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José Carlos S. de Almeida

Filosofia – 10º ano
Sumários desenvolvidos

Ano letivo de 2011/2012
Alterado e aumentado em 2013
2
FILOSOFIA – 10º ano
Programa / Conteúdos

- Abordagem introdutória à Filosofia e ao filosofar
- A ação humana: análise e compreensão do agir
- Os valores: análise e compreensão da experiência valorativa
- Dimensões da ação humana e dos valores: a Ética e a Política
- Dimensões da ação humana e dos valores: a Estética
- Temas / problemas do mundo contemporâneo

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Índice
Capítulo 1 - O que é a Filosofia? O que é filosofar?
§1. A definição de Filosofia
§1. –A. Somos todos filósofos?
§1 – B. O valor da Filosofia
§2. O que nos diz a etimologia da palavra ‗filosofia‘
§3. – A. Do mito aos primeiros filósofos. O mito enquanto primeiro ensaio duma tentativa de
descrição e explicação quase racional do real
§3. A Filosofia é filha da polis
§4. O filósofo, distraído ou preocupado?
§5. A alegoria da caverna de Platão e a atitude filosófica
§5. A - Características da atitude filosófica
§6. Historicidade
§7. Radicalidade
§7-A. Universalidade
§8. Autonomia em relação à ciência e à religião
§9. O carácter discursivo do trabalho filosófico
§10. Filosofar é argumentar
§11. Áreas e temas abrangidos pela Filosofia
Capítulo 2 - O homem construindo-se através da ação
§12. O que leva o homem a agir
§13. Sentidos usados na linguagem quotidiana que não deverão ser considerados neste âmbito
§14. A ação humana constitui uma intervenção planeada e pensada
§14-A. Devemos distinguir o plano do agir do plano do acontecer e a ação da reação
§15. A consciência e a vontade são elementos que caracterizam necessariamente a ação
humana
§16. A importância da presença dos elementos consciência e vontade no agir do homem
§17. Movimento / acontecimento e ação
§18. A rede conceptual da ação: ação intencionada e ação causada
§19. Perspetiva determinista e perspetiva baseada na ação intencionada
§20. Combinando causas e intenções; o homem é simultaneamente livre e determinado
§21. Ações voluntárias, atos involuntários e reflexos
§22. O agente da ação e a relação causal
§23. O estabelecimento de um motivo responde ao porquê e explica e legitima a ação
§24. Intenção e motivo
§25. O trabalho humano e a atividade dos animais
§26. O trabalho enquanto forma particular de ação. Trabalho e projeto
§27. Ação livre e responsabilidade
§28. A culpa
§29. Algumas notas sobre o existencialismo
§30. Classificação das várias condicionantes da ação humana
§31. Diversos tipos de determinismo
§31 – A. A crença no destino como forma de determinismo
§32. Consciência, vontade e responsabilidade
Capítulo 3 - O mundo não é indiferente ao homem: os valores
§33. O que são os valores
§34. O percurso da ação aos valores
§35. Não há ações gratuitas, isto é, sem a presença dos valores
§36. Características dos valores
Capítulo 4 - A experiência ética e política da vida e do mundo
§37. Os valores morais e o relativismo cultural

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§38. Relativismo moral e relativismo cultural e tolerância
§39. A dimensão da ética e da moral
§39 – A. Distinguir ética e moral
§39 – B. Distinguir moral e religião
§40. Intenção e norma
§41. Distinção conceptual entre moral e ética – quadro-resumo
§42. Dimensão pessoal e social – o si mesmo, o outro e as instituições
§43. Teorias acerca da fundamentação da moralidade: a perspetiva deontológica de Kant
§44. Teorias acerca da fundamentação da moralidade: a perspetiva consequencialista de
Stuart Mill
§44 – A. Confronto entre as teorias deontológicas e as teorias consequencialistas
§45. A relação entre a ética, o direito e a política
§46. O Estado enquanto problema da filosofia política
§47. O homem e o Estado: a perspetiva clássica: Aristóteles
§48. O homem e o Estado: a perspetiva contratualista moderna: John Locke – do estado de
natureza à natureza do Estado
§49. A teoria da justiça de John Rawls
§49 – A. Conflito e cooperação nas sociedades contemporâneas; a relação entre a liberdade e
a igualdade
§49 – B. Rawls critica o utilitarismo
§49 – C. A escolha racional dos princípios da justiça
Capítulo 5 - A experiência estética da vida e do mundo
§50. A experiência estética
§50 – A. Quando um acontecimento se torna numa experiência para o sujeito
§50 – B. Caraterização da experiência estética
§50 – C. Atitude e sensibilidade estéticas
§50 – D. Objetivismo e subjetivismo na experiência estética
§50 – E. Teorias acerca da natureza da Arte e da obra de arte

Nota
Estes sumários desenvolvidos constituem um determinado momento no nosso trabalho que
passa também pela nossa investigação e reflexão e pelo diálogo mais ou menos frutuoso com
os alunos. Enquanto representam um momento desse trabalho, estarão sempre sujeitos a
serem revistos e substituídos por outros textos considerados mais ajustados ao fim em vista.
Trata-se de um texto em permanente reelaboração e reconstrução, mas não é esse o destino
de qualquer texto de cariz ensaístico?1

1

Sobre a natureza do ensaio, ver Fernando Savater, ***** e Eduardo Prado Coelho, ******.

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Capítulo 1 - O que é a Filosofia? O que é filosofar?
§1.
A definição da Filosofia
O início da aventura filosófica é sempre marcado por uma pergunta fatal: o que é a
Filosofia? Ninguém gosta de embarcar numa viagem sem saber para onde vai, sem saber o que
vai encontrar. De qualquer modo, perguntar sobre o que é a Filosofia sempre é uma questão
mais interessante que perguntar, como também acontece habitualmente, sobre para que é
que serve a Filosofia. Há, de facto, quem faça essa pergunta sobre a utilidade da Filosofia,
mas com a ideia preconcebida de que a Filosofia não lhe servirá para nada. Ora, quando
soubermos o que é a Filosofia, também chegaremos à resposta sobre a sua utilidade. O que
não podemos fazer é condicionar a pergunta sobre o que é à pergunta para que é que serve.
O problema da utilidade da Filosofia não se situa no mesmo plano que perguntar pela
utilidade dum chapéu-de-chuva ou duma estrada. Ninguém tem dúvidas sobre a utilidade dum
chapéu-de-chuva, porque todos estão seguros sobre o que é um chapéu-de-chuva. Porém,
sobre a Filosofia, não estamos todos de acordo sobre o que seja. Nesse sentido, a questão
sobre a sua utilidade sai prejudicada.
Há quem considere que o primeiro problema da Filosofia é a questão da definição de
Filosofia. E o problema adensa-se porque não existe uma resposta única a esta questão, como
também poderíamos dizer que esta questão não tem sentido no caso da Filosofia. Saber o que
é a Filosofia é um dos seus primeiros problemas. Existem várias respostas a esta questão,
respostas que têm variado de filósofo para filósofo, de época para época. De tal maneira que
seria mais rigoroso falar de Filosofias do que de Filosofia. Perguntar sobre o que é a Filosofia
deixa, assim, de ter sentido e alcance, porque a Filosofia não existe.
Contudo, apesar dessa variação e variedade em torno da resposta à pergunta sobre o
que é a Filosofia, variação e variedade que também existe acerca do valor da Filosofia,
podemos avançar com algumas ideias muito gerais sobre o que possa ser a Filosofia, sendo
certo que cada um irá construindo a sua visão pessoal do que é a Filosofia.
Assim, poderíamos dizer, em primeiro lugar, que a Filosofia constitui-se como uma
reflexão racional e crítica sobre os problemas fundamentais da condição humana considerada
em si mesma e do homem face aos seus semelhantes e à realidade. Uma reflexão sobre o
homem na sua universalidade, mesmo que partindo duma situação concreta e particular em
que sempre se encontra. Trata-se de uma definição que é proposta neste momento,
suficientemente vaga e provisória, para que cada um a vá enriquecendo ao longo deste
caminho. É que, por outro lado, como dizia o poeta espanhol António Machado, não existem
caminhos, fazem-se a caminhar.
Tentemos, num primeiro momento, aproximarmo-nos dos elementos que constituem
aquela primeira tentativa de definição.
Para já, a Filosofia surge como uma reflexão; uma reflexão enquanto atividade
racional e crítica. Trata-se, então, de uma atividade da razão, das nossas faculdades racionais

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exigindo uma postura crítica. Como veremos mais adiante, faz parte da atitude filosófica o
não aceitar passivamente (acriticamente) tudo o que observa e lhe é comunicado. Por outro
lado, essa reflexão incide sobre problemas. Que problemas? Aqueles que dizem respeito à
condição humana, às condições através das quais o Homem assegura a sua existência; e isto,
na medida em que essas condições têm a ver com a sua relação com os outros e com o meio
que o rodeia, implicam a Sociedade e a Natureza. Mas, vejamos, como exemplo, um desses
problemas ditos fundamentais.
Todos nós já passámos pela experiência da morte de alguém próximo, um familiar ou
um amigo. Esse momento traumático atingiu-nos, certamente, de uma forma profunda. Nessa
ocasião chorámos, com lágrimas ou sem elas, essa perda definitiva. Doeu-nos, a uns mais do
que a outros, o facto de nunca mais podermos contar com o convívio dessa pessoa junto de
nós. A morte foi experimentada de diversas formas, mas apesar dessa diversidade, ela
constituiu para todos um momento de profunda tristeza, vivida solitariamente ou partilhada
com os outros. Como também foi ocasião de pensarmos, de forma mais profunda e sem
paralelo com o que pensamos no dia-a-dia, sobre o que aconteceu e sobre a natureza da
morte e o sentido da vida. De certeza, que pensámos e nos interrogámos sobre a morte
enquanto fim, nomeadamente, interrogámo-nos sobre se a morte representa um fim absoluto
ou apenas uma passagem para outra fase que ainda desconhecemos. Eventualmente, também
nos interrogámos sobre o sentido da nossa vida, a razão de ser de tudo o que fazemos, porque
confrontados com a fragilidade da vida. Possivelmente, mais desesperados, chegámos a pôr
em causa o que fazemos e o que somos. No meio de todas as questões que colocámos nesse
momento de dor, o que pretendíamos era obter algumas respostas que minorassem o nosso
sofrimento. Sabemos que alguns de nós encontram essas respostas nas religiões e, dessa
maneira, atenuam a sua experiência dolorosa; mas outros não aceitam esse tipo de respostas
e procuram

um

entendimento

mais

racional

sobre essas

matérias. As

reflexões,

eventualmente desordenadas que nesse momento produzimos aproximam-se da Filosofia, tal
como a vimos aqui entendendo. Nesse sentido, podemos até dizer que todos nós somos
filósofos.
§1. –A. Somos todos filósofos?
Com efeito, há quem assim pense.
―Creio que todos os seres humanos são filósofos, ainda que alguns mais que outros.
Todo o homem desenvolve determinados pontos de vista filosóficos - ainda que
geralmente acríticos -, filosofias boas ou menos boas. As expetativas, o que a vida
deve oferecer, o que se pode alcançar na vida são, no fundo, pontos de vista
filosóficos perante a vida. (…)
Compete ao filósofo profissional investigar criticamente as coisas que muitos outros
têm na conta de óbvias, pois muitos dos pontos de vista, não passam de preconceitos
que são aceites acriticamente (…). E para denunciar isso, é necessário, talvez, alguém

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como um filósofo profissional, que dedica todo o seu tempo à reflexão crítica.‖ (Karl
Popper, Sociedade aberta, Universo aberto, Lisboa, Publicações Dom Quixote)
§1 – B.
O valor da Filosofia
Para que nos erve a Filosofia? O que é vale a Filosofia? Será que nos ajuda a explicar
porque é não somos mais felizes ou porque é que existem tantas mulheres e homens e
crianças, em muitas zonas do globo, que passam fome e sofrem a violência da guerra? Será
que podemos compreender melhor com a Filosofia por que razão é negado um futuro digno a
tantos seres perfeitamente iguais a nós? A Filosofia, aparentemente, formula mais questões
que respostas e muitas das questões que adianta acabam por ficar sem uma resposta
definitiva. Ora, torna-se legítimo e compreensível perguntar, então, o que é que serve uma
disciplina com essas caraterísticas.
Perguntar, levantar questões, mesmo sem obter uma resposta imediata, exprime uma
atitude positiva e valiosa. Desde que nascemos que nos dão respostas quase pré-fabricadas e
desde essa tenra idade que vamos construindo uma visão do mundo assente no que os nossos
pais e os nossos professores nos dizem. Vamos vivendo e resolvendo os mais variados
problemas recorrendo a esse repertório de respostas e regras. Durante muitos anos, o mundo
está mais ou menos composto com base nesse manancial de respostas. Tudo vai correndo em
harmonia e sem angústias de maior. A nossa maneira habitual de pensar (e responder) vai-se
consolidando na nossa maneira de ser. Tudo isso é muito natural e não se vê razão porque é
que há-de ser posto em causa tudo o que nos foi ensinado e que constituiu uma espécie de
concha onde nos abrigávamos quando as tempestades nos ameaçavam. Essa muralha
protetora punha-nos a salvo de todos os perigos. De todos?... Bem, de todos talvez não, e os
perigos mais ameaçadores não nos surgiram sob essa forma.
O valor da Filosofia não deve ser procurado nas respostas que nos dá. A começar,
porque não abundam as repostas na Filosofia. E depois, as respostas que a Filosofia nos dá,
não põem cobro a novas perguntas. Então, talvez seja de aceitar o que Bertrand Russel nos
diz sobre o valor da Filosofia:
“O valor da Filosofia, em grande parte, deve ser buscado na sua mesma incerteza.
Quem não tem umas tintas de Filosofia é homem que caminha pela vida fora sempre
agrilhoado a preconceitos que derivaram do senso comum, das crenças habituais do
seu tempo e do seu país, das convicções que cresceram no seu espírito sem a
cooperação ou o consentimento de uma razão deliberada.” 2
§2.
O que nos diz a etimologia da palavra Filosofia

2

Bertrand Russell, Os problemas da Filosofia

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Uma das maneiras de esclarecermos o significado duma palavra ou dum conceito é
compreendermos a origem e evolução dessa palavra. A etimologia da palavra Filosofia diz-nos
que Filosofia significa, originalmente, amor da sabedoria (filos + sofia). Repare-se que não se
diz que tipo de sabedoria é, nem que a Filosofia consiste na posse do saber. O que a
etimologia nos diz é que a Filosofia é, sobretudo, amor ou amizade pelo saber 3, movimento
ou trânsito para o saber, caminhar na direção do saber e não propriamente um instalar-se no
seio do próprio saber, isto é, possuir o saber. O amor pela sabedoria não exprime posse da
sabedoria, nem faz disso um requisito para o saber; o amor da sabedoria exprime, antes, uma
relação com o saber, um cuidado ou uma atenção em relação ao saber. Sublinha-se, deste
modo, o caminho ou o processo, a aventura em direção ao saber, e não tanto o resultado ou
ponto de chegada. E não será a desmesurada ânsia por chegar a qualquer lado uma forma de
nos desinteressarmos ou não estarmos atentos às maravilhas do caminho? Se ao
empreendermos uma viagem estivermos obcecados pelo ponto de chegada, pelo destino, não
teremos olhos para as paisagens que acompanharão a viagem, para a viagem em si mesma 4.
Portanto, filósofo é aquele que ama a sabedoria, que mantém com a sabedoria essa
relação intensa e de proximidade, própria de alguém que, insatisfeito, constantemente vai
reatando (atando de novo) essa ligação com o saber.
―A palavra grega filósofo (philosophus) é formada por contraposição a sophos, e
designa o que ama o saber, por oposição ao possuidor de conhecimentos, designado
por sábio. Este sentido da palavra manteve-se até hoje: é a demanda da verdade, e
não a sua posse, que constitui a essência da Filosofia, muito embora ela tenha sido
frequentemente traída pelo dogmatismo, isto é, por um saber expresso em dogmas
definitivos, perfeitos e doutrinais. Filosofar significa estar a caminho.‖ (Karl Jaspers,
Iniciação Filosófica, Guimarães Editora)
§3 – A.
Do mito aos primeiros filósofos. O mito enquanto primeiro ensaio duma tentativa
de descrição e explicação quase racional do real
Todos nós já passámos pela ocasião fascinante de, numa noite límpida de luar,
admirarmos o céu estrelado e nos interrogarmos sobre a possibilidade de existência de outros
mundo como o nosso, de sistemas solares semelhantes ao nosso, de planetas como o nosso,
com iguais condições propícias à vida humana. De certeza que nos interrogámos sobre a
existência de outros seres idênticos a nós; e de como poderia naquele preciso momento
existir outro ser humano a milhões de quilómetros, contemplando a nossa galáxia, admitindo
que estivesse outro ser semelhante com o mesmo tipo de interrogações. O mundo sempre foi

3

O amor ou amizade deve ser entendido no contexto da cultura grega antiga.
Vale a pena, a este propósito, ler o poema Ítaca de Constantin Cavafy. Estabelecendo um paralelo entre a Ítaca e a
Filosofia, poderemos dizer que, se no fim da viagem, achares pobre a Filosofia, deverás contudo compreender que foi
graças à Filosofia que te puseste a caminho e assim adquiriste as riquezas que foste encontrando e comerciando nos
portos que visitaste. A pobre Filosofia ter-te-á dado a maior riqueza: a viagem com tudo o que vai acontecendo no
caminho e que só poderemos fruir se não partirmos com ideias preconcebidas sobre o que iremos encontrar.
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fonte de curiosidade e inquietação e ai daquele que não consegue sentir esse estremecimento
que naturalmente ressoa em nós quando contemplamos o mundo à nossa volta, visível e
invisível. Olhando à sua volta, são muitas as perguntas que surgem no espírito do homem.
Uma dessas perguntas prende-se com a origem e funcionamento da realidade.
Desde muito cedo que o homem se interrogou sobre como tudo teria começado.
Observando a realidade, as coisas vivas que nascem e morrem, desde logo conclui que tudo
tem um início, que as coisas evoluem, vão ganhando novas formas. Também deverá ter sido
assim com o meio envolvente. Por isso, desde muito cedo que os homens procuraram explicar
a realidade, fornecer um sentido aos múltiplos acontecimentos que ocorriam à sua volta. O
nascimento das plantas e o surgimento dos frutos, o nascimento e a morte, a sucessão do dia
e da noite, os astros celestes e o seu movimento, os rios e os mares. Desde muito cedo que
existia toda uma série de eventos e seres que despertaram a curiosidade do homem e que o
levaram a tentar formular hipóteses de resposta. As condições rudimentares dessas primeiras
tentativas de resposta, conduziram os homens a fazer intervir nesses ensaios explicativos
seres fabulosos, dotados de capacidades extraordinárias e mágicas. Nas primeiras explicações
do mundo, os homens recorrem aos feitos fabulosos dos deuses e aos atos criadores dos
heróis, de figuras sobre-humanas, dotadas de poderes sobre-humanos. As primeiras
explicações que o homem formulou não eram explicações de natureza racional, mas antes
mágica, pois eram forças mágicas e fantásticas que explicavam os acontecimentos. Os mitos
eram, precisamente, narrativas em que se tentava explicar a origem quer do mundo (mitos
cosmogónicos, de cosmogonia, isto é cosmos (ordem) + gonia, génese (nascimento)), quer de
outras formas particulares de existência, mas de importância vital para a comunidade, como
por exemplo, a origem do homem, duma aldeia, dum rio, duma montanha, da chuva. Essas
tentativas de descrição e explicação têm de particular a intervenção de seres fabulosos. As
explicações rudimentares que o homem conseguia formular estavam longe de constituir
explicações racionais e muito menos possuíam a aparência de científicas. O pensamento
mágico dos primeiros homens possuía a sua lógica, mas não era ainda uma lógica racional.
No caso dos mitos cosmogónicos, o que aí se tentava descrever e explicar era a origem do
mundo que, em muitos casos, era o resultado duma luta primordial entre as forças do mal e
as forças do bem, entre o caos e cosmos, a desordem e a ordem. A descrição da origem do
mundo que é feita no Livro do Génesis do Velho Testamento é um bom exemplo dum mito
cosmogónico.
Essas explicações fantásticas eram perfeitamente assumidas e vividas, na medida em
que descreviam a vitória da ordem, isto é, do cosmos. E o mundo, o cosmos, estava ali para
demonstrar a vitória dos deuses e de um mundo ordenado e harmonioso. Qualquer ameaça a
essa ordem, qualquer acontecimento que viesse destruir essa ordem, representavam um
perigo para a segurança da existência humana. Era necessário, então, restaurar a ordem, o
que se conseguia através da ritualização dos acontecimentos descritos no mito.
§3.

