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BY ALLENCAR RODRIGUEZ
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A característica mais relevante de uma crônica é o objetivo com que ela é
escrita. Seu eixo temático é sempre em torno de uma realidade social, política ou
cultural. Sua linguagem tem quase um tom de protesto ou de argumentação com
uma dose de lirismo, leveza, uso do humor, brevidade e sensibilidade. Desta
forma os escritores desse gênero textual usam esses recursos lingüísticos na
construção do humor, da ironia, do lirismo ou da crítica para contextualizar um
acontecimento do dia a dia, expressar idéias, sentimentos, emocionar, rir,
provocar reflexões e conversar com o leitor por meio de sua escrita.
Elementos que não funcionam na crônica: grandiloqüência, sectarismo,
enrolação, arrogância, prolixidade. Elementos que funcionam: humor, intimidade,
lirismo, surpresa, estilo, elegância, solidariedade. (Ivan Ângelo).
Podemos identificar duas maneiras de se produzir uma crônica: a primeira é a
narrativa (que pode ser em forma de conto), que conta um fato do cotidiano,
utilizando-se de personagens, enredo, espaço, tempo, etc. A outra maneira é a
crônica dos textos jornalísticos, é uma forma mais moderna do gênero, e ao
contrário da outra não narra e sim disserta, defende ou mostra um ponto de
vista diferente do que a maioria enxerga. Alem disso, por ser um gênero textual
muito flexível pode se expressar ainda como uma poesia ou um ensaio, sem se
confundir com nenhum deles, como diz Ivan Ângelo na crônica intitulada “sobre a
crônica” que diz:
“Uma leitora se refere aos textos aqui publicados como
“reportagens”. Um leitor os chama de “artigos”. Um estudante
fala deles como “contos”. Há os que dizem: “seus comentários”. Outros os
chamam de “críticas”. Para alguns, é “sua coluna”.
02 - allencar rodriguez
Estão errados? Tecnicamente, sim – são crônicas -, mas... Fernando Sabino,
vacilando diante do campo aberto, escreveu que “crônica é tudo que o autor
chama de crônica.” (...) Mas Rubem Braga ... Respondeu assim a um jornalista
que lhe havia perguntado o que é crônica: - Se não é aguda, é crônica.”
(Extraído de www.quemtemsedevenha.com.br/cronica e contos.htm – acesso em
27/02/2010)
Por isso, a crônica é uma escrita tão suave que mais parece uma conversa
entre os interlocutores cronista e leitor onde o escritor busca emocionar e
envolver seu leitor num contexto de reflexão sobre um assunto de realidade
social e factual. Para isso ele faz uso dos tons de protesto ou de argumentação,
mas sempre com uma dose, ora poético, ora filosófico, ora humorístico, satírico
ou irônico.
Desta forma, se o propósito da redação para a produção escrita de uma
crônica for pedido para usar o tom da poesia, o vestibulando deve produzir
uma prosa poética como Paulo Mendes Campos em “o amor acaba” (o qual
o autor tem como tema, assunto e cenário: a fugacidade/eternidade do amor
– em muitos lugares da cidade. Situação do cotidiano retratado: o amor
acaba para recomeçar sempre, em todos os lugares. Tom do texto e foco
narrativo: Prosa poética, em tom existencial – auto-observador).
Paulo Mendes Campos- o amor acaba
O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois
de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de
ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de
raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de
cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite
votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos
no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como
dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha
acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas
sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos
monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes
acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as
mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar
diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão
ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas;
quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode
ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade
simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina;
no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não
floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de
oficina de redação - 03
duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de
delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que
vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas
esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na
barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e
quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na
usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade;
em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou
depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na
descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou,
com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro
e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris,
Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia
imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos,
até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste
o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é
simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando
sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba
como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e
esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o
álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no
abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os
lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o
amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor
acaba.
Análise:
Sobre “O amor acaba”
A crônica, escrita em um único parágrafo e em prosa poética, parte de uma
ideia central: o amor acaba para recomeçar sempre. O amor acaba em qualquer
lugar – em um bar, em um apartamento, em uma encruzilhada de uma cidade.
Acaba em qualquer tempo – um dia da semana, em qualquer das diferentes
estações do ano, antes de, depois de. Acaba de diferentes modos (de repente,
mecanicamente), em diferentes ações (um desenlaçar, em um passar por) e por
diferentes motivos (a perda de um filho, a rotina, na ausência do desejo).
A repetição variada da frase “o amor acaba” imprime um ritmo poético ao
texto: o amor acaba no; acaba de repente; às vezes o amor acaba...; acaba
quando...; o amor pode acabar... e acaba o amor. Algumas vezes, o amor não
começa; em outras, se dissolve ou vira pó; e em outras, ainda, seria melhor não
ter existido.
O poético emana da repetição de sentenças afirmativas durante todo o texto:
“domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados,
diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar” ou “no coração que se
dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor”, ou “às vezes
acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as
04 - allencar rodriguez
mulheres”. E também das imagens construídas pelo autor: “como tentáculos
saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão”, ou:
“às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de
bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o
carregue consigo”.
Procede ainda das palavras escolhidas com esmero, distintas daquelas
que usamos no dia a dia: “polvilhando de cinzas o escarlate das unhas”,
ou: “no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas
que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e
o gineceu de duas flores”.
E o poético jorrar de sentimentos em um só parágrafo! Da afirmação
final ressurge o amor apontando o novo ciclo da vida: “para recomeçar em
todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba”.
VEJA AGORA EXEMPLOS DE PROSA POÉTICA DE ACORDO COM A
ESTRUTURA DA REDAÇÃO DO VESTIBULAR DA UNICAP
(aproximadamente 25 linhas) – tema desigualdade social
Prosa poética
Libertas que será tamen
É notório ver pessoas pedindo esmola nas artérias das grandes cidades, o olhar
penoso de quem nunca desfrutou de uma boa refeição cuja veia quase não tem
força de sustentar seu coração. O desenvolvimento sem o progresso. Inúmeros
arranha-céus onde pessoas vivem suas vidas de inferno debaixo das marquises
iluminadas com neon, inúmeras favelas iluminadas à luz de velas. Brasil
desenvolvido economicamente, mas desigual socialmente. Ciclo vicioso cujo fim
está longe de acontecer que perdura todo dia do amanhecer ao anoitecer. Tudo
gira em torno de interesses políticos, ricos políticos que se sustentam na fome
daquele que não tem estudo, trabalho e oportunidades.
Buscando sua liberdade a pobreza está em todos os lugares, a cegueira social
está em todos os lugares, os porcos políticos estão em todos os lugares, porém
escondida está a educação de qualidade, acessível somente para uma parcela da
população. O Brasil começará a mudar não como o poeta Patativa de Assaré
dissera num de seus poemas, na inversão do Brasil de cima pelo Brasil de baixo,
mas quando houver igualdade, liberdade e fraternidade por todo o território
nacional.
A falta de princípios morais agrava a situação de desigualdade. O descaso
governamental é uma conseqüência disso. Claro! A ignorância rende votos. É
cômodo dar esmolas mesmo que seja em bolsa transformada em sacolas nos
programas governamentais e não dar educação para o pobre viver sem ração.
oficina de redação - 05
Muito tempo já se passou desde a República Oligárquica, porém os políticos de
hoje são verdadeiros coronéis. Uma verdade que poderia ser mentira. Prisão que
encarcera o povo na ignorância, na mentira e na miséria.
Bruna Ricci
Vidas secas
As vidas secas desse Brasil, as quais muitas são as Severinas, que vieram ou
vivem nas terras ossudas nordestinas do João Cabral. Aquelas que se encontram
sob o manto da repressão, as vidas que são secas de poder, secas de amor, de
conhecimento, cultura e alimento. Aquele mesmo seco que molha a carne do
carniceiro dono de extensas terras serve de comida do corvo e é enganado pelo
poder público do presidente molusco. Mãos na lama, mãos na terra, mãos na
morte, nos tijolos, na calçada, no sangue, mãos longe do dinheiro, da educação e
da oportunidade. Dinheiro do sujo, que vai pro sujo, que está com o sujo, que
veio do sujo, e que nunca vai pro limpo, que por ironia está no limbo escondidos
nas cuecas e nas maletas da corrupção de políticos porcos que chafurdam no
dinheiro sujo. Para as vidas secas desse meu Brasil, que não se limitam só pelo
clima seco, ao contrário é belo e varonil, muitas vezes na sarjeta, dormem sob o
clima frio da madrugada e também dormem para o congelamento da alma, alma
que é dura como diamante, alma que de tanto batida, tornou-se impura aos
olhos da desigualdade social. Enquanto alguns vivem no lago, essa é a vida da
seca, amarga e cruel. Bem vindo à desigualdade social de um Brasil gigante pela
própria natureza, desigual sem nenhuma beleza, regido pelo governo com
destreza no sentido da incerteza se um sonho intenso de amor e de esperança a
terra descerá. E que o formoso céu, risonho e límpido a imagem do cruzeiro, as
vidas secas, um dia resplandecerá.
Isadora Pavan.
Se for pedido uma forma como o ensaio siga o padrão de Ivan Ângelo em
“sobre a crônica” (o qual o autor tem como tema, assunto e cenário:
reflexões filosóficas a respeito do que os leitores acham o que é crônica.
Situação do cotidiano retratado: a interpretação que o leitor faz do que é um
texto escrito. Tom do texto e foco narrativo: Ensaio (autor-argumentador),
onde por meio de articulações argumentativas o autor defende sua idéia).
Ivan Ângelo - Sobre a crônica
Uma leitora se refere aos textos aqui publicados como "reportagens". Um leitor
os chama de "artigos". Um estudante fala deles como "contos". Há os que dizem:
"seus comentários". Outros os chamam de "críticas". Para alguns, é "sua coluna".
06 - allencar rodriguez
Estão errados? Tecnicamente, sim – são crônicas –, mas... Fernando Sabino,
vacilando diante do campo aberto, escreveu que "crônica é tudo que o autor
chama de crônica".
A dificuldade é que a crônica não é um formato, como o soneto, e muitos
duvidam que seja um gênero literário, como o conto, a poesia lírica ou as
meditações à maneira de Pascal. Leitores, indiferentes ao nome da rosa, dão à
crônica prestígio, permanência e força. Mas vem cá: é literatura ou é jornalismo?
Se o objetivo do autor é fazer literatura e ele sabe fazer...
Há crônicas que são dissertações, como em Machado de Assis; outras são
poemas em prosa, como em Paulo Mendes Campos; outras são pequenos contos,
como em Nelson Rodrigues; ou casos, como os de Fernando Sabino; outras são
evocações, como em Drummond e Rubem
Braga; ou memórias e reflexões, como em tantos. A crônica tem a mobilidade de
aparências e de discursos que a poesia tem – e facilidades que a melhor poesia
não se permite.
Está em toda a imprensa brasileira, de 150 anos para cá. O professor Antonio
Candido observa: "Até se poderia dizer que sob vários aspectos é um gênero
brasileiro, pela naturalidade com que se aclimatou aqui e pela originalidade com
que aqui se desenvolveu".
