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Filosofia em
Tempos Difíceis
   JORGE NUNES BARBOSA
Índice

“Necessitamos, pois, de corrigir o ponto de partida da filosofia. O dado radical do
Universo não é simplesmente: o pensamento existe, ou eu, pensante, existo; mas que
se existe o pensamento existem, ipso facto, eu que penso e o mundo em que penso, e
existe um com o outro, sem separação possível. Mas nem eu sou um ser substancial,
nem o mundo tão-pouco - ambos somos em ativa correlação; eu sou o que vê o
mundo, e o mundo é o que é visto por mim. Eu sou para o mundo, e o mundo é para
mim. Se não há coisas que ver, pensar e imaginar, eu não veria, pensaria ou imaginaria -
isto é, não seria.” (…)

                                                                        Ortega y Gasset

Explicação Prévia

Introdução

Capítulo I - O Círculo de Viena e a Escola de Frankfurt

    Círculo de Viena

    Escola de Frankfurt

    Conceitos e Objetos (Frege) - Texto

    Os Sentidos não Mentem (Nietzsche) - Texto

    Enunciados Destituídos de Sentido (Carnap) - Texto




                                            i
Capítulo II - Bertrand Russell

   Bertrand Russell

   O Significado e a Verdade

   O Significado como Conhecimento Direto ou Familiar

   A Ontologia de Russell

   A Forma de uma Proposição Verdadeira pode ser Mostrada?(Russell) - Texto

Capítulo III - Ludwig Wittgenstein

   Introdução

   O Tractatus Logico-Philosophicus

   As Investigações Filosóficas

   Uma Espécie de Mitologia (Wittgenstein) - Texto

Capítulo IV - Martin Heidegger

   Heidegger: Os Mal-Entendidos

   Síntese

   Superar a Metafísica (Heidegger) - Texto


Capítulo V - Ortega y Gasset

   A Razão Vital

   A Questão do Nosso Tempo

   Eu Sou Eu e a Minha Circunstância

   Síntese




                                              ii
Capítulo VI - Jurgen Habermas

    O Debate Livre

    O Conceito de Racionalidade Comunicacional (Habermas) - Texto

Capítulo VII - Karl Popper

    A Abertura do Pensamento

    Não Há Indução (Popper) - Texto


Capítulo VIII - Thomas Kuhn

    Revoluções Científicas

    Como se Produzem as Revoluções Científicas (Kuhn) - Texto


Capítulo IX - John Rawls

    O que á a Justiça?

    A Justiça como Equidade (Rawls) - Texto


Capítulo X - Outros Temas

    Husserl e a Fenomenologia

    Paul Ricoeur

    Explicar e Compreender (Paul Ricoeur) - Texto

    O Outro

    Existencialismo

    Utopia

    Razão

    O Absurdo

Bibliografia

                                              iii
Explicação Prévia

Este documento é composto por textos dispersos, a respeito de alguns filósofos do
século XX.
   Corresponde de algum modo a uma espécie de esboço do que poderá vir a ser
uma publicação mais estruturada e mais refletida. Destina-se, nesta oportunidade,
a servir como documento orientador dos meus alunos, e como forma de me obri-
gar a organizar um conjunto de apontamentos, até agora, mal organizados e em
formatos diversos.
    As ligações, no interior do documento, não são mantidas no formato PDF; es-
sas ligações só são funcionais no formato ePub, disponível gratuitamente na iBooksto-
re (para iPad). Essa gratuitidade não tem origem em nenhuma espécie de generosi-
dade, mas tão só no reconhecimento de que este conjunto de textos não tem qual-
quer valor comercial. Pode, portanto, ser usado livremente por quem quer que te-
nha acesso a ele.


   Porto, 30 de Outubro de 2012.
   		    Jorge Barbosa




                                         iv
Introdução

A filosofia contemporânea é partilhada por várias correntes: por um lado, a filoso-
fia analítica de língua inglesa que não se reduz, como se pensa muitas vezes, ao po-
sitivismo lógico, mas que lhe dá origem; por outro lado, uma filosofia continental
de língua alemã e francesa, que se refere a Nietzsche, a Heidegger, a Freud. Duran-
te muito tempo, estas duas correntes não foram verdadeiramente contemporâneas,
no sentido em que se mantiveram estranhas uma à outra, em que não eram lidas
em conjunto. Um exemplo desta incompreensão radical pode ser encontrado nas
atas de um colóquio sobre a “filosofia analítica”, que reuniu em 1962, na Abadia
de Royaumont filósofos anglo-saxónicos de primeiro plano (Quine, Strawson, Aus-
tin, Ryle) e representantes igualmente distintos da fenomenologia e da filosofia
francesa (Merleau-Ponty, Jean Wahl, etc.). Este período de incompreensão radical,
que não autorizava que se falasse seriamente de filosofias contemporâneas, e que
nos obrigava a contentar-nos com uma cronologia muito exterior, com uma sim-
ples justaposição, estará porventura a desvanecer-se, em parte, porque a filosofia
analítica evoluiu e descobriu, engenhosamente, uma história para ela própria... Es-
boçam-se, então, debates que não se desenvolvem exclusivamente no seio de uma
única tradição, numa única língua. Estas trocas têm, naturalmente, a duração e a
qualidade próprias dos debates filosóficos: caracterizam-se sempre por alguns re-
cuos, alguns diferendos, múltiplos mal-entendidos, mas existem.
   Nestas condições, que ponto de partida devemos escolher para apresentar a filo-
sofia contemporânea do século XX? Seria tentador escolher os primeiros traba-
lhos de Frege e os de Moore, cuja Refutação do Idealismo de 1903 inaugura a filosofia
analítica. Seria igualmente tentador, numa outra perspectiva, tomar como referên-
cia a obra de Nietzsche, como primeiro exemplo de desconstrução da metafísica,
da “genealogia”. A obra do primeiro, nas margens da filosofia, aproxima-se da ma-
temática, e a obra do segundo, nas margens também ela, aproxima-se da literatura
pelos aforismos, da poesia e do mito pela figura de Zarathustra. No entanto, se ti-

                                        v
vermos em conta o que veio a acontecer às doutrinas destes dois pensadores, desco-
briremos uma curiosa afinidade. Qual é, então, o ponto comum entre a corrente
que parte de Frege, com Russell, Wittgenstein, Carnap, Austin, Quine, e aquela
que parte de Nietzsche, com Heidegger, Foucault, Derrida? Apesar de diferenças
muito importantes, poderemos encontrar uma preocupação comum: a crítica da
metafísica como “discurso” e, portanto, uma crítica da linguagem.
   A filosofia clássica (em três nomes: Descartes, Hume, Kant) tinha colocado a
questão do conhecimento, isto é, da relação entre o pensamento e as coisas, no
centro das suas preocupações. Assiste-se com Frege e Nietzsche, e também com C-
S. Peirce, fundador do pragmatismo, a uma viragem do texto (Rorty chamou-lhe
viragem linguística), que coloca o problema da linguagem, do significado, do senti-
do no lugar da questão tradicional do conhecimento. A questão da linguagem nun-
ca esteve ausente da filosofia, em particular na Grécia antiga, mas adquire uma im-
portância muito particular na filosofia contemporânea.
    A crítica da linguagem pode ter duas dimensões. Pode incidir sobre a lingua-
gem como instrumento de conhecimento, nas ciências, e em procurar definir as su-
as possibilidades e os seus limites, em mostrar os erros e as ilusões que ela provoca.
Sonhar-se-á, então, com uma linguagem pura, ideal, cujo modelo será procurado
na lógica, na física, se não nos contentarmos em explorar o funcionamento, de si
já bem complexo, da linguagem “comum”. No entanto, a linguagem não é só um
instrumento de conhecimento. É também um instrumento de comunicação social
e, nesta perspetiva, a crítica da linguagem não incidirá sobre a linguagem das ciên-
cias, mas sobre a degradação da linguagem como sinal de uma perversão das rela-
ções humanas, como sintoma de uma relação de dominação e de opressão.




                                          vi
Surgem então duas grandes tendências:


              ☛ A do círculo de Viena que assume a crítica da
              linguagem como Kulturkritik, como crítica da
              civilização ou da cultura.
              ☛ E, numa perspectiva muito diferente e até
              contraditória, Nietzsche, Adorno e a escola de
              Frankfurt, Derrida, Foucault, Habermas que propõem a
              crítica da linguagem como instrumento de
              comunicação e de dominação social.


   A questão que se coloca é, então, a de saber como podemos conceber a relação
entre estes dois tipos de crítica da linguagem. Que relação pode haver entre a ques-
tão do funcionamento da linguagem na descrição verdadeira do mundo e a do seu
papel na comunicação social? Para responder a esta questão, temos de caminhar
com cuidado, passo a passo. Comecemos, então, por apresentar uma síntese de en-
quadramento destas duas grande tendências da filosofia contemporânea




                                            vii
1 CAPÍTULO




Círculo de Viena e
Escola de Frankfurt

      ☛ Se aplicarmos à própria filosofia tradicional
      esta sintaxe lógica, descobriremos uma série de
      pseudoproposições ou proposições desprovidas de
      sentido, quer porque elas estão logicamente mal
      construídas, quer porque são impossíveis de
      verificar.


          ☛Assim, o conceito de liberdade serviria para
      justificar a livre iniciativa, quer dizer, acrescentam
      os teóricos da Escola de Frankfurt, a livre
      exploração do trabalho.




                 8
1 SECÇÃO



Círculo de Viena

Em 1922, um certo número de filósofos e de cientistas reúnem-se em comunidade
de trabalho, nomeadamente à volta de Moritz Schlick (1882-1936), que tinha aca-
bado de ser nomeado professor da Universidade de Viena, de Rudolf Carnap
(1891-1970) e de Otto Neurath (1882-1945). O Círculo de Viena, que está em liga-
ção com a Sociedade de Filosofia Empirista de Berlim, dirigida por Hans Rei-
chenbach, e com Bertrand Russell e Ludwig Wittgenstein, anima uma série de pu-
blicações, organiza colóquios internacionais em Viena, Paris, Copenhague, etc.
   Entre as duas guerras, a sua influência estende-se aos Estados Unidos, para
onde a maior parte dos seus fundadores irá ensinar. De todos estes trabalhos des-
prende-se uma doutrina a que se chamou empirismo lógico e que se inscreve na suces-
são do empirismo inglês e do positivismo francês.
   A estas variedades de empirismo, o empirismo lógico junta uma crítica da no-
ção de significado e uma análise da linguagem. Nesta perspetiva, o conhecimento
não deriva de uma experiência pessoal, nem da descrição de um dado imediato.
Passa pela mediação de um sistema de sinais, e o problema que se coloca aos ani-
madores do Círculo de Viena é o da natureza das proposições lógicas. Enquanto,
para os lógicos clássicos, as proposições lógicas são normas do verdadeiro pensa-
mento, os empiristas lógicos, na esteira de Wittgenstein, consideram que estas pro-
posições não nos dizem nada sobre o que realmente é (cf. Cap. 3).
   Procedendo à análise lógica da linguagem, os discípulos do Círculo de Viena
estabelecem que nem todas as proposições, cujas palavras têm um sentido, são ne-
cessariamente proposições dotadas de sentido. Bertrand Russell (cf. Cap. 2), com a
sua teoria dos tipos, definiu um certo número de condições permitindo excluir as
combinações de palavras que conduzem a proposições contraditórias ou não escla-
recíveis.



                                         9
Rudolf Carnap vai mais longe ao formular uma sintaxe lógica que enuncia as
regras de formação e de transformação das proposições suscetíveis de serem verifi-
cadas. Ele julga construir assim uma linguagem que seria uma verdadeira lógica
da ciência. A análise lógica dos conceitos das proposições científicas é, a seus
olhos, a verdadeira tarefa da filosofia.
   Se aplicarmos à própria filosofia tradicional esta sintaxe lógica, descobriremos
uma série de pseudoproposições ou proposições desprovidas de sentido, quer por-
que elas estão logicamente mal construídas, quer porque são impossíveis de verifi-
car.




                                        10
2 SECÇÃO



Escola de Frankfurt

Em 1924, fundou-se em Frankfurt um Instituto de Pesquisas Sociais. Esse Instituto
reuniu progressivamente um certo número de investigadores, dos quais os mais co-
nhecidos são os filósofos Herbert Marcuse, Max Horkheimer, Theodor Adorno,
Jurgen Habermas (cf. Cap. 8). O seu programa comporta a crítica radical da socio-
logia e da psicologia do seu tempo, isto é, a crítica do positivismo aplicado aos fac-
tos sociais. São recusadas, nomeadamente, as conceções de Max Weber. Estes jo-
vens teóricos julgam que há uma relação estreita entre o saber universitário e as ne-
cessidades ideológicas das classes dominantes nos países capitalistas avançados.
   O ambiente histórico, no qual nasce esta escola, é o da Alemanha entre as duas
guerras mundiais. Está marcado pela primeira grande crise económica mundial e
pela ascensão do nacional-socialismo. Os filósofos de Frankfurt não consideram o
fanatismo como uma exceção, mas como um fenómeno que revela o caráter funda-
mentalmente autoritário do sistema de lucro, que caracteriza o capitalismo. O tri-
unfo do nazismo, que vai dispersar os teóricos da Escola de Frankfurt, os quais na
sua maior parte vão continuar a sua atividade nos Estados Unidos, confirma as su-
as análises.
    Tinham partido do marxismo e admitiam a necessidade de uma revolução to-
tal para resolver os problemas sociais e chegar a um sistema novo de relações entre
os homens sem poder autoritário nem hierarquia. Depressa, avaliam a União Sovi-
ética de modo crítico. Vêem nela a construção de uma estrutura estatal de caráter
totalitário, contraditório com os fins e os procedimentos do socialismo.
   As obras dos teóricos da Escola de Frankfurt aparecem também muito frequen-
temente como uma crítica da razão. Horkheimer escreve “Eclipse da Razão”, Ha-
bermas “A Técnica e a Ciência como Ideologia”, Horkheimer e Adorno “A Dialéti-
ca da Razão”. Todas estas obras constituem problematizações da racionalidade tal
como ela funciona nas sociedades modernas. A própria razão é aí descrita como


                                         11
um instrumento ligado a uma estrutura económica, social, política que se chama
capitalismo.
   Entretanto, estes filósofos julgam que, no passado, a razão desempenhou um pa-
pel diferente. Elaborou ideais de justiça, de liberdade, de democracia que foram
pervertidos pela dominação da burguesia. Este domínio provocou uma verdadeira
decomposição da razão. Os conceitos que forjou serviram e servem ainda para
mascarar a sua falsificação no plano das realidades sociopolíticas. Assim, o concei-
to de liberdade estaria a ser usado para justificar a livre iniciativa, quer dizer, acres-
centam os teóricos da Escola de Frankfurt, a livre exploração do trabalho. No caso
dos Estados socialistas, assistir-se-ia a um desvio simétrico dos conceitos racionais
do marxismo.




                                           12
3 SECÇÃO



Textos

                                  Conceitos e Objetos

Frege, G. (1969) Les Fondements de l’arithmétique, Trad. do alemão para francês por C.
Imbert, Paris, Le Seuil, p. 119

Que não se tome a descrição da origem de uma representação por uma definição. E que não
se tomem as condições psicológicas e corporais da consciência de uma proposição por uma
prova, que não se confunda a consciência de uma proposição com a sua verdade. Não
devemos nunca esquecer que uma proposição não deixa de ser verdadeira quando não
pensamos nela, que o Sol não se apaga quando fechamos os olhos. Se não, seríamos
obrigados a ter em consideração o teor de fósforo do cérebro na demonstração do teorema
de Pitágoras. (...) O método histórico, que pretende surpreender a génese das coisas e
conhecer a essência pela génese, tem sem dúvida uma vasta jurisdição; tem também os
seus limites. Se, no fluxo perpétuo que tudo leva, nada fosse fixo nem conservasse
eternamente o seu ser, o mundo deixaria de ser conhecível e tudo se perderia na confusão.
Parece que acreditamos que os conceitos crescem na alma individual como as folhas
crescem nas árvores, e pensamos conhecer a sua essência examinando a sua génese,
procurando definir o seu ser por vias psicológicas, a partir da natureza da alma humana. Ora,
esta conceção empurra tudo para a subjetividade, e, se a levarmos ao limite, suprime a
verdade. Aquilo a que se chama história dos conceitos, é na realidade ou a história do nosso
conhecimento dos conceitos ou a história do significado das palavras. Por vezes foi
necessário um imenso trabalho intelectual, que perdurou durante séculos, antes de sermos
capazes de conhecer um conceito em toda a sua pureza, de libertá-lo de todos os envelopes
que o afastavam do olhar do intelecto. Que dizer, quando, em lugar de prosseguir nesse
trabalho uma vez que tudo parece ainda inacabado, o desprezamos, na altura de frequentar
o jardim de infância, de estudar as mais antigas etapas da evolução da humanidade, para
descobrir, como John Stuart Mill, uma aritmética de (..) de calhaus?




                                              13
Os Sentidos não Mentem

Nietzsche, F. (1970) Le Crépuscule des Idoles, Trad. do alemão para francês por H. Albert,
Paris, Mercure de France, p. 103

Coloco à parte com um profundo respeito o nome de Heraclito. Se o conjunto dos outros
filósofos rejeitava o testemunho dos sentidos porque os sentidos são múltiplos e variáveis,
ele rejeitava o seu testemunho porque eles apresentam as coisas como se tivessem duração
e unidade. Heraclito, também ele, errou no que diz respeito aos sentidos. Estes não mentem,
nem à maneira como imaginavam os Eleatas (Parménides, Zenão), nem como ele imaginava -
em geral, não mentem. É aquilo que fazemos do seu testemunho que coloca neles a mentira,
por exemplo, a mentira da unidade, a mentira da realidade, da substância, da duração... Se
falseamos o testemunho dos sentidos, é por culpa da “razão”. Os sentidos não mentem, pelo
menos enquanto se limitam a mostrar o devir, o desaparecimento, a mudança... Mas na sua
afirmação de que o ser é uma ficção, Heraclito merece que lhe seja atribuída a razão eterna.
O “mundo das aparências” é o único real: o “mundo-verdade” é simplesmente acrescentado
pela mentira...

(...)




                                              14
Enunciados Destituídos de Sentido

Carnap, R. (1985) Le Dépassement de la métaphysique, Trad. do alemão para francês por A.
Soulez, Paris, PUF, p. 172

Podemos dividir os enunciados (dotados de sentido) da maneira seguinte: em primeiro lugar,
aqueles que são verdadeiros em virtude exclusivamente da sua forma (ou “tautologias”
segundo Wittgenstein. Correspondem, mais ou menos, aos “juízos analíticos” de Kant). Não
dizem nada sobre o real. A esta espécie pertencem as fórmulas da lógica e da matemática;
elas não são enunciados sobre o real, mas servem para o transformar. Em segundo lugar,
vêm as negações dos primeiros (ou contradições) que são contraditórias, isto é, falsas em
virtude da sua forma. Para decidir da verdade ou falsidade de todos os outros enunciados,
temos de recorrer a enunciados protocolares, os quais (verdadeiros ou falsos) são por isso
mesmo enunciados de experiência e têm a ver com a ciência empírica. Se quisermos
construir um enunciado que não pertença a nenhuma destas espécies, esse enunciado será
automaticamente destituído de sentido.




                                             15
2 CAPÍTULO




       Bertrand Russell


             Tal como outros filósofos da corrente,
             genericamente denominada de filosofia
             analítica, Russell estava convencido de que a
             característica comum que alimenta os
             problemas filosóficos é o facto de eles
             consistirem em confusões conceptuais,
             resultantes do mau uso da linguagem comum.




cap2




                  16
1 SECÇÃO



B. Russell


                            A lógica de Russell é basicamente uma proposta realis-
                            ta. No entanto, ao longo do seu longo percurso filosófi-
                            co, Russell atenuou e chegou mesmo a negar parcial-
                            mente o seu realismo. Verificam-se, com efeito, diferen-
                            ças claras logo entre os Princípios de Matemática, obra de
                            1903, e os Principia Mathematica, de 1910. Na primeira
                            obra, as classes são realidades objetivas, tão reais como
                            os indivíduos que as compõem; pelo contrário, na se-
                            gunda, são consideradas como “convenções simbóli-
                            cas” ou “linguísticas”, mas não “objetos autênticos”.
        Bertrand Russell    Na primeira, afirmava que “termo é qualquer entidade
                            que possa ser objeto de pensamento e que possa encon-
trar-se numa proposição verdadeira ou falsa”, e que todo o termo tem uma existên-
cia, isto é, que “de algum modo existe”. Nos Principia Mathematica, admite que todo
o vocábulo contribui para o significado da locução em que se encontra, mas que
não tem significado em todos os casos. Esta atenuação do realismo é acompanha-
da por uma atribuição cada vez maior de importância à linguagem e à natureza
linguística de muitos termos ou constructos lógicos. Apesar de tudo, a própria teo-
ria da linguagem de Russell é essencialmente de natureza realista.
    Tal como outros filósofos da corrente, genericamente denominada, de filosofia
analítica, Russell estava convencido de que a característica comum que alimenta
os problemas filosóficos é o facto de eles consistirem em confusões conceptuais, re-
sultantes do mau uso da linguagem comum. A solução seria, então, a clarificação
do sentido dos enunciados a serem aplicados às áreas da ciência, da metafísica, da
religião, da ética, da arte, etc.. No geral, os autores que seguem estas tendências en-
                                          17
tendem que a filosofia é uma atividade – para uns, terapêutica, para outros, clarifi-
cadora -, cujo objeto é esclarecer o significado dos enunciados.
    Nas palavras de Habermas, com esta corrente analítica, produz-se uma “mu-
dança de paradigma” (como diria Kuhn), ao passar-se de uma filosofia da consci-
ência (como a cartesiana ou a kantiana) ou de uma epistemologia – onde o que in-
teressa são as relações entre sujeito e objeto -, para uma filosofia da linguagem,
onde o que interessa são as relações entre o enunciado e mundo, isto é, uma teoria
do significado. Uma questão tão clássica como, por exemplo, a que pode formu-
lar-se numa teoria do conhecimento acerca de “o que é conhecer?”, é reformulada
e reinterpretada como uma questão sobre o significado: “o que é que se quer dizer
quando se diz que conhecemos algo?”
   A atividade clarificadora dos enunciados, característica fundamental do movi-
mento analítico, inicia-se sobretudo com as tarefas de fundamentação lógica, leva-
das a cabo por Russell e Whitehead com a publicação da obra conjunta Principia
Mathematica (1910 – 1913), que, na sequência dos estudos iniciais de G. Frege, fun-
damenta a linguagem rigorosa da lógica, para evitar as ambiguidades e confusões
do uso da linguagem comum.