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10
A Filosofia é filha da polis
A Filosofia, segundo a generalidade dos autores e pensando no mundo ocidental,
nasceu na Grécia Antiga por volta dos séculos VII – VI a.C.. Ora, isto deve-nos colocar a
seguinte questão: porquê na Grécia e não noutro lugar da Europa? O que há assim de especial
com a Grécia daquele tempo que fez com que nesse sítio, num determinado momento, se
começasse a produzir uma reflexão que consideramos ser a origem da Filosofia, quando não já
a própria Filosofia?
Vários fatores contribuíram para isso, desde condições políticas e culturais, até
fatores geográficos. O extraordinário florescimento cultural que ocorreu durante a época que
corresponde àquilo que ficou conhecido como o ‗milagre grego‘, o extraordinário
desenvolvimento da literatura, da cultura e arquitetura e do teatro, o fim da guerra com os
Persas instituindo um duradouro período de paz social e o desenvolvimento da democracia,
regime político que, apesar das suas limitações, favorece a expressão e a troca de ideias.
A situação geográfica da Grécia também favoreceu o desenvolvimento da Filosofia. E
aqui devemos salientar dois aspetos: a montanha e o mar.
A Grécia é constituída por um território extremamente montanhoso. Por todo o lado
encontramos esse terreno assaz acidentado, que não dá descanso aos homens que se vêm
obrigados a todo o momento a terem que trepar em ziguezague por carreiros estreitos. A
montanha divide e obriga os homens a instalarem-se em locais que achassem favoráveis,
entalados entre a montanha e o mar, mas que dificilmente comunicavam com outros lugares
povoados. Esta disposição orográfica acidentada irá favorecer o estabelecimento de cidades
independentes, suficientemente perto e prudentemente distantes do mar 5.
Se o Mediterrâneo era o ‗umbigo‘ do mundo, a Grécia, ou o Mar Egeu, ocupava um
lugar central nesse mesmo umbigo, situando-se no cruzamento de rotas comerciais oriundas
do norte de África, Próximo Oriente e Península Ibérica, ligando três continentes. O grego
esteve pois, desde sempre, em contacto com outras comunidades, outras culturas, outras
ideias. O comércio das coisas também significou o comércio das ideias. O contacto com outros
povos e outros costumes tornou-o mais aberto para a diferença e mais flexível em relação
àqueles que eram diferentes e pensavam de modo diferente, com os seus hábitos e costumes
próprios. Este contacto com a diferença também deve ter espicaçado a sua curiosidade e a
sua vontade de refletir sobre esse mundo novo.
O mar está presente por todo o território grego. A extensíssima linha de costa faz com
que nenhum ponto do interior do território grego esteja a mais de cem quilómetros do mar!
Por outro lado, uma extensa linha de costa, um território completamente exposto ao mar e
virado para fora, onde o homem era, por natureza, um ser dado à comunicação, iluminado
por uma luz solar que favorecia o desenvolvimento da racionalidade, tudo estes fatores
geográficos e climáticos também favoreceram o eclodir dum pensar curioso, crítico e

5

Cf. André Bonnard, Civilização Grega – da Ilíada ao Parténon, Lisboa, Editorial Estúdios Cor, 1966, pp. 23-24

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racional6. Todos nós, uma vez ou outra, devemos ter sentido esse apelo do mar para a
reflexão. Diante do mar, contemplando o movimento das suas ondas, essa eterna
impermanência e diferenciação constante que é ao mesmo tempo identidade e diferença,
uma continuidade diferenciante, uma identidade que se mantém através da sua presença
simultaneamente diferente e igual, é impossível que o Grego se mantivesse indiferente e não
sentisse o aguilhão da curiosidade e o impulso para pensar. Diante da extensa linha do
horizonte, contemplando o mar e essa longínqua linha, cujo espaço para lá dessa linha
interpela o homem curioso, somos levados a pensar no que está e existe para lá do que é
visível.
Essa presença do mar e o seu apelo fazem do mar um elemento muito marcante da
cultura grega. Daí a conclusão fundamental de que ―o mar civilizou os Gregos‖7.
Finalmente, a polis, a cidade, verdadeiro espaço emancipador, criou e alargou os
espaços públicos de discussão e deliberação democráticos, onde se refletia sobre a essência
do homem e da comunidade, os seus problemas, o seu futuro e o que, nesse sentido, se devia
fazer, determinando o surgimento duma nova atitude racional e crítica e dum novo saber que
se foi delineando como filosófico.
Há quem fale dum «milagre grego» para explicar todo esta produção maravilhosa no
campo da cultura e da política e que seriam determinantes para a formação da Europa e do
espírito europeu. Também se falaria dum «milagre grego» para explicar (?) o surgimento da
Filosofia. Contudo, talvez se deva antes falar da conjugação favorável de vários fatores e do
aproveitamento oportuno dessa conjuntura propícia por parte dos Gregos. Assim, para tentar
explicar o despontar da cultura grega não seria mais aconselhável recorrer a esse elemento
do milagre que acabaria por ―substituir uma explicação por pontos de exclamação‖ 8.
§4.
O filósofo, distraído ou preocupado?
Num dos textos da Grécia Antiga onde pela primeira vez se refere a Filosofia9,
descrevem-se umas festas tradicionais, onde apareciam uns homens que vinham vender
mercadorias, outros que vinham comprar e, finalmente, havia uma terceira classe de
indivíduos que não vinham fazer nem uma coisa, nem outra: estes eram os filósofos. Deste
modo, caracterizam-se os filósofos como alguém desinteressado, que não está preocupado
com os interesses materiais. A ideia que relaciona a Filosofia e a sua gratuitidade com um
certo desinteresse em relação às preocupações materiais está também, de certa maneira,
presente numa anedota que se contava acerca de um dos primeiros filósofos, Tales de

6

Para alguns autores, o surgimento duma cultura predominantemente ligada à escrita também é determinante para o
eclodir do pensamento racional filosófico. As culturas marcadas pela predominância da oralidade, não conseguem
estabelecer uma distância suficiente entre o texto e as condições da sua enunciação, estando assim demasiado
marcado afetivamente pelas circunstâncias que rodearam a sua enunciação. Cf. a este propósito, Pierre LÉVY, As
tecnologias da inteligência, Lisboa, Instituto Piaget, pp. 118-119.
7
André Bonnard, Civilização Grega – da Ilíada ao Pártenon, p. 28.
8
André Bonnard, op. cit., p. 34.
9
Trata-se um texto de origem pitagórica.

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12
Mileto10. Contava-se que este sábio, andando tão distraído com certos problemas que o
levavam a caminhar de cabeça no ar, não reparou num poço que estava diante de si e acabou
por cair lá. Queria-se, com essa história, dizer que o filósofo era um indivíduo tão distraído
com problemas transcendentes que nem reparava num elementar obstáculo colocado aos seus
pés. Não contestamos esta interpretação, porque acerca do mesmo Tales de Mileto também
se contou que, observando constantemente os astros celestes (chegou a prever um eclipse),
conseguiu antecipar um ano de extraordinária produção de azeitona, pelo que procedeu ao
aluguer de todos os lagares de azeite da cidade. Aquando da colheita das azeitonas e tendose verificado esse extraordinário aumento da produção, os agricultores foram ter com Tales
para que este lhes subalugasse os lagares de azeite, onde iriam colocar essa produção. Deste
modo, Tales acabou por ganhar muito dinheiro. Ora, daqui também se pode concluir que, de
facto e aos olhos dos outros, talvez parecesse que Tales andasse distraído ao olhar para o
céu; o problema é que os outros não conseguiram ver o que ele via e por isso não conseguiram
prever esse bom ano agrícola. Enquanto Tales fazia previsões acertadas, os seus
contemporâneos só conseguiam ver que ele andava distraído! 11 Ou então, como se afirma num
provérbio chinês, enquanto o sábio com o dedo para a Lua, o tolo apenas olha para a ponta
do dedo. Tales olhava para a Lua, mas os seus conterrâneos, que se julgavam muito espertos,
apenas viam nisso um comportamento bizarro.
Isto deve-nos levar a uma ideia importante sobre a Filosofia. É que esta, mesmo que
nos pareça estranha12, tem a ver com a realidade e, sobretudo, com a nossa vida. Apesar da
sua estranheza, convenhamos que uma fórmula matemática, com os seus símbolos esquisitos,
é bem mais estranha. Só não o achamos, porque sabemos que com a matemática se podem
construir pontes e casas. Essa utilidade imediata afasta imediatamente qualquer ideia sobre o
caráter estranho e abstrato da matemática. Ora, a Filosofia não tem a ver com pontes e
casas, mas com as pessoas que habitam as casas e passam nas pontes. E, de certo modo,
também poderemos dizer que a Filosofia também tem a ver com pontes, a Filosofia permite
lançar pontes entre o passado e o futuro, entre o oriente e o ocidente, entre o indivíduo
concreto e o Homem na sua universalidade. Pontes bem importantes, por sinal!
§5.
A alegoria da caverna de Platão e a atitude filosófica
Recordemos o que nos conta Platão e que ficou conhecido como a alegoria da caverna
no livro VII da República. Em primeiro lugar, deparamos com um grupo de homens agrilhoados
no fundo de uma caverna, habituados a contemplar as sombras que iam sendo projetadas na
parede de fundo para a qual estavam virados desde sempre. Esses homens, os prisioneiros da
caverna, viviam numa situação ilusória, pois tomavam essas sombras como a única autêntica
10

Tales de Mileto é considerado um dos sete sábios da Grécia Antiga. Nasceu em Mileto, na Ásia Menor, por volta de
624 ou 625 a.C. e faleceu em 556 ou 558 a.C. Tales de Mileto considerava que tudo tinha origem na água. Era este
elemento primordial que explicava quer a origem do Cosmos como servia de princípio explicativo para todas as
mudanças que ocorriam na Natureza.
11
Como recordava Goethe, ninguém consegue ser herói para o seu criado de quarto!
12
Também se poderia dizer sobre a Filosofia que primeiro estranha-se, depois entranha-se!

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13
realidade existente. No entanto, as sombras eram o reflexo da realidade exterior à caverna,
de homens e mulheres que passavam no exterior. As sombras eram imagens, representações
empobrecidas (não eram a cores, não possuíam densidade) da verdadeira realidade. Os
prisioneiros viviam iludidos, enganados quanto à verdadeira natureza da realidade.
Consideravam que era real o que era apenas reflexo do real. Até que um desses prisioneiros
se liberta.
O prisioneiro liberta-se quer dos grilhões que o acorrentavam permitindo que ele
iniciasse a caminhada difícil para o exterior, como também se vai libertando, agora num
ritmo mais demorado, da ilusão em que vivia, simbolizado pelo mundo semi-obscuro em que
estava(m) mergulhado(s). A sua libertação é uma caminhada em direção à verdadeira
realidade, o mundo exterior à caverna, que irão proporcionar um conhecimento verdadeiro. À
realidade autêntica corresponde um conhecimento verdadeiro, tal como à realidade ilusória
correspondia um conhecimento iludido. É uma caminhada para a luz, de tal modo que terá,
no início, dificuldade em enfrentar a luz. Platão quer-nos assim chamar a atenção para as
naturais dificuldades que residem na via do saber; conhecer é uma tarefa árdua, porque neste
caso corresponde também a enfrentar e a superar as ilusões com que se tinha desde sempre
vivido. É muito complicado ter que abandonar as nossas certezas e convicções que se tinha
sobre o mundo em que se vivia.
No entanto, o prisioneiro que se liberta e ascende ao mundo exterior contempla com
admiração e gozo a verdadeira realidade. Até o seu próprio rosto é contemplado pela
primeira vez. A célebre divisa de Sócrates, conhece-te a ti mesmo, é aqui evocada através
desse momento original em que o prisioneiro vê, pela primeira vez, a si mesmo, descobre a
figura do seu rosto. Este prisioneiro que chega ao verdadeiro mundo e ao verdadeiro
conhecimento representa a figura do filósofo, tal como Platão a entende. Ele é um indivíduo
excecional, que se libertou da condição em que vive a maioria das pessoas, presos nos seus
dogmas e convicções. O prisioneiro enfim libertado, o filósofo, chega pois ao verdadeiro
mundo, bem distante do mundo de trevas e ignorância em que se encontrava antes de
proceder a esta ascensão.
Apesar da beleza do mundo que descobre e da alegria que isso provoca, o prisioneiro
recém-libertado não se esquece dos seus antigos companheiros de jornada. E decide regressar
ao interior da caverna a fim de lhes transmitir a sua experiência e os convencer a
acompanharem-no para o exterior. No entanto, a generosidade do filósofo não é
recompensada; antes pelo contrário, os seus anteriores colegas, perante o que ele lhes
transmite, vão julgar que ele está doido, vão ficar transtornados ou indispostos com o que ele
lhes conta e vão mesmo chegar a vias de facto e tentarão eliminá-lo. Platão sabe, pelo que
aconteceu a Sócrates, o seu querido mestre condenado à morte pelo poder político de
Atenas, que o filósofo corre sempre o sério perigo de ser incompreendido, de os outros não
aceitarem o que ele lhes diz porque vai pôr em causa as suas convicções e certezas de
sempre, que tinham formatado a sua mente e a sua maneira de ser e estar. No entanto, o
filósofo tem responsabilidade para com os outros, sente que existe uma missão e um

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14
compromisso da Filosofia para com a comunidade humana. E por isso tenta reiteradamente
fazer passar a sua mensagem libertadora. Mas há saberes que não podem ser transmitidos
pelo discurso. Há saberes que são tão essenciais que apenas podem ser adquiridos através da
própria experiência. A libertação do Homem não é um efeito do discurso, por mais belo que o
discurso seja. Aqueles prisioneiros, os homens que nós somos, só se libertarão libertando-se.
Uma verdade simples, uma evidência diante dos nossos olhos, mas que mesmo assim nos
escapa na maioria das vezes.
Ora, uma das lições da alegoria da caverna de Platão é que a libertação do homem
passou por uma nova maneira de estar, em que ele próprio construiu o seu caminho,
traduzindo-se esse esforço numa conversão do olhar. Os outros continuaram prisioneiros na
medida em que o seu olhar continuou dirigido para o mesmo lado; o seu olhar permaneceu
igual ao que sempre foi desde o início da sua vida. O que verdadeiramente os prende não são
os grilhões e as cadeias, mas um olhar que se fixou, que cristalizou, que foi incapaz de
acompanhar o movimento subtil da realidade.
A atitude filosófica é, se bem interpretamos o texto de Platão, uma mudança de
perspetiva, o adquirir de uma nova maneira de olhar e analisar e criticar a realidade.
§5. A –
Caraterísticas da atitude filosófica
Com a expressão ‗atitude filosófica‘ pretende-se referir não um discurso ou um saber
estruturado, mas antes uma maneira de estar e de olhar a realidade e os outros. Neste
parágrafo é nossa intenção descobrir o que há de específico e próprio na atitude filosófica e
que a distingue de outros saberes e olhares.
Vejamos, então, algumas das características da atitude filosófica.
§6.
Historicidade
Esta característica tem a ver com o facto de a Filosofia, ou filosofias, serem
determinadas, isto é, condicionadas, pela época que as viu surgir. Como qualquer produto
cultural, também a Filosofia se relaciona com os problemas próprios de cada época, com as
necessidades e anseios da sociedade. Se há problemas que são perenes, que chegaram até nós
vindos dos Gregos, o modo como são formulados tem sofrido modificações. O problema da
existência ou não de vida para além da morte e o problema da imortalidade da alma, tem
sofrido alterações no modo como tem sido colocado pelas diferentes épocas históricas e,
consequentemente, pelos diferentes sistemas filosóficos. Por outro lado, há outros problemas
que são próprios das diferentes épocas históricas. O problema da liberdade nunca se colocou
aos Gregos, enquanto na época que antecedeu a Revolução Francesa, a questão da liberdade
era uma questão central. Hoje, os problemas éticos que a manipulação genética da vida
humana coloca constituem uma área nova de problemas que nenhuma outra época colocou.
Noutro sentido, a historicidade é uma característica da atitude filosófica porque o homem

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15
que é objeto da sua reflexão é um homem situado, que só pode ser entendido enquanto ser
rodeado de circunstâncias próprias. O homem é um ser de circunstância, ou como dizia
Ortega y Gasset, eu sou eu e as minhas circunstâncias, querendo dizer com isso que o homem
só se entende na relação que estabelece com o mundo que o rodeia. Dizia Marx 13 que os
filósofos não nascem como os cogumelos. Para o filósofo alemão, os filósofos não são um
produto espontâneo, mas sim o produto determinado da sua época. Cada Filosofia respira o ar
do seu tempo, está impregnada pelo espírito do seu tempo, bem como recolhe das Filosofias
que a antecederam, a experiência e a riqueza da reflexão acumulada. É nesse sentido que a
historicidade constitui também o seu modo de ser.
§7.
Radicalidade
Com esta característica pretende-se salientar o facto de a Filosofia não se estruturar
como uma visão superficial e acrítica da realidade, tal como é o senso comum. Ao contrário
desta visão comum e empírica da realidade, a Filosofia é uma reflexão aprofundada e racional
da realidade, que não se contenta com os aspetos superficiais que a constituem. Como a
palavra indica, a Filosofia vai até à raiz dos problemas, investigando a primeira causa, o
último porquê, não se contentando com respostas imediatas e superficiais. Partindo do
pressuposto que a essência das coisas não reside na sua aparência, mesmo que esta a
constitua, o conhecimento da verdade implica uma atenção e vigilância constantes, bem
como uma postura inquieta e insatisfeita, que a leve constantemente a ultrapassar esse plano
imediato da aparência. Como afirmava Heraclito, a essência das coisas gosta de jogar, no
sentido de um permanente ocultar-se. A radicalidade enquanto característica da atitude
filosófica significa, igualmente, que a Filosofia se opõe ao senso comum, não se prendendo às
informações imediatas dos sentidos. É que para captarmos a verdadeira essência das coisas
não podemos ficar pela aparência que é dada aos sentidos, mas devemos fazer uso da razão
crítica. Como afirmava o provérbio chinês já citado, existe uma diferença essencial de
perspetiva de encarar a realidade, quando comparamos a atividade dos sentidos e a atividade
da razão.
§7-A.
Universalidade
A Filosofia ajuda-nos a desenvolver uma visão do mundo, uma conceção do mundo.
Uma visão que ultrapassa a nossa vivência quotidiana e a perspetiva imediata que daí
decorre.
A visão do mundo que desenvolvemos reflete sobre o homem enquanto ser universal,
reflete sobre a condição humana. Mesmo que se parta dum homem concreto e situado e do
seu viver circunstancial, a Filosofia eleva-se ao universal ao refletir sobre a condição humana
13

Karl Marx foi um pensador, teórico da política, historiador e economista, que nasceu em 1818 e morreu em 1883. O
corpo dos conhecimentos produzidos, conjuntamente com a produção intelectual do seu companheiro de sempre
Friedrich Engels, constituem a base daquilo que ficou conhecido como a teoria marxista.

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16
– no homem particular que vive, sofre e se emociona, a Filosofia vê a Humanidade viva,
sofredora e emocionada. A Filosofia e a sua reflexão, através duma perspetiva totalizadora,
elevam-nos ao universal.
§8.
Autonomia em relação à ciência e à religião
A Filosofia apresenta-se como um saber distinto da ciência e da religião. É com base
nesta distinção que podemos falar de autonomia da atitude filosófica. A Filosofia não é uma
ciência, distingue-se da ciência por possuir um método e um objeto que são distintos dos
métodos e objeto das ciências. Em relação ao método, verificamos que as ciências se foram
constituindo enquanto saberes específicos na medida em que construíram métodos próprios,
baseados no método experimental. A Filosofia é um saber específico que não pode recorrer à
experiência; a Filosofia, em termos gerais, baseia-se no método reflexivo — a reflexão
racional e crítica é o seu método. Também ao nível do método a reflexão filosófica exibe a
sua especificidade. Enquanto que cada ciência foi delimitando um objeto próprio e específico
e que correspondia a uma zona delimitada do real, a reflexão filosófica faz da totalidade, o
ser enquanto ser, a realidade em si mesma, a condição humana, o seu objeto. Diz-se que o
todo é o objeto da Filosofia, enquanto que cada ciência tem como objeto uma determinada
parcela do real.
Mas a atitude filosófica também se constitui autonomamente em relação à religião. As
religiões, monoteístas ou politeístas, sempre fizeram da fé a característica essencial da
postura do homem religioso. Uma fé que lhe permite relacionar-se com uma entidade que lhe
é apresentada dogmaticamente. Ora, a atitude filosófica não apela à fé, mas antes baseia-se
num exame livre e racional dos seus postulados. E estes postulados estarão sempre sujeitos ao
livre exame.
§9.
O carácter discursivo do trabalho filosófico
A Filosofia não pode deixar de trabalhar com a palavra e com os textos que
corporizam a(s) palavra(s). Por isso nos referimos ao carácter discursivo da Filosofia e do
trabalho filosófico.
A Filosofia vive de textos. É assim que os filósofos expõem as suas ideias, discutem as
ideias dos outros, tomam posição sobre os problemas. Oral ou escrito, o texto filosófico é
essencial para a reflexão. E, através dos textos, os filósofos argumentam, justificam e
adiantam razões que apoiam as ideias (as teses) que defendem.
O carácter discursivo da Filosofia implica uma definição tão rigorosa quanto possível
das palavras e dos conceitos que utiliza, bem como coerência na articulação entre os
conceitos.
§10.

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17
Filosofar é argumentar
O que é argumentar? Argumentar é apresentar razões em defesa de uma determinada
tese, duma determinada posição [ver Posições de L. Althusser].
O texto filosófico é por essa razão, um texto eminentemente argumentativo, que
avança argumentos. Na Filosofia, porque não estamos diante duma ciência exata, as posições
que se tomam não são evidentes, nem podem ser demonstradas matematicamente. Portanto,
temos que argumentar. Ora, o que é um argumento? Basicamente, um raciocínio que
encadeia premissas e conclusões, onde as conclusões se retiram das premissas apresentadas,
ou onde, uma vez aceites determinadas premissas, somos conduzidos pela força mais ou
menos persuasiva da ligação (concatenação) estabelecida entre as premissas e as conclusões.
Quando argumentamos em Filosofia, estamos a defender uma determinada posição,
elencando argumentos a favor da tese defendida. Ao pretendermos fazer com que o outro
acompanhe, aceite ou assuma as teses que defendemos, temos que selecionar os argumentos
em função desse objetivo, ou estruturando o discurso para que ele ganhe capacidade de
persuasão através da sua estrutura.
§11.
Áreas e temas abrangidos pela Filosofia
Tendo a totalidade como objeto da sua reflexão, logo é possível constatar que são
múltiplos os assuntos e os temas que cabem na discussão filosófica, originando-se, por essa
razão, disciplinas filosóficas, também elas variadas para darem conta dessas variadas
problemáticas.
No campo da reflexão sobre o homem enquanto membro de um grupo e vivendo numa
dada sociedade14, podemos indicar algumas disciplinas filosóficas que serão aí pertinentes: a
Axiologia que se dedica ao estudo dos valores, a Ética que estabelece e conduz à reflexão
sobre os princípios que deverão orientar a ação humana e a Filosofia Política, que
perspetivará o homem como um animal político refletindo sobre o futuro da comunidade
humana.
Já no campo da reflexão sobre a linguagem, a sua origem e natureza ocupa um espaço
próprio na reflexão filosófica. Aí vê-se delimitar algumas disciplinas filosóficas como sejam a
Filosofia da Linguagem, a Filosofia Analítica e a Hermenêutica.
No campo do conhecimento vemos discutir-se desde a natureza do conhecimento, à
existência ou não de uma rutura entre o conhecimento do senso comum ou conhecimento
vulgar e o conhecimento científico (e as suas implicações éticas) e o problema da verdade.
Esta constelação de problemas gerou o surgimento de várias disciplinas filosóficas como sejam
a gnoseologia, epistemologia e a teoria do conhecimento.
A experiência humana, enquanto conjunto de acontecimentos humanos significativos,
é também objeto da Filosofia. A experiência política, do homem enquanto cidadão, habitante
da cidade (polis), a experiência estética, do homem enquanto produtor e espetador do belo
14

Já Fichte afirmava que ―o homem só é homem entre os homens‖ – Das man ist nür ein man unter den Menschen.