Alexandre Eulálio, um sábio, explicou essa origem estrangeira: "É nosso
familiar essay, possui tradição de primeira ordem, cultivada desde o amanhecer
do periodismo nacional pelos maiores poetas e prosistas da época". Veio, pois, de
um tipo de texto comum na imprensa inglesa do século XIX, afável, pessoal, sem
cerimônia e no entanto pertinente.
Por que deu certo no Brasil? Mistérios do leitor. Talvez por ser a obra curta e o
clima, quente.
A crônica é frágil e íntima, uma relação pessoal. Como se fosse escrita para um
leitor, como se só com ele o narrador pudesse se expor tanto. Conversam sobre
o momento, cúmplices: nós vimos isto, não é leitor?, vivemos isto, não é?,
sentimos isto, não é? O narrador da crônica procura sensibilidades irmãs.
Se é tão antiga e íntima, por que muitos leitores não aprenderam a chamá-la
pelo nome? É que ela tem muitas máscaras. Recorro a Eça de Queirós, mestre do
estilo antigo. Ela "não tem a voz grossa da política, nem a voz indolente do
poeta, nem a voz doutoral do crítico; tem uma pequena voz serena, leve e clara,
com que conta aos seus amigos tudo o que andou ouvindo, perguntando,
esmiuçando".
A crônica mudou, tudo muda. Como a própria sociedade que ela observa com
olhos atentos. Não é preciso comparar grandezas, botar Rubem Braga diante de
Machado de Assis. É mais exato apreciá-la desdobrando-se no tempo, como fez
Antonio Candido em "A vida ao rés-do-chão": "Creio que a fórmula moderna, na
qual entram um fato miúdo e um toque humorístico, com o seu quantum satis de
poesia, representa o amadurecimento e o encontro mais puro da crônica consigo
oficina de redação - 07
mesma". Ainda ele: "Em lugar de oferecer um cenário excelso, numa revoada de
adjetivos e períodos candentes, pega o miúdo e mostra nele uma grandeza, uma
beleza ou uma singularidade insuspeitadas".
Elementos que não funcionam na crônica: grandiloqüência, sectarismo,
enrolação, arrogância, prolixidade. Elementos que funcionam: humor, intimidade,
lirismo, surpresa, estilo, elegância, solidariedade.
Cronista mesmo não "se acha". As crônicas de Rubem Braga foram vistas pelo
sagaz professor Davi Arrigucci como "forma complexa e única de uma relação do
Eu com o mundo". Muito bem. Mas Rubem Braga não se achava o tal. Respondeu
assim a um jornalista que lhe havia perguntado o que é crônica:
– Se não é aguda, é crônica.
Se for pedido na forma narrativa siga o padrão de Fernando Sabino em “a
última crônica” (o qual o autor tem como tema, assunto e cenário: Amor
(cidade – bar). Situação do cotidiano retratado: Pai e mãe comemoram
aniversário da filha no bar. Tom do texto e foco narrativo: Lírico (autor-
personagem).
Fernando Sabino - A última crônica
"A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto
ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me
assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta
busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas
recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da
convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao
episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer
nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples
espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a
cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança:
"assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto.
Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem
uma crônica.
Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das
últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da
humilade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença
de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido
pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas
ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que
compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da
sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.
Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente
retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta
no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando
08 - allencar rodriguez
imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este
ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A
mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua
presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem
atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho - um
bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular. A negrinha,
contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o
garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai,
mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na
bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma
caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um
animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.
São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na
fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as
velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e
sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas,
muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos:
"Parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a
guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos
sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura -
ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O
pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do
sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se
encontram, ele se perturba, constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas
acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso. assim eu quereria minha
última crônica: que fosse pura como esse sorriso”.
VEJA AGORA EXEMPLOS DE TOM LÍRICO DE ACORDO COM A ESTRUTURA
DA REDAÇÃO DO VESTIBULAR DA UNICAP
(aproximadamente 25 linhas) – tema desigualdade social
Desigualdade da fome
A noite começa a cair. Começa a esfriar e ao sair do trabalho resolvo ir jantar. Ao
chegar ao restaurante, logo peço ao garçom uma mesa para um. Ele pede para eu
segui-lo. Acomodo-me em numa mesa próxima á uma janela. Está um clima
aconchegante dentro do restaurante. O clima frio ficou do lado de fora. Com os olhos
de uma criança que observa a vitrine de uma loja de doces e com a fome de alguém
que poderia comer uma vaca inteira, dinheiro para isso não falta, olho o cardápio e não
demoro a escolher o que procurava. Ergo a minha mão e imediatamente chega o
garçom que anota o meu pedido.
Enquanto espero observo pela janela o ambiente fora do restaurante. Minha visão se
perde no peso de meus pensamentos. Penso muito no carro que vou trocar no final do
ano. Na reforma do meu apartamento na praia. Na compra de um terreno nas
montanhas e em outros frutos do consumismo. De repente um vulto chama minha
oficina de redação - 09
atenção. Coberto por trapos e fuçando alguns sacos um espectro se confunde com o
ambiente. Então percebo que é um garoto que mais parece um cachorro fuçando lixo
em busca de comida. De surpresa seus olhos cruzam com os meus. Olhos murchos,
miúdos e cansados de fome. Existe um instante de excitação. Então o pequeno vulto
some na escuridão da noite.
Volto ao mundo real ao som do garçom distribuindo meu pedido sobre a mesa. Num
canto um suculento filé mignon ao molho madeira, num outro uma salada mista
coberta de tomates secos com caldo de manga. O vinho do porto derramado no copo
pelo garçom parecia o sangue da vida que nos move em direção ao nosso destino.
Por alguns instantes fixo meus olhos na abundância daquela refeição. Meus olhos
pareciam os mesmos daquela criança que escondeu sua fome na escuridão da noite.
Nesse momento minha fome sumiu junto com o pequeno vulto esfarrapado que
caminha por um mundo desigual o qual dele ninguém sabe ninguém viu.
André Lucas
O menino selvagem
Era mais uma comum tarde de domingo na rotina de minha vida. Na mesa de um bar
lá estava eu introvertido e com os olhos perdidos nos meus pensamentos. Minha família
não existia mais. Minha esposa me largara no mês passado. Meus amigos se tornaram
raros. A bebida saciava minha sede de aconchego e sentido. Eu estava sozinho no meio
da multidão. Cheguei ao ponto que eu não agüentava a mim mesmo.
De repente uma imagem quebra meus olhos envidraçados de dor. Surge a minha
frente um garoto maltrapilho, sujo e com ar desespero. Eu me sentia tão frio que não
senti pena do garoto. Ele perambulava de uma mesa a outra dentro do bar.
Alimentava-se de restos deixados nos pratos como um cão de rua que se alimenta de
migalhas. Esse ato se contrapõe com de outras crianças alegres comemorando a
futilidade de suas vidas em consumo, festas, passeios e diversões. O bar estava lotado,
porém ninguém parecia notá-lo. Então, assistindo aquele cenário por um momento em
envergonhei e um sentimento de culpa tomou meu coração, antes gelado. E, meu
ponto de vista mudou.
Na minha frente não estava mais um garoto maltrapilho, sujo e com ar desesperado.
Havia diante de mim um nobre selvagem em busca de sua sobrevivência. Num gesto
de surpresa o garoto aproximou-se mim, estendeu as duas mãos em minha direção
sem dizer uma palavra. Naquele momento eu já não estava sozinho no meio da
multidão.
Lucas do Amaral Colombo
No engarrafamento da vida
Era meio dia em São Paulo. A cidade suava em busca de sua riqueza diária. O asfalto
cozinha o trânsito pesado das avenidas e das marginais. Como combinado com minha
mulher eu buscaria meus filhos na escola naquele dia e os levaria para o curso de
Inglês. Depois de algum almoço rápido em algum “fast food”.
10 - allencar rodriguez
No tráfego intenso e arrastado, o ar condicionado de meu veículo aliviava meu
sofrimento de calor num dia de novembro. Porém, a comodidade do ar consumia parte
do meu orçamento. Pensando em meu destino e nos meus custos de repente o
transitou travou.
Por alguns minutos o congestionamento se eternizou. No conforto do ar fresco e das
músicas do som importado de meu carro me faziam sonhar com o fim de semana na
minha casa da praia. De repente, como se estive num estágio de inconsciência, me vi
num contexto de observação dos ambulantes que margeavam a longa avenida
tentando honestamente ganhar um pouco de sustento e dignidade para os membros de
suas famílias. Famílias separadas da minha num sentido de desigualdade social.
Naquele universo de pessoas maltratadas, carentes de sorrisos e deprivadas de
sonhos, um garoto me chamou a atenção. Ela tinha aproximadamente uns 10 anos,
estava descalço e carregava uma caixa de isopor sobre a cabeça. Parecia pesada pela
dificuldade que o garoto tinha em sustentá-la. O garoto caminhava em minha direção.
Seu movimento titubeante pulverizou meus sentimentos de custo, de almoço e viagem
no final de semana.
Eu gostaria de ignorar aquele momento. Não consegui. O menino tinha a mesma
idade de meu filho mais velho que estava na escola preocupado com sua tarde de
estudos. Além dos jogos on-line, filmes e músicas que preencheriam sua tarde
enquanto aquele enfrentava naquele movimento sua infância perdida.
O garoto estava vendendo garrafas de água. Abri a janela do carro e comprei 4
unidades. Uma para mim e outras três para quem não projetaria naqueles frascos o
luxo que os cercava.
O menino, simplesmente, agradeceu e foi embora. Desliguei o rádio, o ar
condicionado, deixei a janela aberta e com peso na alma desviei do trânsito pesado no
primeiro viaduto e segui meu destino. Um pouco triste, um pouco cansado, muito
chateado.
Augusto Bortoluci
Ou ainda se for pedido a construção de uma crônica em tom de humor siga o
padrão de Moacyr Scliar em “cobrança” (o qual o autor tem como tema,
assunto e cenário: dívidas e como são cobradas (cidade – casa com janela para
a rua). Situação do cotidiano retratado: Um cobrador (o marido) cobra
publicamente a devedora (a esposa). Tom do texto e foco narrativo:
Humorístico (autor-observador).
Moacyr Scliar - Cobrança
Ela abriu a janela e ali estava ele, diante da casa, caminhando de um lado para
outro. Carregava um cartaz, cujos dizeres atraíam a atenção dos passantes:
"Aqui mora uma devedora inadimplente".
Partilha fatos cotidianos com seu leitor, dando singularidade a eles.
oficina de redação - 11
― Você não pode fazer isso comigo ― protestou ela.
― Claro que posso ― replicou ele. ― Você comprou, não pagou. Você é uma
devedora inadimplente. E eu sou cobrador. Por diversas vezes tentei lhe cobrar,
você não pagou.
― Não paguei porque não tenho dinheiro. Esta crise...
― Já sei ― ironizou ele. ― Você vai me dizer que por causa daquele ataque lá em
Nova York seus negócios ficaram prejudicados. Problema seu, ouviu? Problema
seu. Meu problema é lhe cobrar. E é o que estou fazendo.
― Mas você podia fazer isso de uma forma mais discreta...
― Negativo. Já usei todas as formas discretas que podia. Falei com você,
expliquei, avisei. Nada. Você fazia de conta que nada tinha a ver com o assunto.