                                        18
2 SECÇÃO



O Significado e a Verdade

A teoria da linguagem de Russell encontra-se no texto sobre denotação de 1905,
cujos resultados serão posteriormente incluídos nos Principia Mathematica, e na Filo-
sofia do atomismo lógico de 1918. Nessa teoria se baseia a Investigação sobre o signifi-
cado e a verdade. Os fundamentos desta teoria podem ser expressos do seguinte
modo, em quatro condições:

                   ☛ A linguagem é constituída por proposições;

                   ☛ Os elementos constitutivos das proposições, isto
                   é, os símbolos significam os constituintes dos
                   factos que tornam as proposições verdadeiras ou
                   falsas; por outras palavras, os factos correspondem
                   a esses constituintes;
                   ☛ É preciso ter conhecimento direto dos
                   constituintes dos factos, para que seja possível
                   captar o significado dos símbolos;
                   ☛ O conhecimento direto é distinto de indivíduo
                   para indivíduo.



    Uma linguagem logicamente perfeita basear-se-ia nos três primeiros fundamen-
tos: nessa linguagem, não haveria mais do que uma palavra e só uma, para cada
objeto simples, e cada coisa que não fosse simples seria expressa por uma combina-
ção de palavras, cada uma das quais estaria em lugar de um componente simples.
Uma linguagem desta natureza seria completamente analítica e mostraria, à vista
desarmada, a estrutura lógica dos factos afirmados ou negados.
   Segundo Russell, a linguagem dos Principia Mathematica procurava ser uma lin-
guagem desta natureza, mas onde só havia sintaxe e nenhum vocabulário. Com a
adição do vocabulário, converter-se-ia numa linguagem logicamente perfeita.


                                            19
No entanto, o quarto dos fundamentos enumerados torna irrealizável este ide-
al. Como pessoas diferentes têm um diferente conhecimento direto dos objetos, e
se cada palavra não tem mais do que um significado - o correspondente ao objeto
experienciado diretamente pela pessoa que fala -, então ninguém teria condições
para comunicar com os outros. Ora, paradoxalmente, segundo Russell, a lingua-
gem só pode exercer a sua função comunicativa graças à sua imperfeição e ambi-
guidade; deste modo, a linguagem é tão mais útil à comunicação, quanto mais im-
perfeita, vaga e equívoca for.


    Deste ponto de vista, é absolutamente indispensável, para a linguagem, que
existam os objetos que constituem os componentes dos factos e os significados dos
símbolos. Só uma perspectiva realista, como esta, é compatível simultaneamente
com uma linguagem logicamente perfeita e a possibilidade de comunicação entre
os humanos. Mas o problema é que, nas proposições da linguagem, não existem só
nomes, símbolos de objetos particulares, mas também verbos, que exprimem rela-
ções entre esses objetos. Assim, para Russell, as relações não são objetos particula-
res perceptíveis, mas universais. É, então, deste modo, que Russell admite a existên-
cia de universais: parece não ser possível deixar de admitir que as relações são par-
tes da constituição não linguística do mundo, tal como os objetos particulares. Do
mesmo modo, também não é possível explicar as relações assimétricas, traduzidas
por “ou” e por “não”, como pertencendo exclusivamente à linguagem. Pelo con-
trário, palavras como “antes” e “sobre”, tal como os nomes próprios, significam
algo que corresponde aos objetos da percepção.
    Na filosofia de Russell, o conceito de existência aplica-se, então, tanto às coisas
físicas, existentes no espaço e no tempo, como a coisas “intemporais” (para utilizar
as suas palavras). No entanto, relativamente ao que devemos entender por existên-
cia, neste seu significado mais extenso, as explicações de Russell são vagas e equívo-
cas. Só a determinação negativa é muito clara, uma vez que exclui a existência
como possibilidade. Russell chama “possível” à função proposicional que é alguma
vez verdadeira como “X é um homem”; chama “necessária” à que é sempre verda-

                                         20
deira como “se X é homem, X é mortal”; e chama “impossível” à que nunca é ver-
dadeira (“X é um unicórnio”). Só que, no seu entender, a proposição possível só é
possível porque existem casos em que é verdadeira, isto é, porque corresponde aos
factos, e assim a existência é o pressuposto da possibilidade, o que não deixa de ser
incómodo.


   Mesmo assim, e apesar de tudo, Russell admite que se possa falar de objetos
não existentes e até que se possa falar de objetos de que não se tem conhecimento
direto; ambos os casos contrariam as condições reconhecidas por ele como própri-
as da estrutura da linguagem. Para fazer face a estes dois casos, idealizou a teoria
da denotação, exposta pela primeira vez num artigo de 1905 (On denoting). Se-
gundo esta teoria, existem frases que realmente não dizem nada sobre os objetos
existentes, mas que dizem algo sobre os símbolos presentes na frase. Por exemplo,
segundo ele, a frase “O autor de Waverley é escocês” não afirma nada sobre Scott
(porque não tem nenhum constituinte que denote Scott), mas deve interpretar-se
como se dissesse: “Existe uma e só uma entidade que escreveu Waverley, e quem
escreveu Waverley é escocês”. Uma tradução semelhante da frase denotante torna
possível falar inclusive de coisas inexistentes. Assim, a frase “o atual rei de França é
careca” deve traduzir-se: “Há uma entidade que é atualmente rei de França, e esta
entidade é careca”. Esta frase é certamente falsa, mas tem um significado que
pode ser expresso e compreendido. Ora, este ponto de vista elimina a necessidade
de admitir objetos ou entidades correspondentes a todos os símbolos empregues
na linguagem.
   Russell nunca duvidou de que o ponto de partida do conhecimento fosse a ex-
periência individual, o domínio privado ou egocêntrico dos dados imediatos; mas
tão pouco duvidou de que o conhecimento não se reduzisse a esse domínio. Pelo
contrário, compreende um outro domínio que só pode ser alcançado através da in-
ferência, que se reconhece e exprime de modo totalmente distinto do primeiro,
mas que é constituído por elementos tomados dele.
    Sendo um ponto de partida para todo o conhecimento, a experiência não pode
ser, na opinião de Russell, um método de comprovação. Nesta convicção se baseia

                                           21
a crítica de Russell ao Neoempirismo do círculo de Viena. Os neoempiristas, ao
afirmar que o significado de uma proposição é o método da sua comprovação, o
princípio de verificação, esquecem as proposições mais certas, isto é, os juízos de
percepção: para estes juízos, não há nenhum método de comprovação, porque eles
próprios constituem a comprovação de todas as restantes proposições empíricas
que, de algum modo, possam ser conhecidas. Por outro lado, os neoempiristas es-
quecem também, segundo Russell, o facto de que todas as palavras necessárias
têm definições ostensivas, e que um enunciado pode ser compreendido se for com-
posto por palavras que compreendemos, mesmo que não tenhamos uma experiên-
cia que corresponda ao significado total do próprio enunciado.
    Esta crítica confirma que, para Russell, a experiência não é um método de com-
provação dos enunciados, mas sim o ponto de partida de onde nascem o conheci-
mento e a linguagem. Mas, como ponto de partida, a experiência é imediata e pri-
vada. O Problemas da Filosofia, de 1912, já continha uma exposição completa e
ordenada do que Russell entende por estes termos. A experiência é a esfera do co-
nhecimento direto, de cujos objetos somos diretamente conscientes sem mediação
de nenhum processo de inferência ou conhecimento de verdade. Não são as coisas
que são objeto de conhecimento direto, mas os dados sensíveis, os dados da intros-
pecção (isto é: da reflexão, no sentido de Locke) e os dados da memória. Também
é provável que tenhamos, segundo Russell, conhecimento direto de nós próprios,
isto é, do nosso eu, já que não se vê como poderíamos conhecer a verdade da pro-
posição: “Eu tenho conhecimento dos dados sensíveis”, se não tivéssemos um co-
nhecimento imediato de algo a que chamamos “eu”. Do mesmo modo, Russell ad-
mite que temos um conhecimento imediato dos universais (ou seja, das relações
que entram como componentes essenciais de todo o enunciado) e que esse conheci-
mento é o conceito.
   Para além do conhecimento imediato, existe ainda aquilo a que Russell chama
conhecimento por descrição, que é constituído pelo conhecimento da verdade.
Neste caso, o que conhecemos é precisamente uma descrição e também que há
um único objeto ao qual se aplica a descrição, embora o próprio objeto não seja
diretamente conhecido. Por exemplo, “o computador que está diante de mim é o
objeto físico que causa este e aquele dado sensível”. Esta proposição descreve o

                                        22
computador através dos dados sensíveis. Os objetos físicos e as mentes das outras
pessoas não são susceptíveis de ser conhecidos diretamente, mas exclusivamente
através do conhecimento por descrição. Mas, em qualquer caso, o conhecimento
por descrição é, no limite, redutível ao reconhecimento direto. Por esta razão, Rus-
sell conserva como princípio que toda a proposição que possamos compreender
tem de ser composta por constituintes de que tenhamos conhecimento imediato.


   O que é o Atomismo Lógico?


   “Atomismo lógico” é o nome dado por Russell à sua teoria filosófica, exposta
em conferências realizadas em 1918 sob o título Lições sobre o atomismo lógico,
cuja origem atribui às ideias de L. Wittgenstein, seu discípulo, e que este, mais tar-
de, exporá também no seu Tractatus Logico-Philosophicus (1921). Por via disso, é
também o nome que se dá à teoria filosófica sobre o mundo que aparece no Trac-
tatus de Wittgenstein; no entanto, à versão de Wittgenstein do atomismo lógico,
dá-se mais apropriadamente o nome de “teoria pictórica ou figurativa da realida-
de”.
   Segundo esta teoria, o mundo consta de “factos atómicos”, ou simples, que são
o referente dos enunciados simples ou “enunciados atómicos”, de modo que a lin-
guagem vem a ser como que uma pintura do mundo, ao jeito de um mapa que de-
senha um terreno ou uma determinada região. O mundo possui, tal como a lingua-
gem, uma estrutura lógica, cujos elementos se manifestam através da análise lógi-
ca. Este isomorfismo entre linguagem e mundo supõe que a cada nome correspon-
da, como referente, uma entidade concreta, chamada neste caso dado sensorial, e
que a cada predicado, de qualidade ou de relação, corresponda uma propriedade
real, absoluta ou relativa. Com este isomorfismo, Russell pretendia superar as am-
biguidades da linguagem comum ou natural, cujo uso fez com que muitas das pro-
posições da filosofia – sobretudo da metafísica – sejam “sem sentido”. O atomismo
lógico conduz a que consideremos uma linguagem ideal, característica que não é
possível encontrar nas línguas comuns, e que é própria exclusivamente de uma lin-
guagem formalizada. As metáforas devem ser abandonadas. Curiosamente, o ato-

                                          23
mismo lógico teve influência marcada no neopositivismo, mas tanto Russell como
Wittgenstein acabaram por abandonar esta teoria.
    O objetivo de Russell é semelhante ao de Frege, e é análoga também a justifica-
ção do seu interesse pelas condições que deve respeitar a linguagem para alcançar
a perfeição lógica. No entanto, Russell elabora as suas reflexões num contexto filo-
sófico mais rico e consegue, por isso, um grau de elaboração muito mais elevado.
Na doutrina de Russell, os pressupostos epistemológicos e as consequências metafí-
sicas possuem uma riqueza explicativa praticamente ausente em Frege. Como foi
dito atrás, a teoria de Russell é denominada por ele de “atomismo lógico”; alcança
a sua maturidade em 1918, ano em que pronuncia as já referidas conferências so-
bre “A filosofia do atomismo lógico”.
    Nessas conferências, caracteriza o tema central como o tema da gramática filo-
sófica, justificando-se assim: “Creio que praticamente toda a metafísica tradicional
está cheia de erros que se devem à má gramática, e que quase todos os problemas
e resultados tradicionais da metafísica se devem a não fazer, no quadro do que po-
demos chamar a gramática filosófica, o tipo de distinções de que nos temos vindo
a ocupar nestas conferências”. Uns anos depois, num resumo da sua teoria, ainda
é mais claro: “Creio que a influência da linguagem na filosofia tem sido profunda
e quase não reconhecida. Para que esta influência não nos afaste do nosso cami-
nho, é necessário que estejamos conscientes dela, e que nos questionemos delibera-
damente sobre em que medida ela é legítima. Neste aspecto, a linguagem extravia-
nos pelo seu vocabulário e pela sua sintaxe. Devemos estar em guarda face a am-
bas as coisas, para que a nossa lógica não nos conduza a uma falsa metafísica”.
    No respeito por estas advertências, Russell desenvolveu um tipo de análise da
linguagem que aspira a pôr em evidência as suas imperfeições lógicas, contrapon-
do-as às qualidades de uma linguagem logicamente perfeita.




                                        24
Como deve, então, ser uma linguagem logicamente perfeita?


                 ☛ A primeira condição para que uma linguagem seja
                 logicamente perfeita é uma condição semântica: que
                 as palavras de cada proposição correspondam uma
                 por uma aos componentes do facto correspondente.
                 Excetuam-se palavras como “ou”, “não”, “se...
                 então”, que têm uma função diferente, isto é,
                 carecendo de conexão direta à realidade, são
                 palavras que exprimem modos de compor frases, e
                 que podem traduzir-se em marcadores de funções
                 lógicas. Deste modo, Russell reforça a sua crença no
                 princípio de isomorfismo semântico: “numa
                 linguagem logicamente perfeita, haverá uma única
                 palavra para cada objeto simples, e tudo o que não
                 seja simples será expresso por uma combinação de
                 palavras...”
                 ☛ Deve ainda ter a vantagem de mostrar, à vista
                 desarmada, a estrutura lógica dos factos que afirma
                 ou nega.



    Segundo Russell, é deste tipo que pretende ser a linguagem do Principia Mathe-
matica, com a única diferença de que, neste caso, a linguagem possui sintaxe, mas
carece de vocabulário: esta seria a linguagem logicamente perfeita, se à sintaxe
acrescentássemos um vocabulário. Mas, entendamo-nos: o Principia Mathematica,
como qualquer cálculo lógico, tem o seu vocabulário, isto é, o conjunto de signos
com os quais se compõem as fórmulas para aplicação das suas regras; o que Rus-
sell quer dizer é que uma linguagem logicamente perfeita poderia ser uma lingua-
gem que, possuindo um vocabulário não de signos lógicos, mas de palavras, como
as da linguagem natural, tivesse uma sintaxe, regras de estruturação e composição
de enunciados, como as do cálculo lógico. As linguagens naturais, as línguas huma-
nas, não correspondem a esta necessidade de perfeição lógica. Do ponto de vista
filosófico, para Russell, isto é uma desgraça, mas do ponto de vista dos efeitos práti-

                                          25
cos de comunicação é uma vantagem. Ao contrário de uma linguagem logicamen-
te perfeita, a linguagem comum caracteriza-se pela ambiguidade das suas pala-
vras, sendo que quando alguém usa uma palavra isso não significa que queira di-
zer a mesma coisa que outra pessoa diria. À primeira vista, esta falta de rigor pode-
ria ser uma inconveniência, mas não o é na realidade; pelo contrário, o grave seria
que todos os falantes significassem, com as suas palavras, as mesmas coisas, pois a
comunicação seria impossível, porque “o significado que cada um dá às suas pala-
vras tem de depender da natureza dos objetos com os quais está familiarizado, e
uma vez que as diferentes pessoas estão familiarizadas com diferentes objetos, não
poderão falar entre si, a menos que atribuam às suas palavras significados muito
diferentes”. Assim - e o exemplo é de Russell –, quem já passeou por Picadilly, e
está, por conseguinte, familiarizado com esta rua de Londres, atribui ao termo Pi-
cadilly um significado muito distinto do que lhe dará uma pessoas que nunca lá te-
nha estado. Se insistíssemos numa linguagem sem ambiguidade, não poderíamos
falar de coisas que conhecemos com quem não as conhecesse.




                                         26
3 SECÇÃO



O Significado como
Conhecimento Direto

Resumindo, podemos dizer que, para Russell:


               ☛ O significado depende do conhecimento por
               familiaridade ou conhecimento direto, que Russell
               contrapõe, por vezes, ao conhecimento por descrição;


               ☛ O conhecimento direto exclui a mediação de
               processos de inferência ou de conhecimento de
               verdades;

               ☛ Os dados sensíveis constituem a aparência de um
               objeto material (cor, forma, etc.) e são um exemplo de
               algo que se conhece diretamente por familiaridade;

               ☛O conhecimento do objeto como tal, pelo contrário, é
               um conhecimento descritivo: pressupõe não só os meu
               dados sensíveis atuais, mas também a recordação de
               outros, associada ao conhecimento de certas verdades
               físicas;


               ☛ Os objetos não são conhecidos diretamente, portanto




   O que conhecemos diretamente, então, são os dados sensíveis que os objetos
produzem em nós: os objetos são simplesmente construções lógicas que fazemos
com base nos nossos dados sensíveis. O fundamento do nosso conhecimento en-
contra-se, por conseguinte, no conhecimento direto, na familiaridade. Mas esta fa-

                                          27
miliaridade não se limita aos dados sensíveis: Russell amplia o conhecimento dire-
to:
                  ☛ Às recordações, com o que a memória passa
                  também, juntamente com os sentidos, a ser uma via
                  para o conhecimento;

                  ☛ Aos estados psicológicos de cada um, que são
                  objeto de auto consciência, embora levante algumas
                  dúvidas sobre a consciência do “eu”;




    Do conhecimento direto, ficam explicitamente excluídos por Russell os objetos
físicos, na medida em que são distintos dos dados sensíveis que produzem, e os es-
tados psicológicos alheios. Daquilo que conhecemos, tudo quanto não seja conheci-
do por familiaridade é conhecido por descrição, sendo que este princípio se aplica
tanto a fenómenos particulares como aos conceitos universais. O conhecimento
por descrição tem, pois, a importante função de nos permitir ultrapassar os limites
da nossa experiência pessoal, mas o conhecimento por familiaridade é a base de
todo o conhecimento, e a ele é redutível o conhecimento descritivo. Com esta clari-
ficação, Russell passa de um realista (admite os universais em si) a um “descritivis-
ta” (os universais são descrições).
    A importância da teoria referencialista nas declarações de Russell é muito evi-
dente: os significados das palavras são os objetos de que temos conhecimento dire-
to. Se se trata de um objeto físico, como o designado pelo nome Picadilly, o seu si-
gnificado consistirá nos dados sensíveis passados e nas restantes vivências e senti-
mentos que esse lugar tenha produzido. Se considerarmos os objetos como inte-
grantes de um facto, poderemos, então, afirmar, com Russell, “que os componen-
tes do facto que faz uma proposição verdadeira ou falsa, são os significados dos
símbolos que temos de entender para poder entender a proposição”.
   Temos, então, que uma linguagem logicamente perfeita, do ponto de vista do
seu vocabulário:



                                           28
☛ É uma linguagem, cujos termos não podem ter qualquer
    ambiguidade, significam sempre o mesmo, a saber, determinadas          	
    características dos factos, dos quais o sujeito possui conhecimento
    direto;


       ☛ É uma linguagem privada, na medida em que o
    conhecimento direto é próprio e particular de cada um.



   Já do ponto de vista da sintaxe o Principia Mathematica estabelece um desafio
fundamental que não pode deixar de ser assumido por qualquer linguagem que se
queira perfeita:


          ☛ A “extensionalidade”, isto é, que todos os seus enunciados
      complexos possam decompor-se em enunciados simples, de tal modo
      que a verdade ou falsidade daqueles seja uma função da verdade ou
      falsidade destes últimos, como acontece em qualquer cálculo lógico
      estandardizado.

   Isto implica que uma linguagem perfeita seja constituída por enunciados que
possam ser verdadeiros ou falsos, o que significa que só é candidata à perfeição ló-
gica aquela porção da linguagem que utilizamos para declarar os factos, para falar
do que acontece, isto é, aquela porção de linguagem que empregamos no discurso
declarativo. Esta limitação corresponde ao mesmo tipo de redução que já tinha
sido feita por Frege.
    No que diz respeito a Russell, podemos dizer, seguindo a sua terminologia, que
se trata de uma linguagem composta por proposições, já que uma proposição –se-
gundo Russell – é um enunciado no modo indicativo, um enunciado que afirma
algo; a proposição é, portanto, o veículo da verdade e da falsidade.
   Os enunciados complexos da nossa linguagem perfeita são, então, compostos
por enunciados simples unidos por palavras que, como “e”, “ou”, “se... então”,

                                        29
etc., representam os modos de composição funcional com valor de verdade. Que
forma tomarão os enunciados simples? Estes enunciados, que Russell denomina
“proposições atómicas”, descrevem o tipo mais simples de factos, aquilo a que, se-
guindo a mesma analogia, chama “factos atómicos”. Daí o nome de “atomismo ló-
gico” dado à sua teoria: trata-se de chegar aos últimos elementos que a análise lógi-
ca da linguagem possa encontrar na linguagem; uma vez que a linguagem, naque-
les aspectos que são relevantes para a filosofia, e de acordo com o princípio do iso-
morfismo, corresponde estruturalmente aos factos, pelo mesmo processo chegare-
mos aos últimos elementos da realidade. Neste sentido, a análise de Russell vai da
lógica para a metafísica, através da linguagem.
    Para Russell, os factos mais simples que possam ser imaginados, os factos ató-
micos, são os que consistem na posse de uma qualidade por uma coisa particular,
por exemplo, o facto descrito pela proposição “Isto é branco”. Neste caso, temos
algo, aquilo a que se refere o termo “isto”, e a cor que lhe atribuímos. Uma propo-
sição como esta, desde logo, é muito diferente de uma proposição como “Esta ca-
misa é branca”. Neste caso, ao considerar algo como “camisa”, estamos a atribuir-
lhe certas propriedades, algumas muito complexas, que sem dúvida nos levam
para além dos meros dados sensíveis que temos, no imediato, do objeto em ques-
tão. O termo “camisa” encerra uma complexidade que o exclui da candidatura a
uma proposição atómica. Por essa razão, e para evitar juízos prévios sobre o dito
objeto, devemos limitar-nos a utilizar um pronome demonstrativo “isto”.
    É suposto também que uma qualidade como a cor é o tipo mais simples de qua-
lidades e, por conseguinte, não é analisável ou decomponível. Há, no entanto, que
ter em conta que o relevante aqui é a cor enquanto dado sensível, enquanto perce-
bida, e não como realidade física, susceptível de ser estudada cientificamente. Por
isso, a definição da cor em termos de um determinado comprimento de onda, é ir-
relevante para a análise de Russell. Trata-se, não de uma análise física, mas lógica,
embora o conceito de lógica aqui seja tomado num sentido com uma amplitude
peculiar, pois nele está presente um pressuposto básico: o princípio de familiarida-
de. Isto significa que os termos das proposições atómicas possuem significado, na
medida em que designam objetos de conhecimento direto.