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artístico e a experiência religiosa, do homem relacionando-se com a transcendência,
afirmando-a ou negando-a, também geram disciplinas no seio da Filosofia: Ética, Estética e
Filosofia da Religião.
Finalmente, cabe também à Filosofia a reflexão sobre a natureza e estatuto de
entidades que se situam para além do mundo físico, que é o do nosso viver diário. Disciplinas
como a Metafísica e a Ontologia movem-se precisamente nesse mundo inteligível.

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19
Capítulo 2 - O homem construindo-se através da ação
§12.
O que leva o homem a agir?
Segundo Fernando SAVATER, o perpétuo inacabamento da realidade humana é a
essência da nossa condição humana; a inquietude é o coração do nosso coração e ser humano
consiste em procurar constantemente a fórmula da vida humana 15. O homem, ao contrário dos
outros animais, nasceu cedo demais, antes de estar desenvolvido e preparado para enfrentar
o mundo. Ao fim de dois anos, qualquer bebé é incapaz de sobreviver sozinho; qualquer outro
animal, ao fim do primeiro mês já sobreviveria. A sua intervenção, desde muito cedo, no
meio que o rodeia intenta colmatar essas insuficiências que o homem traz consigo, esse
inacabamento, esse ser-em-vias-de. A imperfeição inicial obriga o homem a agir. Por isso, o
homem é também projeto, ser que se lança para diante ou permanentemente lançado para
diante, para o seu futuro.
O homem, desde sempre, que tentou construir um mundo mais habitável, à medida
das suas necessidades, dos seus desejos e projetos. O meio que ele encontra no início, nem
sempre está disposto da forma mais favorável aos seus intentos. A hostilidade do meio leva o
homem a ter que agir. Por isso, ele tem que transformá-lo de acordo com as suas
necessidades, tem que torná-lo mais amigável, mais habitável

tem de agir. A cultura

representa esse esforço incessante que resulta do confronto do homem com a Natureza e o
resultado dessa ação transformadora. Esse esforço traduz-se no trabalho, num conjunto de
atividades tendentes a transformar a Natureza, produzindo coisas novas e transformando as já
existentes. O homem age, produz o seu próprio mundo, trabalha e por toda a parte deixa
marcas da sua atividade. O mundo é a sua casa, mas o homem tem de vencer a hostilidade
inicial desse mesmo mundo.
§13.
Sentidos da palavra ação usados na linguagem quotidiana e que não deverão ser
considerados neste âmbito
Quando falamos aqui de ação estamos a referir-nos a ação humana. No entanto, no
dia-a-dia, referimo-nos também à ação dos animais e à ação dos elementos. Trata-se dum uso
impróprio. Como veremos mais adiante (§15), a ação humana corresponde a algo que fazemos
de forma consciente e voluntária. Isso não está presente no comportamento dos animais. O
cão que abana a cauda, não o faz porque isso resulte duma decisão do cão ao ver o dono –
trata-se não duma ação, mas antes duma reação do animal. Do mesmo modo, podemos falar
da ação da chuva ou da ação erosiva do vento. Porém, nem a chuva nem o vente agem: não
atuam segundo a sua vontade nem muito menos têm disso consciência.

15

Cf. Fernando SAVATER, A coragem de escolher, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2004, p. 30.

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20
§14.
A ação humana constitui uma intervenção planeada e pensada
Ao contrário do animal que age por instinto, irrefletidamente e de acordo com a sua
memória genética, o homem age refletidamente, analisa, pondera e decide de acordo com a
avaliação que faz do meio que o rodeia, das oportunidades e obstáculos, bem como das suas
capacidades e instrumentos postos à sua disposição.
A ação humana, em sentido lato, significa a produção de efeitos, o que implica que
algo é modificado ou transformado. Com efeito, agir tem como consequência, na maioria das
vezes, uma modificação da realidade que cerca o sujeito. Nesse sentido, a ação humana
constitui uma interferência do homem no decurso dos acontecimentos, a produção e
provocação de efeitos na realidade que o cerca. A ação humana, neste sentido, modifica a
realidade. Foi através da ação dos homens que o mundo se foi tornando num lugar mais
acolhedor, de acordo com as suas necessidades, desejos e projetos.
No entanto, devemos entender que a ação não se caracteriza apenas pela produção
de efeitos externos. Por exemplo, podemos falar duma ação interior, do sujeito sobre si
mesmo. Por outro lado, a ação, enquanto algo de exterior e visível corresponde à
exteriorização e concretização do pensamento. Embora possamos dizer que há pessoas que
em determinados momentos agem sem pensar, tal afirmação não é rigorosa; o que se deveria
dizer é que o pensamento que antecedeu a ação foi insuficiente ou desadequado em relação à
realidade onde pretendia intervir. Na maioria dos casos, o homem antecipa o que pretende
fazer e tenta agir de acordo com o que planeou. Se as coisas não correm como planeado, tal
deve-se a diversos fatores, desde uma insuficiente ou desajustada análise e ponderação até à
intervenção de causas inesperadas ou imponderáveis.
§14. - A
Devemos distinguir o plano do agir do plano do acontecer e a ação da reação
No sentido de percebermos o que é a ação, devemos proceder a algumas distinções e
esclarecer melhor o que é o agir. Na nossa vida são muitas as coisas que nos acontecem. Por
exemplo, ficarmos constipados ou cair-nos uma bola na cabeça. Isso são acontecimentos, não
são ações do sujeito, mas algo que aconteceu ao sujeito. Também acontece que nalgumas
situações temos reações automáticas, instintivas. Por exemplo, quando algo nos passa
inesperadamente diante dos olhos e, automaticamente, os fechamos, como defesa. Trata-se,
não de uma ação, mas de uma reação, algo que fizemos sem pensar ou planear. Se tivéssemos
que pensar e planear a nossa resposta perante o inseto voador que se dirigia para o nosso
rosto, acabaríamos por não responder convenientemente a essa ameaça. Pensemos também,
a título de exemplo, nas reações que podemos ter quando andamos de bicicleta e um
obstáculo surge inesperadamente à nossa frente: nós reagimos automaticamente, desviandonos desse obstáculo ou travando como uma reação por instinto. Se pensássemos na resposta
que devíamos dar perante o surgimento do obstáculo, perdíamos o tempo útil de resposta e
acabaríamos por não conseguir evitar o choque. Do mesmo modo que distinguimos o plano do

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agir do plano do acontecer, também devemos distinguir o que é uma ação do que é uma
reação.
“Por ação (…) entendo coisas como caminhar, correr, comer, fazer amor, votar nas
eleições, casar-se, comprar e vender, ir de férias, trabalhar no emprego. Não
entendo coisas como digerir, envelhecer ou ressonar.” 16
§15.
A consciência e a vontade são elementos que caracterizam necessariamente a
ação humana; o agir pressupõe uma atividade consciente e voluntária
As nossas ações são algumas das coisas que nós fazemos. Nem tudo o que fazemos
constitui uma ação. O fazer abrange um campo de atividades e acontecimentos mais amplo
que aquele que é designado pelo agir. Tudo quanto realizamos é parte da nossa conduta, mas
nem tudo o que realizamos constitui uma ação. Fazer coisas é um aspeto de que se reveste a
ação, mas não a esgota. Realizamos coisas inconscientemente, enquanto dormimos; não
temos consciência de que as realizamos

isto não são ações. Por outro lado, há coisas que

fazemos, mas que não correspondem a uma deliberação da nossa vontade. Há coisas que
fazemos conscientemente, mas sem intenção, ex.: tiques nervosos, atos reflexos

realizamos

isso involuntariamente, apesar de termos disso consciência, constatamos isso enquanto
espectadores e não enquanto agentes. O que fazemos involuntariamente também não
constituem ações. Reservamos o termo ‗ação‘ para as coisas que realizamos consciente e
voluntariamente e que, nalguns casos mobiliza um saber e um poder técnicos. A consciência e
a vontade são elementos integrantes e caracterizadores da ação. Só devemos chamar ações
aos aspetos da nossa conduta de que damos conta (de que temos consciência, que fazemos
conscientemente) e que efetuamos intencionalmente, isto é, com intenção, ou seja,
voluntariamente.
Portanto,

as

ações

correspondem

àquilo

que

realizamos

consciente

e

voluntariamente, não sendo ação do homem o que este realiza estando apenas presente uma
daquelas características. Atos do homem são aquilo que realizamos ou sem termos
consciência disso ou sem que isso corresponda à nossa intenção ou vontade. As ações humanas
têm que ser, simultaneamente, conscientes e voluntárias. Conscientes, isto é, quando o
sujeito age, ele tem de saber que está a agir e que a sua ação corresponde ao que projetou e
desejou. Voluntárias, isto é, as suas ações deverão ser a concretização da sua vontade, da sua
intenção, fazendo aquilo que quis ou desejou.

Diz-me o que fazes e dir-te-ei quem és…

16

John Searle, Mente, Cérebro e Ciência,

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Quando escolho o curso ou a profissão que quero seguir, não sou apenas o autor das ações que
se seguirão em função dessa escolha, como me irei definindo através dessas ações. Aquilo que
farei irá contribuir para o desenvolvimento da minha identidade. Eu não sou apenas aquilo
que faço e que é escrutinado pelos outros, mas também a soma dos meus desejos e projetos,
bem como das minhas frustrações, daquilo que tentei fazer e não consegui. A minha
identidade, o que eu sou, é um processo, um permanente movimento, onde as minhas ações
constituem elementos determinantes para essa construção da identidade.
§16.
A importância da presença da consciência e da vontade no agir do homem
Qual é a importância da presença dos elementos consciência e vontade na ação
humana? Para responder a esta pergunta vamos analisar as três situações seguintes, partindo
do princípio que te caberá a ti avaliar e julgar o comportamento dos sujeitos implicados.
Imagina, por exemplo, que és o juiz destes processos e eras que proferir uma sentença…
§17.
Movimento / acontecimento e ação
―Dizer: «estico o braço para mostrar que dou uma volta» é produzir um enunciado que
não pode situar-se na mesma categoria que o enunciado «o braço levanta-se»: este descreve
um movimento, aquele uma ação; este descreve um movimento que é observado por um
espectador, o segundo descreve uma ação do ponto de vista do agente que a fez.‖17
Movimento e ação não são o mesmo. Dum ponto de vista dinâmico, no movimento
está implicada a noção de causa com um sentido meramente mecânico, enquanto que na ação
está presente a noção de motivo. Do mesmo modo, como já vimos, a ação não é um
acontecimento, isto é, algo que acontece. O que acontece é um movimento enquanto
observável, desprovido de intenção ou motivo. Se o homem surge aí implicado não o é
enquanto agente, entidade ativa, mas enquanto sujeito passivo. Conduzir um automóvel
corresponde a uma ação que eu realizo. Ter um furo é algo que me acontece, é um
acontecimento para o qual eu não tive nenhum contributo, onde não se manifesta a minha
intenção. Matar uma galinha corresponde a uma ação. A galinha morrer constitui um
acontecimento, um facto.
§18.
A rede conceptual da ação: ação intencionada e ação causada
Uma ação intencionada será uma ação que é desenhada de acordo com a nossa
intenção. Com os fins que desejamos atingir e com a nossa vontade ao serviço da
concretização desses mesmos fins.
Uma ação intencionada é uma ação onde está presente a consciência do indivíduo, a
ponderação de opções, onde existe uma escolha entre diferentes vias, uma decisão que se
associa igualmente à nossa vontade, intenção e motivações.

17

Paul RICOEUR, O Discurso da Ação, p.13

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23
Como afirma William JAMES, ―a procura de fins futuros e a escolha dos meios próprios
para o alcançar são, assim, a marca e o critério da presença da mentalidade num fenómeno.‖
Diferente é o caso de uma ação causada. Esta é uma ação explicada por
determinantes — genéticas, ambientais, histórico-culturais ou outras —, onde o elemento
intencional, racional e ético não é visível, ou se encontra diminuído ou eliminado face ao
peso e influência daquelas determinantes.
Consoante o peso que atribuímos à influência daquelas determinantes ou à influência
da nossa vontade, assim se formaram duas perspetivas opostas acerca da dependência da
nossa ação em relação às causas exteriores ou em relação à deliberação da nossa vontade.
§19.
Perspetiva determinista e perspetiva baseada na ação intencionada
Segundo a perspetiva determinista nós somos determinados por causas, somos o
produto de causas; toda a ação humana é explicada e é determinada por fatores que têm a
ver com a nossa natureza animal, com os nossos genes, com a nossa biologia, por um lado; e
com fatores que têm a ver com a sociedade, a época, a educação ou ainda com fatores
externos de diversos tipos e que nos ultrapassam (acasos, acontecimentos, obrigações ditadas
por outras pessoas, etç.). A nossa liberdade está assim condicionada por esses fatores que
acabam por funcionar como os verdadeiros autores daquilo que fazemos e das nossas ações. O
sujeito como que se apaga diante desses fatores.
Pelo contrário, quanto à perspetiva baseada na ação intencionada, há dentro de nós e
nas nossas ações fatores racionais, graus de liberdade, elementos que ultrapassam as causas
em si mesmas; há projetos e há intenções; logo, o indivíduo está acima das condicionantes
ambientais, biológicas ou outras, escapa desses fatores e como que age exclusivamente
partindo da sua vontade imune a esses fatores e ao meio onde o sujeito está.
§20.
Combinando causas e intenções; o homem é simultaneamente livre e determinado
Somos, por um lado, produtos de genes e produtos da educação e de uma época,
logo, seres sujeitos a essas condicionantes. A nossa inteligência, as nossas capacidades
racionais têm limites. E isso permite ultrapassar, de certa maneira e a alguns níveis, as
causalidades de base, as determinantes e condicionantes. Temos também livre-arbítrio, ou
seja, capacidade de optar entre o bem e o mal. Em conclusão, há, simultaneamente,
causalidade e intencionalidade nas nossas ações. Somos livres sem o poder ser de uma forma
absoluta. Não podemos ou não conseguimos realizar tudo o que projetamos ou idealizamos.
Por várias razões. A começar, o nosso corpo é, de certa maneira, um limite e uma limitação
dos planos da nossa vontade. O meu corpo é um limite à minha liberdade, apesar de ser,
igualmente, um instrumento e o meio através do qual eu posso realizar a minha liberdade.
Mas a realidade que me rodeia também constitui uma limitação à minha liberdade e,
portanto, para a minha ação. Por mais vontade que eu tenha de ser pescador, se viver no

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24
interior, longe do mar ou de um lago ou de um curso de água, o meu projeto de vir a ser
pescador está fortemente condicionado. O meio, para além de poder ser um manancial de
oportunidades, é também uma fonte de obstáculos e dificuldades. [a continuar]

§21.
Ações voluntárias, atos involuntários e reflexos
As ações intencionadas são ações voluntárias, ou seja, assentes no nosso querer, na
nossa razão, no pensamento. Nisso distinguem-se das ações involuntárias e das ações reflexas.
Parte dos nossos atos é comandada por impulsos e desejos porventura divergentes e difíceis
de gerir. As nossas pulsões agressivas e as nossas pulsões sexuais são exemplos disso. Os atos
que se associam aos nossos instintos, aos nossos reflexos, à nossa natureza animal, ao nosso
lado irracional e emocional, ou que nos são impostas por terceiros ou pelas autoridades, são
atos involuntários. Ao contrário, as ações intencionadas são voluntárias.
§22.
O agente da ação e a relação causal
Toda a ação depende de um sujeito, isto é, de um agente, tal como toda a intenção é
sempre intenção de alguém. Do mesmo modo, procurar os motivos de uma acção leva-nos a
interrogações que nos conduzem ao agente. O agente é, assim, uma espécie de causa da
ação. Por isso, afirma RICOEUR que ―atribuir uma ação a alguém é, em primeiro lugar,
identificar o sujeito da ação‖.18 Trata-se de saber a quem pertence tal e tal ação. A
atribuição de um autor a uma ação pode ser uma tarefa simples, mas também pode ser uma
tarefa complicada. Por exemplo, quando consideramos as consequências longínquas de uma
determinada ação.
Vejamos este exemplo:
O António está conduzindo um automóvel a toda a velocidade para o
Hospital da cidade, porque a sua mulher entrou em trabalho de parto.
Entretanto, Manuel, que estava à janela, vê o automóvel aproximar-se a
toda a velocidade, ao mesmo tempo que em frente ao seu prédio dois
miúdos jogam à bola. Tenta avisá-los e debruça-se da janela, caindo.
Felizmente que Manuel cai em cima do toldo da mercearia e não lhe
acontece nada. O seu velho tio, que estava na sala, assiste à queda de
seu sobrinho Manuel. Como está numa cadeira de rodas e não se pode
deslocar não chega a saber que está tudo bem com Manuel, apenas uns
estragos no toldo da mercearia do Sr. José. Graças à queda, os miúdos
param de jogar à bola e o automóvel de António passa a toda a
velocidade, sem acontecer nada. O mesmo não se pode dizer do pobre
tio do Manuel. Ao ver o seu querido sobrinho cair da janela, teve um
ataque de coração que foi fatal. Quando Manuel regressou a casa,
encontrou o seu tio já sem vida.

18

RICOEUR, Paul, op. cit., p. 61

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25
Será que podemos atribuir a António, que despoletou este processo conduzindo a alta
velocidade, as consequências do mesmo, incluindo aí a queda do Manuel e a trágica morte do
seu tio. A quem é que o senhor José da mercearia pode pedir que lhe paguem um novo toldo.
À esposa de António? E porque não ao seu futuro filho que se lembrou de acelerar o seu
nascimento? E poderemos acusá-lo de homicídio involuntário, ainda não tendo nascido?
É evidente que esta situação é uma caricatura. Mas dá para ver as dificuldades que
poderão existir na identificação de um agente da ação, bem como da importância dessa
mesma identificação, como neste caso de apuramento de responsabilidades. A tarefa pode
ser complexa, mas há casos em que pode ser fundamental. Imagine-se um choque em cadeia
em que entrem vários automóveis... Ou pensemos em situações em que um crime é cometido
em regime de co-autoria, isto é, onde vários agentes concorreram para o cometimento da
mesma ação e onde poderão existir meros cúmplices. É fundamental saber quem são os
autores da ação e determinar o grau de participação na ação de cada um deles de forma a
poder, no caso do crime comparticipado, estabelecer a pena ajustada que será
necessariamente diferente para cada um deles.

§23.
Estabelecer um motivo é responder ao porquê e explicar e legitimar a ação
O estabelecimento de um autor para uma ação leva-nos a uma outra noção
fundamental na estrutura da ação. Trata-se da relação causal, a relação entre dois
acontecimentos, onde um é causa do outro, e este é efeito. Mas identificar a relação causal
não é o mesmo que estabelecer o motivo da ação, já que neste caso estamos diante de uma
ligação mais íntima e/ou interior na ação que vem justificá-la, torná-la legítima, necessária.
O motivo, ao responder à questão do porquê esclarece a ação, torna-a inteligível. Entre os
modos de tornar inteligível uma ação é relacioná-la com normas. A razão de ser de uma ação
não apenas a explica, como a legitima.
É nesse sentido que vai o texto de RICOEUR:
“ [...] a relação causal é uma relação contingente no sentido de que a
causa e o efeito podem identificar-se separadamente e que a causa pode
compreender-se sem que se mencione a sua capacidade de produzir tal
ou tal efeito. Um motivo, pelo contrário, é um motivo de: a íntima
conexão constituída pela motivação é exclusiva da conexão externa e
contingente da causalidade.”19
§24.
Intenção e motivo
“Intenção e motivo são noções conexas; o motivo é motivo de uma
intenção. [...] A relação é tão estreita que, em certos contextos,
motivos e intenções são indiscerníveis, em particular quando a intenção
19

Paul RICOEUR, O Discurso da Ação, p. 51

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26
é explícita. [...] pode, no entanto, dizer-se que, inclusive, nos casos de
extrema proximidade, intenção e motivo se distinguem em virtude de
não responderem à mesma pergunta: a intenção responde à pergunta
quê, que fazes? Serve, pois, para identificar, para nomear, para denotar
a ação (o que se chama ordinariamente o seu objeto, o seu projeto); o
motivo responde à questão porquê? Tem, portanto, uma função de
explicação; mas a explicação, já vimos, pelo menos nos contextos em que
motivo significa razão, consiste em esclarecer, em tornar inteligível, em
fazer compreender.” (Paul RICOEUR, O Discurso da Ação, pp. 50-51)
§25.
O trabalho humano e a atividade dos animais
O que distingue o pior dos arquitetos da abelha mais habilidosa?
O que distingue a ação humana da atividade dos animais?
No homem nós temos presente a consciência da sua ação, bem como dos resultados
da mesma. O resultado da ação humana pré-existe idealmente, na cabeça do agente, à
exteriorização da mesma. O homem planeia a sua atividade e prevê os seus resultados; existe
no sujeito humano um trabalho de conceção mental que é prévio à sua execução. Pelo
contrário, o animal age instintivamente, obedece aos seus instintos e atua no plano do
imediato. O animal não ultrapassa o momento imediato, situa-se no plano do aqui e agora. O
animal não age, antes reage. O homem não é dominado pelos instintos, antes concebe e
aplica um plano: o que a sua mão realiza foi concebido previamente pelo cérebro. O trabalho
manifesta a inteligência criadora do homem sobre a realidade envolvente. Neste sentido,
apesar de tudo, existe uma superioridade do arquiteto mais desastrado sobre a abelha mais
capaz.
Afirmava PROUDHON em Création de l’ordre dans l’humanité: ―O trabalho é a ação
inteligente do homem sobre a matéria. O trabalho é o que distingue (...) o homem dos
animais; aprender a trabalhar é o nosso objetivo sobre a terra.‖
§26.
O trabalho enquanto forma particular de ação. Trabalho e projeto.
“Tal é o trabalho humano: um plano que convida à realização, uma
previsão que leva à efetivação, uma intenção que precede o ato, o
interior do homem que se exterioriza e que, graças a essa
exteriorização, se enriquece e se reconhece. O trabalho humano une a
mão e o cérebro, o cérebro tem necessidade da mão para se manifestar
enquanto a mão não pode agir sem que o espírito a dirija.” 20
No âmbito da ação, o trabalho representa uma das suas formas particulares. Decerto,
a mais essencial e fundamental, tendo em conta a longa caminhada da humanidade e o seu
constante esforço no sentido de dominar a natureza e colocá-la ao seu serviço.
Existe no homem a dimensão do projeto.
Só o homem existe na dimensão do projeto. Só o homem projeta. E projetando-se,
projeta-se, o homem projeta-se. E é porque se projeta que se pode rever na obra produzida.

20

Henri ARVON, A filosofia do trabalho, p. 43.