Minha paciência foi se esgotando, até que não me restou outro recurso: vou ficar
aqui, carregando este cartaz, até você saldar sua dívida.
Neste momento começou a chuviscar.
― Você vai se molhar ― advertiu ela. ― Vai acabar focando doente.
Ele riu, amargo:
― E daí? Se você está preocupada com minha saúde, pague o que deve.
― Posso lhe dar um guarda-chuva...
― Não quero. Tenho de carregar o cartaz, não um guarda-chuva.
Ela agora estava irritada:
― Acabe com isso, Aristides, e venha para dentro. Afinal, você é meu marido,
você mora aqui.
― Sou seu marido ― retrucou ele ― e você é minha mulher, mas eu sou
cobrador profissional e você é devedora. Eu a avisei: não compre essa geladeira,
eu não ganho o suficiente para pagar as prestações. Mas não, você não me
ouviu. E agora o pessoal lá da empresa de cobrança quer o dinheiro. O que quer
você que eu faça? Que perca meu emprego? De jeito nenhum. Vou ficar aqui até
você cumprir sua obrigação.
Chovia mais forte, agora. Borrada, a inscrição tornara-se ilegível. A ele, isso
pouco importava: continuava andando de um lado para outro, diante da casa,
carregando o seu cartaz.
Traz aspectos de oralidade para a escrita: expressão de conversa
familiar e íntima, repetições e o pronome “você”.
Emprega verbos flexionados na primeira e Terceira pessoas.
Vale-se de discurso direto no diálogo. Verbos de dizer.
12 - allencar Rodriguez
Análise:
Sobre “Cobrança”
Observe que o cronista escreve num tom jocoso. Como narrador, não faz
rodeios; logo no título vai direto ao tema: trata-se de uma cobrança.
No primeiro parágrafo, de forma também concisa e direta, introduz as
personagens: cobrador e devedora inadimplente. Não as caracteriza, não diz
nada a respeito delas. Indica algumas ações e onde elas ocorrem – o essencial
para que o leitor visualize a cena. Ele também estabelece um diálogo entre
ambas, explicitando ligeiramente a situação.
Em seguida o cronista introduz um elemento surpresa: o leitor, agora, já não
está na frente de um cobrador, mas de um marido cobrador, o Aristides. A
mulher, que não ganha um nome, já não é uma mulher qualquer, mas a mulher
do cobrador! Essa revelação altera as previsões do leitor e, por isso mesmo, o
surpreende; o leitor está perante uma situação aparentemente inusitada. Isso o
obriga a mudar o curso de seu pensamento.
Utilizando-se do recurso do desdobramento dos papéis (marido/mulher;
cobrador/devedora), o cronista surpreende o leitor e o conduz à reflexão
esperada, ou seja, o cronista viabiliza uma reflexão quando apresenta ao leitor os
diferentes papéis que o sujeito social exerce, que muitas vezes são conflitantes.
Com isso, o inédito da situação fica mais acentuado e a narrativa pode continuar,
agora enriquecida de um novo aspecto.
Neste momento, entra com maior força o cotidiano – elemento tão
fundamental e caracterizador do gênero. O autor do texto apresenta ao leitor o
cerne da questão que a crônica aborda: mulher gastadeira, marido que adverte,
mulher que não liga para a advertência e as possíveis conseqüências disso.
Quantos dos leitores não ouviram falar disso ou mesmo já não viveram situação
parecida? O diálogo é pontuado por um narrador lacônico que constrói a cena e
indica o essencial do estado psicológico da personagem, por exemplo, irritada.
Ele interrompe duas vezes o diálogo somente para indicar dados essenciais para
que o leitor visualize a cena e compreenda a história, e fecha o texto,
concisamente, no último parágrafo, retomando o texto inicial.
Assim, essa crônica, como muitas outras, refere-se a um tipo de
comportamento humano, um comportamento atemporal, o que, por um lado,
facilita a identificação do leitor e, por outro, estabelece a atualidade do assunto.
Além disso, o cronista a escreve com recursos bastante interessantes, de forma
que a crônica deixa de ser “descartável”, adquirindo um sabor literário.
oficina de redação - 13
Vejamos agora uma crônica em tom irônico
Se for pedido a construção de uma crônica em tom de ironia siga o padrão de
Machado de Assis em “um caso de burro” (o qual o autor tem como tema,
assunto e cenário: Reflexões sobre a submissão humana (cidade – rua).
Situação do cotidiano retratado: Um burro deitado na calçada, agonizante.
Tom do texto e foco narrativo: Irônico (autor-personagem).
Machado de Assis – Um caso de burro
Quinta-feira à tarde, pouco mais de três horas, vi uma coisa tão interessante,
que determinei logo de começar por ela esta crônica. Agora, porém, no momento
de pegar na pena, receio achar no leitor menor gosto que eu para um espetáculo,
que lhe parecerá vulgar, e porventura torpe. Releve a importância; os gostos não
são iguais.
Entre a grade do jardim da Praça Quinze de Novembro e o lugar onde era o
antigo passadiço, ao pé dos trilhos de bondes, estava um burro deitado. O lugar
não era próprio para remanso de burros, donde concluí que não estaria deitado,
mas caído. Instantes depois, vimos (eu ia com um amigo), vimos o burro
levantar a cabeça e meio corpo. Os ossos furavam-lhe a pele, os olhos meio
mortos fechavam-se de quando em quando. O infeliz cabeceava, mais tão
frouxamente que parecia estar próximo do fim.
Diante do animal havia algum capim espalhado e uma lata com água. Logo,
não foi abandonado inteiramente; alguma piedade houve no dono ou quem quer
que é que o deixou na praça, com essa última refeição à vista. Não foi pequena
ação. Se o autor dela é homem que leia crônicas, e acaso ler esta, receba daqui
um aperto de mão. O burro não comeu do capim, nem bebeu da água; estava já
para outros capins e outras águas, em campos mais largos e eternos.
Meia dúzia de curiosos tinham parado ao pé do animal. Um deles, menino de
dez anos, empunhava uma vara, e se não sentia o desejo de dar com ela na anca
do burro para esperta-lo, então eu não sei conhecer meninos, porque ele não
estava do lado do pescoço, mas justamente do lado da anca. Diga-se a verdade;
não o fez - ao menos enquanto ali estive, que foram poucos minutos. Esses
poucos minutos, porém, valeram por uma hora ou duas. Se há justiça na Terra
valerão por um século, tal foi a descoberta que me pareceu fazer, e aqui deixo
recomendada aos estudiosos.
O que me pareceu, é que o burro fazia exame de consciência. Indiferente aos
curiosos, como ao capim e à água, tinha no olhar a expressão dos meditativos.
Era um trabalho interior e profundo. Este remoque popular: por pensar morreu
um burro mostra que o fenômeno foi mau entendido dos que a princípio o viram;
o pensamento não é a causa da morte, a morte é que o torna necessário. Quanto
14 - allencar Rodriguez
à matéria do pensamento, não há dúvidas que é o exame da consciência. Agora,
qual foi o exame da consciência daquele burro, é o que presumo ter lido no
escasso tempo que ali gastei. Sou outro Champollion, porventura maior; não
decifrei palavras escritas, mas idéias íntimas de criatura que não podia exprimi-
las verbalmente.
E diria o burro consigo:
“Por mais que vasculhe a consciência , não acho pecado que mereça remorso.
Não furtei, não menti, não matei, não caluniei, não ofendi nenhuma pessoa. Em
toda a minha vida, se dei três coices, foi o mais, isso mesmo antes haver
aprendido maneiras de cidade e de saber o destino do verdadeiro burro, que é
apanhar e calar. Quando ao zurro, usei dele como linguagem. Ultimamente é que
percebi que me não entendiam, e continuei a zurrar por ser costume velho, não
com idéia de agravar ninguém. Nunca dei com homem no chão. Quando passei
do tílburi ao bonde, houve algumas vezes homem moto ou pisado na rua, mas a
prova de que a culpa não era minha, é que nunca segui o cocheiro na fuga;
deixava-me estar aguardando autoridade.”
“Passando à ordem mais elevada de ações, não acho em mim a menor
lembrança de haver pensado sequer na perturbação da paz pública. Além de ser
a minha índole contrária a arruaças, a própria reflexão me diz que, não havendo
nenhuma revolução declarado os direitos do burro, tais direito não existem.
Nenhum golpe de estado foi dado em favor dele; nenhuma coroa os obrigou.
Monarquia democracia, oligarquia, nenhuma forma de governo, teve em conta os
interesses da minha espécie. Qualquer que seja o regímen, ronca o pau. O pau é
a minha instituição um pouco temperada pela teima que é, em resumo, o meu
único defeito. Quando não teimava, mordia o freio dando assim um bonito
exemplo de submissão e conformidade. Nunca perguntei por sóis nem chuvas;
bastava sentir o freguês no tílburi ou o apito do bonde, para sair logo. Até aqui
os males que não fiz; vejamos os bens que pratiquei.”
“A mais de uma aventura amorosa terei servido, levando depressa o tílburi e o
namorado à casa da namorada - ou simplesmente empacando em lugar onde o
moço que ia no bonde podia mirar a moça que estava na janela. Não poucos
devedores terei conduzido para longe de um credor importuno. Ensinei filosofia a
muita gente, esta filosofia que consiste na gravidade do porte e na quietação dos
sentidos. Quando algum homem, desses que chamam patuscos, queria fazer rir
os amigos, fui sempre em auxílio deles, deixando que me dessem tapas e
punhadas na cara. Em fim...”
Não percebi o resto, e fui andando, não menos alvoroçado que pesaroso.
Contente da descoberta, não podia furtar-me à tristeza de ver que um burro tão
bom pensador ia morrer. A consideração, porém, de que todos os burros devem
ter os mesmos dotes principais, fez-me ver que os que ficavam, não seriam
oficina de redação – 15
menos exemplares do que esse. Por que se não investigará mais profundamente
o moral do burro? Da abelha já se escreveu que é superior ao homem, e da
formiga também, coletivamente falando, isto é, que as suas instituições políticas
são superiores às nossas, mais racionais. Por que não sucederá o mesmo ao
burro, que é maior?
Sexta-feira, passando pela Praça Quinze de Novembro, achei o animal já
morto.
Dois meninos, parados, contemplavam o cadáver, espetáculo repugnante; mas
a infância, como a ciência, é curiosa sem asco. De tarde já não havia cadáver
nem nada. Assim passam os trabalhos deste mundo. Sem exagerar o mérito do
finado, força é dizer que, se ele não inventou a pólvora, também não inventou a
dinamite. Já é alguma coisa neste final de século. Requiescat in pace.
www.eeagorajose.kit.net/estilos/croassisburro.htm
Análise:
Sobre “Um caso de burro”
Machado inicia o texto mostrando aos leitores seu ponto de partida para esse
texto e nomeia como crônica aquilo que escreve. Dirige-se explicitamente ao
leitor, indicando que conversa com ele. Esse preâmbulo leva o leitor a se sentir
considerado e, por isso mesmo, a aceitar o convite para ler a crônica.
Logo no parágrafo seguinte o autor conta quem é a personagem central, um
burro como tantos outros. Apresenta também o conflito que move a narrativa:
uma cena de quase morte. Mas observe como ele apresenta tudo isso: diz que ali
não seria um lugar para descanso, indicando certa recriminação: “O que faz esse
burro aqui?”. Ele, no entanto, não faz a recriminação explicitamente. A
recriminação implícita introduz um tom levemente irônico ao texto.
