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AUTOR DO MÊS
Janeiro 2014
João Casimiro de Aguiar (Lisboa, 28 de Outubro de 1943 - Lisboa, 3 de
Junho de 2010), conhecido profissionalmente como
jornalista e escritor português.

João Aguiar foi um
Entre as suas obras contam-se títulos como:
Uma incursão no esoterismo português (1983)
A Voz dos Deuses (1984)
O homem sem nome (romance) (1986)
O trono do altíssimo (1988)
O canto dos fantasmas (1990)
Os comedores de pérolas (1992)
A hora de Sertório (1994)
A encomendação das almas (1995)
Navegador solitário (1996)
Inês de Portugal (1997)
O dragão de fumo (1998)
A catedral verde (2000)
Diálogo das compensadas (2001)
Uma deusa na bruma (2003)
O sétimo herói (2004)
O jardim das delícias (livro) (2005)
O tigre sentado (livro) (2005, 2ª ed.)
Lapedo – uma criança no vale (2006)
O Priorado do Cifrão (2008)
E ainda:
Rio das Pérolas
Uma Deusa na Bruma
Pedro & Companhia
Coleções infanto-juvenis
O Bando dos Quatro
Sebastião e os Mundos Secretos.
Outras obras:
A Orquídea Branca, libreto para a ópera com música de Jorge
Salgueiro, (estreada a 27 de Outubro de 2008)
Eu vi morrer o III Reich, de Manuel Homem de Mello
(Coordenação e comentários de João Aguiar) (Edições Vega,
Lisboa, s.d.)
Autobiografia
Momentos de Não-Glória
“Nascido há 61anos, sob o
signo do Escorpião, com
ascendente em Gémeos
não que eu tenha uma
ideia clara sobre o que isso
significa, mas enfim, fica
sempre bem escrevê-lo.
Autobiografia,
porquê,
para quê? Se as coisas imaginadas tendem a ser muito mais interessantes
do que vividas? Ou, pelo menos, é o que se passa comigo. A minha vida
não daria um livro; em contrapartida, um livro meu daria uma vida se
chata ou interessante, não me compete dizer. Em todo o caso, puxando os
cabelos da memória, encontro alguns momentos especiais, daqueles que
o tempo não apaga facilmente.
O gânglio (GÂNGLIO) pulmonar: o Dr. Cordeiro Ferreira apontando para
uma radiografia (a minha radiografia) dizendo: "Cá está". E a minha mãe
respondendo-lhe com um breve ataque de choro, logo contido, porque eu
estava presente tinha sete anos, se a memória não me falha. Não que
aquilo fosse mortal, mas era (foi), sem dúvida, complicado: um mês inteiro
de cama, injeções de cálcio todos os dias (traseiro feito num passador),
depois a procura de zonas com ares saudáveis (Alcabideche! Mem
Martins! Sem dúvida, uma outra era) e, claro, antes de tudo isso, a saída
do jardim-de-infância onde começara a aprender a leitura pela Cartilha de
João de Deus e o francês pela paciência de uma mademoiselle.
Abandonado o jardim por ordem médica, o que se há-de fazer com o
miúdo, que está proibido de correr, saltar, brincar? É preciso que continue
a aprender a ler. Que aprenda rapidamente, de preferência. Depois, é
colocar-lhe sobre os joelhos os livros que ele for capaz de consumir.
Estou convencido de que foi assim que tudo começou. Poucos meses
depois, nós as minhas duas irmãs e eu esperávamos o dia em que
partiríamos com a nossa mãe para Moçambique, onde o nosso pai nos
esperava. Eu tinha feito claros progressos na leitura, porém a escrita ainda
estava perra. No entanto, isso não me impedira de congeminar uma
história (magnífica, achava eu, modestamente), que esperava, dentro da
minha cabeça, o momento de saltar cá para fora. E assim, num dia em que
os astros me eram particularmente favoráveis, logrei convencer a minha
irmã Maria João a aceitar que eu lhe ditasse esse primeiro arroubo
literário...
Foi um desastre. Eu tinha imaginado, evidentemente, uma linda princesa a
quem a fada madrinha oferecera três ovos de ouro que ela deveria
quebrar quando estivesse em situações de perigo. O problema estava em
que acabei por arranjar mais situações do que ovos, de modo que, quando
atirei ao caminho da princesa um tigre terrível e sanguinário resolvi o
assunto, à falta de ovos, com uma frase que me pareceu magistral: "Como
ela era muito habilidosa, conseguiu afastar o tigre". Ao ouvir isto, a Maria
João decidiu que bastava de tontices e, do alto dos seus sábios 12 anos,
declarar que a minha história era estúpida e que não escrevia mais nada
(na realidade, eu ainda tinha um ovo de reserva mas recusei-me a usá-lo
porque precisava dele para acudir à princesa no final comovente da
história).