                                         30
O tipo mais simples de facto consiste, então, na posse de uma qualidade sim-
ples por uma entidade particular. Factos ligeiramente mais complexos são os que
consistem em relações diádicas, como o que é descrito numa proposição do tipo
“Isto está junto daquilo”. O tipo seguinte será o das relações triádicas – “Isto está
entre aquilo e aquilo”. E assim sucessivamente. Todos estes factos são atómicos, se-
gundo Russell, e formam uma hierarquia de complexidade.
    O que, numa proposição, corresponde a uma propriedade é o predicado. O
que exprime uma relação costuma ser um verbo, ou, por vezes, uma frase inteira.
O que corresponde a um particular é o sujeito que tem de ser um nome próprio,
porque a única forma de falar de um particular é nomeá-lo; para o descrever, já te-
mos de mencionar as suas propriedades e as suas relações, recorrendo aos termos
correspondentes. E, uma vez que as palavras obtêm o seu significado dos objetos
com que estamos familiarizados, só podemos nomear o que seja objeto de conheci-
mento direto, e na justa medida em que o seja. A primeira consequência desta es-
tranha doutrina é que os nomes próprios de particulares, tal como aparecem
numa proposição atómica, são muito distintos do que, no discurso comum, chama-
mos “nomes próprios”. Palavras como “Sócrates”, “Vénus”, “Lisboa” são usadas
para nos referirmos aos seus objetos correspondentes, quando estes não estão pre-
sentes; com efeito, a sua utilidade baseia-se nisso mesmo, pois quem esteja diante
de Sócrates ou se encontre em Lisboa provavelmente não necessitaria de recorrer
a esses nomes. Ora, de acordo com a doutrina de Russell, assim sendo, não temos
conhecimento direto de Sócrates e, por conseguinte, não podemos nomeá-lo. Pela
mesma razão, quem nunca tenha estado em Lisboa tão pouco poderá atribuir si-
gnificado a este termo, e muito menos poderá atribui-lo a Vénus quem nunca te-
nha contemplado este planeta. Estas palavras, na realidade, não são nomes própri-
os, isto é, não são nomes próprios do ponto de vista da lógica. O que é que são, en-
tão? Segundo Russell tratam-se de descrições encobertas e abreviadas. “Sócrates”
é uma abreviatura para qualquer descrição correta que possamos dar ao seu obje-
to correspondente, por exemplo, “filósofo grego que foi condenado a beber cicu-
ta”, ou “o mestre de Platão”, ou qualquer outra. Tal como “Lisboa” abrevia, entre
outras, a descrição “capital de Portugal”, e Vénus equivale, por exemplo, a “estre-
la da manhã”. Na medida em que estas descrições se referem aos seus objetos, des-


                                         31
crevendo algumas das suas propriedades, resulta óbvio que esses objetos não são
particulares, porque não são simples. Temos, então, que nem os nomes próprios
da linguagem comum são nomes próprios no sentido lógico, nem aquilo a que se
referem é particular. Por isso, Russell afirma: “Falando em sentido restrito, só os
particulares podem ser nomeados”.
    Já Stuart Mill tinha dito que os nomes próprios da linguagem comum deno-
tam, mas carecem de conotação. Russell acrescenta, precisamente por isso, que es-
ses nomes não são, logicamente, nomes próprios, uma vez que, sendo possível subs-
tituí-los por alguma descrição, não se limitam a nomear.
    Em que consiste, então, um nome próprio em sentido lógico? Segundo Russell,
as únicas palavras que usamos na nossa língua natural que correspondem a um
nome próprio são palavras como “isto”, “isso”, “aquilo”, na medida em que po-
dem ser usadas como nome de um particular de que se tenha conhecimento direto
no momento. Assim, se dissermos “Isto é branco”, chamando “isto” àquilo que ve-
mos, estamos a empregar o demonstrativo como nome próprio, em sentido lógico,
de um suposto particular que tem a brancura como sua propriedade. Com efeito,
os pronomes demonstrativos não nos dizem nada a respeito dos objetos a que, por
meio deles, nos referimos; limitam-se a assinalá-los, e isso é prova de que são verda-
deiros nomes próprios e de que os objetos que denotam são simples, particulares.
Daqui resulta uma curiosa propriedade posta em evidência por Russell, a saber,
que o significado dos nomes logicamente próprios está em permanente mudança,
consoante se alterem as nossas percepções do mundo, os nossos dados sensíveis.
Por outro lado, o seu significado será diferente para o falante e para o ouvinte, na
justa medida em que os dados sensíveis que cada um tem do mesmo objeto são dis-
tintos.




                                         32
4 SECÇÃO



A Ontologia de Russell

Contra o monismo hegeliano que Russell criticou insistentemente, a ontologia im-
posta pela sua análise da linguagem consiste, em primeiro lugar, num pluralismo
de factos simples ou atómicos, que se resolve num pluralismo de objetos simples ou
particulares, independentes logicamente entre si e subsistentes por si mesmos, com
um tipo de subsistência idêntica à da substância, conforme o próprio Russell con-
fessa. Por seu turno, os objetos da vida quotidiana são todos complexos e, por isso,
não se lhes pode atribuir um nome próprio lógico.
   Temos, então, os elementos mais simples a que chega a análise de Russell: os
particulares, as suas propriedades e as suas relações. Estes elementos representam-
se nos enunciados do seguinte modo:

                  ☛ Os particulares são representados pelos nomes
                  logicamente próprios;

                  ☛ As propriedades e as relações são representadas
                  por diferentes tipos de adjetivos, verbos e
                  advérbios.



    Como cada elemento do enunciado deve corresponder a um elemento do fac-
to, temos de concluir que nos exemplos, apresentados atrás e escolhidos de entre
os apresentados pelo próprio Russell, há algo a mais: a cópula “é”, uma vez que a
ela nada corresponde que seja um facto. Os exemplos de proposições atómicas de-
verão, assim, ser ainda menos idiomáticos do que os que até aqui foram apresenta-
dos. Em rigor, essas proposições deverão tomar a forma de “Isto branco”, “Isto
junto aquilo”, etc.. Com efeito não existe num cálculo lógico nada que represente
o “é”: Px, Rxy, etc., só contêm termos de indivíduos (x, y) e termos de predicado
(P, R).


                                            33
Mas será que todas as proposições de uma linguagem perfeita podem ser redu-
zidas a proposições atómicas?
   As proposições atómicas combinam-se entre si através da composição funcional
com valor de verdade que é estabelecida no Principia Mathematica e que se en-
contra em qualquer livro de lógica. Estas formas de composição representam-se,
de forma aproximada, na linguagem comum através de palavras como “e”, “ou”,
“não”, “se... então”, etc.. Às proposições complexas, assim formadas, Russell cha-
ma-lhes, prosseguindo a mesma analogia, “proposições moleculares”.
    É característico de uma linguagem perfeita que respeite o “princípio de extensi-
onalidade”, isto é: que todas as suas proposições complexas ou moleculares pos-
sam decompor-se em outras simples ou atómicas, de tal forma que a verdade ou
falsidades daquelas seja função das verdade ou falsidade destas últimas. Daí que as
proposições moleculares, sendo meros compostos de proposições atómicas, não te-
nham correlato na realidade. Não há, nem é necessário que haja, factos molecula-
res, porque toda a proposição molecular se decompõe em proposições atómicas e
bastam os factos atómicos para conectar a proposição molecular ao mundo. Um
facto é, simplesmente, aquilo que torna uma proposição verdadeira ou falsa. Mas
uma proposição molecular não é verdadeira ou falsa por si mesma, isto é, em virtu-
de da sua relação com o mundo, mas em função de que sejam verdadeiras ou fal-
sas as proposições atómicas que a compõem. Por conseguinte, a única verdade que
depende dos factos é a das proposições atómicas, e para declarar verdadeiras ou
falsas as proposições atómicas bastam-nos os factos atómicos.
    Se postulássemos a existência de factos moleculares, seríamos forçados a admi-
tir que haveria na realidade, como parte de tais factos, elementos que correspon-
dessem aos modos de combinação: a conjunção, a disjunção, o condicional, etc..
Se, retomando de novo um exemplo muito simples de proposições atómicas, afir-
marmos “Isto (é) branco” e aquilo (é) preto”, a nossa afirmação seria verdadeira,
de acordo com a interpretação da conjunção de qualquer cálculo lógico, só se am-
bas as proposições o forem. E, para isso, bastam-nos os respectivos factos atómi-
cos: que o designado por “isto” seja, efetivamente, branco, e o designado por
“aquilo” seja preto. Não precisamos de postular um facto complexo, em que, para
além de algo branco e de algo preto, haja também um estranho elemento que cor-

                                        34
responda à função “e”. Se todas as proposições complexas forem moleculares, e,
por isso, redutíveis a proposições atómicas, a questão estará encerrada. Em última
instância, só teríamos proposições atómicas na nossa linguagem perfeita, e factos
atómicos no mundo.
   Proposições Complexas não Convertíveis em Proposições Simples
   O problema é que Russell encontra proposições complexas, cuja redução a pro-
posições simples é muito problemática. O primeiro caso é o das proposições negati-
vas que são verdadeiras. O exemplo sugerido por Russell é o seguinte:
   1.	   “Sócrates não está vivo”
   Esta proposição supõe uma proposição simples que seria:
   2.	   “Sócrates está vivo”
    à qual é acrescentada uma complexidade lógica: a negação. Sendo A verdadei-
ra, B será falsa. Então, a questão é a seguinte: Que facto é que torna a proposição
B falsa? Se não conseguimos indicar nenhum facto positivo responsável pela falsi-
dade de B, então só teremos a solução de aceitar que o facto procurado é o mesmo
que torna A verdadeira. Seguindo este caminho, teríamos de admitir que, para
além dos factos atómicos que já conhecemos, ainda há factos negativos.
    Russell não encontrou forma de evitar esta consequência. Não se sentia confor-
tável com ela e, mais do que defender convictamente que há factos negativos, pre-
feriu admitir a sua possibilidade. Em qualquer caso, repugnava-lhe menos aceitar
factos negativos do que aceitar uma explicação, segundo a qual a uma proposição
negativa np equivaleria uma proposição q verdadeira e incompatível com p. (no
exemplo, a proposição q seria: “Sócrates (está) morto”)
   O segundo tipo de proposições complexas que, para Russell, não podem ser re-
duzidas a proposições simples são as proposições que exprimem atitudes proposici-
onais, isto é, que exprimem certos fenómenos mentais que implicam uma proposi-
ção, por exemplo, as proposições que exprimem crenças, desejos, compreensão,
etc.: “Creio que hoje é terça-feira”, “Desejo ficar sozinho”, “compreendo o teore-
ma de Pitágoras”, por exemplo.


                                        35
É óbvio que estas proposições complexas não podem ser decompostas em pro-
posições simples. Podemos distinguir nelas duas partes: a parte que expressa a atitu-
de em questão (creio que, desejo, compreendo), e a parte que exprime o conteúdo
da atitude. Assim sendo, a proposição complexa não é função das suas partes: a
proposição “Creio que hoje é terça-feira” é verdadeira se for isso aquilo em que
verdadeiramente acredito, seja hoje terça-feira ou outro qualquer dia da semana.
A minha crença não é menos crença, nem menos verdadeira se estiver enganado.
   Segundo Russell, estas proposições correspondem a uma classe particular de
factos, dentro da qual podemos distinguir factos de crença, factos de desejo, factos
de compreensão, etc., embora todos os exemplos que ele dá se refiram a processos
mentais. Uma possibilidade de solução para reduzir factos mentais a factos atómi-
cos seria analisar os verbos proposicionais em processos de comportamento. Mas a
melhor razão dada por Russell baseia-se no facto de não ser possível utilizar no-
mes próprios, se prescindirmos da consciência: a referência a “isto” ou “aquilo”,
nos exemplos anteriores, deriva, pura e exclusivamente, da intenção referencial do
sujeito.
   Em Resumo:
  A argumentação de Russell relaciona linguagem e concepção da realidade de
um modo muito típico do atomismo lógico:

                 ☛ Por um lado, toda a proposição é empiricamente
                 verdadeira ou falsa em função de um facto
                 ☛ Por outro lado, toda a proposição que não possa
                 decompor-se numa função de verdade a partir de
                 outras mais simples, corresponde a um tipo
                 particular de facto. Assim, Russell teve de aceitar um
                 mundo composto, não só de factos atómicos, mas
                 também de factos negativos, de factos gerais, de
                 factos de existência e de diferentes classes de factos
                 de atitudes proposicionais (crenças, desejos, etc.)




                                           36
De qualquer modo, a sua teoria da lógica e a sua análise da linguagem condici-
onaram a concepção de Russell sobre o mundo.




                                       37
5 SECÇÃO



Texto de Bertrand Russell

     Será que a forma de uma proposição verdadeira pode ser
                           mostrada?

Russell, B (1961) Histoire de mes idées philosophiques, Trad. do inglês por G. Auclair, Paris,
Gallimard, p. 141

A doutrina fundamental da filosofia do Tractatus reside talvez em que uma proposição seja a
representação dos factos que ela afirma. É claro que um mapa fornece informações corretas
ou incorretas; e quando a informação é correta, é porque há semelhança de estrutura entre o
mapa e a região que ele representa. Wittgenstein defendia que isso é igualmente verdadeiro
na asserção linguística de um facto. Dizia, por exemplo, que se alguém empregar o símbolo
“aRb” para representar o facto que tem a relação de R com b, esse símbolo está em
condições de o fazer porque estabelece uma relação entre “a” e “b” que representa a relação
entre a e b. Esta teoria acentua a importância da estrutura. (...)

Penso ainda que ele tinha razão em acentuar a importância da estrutura; quanto à teoria
segundo a qual uma proposição deve reproduzir a estrutura dos factos a que diz respeito,
atualmente, estou muito cético, ainda que, na altura, a tenha aceitado. Em todo o caso, não
creio que, mesmo que seja num certo sentido verdadeira, tenha grande importância. Para
Wittgenstein, ela era fundamental. Fez dela a base de uma curiosa espécie de misticismo
lógico. Defendia que a forma que uma proposição verdadeira partilha com o facto
correspondente só pode ser mostrada, e não dita, pois não consiste numa outra palavra,
mas num arranjo de palavras ou de coisas correspondentes. (...)

Era este o único ponto, na altura em que eu estava quase inteiramente de acordo com
Wittgenstein, sobre o qual eu me mantinha cético. Na minha introdução ao Tractatus,
avançava que, se em todas as línguas há coisas que elas não conseguem exprimir, é sempre
possível construir uma língua de ordem superior que permitiria dizer essas coisas. Haverá
sempre coisas que não poderão ser ditas na nova língua, mas que a língua seguinte poderá
exprimir e assim ad infinitum. Esta sugestão, que era nova nessa altura, tornou-se, depois,
um lugar comum da lógica.


                                                38
3 CAPÍTULO




       Wittgenstein




         No entender de Wittgenstein, muito paradoxalmente,
         uma proposição que não possa ser falsa, uma
         proposição que seja sempre verdadeira, qualquer que
         seja o estado do mundo, como as proposições da
         lógica, não pode nunca ser uma proposição autêntica.




Cap3




                      39
1 SECÇÃO



Introdução

                                          Nascido em Viena em 1898, numa rica fa-
                                          mília judia, Ludwig Wittgenstein formou-se
                                          em engenharia em Berlim e em Manches-
                                          ter. Graças à leitura dos Princípios de Matemá-
                                          tica de Russell, começou a interessar-se
                                          cada vez mais pelos fundamentos da mate-
                                          mática e da lógica. Em 1911, faz uma visita
                                          a Frege em Iena e, em 1912, vai estudar ló-
                                          gica em Cambridge, sob a orientação de
            Ludwig Wittgenstein
                                          Russell. Durante a I Guerra Mundial, serve
como oficial do exército austríaco e começa a escrever os pensamentos que vão
constituir a substância do Tractatus. Feito prisioneiro em Novembro de 1918 na
frente italiana, acaba por ser libertado e, em 1919, junta-se a Russell na Holanda.
Juntos, acabam a versão definitiva do Tractatus, que é publicado em 1921 em ale-
mão e, em 1922, numa tradução em língua inglesa. Wittgenstein diz no prefácio
que este livro tem a solução definitiva para todos os problemas da filosofia, os
quais têm origem, segundo ele, numa má compreensão da lógica da linguagem hu-
mana. Coerentemente, após a publicação deste livro, Wittgenstein abandona a filo-
sofia durante dez anos para se tornar professor na Áustria, jardineiro num mostei-
ro, arquiteto amador, etc. Quando volta a interessar-se pela filosofia, sente-se obri-
gado a questionar algumas teses fundamentais do Tractatus. Podemos, então, dizer
que há duas filosofia de Wittgenstein: a de 1921, que pretende definir os limites da
expressão do pensamento, e a, ainda mais inovadora e igualmente importante, das
Investigações Filosóficas, publicadas em 1953, dois anos após a sua morte, que estuda
os empregos da linguagem comum, na sua diversidade e nos seus limites. Wittgens-
tein está, portanto, na origem de duas das mais importantes correntes de filosofia
do século XX.


                                           40
2 SECÇÃO



O Tractatus Logico-Philosophicus

O Tractatus logico-philosophicus é um volume de dimensões reduzidas, composto
por parágrafos curtos numerados, de forma a podermos situar cada um deles nas
ramificações do raciocínio. O título e a disposição da obra podem fazer pensar no
percurso dedutivo de Espinosa, ao jeito de more geometrico. Mas esta semelhança é só
aparente. Com efeito, a ordem dos parágrafos não obedece às regras da dedução;
as teses sobre o mundo são enunciadas antes das teses sobre a linguagem, embora
aquelas dependam destas. De facto, o raciocínio que conduziu às suas fórmulas, os
exemplos que as ilustram, as conceções que elas exprimem, ou que elas rejeitam,
são mantidos na sombra. Por este motivo, o Tractatus provoca a vontade de o co-
mentar, mas desencoraja quem o queira resumir.
    Por isso, contentemo-nos em salientar um aspeto particular da filosofia exposta
no Tractatus: o conceito de proposição - de frase no sentido de Frege -, considerada
como uma imagem ou quadro do mundo. A linguagem é constituída, segundo
Wittgenstein, por proposições que representam o mundo, no sentido em que lhe
dão significado, ou fornecem uma imagem do mundo. Mas um desenho, uma foto-
grafia, um mapa, um esquema de um motor e até uma partitura de música tam-
bém são imagens do mundo, e estas formas são, talvez, mais fáceis de analisar. To-
memos o exemplo de um mapa: a disposição dos pontos que designam as cidades
mostra que Coimbra fica a norte de Lisboa e a sul do Porto. A apresentação do
mapa, a escala, os símbolos que designam as cidades podem variar de acordo com
as convenções aceites, mas a disposição espacial dos elementos, isto é, das palavras,
corresponde, se o mapa estiver correto, à disposição das cidades na realidade. A re-
alidade e a sua representação cartográfica têm, portanto, em comum uma certa
forma de colocar os elementos no espaço. Esta forma comum ao mapa e ao real,
esta estrutura idêntica, é aquilo a que Wittgenstein chama a “forma lógica”. Do
mesmo modo, as notas de música escritas da esquerda para a direita numa partitu-
ra, os sulcos dos discos e os sons que se sucedem no ar têm em comum uma forma

                                         41
lógica. As proposições da linguagem não passam de uma espécie, entre outras, de
imagem do mundo.
   Como Frege e Russell mostraram, as proposições complexas da linguagem de-
vem ser objeto de uma análise que, graças ao simbolismo da lógica, as reduza a
proposições elementares. Mas cada proposição elementar é, por seu turno, analisa-
da na qualidade de conexão de dois elementos. Uma proposição elementar, como
“x está a ver y”, é, na realidade, a imagem de um facto possível, de um estado de
coisas que existe ou não existe. O mundo, tal como ele o define logo no início do
Tractatus, é, portanto, o conjunto dos factos elementares, dos “estados de coisas”
que correspondem às proposições elementares. Nem as proposições nem os factos
que lhes correspondem são, todavia, verdadeiramente elementares; a correspon-
dência que é possível estabelecer entre elas e eles baseia-se numa forma comum de
organizar os elementos.
    Para Frege, as frases, tal como os nomes, tinham ao mesmo tempo um sentido
e uma referência. Para Wittgenstein, a referência de uma proposição (frase, segun-
do Frege) é o facto que lhe corresponde e a torna verdadeira ou falsa. Mas pode-
mos compreender o sentido de uma proposição antes de saber se ela é verdadeira
ou falsa, portanto sem conhecer a sua referência. Uma proposição autêntica tem,
de facto, sempre dois pólos, ou duas direções, na medida em que, por definição,
ela deve poder ser verdadeira ou falsa. A verdade ou falsidade de uma proposição
depende de uma comparação com o mundo. Mas esta comparação só será possí-
vel se os elementos da proposição se combinarem numa conexão possível. Os ele-
mentos da proposição, só por si, não dizem nada: posso pronunciar os nomes de
Coimbra, Lisboa e Porto, mas só começo a dizer alguma coisa quando combino
estes elementos numa relação possível que tenha um sentido, antes mesmo que eu
possa verificar no mundo, ou, se quisermos, num mapa, que “Coimbra fica a nor-
te de Lisboa e a sul do Porto”. Uma proposição só é verdadeira se se referir a um
estado de coisas real, mas só o pode fazer se, antes, tiver um sentido, isto é, se for a
imagem de um estado de coisas possível, de uma combinação possível das coisas.
   A clássica conceção da verdade como adequação da coisa e do intelecto, sendo,
no essencial, preservada (a comparação com o mundo), é objeto de uma importan-
te modificação: uma proposição só pode ser verdadeira ou falsa, se, antes de qual-