“O burro não comeu do capim, nem bebeu da água; estava já para outros
capins e outras águas, em campos mais largos e eternos.” Essa frase acentua o
tom irônico do texto, jogando com a oposição entre elogio e recriminação.
Precede o elogio com uma frase em que aparecem palavras recriminatórias: diz
que o burro “não foi abandonado inteiramente”, isto é, foi abandonado, ainda
que não de todo; emprega
“alguma piedade” para dizer da quase ausência desse sentimento. Além desse
jogo, usa eufemismos para falar da morte: “em campos largos e eternos”,
reforçando o tom irônico.
O tom irônico continua quando aponta para aquilo que o menino faria, mas não
fez (enquanto o cronista estava presente; nada garanteque não tenha feito
depois), e quando exagera o valor da descoberta: poucos minutos valeram uma,
duas horas, um século! E, mais que isso, a experiência vivida foi
16 - allencar rodriguez
exageradamente importante, o que vale como matéria de reflexão para os
sábios! Como se vê, o exagero também é um recurso para a construção da
ironia.
O burro é o símbolo da ignorância, daí o inédito (irônico) de estar meditando.
Essa situação servirá para que o cronista/narrador faça uma reflexão. Começa
comparando-se com Champollion (o sábio francês que decifrou a escrita egípcia),
exagerando sua própria importância: decifrará os últimos pensamentos do burro
– que só medita porque está morrendo, não o fazendo enquanto viveu. E quando
usa o ditado popular “de pensar morreu um burro” leva o leitor a aproximar-se
de certo tipo humano.
E para confirmar essa aproximação Machado prossegue a narrativa, dando voz
ao próprio burro, que fala de si como se fosse homem. “Por mais que vasculhe a
consciência, não acho pecado que mereça remorso...”
A metáfora do burro vai se delineando: diz respeito a um tipo humano, que se
ajusta, aceita o destino, pensa de maneira simplista e moralista. Ao continuar a
confissão, o animal prossegue indicando as ações que o aproximam de muitos
humanos. A transposição de elementos da esfera do humano para a do animal
irracional é um recurso de distanciamento usado pelo autor, que leva o leitor a
perceber melhor a crítica feita ao tipo de humano que valoriza a submissão e a
conformidade. A crítica do autor a esse tipo de vida se evidencia ainda mais na
filosofia expressa pelo burro, a única que ele pode ensinar: a valorização do
porte grave e do controle dos sentidos, ou seja, sua filosofia tem a profundidade
das aparências.
Depois da confissão do burro, o cronista começa a se despedir do leitor. “Não
percebi o resto, e fui andando...” Continua seu caminho, abandonando o bicho à
sua sorte, mas ainda ironizando: diz-se triste ao ver morrer tão bom pensador,
mas isso é um pretenso elogio, pois até então não fez mais que depreciar o modo
de vida do animal. Nota-se o tom de lástima assumido pelo cronista quando
considera que outros burros continuariam a viver.
Ao final do parágrafo, apresenta sua grande pergunta, aquela que foi delineada
no início da crônica: por que não se investigar o moral do burro? Fica implícita
uma exagerada e, por isso, falsa convocação: “Sábios, estudem o moral do
bicho!”.
Na sexta-feira, ao passar pelo mesmo local, o cronista encontrou o animal já
morto. A marcação do tempo cotidiano define o gênero da narrativa, a crônica. O
narrador deixa claro que seu texto foi escrito com base na observação dos
lugares que se percorre cotidianamente, os lugares familiares que se
transformam conforme o momento: na quinta à tarde o burro agoniza; na sexta
pela manhã está morto; na sexta à tarde, nem cadáver havia. Eis aqui o material
da crônica.
oficina de redação – 17
O autor finaliza a crônica retomando sua reflexão a respeito da natureza do
animal: nem inventou a pólvora, nem seu sucedâneo mais terrível na época, a
dinamite, e o despacha: que descanse em paz!
Para produzir uma crônica siga as orientações abaixo:Lembre-se, os temas
geralmente são ligados a questões éticas, de relacionamento humano, de
relações entre grupos econômicos, sociais e políticos. Como também o texto é
curto que narra episódios corriqueiros e às vezes banais.
a) Dentro do propósito da redação identifique a idéia central do enredo que deve
ser seguido no contexto da sensibilidade. Isto é, se o enredo deve ter um teor de
entusiasmo, horror, desânimo, indignação, felicidade, compaixão, etc. isso pode
ajudá-lo a escrever a crônica com maior facilidade buscando corretamente o tom
(se não for pedido) da crônica (humorística, irônica, lírica, crítica).
b) Formule algumas opiniões sobre o fato no tom da crônica que sera elaborada.
c) Use figura de linguagem como recursos para realçar uma idéia como:
metáfora, comparação, catacrese, prosopopéia (presentes no capítulo IX –
página 74) e:
Hipérbole: É o emprego da expressão intencionalmente exagerada: (Gastamos
rios de dinheiro – Quase morri de tanto rir. – Os cavalos não corriam, voavam.)
Antítese: É o realce do pensamento pelo emprego de palavras ou expresses de
sentido oposto, estabelecendo o contraste: (Toda vida se tece de mil mortes -
Vivo só na multidão – “A areia, alva, está agora preta de pés que sa pisam” –
Jorge Amado).
Ironia: Quando dizemos o que pensamos pelo contexto de algo contrário ao que
pensamos, geralmente com intenção sarcastica: (“Parece uma santinha digna de
altar” – Fizeste um excelente service (par dizer: um service péssimo) –
“A excelente D. Inácia era mestra na arte de judirar de crianças”. – Monteiro
Lobato).
Eufemismo: Consiste em evitarmos as expresses desagradáveis, chocantes,
impróprias, utilizando expresses mais delicadas, amenas ou mais polidas:(Aquele
cidadão, quando estava no poder, não respeitou os bens públicos (em lugar de,
“foi uma ladrão dos bens públicos” – Mal de Hansen, “em lugar de lepra” – Você
está com as faculdades mentais abaladas).
Metonímia: É a substituição de um termo por outro, havendo entre ambos
estreita afinidade ou relação de sentido. Na metonímia, em vez de dizermos uma
coisa, mencionamos outra que passa a significar a primeira, uma vez que entre
ambas existe a proximidadde ou a vizinhança. Ocorre a motonímia quando se
emprega:
18 - allencar rodriguez
a) O conteúdo pelo continente e vice-versa: (Ingerir um vidro de vermífugo –
Beber uma taça de champanha).
b) A causa pelo efeito e vice-versa: (O sol está violento – Vivo do meu
trabalho).
c) O autor pela obra: (Gosto de ler Allencar).
d) O lugar pelo produto do lugar: (Fumei um Havana – No verão usaremos um
Panamá).
e) O símbolo pela coisa significa: (Não te afastes da cruz!)
f) O concreto pelo abstrato e vice-versa: (A realeza perdeu o prestígio – (os
reis) – Não há respeito à velhice – (aos velhos).
g) O instrument pela pessoa que o utilize: (As espadas apossaram-se do forte).
d) Lembre-se você tem dois instrumentos básicos para elaborar sua crônica: o
olhar e a linguagem. Com o olhar você reconhece o acontecimento, isto é, o
momento que merece ser preservado e com a linguagem, você retrata a
situação, e as figuras de linguagem o ajudam a enfatizar as suas idéias.
Ivan Ângelo - Considerações em torno das aves-balas
Balas perdidas transformam-se em notícia por todo o país.
Desde que isso começou - não faz muito tempo, nem pouco - mais de uma
centena de pessoas foram atingidas só na cidade do Rio de Janeiro. Em São
Paulo não se conta, ou perde-se a conta. Em Belo Horizonte, elas sinistramente
trabalham em silêncio. Em Salvador são abafadas pelo baticum dos tambores.
Sem nenhum bairrismo elas voam geral, irrompem num circo, num ônibus, numa
janela de sala de estar, numa padaria, em muitas escolas, numa praça, num
banco, numa rua e se alojam num corpo. Aí se livram da sua característica
principal - a de perdidas - e se acham, são achadas.
Por que se diz perdida? Perdida é a bala que não se encontra nunca, são as
que voam até perder a força e tombam, exaustas e sem glórias de Jornal
Nacional, num mato qualquer.
A bala perdida: quem a perdeu? A linguagem tem sempre uma lógica. Quem
perdeu a bala perdida? O atirador? Pior para quem a achou.
Uma pessoa quando perdida, não tem rumo. Se diz: desorientada. Uma bala
não. A bala perdida segue reta e veloz como quem sabe aonde vai. Igualzinho às
outras, suas irmãs, que levam endereço certo.
Perdida, então quer dizer o quê? Desperdiçada? A linguagem nem sempre tem
lógica. Quem perdeu a bala perdida? O atirador? Pior para quem achou.
oficina de redação – 19
Quando acha um corpo a bala pode ainda se chamar perdida? A que acha,
mesmo não sendo aquele corpo que buscava, será menos desperdiçada do que
as outras, que esbarram em uma simples parede?
Ninguém procura balas perdidas. Nem quem as perdeu, nem quem as
encontrou, sem querer. São indesejadas, e quanto mais o sejam, mais ansiosas
parecem por alojar-se. Essas balas voadoras, libertas da sua casca, só são
realmente perdidas se ninguém nunca mais as viu. Então são também inúteis,
pois isso é a negação da sua essência mortal.
Uma bala, quando útil, fere, mata. É criadora: cria órfãos, viúvas, pais
inconsoláveis. Quem a dispara sabe disso. Quem fabrica e vende sabe disso.
Quem recolhe impostos sobre ela sabe muito bem. Porque ela não serve para
mais nada, para isso foi feita.
Seria próprio chamar de desaparecidas essas inúteis? No país das balas
perdidas, perdem-se também crianças, chamadas desaparecidas. Mas esta já é
outra história.
Não, a essas balas não se poderia chamar de desaparecidas porque ninguém
sabia delas antes de se libertarem de sua casca, ainda pacíficas, guardando para
si sua capacidade voadora e mortal. Só depois que explodem é que voam, e
então se perdem ou não.
O poeta João Cabral de Melo Neto deu um lindo nome a essas balas sem dono:
ave-bala. No poema "Morte e vida Severina", o retirante pergunta aos que levam
um defunto: "Quem contra ele soltou / essa ave-bala". E a resposta: "Ali é difícil
dizer / Irmão das almas, / Sempre há uma bala voando / desocupada".
Éramos um povo acostumado à arma branca, à peixeira, ao punhal, ao facão;
herdamos a tradição ibérica de sangrar, cortar o pescoço, capar. Meninos já
tinham seu canivete de ponta. Malandros riscavam o ar com navalhas. Mulheres
da vida brandiam giletes. Numa arruaça, quem metia a mão numa cara, dava
rasteiras. Em algum momento o "te meto a faca" virou "te meto a bala", aquele
"te meto a mão na cara" virou "te meto uma bala na cara". Começaram a voar as
aves-balas.