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27
Só há projetos para o futuro. O futuro é o tempo próprio do projeto, mesmo quando este se
formula no tempo presente.
Ele encontra-se vê-se a si mesmo na obra que realiza. O mundo à sua volta, que é
obra sua, é ainda o homem realizando-se. Quando olhamos para as coisas que fazemos, vemos
nelas um pouco da nossa história.
“A obra reflete a imagem do espírito que a concebeu. Essa imagem
permanece confusa enquanto a obra serve apenas a satisfação das
necessidades vitais, torna-se nítida à medida que a obra se desembaraça
de toda a necessidade exterior para atingir a «gratuitidade». É então
que o trabalho, que é descoberta do homem por si próprio, cumpre
totalmente a sua função.” 21
O trabalho realiza o homem, exterioriza as suas expectativas, os seus desejos, os seus
projetos. Tal como a ação manifesta o homem. O resultado da sua ação é o homem
exteriorizado.
Ao agir, exteriorizo-me, manifesto a minha essência, isto é, aquilo que sou – qualquer
obra reflete o seu autor e isso é ainda mais evidente na criação artística. Aqui, o agente
criador, livre de toda a necessidade e pressão, possui toda a disponibilidade para agir e criar
de acordo com a sua vontade e imaginação, dando largas à sua subjetividade. Nesse sentido,
será ao nível da criação artística que a obra melhor revela a essência do seu criador. A
sinfonia nº 3 de Beethoven reflete melhor a sua personalidade que o conjunto de listas de
compras que ele tenha elaborado durante toda a sua vida. A obra de arte é a obra que
exprime melhor aquilo que o seu autor é, pretende ser e / ou pretende que os outros vejam
nele.
§27.
Ação livre e responsabilidade
Em que condições é que podemos falar de uma ação livre? Ora, a ação só é livre
quando o sujeito age de acordo com a sua vontade, consciente do que está a fazer e das
consequências que dessa ação resultem. O sujeito não age livremente porque não existam
limites ao seu agir; antes pelo contrário, o sujeito é livre e age livremente porque reconhece
as limitações e joga com elas, tira partido dessas limitações. Ora, a partir do momento em
que o sujeito age livremente, pode ser responsabilizado pelo que aconteça. É responsável
pelos seus atos e suas consequências.
Só o sujeito que age livremente é que é responsável pelos seus atos e pelas
consequências dos seus atos. Só aquele que age voluntariamente está em condições de
assumir plenamente a autoria dos seus atos e só a esse sujeito é que é possível exigir
―responsabilidades‖. Se a vontade do sujeito fosse manipulada ou adulterada, então nunca
poderia ser responsabilizado pela sua ação, mas seria sim aquele que dominaria a vontade do
sujeito.

21

Henri ARVON, A filosofia do trabalho, p. 41,

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28
Se apontam uma arma à cabeça do sujeito para que ele furte um sabonete do
supermercado, não pode ser totalmente responsabilizado por esse furto. Se a sua vontade
estava a ser condicionada dessa maneira, ao ponto desse sujeito agir contra a sua vontade,
não se lhe podem assacar responsabilidades pelo furto do sabonete. A responsabilidade deve
cair sobre quem apontava a arma.
Só um sujeito livre pode ser considerado responsável e responsabilizado. Ser
responsável ou ser responsabilizado significa que deve arcar com as consequências da ação,
isto é, do que acontece como consequência da ação.
Quando ele é responsabilizado, vai arcar com o peso da sua decisão. Por isso, um
sujeito que se sabe responsável, não decide de ânimo leve, de forma imediata, não
ponderada. Ele sabe que a sua ação inicia uma série de reações em cadeia. Com o seu agir a
realidade transforma-se e já não é mais igual ao que era. É por isso que, em termos do
direito, a responsabilidade assume-se repondo a realidade tal como era antes da intervenção
do agente. Só há lugar a indemnização em dinheiro quando já não é possível a reposição da
situação original22. Em termos jurídicos (que segue de perto o significado filosófico) aquele
que é responsável é aquele que é autor da ação e que deve repor o estado de coisas anterior
à ocorrência da ação danosa. Por exemplo, se o meu automóvel destruir o muro do vizinho e
eu for responsabilizado por isso, então serei eu o responsável e quem deve repor o muro tal
qual ele existia antes do automóvel o ter destruído (ação danosa). Portanto, ser responsável
significa ter que, ―aguentar‖ com as consequências. No caso, reconstruir o muro ou
indemnizar o dono do muro, dando-lhe a quantia de dinheiro que compense o dono do muro
do prejuízo que teve ou possa ter enquanto o muro não for reconstruído23.

§28.
A culpa. Negligência e dolo.
Próximo da noção de responsabilidade temos a noção de culpa. A culpa é o
sentimento que o sujeito experimenta quando sabe que é responsável por determinada ação.
Associada à noção de culpa está a noção de intenção: o culpado da situação x é aquele que
teve a intenção de provocar a situação x. Isto quer dizer que agiu com a vontade de provocar
a situação x. Será, pois, culpado pela situação x. No sistema penal português distinguem-se
dois graus de culpa: negligência e dolo.
Agiu com negligência aquele que agiu descuidadamente, possuindo o dever de agir
doutro modo, e nesse sentido é responsável pela situação criada.
Imaginemos a seguinte situação: Antonieta, funcionária do jardim-escola não se
apercebeu que uma criança que estava à sua guarda tinha corrido para a estrada onde foi
22

Era o que aconteceria, por exemplo, se alguém destruísse um quadro pintado por um pintor famoso. Seria
impossível repor a situação original.
23
Imagine-se que, enquanto o muro está destruído e aproveitando esse facto, fogem-lhe da sua propriedade, o
rebanho de ovelhas que ele possuía. Neste caso a indemnização deve contemplar este prejuízo. Como também pode
contemplar os lucros que o dono do muro deixou de ganhar. Imagine-se que durante o tempo que o muro está
destruído alguém vem adquirir essa propriedade por um valor inferior por causa do muro destruído.

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29
atropelada por um automóvel. Veio a provar-se que Antonieta, naquele momento, estava a
mandar uma mensagem pelo telemóvel para a namorada. Neste caso será culpada por
negligência. O que não é o mesmo que agir dolosamente. Neste caso, agiu com dolo aquele
que agiu com a intenção de provocar uma determinada situação.
Veja-se o caso de uma funcionária do jardim-escola, Belarmina, que dissesse à criança
(filha de um ex-namorado que ela detesta) para ir brincar para o meio da estrada sabendo
que assim iria ocorrer um acidente. Nas duas situações existe culpa, mas em graus diferentes:
Antonieta foi negligente, mas Belarmina atuou dolosamente. É por isso que na atribuição de
uma pena o juiz irá distinguir se o arguido agiu negligentemente ou dolosamente. A
negligência é uma forma de culpa menos censurada ou penalizada que o dolo 24.

§29.
Algumas notas sobre o existencialismo
O existencialismo é uma Filosofia à qual está ligado o nome de Jean-Paul Sartre,
como seu principal representante. As principais obras deste autor vieram a lume na segunda
metade do século vinte.
Para aquele filósofo distingue-se a essência da existência. No mundo das coisas, a
essência é anterior à existência. Uma cadeira é definida previamente na cabeça do
carpinteiro que a projeta e só depois é a passa a existir. No caso da cadeira, primeiro esta é
(na cabeça e nos planos do carpinteiro) e só depois é que existe. A existência da cadeira está
condicionada e limitada por aquilo que o seu criador planeou previamente. No caso do
homem, passa-se algo completamente diferente. Segundo Sartre existe no homem uma
anterioridade da existência sobre a essência. Isto quer dizer que o homem primeiro existe e
só depois é que é, quer dizer, só depois é que se vai definindo, construindo as suas
qualidades. Para Sartre, Deus não existe e, portanto, não existe nenhum ser que criou o
homem. Ninguém criou o homem. É ele que se cria a si mesmo. Para isso, primeiro existe e só
depois é que é — a existência é anterior à essência. No caso do homem, ele não está limitado
por nenhum plano prévio. O homem não tem que conformar a sua vida segundo o projeto de
um Deus qualquer. Porque Deus não existe, o homem é radicalmente livre, é ele que se
inventa a si mesmo, é ele que cria a sua essência, é ele que constrói o que quer ser. O
homem não encontra nenhum sinal, nem nenhuma indicação a mostrar-lhe o caminho que
deve seguir. Segundo o Existencialismo, cada homem é livre para seguir o que quiser. Mais,
como dizia o poeta espanhol Antonio Machado, ―não existem caminhos, fazem-se a
caminhar‖. Se Deus existisse, o homem não era livre, pois a sua existência estava
determinada e ele teria que existir de acordo com essa essência. Sem Deus, cada homem
―está só e sem desculpas‖ ou como diz a canção ―não há estrelas no céu / a dourar o meu
caminho‖. O homem é livre para o fazer, como também é responsável e responsabilizado por
24

Para o nosso Código Penal existem até atuações que só serão crimes em caso de dolo; a negligência não é
penalizada do ponto de vista do Direito. Como veremos mais à frente, isso não significa que não haja um juízo de
censura social e a negligência não seja penalizada do ponto de vista moral.

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30
isso. A todo o momento, o homem escolhe, mas não existe ninguém a indicar-lhe um
caminho. O homem só se escuta a si mesmo, é ele que constrói a sua essência. Se Deus
existisse e tivesse criado o homem, este poderia sempre admitir a vontade divina como
responsável por aquilo que ele é e desculpar-se com isso. Deus dá jeito a quem não quer arcar
com o peso da responsabilidade, quem quer fugir diante das suas responsabilidades. Neste
sentido, quem acredita em Deus vê nele um bom refúgio para demitir-se da construção da sua
essência e da própria realidade. Quem não acredita, tem de ficar com o peso e as
consequências da sua escolha.
§30.
Classificação das condicionantes da ação humana
O homem é um ser completamente exposto às influências do meio social, cultural e
natural, sempre aberto aos outros, completamente permeável às influências do exterior. Por
outro lado, é um ser inacabado e imperfeito, donde a necessidade de agir, de se transformar
e transformar a realidade de acordo com as suas necessidades. O homem não é, assim, um ser
fechado sobre si mesmo. Por isso se diz que o homem é um ser de relação. Também no
mesmo contexto de ideias, note-se a afirmação do Ortega y Gasset: ― Eu sou eu e a minha
circunstância‖. Com esta afirmação o filósofo espanhol quer-nos dizer que na identidade e no
conhecimento de qualquer um teremos de ter em conta o contexto em que o próprio sujeito
se encontra. O homem não se pode definir isolado da realidade e dos outros. A sua estrutura
anatómica-fisiológica aponta precisamente para essa interpenetração do sujeito com a
realidade que o envolve, seja a realidade física ou a realidade cultural ou ainda a realidade
social. O homem está na dependência do mundo, um mundo de coisas e pessoas, e este
constitui fonte de limitações para a sua ação, mas também um conjunto de oportunidades e
recursos postos à sua disposição. Esta situação particular de um ser dependente do mundo,
aberto ao mundo e interagindo com o mundo, leva a que o homem não possa contar apenas
consigo, mas tenha que levar em linha de conta com um conjunto de fatores que envolvem o
sujeito e que o definem.
O sujeito não se compreende isolado dos outros, porque apenas se desenvolve na
interação com os outros. É assim que acontece quando consideramos a perspetiva filogenética
e a perspetiva ontogenética, isto é, quer consideremos o homem na sua evolução individual
desde a fase de criança até ao estado adulto (filogénese), quer consideremos a evolução da
própria espécie humana e o processo de hominização (ontogénese). Nestes dois processos
evolutivos o homem desenvolve-se na medida em que se relaciona com os seus semelhantes e
realiza trocas com o meio exterior. Esta interdependência entre o homem e o meio que o
envolve faz com que a sua ação nunca possa depender exclusivamente da sua vontade. Todo
este percurso acontece estando o homem mergulhado numa determinada situação que o
rodeia e influencia sob diversas formas.

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Ele não age de uma forma absolutamente livre. Existem fatores que condicionam e
limitam a ação humana. Estas condicionantes da ação humana podem dividir-se segundo a
seguinte classificação: condicionantes biológicas, histórico-culturais, psicológicas e físicas.
O facto de o homem estar situado numa determinada sociedade e numa determinada
época coloca limitações à própria atividade humana. A começar, devemos considerar as
condicionantes sócio-culturais ou histórico-culturais, ilustradas por todo um conjunto de
produtos culturais e sociais que estruturam a sociedade e asseguram o seu funcionamento
mais ou menos regular: hábitos, costumes, normas de convivência social, leis, imperativos
religiosos e morais, valores, tudo isto constitui uma constelação de princípios e regras que
limitam a atividade humana. Condicionam, mas não são barreiras intransponíveis, porque
todos nós sabemos que, nalguns casos, a atividade humana vai contra esses princípios e
regras. O Código da Estrada assegura o regular funcionamento do trânsito na medida em que
informa os condutores sobre o que se pode e não se pode fazer. Mas a existência das normas
do Código da Estrada não asseguram só por si que não haja transgressões. Aquelas normas
condicionam a ação dos condutores, mas não são limites absolutos.
Mas existem outras limitações ao exercício da vontade. A estrutura e funcionamento
do nosso corpo são também condicionadores da ação. Eu não posso estar debaixo de água
mais do que determinado tempo e por mais vontade que tenha em voar, eu sei que não o
posso fazer. Existem, deste modo, outro tipo de condicionantes que designaríamos como
condicionantes biológicas e que são transmitidas geneticamente. Trata-se de condicionantes
que têm a ver com a estrutura e funcionamento do nosso corpo. De notar, contudo, que o
nosso corpo possui um duplo sentido: por um lado constitui uma condicionante da ação
humana, por outro lado é com o corpo e é através do corpo que eu ajo e intervenho no
mundo. O meu corpo é um limite, mas também um instrumento da vontade, o veículo para a
concretização do meu pensamento. É através do meu corpo que eu exteriorizo as ideias da
minha mente. Nesse sentido, eu realizo a liberdade através do meu corpo. O corpo é um
instrumento ao serviço da ação, mas também limita a própria ação, na medida em que eu não
posso agir para lá daquilo que o corpo me permite. O sujeito age dentro dos limites que são
impostos pelo corpo, instrumento da ação, o corpo está ao serviço da liberdade, porque é
através dele que eu manifesto o meu ser livre, mas ao mesmo tempo, o corpo condiciona a
liberdade, ele é a fronteira da vontade.
Mesmo com uma vontade intensa e esclarecida eu não posso voar ou viver debaixo de
água. É verdade que eu posso ir alargando esses limites, quer porque eu posso ir treinando o
corpo, e ganhar mais destreza física, quer porque eu posso socorrer-me de meios mecânicos
para ampliar esses mesmos limites (quando eu uso um telescópio eu amplio a minha
capacidade de visão) contudo, alargar os limites do meu corpo não significa que alguma vez
eu possa dispensa-lo da execução da ação.
As condicionantes biológicas não estão fixas. Na evolução da espécie humana,
verifica-se que o homem progride na medida em que depende cada vez menos do corpo que

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foi transmitido geneticamente, construindo artifícios técnicos que o ajudam a ultrapassar as
suas limitações biológicas.
Para além do corpo, também a personalidade de cada um condiciona o seu modo de
agir. Existem certas maneiras de ser que fazem com que o indivíduo seja mais passivo ou
indiferente face ao mundo e, nesse sentido, menos propenso a agir. A ação de uma pessoa, a
sua intervenção no mundo, pode ficar condicionada por causa de um temperamento mais
envergonhado ou reservado. Neste caso, estamos a falar de condicionantes psicológicas que
se relacionam com o psiquismo humano.
Finalmente, também poderemos entender que o meio físico onde a ação se concretiza
condiciona o agir humano. Pense-se, por exemplo, no trabalho agrícola e como ele está
dependente e condicionado por um conjunto de fatores, tais como a natureza dos solos, a
existência ou não e cursos de água, a existência ou não se solos apropriados ou terrenos
acidentados, o clima. Quer isto dizer que poderemos também considerar a existência de
condicionantes físicas ou ambientais.
O vasto elenco de fatores que condicionam a ação humana leva-nos à conclusão de
que o homem e a sua vontade estão limitados por determinados fatores que, contudo, não são
obstáculos intransponíveis. Se assim fosse, não haveria nenhuma margem para a liberdade e
vontade humanas. Ora, nós constatamos facilmente que o homem tem, em muitas ocasiões, a
possibilidade de escolher algo e de recusar algo. Todas as vezes que eu ajo, eu sei também
que poderia ter feito mais ou menos do que fiz, que poderia sempre ter feito diferente. Todas
as vezes que eu levo por diante uma ação, eu sei que escolhi e rejeitei alternativas, caminhos
diferentes daqueles que acabei por seguir. Isso significa que o homem é livre para escolher,
mesmo que condicionado por inúmeros fatores.
§31.
Diversos tipos de determinismo
A liberdade humana não é absoluta. Como facilmente já vimos existem limitações que
incidem sobre o homem e a sua vontade. Segundo alguns autores o homem está submetido a
diversos tipos de determinismo.
Determinismo físico
Significa a conceção do universo em que os fenómenos ou acontecimentos estão de tal
maneira relacionados uns com os outros que uma inteligência, capaz de conhecer todas as
circunstâncias da evolução do universo num momento dado, poderia prever qualquer
acontecimento futuro. Todos os acontecimentos estão interligados entre si em termos de
causa e efeito, todos os acontecimentos são causa e efeito uns dos outros e onde o homem
acaba também por ser determinado pela realidade física. Neste sentido, o homem não é livre
pois acaba por agir determinado pelo turbilhão da realidade externa. É este determinismo
que serve de base à indução das leis científicas.

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Determinismo biológico
É a posição segundo a qual não há traços humanos que não sejam produto biológico. A
vida de cada homem seria condicionada por certas limitações impostas pela herança
biológica. Haveria, por exemplo, alguns mecanismos neurofisiológicos e modos de
comportamento que seriam muito difíceis ou mesmo impossíveis de modificar. O homem seria
consequentemente desresponsabilizado pelas suas tendências e pelos seus atos, na medida
em que tudo aquilo que ele faz deve ser explicado não pela sua vontade mas através do
funcionamento do seu corpo. Para algumas tendências mais radicais, como por exemplo no
âmbito da biossociologia, mesmo os valores, como o patriotismo, teria um fundamento
biológico.
Determinismo psicológico
É a tese segundo a qual todo o comportamento livre e espontâneo é determinado por
antecedentes psíquicos de ordem afetiva (crenças, desejos, temores, etc.) ou de ordem
intelectual (motivos). Esta forma de determinismo nega a liberdade humana.
Determinismo sociológico
Considera que o comportamento do indivíduo é um produto da cultura, ou seja, dos
hábitos coletivos, adquiridos por aprendizagem social e transmitidos de geração em geração.
A cultura modela a personalidade, influencia os valores, as crenças e atitudes. Condiciona,
portanto, a maneira de ser, de pensar e de agir do homem.

§31 – A.
A crença no destino como forma de determinismo
O homem que se afirma a si mesmo, assumindo a sua liberdade, afirma-se como
senhor do seu destino. Mas há também quem afirme que o destino do homem já está traçado
de uma vez por todas e que tudo o que acontece no mundo corresponde à Providência Divina
e à vontade de Deus. Para esses, o homem não é livre, é uma espécie de marionete, cuja vida
é manipulada a partir do Além. Esta posição também pode ser muito cómoda para quem não
quer assumir a responsabilidade pela sua condição e situação. Atribuir a Deus a causa de tudo
o que acontece é afastar o homem do seu próprio caminho e da sua história. Quem assim
pensa tem, sobretudo, medo que os homens sejam senhores do seu destino e da sua vida e
expulsem definitivamente os deuses da sua realidade.
§32.
Consciência, vontade e responsabilidade
Como já atrás vimos, as ações humanas envolvem a consciência e a vontade humanas.
A consciência e a vontade são elementos intrínsecos à ação, sem os quais não poderíamos
dizer que estávamos diante de uma ação humana. A liberdade e a ação livre concretizam-se

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34
através de um processo em que o homem (o agente) sabe o que faz e faz o que deseja fazer.
A ação só é livre se o sujeito agir de acordo com a sua vontade, consciente do que está a
fazer e das consequências de que daí resultam.
O sujeito é livre e age livremente, não porque não existam limites / limitações ou
barreiras à sua ação, mas porque reconhece essas limitações e joga com elas.
A partir do momento em que o sujeito age livremente, de acordo com a sua vontade e
consciente do caminho que iniciou, então o sujeito é também responsável pelos seus atos e
pelas consequências destes. Só um sujeito livre pode ser responsável e responsabilizado. Se a
vontade do sujeito fosse manipulada por indivíduos estranhos, por exemplo, então a
responsabilidade recairia sobre estes e o sujeito nunca poderia ser responsabilizado. Se o
sujeito é livre e sabe o que faz, então também é responsável, é sobre ele que recaem as
responsabilidades do que acontecer como consequência direta do seu agir25. Ser responsável
significa assumir as consequências do que acontece devido à sua iniciativa e à sua ação.
Quando o sujeito é responsabilizado ele vai arcar com o peso da sua decisão. Por isso,
em certas condições, um sujeito responsável não decide de ânimo leve. Ele sabe que a sua
ação pode dar início a uma série de consequências e reações em cadeia. Com o seu agir a
realidade transforma-se e já não é mais igual ao que era. É por isso que, em termos do
direito, a responsabilidade assume-se através do pagamento de uma indemnização que
deverá, na medida do possível, repôr a realidade tal como era antes da intervenção do
agente26. Na medida do possível, pelo que haverá lugar a uma indemnização pecuniária
quando não for possível a reposição da situação originária 27.
Há uma íntima ligação entre liberdade e responsabilidade. Se o sujeito não fosse
livre, nunca seria responsável. Nesse sentido, muitos olham a liberdade como uma espécie de
condenação28. Então, optam pela moral dos escravos, porque não querem aguentar com o
‗fardo‘ da liberdade. Preferem ser mandados a assumir o peso da responsabilidade pelas suas
decisões.
Só que o homem só se afirma a si mesmo assumindo a sua liberdade, afirmando-se
como senhor do seu destino. Mas também aqui há quem afirme que o destino do homem já
está traçado de uma vez por todas e que tudo o que acontece no mundo corresponde à
Providência e ao cumprimento da vontade de Deus. Para esses, o homem não é livre, é uma
espécie de marioneta, cuja vida é manipulada a partir do além. Esta posição também pode
ser muito cómoda para quem não quer assumir a responsabilidade pela sua condição e
situação. Atribuir a Deus a causa de tudo o que acontece é afastar o homem do seu próprio

25

Se não fosse a consequência direta, então poderíamos cair numa situação absurda em que o sujeito seria
responsável por tudo o que acontecesse na sequência dos seus atos, mesmo tratando-se de uma consequência
longínqua. Imagine-se que o senhor Albino provoca um acidente. Para além dos acidentados que aí aconteceram,
seria também responsável por situações distantes como, por exemplo, pela vizinha do acidentado que escorrega na
escada quando recebe a notícia do acidente!
26
Isto no caso do ordenamento jurídico português. Noutros ordenamentos, onde as indemnizações podem atingir
valores astronómicos, a indemnização tem também a função de penalizar o infrator, com o objetivo de do dissuadir
de voltar a praticar a ter uma conduta prejudicial.
27
Por exemplo, quando da ação resulta a morte de alguém ou a destruição de um bem original, infungível. Nestes
casos não será possível repôr a situação anterior á conduta negativa.
28
Era Sartre que afirmava que estamos condenados a ser livres.