Assim vi impossibilitada o início de uma carreira literária precoce.
Um outro momento: largos meses mais tarde, já em Moçambique,
retomada a vida escolar, sofri nova desilusão também por via fraternal: na
tremenda maturidade dos meus nove anos, recentemente completados,
considerei que era chegada a altura de escrever não um simples conto
com princesas, tigres e ovos de ouro, mas antes um livro completo, um
romance inteiro. Lancei-me ao trabalho, já sem intermediários: escrevia
eu próprio com lápis, porque as canetas, todas elas, tinham o mau
costume de me largar tinta na roupa, atitude subversiva que exasperava a
minha mãe.
Lembro-me de que a primeira tentativa romanesca começava assim:
"Sangue! Vingança!". Já não sei que personagem pronunciava este
rigoroso discurso, mas também não importa, porque a personagem não
disse mais nada: eu esquecera-me de construir a história previamente e
não sabia como havia de continuar. Portanto, desisti. Mas não me
desencorajei; comecei logo um outro romance e, ao chegar à terceira
página, achei que tão prolongado esforço merecia já um claro aplauso
familiar. Submeti o original ao parecer dos meus pais e dos meus irmãos.
A família leu o original. O que, admita-se, já foi muito meritório. Faltava,
porém, a parte do claro aplauso e esse foi, como direi, matizado. A minha
mãe disse: "Bom. E, a propósito, já fizestes os trabalhos de casa para
amanhã?" O meu pai limpou os óculos e murmurou: "Pois. Muito bem."
Então, desiludido com a geração mais antiga, virei-me para a geração
seguinte, mais capaz, certamente, de entender os novíssimos. A Maria
João olhava de relance para a nossa irmã mais velha, Manuela. E esta,
enchendo-se de coragem, falou. Olha, João (disse ela), o que se passa é
que tu não tens andado a ler os livros certos. Tens de ler livros bons,
entendes? Quando tiveres lido Júlio Dinis, Alexandre Herculano e ...
(mencionou mais uns quantos que não me recordo; certamente, Eça de
Queirós), então, talvez possas pensar em escrever um livro.
Detestei um tal conselho com toda a força com que é normal, naquela e
noutras idades, detestar os bons conselhos. E senti-me incompreendido, o
que, como se sabe, é o primeiro passo para a condição de génio.
Passou tempo, muito tempo. Aos 14, aos 15, e 16 anos, escrevi peças de
teatro. Tinham características que eram comuns a todas: primeiro eram
tragédias pungentes (duas mesmo tragédias gregas, imagine-se, com a
ação situada na Grécia antiga e mitológica); e, segunda característica, o
protagonista era sempre um rapaz de 14, 15, ou 16 anos, conforme a
idade que eu tivesse na altura. Com pleno de Shakespeare: querer ser
autor-ator. As obras não seriam propriamente geniais, porém
demonstravam, muito helenicamente, a interferência do destino: as
minhas notas a matemática eram desastrosas. E depois, momento
subsequente, vieram as tentativas de produzir romances. Foram várias e
poucas passaram da fase do manuscrito à da dactilografia. Um desses
romances cheirava indecentemente a Doutor Jivago. Eu lera o livro de
Pasternak aos 16 anos, justamente. E lera-o, apesar das 600 e tal páginas
da tradução portuguesa, em escassos 15 dias, saboreando cada página
com intensa volúpia. Fizera-o não por maturidade precoce, mas porque a
minha mãe pronunciara as palavras mágicas: "O menino ainda não pode
ler esse livro, não é próprio para a sua idade". Com a mesmíssima frase
me levara ela a decorar ‘A Túnica’ (de Lloyd C. Douglas, se não estou em
erro), quando eu tinha dez anos. Seria, nos dois casos, propositado? Ainda
hoje não sei. Mas sei que não há nada, não há delícia terrena comparável
ao gosto e ao perfume de um livro proibido.
Passemos. Após uns quantos inesquecíveis "romances" (que já esqueci),
naufragados em outros tantos cestos de papéis, e sendo eu já um
jornalista jovem e prometedor (interpretação minha, evidentemente),
veio o momento em que, bebendo da minha experiência vivida, escrevi
um verdadeiro romance, sem aspas. E mais: auxiliado por um amigo,
arranjei uma editora. Revivo ainda, na memória, a emoção de tirar com as
minhas mãos as primeiras provas. Momento único na vida de um futuro
escritor...