                                           42
quer comparação, tiver um sentido que lhe é dado pela sua forma lógica. Tal
como um esquema pode representar uma posição possível das peças de um jogo
de xadrez, ou a disposição das tropas num campo de batalha, uma proposição
combina elementos (nomes que podem ser substituídos por variáveis), de acordo
com uma estrutura que corresponde, ou não, a uma combinação de elementos -
de “objetos” -, no mundo.
   Tendo definido a proposição como uma imagem da realidade, Wittgenstein
pode então considerar as proposições da linguagem que não representem nada
como pseudo-proposições. Deste modo, chega à conclusão de que a lógica, a mate-
mática, os princípios a priori das ciências da natureza, a ética e a filosofia se com-
põem de pseudo-proposições, que não podem ser verdadeiras nem falsas e que,
portanto, não têm sentido.
    No entender de Wittgenstein, muito paradoxalmente, uma proposição que não
possa ser falsa, uma proposição que seja sempre verdadeira, qualquer que seja o
estado do mundo, como as proposições da lógica, não pode nunca ser uma propo-
sição autêntica. Longe de ser uma verdade a priori ou uma lei do pensamento a
que o homem teria acesso fora da experiência, uma proposição da lógica não pas-
sa de uma tautologia (isto é, que diz a mesma coisa). Ela diz sempre a mesma coi-
sa, o que é o mesmo que afirmar que ela não diz nada, no sentido em que não
traz nenhuma informação nova a respeito do mundo. Uma tautologia do tipo
“está a chover ou não está a chover” é verdadeira qualquer que seja o estado das
coisas. Não tem, portanto, sentido.
    No entanto, esta tese surpreendente não deve iludir-nos a respeito do papel que
a lógica desempenha em Wittgenstein na definição do que a linguagem pode dizer.
Com efeito, as proposições da lógica, enquanto tautologias, fornecem a estrutura
da linguagem: determinam o que pode ser dito a respeito do mundo e, portanto,
determinam de facto a estrutura do mundo. Traçam o universo das coisas que po-
dem ser ditas, das coisas possíveis (“está a chover”; “não está a chover”), universo
no qual se inscrevem os factos do mundo, como as regras do jogo de xadrez defi-
nem as posições possíveis das suas peças e proíbem, por exemplo, que se imagine a
representação de uma partida de xadrez sem um rei (acabaria antes de ter começa-
do). As proposições da lógica são evidentes, na medida em que mostram o que são

                                         43
(tautologias), mas Wittgenstein tem o cuidado de sublinhar, ao contrário de Rus-
sell, que os axiomas não são mais evidentes do que as outras proposições da lógica
e que a demonstração, longe de ser uma prova que se apoia em princípios, só ser-
ve para iluminar o caráter tautológico de todas as proposições da lógica.
    As pseudo-proposições tautológicas da lógica, como , aliás, as da matemática,
que, segundo Wittgenstein, não passam de um “método de lógica”, não têm mani-
festamente o mesmo estatuto das pseudo-proposições da ética, da estética e da filo-
sofia, que, estas, se baseiam numa confusão entre a forma gramatical comum e a
forma lógica. É possível que Wittgenstein, leitor de Schopenhauer, de Tolstoi e dos
Evangelhos, tenha pensado que, limitando o que podia ser dito com sentido exclu-
sivamente às proposições das ciências da natureza, e impondo um silêncio ascético
à especulação metafísica, preservaria na sua pureza a procura pelo sentido da
vida. Mas é certo que o célebre convite ao silêncio com que conclui o Tractatus
(“Devemos calar aquilo de que não podemos falar”) pode ser legitimamente inter-
pretado, num espírito positivista, como uma condenação da metafísica. Este mal-
entendido permitiu, ou pelo menos favoreceu, o desenvolvimento do empirismo
lógico que encontrou na noção de tautologia a chave de um problema clássico.
Mas, ao mesmo tempo, deixou em aberto a questão do estatuto das proposições,
das frases da filosofia.
    Wittgenstein definiu a filosofia não como uma doutrina, mas como uma “ativi-
dade”, cuja finalidade é a “clarificação lógica do pensamento”. Deve “delimitar ri-
gorosamente” pensamentos que são, sem essa delimitação, “perturbadores e va-
gos”. Mas esta clarificação deveria, se tudo corresse bem, ter um tempo limitado.
As proposições “clarificadoras” do Tractatus, elas próprias, estão destinadas a desa-
parecer, pois deixam de ter sentido logo que sejam compreendidas, isto é, só têm
sentido clarificador e, portanto, só o têm enquanto não forem entendidas. A filoso-
fia seria comparável a um ácido que teria a propriedade de fazer aparecer as pseu-
do-proposições, de eliminar essas impurezas e, finalmente, dissolver-se a si mesmo,
não deixando nada para além do espelho polido das proposições que fornecem
uma imagem do mundo. Apesar de todo o seu aparelho de lógica simbólica, o Trac-
tatus chega à sua conclusão com um paradoxo: as proposições que o Tractatus enun-
cia são sem sentido.

                                        44
Mas quais são esses misteriosos “objetos” estáveis e simples que formam a subs-
tância do mundo e que se combinam para formar configurações mutáveis e instá-
veis, os “estados das coisas”? É provável que, no espírito de Wittgenstein, esses ob-
jetos sejam deduzidos, como uma condição necessária, da existência dos factos,
dos estados de coisas que tornam as proposições verdadeiras ou falsas. São eles - os
“objetos” - que asseguram essa estabilidade, sem a qual não seria possível dizer o
que quer que fosse a respeito do mundo. A sua existência é proclamada pelas ciên-
cias. Mas qual é a sua natureza? Esta questão tem algum sentido? Se tem, será que
devemos procurar a resposta do lado da psicologia, tomando como objetos primiti-
vos os dados sensíveis, as cores, os sons, etc., ou então temos de seguir o caminho
da física tomando, neste caso, as coisas materiais ou os átomos como elementos?
Interessa pouco que uma ou outra das hipóteses não consiga responder verdadeira-
mente àquilo que Wittgenstein procurava no Tractatus. O que conta para a história
é que esta perspetiva abriu caminho para uma interpretação empirista do Tracta-
tus, e esta interpretação é que foi verdadeiramente decisiva.




                                         45
3 SECÇÃO



Investigações Filosóficas

Wittgenstein foi engenheiro, oficial no exército austro-húngaro, professor de ensi-
no básico, ajudante de jardineiro num mosteiro, arquiteto, antes de ser professor
na Universidade de Cambridge. O seu perfil não correspondia ao de um intelectu-
al “encartado”, ao modo do seu tempo. Por isso só publicou duas obras em vida:
um pequeno dicionário de alemão para alunos do ensino primário e o Tractatus, de
que se falou na secção anterior. No entanto, as recolhas das suas numerosas notas
de preparação das aulas em Cambridge foram publicadas, após a sua morte, pelos
executores do seu testamento: as Investigações Filosóficas (1953), e os Caderno azul e Ca-
derno castanho (1958). Estas obras não são verdadeiramente uma exposição doutriná-
ria, mas sobretudo exemplos de um percurso tanto mais desconcertante quanto
acaba por se constituir na refutação de uma parte das teses expostas no Tractatus,
fortemente apoiadas pelo Círculo de Viena e pelo empirismo lógico, sob sua influ-
ência. O silêncio de dez anos, que separa a publicação do Tractatus, do retorno de
Wittgenstein à filosofia, não tem só interesse biográfico. Na verdade, prepara a
emergência, alguns anos mais tarde, de uma nova filosofia da qual percebemos as
premissas no Caderno castanho com a introdução do conceito de “jogo de lingua-
gem” e com o questionamento do privilégio concedido à linguagem ideal da lógi-
ca.
    Nas Investigações, Wittgenstein dedica-se a criticar em detalhe uma conceção da
linguagem que ele ilustra com uma citação das Confissões de santo Agostinho. Este
filósofo medieval, ao descrever a forma como, quando criança, aprendeu a falar (a
linguagem), privilegia o nome (comum ou próprio), e, na aprendizagem do nome,
o papel da definição ostensiva, através do gesto: “Quando alguém nomeava um ob-
jeto (...) retinha que a esse objeto correspondia o som que se fazia ouvir quando
era designado”(1). Santo Agostinho estaria a esquecer, segundo Wittgenstein, a di-
versidade dos tipos de palavras e dos tipos de linguagem. Enganados pela seme-
lhança das palavras entre si - afinal, são sons articulados - esquecemos que elas

                                           46
não servem somente para designar de forma ostensiva um objeto presente ou dissi-
mulado, e que elas também são empregues para dar ordens, relatar um aconteci-
mento, fazer conjeturas e hipóteses, e examiná-las, inventar uma história, represen-
tar peças de teatro, inventar ou resolver enigmas, traduzir, pedir, maldizer, saudar,
rezar (2).
    Não vale a pena, nestes exemplos, procurar o significado das palavras no objeto
que designam, seguindo o modelo definitivamente demasiado simples do nome
próprio que se refere a uma realidade individual e a uma só. A linguagem, segun-
do uma metáfora célebre de Wittgenstein, é como uma caixa de ferramentas (3):
não conseguimos compreender o significado de uma ferramenta sem lhe atribuir
uma função e sem a associar a uma atividade humana. Podemos dizer, por exem-
plo, que uma sovela “serve para cortar couro” e que é utilizada, entre outras, no
ofício de sapateiro. Do mesmo modo, o significado das palavras aparece com o uso
que fazemos delas, com o emprego que lhes damos no contexto de uma atividade
coletiva.
   Para designar o conjunto composto pela palavra e pela atividade humana em
que ela é empregue, Wittgenstein introduz a noção de “jogo de linguagem”. Um
jogo de linguagem pode tomar a forma de um conjunto de instruções, de ordens,
de respostas e de gestos, por exemplo, no convés de um navio. Mas porquê falar de
jogo de linguagem?
    Em primeiro lugar, por analogia, na medida em que os diferentes jogos (o ténis,
o xadrez, etc.) só têm entre si afinidades, semelhanças, um ar de família, mas não
têm uma essência comum (4). Esta diversidade irredutível, temperada pelas seme-
lhanças, encontra-se também nas funções da linguagem. Ao dizer isto, Wittgens-
tein renuncia ao projeto central do Tractatus: encontrar a forma geral da proposi-
ção, a função da linguagem. Por outro lado, não há jogo sem um conjunto de ges-
tos submetidos a regras, que são arbitrárias, mas que são aceites como necessida-
des naturais por aqueles que o praticam. Do mesmo modo, cada tipo de lingua-
gem, enquanto jogo coletivo, supõe regras, uma gramática implícita.
  No entanto, a fórmula “jogo de linguagem” mantém uma certa ambiguidade.
Um jogo não é uma coisa a sério, diz-se, enquanto a linguagem tem a ver com as

                                         47
coisas e com a verdade. Considerá-la um jogo não será pôr entre parêntesis aquilo
que constitui o próprio problema da linguagem, o facto de que possa ir, segundo se
crê, para além de si mesma? Para Wittgenstein, os jogos de linguagem designam,
em primeiro lugar, linguagens simplificadas e imaginadas, mas completas em si
mesmas, que permitem compreender e criticar certas conceções filosóficas como,
por exemplo, a teoria das descrições de Russell (5). Mas, ao mesmo tempo, temos a
sensação de que cada linguagem natural é composta de vários jogos de linguagem
enredados, que é possível descrever empiricamente numa perspetiva sociológica e
antropológica.
   É neste sentido, em particular, que Wittgenstein pode dizer que os jogos de lin-
guagem representam “formas de vida naturais”, práticas coletivas do dia-a-dia, às
quais não prestamos atenção, sobretudo, diz Wittgenstein, quando fazemos filoso-
fia recorrendo ao modelo simplificado e simplista da definição ostensiva. “Nós fica-
mos inconscientes da diversidade prodigiosa de todos os nossos jogos de linguagem
do quotidiano, porque o vestuário da nossa linguagem torna tudo semelhante (6).”
    Enquanto formas de vida naturais que combinam termos linguísticos e ações
coletivas, os jogos de linguagem baseiam-se em regras que não são objeto de uma
convenção explícita e que têm a natureza de factos sociais: “Obedecer a uma re-
gra, fazer uma comunicação, dar uma ordem, jogar um jogo de xadrez, são hábi-
tos (costumes, instituições) (7).” A partir daqui, podemos compreender a argumen-
tação que fundamenta uma das teses mais surpreendentes de Wittgenstein: a im-
possibilidade de qualquer tipo de linguagem privada.
    Esta crítica da “linguagem privada” - por oposição aos jogos de linguagem que
seguem regras respeitadas por todos - visa tanto as especulações idealistas de tipo
cartesiano ou husserliano, que descrevem e classificam os atos de consciência após
colocar entre parêntesis o mundo exterior, como as análises de tipo empirista (Hu-
me, por exemplo) que pretendem apoiar-se em dados sensíveis. Uma linguagem
privada, para Wittgenstein, é uma linguagem que se referiria a experiências, a esta-
dos só conhecidos pela pessoa que fala, a sensações internas e imediatas como a
dor, a dados sensíveis como uma certa tonalidade de vermelho, a processos men-
tais como uma decisão. Se admitirmos a possibilidade de uma linguagem privada,
se a linguagem é, primeiro, uma linguagem privada que, depois, traduz “as ideias

                                        48
que estão no espírito”, de acordo com a expressão de Locke, seremos conduzidos,
como o são a maior parte dos empiristas, a tirar conclusões céticas. A refutação da
tese da linguagem privada liga-se explicitamente, em Wittgenstein, à crítica da defi-
nição ostensiva, que, segundo ele, só pode desempenhar um papel secundário de
explicação, uma função pedagógica limitada, na medida em que supõe sempre a
existência prévia de uma linguagem. É por definição ostensiva, por exemplo, que
aprendemos, no início, palavras estrangeiras (explica-se rouge, mostrando verme-
lho), porque o aluno já domina uma linguagem. Mas a denominação não consegui-
ria explicar toda a linguagem e é conveniente distinguir o “significado” de uma pa-
lavra do objeto que ela designa. Afinal, o objeto pode desaparecer sem que a pala-
vra perca a o seu significado.
    Mas a polémica contra a noção de linguagem privada visa também refutar o ce-
ticismo. As últimas notas escritas por Wittgenstein, pouco tempo antes da sua mor-
te, publicadas em 1969 sob o título Da certeza, tratam precisamente da questão da
dúvida e do ceticismo (Cf. texto). Wittgenstein, numa forte polémica com o empi-
rismo (sobretudo de Moore), reinterpreta a refutação do ceticismo, mostrando que
a dúvida universal de tipo cético ou cartesiano é, de facto, impossível. É, evidente-
mente, razoável duvidar da verdade de um enunciado particular, imaginar a sua
negação. Mas a generalização da dúvida ao conjunto do que sabemos e em que
acreditamos, ainda que sob a forma metódica e provisória que lhe atribuem Des-
cartes e Husserl, faz parte dessas ilusões que só o uso irrefletido da linguagem
pode fazer nascer em filosofia. Podemos, por exemplo, duvidar sem formular a dú-
vida, portanto sem utilizar palavras cujos significados não podemos revogar atra-
vés da dúvida? Descartes duvida de tudo de forma hiperbólica, salvo talvez do si-
gnificado das palavras “enganar alguém” no enunciado: “Um génio maligno...
que empregou toda a sua astúcia a enganar-me (8).” Isto é o mesmo que dizer que
a dúvida supõe sempre a existência de um “jogo de linguagem”. De facto, do mes-
mo modo que não conseguimos aprender nada em história ou em matemática, se
começarmos por duvidar de tudo o que nos é ensinado, também não nos é possí-
vel duvidar sem nos referirmos a alguma autoridade incontestada e implícita. O
jogo da dúvida pressupõe a certeza e só tem sentido se ligado a ações concretas.
Wittgenstein ultrapassa, portanto, o empirismo de Moore, mas também o raciona-


                                         49
lismo de Descartes e de Husserl, na medida em que considera que a generalização
da dúvida, longe de me permitir descobrir o resíduo irredutível do Eu, do Ego
puro, não passa de uma perversão ilusória da linguagem, uma vã glória da filoso-
fia. Um jogo de linguagem supõe interlocutores comprometidos numa ação, nem
que seja um génio maligno empenhado em os enganar; a certeza já não é uma pro-
priedade do conhecimento teórico, uma característica das ideias claras e distintas,
um valor absoluto descoberto por um Ego solitário que teria sido capaz de se puri-
ficar da dúvida. A certeza está ligada a uma forma de vida que só pode ser ultra-
passada ou modificada através de palavras, através de enunciados sem incidência
prática. Não revogamos, através da dúvida, as formas do pensamento, as leis da ló-
gica, não porque sejam verdades indubitáveis no sentido clássico e dogmático, mas
porque não podemos viver sem elas, nem sequer imaginar que o possamos fazer.
    Podemos acreditar verdadeiramente, por exemplo, que possamos encontrar se-
res humanos que sejamos completamente incapazes de compreender? Não. Mas
não é porque há uma razão universal, presente em cada homem, com as suas leis.
É simplesmente impossível interpretar um comportamento sem supor um sistema
comum de referência, um jogo de linguagem partilhado que permita determinar
as diferenças. Antes de dizer que não compreendemos o que diz um homem que
fala uma língua diferente da nossa, temos de reconhecer que ele fala, que os sons
que ele emite constituem uma linguagem.
    Wittgenstein põe em causa as interpretações intelectualistas que procuram a ra-
zão de práticas estranhas em erros, ou em “crenças científicas erradas”. O primiti-
vo que dança para fazer chover não acredita que a dança faz chover. Wittgenstein
esboça assim um projeto de uma gramática para a antropologia e para a psicolo-
gia, mas também para a filosofia, entendida não como uma explicação que forne-
ceria as verdadeiras razões, mas como uma descrição não normativa dos jogos de
linguagem na sua diversidade e nas suas semelhanças. De uma maneira geral, “o
jogo de linguagem não se baseia em nenhum fundamento. Ele não é razoável
(nem tão pouco não razoável). Esta aí como a nossa própria vida”(9).
    Esta conceção pode evidentemente ser objeto de duas interpretações divergen-
tes:


                                        50
☛ Podemos considerar que conduz a uma espécie
   .
                  de relativismo cultural que se submete perante a
                  diversidade dos jogos de linguagem, dos rituais, das
                  mitologias, das culturas, sem nunca procurar julgá-
                  los, nem tão pouco explicá-los. Esta linha de
                  pensamento seria compatível com a ideia de
                  Wittgenstein de que as “formas de vida” são
                  irredutivelmente diversas;
                  ☛ Mas podemos também vislumbrar a possibilidade
                  de uma gramática profunda e universal - segundo a
                  expressão de Chomsky - que descreveria as regras
                  de funcionamento de toda a linguagem humana. Esta
                  interpretação conduziria assim à ideia de uma
                  “análise transcendental”, que indicaria as condições
                  de possibilidade dos diversos atos da linguagem,
                  nomeadamente, da referência a objetos, da
                  atribuição de certas caraterísticas pelos predicados,
                  e as condições de possibilidade da argumentação



     Wittgenstein recusaria sem dúvida comprometer-se com esta via transcenden-
tal, que simplifica e economiza aspetos essenciais do pensamento que se exprime
nas Investigações, nomeadamente, a ideia pragmática de que o significado das pala-
vras e das frases está ligado às atividades que lhe servem de contexto, e a ideia ana-
lítica segundo a qual a filosofia deve ter uma função terapêutica. Como é que a fi-
losofia poderia procurar condições transcendentais não empíricas, válidas para to-
dos os casos, quando a sua verdadeira tarefa é a de resolver os problemas e dissi-
par definitivamente as confusões que surgem quando a linguagem “patina no va-
zio”?




                                               51
4 SECÇÃO



Texto de Wittgenstein

                             Uma espécie de mitologia

Wittgenstein, L. (1976), De la certitude, Trad. do alemão por J. Fauve, Paris, Gallimard, p. 49 e
seg.




93. As proposições que representam o que Moore “sabe” são todas de um género tal que
   dificilmente nos poderíamos representar por que razão alguém iria acreditar no contrário.
   Por exemplo, a proposição segundo a qual Moore viveu na proximidade imediata da
   terra. - Neste caso também posso falar de mim mesmo, em vez de de Moore. (...) Nada
   na minha imagem do mundo me dá uma visão contrária.

94. Mas esta imagem do mundo, eu não a tenho porque me convenci da sua retidão; nem
   tão pouco porque estou convencido da sua retidão. Não, ela é o cenário que herdei, no
   fundo do qual distingo entre o verdadeiro e o falso.

95. As proposições que descrevem esta imagem do mundo poderiam pertencer a uma
   espécie de mitologia. E o seu papel é semelhante ao das regras do jogo; e este jogo,
   podemos também aprendê-lo de forma puramente prática, sem regras explícitas.

96. Poderíamos representar-nos certas proposições, empíricas na forma, como solidificadas
   e funcionando como vias condutoras para as proposições empíricas fluidas, não
   solidificadas; e que esta relação se modificaria com o tempo, solidificando-se
   proposições fluidas e liquidificando-se proposições robustas.

97. A mitologia pode encontrar-se de novo aprisionada na corrente, o leito onde deslizam os
   pensamentos pode deslocar-se. Mas eu distingo entre o fluxo da água no leito do rio e a
   deslocação deste último; se bem que não haja entre os dois uma divisão clara.

98. Mas se alguém viesse dizer-nos: “A lógica é, ela também, uma ciência empírica”, estaria
   errado. O que está certo é isto: a mesma proposição pode ser tratada num momento



                                               52
como o que é a verificar pela experiência, num outro momento como uma regra da
   verificação.

99. E mesmo a margem deste rio é feita em parte de uma rocha sólida que não está sujeita a
   nenhuma modificação ou quando muito a uma modificação imperceptível, e é feita em
   parte de uma areia que o fluxo de água transporta e depois deposita aqui e ali.




                                            53
5 SECÇÃO



Notas

1 L. Wittgenstein, Investigations philosophiques, I, § 1
2 L. Wittgenstein, op. cit., I, § 23
3 L. Wittgenstein, op. cit., I, § 11
4 L. Wittgenstein, op. cit., I, § 66
5 L. Wittgenstein, op. cit., I, § 48
6 L. Wittgenstein, op. cit., II, p. 357
7 L. Wittgenstein, op. cit., I, § 199
8 Descartes, Méditations, p. 75
9 L. Wittgenstein, De la certitude




                                              54
4 CAPÍTULO




Heidegger


A existência é importante para apreender a realidade.
É preciso esperar que o ser se nos revele. A sua
verdade mostra-se de maneira enigmática na
linguagem poética que toma o valor de uma revelação
religiosa. As palavras perdem o seu papel de utensílios
e são literalmente utilizadas pelo ser para nos
manifestar a sua verdade.
Ao contrário da poesia que revela o ser, a técnica
moderna, verdadeiro remate do niilismo filosófico,
revela o nada.




               55
1 SECÇÃO



Heidegger

                                 De certo modo, Heidegger coloca-nos diante de uma
                                 alternativa: ou o seu pensamento é a derradeira expressão
                                 de uma metafísica oca, puramente verbal, como pensa
                                 ainda um grande número de filósofos de inspiração
                                 analítica, ou então tenta verdadeiramente dizer-nos alguma
                                 coisa, que está presente, mas implicitamente,
                                 negativamente, no vazio, nas metamorfoses da filosofia
                                 analítica. Algumas perspetivas atuais do lado da
                                 hermenêutica, como a de Paul Ricoeur, ou sob o signo do
                                 pragmatismo, de R. Rorty, sugerem que o abismo entre a
       Martin Heidegger          corrente analítica e a corrente da filosofia “continental” de
                                 língua alemã e francesa, não sendo preenchido, deixou de
ser inultrapassável.(1hd) Mas estamos ainda longe de ter a noção exata do pensamento
terrivelmente controverso de Heidegger.

Estas controvérsias têm origem, em parte, no facto de Heidegger ser um filósofo ou um
pensador sujeito a mal-entendidos, não de um mal-entendido decorrente de uma simples e
contingente perturbação da comunicação, de um acidente de bom entendimento, mas um
mal-entendido como destino, como finalidade, do próprio pensamento.

Mal-entendido antes de mais nas relações que estabelece com a fenomenologia. O próprio
Heidegger refere a importância que teve para ele, em 1910, a leitura das Investigações
lógicas de Husserl; a sua primeira tese (Dissertação), sob a orientação do neo-kantiano
Rickert é uma crítica da doutrina psicologizante do juízo (em 1913) e o grande livro de 1927,
O Ser e o Tempo, contém uma dedicatória a Husserl, que Heidegger sucede em Friburgo em
1928. Todavia, o Ser e o Tempo indica claramente que a fenomenologia, para Heidegger, é
sobretudo uma “possibilidade” que falta explorar, e não uma forma científica de investigação
filosófica, como pretendia Husserl. É verdade que reconhece que as Investigações lógicas
constituem uma “avanço”, mas, como afirma num pequeno texto muito esclarecedor, O Meu
Caminho e a Fenomenologia, em vez de constituir um genuíno início de uma nova filosofia,
essas investigações limitam-se a encontrar, de forma confusa e contraditória, o traço
fundamental do pensamento grego. Recusando seguir os passos de Husserl no caminho da

                                              56
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O Círculo de Viena e a Escola de Frankfurt: críticas da linguagem e da sociedade

  • 1. Filosofia em Tempos Difíceis JORGE NUNES BARBOSA
  • 2. Índice “Necessitamos, pois, de corrigir o ponto de partida da filosofia. O dado radical do Universo não é simplesmente: o pensamento existe, ou eu, pensante, existo; mas que se existe o pensamento existem, ipso facto, eu que penso e o mundo em que penso, e existe um com o outro, sem separação possível. Mas nem eu sou um ser substancial, nem o mundo tão-pouco - ambos somos em ativa correlação; eu sou o que vê o mundo, e o mundo é o que é visto por mim. Eu sou para o mundo, e o mundo é para mim. Se não há coisas que ver, pensar e imaginar, eu não veria, pensaria ou imaginaria - isto é, não seria.” (…) Ortega y Gasset Explicação Prévia Introdução Capítulo I - O Círculo de Viena e a Escola de Frankfurt Círculo de Viena Escola de Frankfurt Conceitos e Objetos (Frege) - Texto Os Sentidos não Mentem (Nietzsche) - Texto Enunciados Destituídos de Sentido (Carnap) - Texto i
  • 3. Capítulo II - Bertrand Russell Bertrand Russell O Significado e a Verdade O Significado como Conhecimento Direto ou Familiar A Ontologia de Russell A Forma de uma Proposição Verdadeira pode ser Mostrada?(Russell) - Texto Capítulo III - Ludwig Wittgenstein Introdução O Tractatus Logico-Philosophicus As Investigações Filosóficas Uma Espécie de Mitologia (Wittgenstein) - Texto Capítulo IV - Martin Heidegger Heidegger: Os Mal-Entendidos Síntese Superar a Metafísica (Heidegger) - Texto Capítulo V - Ortega y Gasset A Razão Vital A Questão do Nosso Tempo Eu Sou Eu e a Minha Circunstância Síntese ii
  • 4. Capítulo VI - Jurgen Habermas O Debate Livre O Conceito de Racionalidade Comunicacional (Habermas) - Texto Capítulo VII - Karl Popper A Abertura do Pensamento Não Há Indução (Popper) - Texto Capítulo VIII - Thomas Kuhn Revoluções Científicas Como se Produzem as Revoluções Científicas (Kuhn) - Texto Capítulo IX - John Rawls O que á a Justiça? A Justiça como Equidade (Rawls) - Texto Capítulo X - Outros Temas Husserl e a Fenomenologia Paul Ricoeur Explicar e Compreender (Paul Ricoeur) - Texto O Outro Existencialismo Utopia Razão O Absurdo Bibliografia iii
  • 5. Explicação Prévia Este documento é composto por textos dispersos, a respeito de alguns filósofos do século XX. Corresponde de algum modo a uma espécie de esboço do que poderá vir a ser uma publicação mais estruturada e mais refletida. Destina-se, nesta oportunidade, a servir como documento orientador dos meus alunos, e como forma de me obri- gar a organizar um conjunto de apontamentos, até agora, mal organizados e em formatos diversos. As ligações, no interior do documento, não são mantidas no formato PDF; es- sas ligações só são funcionais no formato ePub, disponível gratuitamente na iBooksto- re (para iPad). Essa gratuitidade não tem origem em nenhuma espécie de generosi- dade, mas tão só no reconhecimento de que este conjunto de textos não tem qual- quer valor comercial. Pode, portanto, ser usado livremente por quem quer que te- nha acesso a ele. Porto, 30 de Outubro de 2012. Jorge Barbosa iv
  • 6. Introdução A filosofia contemporânea é partilhada por várias correntes: por um lado, a filoso- fia analítica de língua inglesa que não se reduz, como se pensa muitas vezes, ao po- sitivismo lógico, mas que lhe dá origem; por outro lado, uma filosofia continental de língua alemã e francesa, que se refere a Nietzsche, a Heidegger, a Freud. Duran- te muito tempo, estas duas correntes não foram verdadeiramente contemporâneas, no sentido em que se mantiveram estranhas uma à outra, em que não eram lidas em conjunto. Um exemplo desta incompreensão radical pode ser encontrado nas atas de um colóquio sobre a “filosofia analítica”, que reuniu em 1962, na Abadia de Royaumont filósofos anglo-saxónicos de primeiro plano (Quine, Strawson, Aus- tin, Ryle) e representantes igualmente distintos da fenomenologia e da filosofia francesa (Merleau-Ponty, Jean Wahl, etc.). Este período de incompreensão radical, que não autorizava que se falasse seriamente de filosofias contemporâneas, e que nos obrigava a contentar-nos com uma cronologia muito exterior, com uma sim- ples justaposição, estará porventura a desvanecer-se, em parte, porque a filosofia analítica evoluiu e descobriu, engenhosamente, uma história para ela própria... Es- boçam-se, então, debates que não se desenvolvem exclusivamente no seio de uma única tradição, numa única língua. Estas trocas têm, naturalmente, a duração e a qualidade próprias dos debates filosóficos: caracterizam-se sempre por alguns re- cuos, alguns diferendos, múltiplos mal-entendidos, mas existem. Nestas condições, que ponto de partida devemos escolher para apresentar a filo- sofia contemporânea do século XX? Seria tentador escolher os primeiros traba- lhos de Frege e os de Moore, cuja Refutação do Idealismo de 1903 inaugura a filosofia analítica. Seria igualmente tentador, numa outra perspectiva, tomar como referên- cia a obra de Nietzsche, como primeiro exemplo de desconstrução da metafísica, da “genealogia”. A obra do primeiro, nas margens da filosofia, aproxima-se da ma- temática, e a obra do segundo, nas margens também ela, aproxima-se da literatura pelos aforismos, da poesia e do mito pela figura de Zarathustra. No entanto, se ti- v
  • 7. vermos em conta o que veio a acontecer às doutrinas destes dois pensadores, desco- briremos uma curiosa afinidade. Qual é, então, o ponto comum entre a corrente que parte de Frege, com Russell, Wittgenstein, Carnap, Austin, Quine, e aquela que parte de Nietzsche, com Heidegger, Foucault, Derrida? Apesar de diferenças muito importantes, poderemos encontrar uma preocupação comum: a crítica da metafísica como “discurso” e, portanto, uma crítica da linguagem. A filosofia clássica (em três nomes: Descartes, Hume, Kant) tinha colocado a questão do conhecimento, isto é, da relação entre o pensamento e as coisas, no centro das suas preocupações. Assiste-se com Frege e Nietzsche, e também com C- S. Peirce, fundador do pragmatismo, a uma viragem do texto (Rorty chamou-lhe viragem linguística), que coloca o problema da linguagem, do significado, do senti- do no lugar da questão tradicional do conhecimento. A questão da linguagem nun- ca esteve ausente da filosofia, em particular na Grécia antiga, mas adquire uma im- portância muito particular na filosofia contemporânea. A crítica da linguagem pode ter duas dimensões. Pode incidir sobre a lingua- gem como instrumento de conhecimento, nas ciências, e em procurar definir as su- as possibilidades e os seus limites, em mostrar os erros e as ilusões que ela provoca. Sonhar-se-á, então, com uma linguagem pura, ideal, cujo modelo será procurado na lógica, na física, se não nos contentarmos em explorar o funcionamento, de si já bem complexo, da linguagem “comum”. No entanto, a linguagem não é só um instrumento de conhecimento. É também um instrumento de comunicação social e, nesta perspetiva, a crítica da linguagem não incidirá sobre a linguagem das ciên- cias, mas sobre a degradação da linguagem como sinal de uma perversão das rela- ções humanas, como sintoma de uma relação de dominação e de opressão. vi
  • 8. Surgem então duas grandes tendências: ☛ A do círculo de Viena que assume a crítica da linguagem como Kulturkritik, como crítica da civilização ou da cultura. ☛ E, numa perspectiva muito diferente e até contraditória, Nietzsche, Adorno e a escola de Frankfurt, Derrida, Foucault, Habermas que propõem a crítica da linguagem como instrumento de comunicação e de dominação social. A questão que se coloca é, então, a de saber como podemos conceber a relação entre estes dois tipos de crítica da linguagem. Que relação pode haver entre a ques- tão do funcionamento da linguagem na descrição verdadeira do mundo e a do seu papel na comunicação social? Para responder a esta questão, temos de caminhar com cuidado, passo a passo. Comecemos, então, por apresentar uma síntese de en- quadramento destas duas grande tendências da filosofia contemporânea vii
  • 9. 1 CAPÍTULO Círculo de Viena e Escola de Frankfurt ☛ Se aplicarmos à própria filosofia tradicional esta sintaxe lógica, descobriremos uma série de pseudoproposições ou proposições desprovidas de sentido, quer porque elas estão logicamente mal construídas, quer porque são impossíveis de verificar. ☛Assim, o conceito de liberdade serviria para justificar a livre iniciativa, quer dizer, acrescentam os teóricos da Escola de Frankfurt, a livre exploração do trabalho. 8
  • 10. 1 SECÇÃO Círculo de Viena Em 1922, um certo número de filósofos e de cientistas reúnem-se em comunidade de trabalho, nomeadamente à volta de Moritz Schlick (1882-1936), que tinha aca- bado de ser nomeado professor da Universidade de Viena, de Rudolf Carnap (1891-1970) e de Otto Neurath (1882-1945). O Círculo de Viena, que está em liga- ção com a Sociedade de Filosofia Empirista de Berlim, dirigida por Hans Rei- chenbach, e com Bertrand Russell e Ludwig Wittgenstein, anima uma série de pu- blicações, organiza colóquios internacionais em Viena, Paris, Copenhague, etc. Entre as duas guerras, a sua influência estende-se aos Estados Unidos, para onde a maior parte dos seus fundadores irá ensinar. De todos estes trabalhos des- prende-se uma doutrina a que se chamou empirismo lógico e que se inscreve na suces- são do empirismo inglês e do positivismo francês. A estas variedades de empirismo, o empirismo lógico junta uma crítica da no- ção de significado e uma análise da linguagem. Nesta perspetiva, o conhecimento não deriva de uma experiência pessoal, nem da descrição de um dado imediato. Passa pela mediação de um sistema de sinais, e o problema que se coloca aos ani- madores do Círculo de Viena é o da natureza das proposições lógicas. Enquanto, para os lógicos clássicos, as proposições lógicas são normas do verdadeiro pensa- mento, os empiristas lógicos, na esteira de Wittgenstein, consideram que estas pro- posições não nos dizem nada sobre o que realmente é (cf. Cap. 3). Procedendo à análise lógica da linguagem, os discípulos do Círculo de Viena estabelecem que nem todas as proposições, cujas palavras têm um sentido, são ne- cessariamente proposições dotadas de sentido. Bertrand Russell (cf. Cap. 2), com a sua teoria dos tipos, definiu um certo número de condições permitindo excluir as combinações de palavras que conduzem a proposições contraditórias ou não escla- recíveis. 9
  • 11. Rudolf Carnap vai mais longe ao formular uma sintaxe lógica que enuncia as regras de formação e de transformação das proposições suscetíveis de serem verifi- cadas. Ele julga construir assim uma linguagem que seria uma verdadeira lógica da ciência. A análise lógica dos conceitos das proposições científicas é, a seus olhos, a verdadeira tarefa da filosofia. Se aplicarmos à própria filosofia tradicional esta sintaxe lógica, descobriremos uma série de pseudoproposições ou proposições desprovidas de sentido, quer por- que elas estão logicamente mal construídas, quer porque são impossíveis de verifi- car. 10
  • 12. 2 SECÇÃO Escola de Frankfurt Em 1924, fundou-se em Frankfurt um Instituto de Pesquisas Sociais. Esse Instituto reuniu progressivamente um certo número de investigadores, dos quais os mais co- nhecidos são os filósofos Herbert Marcuse, Max Horkheimer, Theodor Adorno, Jurgen Habermas (cf. Cap. 8). O seu programa comporta a crítica radical da socio- logia e da psicologia do seu tempo, isto é, a crítica do positivismo aplicado aos fac- tos sociais. São recusadas, nomeadamente, as conceções de Max Weber. Estes jo- vens teóricos julgam que há uma relação estreita entre o saber universitário e as ne- cessidades ideológicas das classes dominantes nos países capitalistas avançados. O ambiente histórico, no qual nasce esta escola, é o da Alemanha entre as duas guerras mundiais. Está marcado pela primeira grande crise económica mundial e pela ascensão do nacional-socialismo. Os filósofos de Frankfurt não consideram o fanatismo como uma exceção, mas como um fenómeno que revela o caráter funda- mentalmente autoritário do sistema de lucro, que caracteriza o capitalismo. O tri- unfo do nazismo, que vai dispersar os teóricos da Escola de Frankfurt, os quais na sua maior parte vão continuar a sua atividade nos Estados Unidos, confirma as su- as análises. Tinham partido do marxismo e admitiam a necessidade de uma revolução to- tal para resolver os problemas sociais e chegar a um sistema novo de relações entre os homens sem poder autoritário nem hierarquia. Depressa, avaliam a União Sovi- ética de modo crítico. Vêem nela a construção de uma estrutura estatal de caráter totalitário, contraditório com os fins e os procedimentos do socialismo. As obras dos teóricos da Escola de Frankfurt aparecem também muito frequen- temente como uma crítica da razão. Horkheimer escreve “Eclipse da Razão”, Ha- bermas “A Técnica e a Ciência como Ideologia”, Horkheimer e Adorno “A Dialéti- ca da Razão”. Todas estas obras constituem problematizações da racionalidade tal como ela funciona nas sociedades modernas. A própria razão é aí descrita como 11
  • 13. um instrumento ligado a uma estrutura económica, social, política que se chama capitalismo. Entretanto, estes filósofos julgam que, no passado, a razão desempenhou um pa- pel diferente. Elaborou ideais de justiça, de liberdade, de democracia que foram pervertidos pela dominação da burguesia. Este domínio provocou uma verdadeira decomposição da razão. Os conceitos que forjou serviram e servem ainda para mascarar a sua falsificação no plano das realidades sociopolíticas. Assim, o concei- to de liberdade estaria a ser usado para justificar a livre iniciativa, quer dizer, acres- centam os teóricos da Escola de Frankfurt, a livre exploração do trabalho. No caso dos Estados socialistas, assistir-se-ia a um desvio simétrico dos conceitos racionais do marxismo. 12
  • 14. 3 SECÇÃO Textos Conceitos e Objetos Frege, G. (1969) Les Fondements de l’arithmétique, Trad. do alemão para francês por C. Imbert, Paris, Le Seuil, p. 119 Que não se tome a descrição da origem de uma representação por uma definição. E que não se tomem as condições psicológicas e corporais da consciência de uma proposição por uma prova, que não se confunda a consciência de uma proposição com a sua verdade. Não devemos nunca esquecer que uma proposição não deixa de ser verdadeira quando não pensamos nela, que o Sol não se apaga quando fechamos os olhos. Se não, seríamos obrigados a ter em consideração o teor de fósforo do cérebro na demonstração do teorema de Pitágoras. (...) O método histórico, que pretende surpreender a génese das coisas e conhecer a essência pela génese, tem sem dúvida uma vasta jurisdição; tem também os seus limites. Se, no fluxo perpétuo que tudo leva, nada fosse fixo nem conservasse eternamente o seu ser, o mundo deixaria de ser conhecível e tudo se perderia na confusão. Parece que acreditamos que os conceitos crescem na alma individual como as folhas crescem nas árvores, e pensamos conhecer a sua essência examinando a sua génese, procurando definir o seu ser por vias psicológicas, a partir da natureza da alma humana. Ora, esta conceção empurra tudo para a subjetividade, e, se a levarmos ao limite, suprime a verdade. Aquilo a que se chama história dos conceitos, é na realidade ou a história do nosso conhecimento dos conceitos ou a história do significado das palavras. Por vezes foi necessário um imenso trabalho intelectual, que perdurou durante séculos, antes de sermos capazes de conhecer um conceito em toda a sua pureza, de libertá-lo de todos os envelopes que o afastavam do olhar do intelecto. Que dizer, quando, em lugar de prosseguir nesse trabalho uma vez que tudo parece ainda inacabado, o desprezamos, na altura de frequentar o jardim de infância, de estudar as mais antigas etapas da evolução da humanidade, para descobrir, como John Stuart Mill, uma aritmética de (..) de calhaus? 13
  • 15. Os Sentidos não Mentem Nietzsche, F. (1970) Le Crépuscule des Idoles, Trad. do alemão para francês por H. Albert, Paris, Mercure de France, p. 103 Coloco à parte com um profundo respeito o nome de Heraclito. Se o conjunto dos outros filósofos rejeitava o testemunho dos sentidos porque os sentidos são múltiplos e variáveis, ele rejeitava o seu testemunho porque eles apresentam as coisas como se tivessem duração e unidade. Heraclito, também ele, errou no que diz respeito aos sentidos. Estes não mentem, nem à maneira como imaginavam os Eleatas (Parménides, Zenão), nem como ele imaginava - em geral, não mentem. É aquilo que fazemos do seu testemunho que coloca neles a mentira, por exemplo, a mentira da unidade, a mentira da realidade, da substância, da duração... Se falseamos o testemunho dos sentidos, é por culpa da “razão”. Os sentidos não mentem, pelo menos enquanto se limitam a mostrar o devir, o desaparecimento, a mudança... Mas na sua afirmação de que o ser é uma ficção, Heraclito merece que lhe seja atribuída a razão eterna. O “mundo das aparências” é o único real: o “mundo-verdade” é simplesmente acrescentado pela mentira... (...) 14
  • 16. Enunciados Destituídos de Sentido Carnap, R. (1985) Le Dépassement de la métaphysique, Trad. do alemão para francês por A. Soulez, Paris, PUF, p. 172 Podemos dividir os enunciados (dotados de sentido) da maneira seguinte: em primeiro lugar, aqueles que são verdadeiros em virtude exclusivamente da sua forma (ou “tautologias” segundo Wittgenstein. Correspondem, mais ou menos, aos “juízos analíticos” de Kant). Não dizem nada sobre o real. A esta espécie pertencem as fórmulas da lógica e da matemática; elas não são enunciados sobre o real, mas servem para o transformar. Em segundo lugar, vêm as negações dos primeiros (ou contradições) que são contraditórias, isto é, falsas em virtude da sua forma. Para decidir da verdade ou falsidade de todos os outros enunciados, temos de recorrer a enunciados protocolares, os quais (verdadeiros ou falsos) são por isso mesmo enunciados de experiência e têm a ver com a ciência empírica. Se quisermos construir um enunciado que não pertença a nenhuma destas espécies, esse enunciado será automaticamente destituído de sentido. 15
  • 17. 2 CAPÍTULO Bertrand Russell Tal como outros filósofos da corrente, genericamente denominada de filosofia analítica, Russell estava convencido de que a característica comum que alimenta os problemas filosóficos é o facto de eles consistirem em confusões conceptuais, resultantes do mau uso da linguagem comum. cap2 16
  • 18. 1 SECÇÃO B. Russell A lógica de Russell é basicamente uma proposta realis- ta. No entanto, ao longo do seu longo percurso filosófi- co, Russell atenuou e chegou mesmo a negar parcial- mente o seu realismo. Verificam-se, com efeito, diferen- ças claras logo entre os Princípios de Matemática, obra de 1903, e os Principia Mathematica, de 1910. Na primeira obra, as classes são realidades objetivas, tão reais como os indivíduos que as compõem; pelo contrário, na se- gunda, são consideradas como “convenções simbóli- cas” ou “linguísticas”, mas não “objetos autênticos”. Bertrand Russell Na primeira, afirmava que “termo é qualquer entidade que possa ser objeto de pensamento e que possa encon- trar-se numa proposição verdadeira ou falsa”, e que todo o termo tem uma existên- cia, isto é, que “de algum modo existe”. Nos Principia Mathematica, admite que todo o vocábulo contribui para o significado da locução em que se encontra, mas que não tem significado em todos os casos. Esta atenuação do realismo é acompanha- da por uma atribuição cada vez maior de importância à linguagem e à natureza linguística de muitos termos ou constructos lógicos. Apesar de tudo, a própria teo- ria da linguagem de Russell é essencialmente de natureza realista. Tal como outros filósofos da corrente, genericamente denominada, de filosofia analítica, Russell estava convencido de que a característica comum que alimenta os problemas filosóficos é o facto de eles consistirem em confusões conceptuais, re- sultantes do mau uso da linguagem comum. A solução seria, então, a clarificação do sentido dos enunciados a serem aplicados às áreas da ciência, da metafísica, da religião, da ética, da arte, etc.. No geral, os autores que seguem estas tendências en- 17
  • 19. tendem que a filosofia é uma atividade – para uns, terapêutica, para outros, clarifi- cadora -, cujo objeto é esclarecer o significado dos enunciados. Nas palavras de Habermas, com esta corrente analítica, produz-se uma “mu- dança de paradigma” (como diria Kuhn), ao passar-se de uma filosofia da consci- ência (como a cartesiana ou a kantiana) ou de uma epistemologia – onde o que in- teressa são as relações entre sujeito e objeto -, para uma filosofia da linguagem, onde o que interessa são as relações entre o enunciado e mundo, isto é, uma teoria do significado. Uma questão tão clássica como, por exemplo, a que pode formu- lar-se numa teoria do conhecimento acerca de “o que é conhecer?”, é reformulada e reinterpretada como uma questão sobre o significado: “o que é que se quer dizer quando se diz que conhecemos algo?” A atividade clarificadora dos enunciados, característica fundamental do movi- mento analítico, inicia-se sobretudo com as tarefas de fundamentação lógica, leva- das a cabo por Russell e Whitehead com a publicação da obra conjunta Principia Mathematica (1910 – 1913), que, na sequência dos estudos iniciais de G. Frege, fun- damenta a linguagem rigorosa da lógica, para evitar as ambiguidades e confusões do uso da linguagem comum. 18
  • 20. 2 SECÇÃO O Significado e a Verdade A teoria da linguagem de Russell encontra-se no texto sobre denotação de 1905, cujos resultados serão posteriormente incluídos nos Principia Mathematica, e na Filo- sofia do atomismo lógico de 1918. Nessa teoria se baseia a Investigação sobre o signifi- cado e a verdade. Os fundamentos desta teoria podem ser expressos do seguinte modo, em quatro condições: ☛ A linguagem é constituída por proposições; ☛ Os elementos constitutivos das proposições, isto é, os símbolos significam os constituintes dos factos que tornam as proposições verdadeiras ou falsas; por outras palavras, os factos correspondem a esses constituintes; ☛ É preciso ter conhecimento direto dos constituintes dos factos, para que seja possível captar o significado dos símbolos; ☛ O conhecimento direto é distinto de indivíduo para indivíduo. Uma linguagem logicamente perfeita basear-se-ia nos três primeiros fundamen- tos: nessa linguagem, não haveria mais do que uma palavra e só uma, para cada objeto simples, e cada coisa que não fosse simples seria expressa por uma combina- ção de palavras, cada uma das quais estaria em lugar de um componente simples. Uma linguagem desta natureza seria completamente analítica e mostraria, à vista desarmada, a estrutura lógica dos factos afirmados ou negados. Segundo Russell, a linguagem dos Principia Mathematica procurava ser uma lin- guagem desta natureza, mas onde só havia sintaxe e nenhum vocabulário. Com a adição do vocabulário, converter-se-ia numa linguagem logicamente perfeita. 19
  • 21. No entanto, o quarto dos fundamentos enumerados torna irrealizável este ide- al. Como pessoas diferentes têm um diferente conhecimento direto dos objetos, e se cada palavra não tem mais do que um significado - o correspondente ao objeto experienciado diretamente pela pessoa que fala -, então ninguém teria condições para comunicar com os outros. Ora, paradoxalmente, segundo Russell, a lingua- gem só pode exercer a sua função comunicativa graças à sua imperfeição e ambi- guidade; deste modo, a linguagem é tão mais útil à comunicação, quanto mais im- perfeita, vaga e equívoca for. Deste ponto de vista, é absolutamente indispensável, para a linguagem, que existam os objetos que constituem os componentes dos factos e os significados dos símbolos. Só uma perspectiva realista, como esta, é compatível simultaneamente com uma linguagem logicamente perfeita e a possibilidade de comunicação entre os humanos. Mas o problema é que, nas proposições da linguagem, não existem só nomes, símbolos de objetos particulares, mas também verbos, que exprimem rela- ções entre esses objetos. Assim, para Russell, as relações não são objetos particula- res perceptíveis, mas universais. É, então, deste modo, que Russell admite a existên- cia de universais: parece não ser possível deixar de admitir que as relações são par- tes da constituição não linguística do mundo, tal como os objetos particulares. Do mesmo modo, também não é possível explicar as relações assimétricas, traduzidas por “ou” e por “não”, como pertencendo exclusivamente à linguagem. Pelo con- trário, palavras como “antes” e “sobre”, tal como os nomes próprios, significam algo que corresponde aos objetos da percepção. Na filosofia de Russell, o conceito de existência aplica-se, então, tanto às coisas físicas, existentes no espaço e no tempo, como a coisas “intemporais” (para utilizar as suas palavras). No entanto, relativamente ao que devemos entender por existên- cia, neste seu significado mais extenso, as explicações de Russell são vagas e equívo- cas. Só a determinação negativa é muito clara, uma vez que exclui a existência como possibilidade. Russell chama “possível” à função proposicional que é alguma vez verdadeira como “X é um homem”; chama “necessária” à que é sempre verda- 20
  • 22. deira como “se X é homem, X é mortal”; e chama “impossível” à que nunca é ver- dadeira (“X é um unicórnio”). Só que, no seu entender, a proposição possível só é possível porque existem casos em que é verdadeira, isto é, porque corresponde aos factos, e assim a existência é o pressuposto da possibilidade, o que não deixa de ser incómodo. Mesmo assim, e apesar de tudo, Russell admite que se possa falar de objetos não existentes e até que se possa falar de objetos de que não se tem conhecimento direto; ambos os casos contrariam as condições reconhecidas por ele como própri- as da estrutura da linguagem. Para fazer face a estes dois casos, idealizou a teoria da denotação, exposta pela primeira vez num artigo de 1905 (On denoting). Se- gundo esta teoria, existem frases que realmente não dizem nada sobre os objetos existentes, mas que dizem algo sobre os símbolos presentes na frase. Por exemplo, segundo ele, a frase “O autor de Waverley é escocês” não afirma nada sobre Scott (porque não tem nenhum constituinte que denote Scott), mas deve interpretar-se como se dissesse: “Existe uma e só uma entidade que escreveu Waverley, e quem escreveu Waverley é escocês”. Uma tradução semelhante da frase denotante torna possível falar inclusive de coisas inexistentes. Assim, a frase “o atual rei de França é careca” deve traduzir-se: “Há uma entidade que é atualmente rei de França, e esta entidade é careca”. Esta frase é certamente falsa, mas tem um significado que pode ser expresso e compreendido. Ora, este ponto de vista elimina a necessidade de admitir objetos ou entidades correspondentes a todos os símbolos empregues na linguagem. Russell nunca duvidou de que o ponto de partida do conhecimento fosse a ex- periência individual, o domínio privado ou egocêntrico dos dados imediatos; mas tão pouco duvidou de que o conhecimento não se reduzisse a esse domínio. Pelo contrário, compreende um outro domínio que só pode ser alcançado através da in- ferência, que se reconhece e exprime de modo totalmente distinto do primeiro, mas que é constituído por elementos tomados dele. Sendo um ponto de partida para todo o conhecimento, a experiência não pode ser, na opinião de Russell, um método de comprovação. Nesta convicção se baseia 21
  • 23. a crítica de Russell ao Neoempirismo do círculo de Viena. Os neoempiristas, ao afirmar que o significado de uma proposição é o método da sua comprovação, o princípio de verificação, esquecem as proposições mais certas, isto é, os juízos de percepção: para estes juízos, não há nenhum método de comprovação, porque eles próprios constituem a comprovação de todas as restantes proposições empíricas que, de algum modo, possam ser conhecidas. Por outro lado, os neoempiristas es- quecem também, segundo Russell, o facto de que todas as palavras necessárias têm definições ostensivas, e que um enunciado pode ser compreendido se for com- posto por palavras que compreendemos, mesmo que não tenhamos uma experiên- cia que corresponda ao significado total do próprio enunciado. Esta crítica confirma que, para Russell, a experiência não é um método de com- provação dos enunciados, mas sim o ponto de partida de onde nascem o conheci- mento e a linguagem. Mas, como ponto de partida, a experiência é imediata e pri- vada. O Problemas da Filosofia, de 1912, já continha uma exposição completa e ordenada do que Russell entende por estes termos. A experiência é a esfera do co- nhecimento direto, de cujos objetos somos diretamente conscientes sem mediação de nenhum processo de inferência ou conhecimento de verdade. Não são as coisas que são objeto de conhecimento direto, mas os dados sensíveis, os dados da intros- pecção (isto é: da reflexão, no sentido de Locke) e os dados da memória. Também é provável que tenhamos, segundo Russell, conhecimento direto de nós próprios, isto é, do nosso eu, já que não se vê como poderíamos conhecer a verdade da pro- posição: “Eu tenho conhecimento dos dados sensíveis”, se não tivéssemos um co- nhecimento imediato de algo a que chamamos “eu”. Do mesmo modo, Russell ad- mite que temos um conhecimento imediato dos universais (ou seja, das relações que entram como componentes essenciais de todo o enunciado) e que esse conheci- mento é o conceito. Para além do conhecimento imediato, existe ainda aquilo a que Russell chama conhecimento por descrição, que é constituído pelo conhecimento da verdade. Neste caso, o que conhecemos é precisamente uma descrição e também que há um único objeto ao qual se aplica a descrição, embora o próprio objeto não seja diretamente conhecido. Por exemplo, “o computador que está diante de mim é o objeto físico que causa este e aquele dado sensível”. Esta proposição descreve o 22
  • 24. computador através dos dados sensíveis. Os objetos físicos e as mentes das outras pessoas não são susceptíveis de ser conhecidos diretamente, mas exclusivamente através do conhecimento por descrição. Mas, em qualquer caso, o conhecimento por descrição é, no limite, redutível ao reconhecimento direto. Por esta razão, Rus- sell conserva como princípio que toda a proposição que possamos compreender tem de ser composta por constituintes de que tenhamos conhecimento imediato. O que é o Atomismo Lógico? “Atomismo lógico” é o nome dado por Russell à sua teoria filosófica, exposta em conferências realizadas em 1918 sob o título Lições sobre o atomismo lógico, cuja origem atribui às ideias de L. Wittgenstein, seu discípulo, e que este, mais tar- de, exporá também no seu Tractatus Logico-Philosophicus (1921). Por via disso, é também o nome que se dá à teoria filosófica sobre o mundo que aparece no Trac- tatus de Wittgenstein; no entanto, à versão de Wittgenstein do atomismo lógico, dá-se mais apropriadamente o nome de “teoria pictórica ou figurativa da realida- de”. Segundo esta teoria, o mundo consta de “factos atómicos”, ou simples, que são o referente dos enunciados simples ou “enunciados atómicos”, de modo que a lin- guagem vem a ser como que uma pintura do mundo, ao jeito de um mapa que de- senha um terreno ou uma determinada região. O mundo possui, tal como a lingua- gem, uma estrutura lógica, cujos elementos se manifestam através da análise lógi- ca. Este isomorfismo entre linguagem e mundo supõe que a cada nome correspon- da, como referente, uma entidade concreta, chamada neste caso dado sensorial, e que a cada predicado, de qualidade ou de relação, corresponda uma propriedade real, absoluta ou relativa. Com este isomorfismo, Russell pretendia superar as am- biguidades da linguagem comum ou natural, cujo uso fez com que muitas das pro- posições da filosofia – sobretudo da metafísica – sejam “sem sentido”. O atomismo lógico conduz a que consideremos uma linguagem ideal, característica que não é possível encontrar nas línguas comuns, e que é própria exclusivamente de uma lin- guagem formalizada. As metáforas devem ser abandonadas. Curiosamente, o ato- 23
  • 25. mismo lógico teve influência marcada no neopositivismo, mas tanto Russell como Wittgenstein acabaram por abandonar esta teoria. O objetivo de Russell é semelhante ao de Frege, e é análoga também a justifica- ção do seu interesse pelas condições que deve respeitar a linguagem para alcançar a perfeição lógica. No entanto, Russell elabora as suas reflexões num contexto filo- sófico mais rico e consegue, por isso, um grau de elaboração muito mais elevado. Na doutrina de Russell, os pressupostos epistemológicos e as consequências metafí- sicas possuem uma riqueza explicativa praticamente ausente em Frege. Como foi dito atrás, a teoria de Russell é denominada por ele de “atomismo lógico”; alcança a sua maturidade em 1918, ano em que pronuncia as já referidas conferências so- bre “A filosofia do atomismo lógico”. Nessas conferências, caracteriza o tema central como o tema da gramática filo- sófica, justificando-se assim: “Creio que praticamente toda a metafísica tradicional está cheia de erros que se devem à má gramática, e que quase todos os problemas e resultados tradicionais da metafísica se devem a não fazer, no quadro do que po- demos chamar a gramática filosófica, o tipo de distinções de que nos temos vindo a ocupar nestas conferências”. Uns anos depois, num resumo da sua teoria, ainda é mais claro: “Creio que a influência da linguagem na filosofia tem sido profunda e quase não reconhecida. Para que esta influência não nos afaste do nosso cami- nho, é necessário que estejamos conscientes dela, e que nos questionemos delibera- damente sobre em que medida ela é legítima. Neste aspecto, a linguagem extravia- nos pelo seu vocabulário e pela sua sintaxe. Devemos estar em guarda face a am- bas as coisas, para que a nossa lógica não nos conduza a uma falsa metafísica”. No respeito por estas advertências, Russell desenvolveu um tipo de análise da linguagem que aspira a pôr em evidência as suas imperfeições lógicas, contrapon- do-as às qualidades de uma linguagem logicamente perfeita. 24
  • 26. Como deve, então, ser uma linguagem logicamente perfeita? ☛ A primeira condição para que uma linguagem seja logicamente perfeita é uma condição semântica: que as palavras de cada proposição correspondam uma por uma aos componentes do facto correspondente. Excetuam-se palavras como “ou”, “não”, “se... então”, que têm uma função diferente, isto é, carecendo de conexão direta à realidade, são palavras que exprimem modos de compor frases, e que podem traduzir-se em marcadores de funções lógicas. Deste modo, Russell reforça a sua crença no princípio de isomorfismo semântico: “numa linguagem logicamente perfeita, haverá uma única palavra para cada objeto simples, e tudo o que não seja simples será expresso por uma combinação de palavras...” ☛ Deve ainda ter a vantagem de mostrar, à vista desarmada, a estrutura lógica dos factos que afirma ou nega. Segundo Russell, é deste tipo que pretende ser a linguagem do Principia Mathe- matica, com a única diferença de que, neste caso, a linguagem possui sintaxe, mas carece de vocabulário: esta seria a linguagem logicamente perfeita, se à sintaxe acrescentássemos um vocabulário. Mas, entendamo-nos: o Principia Mathematica, como qualquer cálculo lógico, tem o seu vocabulário, isto é, o conjunto de signos com os quais se compõem as fórmulas para aplicação das suas regras; o que Rus- sell quer dizer é que uma linguagem logicamente perfeita poderia ser uma lingua- gem que, possuindo um vocabulário não de signos lógicos, mas de palavras, como as da linguagem natural, tivesse uma sintaxe, regras de estruturação e composição de enunciados, como as do cálculo lógico. As linguagens naturais, as línguas huma- nas, não correspondem a esta necessidade de perfeição lógica. Do ponto de vista filosófico, para Russell, isto é uma desgraça, mas do ponto de vista dos efeitos práti- 25
  • 27. cos de comunicação é uma vantagem. Ao contrário de uma linguagem logicamen- te perfeita, a linguagem comum caracteriza-se pela ambiguidade das suas pala- vras, sendo que quando alguém usa uma palavra isso não significa que queira di- zer a mesma coisa que outra pessoa diria. À primeira vista, esta falta de rigor pode- ria ser uma inconveniência, mas não o é na realidade; pelo contrário, o grave seria que todos os falantes significassem, com as suas palavras, as mesmas coisas, pois a comunicação seria impossível, porque “o significado que cada um dá às suas pala- vras tem de depender da natureza dos objetos com os quais está familiarizado, e uma vez que as diferentes pessoas estão familiarizadas com diferentes objetos, não poderão falar entre si, a menos que atribuam às suas palavras significados muito diferentes”. Assim - e o exemplo é de Russell –, quem já passeou por Picadilly, e está, por conseguinte, familiarizado com esta rua de Londres, atribui ao termo Pi- cadilly um significado muito distinto do que lhe dará uma pessoas que nunca lá te- nha estado. Se insistíssemos numa linguagem sem ambiguidade, não poderíamos falar de coisas que conhecemos com quem não as conhecesse. 26
  • 28. 3 SECÇÃO O Significado como Conhecimento Direto Resumindo, podemos dizer que, para Russell: ☛ O significado depende do conhecimento por familiaridade ou conhecimento direto, que Russell contrapõe, por vezes, ao conhecimento por descrição; ☛ O conhecimento direto exclui a mediação de processos de inferência ou de conhecimento de verdades; ☛ Os dados sensíveis constituem a aparência de um objeto material (cor, forma, etc.) e são um exemplo de algo que se conhece diretamente por familiaridade; ☛O conhecimento do objeto como tal, pelo contrário, é um conhecimento descritivo: pressupõe não só os meu dados sensíveis atuais, mas também a recordação de outros, associada ao conhecimento de certas verdades físicas; ☛ Os objetos não são conhecidos diretamente, portanto O que conhecemos diretamente, então, são os dados sensíveis que os objetos produzem em nós: os objetos são simplesmente construções lógicas que fazemos com base nos nossos dados sensíveis. O fundamento do nosso conhecimento en- contra-se, por conseguinte, no conhecimento direto, na familiaridade. Mas esta fa- 27
  • 29. miliaridade não se limita aos dados sensíveis: Russell amplia o conhecimento dire- to: ☛ Às recordações, com o que a memória passa também, juntamente com os sentidos, a ser uma via para o conhecimento; ☛ Aos estados psicológicos de cada um, que são objeto de auto consciência, embora levante algumas dúvidas sobre a consciência do “eu”; Do conhecimento direto, ficam explicitamente excluídos por Russell os objetos físicos, na medida em que são distintos dos dados sensíveis que produzem, e os es- tados psicológicos alheios. Daquilo que conhecemos, tudo quanto não seja conheci- do por familiaridade é conhecido por descrição, sendo que este princípio se aplica tanto a fenómenos particulares como aos conceitos universais. O conhecimento por descrição tem, pois, a importante função de nos permitir ultrapassar os limites da nossa experiência pessoal, mas o conhecimento por familiaridade é a base de todo o conhecimento, e a ele é redutível o conhecimento descritivo. Com esta clari- ficação, Russell passa de um realista (admite os universais em si) a um “descritivis- ta” (os universais são descrições). A importância da teoria referencialista nas declarações de Russell é muito evi- dente: os significados das palavras são os objetos de que temos conhecimento dire- to. Se se trata de um objeto físico, como o designado pelo nome Picadilly, o seu si- gnificado consistirá nos dados sensíveis passados e nas restantes vivências e senti- mentos que esse lugar tenha produzido. Se considerarmos os objetos como inte- grantes de um facto, poderemos, então, afirmar, com Russell, “que os componen- tes do facto que faz uma proposição verdadeira ou falsa, são os significados dos símbolos que temos de entender para poder entender a proposição”. Temos, então, que uma linguagem logicamente perfeita, do ponto de vista do seu vocabulário: 28
  • 30. ☛ É uma linguagem, cujos termos não podem ter qualquer ambiguidade, significam sempre o mesmo, a saber, determinadas características dos factos, dos quais o sujeito possui conhecimento direto; ☛ É uma linguagem privada, na medida em que o conhecimento direto é próprio e particular de cada um. Já do ponto de vista da sintaxe o Principia Mathematica estabelece um desafio fundamental que não pode deixar de ser assumido por qualquer linguagem que se queira perfeita: ☛ A “extensionalidade”, isto é, que todos os seus enunciados complexos possam decompor-se em enunciados simples, de tal modo que a verdade ou falsidade daqueles seja uma função da verdade ou falsidade destes últimos, como acontece em qualquer cálculo lógico estandardizado. Isto implica que uma linguagem perfeita seja constituída por enunciados que possam ser verdadeiros ou falsos, o que significa que só é candidata à perfeição ló- gica aquela porção da linguagem que utilizamos para declarar os factos, para falar do que acontece, isto é, aquela porção de linguagem que empregamos no discurso declarativo. Esta limitação corresponde ao mesmo tipo de redução que já tinha sido feita por Frege. No que diz respeito a Russell, podemos dizer, seguindo a sua terminologia, que se trata de uma linguagem composta por proposições, já que uma proposição –se- gundo Russell – é um enunciado no modo indicativo, um enunciado que afirma algo; a proposição é, portanto, o veículo da verdade e da falsidade. Os enunciados complexos da nossa linguagem perfeita são, então, compostos por enunciados simples unidos por palavras que, como “e”, “ou”, “se... então”, 29
  • 31. etc., representam os modos de composição funcional com valor de verdade. Que forma tomarão os enunciados simples? Estes enunciados, que Russell denomina “proposições atómicas”, descrevem o tipo mais simples de factos, aquilo a que, se- guindo a mesma analogia, chama “factos atómicos”. Daí o nome de “atomismo ló- gico” dado à sua teoria: trata-se de chegar aos últimos elementos que a análise lógi- ca da linguagem possa encontrar na linguagem; uma vez que a linguagem, naque- les aspectos que são relevantes para a filosofia, e de acordo com o princípio do iso- morfismo, corresponde estruturalmente aos factos, pelo mesmo processo chegare- mos aos últimos elementos da realidade. Neste sentido, a análise de Russell vai da lógica para a metafísica, através da linguagem. Para Russell, os factos mais simples que possam ser imaginados, os factos ató- micos, são os que consistem na posse de uma qualidade por uma coisa particular, por exemplo, o facto descrito pela proposição “Isto é branco”. Neste caso, temos algo, aquilo a que se refere o termo “isto”, e a cor que lhe atribuímos. Uma propo- sição como esta, desde logo, é muito diferente de uma proposição como “Esta ca- misa é branca”. Neste caso, ao considerar algo como “camisa”, estamos a atribuir- lhe certas propriedades, algumas muito complexas, que sem dúvida nos levam para além dos meros dados sensíveis que temos, no imediato, do objeto em ques- tão. O termo “camisa” encerra uma complexidade que o exclui da candidatura a uma proposição atómica. Por essa razão, e para evitar juízos prévios sobre o dito objeto, devemos limitar-nos a utilizar um pronome demonstrativo “isto”. É suposto também que uma qualidade como a cor é o tipo mais simples de qua- lidades e, por conseguinte, não é analisável ou decomponível. Há, no entanto, que ter em conta que o relevante aqui é a cor enquanto dado sensível, enquanto perce- bida, e não como realidade física, susceptível de ser estudada cientificamente. Por isso, a definição da cor em termos de um determinado comprimento de onda, é ir- relevante para a análise de Russell. Trata-se, não de uma análise física, mas lógica, embora o conceito de lógica aqui seja tomado num sentido com uma amplitude peculiar, pois nele está presente um pressuposto básico: o princípio de familiarida- de. Isto significa que os termos das proposições atómicas possuem significado, na medida em que designam objetos de conhecimento direto. 30
  • 32. O tipo mais simples de facto consiste, então, na posse de uma qualidade sim- ples por uma entidade particular. Factos ligeiramente mais complexos são os que consistem em relações diádicas, como o que é descrito numa proposição do tipo “Isto está junto daquilo”. O tipo seguinte será o das relações triádicas – “Isto está entre aquilo e aquilo”. E assim sucessivamente. Todos estes factos são atómicos, se- gundo Russell, e formam uma hierarquia de complexidade. O que, numa proposição, corresponde a uma propriedade é o predicado. O que exprime uma relação costuma ser um verbo, ou, por vezes, uma frase inteira. O que corresponde a um particular é o sujeito que tem de ser um nome próprio, porque a única forma de falar de um particular é nomeá-lo; para o descrever, já te- mos de mencionar as suas propriedades e as suas relações, recorrendo aos termos correspondentes. E, uma vez que as palavras obtêm o seu significado dos objetos com que estamos familiarizados, só podemos nomear o que seja objeto de conheci- mento direto, e na justa medida em que o seja. A primeira consequência desta es- tranha doutrina é que os nomes próprios de particulares, tal como aparecem numa proposição atómica, são muito distintos do que, no discurso comum, chama- mos “nomes próprios”. Palavras como “Sócrates”, “Vénus”, “Lisboa” são usadas para nos referirmos aos seus objetos correspondentes, quando estes não estão pre- sentes; com efeito, a sua utilidade baseia-se nisso mesmo, pois quem esteja diante de Sócrates ou se encontre em Lisboa provavelmente não necessitaria de recorrer a esses nomes. Ora, de acordo com a doutrina de Russell, assim sendo, não temos conhecimento direto de Sócrates e, por conseguinte, não podemos nomeá-lo. Pela mesma razão, quem nunca tenha estado em Lisboa tão pouco poderá atribuir si- gnificado a este termo, e muito menos poderá atribui-lo a Vénus quem nunca te- nha contemplado este planeta. Estas palavras, na realidade, não são nomes própri- os, isto é, não são nomes próprios do ponto de vista da lógica. O que é que são, en- tão? Segundo Russell tratam-se de descrições encobertas e abreviadas. “Sócrates” é uma abreviatura para qualquer descrição correta que possamos dar ao seu obje- to correspondente, por exemplo, “filósofo grego que foi condenado a beber cicu- ta”, ou “o mestre de Platão”, ou qualquer outra. Tal como “Lisboa” abrevia, entre outras, a descrição “capital de Portugal”, e Vénus equivale, por exemplo, a “estre- la da manhã”. Na medida em que estas descrições se referem aos seus objetos, des- 31
  • 33. crevendo algumas das suas propriedades, resulta óbvio que esses objetos não são particulares, porque não são simples. Temos, então, que nem os nomes próprios da linguagem comum são nomes próprios no sentido lógico, nem aquilo a que se referem é particular. Por isso, Russell afirma: “Falando em sentido restrito, só os particulares podem ser nomeados”. Já Stuart Mill tinha dito que os nomes próprios da linguagem comum deno- tam, mas carecem de conotação. Russell acrescenta, precisamente por isso, que es- ses nomes não são, logicamente, nomes próprios, uma vez que, sendo possível subs- tituí-los por alguma descrição, não se limitam a nomear. Em que consiste, então, um nome próprio em sentido lógico? Segundo Russell, as únicas palavras que usamos na nossa língua natural que correspondem a um nome próprio são palavras como “isto”, “isso”, “aquilo”, na medida em que po- dem ser usadas como nome de um particular de que se tenha conhecimento direto no momento. Assim, se dissermos “Isto é branco”, chamando “isto” àquilo que ve- mos, estamos a empregar o demonstrativo como nome próprio, em sentido lógico, de um suposto particular que tem a brancura como sua propriedade. Com efeito, os pronomes demonstrativos não nos dizem nada a respeito dos objetos a que, por meio deles, nos referimos; limitam-se a assinalá-los, e isso é prova de que são verda- deiros nomes próprios e de que os objetos que denotam são simples, particulares. Daqui resulta uma curiosa propriedade posta em evidência por Russell, a saber, que o significado dos nomes logicamente próprios está em permanente mudança, consoante se alterem as nossas percepções do mundo, os nossos dados sensíveis. Por outro lado, o seu significado será diferente para o falante e para o ouvinte, na justa medida em que os dados sensíveis que cada um tem do mesmo objeto são dis- tintos. 32
  • 34. 4 SECÇÃO A Ontologia de Russell Contra o monismo hegeliano que Russell criticou insistentemente, a ontologia im- posta pela sua análise da linguagem consiste, em primeiro lugar, num pluralismo de factos simples ou atómicos, que se resolve num pluralismo de objetos simples ou particulares, independentes logicamente entre si e subsistentes por si mesmos, com um tipo de subsistência idêntica à da substância, conforme o próprio Russell con- fessa. Por seu turno, os objetos da vida quotidiana são todos complexos e, por isso, não se lhes pode atribuir um nome próprio lógico. Temos, então, os elementos mais simples a que chega a análise de Russell: os particulares, as suas propriedades e as suas relações. Estes elementos representam- se nos enunciados do seguinte modo: ☛ Os particulares são representados pelos nomes logicamente próprios; ☛ As propriedades e as relações são representadas por diferentes tipos de adjetivos, verbos e advérbios. Como cada elemento do enunciado deve corresponder a um elemento do fac- to, temos de concluir que nos exemplos, apresentados atrás e escolhidos de entre os apresentados pelo próprio Russell, há algo a mais: a cópula “é”, uma vez que a ela nada corresponde que seja um facto. Os exemplos de proposições atómicas de- verão, assim, ser ainda menos idiomáticos do que os que até aqui foram apresenta- dos. Em rigor, essas proposições deverão tomar a forma de “Isto branco”, “Isto junto aquilo”, etc.. Com efeito não existe num cálculo lógico nada que represente o “é”: Px, Rxy, etc., só contêm termos de indivíduos (x, y) e termos de predicado (P, R). 33
  • 35. Mas será que todas as proposições de uma linguagem perfeita podem ser redu- zidas a proposições atómicas? As proposições atómicas combinam-se entre si através da composição funcional com valor de verdade que é estabelecida no Principia Mathematica e que se en- contra em qualquer livro de lógica. Estas formas de composição representam-se, de forma aproximada, na linguagem comum através de palavras como “e”, “ou”, “não”, “se... então”, etc.. Às proposições complexas, assim formadas, Russell cha- ma-lhes, prosseguindo a mesma analogia, “proposições moleculares”. É característico de uma linguagem perfeita que respeite o “princípio de extensi- onalidade”, isto é: que todas as suas proposições complexas ou moleculares pos- sam decompor-se em outras simples ou atómicas, de tal forma que a verdade ou falsidades daquelas seja função das verdade ou falsidade destas últimas. Daí que as proposições moleculares, sendo meros compostos de proposições atómicas, não te- nham correlato na realidade. Não há, nem é necessário que haja, factos molecula- res, porque toda a proposição molecular se decompõe em proposições atómicas e bastam os factos atómicos para conectar a proposição molecular ao mundo. Um facto é, simplesmente, aquilo que torna uma proposição verdadeira ou falsa. Mas uma proposição molecular não é verdadeira ou falsa por si mesma, isto é, em virtu- de da sua relação com o mundo, mas em função de que sejam verdadeiras ou fal- sas as proposições atómicas que a compõem. Por conseguinte, a única verdade que depende dos factos é a das proposições atómicas, e para declarar verdadeiras ou falsas as proposições atómicas bastam-nos os factos atómicos. Se postulássemos a existência de factos moleculares, seríamos forçados a admi- tir que haveria na realidade, como parte de tais factos, elementos que correspon- dessem aos modos de combinação: a conjunção, a disjunção, o condicional, etc.. Se, retomando de novo um exemplo muito simples de proposições atómicas, afir- marmos “Isto (é) branco” e aquilo (é) preto”, a nossa afirmação seria verdadeira, de acordo com a interpretação da conjunção de qualquer cálculo lógico, só se am- bas as proposições o forem. E, para isso, bastam-nos os respectivos factos atómi- cos: que o designado por “isto” seja, efetivamente, branco, e o designado por “aquilo” seja preto. Não precisamos de postular um facto complexo, em que, para além de algo branco e de algo preto, haja também um estranho elemento que cor- 34
  • 36. responda à função “e”. Se todas as proposições complexas forem moleculares, e, por isso, redutíveis a proposições atómicas, a questão estará encerrada. Em última instância, só teríamos proposições atómicas na nossa linguagem perfeita, e factos atómicos no mundo. Proposições Complexas não Convertíveis em Proposições Simples O problema é que Russell encontra proposições complexas, cuja redução a pro- posições simples é muito problemática. O primeiro caso é o das proposições negati- vas que são verdadeiras. O exemplo sugerido por Russell é o seguinte: 1. “Sócrates não está vivo” Esta proposição supõe uma proposição simples que seria: 2. “Sócrates está vivo” à qual é acrescentada uma complexidade lógica: a negação. Sendo A verdadei- ra, B será falsa. Então, a questão é a seguinte: Que facto é que torna a proposição B falsa? Se não conseguimos indicar nenhum facto positivo responsável pela falsi- dade de B, então só teremos a solução de aceitar que o facto procurado é o mesmo que torna A verdadeira. Seguindo este caminho, teríamos de admitir que, para além dos factos atómicos que já conhecemos, ainda há factos negativos. Russell não encontrou forma de evitar esta consequência. Não se sentia confor- tável com ela e, mais do que defender convictamente que há factos negativos, pre- feriu admitir a sua possibilidade. Em qualquer caso, repugnava-lhe menos aceitar factos negativos do que aceitar uma explicação, segundo a qual a uma proposição negativa np equivaleria uma proposição q verdadeira e incompatível com p. (no exemplo, a proposição q seria: “Sócrates (está) morto”) O segundo tipo de proposições complexas que, para Russell, não podem ser re- duzidas a proposições simples são as proposições que exprimem atitudes proposici- onais, isto é, que exprimem certos fenómenos mentais que implicam uma proposi- ção, por exemplo, as proposições que exprimem crenças, desejos, compreensão, etc.: “Creio que hoje é terça-feira”, “Desejo ficar sozinho”, “compreendo o teore- ma de Pitágoras”, por exemplo. 35
  • 37. É óbvio que estas proposições complexas não podem ser decompostas em pro- posições simples. Podemos distinguir nelas duas partes: a parte que expressa a atitu- de em questão (creio que, desejo, compreendo), e a parte que exprime o conteúdo da atitude. Assim sendo, a proposição complexa não é função das suas partes: a proposição “Creio que hoje é terça-feira” é verdadeira se for isso aquilo em que verdadeiramente acredito, seja hoje terça-feira ou outro qualquer dia da semana. A minha crença não é menos crença, nem menos verdadeira se estiver enganado. Segundo Russell, estas proposições correspondem a uma classe particular de factos, dentro da qual podemos distinguir factos de crença, factos de desejo, factos de compreensão, etc., embora todos os exemplos que ele dá se refiram a processos mentais. Uma possibilidade de solução para reduzir factos mentais a factos atómi- cos seria analisar os verbos proposicionais em processos de comportamento. Mas a melhor razão dada por Russell baseia-se no facto de não ser possível utilizar no- mes próprios, se prescindirmos da consciência: a referência a “isto” ou “aquilo”, nos exemplos anteriores, deriva, pura e exclusivamente, da intenção referencial do sujeito. Em Resumo: A argumentação de Russell relaciona linguagem e concepção da realidade de um modo muito típico do atomismo lógico: ☛ Por um lado, toda a proposição é empiricamente verdadeira ou falsa em função de um facto ☛ Por outro lado, toda a proposição que não possa decompor-se numa função de verdade a partir de outras mais simples, corresponde a um tipo particular de facto. Assim, Russell teve de aceitar um mundo composto, não só de factos atómicos, mas também de factos negativos, de factos gerais, de factos de existência e de diferentes classes de factos de atitudes proposicionais (crenças, desejos, etc.) 36
  • 38. De qualquer modo, a sua teoria da lógica e a sua análise da linguagem condici- onaram a concepção de Russell sobre o mundo. 37
  • 39. 5 SECÇÃO Texto de Bertrand Russell Será que a forma de uma proposição verdadeira pode ser mostrada? Russell, B (1961) Histoire de mes idées philosophiques, Trad. do inglês por G. Auclair, Paris, Gallimard, p. 141 A doutrina fundamental da filosofia do Tractatus reside talvez em que uma proposição seja a representação dos factos que ela afirma. É claro que um mapa fornece informações corretas ou incorretas; e quando a informação é correta, é porque há semelhança de estrutura entre o mapa e a região que ele representa. Wittgenstein defendia que isso é igualmente verdadeiro na asserção linguística de um facto. Dizia, por exemplo, que se alguém empregar o símbolo “aRb” para representar o facto que tem a relação de R com b, esse símbolo está em condições de o fazer porque estabelece uma relação entre “a” e “b” que representa a relação entre a e b. Esta teoria acentua a importância da estrutura. (...) Penso ainda que ele tinha razão em acentuar a importância da estrutura; quanto à teoria segundo a qual uma proposição deve reproduzir a estrutura dos factos a que diz respeito, atualmente, estou muito cético, ainda que, na altura, a tenha aceitado. Em todo o caso, não creio que, mesmo que seja num certo sentido verdadeira, tenha grande importância. Para Wittgenstein, ela era fundamental. Fez dela a base de uma curiosa espécie de misticismo lógico. Defendia que a forma que uma proposição verdadeira partilha com o facto correspondente só pode ser mostrada, e não dita, pois não consiste numa outra palavra, mas num arranjo de palavras ou de coisas correspondentes. (...) Era este o único ponto, na altura em que eu estava quase inteiramente de acordo com Wittgenstein, sobre o qual eu me mantinha cético. Na minha introdução ao Tractatus, avançava que, se em todas as línguas há coisas que elas não conseguem exprimir, é sempre possível construir uma língua de ordem superior que permitiria dizer essas coisas. Haverá sempre coisas que não poderão ser ditas na nova língua, mas que a língua seguinte poderá exprimir e assim ad infinitum. Esta sugestão, que era nova nessa altura, tornou-se, depois, um lugar comum da lógica. 38
  • 40. 3 CAPÍTULO Wittgenstein No entender de Wittgenstein, muito paradoxalmente, uma proposição que não possa ser falsa, uma proposição que seja sempre verdadeira, qualquer que seja o estado do mundo, como as proposições da lógica, não pode nunca ser uma proposição autêntica. Cap3 39
  • 41. 1 SECÇÃO Introdução Nascido em Viena em 1898, numa rica fa- mília judia, Ludwig Wittgenstein formou-se em engenharia em Berlim e em Manches- ter. Graças à leitura dos Princípios de Matemá- tica de Russell, começou a interessar-se cada vez mais pelos fundamentos da mate- mática e da lógica. Em 1911, faz uma visita a Frege em Iena e, em 1912, vai estudar ló- gica em Cambridge, sob a orientação de Ludwig Wittgenstein Russell. Durante a I Guerra Mundial, serve como oficial do exército austríaco e começa a escrever os pensamentos que vão constituir a substância do Tractatus. Feito prisioneiro em Novembro de 1918 na frente italiana, acaba por ser libertado e, em 1919, junta-se a Russell na Holanda. Juntos, acabam a versão definitiva do Tractatus, que é publicado em 1921 em ale- mão e, em 1922, numa tradução em língua inglesa. Wittgenstein diz no prefácio que este livro tem a solução definitiva para todos os problemas da filosofia, os quais têm origem, segundo ele, numa má compreensão da lógica da linguagem hu- mana. Coerentemente, após a publicação deste livro, Wittgenstein abandona a filo- sofia durante dez anos para se tornar professor na Áustria, jardineiro num mostei- ro, arquiteto amador, etc. Quando volta a interessar-se pela filosofia, sente-se obri- gado a questionar algumas teses fundamentais do Tractatus. Podemos, então, dizer que há duas filosofia de Wittgenstein: a de 1921, que pretende definir os limites da expressão do pensamento, e a, ainda mais inovadora e igualmente importante, das Investigações Filosóficas, publicadas em 1953, dois anos após a sua morte, que estuda os empregos da linguagem comum, na sua diversidade e nos seus limites. Wittgens- tein está, portanto, na origem de duas das mais importantes correntes de filosofia do século XX. 40
  • 42. 2 SECÇÃO O Tractatus Logico-Philosophicus O Tractatus logico-philosophicus é um volume de dimensões reduzidas, composto por parágrafos curtos numerados, de forma a podermos situar cada um deles nas ramificações do raciocínio. O título e a disposição da obra podem fazer pensar no percurso dedutivo de Espinosa, ao jeito de more geometrico. Mas esta semelhança é só aparente. Com efeito, a ordem dos parágrafos não obedece às regras da dedução; as teses sobre o mundo são enunciadas antes das teses sobre a linguagem, embora aquelas dependam destas. De facto, o raciocínio que conduziu às suas fórmulas, os exemplos que as ilustram, as conceções que elas exprimem, ou que elas rejeitam, são mantidos na sombra. Por este motivo, o Tractatus provoca a vontade de o co- mentar, mas desencoraja quem o queira resumir. Por isso, contentemo-nos em salientar um aspeto particular da filosofia exposta no Tractatus: o conceito de proposição - de frase no sentido de Frege -, considerada como uma imagem ou quadro do mundo. A linguagem é constituída, segundo Wittgenstein, por proposições que representam o mundo, no sentido em que lhe dão significado, ou fornecem uma imagem do mundo. Mas um desenho, uma foto- grafia, um mapa, um esquema de um motor e até uma partitura de música tam- bém são imagens do mundo, e estas formas são, talvez, mais fáceis de analisar. To- memos o exemplo de um mapa: a disposição dos pontos que designam as cidades mostra que Coimbra fica a norte de Lisboa e a sul do Porto. A apresentação do mapa, a escala, os símbolos que designam as cidades podem variar de acordo com as convenções aceites, mas a disposição espacial dos elementos, isto é, das palavras, corresponde, se o mapa estiver correto, à disposição das cidades na realidade. A re- alidade e a sua representação cartográfica têm, portanto, em comum uma certa forma de colocar os elementos no espaço. Esta forma comum ao mapa e ao real, esta estrutura idêntica, é aquilo a que Wittgenstein chama a “forma lógica”. Do mesmo modo, as notas de música escritas da esquerda para a direita numa partitu- ra, os sulcos dos discos e os sons que se sucedem no ar têm em comum uma forma 41
  • 43. lógica. As proposições da linguagem não passam de uma espécie, entre outras, de imagem do mundo. Como Frege e Russell mostraram, as proposições complexas da linguagem de- vem ser objeto de uma análise que, graças ao simbolismo da lógica, as reduza a proposições elementares. Mas cada proposição elementar é, por seu turno, analisa- da na qualidade de conexão de dois elementos. Uma proposição elementar, como “x está a ver y”, é, na realidade, a imagem de um facto possível, de um estado de coisas que existe ou não existe. O mundo, tal como ele o define logo no início do Tractatus, é, portanto, o conjunto dos factos elementares, dos “estados de coisas” que correspondem às proposições elementares. Nem as proposições nem os factos que lhes correspondem são, todavia, verdadeiramente elementares; a correspon- dência que é possível estabelecer entre elas e eles baseia-se numa forma comum de organizar os elementos. Para Frege, as frases, tal como os nomes, tinham ao mesmo tempo um sentido e uma referência. Para Wittgenstein, a referência de uma proposição (frase, segun- do Frege) é o facto que lhe corresponde e a torna verdadeira ou falsa. Mas pode- mos compreender o sentido de uma proposição antes de saber se ela é verdadeira ou falsa, portanto sem conhecer a sua referência. Uma proposição autêntica tem, de facto, sempre dois pólos, ou duas direções, na medida em que, por definição, ela deve poder ser verdadeira ou falsa. A verdade ou falsidade de uma proposição depende de uma comparação com o mundo. Mas esta comparação só será possí- vel se os elementos da proposição se combinarem numa conexão possível. Os ele- mentos da proposição, só por si, não dizem nada: posso pronunciar os nomes de Coimbra, Lisboa e Porto, mas só começo a dizer alguma coisa quando combino estes elementos numa relação possível que tenha um sentido, antes mesmo que eu possa verificar no mundo, ou, se quisermos, num mapa, que “Coimbra fica a nor- te de Lisboa e a sul do Porto”. Uma proposição só é verdadeira se se referir a um estado de coisas real, mas só o pode fazer se, antes, tiver um sentido, isto é, se for a imagem de um estado de coisas possível, de uma combinação possível das coisas. A clássica conceção da verdade como adequação da coisa e do intelecto, sendo, no essencial, preservada (a comparação com o mundo), é objeto de uma importan- te modificação: uma proposição só pode ser verdadeira ou falsa, se, antes de qual- 42
  • 44. quer comparação, tiver um sentido que lhe é dado pela sua forma lógica. Tal como um esquema pode representar uma posição possível das peças de um jogo de xadrez, ou a disposição das tropas num campo de batalha, uma proposição combina elementos (nomes que podem ser substituídos por variáveis), de acordo com uma estrutura que corresponde, ou não, a uma combinação de elementos - de “objetos” -, no mundo. Tendo definido a proposição como uma imagem da realidade, Wittgenstein pode então considerar as proposições da linguagem que não representem nada como pseudo-proposições. Deste modo, chega à conclusão de que a lógica, a mate- mática, os princípios a priori das ciências da natureza, a ética e a filosofia se com- põem de pseudo-proposições, que não podem ser verdadeiras nem falsas e que, portanto, não têm sentido. No entender de Wittgenstein, muito paradoxalmente, uma proposição que não possa ser falsa, uma proposição que seja sempre verdadeira, qualquer que seja o estado do mundo, como as proposições da lógica, não pode nunca ser uma propo- sição autêntica. Longe de ser uma verdade a priori ou uma lei do pensamento a que o homem teria acesso fora da experiência, uma proposição da lógica não pas- sa de uma tautologia (isto é, que diz a mesma coisa). Ela diz sempre a mesma coi- sa, o que é o mesmo que afirmar que ela não diz nada, no sentido em que não traz nenhuma informação nova a respeito do mundo. Uma tautologia do tipo “está a chover ou não está a chover” é verdadeira qualquer que seja o estado das coisas. Não tem, portanto, sentido. No entanto, esta tese surpreendente não deve iludir-nos a respeito do papel que a lógica desempenha em Wittgenstein na definição do que a linguagem pode dizer. Com efeito, as proposições da lógica, enquanto tautologias, fornecem a estrutura da linguagem: determinam o que pode ser dito a respeito do mundo e, portanto, determinam de facto a estrutura do mundo. Traçam o universo das coisas que po- dem ser ditas, das coisas possíveis (“está a chover”; “não está a chover”), universo no qual se inscrevem os factos do mundo, como as regras do jogo de xadrez defi- nem as posições possíveis das suas peças e proíbem, por exemplo, que se imagine a representação de uma partida de xadrez sem um rei (acabaria antes de ter começa- do). As proposições da lógica são evidentes, na medida em que mostram o que são 43
  • 45. (tautologias), mas Wittgenstein tem o cuidado de sublinhar, ao contrário de Rus- sell, que os axiomas não são mais evidentes do que as outras proposições da lógica e que a demonstração, longe de ser uma prova que se apoia em princípios, só ser- ve para iluminar o caráter tautológico de todas as proposições da lógica. As pseudo-proposições tautológicas da lógica, como , aliás, as da matemática, que, segundo Wittgenstein, não passam de um “método de lógica”, não têm mani- festamente o mesmo estatuto das pseudo-proposições da ética, da estética e da filo- sofia, que, estas, se baseiam numa confusão entre a forma gramatical comum e a forma lógica. É possível que Wittgenstein, leitor de Schopenhauer, de Tolstoi e dos Evangelhos, tenha pensado que, limitando o que podia ser dito com sentido exclu- sivamente às proposições das ciências da natureza, e impondo um silêncio ascético à especulação metafísica, preservaria na sua pureza a procura pelo sentido da vida. Mas é certo que o célebre convite ao silêncio com que conclui o Tractatus (“Devemos calar aquilo de que não podemos falar”) pode ser legitimamente inter- pretado, num espírito positivista, como uma condenação da metafísica. Este mal- entendido permitiu, ou pelo menos favoreceu, o desenvolvimento do empirismo lógico que encontrou na noção de tautologia a chave de um problema clássico. Mas, ao mesmo tempo, deixou em aberto a questão do estatuto das proposições, das frases da filosofia. Wittgenstein definiu a filosofia não como uma doutrina, mas como uma “ativi- dade”, cuja finalidade é a “clarificação lógica do pensamento”. Deve “delimitar ri- gorosamente” pensamentos que são, sem essa delimitação, “perturbadores e va- gos”. Mas esta clarificação deveria, se tudo corresse bem, ter um tempo limitado. As proposições “clarificadoras” do Tractatus, elas próprias, estão destinadas a desa- parecer, pois deixam de ter sentido logo que sejam compreendidas, isto é, só têm sentido clarificador e, portanto, só o têm enquanto não forem entendidas. A filoso- fia seria comparável a um ácido que teria a propriedade de fazer aparecer as pseu- do-proposições, de eliminar essas impurezas e, finalmente, dissolver-se a si mesmo, não deixando nada para além do espelho polido das proposições que fornecem uma imagem do mundo. Apesar de todo o seu aparelho de lógica simbólica, o Trac- tatus chega à sua conclusão com um paradoxo: as proposições que o Tractatus enun- cia são sem sentido. 44
  • 46. Mas quais são esses misteriosos “objetos” estáveis e simples que formam a subs- tância do mundo e que se combinam para formar configurações mutáveis e instá- veis, os “estados das coisas”? É provável que, no espírito de Wittgenstein, esses ob- jetos sejam deduzidos, como uma condição necessária, da existência dos factos, dos estados de coisas que tornam as proposições verdadeiras ou falsas. São eles - os “objetos” - que asseguram essa estabilidade, sem a qual não seria possível dizer o que quer que fosse a respeito do mundo. A sua existência é proclamada pelas ciên- cias. Mas qual é a sua natureza? Esta questão tem algum sentido? Se tem, será que devemos procurar a resposta do lado da psicologia, tomando como objetos primiti- vos os dados sensíveis, as cores, os sons, etc., ou então temos de seguir o caminho da física tomando, neste caso, as coisas materiais ou os átomos como elementos? Interessa pouco que uma ou outra das hipóteses não consiga responder verdadeira- mente àquilo que Wittgenstein procurava no Tractatus. O que conta para a história é que esta perspetiva abriu caminho para uma interpretação empirista do Tracta- tus, e esta interpretação é que foi verdadeiramente decisiva. 45
  • 47. 3 SECÇÃO Investigações Filosóficas Wittgenstein foi engenheiro, oficial no exército austro-húngaro, professor de ensi- no básico, ajudante de jardineiro num mosteiro, arquiteto, antes de ser professor na Universidade de Cambridge. O seu perfil não correspondia ao de um intelectu- al “encartado”, ao modo do seu tempo. Por isso só publicou duas obras em vida: um pequeno dicionário de alemão para alunos do ensino primário e o Tractatus, de que se falou na secção anterior. No entanto, as recolhas das suas numerosas notas de preparação das aulas em Cambridge foram publicadas, após a sua morte, pelos executores do seu testamento: as Investigações Filosóficas (1953), e os Caderno azul e Ca- derno castanho (1958). Estas obras não são verdadeiramente uma exposição doutriná- ria, mas sobretudo exemplos de um percurso tanto mais desconcertante quanto acaba por se constituir na refutação de uma parte das teses expostas no Tractatus, fortemente apoiadas pelo Círculo de Viena e pelo empirismo lógico, sob sua influ- ência. O silêncio de dez anos, que separa a publicação do Tractatus, do retorno de Wittgenstein à filosofia, não tem só interesse biográfico. Na verdade, prepara a emergência, alguns anos mais tarde, de uma nova filosofia da qual percebemos as premissas no Caderno castanho com a introdução do conceito de “jogo de lingua- gem” e com o questionamento do privilégio concedido à linguagem ideal da lógi- ca. Nas Investigações, Wittgenstein dedica-se a criticar em detalhe uma conceção da linguagem que ele ilustra com uma citação das Confissões de santo Agostinho. Este filósofo medieval, ao descrever a forma como, quando criança, aprendeu a falar (a linguagem), privilegia o nome (comum ou próprio), e, na aprendizagem do nome, o papel da definição ostensiva, através do gesto: “Quando alguém nomeava um ob- jeto (...) retinha que a esse objeto correspondia o som que se fazia ouvir quando era designado”(1). Santo Agostinho estaria a esquecer, segundo Wittgenstein, a di- versidade dos tipos de palavras e dos tipos de linguagem. Enganados pela seme- lhança das palavras entre si - afinal, são sons articulados - esquecemos que elas 46
  • 48. não servem somente para designar de forma ostensiva um objeto presente ou dissi- mulado, e que elas também são empregues para dar ordens, relatar um aconteci- mento, fazer conjeturas e hipóteses, e examiná-las, inventar uma história, represen- tar peças de teatro, inventar ou resolver enigmas, traduzir, pedir, maldizer, saudar, rezar (2). Não vale a pena, nestes exemplos, procurar o significado das palavras no objeto que designam, seguindo o modelo definitivamente demasiado simples do nome próprio que se refere a uma realidade individual e a uma só. A linguagem, segun- do uma metáfora célebre de Wittgenstein, é como uma caixa de ferramentas (3): não conseguimos compreender o significado de uma ferramenta sem lhe atribuir uma função e sem a associar a uma atividade humana. Podemos dizer, por exem- plo, que uma sovela “serve para cortar couro” e que é utilizada, entre outras, no ofício de sapateiro. Do mesmo modo, o significado das palavras aparece com o uso que fazemos delas, com o emprego que lhes damos no contexto de uma atividade coletiva. Para designar o conjunto composto pela palavra e pela atividade humana em que ela é empregue, Wittgenstein introduz a noção de “jogo de linguagem”. Um jogo de linguagem pode tomar a forma de um conjunto de instruções, de ordens, de respostas e de gestos, por exemplo, no convés de um navio. Mas porquê falar de jogo de linguagem? Em primeiro lugar, por analogia, na medida em que os diferentes jogos (o ténis, o xadrez, etc.) só têm entre si afinidades, semelhanças, um ar de família, mas não têm uma essência comum (4). Esta diversidade irredutível, temperada pelas seme- lhanças, encontra-se também nas funções da linguagem. Ao dizer isto, Wittgens- tein renuncia ao projeto central do Tractatus: encontrar a forma geral da proposi- ção, a função da linguagem. Por outro lado, não há jogo sem um conjunto de ges- tos submetidos a regras, que são arbitrárias, mas que são aceites como necessida- des naturais por aqueles que o praticam. Do mesmo modo, cada tipo de lingua- gem, enquanto jogo coletivo, supõe regras, uma gramática implícita. No entanto, a fórmula “jogo de linguagem” mantém uma certa ambiguidade. Um jogo não é uma coisa a sério, diz-se, enquanto a linguagem tem a ver com as 47
  • 49. coisas e com a verdade. Considerá-la um jogo não será pôr entre parêntesis aquilo que constitui o próprio problema da linguagem, o facto de que possa ir, segundo se crê, para além de si mesma? Para Wittgenstein, os jogos de linguagem designam, em primeiro lugar, linguagens simplificadas e imaginadas, mas completas em si mesmas, que permitem compreender e criticar certas conceções filosóficas como, por exemplo, a teoria das descrições de Russell (5). Mas, ao mesmo tempo, temos a sensação de que cada linguagem natural é composta de vários jogos de linguagem enredados, que é possível descrever empiricamente numa perspetiva sociológica e antropológica. É neste sentido, em particular, que Wittgenstein pode dizer que os jogos de lin- guagem representam “formas de vida naturais”, práticas coletivas do dia-a-dia, às quais não prestamos atenção, sobretudo, diz Wittgenstein, quando fazemos filoso- fia recorrendo ao modelo simplificado e simplista da definição ostensiva. “Nós fica- mos inconscientes da diversidade prodigiosa de todos os nossos jogos de linguagem do quotidiano, porque o vestuário da nossa linguagem torna tudo semelhante (6).” Enquanto formas de vida naturais que combinam termos linguísticos e ações coletivas, os jogos de linguagem baseiam-se em regras que não são objeto de uma convenção explícita e que têm a natureza de factos sociais: “Obedecer a uma re- gra, fazer uma comunicação, dar uma ordem, jogar um jogo de xadrez, são hábi- tos (costumes, instituições) (7).” A partir daqui, podemos compreender a argumen- tação que fundamenta uma das teses mais surpreendentes de Wittgenstein: a im- possibilidade de qualquer tipo de linguagem privada. Esta crítica da “linguagem privada” - por oposição aos jogos de linguagem que seguem regras respeitadas por todos - visa tanto as especulações idealistas de tipo cartesiano ou husserliano, que descrevem e classificam os atos de consciência após colocar entre parêntesis o mundo exterior, como as análises de tipo empirista (Hu- me, por exemplo) que pretendem apoiar-se em dados sensíveis. Uma linguagem privada, para Wittgenstein, é uma linguagem que se referiria a experiências, a esta- dos só conhecidos pela pessoa que fala, a sensações internas e imediatas como a dor, a dados sensíveis como uma certa tonalidade de vermelho, a processos men- tais como uma decisão. Se admitirmos a possibilidade de uma linguagem privada, se a linguagem é, primeiro, uma linguagem privada que, depois, traduz “as ideias 48
  • 50. que estão no espírito”, de acordo com a expressão de Locke, seremos conduzidos, como o são a maior parte dos empiristas, a tirar conclusões céticas. A refutação da tese da linguagem privada liga-se explicitamente, em Wittgenstein, à crítica da defi- nição ostensiva, que, segundo ele, só pode desempenhar um papel secundário de explicação, uma função pedagógica limitada, na medida em que supõe sempre a existência prévia de uma linguagem. É por definição ostensiva, por exemplo, que aprendemos, no início, palavras estrangeiras (explica-se rouge, mostrando verme- lho), porque o aluno já domina uma linguagem. Mas a denominação não consegui- ria explicar toda a linguagem e é conveniente distinguir o “significado” de uma pa- lavra do objeto que ela designa. Afinal, o objeto pode desaparecer sem que a pala- vra perca a o seu significado. Mas a polémica contra a noção de linguagem privada visa também refutar o ce- ticismo. As últimas notas escritas por Wittgenstein, pouco tempo antes da sua mor- te, publicadas em 1969 sob o título Da certeza, tratam precisamente da questão da dúvida e do ceticismo (Cf. texto). Wittgenstein, numa forte polémica com o empi- rismo (sobretudo de Moore), reinterpreta a refutação do ceticismo, mostrando que a dúvida universal de tipo cético ou cartesiano é, de facto, impossível. É, evidente- mente, razoável duvidar da verdade de um enunciado particular, imaginar a sua negação. Mas a generalização da dúvida ao conjunto do que sabemos e em que acreditamos, ainda que sob a forma metódica e provisória que lhe atribuem Des- cartes e Husserl, faz parte dessas ilusões que só o uso irrefletido da linguagem pode fazer nascer em filosofia. Podemos, por exemplo, duvidar sem formular a dú- vida, portanto sem utilizar palavras cujos significados não podemos revogar atra- vés da dúvida? Descartes duvida de tudo de forma hiperbólica, salvo talvez do si- gnificado das palavras “enganar alguém” no enunciado: “Um génio maligno... que empregou toda a sua astúcia a enganar-me (8).” Isto é o mesmo que dizer que a dúvida supõe sempre a existência de um “jogo de linguagem”. De facto, do mes- mo modo que não conseguimos aprender nada em história ou em matemática, se começarmos por duvidar de tudo o que nos é ensinado, também não nos é possí- vel duvidar sem nos referirmos a alguma autoridade incontestada e implícita. O jogo da dúvida pressupõe a certeza e só tem sentido se ligado a ações concretas. Wittgenstein ultrapassa, portanto, o empirismo de Moore, mas também o raciona- 49
  • 51. lismo de Descartes e de Husserl, na medida em que considera que a generalização da dúvida, longe de me permitir descobrir o resíduo irredutível do Eu, do Ego puro, não passa de uma perversão ilusória da linguagem, uma vã glória da filoso- fia. Um jogo de linguagem supõe interlocutores comprometidos numa ação, nem que seja um génio maligno empenhado em os enganar; a certeza já não é uma pro- priedade do conhecimento teórico, uma característica das ideias claras e distintas, um valor absoluto descoberto por um Ego solitário que teria sido capaz de se puri- ficar da dúvida. A certeza está ligada a uma forma de vida que só pode ser ultra- passada ou modificada através de palavras, através de enunciados sem incidência prática. Não revogamos, através da dúvida, as formas do pensamento, as leis da ló- gica, não porque sejam verdades indubitáveis no sentido clássico e dogmático, mas porque não podemos viver sem elas, nem sequer imaginar que o possamos fazer. Podemos acreditar verdadeiramente, por exemplo, que possamos encontrar se- res humanos que sejamos completamente incapazes de compreender? Não. Mas não é porque há uma razão universal, presente em cada homem, com as suas leis. É simplesmente impossível interpretar um comportamento sem supor um sistema comum de referência, um jogo de linguagem partilhado que permita determinar as diferenças. Antes de dizer que não compreendemos o que diz um homem que fala uma língua diferente da nossa, temos de reconhecer que ele fala, que os sons que ele emite constituem uma linguagem. Wittgenstein põe em causa as interpretações intelectualistas que procuram a ra- zão de práticas estranhas em erros, ou em “crenças científicas erradas”. O primiti- vo que dança para fazer chover não acredita que a dança faz chover. Wittgenstein esboça assim um projeto de uma gramática para a antropologia e para a psicolo- gia, mas também para a filosofia, entendida não como uma explicação que forne- ceria as verdadeiras razões, mas como uma descrição não normativa dos jogos de linguagem na sua diversidade e nas suas semelhanças. De uma maneira geral, “o jogo de linguagem não se baseia em nenhum fundamento. Ele não é razoável (nem tão pouco não razoável). Esta aí como a nossa própria vida”(9). Esta conceção pode evidentemente ser objeto de duas interpretações divergen- tes: 50
  • 52. ☛ Podemos considerar que conduz a uma espécie . de relativismo cultural que se submete perante a diversidade dos jogos de linguagem, dos rituais, das mitologias, das culturas, sem nunca procurar julgá- los, nem tão pouco explicá-los. Esta linha de pensamento seria compatível com a ideia de Wittgenstein de que as “formas de vida” são irredutivelmente diversas; ☛ Mas podemos também vislumbrar a possibilidade de uma gramática profunda e universal - segundo a expressão de Chomsky - que descreveria as regras de funcionamento de toda a linguagem humana. Esta interpretação conduziria assim à ideia de uma “análise transcendental”, que indicaria as condições de possibilidade dos diversos atos da linguagem, nomeadamente, da referência a objetos, da atribuição de certas caraterísticas pelos predicados, e as condições de possibilidade da argumentação Wittgenstein recusaria sem dúvida comprometer-se com esta via transcenden- tal, que simplifica e economiza aspetos essenciais do pensamento que se exprime nas Investigações, nomeadamente, a ideia pragmática de que o significado das pala- vras e das frases está ligado às atividades que lhe servem de contexto, e a ideia ana- lítica segundo a qual a filosofia deve ter uma função terapêutica. Como é que a fi- losofia poderia procurar condições transcendentais não empíricas, válidas para to- dos os casos, quando a sua verdadeira tarefa é a de resolver os problemas e dissi- par definitivamente as confusões que surgem quando a linguagem “patina no va- zio”? 51
  • 53. 4 SECÇÃO Texto de Wittgenstein Uma espécie de mitologia Wittgenstein, L. (1976), De la certitude, Trad. do alemão por J. Fauve, Paris, Gallimard, p. 49 e seg. 93. As proposições que representam o que Moore “sabe” são todas de um género tal que dificilmente nos poderíamos representar por que razão alguém iria acreditar no contrário. Por exemplo, a proposição segundo a qual Moore viveu na proximidade imediata da terra. - Neste caso também posso falar de mim mesmo, em vez de de Moore. (...) Nada na minha imagem do mundo me dá uma visão contrária. 94. Mas esta imagem do mundo, eu não a tenho porque me convenci da sua retidão; nem tão pouco porque estou convencido da sua retidão. Não, ela é o cenário que herdei, no fundo do qual distingo entre o verdadeiro e o falso. 95. As proposições que descrevem esta imagem do mundo poderiam pertencer a uma espécie de mitologia. E o seu papel é semelhante ao das regras do jogo; e este jogo, podemos também aprendê-lo de forma puramente prática, sem regras explícitas. 96. Poderíamos representar-nos certas proposições, empíricas na forma, como solidificadas e funcionando como vias condutoras para as proposições empíricas fluidas, não solidificadas; e que esta relação se modificaria com o tempo, solidificando-se proposições fluidas e liquidificando-se proposições robustas. 97. A mitologia pode encontrar-se de novo aprisionada na corrente, o leito onde deslizam os pensamentos pode deslocar-se. Mas eu distingo entre o fluxo da água no leito do rio e a deslocação deste último; se bem que não haja entre os dois uma divisão clara. 98. Mas se alguém viesse dizer-nos: “A lógica é, ela também, uma ciência empírica”, estaria errado. O que está certo é isto: a mesma proposição pode ser tratada num momento 52
  • 54. como o que é a verificar pela experiência, num outro momento como uma regra da verificação. 99. E mesmo a margem deste rio é feita em parte de uma rocha sólida que não está sujeita a nenhuma modificação ou quando muito a uma modificação imperceptível, e é feita em parte de uma areia que o fluxo de água transporta e depois deposita aqui e ali. 53
  • 55. 5 SECÇÃO Notas 1 L. Wittgenstein, Investigations philosophiques, I, § 1 2 L. Wittgenstein, op. cit., I, § 23 3 L. Wittgenstein, op. cit., I, § 11 4 L. Wittgenstein, op. cit., I, § 66 5 L. Wittgenstein, op. cit., I, § 48 6 L. Wittgenstein, op. cit., II, p. 357 7 L. Wittgenstein, op. cit., I, § 199 8 Descartes, Méditations, p. 75 9 L. Wittgenstein, De la certitude 54
  • 56. 4 CAPÍTULO Heidegger A existência é importante para apreender a realidade. É preciso esperar que o ser se nos revele. A sua verdade mostra-se de maneira enigmática na linguagem poética que toma o valor de uma revelação religiosa. As palavras perdem o seu papel de utensílios e são literalmente utilizadas pelo ser para nos manifestar a sua verdade. Ao contrário da poesia que revela o ser, a técnica moderna, verdadeiro remate do niilismo filosófico, revela o nada. 55
  • 57. 1 SECÇÃO Heidegger De certo modo, Heidegger coloca-nos diante de uma alternativa: ou o seu pensamento é a derradeira expressão de uma metafísica oca, puramente verbal, como pensa ainda um grande número de filósofos de inspiração analítica, ou então tenta verdadeiramente dizer-nos alguma coisa, que está presente, mas implicitamente, negativamente, no vazio, nas metamorfoses da filosofia analítica. Algumas perspetivas atuais do lado da hermenêutica, como a de Paul Ricoeur, ou sob o signo do pragmatismo, de R. Rorty, sugerem que o abismo entre a Martin Heidegger corrente analítica e a corrente da filosofia “continental” de língua alemã e francesa, não sendo preenchido, deixou de ser inultrapassável.(1hd) Mas estamos ainda longe de ter a noção exata do pensamento terrivelmente controverso de Heidegger. Estas controvérsias têm origem, em parte, no facto de Heidegger ser um filósofo ou um pensador sujeito a mal-entendidos, não de um mal-entendido decorrente de uma simples e contingente perturbação da comunicação, de um acidente de bom entendimento, mas um mal-entendido como destino, como finalidade, do próprio pensamento. Mal-entendido antes de mais nas relações que estabelece com a fenomenologia. O próprio Heidegger refere a importância que teve para ele, em 1910, a leitura das Investigações lógicas de Husserl; a sua primeira tese (Dissertação), sob a orientação do neo-kantiano Rickert é uma crítica da doutrina psicologizante do juízo (em 1913) e o grande livro de 1927, O Ser e o Tempo, contém uma dedicatória a Husserl, que Heidegger sucede em Friburgo em 1928. Todavia, o Ser e o Tempo indica claramente que a fenomenologia, para Heidegger, é sobretudo uma “possibilidade” que falta explorar, e não uma forma científica de investigação filosófica, como pretendia Husserl. É verdade que reconhece que as Investigações lógicas constituem uma “avanço”, mas, como afirma num pequeno texto muito esclarecedor, O Meu Caminho e a Fenomenologia, em vez de constituir um genuíno início de uma nova filosofia, essas investigações limitam-se a encontrar, de forma confusa e contraditória, o traço fundamental do pensamento grego. Recusando seguir os passos de Husserl no caminho da 56