José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
35
caminho e da sua história. Quem assim pensa tem sobretudo medo que os homens sejam {ver
o já impresso}

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O que é a Filosofia? Sumários sobre a natureza e objetivos da disciplina

  • 1. José Carlos S. de Almeida Filosofia – 10º ano Sumários desenvolvidos Ano letivo de 2011/2012 Alterado e aumentado em 2013
  • 2. 2 FILOSOFIA – 10º ano Programa / Conteúdos - Abordagem introdutória à Filosofia e ao filosofar - A ação humana: análise e compreensão do agir - Os valores: análise e compreensão da experiência valorativa - Dimensões da ação humana e dos valores: a Ética e a Política - Dimensões da ação humana e dos valores: a Estética - Temas / problemas do mundo contemporâneo José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 3. 3 Índice Capítulo 1 - O que é a Filosofia? O que é filosofar? §1. A definição de Filosofia §1. –A. Somos todos filósofos? §1 – B. O valor da Filosofia §2. O que nos diz a etimologia da palavra ‗filosofia‘ §3. – A. Do mito aos primeiros filósofos. O mito enquanto primeiro ensaio duma tentativa de descrição e explicação quase racional do real §3. A Filosofia é filha da polis §4. O filósofo, distraído ou preocupado? §5. A alegoria da caverna de Platão e a atitude filosófica §5. A - Características da atitude filosófica §6. Historicidade §7. Radicalidade §7-A. Universalidade §8. Autonomia em relação à ciência e à religião §9. O carácter discursivo do trabalho filosófico §10. Filosofar é argumentar §11. Áreas e temas abrangidos pela Filosofia Capítulo 2 - O homem construindo-se através da ação §12. O que leva o homem a agir §13. Sentidos usados na linguagem quotidiana que não deverão ser considerados neste âmbito §14. A ação humana constitui uma intervenção planeada e pensada §14-A. Devemos distinguir o plano do agir do plano do acontecer e a ação da reação §15. A consciência e a vontade são elementos que caracterizam necessariamente a ação humana §16. A importância da presença dos elementos consciência e vontade no agir do homem §17. Movimento / acontecimento e ação §18. A rede conceptual da ação: ação intencionada e ação causada §19. Perspetiva determinista e perspetiva baseada na ação intencionada §20. Combinando causas e intenções; o homem é simultaneamente livre e determinado §21. Ações voluntárias, atos involuntários e reflexos §22. O agente da ação e a relação causal §23. O estabelecimento de um motivo responde ao porquê e explica e legitima a ação §24. Intenção e motivo §25. O trabalho humano e a atividade dos animais §26. O trabalho enquanto forma particular de ação. Trabalho e projeto §27. Ação livre e responsabilidade §28. A culpa §29. Algumas notas sobre o existencialismo §30. Classificação das várias condicionantes da ação humana §31. Diversos tipos de determinismo §31 – A. A crença no destino como forma de determinismo §32. Consciência, vontade e responsabilidade Capítulo 3 - O mundo não é indiferente ao homem: os valores §33. O que são os valores §34. O percurso da ação aos valores §35. Não há ações gratuitas, isto é, sem a presença dos valores §36. Características dos valores Capítulo 4 - A experiência ética e política da vida e do mundo §37. Os valores morais e o relativismo cultural José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 4. 4 §38. Relativismo moral e relativismo cultural e tolerância §39. A dimensão da ética e da moral §39 – A. Distinguir ética e moral §39 – B. Distinguir moral e religião §40. Intenção e norma §41. Distinção conceptual entre moral e ética – quadro-resumo §42. Dimensão pessoal e social – o si mesmo, o outro e as instituições §43. Teorias acerca da fundamentação da moralidade: a perspetiva deontológica de Kant §44. Teorias acerca da fundamentação da moralidade: a perspetiva consequencialista de Stuart Mill §44 – A. Confronto entre as teorias deontológicas e as teorias consequencialistas §45. A relação entre a ética, o direito e a política §46. O Estado enquanto problema da filosofia política §47. O homem e o Estado: a perspetiva clássica: Aristóteles §48. O homem e o Estado: a perspetiva contratualista moderna: John Locke – do estado de natureza à natureza do Estado §49. A teoria da justiça de John Rawls §49 – A. Conflito e cooperação nas sociedades contemporâneas; a relação entre a liberdade e a igualdade §49 – B. Rawls critica o utilitarismo §49 – C. A escolha racional dos princípios da justiça Capítulo 5 - A experiência estética da vida e do mundo §50. A experiência estética §50 – A. Quando um acontecimento se torna numa experiência para o sujeito §50 – B. Caraterização da experiência estética §50 – C. Atitude e sensibilidade estéticas §50 – D. Objetivismo e subjetivismo na experiência estética §50 – E. Teorias acerca da natureza da Arte e da obra de arte Nota Estes sumários desenvolvidos constituem um determinado momento no nosso trabalho que passa também pela nossa investigação e reflexão e pelo diálogo mais ou menos frutuoso com os alunos. Enquanto representam um momento desse trabalho, estarão sempre sujeitos a serem revistos e substituídos por outros textos considerados mais ajustados ao fim em vista. Trata-se de um texto em permanente reelaboração e reconstrução, mas não é esse o destino de qualquer texto de cariz ensaístico?1 1 Sobre a natureza do ensaio, ver Fernando Savater, ***** e Eduardo Prado Coelho, ******. José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 5. 5 Capítulo 1 - O que é a Filosofia? O que é filosofar? §1. A definição da Filosofia O início da aventura filosófica é sempre marcado por uma pergunta fatal: o que é a Filosofia? Ninguém gosta de embarcar numa viagem sem saber para onde vai, sem saber o que vai encontrar. De qualquer modo, perguntar sobre o que é a Filosofia sempre é uma questão mais interessante que perguntar, como também acontece habitualmente, sobre para que é que serve a Filosofia. Há, de facto, quem faça essa pergunta sobre a utilidade da Filosofia, mas com a ideia preconcebida de que a Filosofia não lhe servirá para nada. Ora, quando soubermos o que é a Filosofia, também chegaremos à resposta sobre a sua utilidade. O que não podemos fazer é condicionar a pergunta sobre o que é à pergunta para que é que serve. O problema da utilidade da Filosofia não se situa no mesmo plano que perguntar pela utilidade dum chapéu-de-chuva ou duma estrada. Ninguém tem dúvidas sobre a utilidade dum chapéu-de-chuva, porque todos estão seguros sobre o que é um chapéu-de-chuva. Porém, sobre a Filosofia, não estamos todos de acordo sobre o que seja. Nesse sentido, a questão sobre a sua utilidade sai prejudicada. Há quem considere que o primeiro problema da Filosofia é a questão da definição de Filosofia. E o problema adensa-se porque não existe uma resposta única a esta questão, como também poderíamos dizer que esta questão não tem sentido no caso da Filosofia. Saber o que é a Filosofia é um dos seus primeiros problemas. Existem várias respostas a esta questão, respostas que têm variado de filósofo para filósofo, de época para época. De tal maneira que seria mais rigoroso falar de Filosofias do que de Filosofia. Perguntar sobre o que é a Filosofia deixa, assim, de ter sentido e alcance, porque a Filosofia não existe. Contudo, apesar dessa variação e variedade em torno da resposta à pergunta sobre o que é a Filosofia, variação e variedade que também existe acerca do valor da Filosofia, podemos avançar com algumas ideias muito gerais sobre o que possa ser a Filosofia, sendo certo que cada um irá construindo a sua visão pessoal do que é a Filosofia. Assim, poderíamos dizer, em primeiro lugar, que a Filosofia constitui-se como uma reflexão racional e crítica sobre os problemas fundamentais da condição humana considerada em si mesma e do homem face aos seus semelhantes e à realidade. Uma reflexão sobre o homem na sua universalidade, mesmo que partindo duma situação concreta e particular em que sempre se encontra. Trata-se de uma definição que é proposta neste momento, suficientemente vaga e provisória, para que cada um a vá enriquecendo ao longo deste caminho. É que, por outro lado, como dizia o poeta espanhol António Machado, não existem caminhos, fazem-se a caminhar. Tentemos, num primeiro momento, aproximarmo-nos dos elementos que constituem aquela primeira tentativa de definição. Para já, a Filosofia surge como uma reflexão; uma reflexão enquanto atividade racional e crítica. Trata-se, então, de uma atividade da razão, das nossas faculdades racionais José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 6. 6 exigindo uma postura crítica. Como veremos mais adiante, faz parte da atitude filosófica o não aceitar passivamente (acriticamente) tudo o que observa e lhe é comunicado. Por outro lado, essa reflexão incide sobre problemas. Que problemas? Aqueles que dizem respeito à condição humana, às condições através das quais o Homem assegura a sua existência; e isto, na medida em que essas condições têm a ver com a sua relação com os outros e com o meio que o rodeia, implicam a Sociedade e a Natureza. Mas, vejamos, como exemplo, um desses problemas ditos fundamentais. Todos nós já passámos pela experiência da morte de alguém próximo, um familiar ou um amigo. Esse momento traumático atingiu-nos, certamente, de uma forma profunda. Nessa ocasião chorámos, com lágrimas ou sem elas, essa perda definitiva. Doeu-nos, a uns mais do que a outros, o facto de nunca mais podermos contar com o convívio dessa pessoa junto de nós. A morte foi experimentada de diversas formas, mas apesar dessa diversidade, ela constituiu para todos um momento de profunda tristeza, vivida solitariamente ou partilhada com os outros. Como também foi ocasião de pensarmos, de forma mais profunda e sem paralelo com o que pensamos no dia-a-dia, sobre o que aconteceu e sobre a natureza da morte e o sentido da vida. De certeza, que pensámos e nos interrogámos sobre a morte enquanto fim, nomeadamente, interrogámo-nos sobre se a morte representa um fim absoluto ou apenas uma passagem para outra fase que ainda desconhecemos. Eventualmente, também nos interrogámos sobre o sentido da nossa vida, a razão de ser de tudo o que fazemos, porque confrontados com a fragilidade da vida. Possivelmente, mais desesperados, chegámos a pôr em causa o que fazemos e o que somos. No meio de todas as questões que colocámos nesse momento de dor, o que pretendíamos era obter algumas respostas que minorassem o nosso sofrimento. Sabemos que alguns de nós encontram essas respostas nas religiões e, dessa maneira, atenuam a sua experiência dolorosa; mas outros não aceitam esse tipo de respostas e procuram um entendimento mais racional sobre essas matérias. As reflexões, eventualmente desordenadas que nesse momento produzimos aproximam-se da Filosofia, tal como a vimos aqui entendendo. Nesse sentido, podemos até dizer que todos nós somos filósofos. §1. –A. Somos todos filósofos? Com efeito, há quem assim pense. ―Creio que todos os seres humanos são filósofos, ainda que alguns mais que outros. Todo o homem desenvolve determinados pontos de vista filosóficos - ainda que geralmente acríticos -, filosofias boas ou menos boas. As expetativas, o que a vida deve oferecer, o que se pode alcançar na vida são, no fundo, pontos de vista filosóficos perante a vida. (…) Compete ao filósofo profissional investigar criticamente as coisas que muitos outros têm na conta de óbvias, pois muitos dos pontos de vista, não passam de preconceitos que são aceites acriticamente (…). E para denunciar isso, é necessário, talvez, alguém José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 7. 7 como um filósofo profissional, que dedica todo o seu tempo à reflexão crítica.‖ (Karl Popper, Sociedade aberta, Universo aberto, Lisboa, Publicações Dom Quixote) §1 – B. O valor da Filosofia Para que nos erve a Filosofia? O que é vale a Filosofia? Será que nos ajuda a explicar porque é não somos mais felizes ou porque é que existem tantas mulheres e homens e crianças, em muitas zonas do globo, que passam fome e sofrem a violência da guerra? Será que podemos compreender melhor com a Filosofia por que razão é negado um futuro digno a tantos seres perfeitamente iguais a nós? A Filosofia, aparentemente, formula mais questões que respostas e muitas das questões que adianta acabam por ficar sem uma resposta definitiva. Ora, torna-se legítimo e compreensível perguntar, então, o que é que serve uma disciplina com essas caraterísticas. Perguntar, levantar questões, mesmo sem obter uma resposta imediata, exprime uma atitude positiva e valiosa. Desde que nascemos que nos dão respostas quase pré-fabricadas e desde essa tenra idade que vamos construindo uma visão do mundo assente no que os nossos pais e os nossos professores nos dizem. Vamos vivendo e resolvendo os mais variados problemas recorrendo a esse repertório de respostas e regras. Durante muitos anos, o mundo está mais ou menos composto com base nesse manancial de respostas. Tudo vai correndo em harmonia e sem angústias de maior. A nossa maneira habitual de pensar (e responder) vai-se consolidando na nossa maneira de ser. Tudo isso é muito natural e não se vê razão porque é que há-de ser posto em causa tudo o que nos foi ensinado e que constituiu uma espécie de concha onde nos abrigávamos quando as tempestades nos ameaçavam. Essa muralha protetora punha-nos a salvo de todos os perigos. De todos?... Bem, de todos talvez não, e os perigos mais ameaçadores não nos surgiram sob essa forma. O valor da Filosofia não deve ser procurado nas respostas que nos dá. A começar, porque não abundam as repostas na Filosofia. E depois, as respostas que a Filosofia nos dá, não põem cobro a novas perguntas. Então, talvez seja de aceitar o que Bertrand Russel nos diz sobre o valor da Filosofia: “O valor da Filosofia, em grande parte, deve ser buscado na sua mesma incerteza. Quem não tem umas tintas de Filosofia é homem que caminha pela vida fora sempre agrilhoado a preconceitos que derivaram do senso comum, das crenças habituais do seu tempo e do seu país, das convicções que cresceram no seu espírito sem a cooperação ou o consentimento de uma razão deliberada.” 2 §2. O que nos diz a etimologia da palavra Filosofia 2 Bertrand Russell, Os problemas da Filosofia José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 8. 8 Uma das maneiras de esclarecermos o significado duma palavra ou dum conceito é compreendermos a origem e evolução dessa palavra. A etimologia da palavra Filosofia diz-nos que Filosofia significa, originalmente, amor da sabedoria (filos + sofia). Repare-se que não se diz que tipo de sabedoria é, nem que a Filosofia consiste na posse do saber. O que a etimologia nos diz é que a Filosofia é, sobretudo, amor ou amizade pelo saber 3, movimento ou trânsito para o saber, caminhar na direção do saber e não propriamente um instalar-se no seio do próprio saber, isto é, possuir o saber. O amor pela sabedoria não exprime posse da sabedoria, nem faz disso um requisito para o saber; o amor da sabedoria exprime, antes, uma relação com o saber, um cuidado ou uma atenção em relação ao saber. Sublinha-se, deste modo, o caminho ou o processo, a aventura em direção ao saber, e não tanto o resultado ou ponto de chegada. E não será a desmesurada ânsia por chegar a qualquer lado uma forma de nos desinteressarmos ou não estarmos atentos às maravilhas do caminho? Se ao empreendermos uma viagem estivermos obcecados pelo ponto de chegada, pelo destino, não teremos olhos para as paisagens que acompanharão a viagem, para a viagem em si mesma 4. Portanto, filósofo é aquele que ama a sabedoria, que mantém com a sabedoria essa relação intensa e de proximidade, própria de alguém que, insatisfeito, constantemente vai reatando (atando de novo) essa ligação com o saber. ―A palavra grega filósofo (philosophus) é formada por contraposição a sophos, e designa o que ama o saber, por oposição ao possuidor de conhecimentos, designado por sábio. Este sentido da palavra manteve-se até hoje: é a demanda da verdade, e não a sua posse, que constitui a essência da Filosofia, muito embora ela tenha sido frequentemente traída pelo dogmatismo, isto é, por um saber expresso em dogmas definitivos, perfeitos e doutrinais. Filosofar significa estar a caminho.‖ (Karl Jaspers, Iniciação Filosófica, Guimarães Editora) §3 – A. Do mito aos primeiros filósofos. O mito enquanto primeiro ensaio duma tentativa de descrição e explicação quase racional do real Todos nós já passámos pela ocasião fascinante de, numa noite límpida de luar, admirarmos o céu estrelado e nos interrogarmos sobre a possibilidade de existência de outros mundo como o nosso, de sistemas solares semelhantes ao nosso, de planetas como o nosso, com iguais condições propícias à vida humana. De certeza que nos interrogámos sobre a existência de outros seres idênticos a nós; e de como poderia naquele preciso momento existir outro ser humano a milhões de quilómetros, contemplando a nossa galáxia, admitindo que estivesse outro ser semelhante com o mesmo tipo de interrogações. O mundo sempre foi 3 O amor ou amizade deve ser entendido no contexto da cultura grega antiga. Vale a pena, a este propósito, ler o poema Ítaca de Constantin Cavafy. Estabelecendo um paralelo entre a Ítaca e a Filosofia, poderemos dizer que, se no fim da viagem, achares pobre a Filosofia, deverás contudo compreender que foi graças à Filosofia que te puseste a caminho e assim adquiriste as riquezas que foste encontrando e comerciando nos portos que visitaste. A pobre Filosofia ter-te-á dado a maior riqueza: a viagem com tudo o que vai acontecendo no caminho e que só poderemos fruir se não partirmos com ideias preconcebidas sobre o que iremos encontrar. 4 José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 9. 9 fonte de curiosidade e inquietação e ai daquele que não consegue sentir esse estremecimento que naturalmente ressoa em nós quando contemplamos o mundo à nossa volta, visível e invisível. Olhando à sua volta, são muitas as perguntas que surgem no espírito do homem. Uma dessas perguntas prende-se com a origem e funcionamento da realidade. Desde muito cedo que o homem se interrogou sobre como tudo teria começado. Observando a realidade, as coisas vivas que nascem e morrem, desde logo conclui que tudo tem um início, que as coisas evoluem, vão ganhando novas formas. Também deverá ter sido assim com o meio envolvente. Por isso, desde muito cedo que os homens procuraram explicar a realidade, fornecer um sentido aos múltiplos acontecimentos que ocorriam à sua volta. O nascimento das plantas e o surgimento dos frutos, o nascimento e a morte, a sucessão do dia e da noite, os astros celestes e o seu movimento, os rios e os mares. Desde muito cedo que existia toda uma série de eventos e seres que despertaram a curiosidade do homem e que o levaram a tentar formular hipóteses de resposta. As condições rudimentares dessas primeiras tentativas de resposta, conduziram os homens a fazer intervir nesses ensaios explicativos seres fabulosos, dotados de capacidades extraordinárias e mágicas. Nas primeiras explicações do mundo, os homens recorrem aos feitos fabulosos dos deuses e aos atos criadores dos heróis, de figuras sobre-humanas, dotadas de poderes sobre-humanos. As primeiras explicações que o homem formulou não eram explicações de natureza racional, mas antes mágica, pois eram forças mágicas e fantásticas que explicavam os acontecimentos. Os mitos eram, precisamente, narrativas em que se tentava explicar a origem quer do mundo (mitos cosmogónicos, de cosmogonia, isto é cosmos (ordem) + gonia, génese (nascimento)), quer de outras formas particulares de existência, mas de importância vital para a comunidade, como por exemplo, a origem do homem, duma aldeia, dum rio, duma montanha, da chuva. Essas tentativas de descrição e explicação têm de particular a intervenção de seres fabulosos. As explicações rudimentares que o homem conseguia formular estavam longe de constituir explicações racionais e muito menos possuíam a aparência de científicas. O pensamento mágico dos primeiros homens possuía a sua lógica, mas não era ainda uma lógica racional. No caso dos mitos cosmogónicos, o que aí se tentava descrever e explicar era a origem do mundo que, em muitos casos, era o resultado duma luta primordial entre as forças do mal e as forças do bem, entre o caos e cosmos, a desordem e a ordem. A descrição da origem do mundo que é feita no Livro do Génesis do Velho Testamento é um bom exemplo dum mito cosmogónico. Essas explicações fantásticas eram perfeitamente assumidas e vividas, na medida em que descreviam a vitória da ordem, isto é, do cosmos. E o mundo, o cosmos, estava ali para demonstrar a vitória dos deuses e de um mundo ordenado e harmonioso. Qualquer ameaça a essa ordem, qualquer acontecimento que viesse destruir essa ordem, representavam um perigo para a segurança da existência humana. Era necessário, então, restaurar a ordem, o que se conseguia através da ritualização dos acontecimentos descritos no mito. §3. José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 10. 10 A Filosofia é filha da polis A Filosofia, segundo a generalidade dos autores e pensando no mundo ocidental, nasceu na Grécia Antiga por volta dos séculos VII – VI a.C.. Ora, isto deve-nos colocar a seguinte questão: porquê na Grécia e não noutro lugar da Europa? O que há assim de especial com a Grécia daquele tempo que fez com que nesse sítio, num determinado momento, se começasse a produzir uma reflexão que consideramos ser a origem da Filosofia, quando não já a própria Filosofia? Vários fatores contribuíram para isso, desde condições políticas e culturais, até fatores geográficos. O extraordinário florescimento cultural que ocorreu durante a época que corresponde àquilo que ficou conhecido como o ‗milagre grego‘, o extraordinário desenvolvimento da literatura, da cultura e arquitetura e do teatro, o fim da guerra com os Persas instituindo um duradouro período de paz social e o desenvolvimento da democracia, regime político que, apesar das suas limitações, favorece a expressão e a troca de ideias. A situação geográfica da Grécia também favoreceu o desenvolvimento da Filosofia. E aqui devemos salientar dois aspetos: a montanha e o mar. A Grécia é constituída por um território extremamente montanhoso. Por todo o lado encontramos esse terreno assaz acidentado, que não dá descanso aos homens que se vêm obrigados a todo o momento a terem que trepar em ziguezague por carreiros estreitos. A montanha divide e obriga os homens a instalarem-se em locais que achassem favoráveis, entalados entre a montanha e o mar, mas que dificilmente comunicavam com outros lugares povoados. Esta disposição orográfica acidentada irá favorecer o estabelecimento de cidades independentes, suficientemente perto e prudentemente distantes do mar 5. Se o Mediterrâneo era o ‗umbigo‘ do mundo, a Grécia, ou o Mar Egeu, ocupava um lugar central nesse mesmo umbigo, situando-se no cruzamento de rotas comerciais oriundas do norte de África, Próximo Oriente e Península Ibérica, ligando três continentes. O grego esteve pois, desde sempre, em contacto com outras comunidades, outras culturas, outras ideias. O comércio das coisas também significou o comércio das ideias. O contacto com outros povos e outros costumes tornou-o mais aberto para a diferença e mais flexível em relação àqueles que eram diferentes e pensavam de modo diferente, com os seus hábitos e costumes próprios. Este contacto com a diferença também deve ter espicaçado a sua curiosidade e a sua vontade de refletir sobre esse mundo novo. O mar está presente por todo o território grego. A extensíssima linha de costa faz com que nenhum ponto do interior do território grego esteja a mais de cem quilómetros do mar! Por outro lado, uma extensa linha de costa, um território completamente exposto ao mar e virado para fora, onde o homem era, por natureza, um ser dado à comunicação, iluminado por uma luz solar que favorecia o desenvolvimento da racionalidade, tudo estes fatores geográficos e climáticos também favoreceram o eclodir dum pensar curioso, crítico e 5 Cf. André Bonnard, Civilização Grega – da Ilíada ao Parténon, Lisboa, Editorial Estúdios Cor, 1966, pp. 23-24 José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 11. 