O que aconteceu no meio? Talvez o cinema, o faroeste, os gangsters, a TV,
guerras sujas, guerrilhas, terrorismo, drogas proibidas. Nasceu o culto da
pontaria certeira. Billy the Kid, John Wayne, Randolph Scott, Frank e Jesse
James, Schwarzenegger, Stalone, Matrix. "No século do progresso / o revólver
teve ingresso / pra acabar com a valentia" - cantou Noel Rosa nos anos 1930.
Surgiu outro tipo de valente, o que fica atrás do revólver. Não é preciso arriscar-
se, chegar perto para ferir. "Mais garantido é de bala / Mais longe fere", diz o
poeta João Cabral. Ninguém pense que a influência estrangeira é justificativa.
Não, não importamos a violência, ela é mais nossa que o petróleo. Importamos
foi a cultura da arma de fogo.
20 - allencar rodriguez
No país das balas perdidas, perdem-se também crianças, nem sempre
desaparecidas. Muitas delas, talvez a maioria, vão mais tarde brincar por aí de
soltar aves-balas, nem sempre perdidas.
COMO PRÁTICA TENTE CLASSIFICAR A CRÔNICA ACIMA DE IVAN
ÂNGELO
Tema, assunto e cenário:
Situação do cotidiano retratado:
Tom do texto e foco narrativo:

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O amor que acaba e recomeça

  • 1. BY ALLENCAR RODRIGUEZ WWW.AVALLONCURSOS.BLOGSPOT.COM WWW.KATCAVERNUM.COM.BR WWW.TWITTER.COM/KATCAVERNUM ACQUIRESKILLS@IG.COM.BR A característica mais relevante de uma crônica é o objetivo com que ela é escrita. Seu eixo temático é sempre em torno de uma realidade social, política ou cultural. Sua linguagem tem quase um tom de protesto ou de argumentação com uma dose de lirismo, leveza, uso do humor, brevidade e sensibilidade. Desta forma os escritores desse gênero textual usam esses recursos lingüísticos na construção do humor, da ironia, do lirismo ou da crítica para contextualizar um acontecimento do dia a dia, expressar idéias, sentimentos, emocionar, rir, provocar reflexões e conversar com o leitor por meio de sua escrita. Elementos que não funcionam na crônica: grandiloqüência, sectarismo, enrolação, arrogância, prolixidade. Elementos que funcionam: humor, intimidade, lirismo, surpresa, estilo, elegância, solidariedade. (Ivan Ângelo). Podemos identificar duas maneiras de se produzir uma crônica: a primeira é a narrativa (que pode ser em forma de conto), que conta um fato do cotidiano, utilizando-se de personagens, enredo, espaço, tempo, etc. A outra maneira é a crônica dos textos jornalísticos, é uma forma mais moderna do gênero, e ao contrário da outra não narra e sim disserta, defende ou mostra um ponto de vista diferente do que a maioria enxerga. Alem disso, por ser um gênero textual muito flexível pode se expressar ainda como uma poesia ou um ensaio, sem se confundir com nenhum deles, como diz Ivan Ângelo na crônica intitulada “sobre a crônica” que diz: “Uma leitora se refere aos textos aqui publicados como “reportagens”. Um leitor os chama de “artigos”. Um estudante fala deles como “contos”. Há os que dizem: “seus comentários”. Outros os chamam de “críticas”. Para alguns, é “sua coluna”.
  • 2. 02 - allencar rodriguez Estão errados? Tecnicamente, sim – são crônicas -, mas... Fernando Sabino, vacilando diante do campo aberto, escreveu que “crônica é tudo que o autor chama de crônica.” (...) Mas Rubem Braga ... Respondeu assim a um jornalista que lhe havia perguntado o que é crônica: - Se não é aguda, é crônica.” (Extraído de www.quemtemsedevenha.com.br/cronica e contos.htm – acesso em 27/02/2010) Por isso, a crônica é uma escrita tão suave que mais parece uma conversa entre os interlocutores cronista e leitor onde o escritor busca emocionar e envolver seu leitor num contexto de reflexão sobre um assunto de realidade social e factual. Para isso ele faz uso dos tons de protesto ou de argumentação, mas sempre com uma dose, ora poético, ora filosófico, ora humorístico, satírico ou irônico. Desta forma, se o propósito da redação para a produção escrita de uma crônica for pedido para usar o tom da poesia, o vestibulando deve produzir uma prosa poética como Paulo Mendes Campos em “o amor acaba” (o qual o autor tem como tema, assunto e cenário: a fugacidade/eternidade do amor – em muitos lugares da cidade. Situação do cotidiano retratado: o amor acaba para recomeçar sempre, em todos os lugares. Tom do texto e foco narrativo: Prosa poética, em tom existencial – auto-observador). Paulo Mendes Campos- o amor acaba O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de
  • 3. oficina de redação - 03 duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba. Análise: Sobre “O amor acaba” A crônica, escrita em um único parágrafo e em prosa poética, parte de uma ideia central: o amor acaba para recomeçar sempre. O amor acaba em qualquer lugar – em um bar, em um apartamento, em uma encruzilhada de uma cidade. Acaba em qualquer tempo – um dia da semana, em qualquer das diferentes estações do ano, antes de, depois de. Acaba de diferentes modos (de repente, mecanicamente), em diferentes ações (um desenlaçar, em um passar por) e por diferentes motivos (a perda de um filho, a rotina, na ausência do desejo). A repetição variada da frase “o amor acaba” imprime um ritmo poético ao texto: o amor acaba no; acaba de repente; às vezes o amor acaba...; acaba quando...; o amor pode acabar... e acaba o amor. Algumas vezes, o amor não começa; em outras, se dissolve ou vira pó; e em outras, ainda, seria melhor não ter existido. O poético emana da repetição de sentenças afirmativas durante todo o texto: “domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar” ou “no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor”, ou “às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as
  • 4. 04 - allencar rodriguez mulheres”. E também das imagens construídas pelo autor: “como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão”, ou: “às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo”. Procede ainda das palavras escolhidas com esmero, distintas daquelas que usamos no dia a dia: “polvilhando de cinzas o escarlate das unhas”, ou: “no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores”. E o poético jorrar de sentimentos em um só parágrafo! Da afirmação final ressurge o amor apontando o novo ciclo da vida: “para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba”. VEJA AGORA EXEMPLOS DE PROSA POÉTICA DE ACORDO COM A ESTRUTURA DA REDAÇÃO DO VESTIBULAR DA UNICAP (aproximadamente 25 linhas) – tema desigualdade social Prosa poética Libertas que será tamen É notório ver pessoas pedindo esmola nas artérias das grandes cidades, o olhar penoso de quem nunca desfrutou de uma boa refeição cuja veia quase não tem força de sustentar seu coração. O desenvolvimento sem o progresso. Inúmeros arranha-céus onde pessoas vivem suas vidas de inferno debaixo das marquises iluminadas com neon, inúmeras favelas iluminadas à luz de velas. Brasil desenvolvido economicamente, mas desigual socialmente. Ciclo vicioso cujo fim está longe de acontecer que perdura todo dia do amanhecer ao anoitecer. Tudo gira em torno de interesses políticos, ricos políticos que se sustentam na fome daquele que não tem estudo, trabalho e oportunidades. Buscando sua liberdade a pobreza está em todos os lugares, a cegueira social está em todos os lugares, os porcos políticos estão em todos os lugares, porém escondida está a educação de qualidade, acessível somente para uma parcela da população. O Brasil começará a mudar não como o poeta Patativa de Assaré dissera num de seus poemas, na inversão do Brasil de cima pelo Brasil de baixo, mas quando houver igualdade, liberdade e fraternidade por todo o território nacional. A falta de princípios morais agrava a situação de desigualdade. O descaso governamental é uma conseqüência disso. Claro! A ignorância rende votos. É cômodo dar esmolas mesmo que seja em bolsa transformada em sacolas nos programas governamentais e não dar educação para o pobre viver sem ração.
  • 5. oficina de redação - 05 Muito tempo já se passou desde a República Oligárquica, porém os políticos de hoje são verdadeiros coronéis. Uma verdade que poderia ser mentira. Prisão que encarcera o povo na ignorância, na mentira e na miséria. Bruna Ricci Vidas secas As vidas secas desse Brasil, as quais muitas são as Severinas, que vieram ou vivem nas terras ossudas nordestinas do João Cabral. Aquelas que se encontram sob o manto da repressão, as vidas que são secas de poder, secas de amor, de conhecimento, cultura e alimento. Aquele mesmo seco que molha a carne do carniceiro dono de extensas terras serve de comida do corvo e é enganado pelo poder público do presidente molusco. Mãos na lama, mãos na terra, mãos na morte, nos tijolos, na calçada, no sangue, mãos longe do dinheiro, da educação e da oportunidade. Dinheiro do sujo, que vai pro sujo, que está com o sujo, que veio do sujo, e que nunca vai pro limpo, que por ironia está no limbo escondidos nas cuecas e nas maletas da corrupção de políticos porcos que chafurdam no dinheiro sujo. Para as vidas secas desse meu Brasil, que não se limitam só pelo clima seco, ao contrário é belo e varonil, muitas vezes na sarjeta, dormem sob o clima frio da madrugada e também dormem para o congelamento da alma, alma que é dura como diamante, alma que de tanto batida, tornou-se impura aos olhos da desigualdade social. Enquanto alguns vivem no lago, essa é a vida da seca, amarga e cruel. Bem vindo à desigualdade social de um Brasil gigante pela própria natureza, desigual sem nenhuma beleza, regido pelo governo com destreza no sentido da incerteza se um sonho intenso de amor e de esperança a terra descerá. E que o formoso céu, risonho e límpido a imagem do cruzeiro, as vidas secas, um dia resplandecerá. Isadora Pavan. Se for pedido uma forma como o ensaio siga o padrão de Ivan Ângelo em “sobre a crônica” (o qual o autor tem como tema, assunto e cenário: reflexões filosóficas a respeito do que os leitores acham o que é crônica. Situação do cotidiano retratado: a interpretação que o leitor faz do que é um texto escrito. Tom do texto e foco narrativo: Ensaio (autor-argumentador), onde por meio de articulações argumentativas o autor defende sua idéia). Ivan Ângelo - Sobre a crônica Uma leitora se refere aos textos aqui publicados como "reportagens". Um leitor os chama de "artigos". Um estudante fala deles como "contos". Há os que dizem: "seus comentários". Outros os chamam de "críticas". Para alguns, é "sua coluna".