Então, a editora faliu e o livro não foi publicado.
Quem leu isto, pensará: lá está ele a querer fazer-se valer a querer
mostrar como teve de lutar contra inúmeras dificuldades e resistências
para concretizar o desejo de ser escritor! Engano. Não é nada disso e é,
digamos, muito pelo contrário... Todos estes momentos de não-glória me
foram muitíssimo úteis. Por exemplo: eu lamento a falência da editora que
ia publicar-me, lamento-a só por ela, editora, e não por mim. O livro era
mau. O facto de ser um romance sem aspas nada altera; eu ainda estava
demasiado verde.
Da mesma forma, a proibição de ler ‘O Doutor Jivago’ abriu-me as portas
da literatura russa. As críticas fraternais que sobre mim desabaram na
tenra idade dos nove anos travaram os meus ímpetos durante o tempo
necessário para educar minimamente o meu gosto e aprender um
português escorreito. A também fraternal recusa de pôr por escrito a
história da princesa e do tigre dos ovos de ouro ter-me-á dado, suspeito
eu, uma primeira ensaboadela sobre as exigências da lógica e na
construção de uma trama. E até o gânglio pulmonar colaborou, ao pôr-me
a XXX mais cedo do que seria normal.
Está claro, eu podia narrar outros momentos. Mas, recordo, a minha vida
não dava um livro, e ainda bem. Em compensação, o facto de os meus
livros darem uma vida boa ou má, não importa para o caso -, esse facto,
devo-o, em grande parte, aos momentos de não-glória que acabo de
relatar. E estou-lhes muito grato.”
In JL, Junho 2005
Quiz de leitura:
1- O autor percebia alguma coisa de astrologia? Justifica a tua resposta.
2- Quantos irmãos tinha?
3- Quais as atividades que o autor não poderia realizar na escola?
4- Quem foram os seus primeiros leitores?
5- Das obras que constam na Biblioteca da tua escola, quantas encontras
escritas por este autor?
6- Nomeia 2 livros em que o autor aborda a História de Portugal.
7- Identifica uma peça de teatro escrita por ele.
8- Qual a frase mágica que, no ponto de vista do autor, faz com que
acicate a nossa curiosidade em ler um dado livro?

Responde a estas questões do Quiz , até final deste mês, numa folha à
parte, e habilita-te a um prémio…
O vencedor será anunciado na próxima edição do jornal escolar!

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Autor do mês janeiro 2014

  • 1. AUTOR DO MÊS Janeiro 2014 João Casimiro de Aguiar (Lisboa, 28 de Outubro de 1943 - Lisboa, 3 de Junho de 2010), conhecido profissionalmente como jornalista e escritor português. João Aguiar foi um
  • 2. Entre as suas obras contam-se títulos como: Uma incursão no esoterismo português (1983) A Voz dos Deuses (1984) O homem sem nome (romance) (1986) O trono do altíssimo (1988) O canto dos fantasmas (1990) Os comedores de pérolas (1992) A hora de Sertório (1994) A encomendação das almas (1995) Navegador solitário (1996) Inês de Portugal (1997) O dragão de fumo (1998) A catedral verde (2000) Diálogo das compensadas (2001) Uma deusa na bruma (2003) O sétimo herói (2004) O jardim das delícias (livro) (2005) O tigre sentado (livro) (2005, 2ª ed.) Lapedo – uma criança no vale (2006) O Priorado do Cifrão (2008) E ainda: Rio das Pérolas Uma Deusa na Bruma Pedro & Companhia Coleções infanto-juvenis O Bando dos Quatro Sebastião e os Mundos Secretos. Outras obras: A Orquídea Branca, libreto para a ópera com música de Jorge Salgueiro, (estreada a 27 de Outubro de 2008) Eu vi morrer o III Reich, de Manuel Homem de Mello (Coordenação e comentários de João Aguiar) (Edições Vega, Lisboa, s.d.)