11 racional6. Todos nós, uma vez ou outra, devemos ter sentido esse apelo do mar para a reflexão. Diante do mar, contemplando o movimento das suas ondas, essa eterna impermanência e diferenciação constante que é ao mesmo tempo identidade e diferença, uma continuidade diferenciante, uma identidade que se mantém através da sua presença simultaneamente diferente e igual, é impossível que o Grego se mantivesse indiferente e não sentisse o aguilhão da curiosidade e o impulso para pensar. Diante da extensa linha do horizonte, contemplando o mar e essa longínqua linha, cujo espaço para lá dessa linha interpela o homem curioso, somos levados a pensar no que está e existe para lá do que é visível. Essa presença do mar e o seu apelo fazem do mar um elemento muito marcante da cultura grega. Daí a conclusão fundamental de que ―o mar civilizou os Gregos‖7. Finalmente, a polis, a cidade, verdadeiro espaço emancipador, criou e alargou os espaços públicos de discussão e deliberação democráticos, onde se refletia sobre a essência do homem e da comunidade, os seus problemas, o seu futuro e o que, nesse sentido, se devia fazer, determinando o surgimento duma nova atitude racional e crítica e dum novo saber que se foi delineando como filosófico. Há quem fale dum «milagre grego» para explicar todo esta produção maravilhosa no campo da cultura e da política e que seriam determinantes para a formação da Europa e do espírito europeu. Também se falaria dum «milagre grego» para explicar (?) o surgimento da Filosofia. Contudo, talvez se deva antes falar da conjugação favorável de vários fatores e do aproveitamento oportuno dessa conjuntura propícia por parte dos Gregos. Assim, para tentar explicar o despontar da cultura grega não seria mais aconselhável recorrer a esse elemento do milagre que acabaria por ―substituir uma explicação por pontos de exclamação‖ 8. §4. O filósofo, distraído ou preocupado? Num dos textos da Grécia Antiga onde pela primeira vez se refere a Filosofia9, descrevem-se umas festas tradicionais, onde apareciam uns homens que vinham vender mercadorias, outros que vinham comprar e, finalmente, havia uma terceira classe de indivíduos que não vinham fazer nem uma coisa, nem outra: estes eram os filósofos. Deste modo, caracterizam-se os filósofos como alguém desinteressado, que não está preocupado com os interesses materiais. A ideia que relaciona a Filosofia e a sua gratuitidade com um certo desinteresse em relação às preocupações materiais está também, de certa maneira, presente numa anedota que se contava acerca de um dos primeiros filósofos, Tales de 6 Para alguns autores, o surgimento duma cultura predominantemente ligada à escrita também é determinante para o eclodir do pensamento racional filosófico. As culturas marcadas pela predominância da oralidade, não conseguem estabelecer uma distância suficiente entre o texto e as condições da sua enunciação, estando assim demasiado marcado afetivamente pelas circunstâncias que rodearam a sua enunciação. Cf. a este propósito, Pierre LÉVY, As tecnologias da inteligência, Lisboa, Instituto Piaget, pp. 118-119. 7 André Bonnard, Civilização Grega – da Ilíada ao Pártenon, p. 28. 8 André Bonnard, op. cit., p. 34. 9 Trata-se um texto de origem pitagórica. José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 12. 12 Mileto10. Contava-se que este sábio, andando tão distraído com certos problemas que o levavam a caminhar de cabeça no ar, não reparou num poço que estava diante de si e acabou por cair lá. Queria-se, com essa história, dizer que o filósofo era um indivíduo tão distraído com problemas transcendentes que nem reparava num elementar obstáculo colocado aos seus pés. Não contestamos esta interpretação, porque acerca do mesmo Tales de Mileto também se contou que, observando constantemente os astros celestes (chegou a prever um eclipse), conseguiu antecipar um ano de extraordinária produção de azeitona, pelo que procedeu ao aluguer de todos os lagares de azeite da cidade. Aquando da colheita das azeitonas e tendose verificado esse extraordinário aumento da produção, os agricultores foram ter com Tales para que este lhes subalugasse os lagares de azeite, onde iriam colocar essa produção. Deste modo, Tales acabou por ganhar muito dinheiro. Ora, daqui também se pode concluir que, de facto e aos olhos dos outros, talvez parecesse que Tales andasse distraído ao olhar para o céu; o problema é que os outros não conseguiram ver o que ele via e por isso não conseguiram prever esse bom ano agrícola. Enquanto Tales fazia previsões acertadas, os seus contemporâneos só conseguiam ver que ele andava distraído! 11 Ou então, como se afirma num provérbio chinês, enquanto o sábio com o dedo para a Lua, o tolo apenas olha para a ponta do dedo. Tales olhava para a Lua, mas os seus conterrâneos, que se julgavam muito espertos, apenas viam nisso um comportamento bizarro. Isto deve-nos levar a uma ideia importante sobre a Filosofia. É que esta, mesmo que nos pareça estranha12, tem a ver com a realidade e, sobretudo, com a nossa vida. Apesar da sua estranheza, convenhamos que uma fórmula matemática, com os seus símbolos esquisitos, é bem mais estranha. Só não o achamos, porque sabemos que com a matemática se podem construir pontes e casas. Essa utilidade imediata afasta imediatamente qualquer ideia sobre o caráter estranho e abstrato da matemática. Ora, a Filosofia não tem a ver com pontes e casas, mas com as pessoas que habitam as casas e passam nas pontes. E, de certo modo, também poderemos dizer que a Filosofia também tem a ver com pontes, a Filosofia permite lançar pontes entre o passado e o futuro, entre o oriente e o ocidente, entre o indivíduo concreto e o Homem na sua universalidade. Pontes bem importantes, por sinal! §5. A alegoria da caverna de Platão e a atitude filosófica Recordemos o que nos conta Platão e que ficou conhecido como a alegoria da caverna no livro VII da República. Em primeiro lugar, deparamos com um grupo de homens agrilhoados no fundo de uma caverna, habituados a contemplar as sombras que iam sendo projetadas na parede de fundo para a qual estavam virados desde sempre. Esses homens, os prisioneiros da caverna, viviam numa situação ilusória, pois tomavam essas sombras como a única autêntica 10 Tales de Mileto é considerado um dos sete sábios da Grécia Antiga. Nasceu em Mileto, na Ásia Menor, por volta de 624 ou 625 a.C. e faleceu em 556 ou 558 a.C. Tales de Mileto considerava que tudo tinha origem na água. Era este elemento primordial que explicava quer a origem do Cosmos como servia de princípio explicativo para todas as mudanças que ocorriam na Natureza. 11 Como recordava Goethe, ninguém consegue ser herói para o seu criado de quarto! 12 Também se poderia dizer sobre a Filosofia que primeiro estranha-se, depois entranha-se! José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 13. 13 realidade existente. No entanto, as sombras eram o reflexo da realidade exterior à caverna, de homens e mulheres que passavam no exterior. As sombras eram imagens, representações empobrecidas (não eram a cores, não possuíam densidade) da verdadeira realidade. Os prisioneiros viviam iludidos, enganados quanto à verdadeira natureza da realidade. Consideravam que era real o que era apenas reflexo do real. Até que um desses prisioneiros se liberta. O prisioneiro liberta-se quer dos grilhões que o acorrentavam permitindo que ele iniciasse a caminhada difícil para o exterior, como também se vai libertando, agora num ritmo mais demorado, da ilusão em que vivia, simbolizado pelo mundo semi-obscuro em que estava(m) mergulhado(s). A sua libertação é uma caminhada em direção à verdadeira realidade, o mundo exterior à caverna, que irão proporcionar um conhecimento verdadeiro. À realidade autêntica corresponde um conhecimento verdadeiro, tal como à realidade ilusória correspondia um conhecimento iludido. É uma caminhada para a luz, de tal modo que terá, no início, dificuldade em enfrentar a luz. Platão quer-nos assim chamar a atenção para as naturais dificuldades que residem na via do saber; conhecer é uma tarefa árdua, porque neste caso corresponde também a enfrentar e a superar as ilusões com que se tinha desde sempre vivido. É muito complicado ter que abandonar as nossas certezas e convicções que se tinha sobre o mundo em que se vivia. No entanto, o prisioneiro que se liberta e ascende ao mundo exterior contempla com admiração e gozo a verdadeira realidade. Até o seu próprio rosto é contemplado pela primeira vez. A célebre divisa de Sócrates, conhece-te a ti mesmo, é aqui evocada através desse momento original em que o prisioneiro vê, pela primeira vez, a si mesmo, descobre a figura do seu rosto. Este prisioneiro que chega ao verdadeiro mundo e ao verdadeiro conhecimento representa a figura do filósofo, tal como Platão a entende. Ele é um indivíduo excecional, que se libertou da condição em que vive a maioria das pessoas, presos nos seus dogmas e convicções. O prisioneiro enfim libertado, o filósofo, chega pois ao verdadeiro mundo, bem distante do mundo de trevas e ignorância em que se encontrava antes de proceder a esta ascensão. Apesar da beleza do mundo que descobre e da alegria que isso provoca, o prisioneiro recém-libertado não se esquece dos seus antigos companheiros de jornada. E decide regressar ao interior da caverna a fim de lhes transmitir a sua experiência e os convencer a acompanharem-no para o exterior. No entanto, a generosidade do filósofo não é recompensada; antes pelo contrário, os seus anteriores colegas, perante o que ele lhes transmite, vão julgar que ele está doido, vão ficar transtornados ou indispostos com o que ele lhes conta e vão mesmo chegar a vias de facto e tentarão eliminá-lo. Platão sabe, pelo que aconteceu a Sócrates, o seu querido mestre condenado à morte pelo poder político de Atenas, que o filósofo corre sempre o sério perigo de ser incompreendido, de os outros não aceitarem o que ele lhes diz porque vai pôr em causa as suas convicções e certezas de sempre, que tinham formatado a sua mente e a sua maneira de ser e estar. No entanto, o filósofo tem responsabilidade para com os outros, sente que existe uma missão e um José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 14. 14 compromisso da Filosofia para com a comunidade humana. E por isso tenta reiteradamente fazer passar a sua mensagem libertadora. Mas há saberes que não podem ser transmitidos pelo discurso. Há saberes que são tão essenciais que apenas podem ser adquiridos através da própria experiência. A libertação do Homem não é um efeito do discurso, por mais belo que o discurso seja. Aqueles prisioneiros, os homens que nós somos, só se libertarão libertando-se. Uma verdade simples, uma evidência diante dos nossos olhos, mas que mesmo assim nos escapa na maioria das vezes. Ora, uma das lições da alegoria da caverna de Platão é que a libertação do homem passou por uma nova maneira de estar, em que ele próprio construiu o seu caminho, traduzindo-se esse esforço numa conversão do olhar. Os outros continuaram prisioneiros na medida em que o seu olhar continuou dirigido para o mesmo lado; o seu olhar permaneceu igual ao que sempre foi desde o início da sua vida. O que verdadeiramente os prende não são os grilhões e as cadeias, mas um olhar que se fixou, que cristalizou, que foi incapaz de acompanhar o movimento subtil da realidade. A atitude filosófica é, se bem interpretamos o texto de Platão, uma mudança de perspetiva, o adquirir de uma nova maneira de olhar e analisar e criticar a realidade. §5. A – Caraterísticas da atitude filosófica Com a expressão ‗atitude filosófica‘ pretende-se referir não um discurso ou um saber estruturado, mas antes uma maneira de estar e de olhar a realidade e os outros. Neste parágrafo é nossa intenção descobrir o que há de específico e próprio na atitude filosófica e que a distingue de outros saberes e olhares. Vejamos, então, algumas das características da atitude filosófica. §6. Historicidade Esta característica tem a ver com o facto de a Filosofia, ou filosofias, serem determinadas, isto é, condicionadas, pela época que as viu surgir. Como qualquer produto cultural, também a Filosofia se relaciona com os problemas próprios de cada época, com as necessidades e anseios da sociedade. Se há problemas que são perenes, que chegaram até nós vindos dos Gregos, o modo como são formulados tem sofrido modificações. O problema da existência ou não de vida para além da morte e o problema da imortalidade da alma, tem sofrido alterações no modo como tem sido colocado pelas diferentes épocas históricas e, consequentemente, pelos diferentes sistemas filosóficos. Por outro lado, há outros problemas que são próprios das diferentes épocas históricas. O problema da liberdade nunca se colocou aos Gregos, enquanto na época que antecedeu a Revolução Francesa, a questão da liberdade era uma questão central. Hoje, os problemas éticos que a manipulação genética da vida humana coloca constituem uma área nova de problemas que nenhuma outra época colocou. Noutro sentido, a historicidade é uma característica da atitude filosófica porque o homem José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 15. 15 que é objeto da sua reflexão é um homem situado, que só pode ser entendido enquanto ser rodeado de circunstâncias próprias. O homem é um ser de circunstância, ou como dizia Ortega y Gasset, eu sou eu e as minhas circunstâncias, querendo dizer com isso que o homem só se entende na relação que estabelece com o mundo que o rodeia. Dizia Marx 13 que os filósofos não nascem como os cogumelos. Para o filósofo alemão, os filósofos não são um produto espontâneo, mas sim o produto determinado da sua época. Cada Filosofia respira o ar do seu tempo, está impregnada pelo espírito do seu tempo, bem como recolhe das Filosofias que a antecederam, a experiência e a riqueza da reflexão acumulada. É nesse sentido que a historicidade constitui também o seu modo de ser. §7. Radicalidade Com esta característica pretende-se salientar o facto de a Filosofia não se estruturar como uma visão superficial e acrítica da realidade, tal como é o senso comum. Ao contrário desta visão comum e empírica da realidade, a Filosofia é uma reflexão aprofundada e racional da realidade, que não se contenta com os aspetos superficiais que a constituem. Como a palavra indica, a Filosofia vai até à raiz dos problemas, investigando a primeira causa, o último porquê, não se contentando com respostas imediatas e superficiais. Partindo do pressuposto que a essência das coisas não reside na sua aparência, mesmo que esta a constitua, o conhecimento da verdade implica uma atenção e vigilância constantes, bem como uma postura inquieta e insatisfeita, que a leve constantemente a ultrapassar esse plano imediato da aparência. Como afirmava Heraclito, a essência das coisas gosta de jogar, no sentido de um permanente ocultar-se. A radicalidade enquanto característica da atitude filosófica significa, igualmente, que a Filosofia se opõe ao senso comum, não se prendendo às informações imediatas dos sentidos. É que para captarmos a verdadeira essência das coisas não podemos ficar pela aparência que é dada aos sentidos, mas devemos fazer uso da razão crítica. Como afirmava o provérbio chinês já citado, existe uma diferença essencial de perspetiva de encarar a realidade, quando comparamos a atividade dos sentidos e a atividade da razão. §7-A. Universalidade A Filosofia ajuda-nos a desenvolver uma visão do mundo, uma conceção do mundo. Uma visão que ultrapassa a nossa vivência quotidiana e a perspetiva imediata que daí decorre. A visão do mundo que desenvolvemos reflete sobre o homem enquanto ser universal, reflete sobre a condição humana. Mesmo que se parta dum homem concreto e situado e do seu viver circunstancial, a Filosofia eleva-se ao universal ao refletir sobre a condição humana 13 Karl Marx foi um pensador, teórico da política, historiador e economista, que nasceu em 1818 e morreu em 1883. O corpo dos conhecimentos produzidos, conjuntamente com a produção intelectual do seu companheiro de sempre Friedrich Engels, constituem a base daquilo que ficou conhecido como a teoria marxista. José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 16. 16 – no homem particular que vive, sofre e se emociona, a Filosofia vê a Humanidade viva, sofredora e emocionada. A Filosofia e a sua reflexão, através duma perspetiva totalizadora, elevam-nos ao universal. §8. Autonomia em relação à ciência e à religião A Filosofia apresenta-se como um saber distinto da ciência e da religião. É com base nesta distinção que podemos falar de autonomia da atitude filosófica. A Filosofia não é uma ciência, distingue-se da ciência por possuir um método e um objeto que são distintos dos métodos e objeto das ciências. Em relação ao método, verificamos que as ciências se foram constituindo enquanto saberes específicos na medida em que construíram métodos próprios, baseados no método experimental. A Filosofia é um saber específico que não pode recorrer à experiência; a Filosofia, em termos gerais, baseia-se no método reflexivo — a reflexão racional e crítica é o seu método. Também ao nível do método a reflexão filosófica exibe a sua especificidade. Enquanto que cada ciência foi delimitando um objeto próprio e específico e que correspondia a uma zona delimitada do real, a reflexão filosófica faz da totalidade, o ser enquanto ser, a realidade em si mesma, a condição humana, o seu objeto. Diz-se que o todo é o objeto da Filosofia, enquanto que cada ciência tem como objeto uma determinada parcela do real. Mas a atitude filosófica também se constitui autonomamente em relação à religião. As religiões, monoteístas ou politeístas, sempre fizeram da fé a característica essencial da postura do homem religioso. Uma fé que lhe permite relacionar-se com uma entidade que lhe é apresentada dogmaticamente. Ora, a atitude filosófica não apela à fé, mas antes baseia-se num exame livre e racional dos seus postulados. E estes postulados estarão sempre sujeitos ao livre exame. §9. O carácter discursivo do trabalho filosófico A Filosofia não pode deixar de trabalhar com a palavra e com os textos que corporizam a(s) palavra(s). Por isso nos referimos ao carácter discursivo da Filosofia e do trabalho filosófico. A Filosofia vive de textos. É assim que os filósofos expõem as suas ideias, discutem as ideias dos outros, tomam posição sobre os problemas. Oral ou escrito, o texto filosófico é essencial para a reflexão. E, através dos textos, os filósofos argumentam, justificam e adiantam razões que apoiam as ideias (as teses) que defendem. O carácter discursivo da Filosofia implica uma definição tão rigorosa quanto possível das palavras e dos conceitos que utiliza, bem como coerência na articulação entre os conceitos. §10. José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 17. 17 Filosofar é argumentar O que é argumentar? Argumentar é apresentar razões em defesa de uma determinada tese, duma determinada posição [ver Posições de L. Althusser]. O texto filosófico é por essa razão, um texto eminentemente argumentativo, que avança argumentos. Na Filosofia, porque não estamos diante duma ciência exata, as posições que se tomam não são evidentes, nem podem ser demonstradas matematicamente. Portanto, temos que argumentar. Ora, o que é um argumento? Basicamente, um raciocínio que encadeia premissas e conclusões, onde as conclusões se retiram das premissas apresentadas, ou onde, uma vez aceites determinadas premissas, somos conduzidos pela força mais ou menos persuasiva da ligação (concatenação) estabelecida entre as premissas e as conclusões. Quando argumentamos em Filosofia, estamos a defender uma determinada posição, elencando argumentos a favor da tese defendida. Ao pretendermos fazer com que o outro acompanhe, aceite ou assuma as teses que defendemos, temos que selecionar os argumentos em função desse objetivo, ou estruturando o discurso para que ele ganhe capacidade de persuasão através da sua estrutura. §11. Áreas e temas abrangidos pela Filosofia Tendo a totalidade como objeto da sua reflexão, logo é possível constatar que são múltiplos os assuntos e os temas que cabem na discussão filosófica, originando-se, por essa razão, disciplinas filosóficas, também elas variadas para darem conta dessas variadas problemáticas. No campo da reflexão sobre o homem enquanto membro de um grupo e vivendo numa dada sociedade14, podemos indicar algumas disciplinas filosóficas que serão aí pertinentes: a Axiologia que se dedica ao estudo dos valores, a Ética que estabelece e conduz à reflexão sobre os princípios que deverão orientar a ação humana e a Filosofia Política, que perspetivará o homem como um animal político refletindo sobre o futuro da comunidade humana. Já no campo da reflexão sobre a linguagem, a sua origem e natureza ocupa um espaço próprio na reflexão filosófica. Aí vê-se delimitar algumas disciplinas filosóficas como sejam a Filosofia da Linguagem, a Filosofia Analítica e a Hermenêutica. No campo do conhecimento vemos discutir-se desde a natureza do conhecimento, à existência ou não de uma rutura entre o conhecimento do senso comum ou conhecimento vulgar e o conhecimento científico (e as suas implicações éticas) e o problema da verdade. Esta constelação de problemas gerou o surgimento de várias disciplinas filosóficas como sejam a gnoseologia, epistemologia e a teoria do conhecimento. A experiência humana, enquanto conjunto de acontecimentos humanos significativos, é também objeto da Filosofia. A experiência política, do homem enquanto cidadão, habitante da cidade (polis), a experiência estética, do homem enquanto produtor e espetador do belo 14 Já Fichte afirmava que ―o homem só é homem entre os homens‖ – Das man ist nür ein man unter den Menschen. José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 18. 18 artístico e a experiência religiosa, do homem relacionando-se com a transcendência, afirmando-a ou negando-a, também geram disciplinas no seio da Filosofia: Ética, Estética e Filosofia da Religião. Finalmente, cabe também à Filosofia a reflexão sobre a natureza e estatuto de entidades que se situam para além do mundo físico, que é o do nosso viver diário. Disciplinas como a Metafísica e a Ontologia movem-se precisamente nesse mundo inteligível. José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 19. 19 Capítulo 2 - O homem construindo-se através da ação §12. O que leva o homem a agir? Segundo Fernando SAVATER, o perpétuo inacabamento da realidade humana é a essência da nossa condição humana; a inquietude é o coração do nosso coração e ser humano consiste em procurar constantemente a fórmula da vida humana 15. O homem, ao contrário dos outros animais, nasceu cedo demais, antes de estar desenvolvido e preparado para enfrentar o mundo. Ao fim de dois anos, qualquer bebé é incapaz de sobreviver sozinho; qualquer outro animal, ao fim do primeiro mês já sobreviveria. A sua intervenção, desde muito cedo, no meio que o rodeia intenta colmatar essas insuficiências que o homem traz consigo, esse inacabamento, esse ser-em-vias-de. A imperfeição inicial obriga o homem a agir. Por isso, o homem é também projeto, ser que se lança para diante ou permanentemente lançado para diante, para o seu futuro. O homem, desde sempre, que tentou construir um mundo mais habitável, à medida das suas necessidades, dos seus desejos e projetos. O meio que ele encontra no início, nem sempre está disposto da forma mais favorável aos seus intentos. A hostilidade do meio leva o homem a ter que agir. Por isso, ele tem que transformá-lo de acordo com as suas necessidades, tem que torná-lo mais amigável, mais habitável tem de agir. A cultura representa esse esforço incessante que resulta do confronto do homem com a Natureza e o resultado dessa ação transformadora. Esse esforço traduz-se no trabalho, num conjunto de atividades tendentes a transformar a Natureza, produzindo coisas novas e transformando as já existentes. O homem age, produz o seu próprio mundo, trabalha e por toda a parte deixa marcas da sua atividade. O mundo é a sua casa, mas o homem tem de vencer a hostilidade inicial desse mesmo mundo. §13. Sentidos da palavra ação usados na linguagem quotidiana e que não deverão ser considerados neste âmbito Quando falamos aqui de ação estamos a referir-nos a ação humana. No entanto, no dia-a-dia, referimo-nos também à ação dos animais e à ação dos elementos. Trata-se dum uso impróprio. Como veremos mais adiante (§15), a ação humana corresponde a algo que fazemos de forma consciente e voluntária. Isso não está presente no comportamento dos animais. O cão que abana a cauda, não o faz porque isso resulte duma decisão do cão ao ver o dono – trata-se não duma ação, mas antes duma reação do animal. Do mesmo modo, podemos falar da ação da chuva ou da ação erosiva do vento. Porém, nem a chuva nem o vente agem: não atuam segundo a sua vontade nem muito menos têm disso consciência. 15 Cf. Fernando SAVATER, A coragem de escolher, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2004, p. 30. José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 20. 20 §14. A ação humana constitui uma intervenção planeada e pensada Ao contrário do animal que age por instinto, irrefletidamente e de acordo com a sua memória genética, o homem age refletidamente, analisa, pondera e decide de acordo com a avaliação que faz do meio que o rodeia, das oportunidades e obstáculos, bem como das suas capacidades e instrumentos postos à sua disposição. A ação humana, em sentido lato, significa a produção de efeitos, o que implica que algo é modificado ou transformado. Com efeito, agir tem como consequência, na maioria das vezes, uma modificação da realidade que cerca o sujeito. Nesse sentido, a ação humana constitui uma interferência do homem no decurso dos acontecimentos, a produção e provocação de efeitos na realidade que o cerca. A ação humana, neste sentido, modifica a realidade. Foi através da ação dos homens que o mundo se foi tornando num lugar mais acolhedor, de acordo com as suas necessidades, desejos e projetos. No entanto, devemos entender que a ação não se caracteriza apenas pela produção de efeitos externos. Por exemplo, podemos falar duma ação interior, do sujeito sobre si mesmo. Por outro lado, a ação, enquanto algo de exterior e visível corresponde à exteriorização e concretização do pensamento. Embora possamos dizer que há pessoas que em determinados momentos agem sem pensar, tal afirmação não é rigorosa; o que se deveria dizer é que o pensamento que antecedeu a ação foi insuficiente ou desadequado em relação à realidade onde pretendia intervir. Na maioria dos casos, o homem antecipa o que pretende fazer e tenta agir de acordo com o que planeou. Se as coisas não correm como planeado, tal deve-se a diversos fatores, desde uma insuficiente ou desajustada análise e ponderação até à intervenção de causas inesperadas ou imponderáveis. §14. - A Devemos distinguir o plano do agir do plano do acontecer e a ação da reação No sentido de percebermos o que é a ação, devemos proceder a algumas distinções e esclarecer melhor o que é o agir. Na nossa vida são muitas as coisas que nos acontecem. Por exemplo, ficarmos constipados ou cair-nos uma bola na cabeça. Isso são acontecimentos, não são ações do sujeito, mas algo que aconteceu ao sujeito. Também acontece que nalgumas situações temos reações automáticas, instintivas. Por exemplo, quando algo nos passa inesperadamente diante dos olhos e, automaticamente, os fechamos, como defesa. Trata-se, não de uma ação, mas de uma reação, algo que fizemos sem pensar ou planear. Se tivéssemos que pensar e planear a nossa resposta perante o inseto voador que se dirigia para o nosso rosto, acabaríamos por não responder convenientemente a essa ameaça. Pensemos também, a título de exemplo, nas reações que podemos ter quando andamos de bicicleta e um obstáculo surge inesperadamente à nossa frente: nós reagimos automaticamente, desviandonos desse obstáculo ou travando como uma reação por instinto. Se pensássemos na resposta que devíamos dar perante o surgimento do obstáculo, perdíamos o tempo útil de resposta e acabaríamos por não conseguir evitar o choque. Do mesmo modo que distinguimos o plano do José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 21. 21 agir do plano do acontecer, também devemos distinguir o que é uma ação do que é uma reação. “Por ação (…) entendo coisas como caminhar, correr, comer, fazer amor, votar nas eleições, casar-se, comprar e vender, ir de férias, trabalhar no emprego. Não entendo coisas como digerir, envelhecer ou ressonar.” 16 §15. A consciência e a vontade são elementos que caracterizam necessariamente a ação humana; o agir pressupõe uma atividade consciente e voluntária As nossas ações são algumas das coisas que nós fazemos. Nem tudo o que fazemos constitui uma ação. O fazer abrange um campo de atividades e acontecimentos mais amplo que aquele que é designado pelo agir. Tudo quanto realizamos é parte da nossa conduta, mas nem tudo o que realizamos constitui uma ação. Fazer coisas é um aspeto de que se reveste a ação, mas não a esgota. Realizamos coisas inconscientemente, enquanto dormimos; não temos consciência de que as realizamos isto não são ações. Por outro lado, há coisas que fazemos, mas que não correspondem a uma deliberação da nossa vontade. Há coisas que fazemos conscientemente, mas sem intenção, ex.: tiques nervosos, atos reflexos realizamos isso involuntariamente, apesar de termos disso consciência, constatamos isso enquanto espectadores e não enquanto agentes. O que fazemos involuntariamente também não constituem ações. Reservamos o termo ‗ação‘ para as coisas que realizamos consciente e voluntariamente e que, nalguns casos mobiliza um saber e um poder técnicos. A consciência e a vontade são elementos integrantes e caracterizadores da ação. Só devemos chamar ações aos aspetos da nossa conduta de que damos conta (de que temos consciência, que fazemos conscientemente) e que efetuamos intencionalmente, isto é, com intenção, ou seja, voluntariamente. Portanto, as ações correspondem àquilo que realizamos consciente e voluntariamente, não sendo ação do homem o que este realiza estando apenas presente uma daquelas características. Atos do homem são aquilo que realizamos ou sem termos consciência disso ou sem que isso corresponda à nossa intenção ou vontade. As ações humanas têm que ser, simultaneamente, conscientes e voluntárias. Conscientes, isto é, quando o sujeito age, ele tem de saber que está a agir e que a sua ação corresponde ao que projetou e desejou. Voluntárias, isto é, as suas ações deverão ser a concretização da sua vontade, da sua intenção, fazendo aquilo que quis ou desejou. Diz-me o que fazes e dir-te-ei quem és… 16 John Searle, Mente, Cérebro e Ciência, José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 22. 22 Quando escolho o curso ou a profissão que quero seguir, não sou apenas o autor das ações que se seguirão em função dessa escolha, como me irei definindo através dessas ações. Aquilo que farei irá contribuir para o desenvolvimento da minha identidade. Eu não sou apenas aquilo que faço e que é escrutinado pelos outros, mas também a soma dos meus desejos e projetos, bem como das minhas frustrações, daquilo que tentei fazer e não consegui. A minha identidade, o que eu sou, é um processo, um permanente movimento, onde as minhas ações constituem elementos determinantes para essa construção da identidade. §16. A importância da presença da consciência e da vontade no agir do homem Qual é a importância da presença dos elementos consciência e vontade na ação humana? Para responder a esta pergunta vamos analisar as três situações seguintes, partindo do princípio que te caberá a ti avaliar e julgar o comportamento dos sujeitos implicados. Imagina, por exemplo, que és o juiz destes processos e eras que proferir uma sentença… §17. Movimento / acontecimento e ação ―Dizer: «estico o braço para mostrar que dou uma volta» é produzir um enunciado que não pode situar-se na mesma categoria que o enunciado «o braço levanta-se»: este descreve um movimento, aquele uma ação; este descreve um movimento que é observado por um espectador, o segundo descreve uma ação do ponto de vista do agente que a fez.‖17 Movimento e ação não são o mesmo. Dum ponto de vista dinâmico, no movimento está implicada a noção de causa com um sentido meramente mecânico, enquanto que na ação está presente a noção de motivo. Do mesmo modo, como já vimos, a ação não é um acontecimento, isto é, algo que acontece. O que acontece é um movimento enquanto observável, desprovido de intenção ou motivo. Se o homem surge aí implicado não o é enquanto agente, entidade ativa, mas enquanto sujeito passivo. Conduzir um automóvel corresponde a uma ação que eu realizo. Ter um furo é algo que me acontece, é um acontecimento para o qual eu não tive nenhum contributo, onde não se manifesta a minha intenção. Matar uma galinha corresponde a uma ação. A galinha morrer constitui um acontecimento, um facto. §18. A rede conceptual da ação: ação intencionada e ação causada Uma ação intencionada será uma ação que é desenhada de acordo com a nossa intenção. Com os fins que desejamos atingir e com a nossa vontade ao serviço da concretização desses mesmos fins. Uma ação intencionada é uma ação onde está presente a consciência do indivíduo, a ponderação de opções, onde existe uma escolha entre diferentes vias, uma decisão que se associa igualmente à nossa vontade, intenção e motivações. 17 Paul RICOEUR, O Discurso da Ação, p.13 José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 23. 23 Como afirma William JAMES, ―a procura de fins futuros e a escolha dos meios próprios para o alcançar são, assim, a marca e o critério da presença da mentalidade num fenómeno.‖ Diferente é o caso de uma ação causada. Esta é uma ação explicada por determinantes — genéticas, ambientais, histórico-culturais ou outras —, onde o elemento intencional, racional e ético não é visível, ou se encontra diminuído ou eliminado face ao peso e influência daquelas determinantes. Consoante o peso que atribuímos à influência daquelas determinantes ou à influência da nossa vontade, assim se formaram duas perspetivas opostas acerca da dependência da nossa ação em relação às causas exteriores ou em relação à deliberação da nossa vontade. §19. Perspetiva determinista e perspetiva baseada na ação intencionada Segundo a perspetiva determinista nós somos determinados por causas, somos o produto de causas; toda a ação humana é explicada e é determinada por fatores que têm a ver com a nossa natureza animal, com os nossos genes, com a nossa biologia, por um lado; e com fatores que têm a ver com a sociedade, a época, a educação ou ainda com fatores externos de diversos tipos e que nos ultrapassam (acasos, acontecimentos, obrigações ditadas por outras pessoas, etç.). A nossa liberdade está assim condicionada por esses fatores que acabam por funcionar como os verdadeiros autores daquilo que fazemos e das nossas ações. O sujeito como que se apaga diante desses fatores. Pelo contrário, quanto à perspetiva baseada na ação intencionada, há dentro de nós e nas nossas ações fatores racionais, graus de liberdade, elementos que ultrapassam as causas em si mesmas; há projetos e há intenções; logo, o indivíduo está acima das condicionantes ambientais, biológicas ou outras, escapa desses fatores e como que age exclusivamente partindo da sua vontade imune a esses fatores e ao meio onde o sujeito está. §20. Combinando causas e intenções; o homem é simultaneamente livre e determinado Somos, por um lado, produtos de genes e produtos da educação e de uma época, logo, seres sujeitos a essas condicionantes. A nossa inteligência, as nossas capacidades racionais têm limites. E isso permite ultrapassar, de certa maneira e a alguns níveis, as causalidades de base, as determinantes e condicionantes. Temos também livre-arbítrio, ou seja, capacidade de optar entre o bem e o mal. Em conclusão, há, simultaneamente, causalidade e intencionalidade nas nossas ações. Somos livres sem o poder ser de uma forma absoluta. Não podemos ou não conseguimos realizar tudo o que projetamos ou idealizamos. Por várias razões. A começar, o nosso corpo é, de certa maneira, um limite e uma limitação dos planos da nossa vontade. O meu corpo é um limite à minha liberdade, apesar de ser, igualmente, um instrumento e o meio através do qual eu posso realizar a minha liberdade. Mas a realidade que me rodeia também constitui uma limitação à minha liberdade e, portanto, para a minha ação. Por mais vontade que eu tenha de ser pescador, se viver no José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 24. 24 interior, longe do mar ou de um lago ou de um curso de água, o meu projeto de vir a ser pescador está fortemente condicionado. O meio, para além de poder ser um manancial de oportunidades, é também uma fonte de obstáculos e dificuldades. [a continuar] §21. Ações voluntárias, atos involuntários e reflexos As ações intencionadas são ações voluntárias, ou seja, assentes no nosso querer, na nossa razão, no pensamento. Nisso distinguem-se das ações involuntárias e das ações reflexas. Parte dos nossos atos é comandada por impulsos e desejos porventura divergentes e difíceis de gerir. As nossas pulsões agressivas e as nossas pulsões sexuais são exemplos disso. Os atos que se associam aos nossos instintos, aos nossos reflexos, à nossa natureza animal, ao nosso lado irracional e emocional, ou que nos são impostas por terceiros ou pelas autoridades, são atos involuntários. Ao contrário, as ações intencionadas são voluntárias. §22. O agente da ação e a relação causal Toda a ação depende de um sujeito, isto é, de um agente, tal como toda a intenção é sempre intenção de alguém. Do mesmo modo, procurar os motivos de uma acção leva-nos a interrogações que nos conduzem ao agente. O agente é, assim, uma espécie de causa da ação. Por isso, afirma RICOEUR que ―atribuir uma ação a alguém é, em primeiro lugar, identificar o sujeito da ação‖.18 Trata-se de saber a quem pertence tal e tal ação. A atribuição de um autor a uma ação pode ser uma tarefa simples, mas também pode ser uma tarefa complicada. Por exemplo, quando consideramos as consequências longínquas de uma determinada ação. Vejamos este exemplo: O António está conduzindo um automóvel a toda a velocidade para o Hospital da cidade, porque a sua mulher entrou em trabalho de parto. Entretanto, Manuel, que estava à janela, vê o automóvel aproximar-se a toda a velocidade, ao mesmo tempo que em frente ao seu prédio dois miúdos jogam à bola. Tenta avisá-los e debruça-se da janela, caindo. Felizmente que Manuel cai em cima do toldo da mercearia e não lhe acontece nada. O seu velho tio, que estava na sala, assiste à queda de seu sobrinho Manuel. Como está numa cadeira de rodas e não se pode deslocar não chega a saber que está tudo bem com Manuel, apenas uns estragos no toldo da mercearia do Sr. José. Graças à queda, os miúdos param de jogar à bola e o automóvel de António passa a toda a velocidade, sem acontecer nada. O mesmo não se pode dizer do pobre tio do Manuel. Ao ver o seu querido sobrinho cair da janela, teve um ataque de coração que foi fatal. Quando Manuel regressou a casa, encontrou o seu tio já sem vida. 18 RICOEUR, Paul, op. cit., p. 61 José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 25. 25 Será que podemos atribuir a António, que despoletou este processo conduzindo a alta velocidade, as consequências do mesmo, incluindo aí a queda do Manuel e a trágica morte do seu tio. A quem é que o senhor José da mercearia pode pedir que lhe paguem um novo toldo. À esposa de António? E porque não ao seu futuro filho que se lembrou de acelerar o seu nascimento? E poderemos acusá-lo de homicídio involuntário, ainda não tendo nascido? É evidente que esta situação é uma caricatura. Mas dá para ver as dificuldades que poderão existir na identificação de um agente da ação, bem como da importância dessa mesma identificação, como neste caso de apuramento de responsabilidades. A tarefa pode ser complexa, mas há casos em que pode ser fundamental. Imagine-se um choque em cadeia em que entrem vários automóveis... Ou pensemos em situações em que um crime é cometido em regime de co-autoria, isto é, onde vários agentes concorreram para o cometimento da mesma ação e onde poderão existir meros cúmplices. É fundamental saber quem são os autores da ação e determinar o grau de participação na ação de cada um deles de forma a poder, no caso do crime comparticipado, estabelecer a pena ajustada que será necessariamente diferente para cada um deles. §23. Estabelecer um motivo é responder ao porquê e explicar e legitimar a ação O estabelecimento de um autor para uma ação leva-nos a uma outra noção fundamental na estrutura da ação. Trata-se da relação causal, a relação entre dois acontecimentos, onde um é causa do outro, e este é efeito. Mas identificar a relação causal não é o mesmo que estabelecer o motivo da ação, já que neste caso estamos diante de uma ligação mais íntima e/ou interior na ação que vem justificá-la, torná-la legítima, necessária. O motivo, ao responder à questão do porquê esclarece a ação, torna-a inteligível. Entre os modos de tornar inteligível uma ação é relacioná-la com normas. A razão de ser de uma ação não apenas a explica, como a legitima. É nesse sentido que vai o texto de RICOEUR: “ [...] a relação causal é uma relação contingente no sentido de que a causa e o efeito podem identificar-se separadamente e que a causa pode compreender-se sem que se mencione a sua capacidade de produzir tal ou tal efeito. Um motivo, pelo contrário, é um motivo de: a íntima conexão constituída pela motivação é exclusiva da conexão externa e contingente da causalidade.”19 §24. Intenção e motivo “Intenção e motivo são noções conexas; o motivo é motivo de uma intenção. [...] A relação é tão estreita que, em certos contextos, motivos e intenções são indiscerníveis, em particular quando a intenção 19 Paul RICOEUR, O Discurso da Ação, p. 51 José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 26. 26 é explícita. [...] pode, no entanto, dizer-se que, inclusive, nos casos de extrema proximidade, intenção e motivo se distinguem em virtude de não responderem à mesma pergunta: a intenção responde à pergunta quê, que fazes? Serve, pois, para identificar, para nomear, para denotar a ação (o que se chama ordinariamente o seu objeto, o seu projeto); o motivo responde à questão porquê? Tem, portanto, uma função de explicação; mas a explicação, já vimos, pelo menos nos contextos em que motivo significa razão, consiste em esclarecer, em tornar inteligível, em fazer compreender.” (Paul RICOEUR, O Discurso da Ação, pp. 50-51) §25. O trabalho humano e a atividade dos animais O que distingue o pior dos arquitetos da abelha mais habilidosa? O que distingue a ação humana da atividade dos animais? No homem nós temos presente a consciência da sua ação, bem como dos resultados da mesma. O resultado da ação humana pré-existe idealmente, na cabeça do agente, à exteriorização da mesma. O homem planeia a sua atividade e prevê os seus resultados; existe no sujeito humano um trabalho de conceção mental que é prévio à sua execução. Pelo contrário, o animal age instintivamente, obedece aos seus instintos e atua no plano do imediato. O animal não ultrapassa o momento imediato, situa-se no plano do aqui e agora. O animal não age, antes reage. O homem não é dominado pelos instintos, antes concebe e aplica um plano: o que a sua mão realiza foi concebido previamente pelo cérebro. O trabalho manifesta a inteligência criadora do homem sobre a realidade envolvente. Neste sentido, apesar de tudo, existe uma superioridade do arquiteto mais desastrado sobre a abelha mais capaz. Afirmava PROUDHON em Création de l’ordre dans l’humanité: ―O trabalho é a ação inteligente do homem sobre a matéria. O trabalho é o que distingue (...) o homem dos animais; aprender a trabalhar é o nosso objetivo sobre a terra.‖ §26. O trabalho enquanto forma particular de ação. Trabalho e projeto. “Tal é o trabalho humano: um plano que convida à realização, uma previsão que leva à efetivação, uma intenção que precede o ato, o interior do homem que se exterioriza e que, graças a essa exteriorização, se enriquece e se reconhece. O trabalho humano une a mão e o cérebro, o cérebro tem necessidade da mão para se manifestar enquanto a mão não pode agir sem que o espírito a dirija.” 20 No âmbito da ação, o trabalho representa uma das suas formas particulares. Decerto, a mais essencial e fundamental, tendo em conta a longa caminhada da humanidade e o seu constante esforço no sentido de dominar a natureza e colocá-la ao seu serviço. Existe no homem a dimensão do projeto. Só o homem existe na dimensão do projeto. Só o homem projeta. E projetando-se, projeta-se, o homem projeta-se. E é porque se projeta que se pode rever na obra produzida. 20 Henri ARVON, A filosofia do trabalho, p. 43. José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 27. 27 Só há projetos para o futuro. O futuro é o tempo próprio do projeto, mesmo quando este se formula no tempo presente. Ele encontra-se vê-se a si mesmo na obra que realiza. O mundo à sua volta, que é obra sua, é ainda o homem realizando-se. Quando olhamos para as coisas que fazemos, vemos nelas um pouco da nossa história. “A obra reflete a imagem do espírito que a concebeu. Essa imagem permanece confusa enquanto a obra serve apenas a satisfação das necessidades vitais, torna-se nítida à medida que a obra se desembaraça de toda a necessidade exterior para atingir a «gratuitidade». É então que o trabalho, que é descoberta do homem por si próprio, cumpre totalmente a sua função.” 