  • 6. 06 - allencar rodriguez Estão errados? Tecnicamente, sim – são crônicas –, mas... Fernando Sabino, vacilando diante do campo aberto, escreveu que "crônica é tudo que o autor chama de crônica". A dificuldade é que a crônica não é um formato, como o soneto, e muitos duvidam que seja um gênero literário, como o conto, a poesia lírica ou as meditações à maneira de Pascal. Leitores, indiferentes ao nome da rosa, dão à crônica prestígio, permanência e força. Mas vem cá: é literatura ou é jornalismo? Se o objetivo do autor é fazer literatura e ele sabe fazer... Há crônicas que são dissertações, como em Machado de Assis; outras são poemas em prosa, como em Paulo Mendes Campos; outras são pequenos contos, como em Nelson Rodrigues; ou casos, como os de Fernando Sabino; outras são evocações, como em Drummond e Rubem Braga; ou memórias e reflexões, como em tantos. A crônica tem a mobilidade de aparências e de discursos que a poesia tem – e facilidades que a melhor poesia não se permite. Está em toda a imprensa brasileira, de 150 anos para cá. O professor Antonio Candido observa: "Até se poderia dizer que sob vários aspectos é um gênero brasileiro, pela naturalidade com que se aclimatou aqui e pela originalidade com que aqui se desenvolveu". Alexandre Eulálio, um sábio, explicou essa origem estrangeira: "É nosso familiar essay, possui tradição de primeira ordem, cultivada desde o amanhecer do periodismo nacional pelos maiores poetas e prosistas da época". Veio, pois, de um tipo de texto comum na imprensa inglesa do século XIX, afável, pessoal, sem cerimônia e no entanto pertinente. Por que deu certo no Brasil? Mistérios do leitor. Talvez por ser a obra curta e o clima, quente. A crônica é frágil e íntima, uma relação pessoal. Como se fosse escrita para um leitor, como se só com ele o narrador pudesse se expor tanto. Conversam sobre o momento, cúmplices: nós vimos isto, não é leitor?, vivemos isto, não é?, sentimos isto, não é? O narrador da crônica procura sensibilidades irmãs. Se é tão antiga e íntima, por que muitos leitores não aprenderam a chamá-la pelo nome? É que ela tem muitas máscaras. Recorro a Eça de Queirós, mestre do estilo antigo. Ela "não tem a voz grossa da política, nem a voz indolente do poeta, nem a voz doutoral do crítico; tem uma pequena voz serena, leve e clara, com que conta aos seus amigos tudo o que andou ouvindo, perguntando, esmiuçando". A crônica mudou, tudo muda. Como a própria sociedade que ela observa com olhos atentos. Não é preciso comparar grandezas, botar Rubem Braga diante de Machado de Assis. É mais exato apreciá-la desdobrando-se no tempo, como fez Antonio Candido em "A vida ao rés-do-chão": "Creio que a fórmula moderna, na qual entram um fato miúdo e um toque humorístico, com o seu quantum satis de poesia, representa o amadurecimento e o encontro mais puro da crônica consigo
  • 7. oficina de redação - 07 mesma". Ainda ele: "Em lugar de oferecer um cenário excelso, numa revoada de adjetivos e períodos candentes, pega o miúdo e mostra nele uma grandeza, uma beleza ou uma singularidade insuspeitadas". Elementos que não funcionam na crônica: grandiloqüência, sectarismo, enrolação, arrogância, prolixidade. Elementos que funcionam: humor, intimidade, lirismo, surpresa, estilo, elegância, solidariedade. Cronista mesmo não "se acha". As crônicas de Rubem Braga foram vistas pelo sagaz professor Davi Arrigucci como "forma complexa e única de uma relação do Eu com o mundo". Muito bem. Mas Rubem Braga não se achava o tal. Respondeu assim a um jornalista que lhe havia perguntado o que é crônica: – Se não é aguda, é crônica. Se for pedido na forma narrativa siga o padrão de Fernando Sabino em “a última crônica” (o qual o autor tem como tema, assunto e cenário: Amor (cidade – bar). Situação do cotidiano retratado: Pai e mãe comemoram aniversário da filha no bar. Tom do texto e foco narrativo: Lírico (autor- personagem). Fernando Sabino - A última crônica "A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica. Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humilade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome. Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando
  • 8. 08 - allencar rodriguez imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho - um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular. A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim. São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "Parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura - ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso. assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso”. VEJA AGORA EXEMPLOS DE TOM LÍRICO DE ACORDO COM A ESTRUTURA DA REDAÇÃO DO VESTIBULAR DA UNICAP (aproximadamente 25 linhas) – tema desigualdade social Desigualdade da fome A noite começa a cair. Começa a esfriar e ao sair do trabalho resolvo ir jantar. Ao chegar ao restaurante, logo peço ao garçom uma mesa para um. Ele pede para eu segui-lo. Acomodo-me em numa mesa próxima á uma janela. Está um clima aconchegante dentro do restaurante. O clima frio ficou do lado de fora. Com os olhos de uma criança que observa a vitrine de uma loja de doces e com a fome de alguém que poderia comer uma vaca inteira, dinheiro para isso não falta, olho o cardápio e não demoro a escolher o que procurava. Ergo a minha mão e imediatamente chega o garçom que anota o meu pedido. Enquanto espero observo pela janela o ambiente fora do restaurante. Minha visão se perde no peso de meus pensamentos. Penso muito no carro que vou trocar no final do ano. Na reforma do meu apartamento na praia. Na compra de um terreno nas montanhas e em outros frutos do consumismo. De repente um vulto chama minha
  • 9. oficina de redação - 09 atenção. Coberto por trapos e fuçando alguns sacos um espectro se confunde com o ambiente. Então percebo que é um garoto que mais parece um cachorro fuçando lixo em busca de comida. De surpresa seus olhos cruzam com os meus. Olhos murchos, miúdos e cansados de fome. Existe um instante de excitação. Então o pequeno vulto some na escuridão da noite. Volto ao mundo real ao som do garçom distribuindo meu pedido sobre a mesa. Num canto um suculento filé mignon ao molho madeira, num outro uma salada mista coberta de tomates secos com caldo de manga. O vinho do porto derramado no copo pelo garçom parecia o sangue da vida que nos move em direção ao nosso destino. Por alguns instantes fixo meus olhos na abundância daquela refeição. Meus olhos pareciam os mesmos daquela criança que escondeu sua fome na escuridão da noite. Nesse momento minha fome sumiu junto com o pequeno vulto esfarrapado que caminha por um mundo desigual o qual dele ninguém sabe ninguém viu. André Lucas O menino selvagem Era mais uma comum tarde de domingo na rotina de minha vida. Na mesa de um bar lá estava eu introvertido e com os olhos perdidos nos meus pensamentos. Minha família não existia mais. Minha esposa me largara no mês passado. Meus amigos se tornaram raros. A bebida saciava minha sede de aconchego e sentido. Eu estava sozinho no meio da multidão. Cheguei ao ponto que eu não agüentava a mim mesmo. De repente uma imagem quebra meus olhos envidraçados de dor. Surge a minha frente um garoto maltrapilho, sujo e com ar desespero. Eu me sentia tão frio que não senti pena do garoto. Ele perambulava de uma mesa a outra dentro do bar. Alimentava-se de restos deixados nos pratos como um cão de rua que se alimenta de migalhas. Esse ato se contrapõe com de outras crianças alegres comemorando a futilidade de suas vidas em consumo, festas, passeios e diversões. O bar estava lotado, porém ninguém parecia notá-lo. Então, assistindo aquele cenário por um momento em envergonhei e um sentimento de culpa tomou meu coração, antes gelado. E, meu ponto de vista mudou. Na minha frente não estava mais um garoto maltrapilho, sujo e com ar desesperado. Havia diante de mim um nobre selvagem em busca de sua sobrevivência. Num gesto de surpresa o garoto aproximou-se mim, estendeu as duas mãos em minha direção sem dizer uma palavra. Naquele momento eu já não estava sozinho no meio da multidão. Lucas do Amaral Colombo No engarrafamento da vida Era meio dia em São Paulo. A cidade suava em busca de sua riqueza diária. O asfalto cozinha o trânsito pesado das avenidas e das marginais. Como combinado com minha mulher eu buscaria meus filhos na escola naquele dia e os levaria para o curso de Inglês. Depois de algum almoço rápido em algum “fast food”.
  • 10. 10 - allencar rodriguez No tráfego intenso e arrastado, o ar condicionado de meu veículo aliviava meu sofrimento de calor num dia de novembro. Porém, a comodidade do ar consumia parte do meu orçamento. Pensando em meu destino e nos meus custos de repente o transitou travou. Por alguns minutos o congestionamento se eternizou. No conforto do ar fresco e das músicas do som importado de meu carro me faziam sonhar com o fim de semana na minha casa da praia. De repente, como se estive num estágio de inconsciência, me vi num contexto de observação dos ambulantes que margeavam a longa avenida tentando honestamente ganhar um pouco de sustento e dignidade para os membros de suas famílias. Famílias separadas da minha num sentido de desigualdade social. Naquele universo de pessoas maltratadas, carentes de sorrisos e deprivadas de sonhos, um garoto me chamou a atenção. Ela tinha aproximadamente uns 10 anos, estava descalço e carregava uma caixa de isopor sobre a cabeça. Parecia pesada pela dificuldade que o garoto tinha em sustentá-la. O garoto caminhava em minha direção. Seu movimento titubeante pulverizou meus sentimentos de custo, de almoço e viagem no final de semana. Eu gostaria de ignorar aquele momento. Não consegui. O menino tinha a mesma idade de meu filho mais velho que estava na escola preocupado com sua tarde de estudos. Além dos jogos on-line, filmes e músicas que preencheriam sua tarde enquanto aquele enfrentava naquele movimento sua infância perdida. O garoto estava vendendo garrafas de água. Abri a janela do carro e comprei 4 unidades. Uma para mim e outras três para quem não projetaria naqueles frascos o luxo que os cercava. O menino, simplesmente, agradeceu e foi embora. Desliguei o rádio, o ar condicionado, deixei a janela aberta e com peso na alma desviei do trânsito pesado no primeiro viaduto e segui meu destino. Um pouco triste, um pouco cansado, muito chateado. Augusto Bortoluci Ou ainda se for pedido a construção de uma crônica em tom de humor siga o padrão de Moacyr Scliar em “cobrança” (o qual o autor tem como tema, assunto e cenário: dívidas e como são cobradas (cidade – casa com janela para a rua). Situação do cotidiano retratado: Um cobrador (o marido) cobra publicamente a devedora (a esposa). Tom do texto e foco narrativo: Humorístico (autor-observador). Moacyr Scliar - Cobrança Ela abriu a janela e ali estava ele, diante da casa, caminhando de um lado para outro. Carregava um cartaz, cujos dizeres atraíam a atenção dos passantes: "Aqui mora uma devedora inadimplente". Partilha fatos cotidianos com seu leitor, dando singularidade a eles.
  • 11. oficina de redação - 11 ― Você não pode fazer isso comigo ― protestou ela. ― Claro que posso ― replicou ele. ― Você comprou, não pagou. Você é uma devedora inadimplente. E eu sou cobrador. Por diversas vezes tentei lhe cobrar, você não pagou. ― Não paguei porque não tenho dinheiro. Esta crise... ― Já sei ― ironizou ele. ― Você vai me dizer que por causa daquele ataque lá em Nova York seus negócios ficaram prejudicados. Problema seu, ouviu? Problema seu. Meu problema é lhe cobrar. E é o que estou fazendo. ― Mas você podia fazer isso de uma forma mais discreta... ― Negativo. Já usei todas as formas discretas que podia. Falei com você, expliquei, avisei. Nada. Você fazia de conta que nada tinha a ver com o assunto. Minha paciência foi se esgotando, até que não me restou outro recurso: vou ficar aqui, carregando este cartaz, até você saldar sua dívida. Neste momento começou a chuviscar. ― Você vai se molhar ― advertiu ela. ― Vai acabar focando doente. Ele riu, amargo: ― E daí? Se você está preocupada com minha saúde, pague o que deve. ― Posso lhe dar um guarda-chuva... ― Não quero. Tenho de carregar o cartaz, não um guarda-chuva. Ela agora estava irritada: ― Acabe com isso, Aristides, e venha para dentro. Afinal, você é meu marido, você mora aqui. ― Sou seu marido ― retrucou ele ― e você é minha mulher, mas eu sou cobrador profissional e você é devedora. Eu a avisei: não compre essa geladeira, eu não ganho o suficiente para pagar as prestações. Mas não, você não me ouviu. E agora o pessoal lá da empresa de cobrança quer o dinheiro. O que quer você que eu faça? Que perca meu emprego? De jeito nenhum. Vou ficar aqui até você cumprir sua obrigação. Chovia mais forte, agora. Borrada, a inscrição tornara-se ilegível. A ele, isso pouco importava: continuava andando de um lado para outro, diante da casa, carregando o seu cartaz. Traz aspectos de oralidade para a escrita: expressão de conversa familiar e íntima, repetições e o pronome “você”. Emprega verbos flexionados na primeira e Terceira pessoas. Vale-se de discurso direto no diálogo. Verbos de dizer.