  • 3. Autobiografia Momentos de Não-Glória “Nascido há 61anos, sob o signo do Escorpião, com ascendente em Gémeos não que eu tenha uma ideia clara sobre o que isso significa, mas enfim, fica sempre bem escrevê-lo. Autobiografia, porquê, para quê? Se as coisas imaginadas tendem a ser muito mais interessantes do que vividas? Ou, pelo menos, é o que se passa comigo. A minha vida não daria um livro; em contrapartida, um livro meu daria uma vida se chata ou interessante, não me compete dizer. Em todo o caso, puxando os cabelos da memória, encontro alguns momentos especiais, daqueles que o tempo não apaga facilmente. O gânglio (GÂNGLIO) pulmonar: o Dr. Cordeiro Ferreira apontando para uma radiografia (a minha radiografia) dizendo: "Cá está". E a minha mãe respondendo-lhe com um breve ataque de choro, logo contido, porque eu estava presente tinha sete anos, se a memória não me falha. Não que aquilo fosse mortal, mas era (foi), sem dúvida, complicado: um mês inteiro de cama, injeções de cálcio todos os dias (traseiro feito num passador), depois a procura de zonas com ares saudáveis (Alcabideche! Mem Martins! Sem dúvida, uma outra era) e, claro, antes de tudo isso, a saída do jardim-de-infância onde começara a aprender a leitura pela Cartilha de João de Deus e o francês pela paciência de uma mademoiselle. Abandonado o jardim por ordem médica, o que se há-de fazer com o miúdo, que está proibido de correr, saltar, brincar? É preciso que continue a aprender a ler. Que aprenda rapidamente, de preferência. Depois, é colocar-lhe sobre os joelhos os livros que ele for capaz de consumir. Estou convencido de que foi assim que tudo começou. Poucos meses depois, nós as minhas duas irmãs e eu esperávamos o dia em que partiríamos com a nossa mãe para Moçambique, onde o nosso pai nos esperava. Eu tinha feito claros progressos na leitura, porém a escrita ainda estava perra. No entanto, isso não me impedira de congeminar uma história (magnífica, achava eu, modestamente), que esperava, dentro da
  • 4. minha cabeça, o momento de saltar cá para fora. E assim, num dia em que os astros me eram particularmente favoráveis, logrei convencer a minha irmã Maria João a aceitar que eu lhe ditasse esse primeiro arroubo literário... Foi um desastre. Eu tinha imaginado, evidentemente, uma linda princesa a quem a fada madrinha oferecera três ovos de ouro que ela deveria quebrar quando estivesse em situações de perigo. O problema estava em que acabei por arranjar mais situações do que ovos, de modo que, quando atirei ao caminho da princesa um tigre terrível e sanguinário resolvi o assunto, à falta de ovos, com uma frase que me pareceu magistral: "Como ela era muito habilidosa, conseguiu afastar o tigre". Ao ouvir isto, a Maria João decidiu que bastava de tontices e, do alto dos seus sábios 12 anos, declarar que a minha história era estúpida e que não escrevia mais nada (na realidade, eu ainda tinha um ovo de reserva mas recusei-me a usá-lo porque precisava dele para acudir à princesa no final comovente da história). Assim vi impossibilitada o início de uma carreira literária precoce. Um outro momento: largos meses mais tarde, já em Moçambique, retomada a vida escolar, sofri nova desilusão também por via fraternal: na tremenda maturidade dos meus nove anos, recentemente completados, considerei que era chegada a altura de escrever não um simples conto com princesas, tigres e ovos de ouro, mas antes um livro completo, um romance inteiro. Lancei-me ao trabalho, já sem intermediários: escrevia eu próprio com lápis, porque as canetas, todas elas, tinham o mau costume de me largar tinta na roupa, atitude subversiva que exasperava a minha mãe. Lembro-me de que a primeira tentativa romanesca começava assim: "Sangue! Vingança!". Já não sei que personagem pronunciava este rigoroso discurso, mas também não importa, porque a personagem não disse mais nada: eu esquecera-me de construir a história previamente e não sabia como havia de continuar. Portanto, desisti. Mas não me desencorajei; comecei logo um outro romance e, ao chegar à terceira página, achei que tão prolongado esforço merecia já um claro aplauso familiar. Submeti o original ao parecer dos meus pais e dos meus irmãos.
  • 5. A família leu o original. O que, admita-se, já foi muito meritório. Faltava, porém, a parte do claro aplauso e esse foi, como direi, matizado. A minha mãe disse: "Bom. E, a propósito, já fizestes os trabalhos de casa para amanhã?" O meu pai limpou os óculos e murmurou: "Pois. Muito bem." Então, desiludido com a geração mais antiga, virei-me para a geração seguinte, mais capaz, certamente, de entender os novíssimos. A Maria João olhava de relance para a nossa irmã mais velha, Manuela. E esta, enchendo-se de coragem, falou. Olha, João (disse ela), o que se passa é que tu não tens andado a ler os livros certos. Tens de ler livros bons, entendes? Quando tiveres lido Júlio Dinis, Alexandre Herculano e ... (mencionou mais uns quantos que não me recordo; certamente, Eça de Queirós), então, talvez possas pensar em escrever um livro. Detestei um tal conselho com toda a força com que é normal, naquela e noutras idades, detestar os bons conselhos. E senti-me incompreendido, o que, como se sabe, é o primeiro passo para a condição de génio. Passou tempo, muito tempo. Aos 14, aos 15, e 16 anos, escrevi peças de teatro. Tinham características que eram comuns a todas: primeiro eram tragédias pungentes (duas mesmo tragédias gregas, imagine-se, com a ação situada na Grécia antiga e mitológica); e, segunda característica, o protagonista era sempre um rapaz de 14, 15, ou 16 anos, conforme a idade que eu tivesse na altura. Com pleno de Shakespeare: querer ser autor-ator. As obras não seriam propriamente geniais, porém demonstravam, muito helenicamente, a interferência do destino: as minhas notas a matemática eram desastrosas. E depois, momento subsequente, vieram as tentativas de produzir romances. Foram várias e poucas passaram da fase do manuscrito à da dactilografia. Um desses romances cheirava indecentemente a Doutor Jivago. Eu lera o livro de Pasternak aos 16 anos, justamente. E lera-o, apesar das 600 e tal páginas da tradução portuguesa, em escassos 15 dias, saboreando cada página com intensa volúpia. Fizera-o não por maturidade precoce, mas porque a minha mãe pronunciara as palavras mágicas: "O menino ainda não pode ler esse livro, não é próprio para a sua idade". Com a mesmíssima frase me levara ela a decorar ‘A Túnica’ (de Lloyd C. Douglas, se não estou em erro), quando eu tinha dez anos. Seria, nos dois casos, propositado? Ainda hoje não sei. Mas sei que não há nada, não há delícia terrena comparável ao gosto e ao perfume de um livro proibido.
  • 6. Passemos. Após uns quantos inesquecíveis "romances" (que já esqueci), naufragados em outros tantos cestos de papéis, e sendo eu já um jornalista jovem e prometedor (interpretação minha, evidentemente), veio o momento em que, bebendo da minha experiência vivida, escrevi um verdadeiro romance, sem aspas. E mais: auxiliado por um amigo, arranjei uma editora. Revivo ainda, na memória, a emoção de tirar com as minhas mãos as primeiras provas. Momento único na vida de um futuro escritor... Então, a editora faliu e o livro não foi publicado. Quem leu isto, pensará: lá está ele a querer fazer-se valer a querer mostrar como teve de lutar contra inúmeras dificuldades e resistências para concretizar o desejo de ser escritor! Engano. Não é nada disso e é, digamos, muito pelo contrário... Todos estes momentos de não-glória me foram muitíssimo úteis. Por exemplo: eu lamento a falência da editora que ia publicar-me, lamento-a só por ela, editora, e não por mim. O livro era mau. O facto de ser um romance sem aspas nada altera; eu ainda estava demasiado verde. Da mesma forma, a proibição de ler ‘O Doutor Jivago’ abriu-me as portas da literatura russa. As críticas fraternais que sobre mim desabaram na tenra idade dos nove anos travaram os meus ímpetos durante o tempo necessário para educar minimamente o meu gosto e aprender um português escorreito. A também fraternal recusa de pôr por escrito a história da princesa e do tigre dos ovos de ouro ter-me-á dado, suspeito eu, uma primeira ensaboadela sobre as exigências da lógica e na construção de uma trama. E até o gânglio pulmonar colaborou, ao pôr-me a XXX mais cedo do que seria normal. Está claro, eu podia narrar outros momentos. Mas, recordo, a minha vida não dava um livro, e ainda bem. Em compensação, o facto de os meus livros darem uma vida boa ou má, não importa para o caso -, esse facto, devo-o, em grande parte, aos momentos de não-glória que acabo de relatar. E estou-lhes muito grato.” In JL, Junho 2005
  • 7. Quiz de leitura: 1- O autor percebia alguma coisa de astrologia? Justifica a tua resposta. 2- Quantos irmãos tinha? 3- Quais as atividades que o autor não poderia realizar na escola? 4- Quem foram os seus primeiros leitores? 5- Das obras que constam na Biblioteca da tua escola, quantas encontras escritas por este autor? 6- Nomeia 2 livros em que o autor aborda a História de Portugal. 7- Identifica uma peça de teatro escrita por ele. 8- Qual a frase mágica que, no ponto de vista do autor, faz com que acicate a nossa curiosidade em ler um dado livro? Responde a estas questões do Quiz , até final deste mês, numa folha à parte, e habilita-te a um prémio… O vencedor será anunciado na próxima edição do jornal escolar!