21 O trabalho realiza o homem, exterioriza as suas expectativas, os seus desejos, os seus projetos. Tal como a ação manifesta o homem. O resultado da sua ação é o homem exteriorizado. Ao agir, exteriorizo-me, manifesto a minha essência, isto é, aquilo que sou – qualquer obra reflete o seu autor e isso é ainda mais evidente na criação artística. Aqui, o agente criador, livre de toda a necessidade e pressão, possui toda a disponibilidade para agir e criar de acordo com a sua vontade e imaginação, dando largas à sua subjetividade. Nesse sentido, será ao nível da criação artística que a obra melhor revela a essência do seu criador. A sinfonia nº 3 de Beethoven reflete melhor a sua personalidade que o conjunto de listas de compras que ele tenha elaborado durante toda a sua vida. A obra de arte é a obra que exprime melhor aquilo que o seu autor é, pretende ser e / ou pretende que os outros vejam nele. §27. Ação livre e responsabilidade Em que condições é que podemos falar de uma ação livre? Ora, a ação só é livre quando o sujeito age de acordo com a sua vontade, consciente do que está a fazer e das consequências que dessa ação resultem. O sujeito não age livremente porque não existam limites ao seu agir; antes pelo contrário, o sujeito é livre e age livremente porque reconhece as limitações e joga com elas, tira partido dessas limitações. Ora, a partir do momento em que o sujeito age livremente, pode ser responsabilizado pelo que aconteça. É responsável pelos seus atos e suas consequências. Só o sujeito que age livremente é que é responsável pelos seus atos e pelas consequências dos seus atos. Só aquele que age voluntariamente está em condições de assumir plenamente a autoria dos seus atos e só a esse sujeito é que é possível exigir ―responsabilidades‖. Se a vontade do sujeito fosse manipulada ou adulterada, então nunca poderia ser responsabilizado pela sua ação, mas seria sim aquele que dominaria a vontade do sujeito. 21 Henri ARVON, A filosofia do trabalho, p. 41, José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 28. 28 Se apontam uma arma à cabeça do sujeito para que ele furte um sabonete do supermercado, não pode ser totalmente responsabilizado por esse furto. Se a sua vontade estava a ser condicionada dessa maneira, ao ponto desse sujeito agir contra a sua vontade, não se lhe podem assacar responsabilidades pelo furto do sabonete. A responsabilidade deve cair sobre quem apontava a arma. Só um sujeito livre pode ser considerado responsável e responsabilizado. Ser responsável ou ser responsabilizado significa que deve arcar com as consequências da ação, isto é, do que acontece como consequência da ação. Quando ele é responsabilizado, vai arcar com o peso da sua decisão. Por isso, um sujeito que se sabe responsável, não decide de ânimo leve, de forma imediata, não ponderada. Ele sabe que a sua ação inicia uma série de reações em cadeia. Com o seu agir a realidade transforma-se e já não é mais igual ao que era. É por isso que, em termos do direito, a responsabilidade assume-se repondo a realidade tal como era antes da intervenção do agente. Só há lugar a indemnização em dinheiro quando já não é possível a reposição da situação original22. Em termos jurídicos (que segue de perto o significado filosófico) aquele que é responsável é aquele que é autor da ação e que deve repor o estado de coisas anterior à ocorrência da ação danosa. Por exemplo, se o meu automóvel destruir o muro do vizinho e eu for responsabilizado por isso, então serei eu o responsável e quem deve repor o muro tal qual ele existia antes do automóvel o ter destruído (ação danosa). Portanto, ser responsável significa ter que, ―aguentar‖ com as consequências. No caso, reconstruir o muro ou indemnizar o dono do muro, dando-lhe a quantia de dinheiro que compense o dono do muro do prejuízo que teve ou possa ter enquanto o muro não for reconstruído23. §28. A culpa. Negligência e dolo. Próximo da noção de responsabilidade temos a noção de culpa. A culpa é o sentimento que o sujeito experimenta quando sabe que é responsável por determinada ação. Associada à noção de culpa está a noção de intenção: o culpado da situação x é aquele que teve a intenção de provocar a situação x. Isto quer dizer que agiu com a vontade de provocar a situação x. Será, pois, culpado pela situação x. No sistema penal português distinguem-se dois graus de culpa: negligência e dolo. Agiu com negligência aquele que agiu descuidadamente, possuindo o dever de agir doutro modo, e nesse sentido é responsável pela situação criada. Imaginemos a seguinte situação: Antonieta, funcionária do jardim-escola não se apercebeu que uma criança que estava à sua guarda tinha corrido para a estrada onde foi 22 Era o que aconteceria, por exemplo, se alguém destruísse um quadro pintado por um pintor famoso. Seria impossível repor a situação original. 23 Imagine-se que, enquanto o muro está destruído e aproveitando esse facto, fogem-lhe da sua propriedade, o rebanho de ovelhas que ele possuía. Neste caso a indemnização deve contemplar este prejuízo. Como também pode contemplar os lucros que o dono do muro deixou de ganhar. Imagine-se que durante o tempo que o muro está destruído alguém vem adquirir essa propriedade por um valor inferior por causa do muro destruído. José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 29. 29 atropelada por um automóvel. Veio a provar-se que Antonieta, naquele momento, estava a mandar uma mensagem pelo telemóvel para a namorada. Neste caso será culpada por negligência. O que não é o mesmo que agir dolosamente. Neste caso, agiu com dolo aquele que agiu com a intenção de provocar uma determinada situação. Veja-se o caso de uma funcionária do jardim-escola, Belarmina, que dissesse à criança (filha de um ex-namorado que ela detesta) para ir brincar para o meio da estrada sabendo que assim iria ocorrer um acidente. Nas duas situações existe culpa, mas em graus diferentes: Antonieta foi negligente, mas Belarmina atuou dolosamente. É por isso que na atribuição de uma pena o juiz irá distinguir se o arguido agiu negligentemente ou dolosamente. A negligência é uma forma de culpa menos censurada ou penalizada que o dolo 24. §29. Algumas notas sobre o existencialismo O existencialismo é uma Filosofia à qual está ligado o nome de Jean-Paul Sartre, como seu principal representante. As principais obras deste autor vieram a lume na segunda metade do século vinte. Para aquele filósofo distingue-se a essência da existência. No mundo das coisas, a essência é anterior à existência. Uma cadeira é definida previamente na cabeça do carpinteiro que a projeta e só depois é a passa a existir. No caso da cadeira, primeiro esta é (na cabeça e nos planos do carpinteiro) e só depois é que existe. A existência da cadeira está condicionada e limitada por aquilo que o seu criador planeou previamente. No caso do homem, passa-se algo completamente diferente. Segundo Sartre existe no homem uma anterioridade da existência sobre a essência. Isto quer dizer que o homem primeiro existe e só depois é que é, quer dizer, só depois é que se vai definindo, construindo as suas qualidades. Para Sartre, Deus não existe e, portanto, não existe nenhum ser que criou o homem. Ninguém criou o homem. É ele que se cria a si mesmo. Para isso, primeiro existe e só depois é que é — a existência é anterior à essência. No caso do homem, ele não está limitado por nenhum plano prévio. O homem não tem que conformar a sua vida segundo o projeto de um Deus qualquer. Porque Deus não existe, o homem é radicalmente livre, é ele que se inventa a si mesmo, é ele que cria a sua essência, é ele que constrói o que quer ser. O homem não encontra nenhum sinal, nem nenhuma indicação a mostrar-lhe o caminho que deve seguir. Segundo o Existencialismo, cada homem é livre para seguir o que quiser. Mais, como dizia o poeta espanhol Antonio Machado, ―não existem caminhos, fazem-se a caminhar‖. Se Deus existisse, o homem não era livre, pois a sua existência estava determinada e ele teria que existir de acordo com essa essência. Sem Deus, cada homem ―está só e sem desculpas‖ ou como diz a canção ―não há estrelas no céu / a dourar o meu caminho‖. O homem é livre para o fazer, como também é responsável e responsabilizado por 24 Para o nosso Código Penal existem até atuações que só serão crimes em caso de dolo; a negligência não é penalizada do ponto de vista do Direito. Como veremos mais à frente, isso não significa que não haja um juízo de censura social e a negligência não seja penalizada do ponto de vista moral. José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 30. 30 isso. A todo o momento, o homem escolhe, mas não existe ninguém a indicar-lhe um caminho. O homem só se escuta a si mesmo, é ele que constrói a sua essência. Se Deus existisse e tivesse criado o homem, este poderia sempre admitir a vontade divina como responsável por aquilo que ele é e desculpar-se com isso. Deus dá jeito a quem não quer arcar com o peso da responsabilidade, quem quer fugir diante das suas responsabilidades. Neste sentido, quem acredita em Deus vê nele um bom refúgio para demitir-se da construção da sua essência e da própria realidade. Quem não acredita, tem de ficar com o peso e as consequências da sua escolha. §30. Classificação das condicionantes da ação humana O homem é um ser completamente exposto às influências do meio social, cultural e natural, sempre aberto aos outros, completamente permeável às influências do exterior. Por outro lado, é um ser inacabado e imperfeito, donde a necessidade de agir, de se transformar e transformar a realidade de acordo com as suas necessidades. O homem não é, assim, um ser fechado sobre si mesmo. Por isso se diz que o homem é um ser de relação. Também no mesmo contexto de ideias, note-se a afirmação do Ortega y Gasset: ― Eu sou eu e a minha circunstância‖. Com esta afirmação o filósofo espanhol quer-nos dizer que na identidade e no conhecimento de qualquer um teremos de ter em conta o contexto em que o próprio sujeito se encontra. O homem não se pode definir isolado da realidade e dos outros. A sua estrutura anatómica-fisiológica aponta precisamente para essa interpenetração do sujeito com a realidade que o envolve, seja a realidade física ou a realidade cultural ou ainda a realidade social. O homem está na dependência do mundo, um mundo de coisas e pessoas, e este constitui fonte de limitações para a sua ação, mas também um conjunto de oportunidades e recursos postos à sua disposição. Esta situação particular de um ser dependente do mundo, aberto ao mundo e interagindo com o mundo, leva a que o homem não possa contar apenas consigo, mas tenha que levar em linha de conta com um conjunto de fatores que envolvem o sujeito e que o definem. O sujeito não se compreende isolado dos outros, porque apenas se desenvolve na interação com os outros. É assim que acontece quando consideramos a perspetiva filogenética e a perspetiva ontogenética, isto é, quer consideremos o homem na sua evolução individual desde a fase de criança até ao estado adulto (filogénese), quer consideremos a evolução da própria espécie humana e o processo de hominização (ontogénese). Nestes dois processos evolutivos o homem desenvolve-se na medida em que se relaciona com os seus semelhantes e realiza trocas com o meio exterior. Esta interdependência entre o homem e o meio que o envolve faz com que a sua ação nunca possa depender exclusivamente da sua vontade. Todo este percurso acontece estando o homem mergulhado numa determinada situação que o rodeia e influencia sob diversas formas. José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 31. 31 Ele não age de uma forma absolutamente livre. Existem fatores que condicionam e limitam a ação humana. Estas condicionantes da ação humana podem dividir-se segundo a seguinte classificação: condicionantes biológicas, histórico-culturais, psicológicas e físicas. O facto de o homem estar situado numa determinada sociedade e numa determinada época coloca limitações à própria atividade humana. A começar, devemos considerar as condicionantes sócio-culturais ou histórico-culturais, ilustradas por todo um conjunto de produtos culturais e sociais que estruturam a sociedade e asseguram o seu funcionamento mais ou menos regular: hábitos, costumes, normas de convivência social, leis, imperativos religiosos e morais, valores, tudo isto constitui uma constelação de princípios e regras que limitam a atividade humana. Condicionam, mas não são barreiras intransponíveis, porque todos nós sabemos que, nalguns casos, a atividade humana vai contra esses princípios e regras. O Código da Estrada assegura o regular funcionamento do trânsito na medida em que informa os condutores sobre o que se pode e não se pode fazer. Mas a existência das normas do Código da Estrada não asseguram só por si que não haja transgressões. Aquelas normas condicionam a ação dos condutores, mas não são limites absolutos. Mas existem outras limitações ao exercício da vontade. A estrutura e funcionamento do nosso corpo são também condicionadores da ação. Eu não posso estar debaixo de água mais do que determinado tempo e por mais vontade que tenha em voar, eu sei que não o posso fazer. Existem, deste modo, outro tipo de condicionantes que designaríamos como condicionantes biológicas e que são transmitidas geneticamente. Trata-se de condicionantes que têm a ver com a estrutura e funcionamento do nosso corpo. De notar, contudo, que o nosso corpo possui um duplo sentido: por um lado constitui uma condicionante da ação humana, por outro lado é com o corpo e é através do corpo que eu ajo e intervenho no mundo. O meu corpo é um limite, mas também um instrumento da vontade, o veículo para a concretização do meu pensamento. É através do meu corpo que eu exteriorizo as ideias da minha mente. Nesse sentido, eu realizo a liberdade através do meu corpo. O corpo é um instrumento ao serviço da ação, mas também limita a própria ação, na medida em que eu não posso agir para lá daquilo que o corpo me permite. O sujeito age dentro dos limites que são impostos pelo corpo, instrumento da ação, o corpo está ao serviço da liberdade, porque é através dele que eu manifesto o meu ser livre, mas ao mesmo tempo, o corpo condiciona a liberdade, ele é a fronteira da vontade. Mesmo com uma vontade intensa e esclarecida eu não posso voar ou viver debaixo de água. É verdade que eu posso ir alargando esses limites, quer porque eu posso ir treinando o corpo, e ganhar mais destreza física, quer porque eu posso socorrer-me de meios mecânicos para ampliar esses mesmos limites (quando eu uso um telescópio eu amplio a minha capacidade de visão) contudo, alargar os limites do meu corpo não significa que alguma vez eu possa dispensa-lo da execução da ação. As condicionantes biológicas não estão fixas. Na evolução da espécie humana, verifica-se que o homem progride na medida em que depende cada vez menos do corpo que José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 32. 32 foi transmitido geneticamente, construindo artifícios técnicos que o ajudam a ultrapassar as suas limitações biológicas. Para além do corpo, também a personalidade de cada um condiciona o seu modo de agir. Existem certas maneiras de ser que fazem com que o indivíduo seja mais passivo ou indiferente face ao mundo e, nesse sentido, menos propenso a agir. A ação de uma pessoa, a sua intervenção no mundo, pode ficar condicionada por causa de um temperamento mais envergonhado ou reservado. Neste caso, estamos a falar de condicionantes psicológicas que se relacionam com o psiquismo humano. Finalmente, também poderemos entender que o meio físico onde a ação se concretiza condiciona o agir humano. Pense-se, por exemplo, no trabalho agrícola e como ele está dependente e condicionado por um conjunto de fatores, tais como a natureza dos solos, a existência ou não e cursos de água, a existência ou não se solos apropriados ou terrenos acidentados, o clima. Quer isto dizer que poderemos também considerar a existência de condicionantes físicas ou ambientais. O vasto elenco de fatores que condicionam a ação humana leva-nos à conclusão de que o homem e a sua vontade estão limitados por determinados fatores que, contudo, não são obstáculos intransponíveis. Se assim fosse, não haveria nenhuma margem para a liberdade e vontade humanas. Ora, nós constatamos facilmente que o homem tem, em muitas ocasiões, a possibilidade de escolher algo e de recusar algo. Todas as vezes que eu ajo, eu sei também que poderia ter feito mais ou menos do que fiz, que poderia sempre ter feito diferente. Todas as vezes que eu levo por diante uma ação, eu sei que escolhi e rejeitei alternativas, caminhos diferentes daqueles que acabei por seguir. Isso significa que o homem é livre para escolher, mesmo que condicionado por inúmeros fatores. §31. Diversos tipos de determinismo A liberdade humana não é absoluta. Como facilmente já vimos existem limitações que incidem sobre o homem e a sua vontade. Segundo alguns autores o homem está submetido a diversos tipos de determinismo. Determinismo físico Significa a conceção do universo em que os fenómenos ou acontecimentos estão de tal maneira relacionados uns com os outros que uma inteligência, capaz de conhecer todas as circunstâncias da evolução do universo num momento dado, poderia prever qualquer acontecimento futuro. Todos os acontecimentos estão interligados entre si em termos de causa e efeito, todos os acontecimentos são causa e efeito uns dos outros e onde o homem acaba também por ser determinado pela realidade física. Neste sentido, o homem não é livre pois acaba por agir determinado pelo turbilhão da realidade externa. É este determinismo que serve de base à indução das leis científicas. José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 33. 33 Determinismo biológico É a posição segundo a qual não há traços humanos que não sejam produto biológico. A vida de cada homem seria condicionada por certas limitações impostas pela herança biológica. Haveria, por exemplo, alguns mecanismos neurofisiológicos e modos de comportamento que seriam muito difíceis ou mesmo impossíveis de modificar. O homem seria consequentemente desresponsabilizado pelas suas tendências e pelos seus atos, na medida em que tudo aquilo que ele faz deve ser explicado não pela sua vontade mas através do funcionamento do seu corpo. Para algumas tendências mais radicais, como por exemplo no âmbito da biossociologia, mesmo os valores, como o patriotismo, teria um fundamento biológico. Determinismo psicológico É a tese segundo a qual todo o comportamento livre e espontâneo é determinado por antecedentes psíquicos de ordem afetiva (crenças, desejos, temores, etc.) ou de ordem intelectual (motivos). Esta forma de determinismo nega a liberdade humana. Determinismo sociológico Considera que o comportamento do indivíduo é um produto da cultura, ou seja, dos hábitos coletivos, adquiridos por aprendizagem social e transmitidos de geração em geração. A cultura modela a personalidade, influencia os valores, as crenças e atitudes. Condiciona, portanto, a maneira de ser, de pensar e de agir do homem. §31 – A. A crença no destino como forma de determinismo O homem que se afirma a si mesmo, assumindo a sua liberdade, afirma-se como senhor do seu destino. Mas há também quem afirme que o destino do homem já está traçado de uma vez por todas e que tudo o que acontece no mundo corresponde à Providência Divina e à vontade de Deus. Para esses, o homem não é livre, é uma espécie de marionete, cuja vida é manipulada a partir do Além. Esta posição também pode ser muito cómoda para quem não quer assumir a responsabilidade pela sua condição e situação. Atribuir a Deus a causa de tudo o que acontece é afastar o homem do seu próprio caminho e da sua história. Quem assim pensa tem, sobretudo, medo que os homens sejam senhores do seu destino e da sua vida e expulsem definitivamente os deuses da sua realidade. §32. Consciência, vontade e responsabilidade Como já atrás vimos, as ações humanas envolvem a consciência e a vontade humanas. A consciência e a vontade são elementos intrínsecos à ação, sem os quais não poderíamos dizer que estávamos diante de uma ação humana. A liberdade e a ação livre concretizam-se José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 34. 34 através de um processo em que o homem (o agente) sabe o que faz e faz o que deseja fazer. A ação só é livre se o sujeito agir de acordo com a sua vontade, consciente do que está a fazer e das consequências de que daí resultam. O sujeito é livre e age livremente, não porque não existam limites / limitações ou barreiras à sua ação, mas porque reconhece essas limitações e joga com elas. A partir do momento em que o sujeito age livremente, de acordo com a sua vontade e consciente do caminho que iniciou, então o sujeito é também responsável pelos seus atos e pelas consequências destes. Só um sujeito livre pode ser responsável e responsabilizado. Se a vontade do sujeito fosse manipulada por indivíduos estranhos, por exemplo, então a responsabilidade recairia sobre estes e o sujeito nunca poderia ser responsabilizado. Se o sujeito é livre e sabe o que faz, então também é responsável, é sobre ele que recaem as responsabilidades do que acontecer como consequência direta do seu agir25. Ser responsável significa assumir as consequências do que acontece devido à sua iniciativa e à sua ação. Quando o sujeito é responsabilizado ele vai arcar com o peso da sua decisão. Por isso, em certas condições, um sujeito responsável não decide de ânimo leve. Ele sabe que a sua ação pode dar início a uma série de consequências e reações em cadeia. Com o seu agir a realidade transforma-se e já não é mais igual ao que era. É por isso que, em termos do direito, a responsabilidade assume-se através do pagamento de uma indemnização que deverá, na medida do possível, repôr a realidade tal como era antes da intervenção do agente26. Na medida do possível, pelo que haverá lugar a uma indemnização pecuniária quando não for possível a reposição da situação originária 27. Há uma íntima ligação entre liberdade e responsabilidade. Se o sujeito não fosse livre, nunca seria responsável. Nesse sentido, muitos olham a liberdade como uma espécie de condenação28. Então, optam pela moral dos escravos, porque não querem aguentar com o ‗fardo‘ da liberdade. Preferem ser mandados a assumir o peso da responsabilidade pelas suas decisões. Só que o homem só se afirma a si mesmo assumindo a sua liberdade, afirmando-se como senhor do seu destino. Mas também aqui há quem afirme que o destino do homem já está traçado de uma vez por todas e que tudo o que acontece no mundo corresponde à Providência e ao cumprimento da vontade de Deus. Para esses, o homem não é livre, é uma espécie de marioneta, cuja vida é manipulada a partir do além. Esta posição também pode ser muito cómoda para quem não quer assumir a responsabilidade pela sua condição e situação. Atribuir a Deus a causa de tudo o que acontece é afastar o homem do seu próprio 25 Se não fosse a consequência direta, então poderíamos cair numa situação absurda em que o sujeito seria responsável por tudo o que acontecesse na sequência dos seus atos, mesmo tratando-se de uma consequência longínqua. Imagine-se que o senhor Albino provoca um acidente. Para além dos acidentados que aí aconteceram, seria também responsável por situações distantes como, por exemplo, pela vizinha do acidentado que escorrega na escada quando recebe a notícia do acidente! 26 Isto no caso do ordenamento jurídico português. Noutros ordenamentos, onde as indemnizações podem atingir valores astronómicos, a indemnização tem também a função de penalizar o infrator, com o objetivo de do dissuadir de voltar a praticar a ter uma conduta prejudicial. 27 Por exemplo, quando da ação resulta a morte de alguém ou a destruição de um bem original, infungível. Nestes casos não será possível repôr a situação anterior á conduta negativa. 28 Era Sartre que afirmava que estamos condenados a ser livres. José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx
  • 35. 35 caminho e da sua história. Quem assim pensa tem sobretudo medo que os homens sejam {ver o já impresso} José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2014-jca-131120035105-phpapp01.docx