  • 12. 12 - allencar Rodriguez Análise: Sobre “Cobrança” Observe que o cronista escreve num tom jocoso. Como narrador, não faz rodeios; logo no título vai direto ao tema: trata-se de uma cobrança. No primeiro parágrafo, de forma também concisa e direta, introduz as personagens: cobrador e devedora inadimplente. Não as caracteriza, não diz nada a respeito delas. Indica algumas ações e onde elas ocorrem – o essencial para que o leitor visualize a cena. Ele também estabelece um diálogo entre ambas, explicitando ligeiramente a situação. Em seguida o cronista introduz um elemento surpresa: o leitor, agora, já não está na frente de um cobrador, mas de um marido cobrador, o Aristides. A mulher, que não ganha um nome, já não é uma mulher qualquer, mas a mulher do cobrador! Essa revelação altera as previsões do leitor e, por isso mesmo, o surpreende; o leitor está perante uma situação aparentemente inusitada. Isso o obriga a mudar o curso de seu pensamento. Utilizando-se do recurso do desdobramento dos papéis (marido/mulher; cobrador/devedora), o cronista surpreende o leitor e o conduz à reflexão esperada, ou seja, o cronista viabiliza uma reflexão quando apresenta ao leitor os diferentes papéis que o sujeito social exerce, que muitas vezes são conflitantes. Com isso, o inédito da situação fica mais acentuado e a narrativa pode continuar, agora enriquecida de um novo aspecto. Neste momento, entra com maior força o cotidiano – elemento tão fundamental e caracterizador do gênero. O autor do texto apresenta ao leitor o cerne da questão que a crônica aborda: mulher gastadeira, marido que adverte, mulher que não liga para a advertência e as possíveis conseqüências disso. Quantos dos leitores não ouviram falar disso ou mesmo já não viveram situação parecida? O diálogo é pontuado por um narrador lacônico que constrói a cena e indica o essencial do estado psicológico da personagem, por exemplo, irritada. Ele interrompe duas vezes o diálogo somente para indicar dados essenciais para que o leitor visualize a cena e compreenda a história, e fecha o texto, concisamente, no último parágrafo, retomando o texto inicial. Assim, essa crônica, como muitas outras, refere-se a um tipo de comportamento humano, um comportamento atemporal, o que, por um lado, facilita a identificação do leitor e, por outro, estabelece a atualidade do assunto. Além disso, o cronista a escreve com recursos bastante interessantes, de forma que a crônica deixa de ser “descartável”, adquirindo um sabor literário.
  • 13. oficina de redação - 13 Vejamos agora uma crônica em tom irônico Se for pedido a construção de uma crônica em tom de ironia siga o padrão de Machado de Assis em “um caso de burro” (o qual o autor tem como tema, assunto e cenário: Reflexões sobre a submissão humana (cidade – rua). Situação do cotidiano retratado: Um burro deitado na calçada, agonizante. Tom do texto e foco narrativo: Irônico (autor-personagem). Machado de Assis – Um caso de burro Quinta-feira à tarde, pouco mais de três horas, vi uma coisa tão interessante, que determinei logo de começar por ela esta crônica. Agora, porém, no momento de pegar na pena, receio achar no leitor menor gosto que eu para um espetáculo, que lhe parecerá vulgar, e porventura torpe. Releve a importância; os gostos não são iguais. Entre a grade do jardim da Praça Quinze de Novembro e o lugar onde era o antigo passadiço, ao pé dos trilhos de bondes, estava um burro deitado. O lugar não era próprio para remanso de burros, donde concluí que não estaria deitado, mas caído. Instantes depois, vimos (eu ia com um amigo), vimos o burro levantar a cabeça e meio corpo. Os ossos furavam-lhe a pele, os olhos meio mortos fechavam-se de quando em quando. O infeliz cabeceava, mais tão frouxamente que parecia estar próximo do fim. Diante do animal havia algum capim espalhado e uma lata com água. Logo, não foi abandonado inteiramente; alguma piedade houve no dono ou quem quer que é que o deixou na praça, com essa última refeição à vista. Não foi pequena ação. Se o autor dela é homem que leia crônicas, e acaso ler esta, receba daqui um aperto de mão. O burro não comeu do capim, nem bebeu da água; estava já para outros capins e outras águas, em campos mais largos e eternos. Meia dúzia de curiosos tinham parado ao pé do animal. Um deles, menino de dez anos, empunhava uma vara, e se não sentia o desejo de dar com ela na anca do burro para esperta-lo, então eu não sei conhecer meninos, porque ele não estava do lado do pescoço, mas justamente do lado da anca. Diga-se a verdade; não o fez - ao menos enquanto ali estive, que foram poucos minutos. Esses poucos minutos, porém, valeram por uma hora ou duas. Se há justiça na Terra valerão por um século, tal foi a descoberta que me pareceu fazer, e aqui deixo recomendada aos estudiosos. O que me pareceu, é que o burro fazia exame de consciência. Indiferente aos curiosos, como ao capim e à água, tinha no olhar a expressão dos meditativos. Era um trabalho interior e profundo. Este remoque popular: por pensar morreu um burro mostra que o fenômeno foi mau entendido dos que a princípio o viram; o pensamento não é a causa da morte, a morte é que o torna necessário. Quanto
  • 14. 14 - allencar Rodriguez à matéria do pensamento, não há dúvidas que é o exame da consciência. Agora, qual foi o exame da consciência daquele burro, é o que presumo ter lido no escasso tempo que ali gastei. Sou outro Champollion, porventura maior; não decifrei palavras escritas, mas idéias íntimas de criatura que não podia exprimi- las verbalmente. E diria o burro consigo: “Por mais que vasculhe a consciência , não acho pecado que mereça remorso. Não furtei, não menti, não matei, não caluniei, não ofendi nenhuma pessoa. Em toda a minha vida, se dei três coices, foi o mais, isso mesmo antes haver aprendido maneiras de cidade e de saber o destino do verdadeiro burro, que é apanhar e calar. Quando ao zurro, usei dele como linguagem. Ultimamente é que percebi que me não entendiam, e continuei a zurrar por ser costume velho, não com idéia de agravar ninguém. Nunca dei com homem no chão. Quando passei do tílburi ao bonde, houve algumas vezes homem moto ou pisado na rua, mas a prova de que a culpa não era minha, é que nunca segui o cocheiro na fuga; deixava-me estar aguardando autoridade.” “Passando à ordem mais elevada de ações, não acho em mim a menor lembrança de haver pensado sequer na perturbação da paz pública. Além de ser a minha índole contrária a arruaças, a própria reflexão me diz que, não havendo nenhuma revolução declarado os direitos do burro, tais direito não existem. Nenhum golpe de estado foi dado em favor dele; nenhuma coroa os obrigou. Monarquia democracia, oligarquia, nenhuma forma de governo, teve em conta os interesses da minha espécie. Qualquer que seja o regímen, ronca o pau. O pau é a minha instituição um pouco temperada pela teima que é, em resumo, o meu único defeito. Quando não teimava, mordia o freio dando assim um bonito exemplo de submissão e conformidade. Nunca perguntei por sóis nem chuvas; bastava sentir o freguês no tílburi ou o apito do bonde, para sair logo. Até aqui os males que não fiz; vejamos os bens que pratiquei.” “A mais de uma aventura amorosa terei servido, levando depressa o tílburi e o namorado à casa da namorada - ou simplesmente empacando em lugar onde o moço que ia no bonde podia mirar a moça que estava na janela. Não poucos devedores terei conduzido para longe de um credor importuno. Ensinei filosofia a muita gente, esta filosofia que consiste na gravidade do porte e na quietação dos sentidos. Quando algum homem, desses que chamam patuscos, queria fazer rir os amigos, fui sempre em auxílio deles, deixando que me dessem tapas e punhadas na cara. Em fim...” Não percebi o resto, e fui andando, não menos alvoroçado que pesaroso. Contente da descoberta, não podia furtar-me à tristeza de ver que um burro tão bom pensador ia morrer. A consideração, porém, de que todos os burros devem ter os mesmos dotes principais, fez-me ver que os que ficavam, não seriam
  • 15. oficina de redação – 15 menos exemplares do que esse. Por que se não investigará mais profundamente o moral do burro? Da abelha já se escreveu que é superior ao homem, e da formiga também, coletivamente falando, isto é, que as suas instituições políticas são superiores às nossas, mais racionais. Por que não sucederá o mesmo ao burro, que é maior? Sexta-feira, passando pela Praça Quinze de Novembro, achei o animal já morto. Dois meninos, parados, contemplavam o cadáver, espetáculo repugnante; mas a infância, como a ciência, é curiosa sem asco. De tarde já não havia cadáver nem nada. Assim passam os trabalhos deste mundo. Sem exagerar o mérito do finado, força é dizer que, se ele não inventou a pólvora, também não inventou a dinamite. Já é alguma coisa neste final de século. Requiescat in pace. www.eeagorajose.kit.net/estilos/croassisburro.htm Análise: Sobre “Um caso de burro” Machado inicia o texto mostrando aos leitores seu ponto de partida para esse texto e nomeia como crônica aquilo que escreve. Dirige-se explicitamente ao leitor, indicando que conversa com ele. Esse preâmbulo leva o leitor a se sentir considerado e, por isso mesmo, a aceitar o convite para ler a crônica. Logo no parágrafo seguinte o autor conta quem é a personagem central, um burro como tantos outros. Apresenta também o conflito que move a narrativa: uma cena de quase morte. Mas observe como ele apresenta tudo isso: diz que ali não seria um lugar para descanso, indicando certa recriminação: “O que faz esse burro aqui?”. Ele, no entanto, não faz a recriminação explicitamente. A recriminação implícita introduz um tom levemente irônico ao texto. “O burro não comeu do capim, nem bebeu da água; estava já para outros capins e outras águas, em campos mais largos e eternos.” Essa frase acentua o tom irônico do texto, jogando com a oposição entre elogio e recriminação. Precede o elogio com uma frase em que aparecem palavras recriminatórias: diz que o burro “não foi abandonado inteiramente”, isto é, foi abandonado, ainda que não de todo; emprega “alguma piedade” para dizer da quase ausência desse sentimento. Além desse jogo, usa eufemismos para falar da morte: “em campos largos e eternos”, reforçando o tom irônico. O tom irônico continua quando aponta para aquilo que o menino faria, mas não fez (enquanto o cronista estava presente; nada garanteque não tenha feito depois), e quando exagera o valor da descoberta: poucos minutos valeram uma, duas horas, um século! E, mais que isso, a experiência vivida foi
  • 16. 16 - allencar rodriguez exageradamente importante, o que vale como matéria de reflexão para os sábios! Como se vê, o exagero também é um recurso para a construção da ironia. O burro é o símbolo da ignorância, daí o inédito (irônico) de estar meditando. Essa situação servirá para que o cronista/narrador faça uma reflexão. Começa comparando-se com Champollion (o sábio francês que decifrou a escrita egípcia), exagerando sua própria importância: decifrará os últimos pensamentos do burro – que só medita porque está morrendo, não o fazendo enquanto viveu. E quando usa o ditado popular “de pensar morreu um burro” leva o leitor a aproximar-se de certo tipo humano. E para confirmar essa aproximação Machado prossegue a narrativa, dando voz ao próprio burro, que fala de si como se fosse homem. “Por mais que vasculhe a consciência, não acho pecado que mereça remorso...” A metáfora do burro vai se delineando: diz respeito a um tipo humano, que se ajusta, aceita o destino, pensa de maneira simplista e moralista. Ao continuar a confissão, o animal prossegue indicando as ações que o aproximam de muitos humanos. A transposição de elementos da esfera do humano para a do animal irracional é um recurso de distanciamento usado pelo autor, que leva o leitor a perceber melhor a crítica feita ao tipo de humano que valoriza a submissão e a conformidade. A crítica do autor a esse tipo de vida se evidencia ainda mais na filosofia expressa pelo burro, a única que ele pode ensinar: a valorização do porte grave e do controle dos sentidos, ou seja, sua filosofia tem a profundidade das aparências. Depois da confissão do burro, o cronista começa a se despedir do leitor. “Não percebi o resto, e fui andando...” Continua seu caminho, abandonando o bicho à sua sorte, mas ainda ironizando: diz-se triste ao ver morrer tão bom pensador, mas isso é um pretenso elogio, pois até então não fez mais que depreciar o modo de vida do animal. Nota-se o tom de lástima assumido pelo cronista quando considera que outros burros continuariam a viver. Ao final do parágrafo, apresenta sua grande pergunta, aquela que foi delineada no início da crônica: por que não se investigar o moral do burro? Fica implícita uma exagerada e, por isso, falsa convocação: “Sábios, estudem o moral do bicho!”. Na sexta-feira, ao passar pelo mesmo local, o cronista encontrou o animal já morto. A marcação do tempo cotidiano define o gênero da narrativa, a crônica. O narrador deixa claro que seu texto foi escrito com base na observação dos lugares que se percorre cotidianamente, os lugares familiares que se transformam conforme o momento: na quinta à tarde o burro agoniza; na sexta pela manhã está morto; na sexta à tarde, nem cadáver havia. Eis aqui o material da crônica.
