que a jo- estágio experimental anterior ao casamento, apesar de vem geração, tanto os casados como os que viviam em 25  iBooks Author
  • 27. coabitação, tinham mais em comum entre si, do que juntos. Muitas das características tradicionais das rela- com os seus pais. Enquanto a geração mais velha via o ções heterossexuais - como o acompanhamento mútuo, casamento em termos de obrigações e deveres, a nova o afecto e a responsabilidade em caso de doença, a par- geração valorizava os compromissos livremente aceites. tilha do dinheiro, e outras mais - estão a integrar-se nas A grande diferença entre os mais novos residia no facto famílias homossexuais através de formas que não eram de alguns deles preferirem ver o seu compromisso reco- possíveis antigamente. nhecido publicamente através do casamento. Existe, desde os anos 80 do século XX, um interesse académico crescente pelas famílias homossexuais de Casais Homossexuais um ou de outro sexo. Os sociólogos observaram que as Actualmente, muitos homens e mulheres homossexuais relações homossexuais apresentam formas de intimida- mantêm relacionamentos estáveis como casais. As rela- de e de igualdade muito diferentes das que são comuns ções entre homens e mulheres homossexuais são muito nos casais heterossexuais. As relações homossexuais mais baseadas no compromisso pessoal e na confiança têm de ser construídas e negociadas fora das normas e mútua do que na lei, pois a maior parte dos países ain- linhas de orientação que governam muitas uniões hete- da não aprova o casamento entre homossexuais, e na- rossexuais, sobretudo porque os papeis tradicionais dos queles em que já existe uma lei favorável (como em Por- géneros não são facilmente aplicáveis aos casais do mes- tugal), as coisas ainda não se passam com a naturalida- mo sexo. Há ainda quem sugira que a epidemia da de necessária. Tem-se aplicado a expressão “famílias SIDA foi um factor importante no desenvolvimento de de escolha” às relações homossexuais, pois estas reflec- uma cultura distinta de afecto e compromisso entre par- tem as formas positivas e criativas da vida quotidiana ceiros homossexuais, por ter fornecido razões para o es- que os casais homossexuais cada vez mais levam a cabo tabelecimento de relações mais estáveis e duradouras. 26  iBooks Author
  • 28. Alguns autores distinguem três padrões significativos nos casais homossexuais de um e de outro sexo. ๏ Em primeiro lugar, existe uma maior oportunidade de igualdade entre os parceiros, pois estes não são guia- dos pelos estereótipos culturais e sociais que condici- onam as relações heterossexuais. ๏ Em segundo lugar, os parceiros homossexuais nego- ceiam os parâmetros e o funcionamento das suas rela- ções. Enquanto os casais heterossexuais são influenci- ados por papeis associados ao género socialmente en- raizados, entre os casais do mesmo sexo as expectati- vas sobre quem faz o quê numa relação são meno- res. Por exemplo, se nos casais heterossexuais, as mu- lheres tendem a ocupar-se mais do trabalho domésti- co e da criação dos filhos, tais expectativas não exis- tem nas relações homossexuais. ๏ Em terceiro lugar, as relações homossexuais demons- tram ser uma forma particular de compromisso, para o qual não existe um enquadramento institucional, o que implica uma confiança mútua muito particular, face às dificuldades que têm de partilhar. 27  iBooks Author
  • 29. Capítulo 6 VIOLÊNCIA E ABUSO NA VIDA FAMILIAR Lorem ipsum dolor sit amet, ligula suspendisse nulla pretium, rhoncus tempor placerat fermentum, enim integer ad vestibulum volutpat. Nisl rhoncus turpis est, vel elit, congue wisi enim nunc ultricies sit, magna tincidunt. Maecenas aliquam maecenas ligula nostra, accumsan taciti. Sociis mauris in integer, a dolor netus non dui aliquet, sagittis felis sodales, dolor sociis mauris, vel eu est libero cras.  iBooks Author
  • 30. Violência e Abuso na Vida Familiar outros membros. Os estudos mostram que o principal alvo de abuso desta natureza são as crianças, sobretudo A vida familiar abrange virtualmente toda a gama de as crianças pequenas com menos de 6 anos. Mas há experiências emocionais, pois as relações familiares ou também um segundo tipo de violência física bastante de parentesco fazem parte da existência de toda a gen- comum, que é o que é exercido pelos maridos sobre as te. As relações familiares - entre marido e mulher, pais mulheres (o contrário é muito menos frequente). Contu- e filhos, irmãos e irmãs, ou entre parentes mais afasta- do as mulheres, não tão raramente quanto se pensa, po- dos - podem ser calorosas e gratificantes. Mas podem dem também ser perpetradoras de violência contra fi- igualmente estar impregnadas das mais pronunciadas lhos pequenos. tensões que levam as pessoas ao desespero ou as en- Há quem diga que a casa é o lugar mais perigoso da so- chem de um sentimento profundo de ansiedade e de ciedade moderna. Em termos puramente estatísticos, culpa. Este “lado sombrio” da vida familiar contrasta seja qual for o sexo ou a idade, uma pessoa tem mais com as imagens cor-de-rosa de harmonia que impreg- probabilidade de ser sujeita a violência em casa do que nam frequentemente os anúncios publicitários e outros numa rua à noite. Por exemplo, no Reino Unido, 25% locais dos meios de comunicação social populares. Os dos homicídios são cometidos por um membro da famí- maus tratos sobre crianças são um dos seus aspectos lia contra outro. As mulheres correm mais risco de vio- mais inquietantes. lência física por parte de homens com quem têm rela- ções familiares e íntimas do que por parte de estra- nhos. A Violência no seio da família O problema da violência doméstica ganhou atenção po- Podemos definir a violência doméstica como o abuso pular e académica durante a década de 70 do século físico de um membro da família em relação a outro ou 29  iBooks Author
  • 31. XX, em resultado do trabalho desenvolvido por grupos pelos homens. Estes autores defendem que não é sufici- feministas nos centros de refúgio para “mulheres mal- ente olhar para os “números” que retratam incidentes tratadas”. Antes disso, a violência doméstica, bem violentos nas famílias. Pelo contrário, é essencial olhar como os maus-tratos às crianças eram fenómenos dis- para o significado, o contexto e o efeito da violência cretamente ignorados. exercida. Segundo estes autores “bater na mulher”, isto Muitos estudiosos têm vindo a afirmar nos últimos tem- é, a agressão física regular dos maridos sobre as pos que a violência familiar não é uma consequência mulheres, é algo que não tem equivalente da parte das do poder masculino patriarcal, como defendem as femi- mulheres. Parece, portanto, que as mulheres podem nistas, mas que tem a ver com as “famílias disfuncio- ser, muitas vezes, violentas com os homens, mas é mais nais”. Assim, a violência dirigida contra a mulher é um raro que transformem esse comportamento violento reflexo da crise crescente da família e da erosão dos pa- num comportamento regular, diário ou mesmo sema- drões morais. Estes autores também contestam os da- nal. A violência física das mulheres contra os homens é dos que dão como rara a violência das mulheres contra mais episódica e menos grave, em termos gerais. Já, no os homens, pois os homens estarão menos dispostos a que diz respeito, à violência sobre crianças (as filhas ou reportar situações em que tenham sofrido violência por filhos), parece que as mulheres começam a aproximar- parte de mulheres. se do comportamento violento dos homens, mais do Estas afirmações têm sido fortemente criticadas por fe- que a distanciar-se dele. ministas e por outros investigadores que argumentam Porque será que a violência doméstica é tão banal (a que a violência por parte das mulheres é, em todo o acreditar nos números tornados públicos)? Os investiga- caso, restringida e episódica, com menos probabilidade dores têm apresentado duas ordens de razões: de causar danos físicos permanentes, do que a exercida 30  iBooks Author
  • 32. ๏ Combinação entre intensidade emocional e seus progenitores. Estas acções gozam frequentemen- intimidade pessoal. Os laços familiares estão te da aprovação dos outros e provavelmente nem se- normalmente impregnados de emoções fortes, que quer são reconhecidas como “violência”. Embora misturam frequentemente amor e ódio. As desaven- menos explícita, existe (ou existiu no passado) tam- ças que ocorrem no ambiente doméstico podem li- bém uma aprovação social de uma certa violência bertar antagonismos que não seriam sentidos da (controlada) entre esposos. Só que fica difícil garan- mesma forma noutros contextos sociais. O que pode tir face a esta tolerância, primeiro, o que é violência parecer um incidente menor pode precipitar hostili- e o que não é, segundo e mais grave, que esses com- dades em larga escala entre cônjuges ou entre pais e portamentos tolerados não se transformem muito ra- filhos. Por exemplo, um homem tolerante em rela- pidamente em comportamentos intoleráveis... Pare- ção às excentricidades de comportamento de outra ce, portanto, só haver uma forma de combater a vio- mulher pode ficar furioso se a sua mulher falar de- lência física: é não tolerar nenhuma, por mais benig- mais num jantar ou revelar intimidades que ele dese- na que possa parecer à primeira vista. ja manter em segredo. ๏ Tolerância social face à violência no âmbito Num estudo realizado nos Estados Unidos, em 1983, da família. Embora a violência familiar socialmen- por Gleenbart, verificou-se que 1 em cada 4 dos ameri- te aprovada seja de natureza relativamente limitada, canos de ambos os sexos pensa que pode haver razões pode facilmente degenerar em formas mais severas que justifiquem o marido bater na mulher. Há outros de agressão. Não haverá muitas crianças em Portu- autores que, um pouco mais tarde, recolheram dados gal que nunca tenham levado uma bofetada ou apa- que mostram que uma proporção substancial de casais nhado uma “surra” - mesmo que leve - de um dos acredita que, em determinadas circunstâncias, é legíti- 31  iBooks Author
  • 33. mo um dos membros do casal (homem ou mulher) ba- xam na definição de abuso. Em caso de abuso sexual, ter no outro. Na verdade, se pensarmos bem, no local um adulto está basicamente a explorar um menor ou de trabalho e em outros lugares públicos é regra geral uma criança com propósito sexual. No entanto, a for- que ninguém pode bater em ninguém, por mais ofensi- ma mais comum de incesto é aquela em que há tam- va ou irritante que a outra pessoa seja. Aquilo que se bém abuso sexual - as relações incestuosas entre pai e deve defender é que, no espaço da vida familiar, seja filhas menores. posta em prática a mesma regra. Para isso, em primei- ro lugar, é necessário criar um ambiente social que res- ponsabilize e culpabilize a tolerância face à violência, tanto na vida privada da família, quanto na vida públi- ca do local de trabalho, por exemplo. O Incesto e o Abuso Sexual de Crianças Podemos definir o abuso sexual de crianças com a prática de actos sexuais por adultos com crianças de idade inferior ao que é permitido por lei (em Portugal, 16 anos). Entende-se por incesto as relações sexuais entre parentes próximos. Nem todos os casos de inces- to são de abuso sexual. As relações sexuais entre irmão e irmã, por exemplo, são incestuosas, mas não se encai- 32  iBooks Author