  • 17. oficina de redação – 17 O autor finaliza a crônica retomando sua reflexão a respeito da natureza do animal: nem inventou a pólvora, nem seu sucedâneo mais terrível na época, a dinamite, e o despacha: que descanse em paz! Para produzir uma crônica siga as orientações abaixo:Lembre-se, os temas geralmente são ligados a questões éticas, de relacionamento humano, de relações entre grupos econômicos, sociais e políticos. Como também o texto é curto que narra episódios corriqueiros e às vezes banais. a) Dentro do propósito da redação identifique a idéia central do enredo que deve ser seguido no contexto da sensibilidade. Isto é, se o enredo deve ter um teor de entusiasmo, horror, desânimo, indignação, felicidade, compaixão, etc. isso pode ajudá-lo a escrever a crônica com maior facilidade buscando corretamente o tom (se não for pedido) da crônica (humorística, irônica, lírica, crítica). b) Formule algumas opiniões sobre o fato no tom da crônica que sera elaborada. c) Use figura de linguagem como recursos para realçar uma idéia como: metáfora, comparação, catacrese, prosopopéia (presentes no capítulo IX – página 74) e: Hipérbole: É o emprego da expressão intencionalmente exagerada: (Gastamos rios de dinheiro – Quase morri de tanto rir. – Os cavalos não corriam, voavam.) Antítese: É o realce do pensamento pelo emprego de palavras ou expresses de sentido oposto, estabelecendo o contraste: (Toda vida se tece de mil mortes - Vivo só na multidão – “A areia, alva, está agora preta de pés que sa pisam” – Jorge Amado). Ironia: Quando dizemos o que pensamos pelo contexto de algo contrário ao que pensamos, geralmente com intenção sarcastica: (“Parece uma santinha digna de altar” – Fizeste um excelente service (par dizer: um service péssimo) – “A excelente D. Inácia era mestra na arte de judirar de crianças”. – Monteiro Lobato). Eufemismo: Consiste em evitarmos as expresses desagradáveis, chocantes, impróprias, utilizando expresses mais delicadas, amenas ou mais polidas:(Aquele cidadão, quando estava no poder, não respeitou os bens públicos (em lugar de, “foi uma ladrão dos bens públicos” – Mal de Hansen, “em lugar de lepra” – Você está com as faculdades mentais abaladas). Metonímia: É a substituição de um termo por outro, havendo entre ambos estreita afinidade ou relação de sentido. Na metonímia, em vez de dizermos uma coisa, mencionamos outra que passa a significar a primeira, uma vez que entre ambas existe a proximidadde ou a vizinhança. Ocorre a motonímia quando se emprega:
  • 18. 18 - allencar rodriguez a) O conteúdo pelo continente e vice-versa: (Ingerir um vidro de vermífugo – Beber uma taça de champanha). b) A causa pelo efeito e vice-versa: (O sol está violento – Vivo do meu trabalho). c) O autor pela obra: (Gosto de ler Allencar). d) O lugar pelo produto do lugar: (Fumei um Havana – No verão usaremos um Panamá). e) O símbolo pela coisa significa: (Não te afastes da cruz!) f) O concreto pelo abstrato e vice-versa: (A realeza perdeu o prestígio – (os reis) – Não há respeito à velhice – (aos velhos). g) O instrument pela pessoa que o utilize: (As espadas apossaram-se do forte). d) Lembre-se você tem dois instrumentos básicos para elaborar sua crônica: o olhar e a linguagem. Com o olhar você reconhece o acontecimento, isto é, o momento que merece ser preservado e com a linguagem, você retrata a situação, e as figuras de linguagem o ajudam a enfatizar as suas idéias. Ivan Ângelo - Considerações em torno das aves-balas Balas perdidas transformam-se em notícia por todo o país. Desde que isso começou - não faz muito tempo, nem pouco - mais de uma centena de pessoas foram atingidas só na cidade do Rio de Janeiro. Em São Paulo não se conta, ou perde-se a conta. Em Belo Horizonte, elas sinistramente trabalham em silêncio. Em Salvador são abafadas pelo baticum dos tambores. Sem nenhum bairrismo elas voam geral, irrompem num circo, num ônibus, numa janela de sala de estar, numa padaria, em muitas escolas, numa praça, num banco, numa rua e se alojam num corpo. Aí se livram da sua característica principal - a de perdidas - e se acham, são achadas. Por que se diz perdida? Perdida é a bala que não se encontra nunca, são as que voam até perder a força e tombam, exaustas e sem glórias de Jornal Nacional, num mato qualquer. A bala perdida: quem a perdeu? A linguagem tem sempre uma lógica. Quem perdeu a bala perdida? O atirador? Pior para quem a achou. Uma pessoa quando perdida, não tem rumo. Se diz: desorientada. Uma bala não. A bala perdida segue reta e veloz como quem sabe aonde vai. Igualzinho às outras, suas irmãs, que levam endereço certo. Perdida, então quer dizer o quê? Desperdiçada? A linguagem nem sempre tem lógica. Quem perdeu a bala perdida? O atirador? Pior para quem achou.
  • 19. oficina de redação – 19 Quando acha um corpo a bala pode ainda se chamar perdida? A que acha, mesmo não sendo aquele corpo que buscava, será menos desperdiçada do que as outras, que esbarram em uma simples parede? Ninguém procura balas perdidas. Nem quem as perdeu, nem quem as encontrou, sem querer. São indesejadas, e quanto mais o sejam, mais ansiosas parecem por alojar-se. Essas balas voadoras, libertas da sua casca, só são realmente perdidas se ninguém nunca mais as viu. Então são também inúteis, pois isso é a negação da sua essência mortal. Uma bala, quando útil, fere, mata. É criadora: cria órfãos, viúvas, pais inconsoláveis. Quem a dispara sabe disso. Quem fabrica e vende sabe disso. Quem recolhe impostos sobre ela sabe muito bem. Porque ela não serve para mais nada, para isso foi feita. Seria próprio chamar de desaparecidas essas inúteis? No país das balas perdidas, perdem-se também crianças, chamadas desaparecidas. Mas esta já é outra história. Não, a essas balas não se poderia chamar de desaparecidas porque ninguém sabia delas antes de se libertarem de sua casca, ainda pacíficas, guardando para si sua capacidade voadora e mortal. Só depois que explodem é que voam, e então se perdem ou não. O poeta João Cabral de Melo Neto deu um lindo nome a essas balas sem dono: ave-bala. No poema "Morte e vida Severina", o retirante pergunta aos que levam um defunto: "Quem contra ele soltou / essa ave-bala". E a resposta: "Ali é difícil dizer / Irmão das almas, / Sempre há uma bala voando / desocupada". Éramos um povo acostumado à arma branca, à peixeira, ao punhal, ao facão; herdamos a tradição ibérica de sangrar, cortar o pescoço, capar. Meninos já tinham seu canivete de ponta. Malandros riscavam o ar com navalhas. Mulheres da vida brandiam giletes. Numa arruaça, quem metia a mão numa cara, dava rasteiras. Em algum momento o "te meto a faca" virou "te meto a bala", aquele "te meto a mão na cara" virou "te meto uma bala na cara". Começaram a voar as aves-balas. O que aconteceu no meio? Talvez o cinema, o faroeste, os gangsters, a TV, guerras sujas, guerrilhas, terrorismo, drogas proibidas. Nasceu o culto da pontaria certeira. Billy the Kid, John Wayne, Randolph Scott, Frank e Jesse James, Schwarzenegger, Stalone, Matrix. "No século do progresso / o revólver teve ingresso / pra acabar com a valentia" - cantou Noel Rosa nos anos 1930. Surgiu outro tipo de valente, o que fica atrás do revólver. Não é preciso arriscar- se, chegar perto para ferir. "Mais garantido é de bala / Mais longe fere", diz o poeta João Cabral. Ninguém pense que a influência estrangeira é justificativa. Não, não importamos a violência, ela é mais nossa que o petróleo. Importamos foi a cultura da arma de fogo.
  • 20. 20 - allencar rodriguez No país das balas perdidas, perdem-se também crianças, nem sempre desaparecidas. Muitas delas, talvez a maioria, vão mais tarde brincar por aí de soltar aves-balas, nem sempre perdidas. COMO PRÁTICA TENTE CLASSIFICAR A CRÔNICA ACIMA DE IVAN ÂNGELO Tema, assunto e cenário: Situação do cotidiano retratado: Tom do texto e foco narrativo: