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dez. 2014 / jan. 2015 • ano 1 • número 1 • Revista ABCR
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
CAPTADORES DE RECURSOS
ABCR 15 ANOS
Revista Comemorativa
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expediente
ABCR - Gestão 2012 - 2014
Diretoria Executiva:
Presidente: João Paulo Vergueiro (associado 00180) - presidente@captacao.org
Vice-Presidente: Fagna Freitas (01011) - vicepresidente@captacao.org
Diretora Administrativa-Financeira: Daniela Weiers (00088) - financeiro@captacao.org
Diretor de Conduta e Ética Profissional: Jonas Leandro Flores (00010) - etica@captacao.org
Diretor de Relações Internacionais: Rodrigo Alvarez (00006) - internacional@captacao.org
Diretora de Conteúdo e Capacitação: Sandra Pedroso (00305) - conteudo@captacao.org
Diretora de Comunicação: Ana Flávia Godoi (01190) - comunicacao@captacao.org
Diretora de Associados: Juliana Barrena (00973) - associado@captacao.org
Diretora de Relações Institucionais: Sonia Bonici (00724) – relacionamento@captacao.org
Conselho Fiscal:
Flavia Lang Revkolevsky
Michel Freller
Sandra Maria Pires Vieira Sahd
Conselho Consultivo:
Rene Steuer
Carla da Nóbrega
Marcelo Estraviz
Celia Cruz
Revista ABCR 15 Anos
Editor Geral: João Paulo Vergueiro
Revisão: Rodrigo Zavala
Edição: Cristiano Pereira
Capa: Ricardo Andrade
Impressão: Gráfica e Editora O Lutador
Anunciantes: Gráfica e Editora O Lutador, Marcelo Estraviz, Criando Consultoria, Ader&Lang,
ChaXCha e Kickante
Tiragem: 1.000 exemplares
(11) 2809-0456
abcr@captacao.org
www.captacao.org
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15 anos promovendo
a captação
Olá,
Esta é a Revista da ABCR, em sua primeira edição!
É uma revista comemorativa. Estamos celebrando os 15 anos de fundação da Associação
Brasileira de Captadores de Recursos, no final de 1999, quando um grupo de profissionais se reuniu
e decidiu que queria agir pelo bem comum da sociedade civil, oficializando uma organização que
os representasse e promovesse a captação de recursos no país.
Essa história você conhecerá aqui, apresentada por artigos de alguns de nossos fundadores,
profissionais que até hoje contribuem significativemente no desenvolvimento da ABCR.
Nestas páginas, também será possível saber mais sobre quem é o captador de recursos. Dentro
das organizações da sociedade civil, a captação é a área responsável pela sua sustentabilidade
financeira, trabalalhando para que sejam conquistadas as doações e outros recursos necessários
para viabilizar os projetos desenvolvidos e manter as instituições.
O captador de recursos pode utilizar-se de várias estratégias para conseguir as doações.
Captação com pessoa física e por meio de plataformas de crowdfunding são duas delas que serão
apresentadas nestas páginas.
E vamos falar da doação também. Se do lado da organização há o captador, do outro lado da
relação existe o doador, cujo apoio financeiro é diretamente responsável pela manutenção das
atividades transformadoras das organizações.
Nestas páginas portanto, falaremos de tudo, da ABCR, da profissão, das organizações e da
doação. Será uma boa leitura, nesta que é nossa primeira experiência com uma publicação. A
Revista da ABCR é um marco em nossa história, agora com 15 anos. Esperamos que aproveitem.
Boa leitura!
João Paulo Vergueiro
Presidente da Diretoria Executiva
presidente@captacao.org
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6 Passado prodigioso, futuro promissor _ RODRIGO ZAVALA
Uma das mais interessantes formas de se ver uma organização com 15 anos de história é a ebulição hormonal que
carrega desde sua criação...
8 A gravidez que fez nascer a ABCR _ MARCELO ESTRAVIZ
No dia 11 de janeiro de 1999 comecei uma lista de discussão, cuja primeira mensagem era uma frase automática :
Welcome to the fundbr E-Mail Group...
10 ABCR, uma organização que pulsa _ RODRIGO ALVAREZ
Em 1996, um maluco resolveu contratar um jovem recém-formado, de 24 anos, para criar a área de captação de
recursos dos Doutores da Alegria...
12 A Regionalização da ABCR - A Experiência Rio _ ANA FLÁVIA GODOI
No dia 9 de julho de 2009, aconteceu no Centro Cultural da Justiça Federal, na cidade do Rio de Janeiro, o
lançamento do primeiro núcleo regional da ABCR...
14 O Captador de recursos, uma profissão essencial _ MICHEL FRELLER
Quem é o captador de recursos em uma Organização da Sociedade Civil, OSC? Quais são suas aptidões e
habilidades? Deve ser formado em qual curso?...
16 A captação de recursos impactando o mundo _ ANDREW WATT
Pense sobre algumas das principais mudanças que ocorreram em tão pouco tempo no Brasil. Crescimento
considerável da economia e do PIB...
18 A doação como um presente, a doação como um dom _ FERNANDO NOGUEIRA
O captador de recursos é um privilegiado: a ele cabe a função de alimentar a circulação de doações na sociedade.
E isso é essencial para nossa vida em sociedade, nossa vida em comunidade...
20 Como inspirar e conectar doadores para desenvolver um programa bem
sucedido de relacionamento _ FLAVIA LANG
Toda a organização, grande ou pequena, tem um elemento comum: depende de doadores para desenvolver o
seu trabalho...
22 O Face to Face no Brasil
A visão de uma captadora ao se deparar com um novo canal _ KÁTIA GAMA
A entrada do Face to Face (captação nas ruas e de porta em porta) no Brasil, aos poucos, tem se mostrado um
desafio extremamente recompensador...
24 A Arte de captar recursos com Grandes Doadores _ CARLA NOBREGA
Sempre que vou a conferências sobre captação de recursos no Brasil, e em outros países, me pergunto porque
existem tão poucos espaços onde discutir a arrecadação...
SUMÁRIO
revista abcr 15 anos
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SUMÁRIO
revista abcr 15 anos
26 O terceiro setor e o financiamento coletivo no Brasil _ CANDICE PASCOAL
Em nome da transformação social e na defesa de bandeiras como direitos humanos, ecologia, educação, cultura e
saúde, o terceiro setor vem revolucionando o conceito de cidadania...
29 Fundos patrimoniais e sua importância para a sustentabilidade das organiza-
ções sem fins lucrativos no Brasil _ PAULA FABIANI
Fundos patrimoniais (endowments) são estruturas criadas para as mais diversas causas de interesse coletivo, pois
permitem a organizações sem fins lucrativos edificar...
31 Captação de recursos para organizações da educação: desenvolvimento e
sustentabilidade _ CUSTÓDIO PEREIRA
Com certeza, um dos fatores que viabilizou o desenvolvimento dos Estados Unidos da América e sua fabulosa
economia foi o avançado patamar de qualidade e alta produção científica...
33 Finanças Sociais: Mobilizar Investimentos para impacto social e possível
retorno financeiro _ CÉLIA CRUZ
O Brasil melhorou nos últimos anos. Somos a 7a maior economia do mundo (World Bank, 2014) e vimos as
comunidades de baixa renda melhorarem o acesso a serviços básicos...
36 A importância das pesquisas para as organizações da sociedade civil _ RODOLFO
OHL
Apoiar entidades sem fins lucrativos tem sido algo importante para a equipe da SurveyMonkey desde que a
empresa começou, há 15 anos...
38 Investimento Social Privado: um olhar para além da doação financeira _ MARCIA
WOODS
Como dois lados de uma mesma moeda. Assim, poderíamos dizer que o investimento social privado está para a
captação de recursos...
40 EVENTOS, PRÊMIOS E CAPTAÇÃO DE RECURSOS _ CAMILA FIGUEIREDO E BRUNO ASP
Há 14 anos atuando no terceiro setor, a Neurônio Ativação de Negócios e Causas pode se colocar como
testemunha e ao mesmo tempo agente no desenvolvimento deste setor...
44 Comunicar é alma do negócio_ MARCIO ZEPPELINI
Nos últimos anos, o número de organizações sociais cresceu consideravelmente no Brasil, ultrapassando a marca
de 290,7 mil, segundo dados da Pesquisa Fasfil 2010...
46 DEpoimentos
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Uma das mais interes-
santes formas de se ver uma
organização com 15 anos de
história é a ebulição hormonal
que carrega desde sua criação.
Erra, acerta, mas sempre tem o
olhar adiante, frente aos desa-
fios que se impõem interna e
externamente.
Em 1999, quando pensada,
estavam lá, num grupo de 28
pessoas, as origens da orga-
nização que iria buscar a profis-
sionalização, decoro e estímulo
às pessoas que lutam, até hoje,
pelo desenvolvimento institucio-
nal das organizações da socie-
dade civil. Na forma, formato e
meio de captar recursos, residia
ali uma preocupação ética de
se autorregular a prática.
Começou, aliás, com
e-mails, umas centenas, que
se debruçavam sobre o nome
e a missão. Como todos os
e-groups da época, alguns
participantes brigaram, outros
saíram, mas permaneceram
ali os alicerces que fundariam
a ABCR como se vê hoje.
Na época, os envolvi-
dos pareciam fazer algo de
vanguarda. Até uma delega-
ção brasileira, com pouquís-
simos integrantes, ir à 36a
Conferência da National Society
of Fund Raisers Executives
(nome indizível até se tornar
Association of Fundraising
Professionals – AFP), nos
mesmos 1999, para ver o ama-
dorismo nacional frente aos
colegas internacionais.
O aprendizado tornou-se
regra nas vozes que, ao final
daquele ano, institucionalizaram
a ABCR, incluindo as parcerias
internacionais que foram uma
constante no desenvolvimento
da organização, como a
Resource Alliance e a própria
AFP. Houve também os
alinhamentos, aqui no Brasil,
como a USP, SENAC e o
CNBB, que permitiram à
associação ser representada
como referência no país.
O presidente da ABCR, em
2001, Custódio Pereira disse
na época: “Esse profissional,
que sempre foi respeitado em
todo o mundo desenvolvido,
agora, finalmente, começa a
ser valorizado no Brasil”. O
mesmo gestor que publicou,
provido de fontes internacionais
também, o primeiro Código de
Ética do captador de recursos
brasileiro, com seus princípios
e valores, indeléveis (porém,
Passado prodigios0,
futuro promissor
RODRIGO ZAVALA
Rodrigo Zavala é comunicador social, especializado em cultura e organizações da sociedade civil.
ajustados no tempo).
A partir da cooperação de
outras organizações e trabalho
hercúleo (e voluntário) interno
de seus membros, a ABCR
floresceu em peso e estatura.
A própria segunda gestão,
presidida por Christina
Murachco, mostrou, em
relacionamento internacional,
que a associação só poderia
crescer ainda mais.
Mesmo o revés de espaço
e tempo em 2005, não fez os
associados (nessa altura pouco
mais de 200) titubearem em
manter aABCR viva e forte, que
passou a ser presidida por seu
co-fundador Marcelo Estraviz
(mandato que se estendeu, por
reeleição, de 2006 até 2012),
trienalmente.
Terminava-se, aí, a pri-
meira etapa da ABCR.
Aquela de buscar a identi-
dade do captador, dos poucos
profissionais que constituíam o
setor, e ainda oferecer cursos
e palestras para os iniciantes,
mas não menos iniciados, das
práticas de desenvolver institu-
cionalmente uma organização
social. Basta lembrar daqueles
que trabalhavam apenas par-
cialmente na área, ou daqueles
que vieram do setor cultural.
O momento, diga-se, foi bas-
tante favorável. Até então, os
dados eram de uma pesquisa de
2005 (do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística – IBGE),
que indicava um panorama
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de evolução intensa do setor
(215%, entre 1996 e 2005),
característica marcante
do período pós-abertura
democrática.
Aqueles que haviam ante-
cipado o período subsequente
ao “boom” das organizações
da sociedade civil tornaram-se
mestres em um setor em cres-
cimento. E, no fim, todos os
realmente envolvidos com o
desenvolvimento institucional
estavam à frente da associa-
ção que defendiam.
A segunda etapa da ABCR
se integra às tentativas de torná-
la um dos grandes players da
sociedade civil organizada. Em
2008, por exemplo, durante o
5O Congresso GIFE (Grupo
de Institutos, Fundações e
Empresas), este sobre investi-
mento social, a ABCR realizou
um dia dedicado inteiramente
à captação de recursos (com
cerca de 300 participantes).
Formação e relacionamento
estavam em jogo ali.
O que o público não sabia
era que, nos bastidores, a asso-
ciação, na pele do presidente
Estraviz, em parceria com a
Resource Alliance e o Instituto
Filantropia, não apenas desen-
volveria o Prêmio Brasileiro
de Captação – Mobiliza, mas
também as bases do que seria
o primeiro Festival Latino-
Americano de Captação de
Recursos, em 2009.
O Festival contou com três
dias de intensas atividades,
programadas com uma agenda
colaborativa, que deu espaço
aos participantes ministrarem
suas próprias oficinas e privi-
legiou a troca de experiências.
Por meio de um formato mais
interativo, foi possível identificar
as tendências e fronteiras sobre
o setor no Brasil. O sucesso e
imprescindibilidade do evento
o tornou anual, hoje batizado
como Festival ABCR – o de
2015, diga-se, já foi anunciado.
Mas qual era a preocupa-
ção candente para a ABCR,
então? A profissionalização. A
organização já mostrava um
movimento de nacionaliza-
ção, que se desenvolveu a
partir dessa época em núcleos
regionais de interlocução. Em
nove Estados (Bahia, Espirito
Santo, Minas Gerais, Paraná,
Rio de Janeiro, Rio Grande
do Sul, Santa Catarina, São
Paulo e Sergipe), ou mesmo em
grupos temáticos como Direito
e Cultura, mostrava-se uma
proposta de expansão.
No entanto, enquanto a
associação seguia em loas às
suas propostas de relaciona-
mento e articulação nacional,
internamente ainda não havia
alcançado a solidez dese-
jada. Foi em 2013, agora sob a
gestão do atual presidente João
Paulo Vergueiro, que a asso-
ciação lançou o seu primeiro
CensoABCR, mapeamento dos
profissionais que atuam no ter-
ceiro setor brasileiro com cap-
tação, mobilização de recursos
e desenvolvimento institucional.
De maneira geral, o Censo,
cuja segunda edição foi
realizada no ano seguinte com
resultados similares, mostrou
que esses profissionais são
otimistas em relação ao futuro
de seu ofício, tal como do setor.
Ainda que existam desafios para
a captação de recursos, muitas
vezes não reconhecida como
área, os profissionais afirmaram
receber suporte das demais
áreas-chave da organiza-
ção (Diretoria, Comunicação,
Financeiro etc.), tal como são
convidados por estas a par-
ticiparem dos planejamentos
estratégicos das instituições.
O desenvolvimento do
Censo trouxe também luz aos
anseios e demandas dos asso-
ciados, que servem como um
forte indicador para a gestão
da organização representativa.
Além de indicar maior estímulo
à formação contínua do
profissional (eventos, cursos,
informação etc.), transparece
nas opiniões dos responden-
tes do levantamento a neces-
sidade de desfraldar bandeiras.
É por esta razão que a
ABCR tem reforçado sua
atuação política em defesa
da profissão (e sua prática
de forma ética), participando
com ênfase de debates sobre
o marco regulatório da socie-
dade civil e outros fóruns de dis-
cussão sobre o terceiro setor
e a sociedade. Influencia-se,
assim, a relevância e
legitimidade do profissional, de
seu meio, ao mesmo tempo que
faz coro ao fortalecimento do
campo social brasileiro e suas
mais de 291 mil organizações.
Mas os desafios que se
impõem para a ABCR crescem
intrinsicamente à sua importân-
cia histórica: a capacidade de
assumir riscos, visão inova-
dora sobre modelos de capta-
ção, lutar pelo reconhecimento
profissional (como ofício, rede e
setor), ser farol de tendências,
incidir na discussão e elabora-
ção de políticas públicas, incor-
porar um núcleo de conheci-
mento e excelência e, em espe-
cial, avançar na construção de
uma governança forte, que
desfaça o modo voluntário de
trabalho de seus gestores.
Como mostrou o Censo
ABCR, os profissionais são
otimistas frente às oportuni-
dades que se apresentam à
captação de recursos no Brasil,
visão compartilhada por seus
gestores durante os 15 anos
de vida da associação. Com
um histórico tão prodigioso,
espera-se um futuro promissor
para a organização, que debuta
em 2014 com a certeza de seu
papel transformador para uma
sociedade mais justa, inclusiva
e sustentável.
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No dia 11 de janeiro de
1999 comecei uma lista de dis-
cussão, cuja primeira mensa-
gem era uma frase automática
Welcome to the fundbr
E-Mail Group.
Depois de alguns dias
adicionando pessoas com
ajuda da Célia Cruz, escrevi
uma primeira mensagem de
boas vindas no dia 22 de janeiro
e, entre outras coisas, comentei
o seguinte: “Como iniciamos
um sistema semelhante a um
“Código de Ética”, que nos una
e principalmente estabeleça
princípios no trabalho do
Fund Raising?”
Esta era a mensagem
número 3 de uma lista de dis-
cussão que ainda existe e está
disponível para quem quiser
ler a história: https://br.groups.
yahoo.com/neo/groups/fundbr/
info.
Foi uma delícia passar a
tarde de hoje lendo muitas
dessas mensagens. Ela tem
15 anos de registros, sendo que
os primeiros 2 ou 3 foram de
imensa interação. Lá estão as
primeiras versões da missão,
a discussão dos possíveis
nomes (chegaram a sugerir
que a ABCR se chamasse
Abracadabra!) e um debate
que durou muitas mensagens:
o código de ética, mais especifi-
camente o comissionamento.
Houve brigas, gente que saiu
da lista, gente que se conhe-
ceu nela. Teve até casamento.
Na mensagem de número
5, a Célia Cruz comenta sobre
a 36a Conferência da National
Society of Fund Raisers
Executives (hoje chamadaAFP).
Ela disse: “estamos querendo
montar uma equipe brasileira
“de peso” na Conferência,
para que tenhamos respaldo
para montar um capítulo
brasileiro aqui.”
Em 27 de março de 1999,
a mensagem 51 diz: “Creio ser
válido considerarmos a forma-
ção de uma entidade que con-
gregue Captadores de Fundos,
estabeleça princípios éticos
da atividade, combata even-
tuais oportunistas inescrupu-
losos, promova um “selo” de
qualidade para os profissionais
responsáveis dedicados a esta
tarefa …”. Nosso querido René
Steuer a assinava. Começava
aí a ABCR, antes mesmo de
irem à Conferência.
Aideia era a de ser um capí-
tulo, da NSFRE, como ocorria
no México. O congresso ocor-
reria em Miami, em abril. Em
20 de maio de 1999, após o
evento, eu escrevi à lista: “Fui
incumbido de apresentar um
resumo da reunião que alguns
participantes da lista fizemos
na GV na ultima quinta feira.
Ficou estabelecido entre os
participantes da reunião que a
criação desta associação deve
ocorrer mais por “qualidade” do
que “urgência”, ou seja, vamos
buscar o máximo de consenso,
uma maior divulgação das pro-
postas e uma troca de informa-
ções que tratem de objetivos,
missão e organização para aí,
então, definirmos a criação da
associação brasileira”.
Em 13 de julho, na mensa-
gem 113, René anima nova-
mente a lista para seguirmos
com a criação da associa-
ção, ainda sem nome: “Penso
que nossa associação deve,
em princípio, definir normas
de comportamento e atitude,
catalogar e distribuir informa-
ções, ajudar a treinar capta-
dores, promover a qualidade
ética e profissional de nosso
trabalho, ser um ponto de
referência para o mundo externo
com relação à Captação de
Fundos para o Terceiro Setor”.
Em 29 de julho de 1999,
chega uma mensagem de
quem viria ser nossa querida
segunda presidente: “Meu
nome é Cristina Murachco e
trabalho como Consultora em
Desenvolvimento Institucional
A gravidez que fez
nascer a ABCR
Marcelo Estraviz
Presidente do Instituto Doar. Fundador e Ex-presidente da ABCR. Co-autor do livro “Captação de
diferentes recursos para organizações da sociedade civil”, autor de “Um dia de captador” e “Pause”.
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Penso que nossa associação deve, em
princípio, definir normas de comportamento
e atitude, catalogar e distribuir informações,
ajudar a treinar captadores, promover a quali-
dade ética e profissional de nosso trabalho, ser um ponto de
referência para o mundo externo com relação à Captação
de Fundos para o Terceiro Setor”
na PUC/SP há 1 ano.
Desenvolvo ações de capta-
ção de recursos para projetos
da Reitoria (grandes projetos
institucionais da Universidade)
e presto assessoria a proje-
tos das Unidades Acadêmicas.
Este trabalho é novo dentro
da PUC/SP e portanto ainda é
difícil mensurar resultados. Fico
muito feliz em perceber que há
um importante movimento de
organização de nosso trabalho:
estou certa que todos ganhare-
mos com isto – nós mesmos
como profissionais e o Terceiro
Setor como um todo.”
A mensagem 135 é longa,
onde René, entre outras coisas,
sugere: “Batizemos nossa
entidade como Associação
Brasileira de Captadores
de Recursos. Recursos me
parece melhor do que Fundos,
por ser mais amplo – Não nos
transformemos num “capi-
tulo” da NSFRE ( como é o
caso do México e Alberta,
Canadá) pois acredito que será
benéfico manter independência
de qualquer entidade especí-
fica. Isto nos proporcionará liber-
dade de contato com qualquer
entidade internacional, e acima
de tudo nos dará a oportuni-
dade de construir uma entidade
consciente da cultura e reali-
dade do nosso país.”
Em 5 de agosto, após uma
reunião realizada na Fundação
Getúlio Vargas, com 40
participantes, escrevo: “Nos
dividimos para enviar à lista
3 assuntos para discussão.
Eu coordenarei “código de
ética”; Celia, “Missão”, e João
Meirelles e Rene, “estatutos”.”
Rodrigo Alvarez escreve
logo após meu e-mail: “… Já
que está aberta a discussão
sobre o tema polêmico: comis-
sionamento, permitam-me que
eu me posicione. Sou também
da opinião defendida pela
Celia na última reunião. Acho
que devemos garantir em
nosso código de ética a nossa
postura em relação ao paga-
mento de salários aos capta-
dores de recursos, e não um
comissionamento pela venda.
Ora, se estamos criando uma
Associação de Captadores de
Recursos, um dos objetivos é
fazermos com que a profissão
seja respeitada. E respeito, a
meu ver, dentro de uma orga-
nização, é considerar o cap-
tador de recursos tão impor-
tante quanto um educador,
quanto um psicólogo, quanto
qualquer outra pessoa que
faça parte da equipe. O que
acho é que a postura de pagar
salários é mais condizente
com o tipo de associação que
queremos criar.”
Em 6 de agosto recebe-
mos o primeiro e-mail de quem
viria a ser nossa primeira Vice
Presidente: “Como estou debu-
tando nesta interessantíssima
lista de discussão, quero me
apresentar. Meu nome é Carla
da Nóbrega, trabalho na capta-
ção de recursos da Associação
Civil Greenpeace. Estou na
área de captação há 5 anos.”
No dia 30 de agosto,
houve uma nova reunião na
GV e, pelo e-mail da Célia
resumindo o que ocorreu, relem-
bro que de lá saiu a missão:
“Promover, desenvolver e
regulamentar a atividade de
captação de recursos segundo
seu Código de Ética e apoiando
o Terceiro Setor na construção
de uma sociedade melhor.” E a
decisão de que chamaríamos
mesmo ABCR.
A mensagem 344 (Sim!
Foram muitas mensagens
discutindo o código de ética, o
nome daAssociação, os estatu-
tos...) foi escrita pela Celia, cha-
mando para a reunião dia 5 de
novembro, para aprovações,
encaminhamentos e registro da
associação. Nesta época a lista
já tinha 89 nomes.
No dia 31 de outubro, envio
uma versão do código de ética
e, no dia 3, René a melhora
sensivelmente. Tudo via web.
Um trabalho realmente bonito
de se (re)ver essa gestação
da ABCR.
A reunião seria 5 de novem-
bro, mas foi adiada para 7 de
dezembro, pois ainda se debatia
muito o nome da organização
pela lista. Também o código
e os estatutos. Mas a criativi-
dade sobre o nome era imensa.
ABCARE,Abracadabra, Captar,
ANCR, ACRB… emails e mais
emails.
Final de 1999, em uma sala
da Fundação Getúlio Vargas,
lá estávamos 19 participantes.
Decidimos que os associados
que entrassem nos próximos
seis meses seriam considera-
dos sócios fundadores. No dia
13 de dezembro, com certo
atraso, mando a mensagem (de
número 473 na lista) falando
da reunião, onde oficializamos
a criação da ABCR e termino
assim: A reunião foi muito boa,
realmente. Vida longa à ABCR!
E o resto é história.
* Dedico este artigo a Célia,
René, Cristina, Carla e Rodrigo.
Desde então vocês fazem parte
da minha história.
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Em 1996, um maluco
resolveu contratar um jovem
recém-formado, de 24 anos,
para criar a área de captação
de recursos dos Doutores da
Alegria. O maluco se chama
Wellington Nogueira, um ator
que se transformou num dos
mais criativos, ousados e
competentes empreendedores
sociais que o Brasil conheceu
nos últimos 20 anos. O
jovem formado era eu, saído
da faculdade apenas com
uma certeza: de que eu só
conseguiria trabalhar em algo
que fizesse sentido para mim e
para o mundo.
Não percebíamos, mas o
setor sem fins lucrativos, tão
antigo quanto a Santa Casa de
Misericórdia de São Vicente,
estava em ebulição. Muitas
das organizações e pessoas,
que são referência no setor
hoje, começavam a pôr o pé
na profissão, como diria Milton.
Em 1999, um pequeno
grupo de profissionais (eu
incluído) organizou uma
delegação brasileira para
participar do evento anual
da NSFRE (National Society
of Fundraising Executives),
a ABCR americana, que
anos mais tarde viria a ser
chamada de AFP (Association
of Fundraising Professionals).
O evento acontecia em
Miami, num imenso Centro
de Convenções. Era o 36º.
Congresso da NSFRE, um
evento para cerca de 7 mil
pessoas! Fiquei impressionado
com o nível de maturidade e
profissionalismo com que os
americanos tratavam do tema
e descobri um verdadeiro
novo mundo do “fundraising”:
empresas, consultores,
técnicas, estratégias, métodos...
Tudo ali, na nossa frente.
Tínhamos muito a caminhar,
mas foi fundamental ver onde
poderíamos chegar.
A delegação brasileira,
representada por nosso atual
presidente do Conselho René
Steuer, realizou, durante aquele
evento, uma reunião com a
diretoria da NSFRE, onde
recebemos um convite para que
nos tornássemos um capítulo
brasileiro do evento.
O convite era tentador.
Começaríamos com o nome e
apoio de uma organização que
já tinha 36 anos. Mas falou mais
alto nossa vontade de ter auto-
nomia e construir algo que fosse
genuinamente brasileiro, ainda
que tivéssemos mais desafios
no começo. Aquela decisão foi
amadurecida ali, em mesas de
almoços e jantares do evento,
por nós mesmos, um grupo
de jovens idealistas, em seus
começos de carreira, que talvez
não tivessem ideia da magni-
tude da empreitada.
Voltamos ao Brasil e no ano
seguinte formalizamos a criação
da ABCR. Aquele começo foi
pura energia. Nossa intenção
era criar, nesse setor que se
estruturava, uma organização
que zelasse pela ética na pro-
fissão e pelo respeito aos doa-
dores. Lembro-me que me dedi-
cava à missão da ABCR, como
quem defende a própria honra
profissional. Isso talvez fosse
nosso maior combustível, pelo
menos era o meu.
Criamos um código de ética
e um estatuto dos direitos do
doador, realizamos congres-
sos, expandimos a missão pelo
Brasil e, mais do que tudo, fin-
camos nossa bandeira e nossa
posição no setor.
Mas nem tudo são flores
na vida de uma organização.
Éramos (e ainda somos) um
grupo de voluntários, com
pouco tempo disponível. O dia a
ABCR, uma organização
que pulsa
Rodrigo Alvarez
Sócio Diretor da Mobiiza, empresa de consultoria brasileira com foco no desenvolvimento de
estratégias de captação de recursos e modelos de negócios para organizações sociais. Membro do
Conselho da AIESEC e fundador da ABCR, sendo atualmente Diretor de Relações Internacionais.
Coautor do livro “Fundos Patrimoniais - criação e gestão no Brasil”.
11. 11
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dia da ABCR também requeria
atas, reuniões, decisões,
planejamento, liderança,
recursos, enfim, tudo o que
qualquer organização precisa
para crescer. Vivemos também
momentos de dúvidas. O
próprio setor passou, a partir da
segunda metade dos anos 2000,
por muitos questionamentos.
E a ABCR viveu seu período
de crise.
No ápice dessa crise, em
2005, fizemos um jantar na
casa da Célia Cruz para dis-
cutirmos o futuro da ABCR. A
questão que se colocava era
se existia um grupo decidido
a carregar a ABCR além. Era
claramente uma encruzilhada,
onde o risco da organização
ser extinta naquele momento
estava presente. Mais uma vez,
numa mesa de jantar, 7 anos
depois de Miami, decidimos
o destino dessa organização.
Não me lembro bem de todos os
presentes na reunião, mas me
lembro que o Marcelo Estraviz
estava presente e se pronun-
ciou: “Eu topo tocar adiante”, ao
que eu emendei que o acom-
panharia nessa empreitada.
Nos anos seguintes, Marcelo
foi incansável em resgatar a vida
da ABCR e, nesse caminho, foi
fundamental a criação do FLAC
– Festival Latino Americano de
Captadores de Recursos, como
um evento anual, que já vai para
sua 7ª edição em 2015, agora
com o nome Festival ABCR.
Mas a vida segue e con-
tinuamente, como líderes da
ABCR, precisamos nos pergun-
tar: “Continuamos relevantes?”.
Essa pergunta deve ser refeita,
agora que a ABCR entra em
sua adolescência.
Não tenho dúvidas que sim.
Na verdade, acho que uma
organização como a ABCR
é mais relevante hoje do que
nunca. Num momento em que
a fronteira entre os setores está
mais nebulosa, é cada vez mais
claro, para mim, que existem
ações e causas que só podem
ser financiadas com recursos
de doação e outras que devem
compor um modelo de financia-
mento híbrido, entre doações e
investimentos de impacto.
Ouvi outro dia um ditado que
dizia que “o que não se doa, se
perde”. Num mundo em que a
colaboração e a tecnologia
podem potencializar a mobiliza-
ção de todos os tipos de recur-
sos, vejo o profissional de mobi-
lização de recursos mais con-
temporâneo que nunca. Como
alguém que consegue enxer-
gar conexões entre pessoas e
causas e tem habilidade para
construir pontes invisíveis, para
resgatar nosso poder de usar
todos os nossos recursos para
o bem comum.
12. 12
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No dia 9 de julho de 2009,
aconteceu no Centro Cultural
da Justiça Federal, na cidade
do Rio de Janeiro, o lança-
mento do primeiro núcleo
regional da ABCR. Foi um
encontro que reuniu cerca de
90 profissionais de captação de
recursos interessados em con-
versar sobre a formação de um
espaço de encontro, troca e
aprendizado. Organizado pelo
então presidente da ABCR,
Marcelo Estraviz, foi o primeiro
passo para a criação da rede
entre os captadores do Rio de
Janeiro, que até hoje estimula
encontros de compartilhamento
de experiências, disseminação
e debates sobre o tema capta-
ção de recursos.
Mais do que um debate, o
evento foi essencial para abrir
caminhos a novas reuniões
que viriam a seguir e seus des-
dobramentos, todos basea-
dos em uma construção cole-
tiva, que se deram à medida
da participação, interesse e
compartilhamento mútuo. Algo
muito próximo à forma e formato
que já acontecia em São Paulo,
o Nutrindo Relações.
No balanço de um ano, o
Grupo de Trabalho, que se
formou a partir de profissionais
de captação de recursos
associados à ABCR, organizou
uma reunião de avaliação onde
foram discutidos as principais
conquistas, até então, e os
ajustes necessários para sua
continuidade. Os encontros
realizados foram bastante
significativos e apontavam para
um processo de consolidação
do Núcleo na cidade do
Rio de Janeiro.
Importantes alianças foram
feitas neste período, que con-
tribuíram para o fortalecimento
da iniciativa e constituição de
uma agenda anual de ativi-
dades. E os ajustes identifica-
dos eram a criação de uma pes-
quisa de opinião sobre temas
de maior interesse; o aprimora-
mento da dinâmica dos encon-
tros reforçando a troca de
experiências e o foco na análise
crítica da atividade de mobiliza-
ção de recursos; e, por fim, se
aproximar da Diretoria Nacional
da ABCR.
Neste período, foram
realizados cerca de 20 eventos
presenciais em toda a Região
Metropolitana do Rio de Janeiro,
chamados então de Encontros
Temáticos. Os principais
assuntos discutidos nestes
eventos foram: elaboração e
monitoramento de projetos
sociais, culturais, esportivos e/
ou ambientais, principais meios
de captação de recursos com a
iniciativa privada e fundações
internacionais, regulamentação
da profissão do captador de
recursos, financiamento da
cultura x investimento social
privado e, por fim, discussões
sobre o Marco Regulatório do
Terceiro Setor.
Em 2011, o crescimento e
demandas do grupo fez com
que o modelo piloto estruturante
fosse mudado para Núcleo
Rio, tornando-se uma unidade
representativa da ABCR no
Estado, buscando cada vez
mais alinhar-se conceitualmente
e estruturalmente à missão
institucional. De um espaço
de troca, o Núcleo passa a
ser uma peça fundamental
do projeto de regionalização
da ABCR e sua demanda por
desenvolver campanha de
novas adesões de associados
cariocas. O modelo, a pedido
do próprio grupo fluminense, foi
implantado, mais tarde, em São
Paulo, como forma de estimular
a criação de organizações
regionais em outros estados.
Mesmo assim, os Encontros
Temáticos continuavam a
todo vapor, nos quais foram
discutidos: leis de incentivo, seja
cultural ou esportivo, formas
de comunicação e mobilização
A Regionalização da
ABCR - A Experiência Rio
Ana Flávia Godoi
Diretora Nacional de Comunicação e Coordenadora Regional Núcleo Rio da ABCR. Gerente de
Desenvolvimento Institucional do ELAS Fundo de Investimento Social e Especialista de Captação
de Recurso do Serviço Social da Industria da Construção do Rio de Janeiro.
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De forma in-
tensa, o Nú-
cleo sempre
se preocupou na busca e
fidelização de parcerias
para a manutenção de
suas atividades.”
social, crowdfunding, marketing
cultural 3.0, legalização da
profissão de captador de
recursos, sustentabilidade e
direito do entretenimento.
Já em 2012, o Núcleo
realizou uma parceria com a
Universidade Cândido Mendes
e com o SESC Rio para seus
eventos presenciais e para
a formação de um grupo de
estudos focados em temas
correlatos à mobilização de
recursos. Os principais temas
discutidos foram: Marketing
Direto, Fundos Independentes
e Grandes Doadores. Naquele
ano, foram incorporadas
as Reuniões Mensais de
Associados que proporcionou
aos participantes um espaço
legítimo de networking.
No mesmo ano, também
foi realizado o primeiro Fórum
Regional: Fórum [Rio] de
Captadores de Recursos.
Organizado na sede do
Serviço Social da Industria da
Construção do Rio de Janeiro
(Seconci-Rio), em parceria com
Repense Comunicação, teve
como objetivo discutir as diver-
sas possibilidades para a sus-
tentabilidade das organizações
não-governamentais brasilei-
ras no século XXI. Contou com
cerca de 150 participantes
e trouxe o então Diretor de
Incentivo à Cultura do Ministério
da Cultura para debater sobre o
papel do captador de recursos
do desenvolvimento do setor.
De forma intensa, o Núcleo
sempre se preocupou na busca
e fidelização de parcerias para
a manutenção de suas ativi-
dades. Assim, por meio de de
reuniões periódicas de avalia-
ção e mobilização de novos e
antigos voluntários, manteve
constante comunicação com
todos os membros e aferiu os
resultados de seus encontros.
A comunicação institucional,
aliás, foi aprimorada ao longo
do tempo para ampliar per-
cepção de ABCR Rio como
importante polo de conheci-
mento, articulação e relacio-
namento. Assim, hoje, a ABCR
Rio reúne não somente capta-
dores de recursos, mas profis-
sionais, gestores e pesquisa-
dores interessados em articu-
lar e promover a atividade de
mobilização de recursos. Como
é o caso do diálogo e aproxi-
mação com diversos atores do
setor cultural carioca, contabi-
listas e, também, cursos univer-
sitários de produção cultural e
direito do entretimento, em que
se discute sobre a importância
da captação de recursos institu-
cionalizada e alinhada à missão
das organizações.
Entre 2013 e primeira
metade de 2014, os Encontros
Temáticos trouxeram temas
baseados na escolha dos
próprios associados, tais como:
implantação de departamento
de captação de recursos;
desenvolvimento das organiza-
ções da sociedade civil e mobi-
lização de recursos; captação
de recursos através de ferra-
mentas de gestão de doadores;
gestão de projetos e a mobili-
zação de recursos; geração de
renda própria e por fim cultura
da doação.
Durante esses seis anos
interruptos de trabalho, enfim,
o Núcleo Rio cresceu em mais
de 100% o número de associa-
dos do Rio, realizou mais de
50 eventos gratuitos em diver-
sas instituições, reuniu cerca
de 2000 pessoas em suas
atividades e mobilizou par-
cerias entre elas: Espaço Rio
Carioca, Junior Achievement,
Médicos Sem Fronteiras, Rede
Social Bandeirantes, Sesc Rio,
Sindicato dos Contabilistas,
Serviço Social da Industria da
Construção do Rio de Janeiro,
Repense Comunicação,
Observatório de Favelas,
Instituto Coca Cola, ONG Visão
Mundial, Prefeitura Municipal
do Rio de Janeiro, Universidade
Cândido Mendes, ESPM Rio e
Ministério da Cultura .
Para a próxima gestão os
desafios ainda são muitos.
Continuar a investir no
fortalecimento e crescimento
da base de associados,
empreendernovaseimportantes
parcerias para melhorar o
entendimento sobre a captação
de recursos institucionalizada e
ainda promover aproximações
em outras áreas correlatas,
como saúde, educação e meio
ambiente, tal como a já parceira
cultura.Além disso, por se tratar
de um Núcleo que representa
territorialmente o Estado
do Rio de Janeiro, a ABCR
Rio precisa investir em uma
comunicação institucional em
outros municípios fluminenses.
A experiência do Rio de
Janeiro tornou possível que a
ABCR estimulasse a criação de
outros Núcleos Regionais. Sob
a orientação de um Regimento
Interno e sendo oficialmente
constituído naAssembleia Geral
de Associados, os Núcleos
representam a ABCR territorial-
mente. Coordenados por dois
associados voluntários eleitos
entre os associados locais,
esses núcleos representam,
ampliam o alcance nacional da
Associação, ao mesmo tempo
em que aproximam e fidelizam
nossos associados.
A atuação de cada um
deles inclui o fomento e a
mobilização de profissionais
da área contribuindo para
capacitação, treinamento e
aperfeiçoamento de todos,
apoiando a disseminação sobre
as formas diferenciadas de
garantir a sustentabilidade do
Terceiro Setor no Brasil.
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Quem é o captador de recur-
sos em uma Organização da
Sociedade Civil, OSC? Quais
são suas aptidões e habili-
dades? Deve ser formado em
qual curso? Qual a diferença
entre mobilizar e captar recur-
sos? Muitas perguntas que não
têm uma única resposta.
Iniciamos explicando porque
consideramos esta atividade
não passível de terceirização,
como a do contador, em que a
atuação acontece fora da OSC.
Entendo que a captação
é fruto de relacionamento de
médio e longo prazo, com as
diversas fontes de recursos,
e não uma atuação pontual.
Sendo assim, nada mais justo
que seja um profissional ligado
à organização e à missão. Ele
deve ter paixão pela causa,
brilho nos olhos, além dos
conhecimentos técnicos. Os
frutos demoram a chegar e um
terceiro, às vezes, não quer
esperar o tempo necessário
e executar as atividades de
fidelização.
Quando iniciamos um novo
negócio (do segundo setor)
pensamos em no mínimo três
departamentos: o produtivo
(que pode ser uma fábrica, um
estoque ou serviços que iremos
prestar), o administrativo-
financeiro e, por fim, o
Comercial/Marketing. Quando
começamos uma iniciativa
social, pensamos só na causa
e em um micro departamento
administrativo. E o comercial? É
terceirizável em uma empresa?
Por que seria em uma ONG?
Os empreendedores sociais
acreditam que os recursos
virão do céu ou de um grande
benfeitor, porém mesmo quando
isto acontece, não é bom para
a OSC. Para ela ser legítima e
ter menos riscos deverá buscar
recursos em diversas fontes a
partir de diversas estratégias.
Mais à frente iremos detalhar
este departamento. Agora,
gostaria de discutir quem é este
captador e sua importância.
Então, quem é o capta-
dor? Qual a sua formação? O
profissional que escreve um
projeto pode ser considerado
um captador? Quem faz pes-
quisas: em editais, SICONV,
empresas, pode? Quem aprova
leis de incentivo é captador ou
somente àquele que visita à
empresa? Quem marca a visita
ou faz follow up da visita está
fazendo uma atividade de cap-
tação também?
Acredito que sim para todas
as perguntas acima. Todos são
captadores ou mobilizadores de
recursos e fundamentais para
o sucesso da causa e da OSC.
E mais: quem elabora a comu-
nicação, o site, quem cria ou
vende um produto ou serviço
que a OSC tem como meio para
suas finalidades é tão captador
quanto quem busca pessoal-
mente uma doação de R$ 30 ou
de R$ 1 milhão. Mais uma razão
para ele não ser comissionado
e trabalhar por um salário como
todos os outros profissionais da
organização.
Poderá ser formado em
diversos cursos e quanto maior
a sua experiência, melhor será
seu desempenho e salário.
Voltando ao início do texto,
uma pessoa sozinha consegue
pesquisar, elaborar materiais
de comunicação, ser bom em
diversas estratégias, captar
com pessoas físicas na rua ou
em grandes doadores pessoas
jurídicas e físicas, escrever
projetos etc.? Dificilmente uma
pessoa só dará conta de tantas
habilidades e conhecimento e
assim sugerimos a criação de
um departamento específico
O Captador de recursos,
uma profissão essencial
Michel Freller
Professor na pós-graduação do SENAC, da UNICIM de Maringá e na Diálogo Social. Conselheiro
Fiscal da ABCR. Diretor de expansão da ABRAPS (Associação Brasileira dos Profissionais de
Sustentabilidade) e fundador da Criando Consultoria ltda.
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O custo e o tamanho deste departamento
irá variar de acordo com o número de
estratégias simultâneas a organização tem
capacidade de iniciar, investindo tempo e demais recursos,
inclusive financeiros.”
nas organizações.
AáreadeDesenvolvimento
Institucional – DI
Para o desenvolvimento das
atividades de mobilização de
recursos, as OSCs têm criado
uma Área de Desenvolvimento
Institucional - DI. Já descrita
no livro de Cruz e Estraviz
(2000) e observada em diver-
sas organizações pelo mundo,
esta área deverá ser orga-
nizada de acordo com as
características da organização
e da prioridade definida para a
mobilização de recursos.
O DI terá a responsabili-
dade de gerenciar as atividades
relacionadas à análise, plane-
jamento, execução, controle
e à avaliação da mobilização
de recursos e manutenção da
sustentabilidade organizacio-
nal. Os profissionais da área
deverão ter capacidade estra-
tégica, analítica e de compreen-
são, com iniciativa, agilidade,
organização e serem focados
em objetivos, metas, resulta-
dos e atendimento aos prazos
estabelecidos. É indispensável
que tenham uma boa forma-
ção, experiência com OSCs e
envolvimento com os conceitos
de sustentabilidade e respon-
sabilidade social.
Principais atividades da
área:
• participar da implemen-
tação do Plano Estratégico
para a Mobilização Recursos
(PEMR);
• criar e conservar o banco
de relacionamentos;
• prospectar fontes de
recursos e manter a comunica-
ção de fidelização;
• coordenar campanhas
para mobilização de recursos;
• elaborar projetos e
orçamentos;
• criar relatórios de presta-
ção de contas;
• c r i a r t e x t o s d e
agradecimento e planos de
contrapartida para doadores,
patrocinadores, apoiadores e
parceiros;
• avaliar a atividade de
mobilização de recursos;
• participar em reuniões
de solicitação de recursos;
• coordenar terceiros
envolvidos nas campanhas
de mobilização de recursos
(publicidade, assessoria
de imprensa, agências de
marketing e comunicação, etc.);
• coordenar eventos
especiais para mobilização de
recursos;
• documentar e sistemati-
zar os resultados das atividades
e preparar relatórios;
• participar das reuniões
de Diretoria da Organização.
Independentemente das
estratégias adotadas, reco-
menda-se a criação de um
banco de dados e relacio-
namento específico para as
atividades de captação de
recursos. O objetivo deste
banco é auxiliar na identifica-
ção e no contato com potenci-
ais fontes de recursos, assim
como no acompanhamento das
interações realizadas.
Além disso, o banco de
dados irá subsidiar a avaliação
dos resultados alcançados ou
das tendências observadas, a
correção de estratégias etc.
Para a implementação das
estratégias, o DI fará reuniões
periódicas com todos os envolvi-
dos, provavelmente semanais,
no início, avaliando controles
das tarefas e definindo a priori-
dade, o responsável e o prazo
acordado.
O custo e o tamanho deste
departamento irá variar de
acordo com o número de estra-
tégias simultâneas a organiza-
ção tem capacidade de iniciar,
investindo tempo e demais
recursos, inclusive financeiros.
Poderá iniciar com um profis-
sional por meio período e ir
crescendo na medida das pos-
sibilidades. Porém, sem este
profissional de captação, dificil-
mente crescerá com alicerces
saudáveis, o que torna essen-
cial a sua contratação.
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Pense sobre algumas
das principais mudanças
que ocorreram em tão pouco
tempo no Brasil. Crescimento
considerável da economia e do
PIB. Crescimento nos níveis de
educação e na expectativa de
vida, em paralelo à redução nas
taxas de mortalidade infantil.
O que isso tudo tem a
ver com as organizações da
sociedade civil (ONGs)? Bem,
você pode-se orgulhar dessas
mudanças porque você e
suas organizações são sem
dúvida responsáveis por parte
delas. Suas organizações tem
estado na linha de frente
em muitos desses assuntos.
O seu trabalho teve um impacto
imenso.
Mas, ainda mais impor-
tante, eles são sinais de um
país robusto e que cresce. Um
povo que tem melhor saúde,
mais dinheiro, grandes níveis
educacionais – será mais
ativo. Mais poderoso. Quer se
engajar mais. E quer criar ainda
mais impacto!
O engajamento em orga-
nizações da sociedade civil é
um pilar critico da nossa socie-
dade livre. Nossa doação, nosso
voluntariado – nosso engaja-
mento – não apenas ajuda as
pessoas. Ajuda nossos países
e nosso mundo. Nos mantém
livres e independentes. Define
quemsomos.Fortaleceasideias
de justiça, ética e democracia.
E essas não são simplesmente
palavras para florear – o enga-
jamento nas organizações e no
terceiro setor é real, meios con-
cretos nos quais apoiamos uma
sociedade livre e engajada.
Tudo isso acontece quando
reunimos as pessoas. O terceiro
setor faz as pessoas pensa-
rem sobre o seu mundo, o seu
lugar nele e o que elas querem
mudar. Fortalece nossas liga-
ções e conexões sociais. Pelo
nosso trabalho, as pessoas
aprendem sobre os temas mais
importantes.
Estou orgulhoso de trabalhar
para a profissão da captação de
recursos e representar tantas
pessoas maravilhosas que
estão levantando dinheiro para
causas fantásticas pelo mundo.
Mas estou ainda mais orgulho
do impacto que ajudamos a
criar. Ele é muito maior que
simplesmente o dinheiro que
levantamos, ou mesmo os
programas e serviços que
entregamos.
Mais e mais, organizações
estão liderando a sociedade.
Desenvolvendo novas ideias e
maneiras de se pensar sobre as
coisas. Criando mudança para
além de realizarem projetos.
Pense sobre todas as prin-
cipais iniciativas e campanhas
realizadas pelo mundo nos
últimos 50 anos. Na maioria
delas, quem as liderou?
ONGs. Quem foi responsável
pelo sucesso na defesa de
mudanças de políticas públicas
em cada tema possível? ONGs
trabalham com praticamente
todos os temas agora, inclu-
indo a prevenção da violên-
cia, padrões de vida, a econo-
mia, a produtividade governa-
mental, reforma da educação e
cada tipo de avanço na ciência
e tecnologia. Nenhum desses
temas são clássicos foco das
organizações, e ainda assim
eles têm uma grande influên-
cia em um grande número de
coisas que afetam nossa vida
cotidiana.
Mais e mais, pessoas
estão vendo o mundo pelo
prisma do engajamento.
Doação. Filantropia. Como elas
encontram as pessoas, se pelo
voluntariado ou comunidades
online. Como elas gastam o
seu tempo. Como determinam
o que é importante para elas.
Organizações têm um papel de
liderança cada vez maior nisso.
Aqui uma outra forma
de entender o nosso papel.
Considere o que leva alguém
a ser solidário. Requer um
país onde a criação de riqueza
é encorajada e disseminada.
Requer um governo que permite
a criação de ONGs e cidadãos
que têm liberdade para fazer o
que quiser com o seu dinheiro.
Essencialmente, a filan-
tropia e o engajamento são
expressões básicas da liber-
dade e dos direitos humanos.
E, para muitas regiões, é um
A captação de recursos
impactando o mundo
Andrew Watt
Professor da Universidade St. Marys de Minnesota e Presidente e Diretor Executivo (CEO) da
Association of Fundraising Professionals.
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Criar um ambiente legal que apoie a capta-
ção de recursos e o terceiro setor não é ape-
nas a responsabilidade das organizações da
sociedade civil.”
indicador do crescimento
das liberdades e dos direitos
humanos – econômicos, políti-
cos e outros. Mapeie o cresci-
mento da renda individual na
Ásia, Oriente Médio, América
Latina e mesmo aqui, no
Brasil, e pela América do Sul.
Pessoas estão ganhando mais
dinheiro,oquelevaamaiorpoder
politico, econômico e social. E
não é nenhuma surpresa que
um terceiro setor organizado
esteja crescendo nessas áreas
também. O link entre liberdade,
riqueza, independência e enga-
jamento não pode ser negado.
Esse é o impacto que nós
– como setor da sociedade
civil – ajudamos a criar. Não é
somente pela doação, volun-
tariado e apoio a causas. Nós
damos sustentação a socie-
dades livres, e o mundo.
Esse é o impacto extra-
ordinário – e o tipo de impacto
que os doadores querem. Eles
querem ser desafiados. Eles
querem ouvir sobre grandes
planos e grandes sonhos que
mudam o mundo. É esse o pri-
meiro motivo pelo qual eles
doam. Eles QUEREM estar
próximos às comunidades e
criar impacto.
Comunidade e impacto são
duas ideias principais que as
pessoas estão olhando em sua
vida cotidiana: a oportunidade
de se aproximar de seus
vizinhos e ser parte de algo
maior que a si próprio. Eles
querem conectar e se engajar
com outros, e eles podem fazer
isso em uma comunidade,
onde trabalhamos juntos para
crescer e avançar mais fortes.
E apesar de termos a
tendência de pensar no enga-
jamento em ONGs como algo
típico e ordinário, às vezes o
engajamento é dramático.
Por exemplo, em tempos de
revolta social, pessoas recor-
rem às ONGs e organizações
comunitárias. Peguemos as
revoltas recentes no Oriente
Médio, que se iniciaram em
dezembro de 2010. Esses
movimentos não teriam ocor-
rido sem ONGs fazendo
crescer a consciência e edu-
cando o publico mundial sobre
o que estava acontecendo lá,
e servindo como um ponto de
partida.
Depois de períodos de
grande agitação social, ou
quando governos estão sendo
formados, as pessoas buscam
uma forma de se conectar. O
Iraque é ainda foco de insta-
bilidade social mais de uma
década após a queda de
Saddam Hussein. Ainda assim,
milhares e milhares de orga-
nizações e serviços civis estão
emergindo. Por toda a fragmen-
tação que o país tem até hoje,
o trabalho de trazer as pessoas
mais próximas – usando os
padrões e práticas que as orga-
nizações usam pelo mundo –
está começando.
Aqui no Brasil, um grande
exemplo são as políticas públi-
cas. Acredito que essa seja
uma das coisas mais impor-
tantes que as organizações
precisam fazer: encorajar as
pessoas a se envolverem mais
com o governo. Conversar
com os legisladores e regu-
ladores sobre as mudanças
necessárias. Educá-los sobre
o que as nossas organiza-
ções fazem. Educá-los sobre
leis que encorajem doação e
voluntariado.
Criar um ambiente legal que
apoie a captação de recursos
e o terceiro setor não é apenas
a responsabilidade das orga-
nizações da sociedade civil.
Os indivíduos que nos apoiam
podem ajudar também, colo-
cando pressão para que o
governo faça as mudanças
necessárias. Políticas públicas
e regulação podem ser manei-
ras importante de fazermos as
pessoas se engajarem e fazer
a mudança real.
Mas os cidadãos não
se engajam dessa maneira
a menos que se sintam
empoderados. E é por isso que
todas as mudanças na América
Latina nas últimas décadas são
tão importantes. Porque estão
empoderando os cidadãos
– pessoas ordinárias – a se
levantar, a serem ouvidas e se
envolverem.
E nossas organizações são
uma parte fundamental nesse
empoderamento. Nós somos
parte do incrível tecido social
do país. Nós somos um lugar
para se aprender. Para se inspi-
rar. Para se sentir parte de uma
comunidade. Para entender o
nosso papel no mundo.
Nossas mudanças chegam
ao coração do nosso mundo.
Nosso impacto reside no
sentido do que significa ser
um cidadão. De engajar com
nossos vizinhos. De ser parte
de uma sociedade livre. E de
querer fazer o nosso mundo um
lugar melhor.
Nós, captadores, somos a
profissão que cria a mudança.
Pelo simples ato de ajudar um
único indivíduo, uma campanha
de massa que mobiliza o país e
o mundo, não devemos nunca
esquecer o impacto incrível
que temos quando reunimos
as pessoas.
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A circulação de um presente ou de uma doação ali-
menta aquelas partes de nosso espírito que não são
inteiramente pessoais, mas oriundas da natureza, do
grupo, da raça e até dos deuses. Aliás, mesmo que
esses espíritos façam parte de nós, eles não são “nos-
sos”; são dádivas que nos foram conferidas. Ao doar o acréscimo que
proveram, nós as alimentamos – e assim aceitamos que receber tais
dádivas traz consigo uma obrigação de preservar sua vitalidade.
Lewis Hyde, em The Gift: Creativity and the Artist in the Modern World
O captador de recursos é
um privilegiado: a ele cabe a
função de alimentar a circula-
ção de doações na sociedade. E
isso é essencial para nossa vida
em sociedade, nossa vida em
comunidade. Para falar disso,
farei um paralelo com algumas
ideias contidas no livro de
Lewis Hyde.
O autor é um poeta e
intelectual americano que se
interessa pelo que chama da
vida pública da imaginação
humana. No livro que contém
a citação acima, ele propõe
um paralelo entre a atividade
artística, criativa, e a palavra gift,
que em inglês pode significar
talento, doação ou um presente
que se pode dar a alguém.
Há sentidos semelhantes em
português: um artista talentoso
é descrito como possuidor de
um dom; doar e dar podem ser
sinônimos, muitas vezes.
A principal oposição à
ideia de doar é a de comércio.
Enquanto uma doação ou um
presente cria laços e um sentido
de comunhão entre os envolvi-
dos, a venda ou compra de um
produto ou serviço não pres-
supõe essa mesma relação.
O comércio tende a ser muito
mais impessoal, baseado na
ideia de estar quites. Quando
se compra algo por um preço
considerado justo, a relação
termina ali: não resta nenhuma
obrigação ou expectativa de
nenhuma parte.
Doar algo ou presentear
alguém, ao contrário, pressupõe
que se queira fortalecer a
relação, para que ela não
termine, mas sim continue e
cresça. Uma das formas pelas
quais isso acontece é chamada
de reciprocidade: quando
alguém a quem presenteamos
nos dá outro presente de volta –
não por que a gente cobra, mas
sim por que o outro se voluntaria
para retribuir. Obrigado
pelo jantar, o próximo é na
minha casa.
Mas esse elo de doação –
apenas entre duas pessoas ou
pequenos grupos de pessoas –
é o mais simples. Os laços com
maior potencial de crescimento
acontecem quando o círculo
de doação é aberto e envolve
terceiros, quartos, quintos...
Essa afirmação não soará
como surpresa para quem já se
envolveu em iniciativas sociais
que formam multiplicadores,
que devem repassar o que
aprenderam adiante. O melhor
exemplo de que me lembro
veio de uma grande fundação
paulista, em que os educado-
res da organização formavam
jovens para serem leitores para
crianças pequenas. Um dos
melhores resultados alcança-
dos foi o de que esses jovens –
que já eram em si público-alvo
do programa – tomaram a inicia-
tiva de também contribuir finan-
ceiramente para a manutenção
da iniciativa. As doações geral-
mente eram pequenas – muitas
vezes não chegavam a 10 reais
– mas eram grandes o bastante
para unir mais um elo solidário
ao programa.
Pensar na doação como
um presente também reforça
a importância da gratidão, em
dois sentidos principais. Poder
doar algo significa não só que
somos capazes de reconhecer
a ajuda que outros nos deram
(nossa família, nossa escola ou
faculdade, nossa comunidade,
nossos amigos, desconheci-
dos que foram gentis sem razão
aparente). Significa também
que já somos capazes de ajudar
a outros, e fazer essa doação
reforça essa confiança interna.
Pode ser uma doação de R$ 1
ou R$ 10 milhões: o impulso
e a importância emocional
A doação como um presente,
a doação como um dom
Fernando Nogueira
Bacharel em Administração e Mestre e Doutor em Administração Pública e Governo pela FVG-
EAESP, onde é professor. Leciona também na ESPM-SP.
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são equivalentes.
É curioso lembrar que
Lewis Hyde também faz uma
associação entre gift e talento,
paralelo que da mesma forma
cabe à doação. Podemos falar
nela como um dom que temos,
se levamos em conta que
diversas pesquisas recentes
mostram como o ser humano
nasce com a capacidade de
altruísmo e de se importar com
os outros – mesmo que não
sejam parte de nossa família
ou comunidade imediata.
Como todo talento, não basta o
impulso da natureza: é preciso
exercitar e encorajar esse dom;
ele precisa ser desenvolvido
e praticado no mundo real.
Aí está mais um privilégio do
captador de recursos: é alguém
que facilita o desenvolvimento
de mais um talento humano.
Tudo isso que falei até agora
não quer dizer que não há um
lado escuro e problemático do
impulso doador. A conexão que
se estabelece pode ser exces-
siva, opressiva, até mesmo
aprisionar nossa identidade.
Imagine um adolescente que
quer crescer e se tornar mais
adulto: pode ser importante
parar de aceitar presentes de
seus pais. Da mesma forma,
pode chegar um momento em
que uma comunidade prefira
rejeitar alguns tipos de doações
para reforçar a autonomia de
suas decisões e prioridades.
Acima de tudo, dependendo
de como é feita, a doação
pode se tornar um demarcador
de poder: doo porque espero
receber gratidão, porque
espero que outros fiquem em
dívida com minha “bondade”.
Pode se falar até em tirania da
doação, que usa o poder de
comunhão da generosidade
para manipular ou humilhar as
pessoas. Como exemplo, uma
rima da época da escravidão é
citada por Lewis em seu livro,
aqui traduzida livremente:
“Os brancos lá de
Washington são peritos em
jogar
Uma esmola para os negros
para vê-los se curvar”
Não são apenas privilé-
gios, portanto, mas também
desafios: que o captador aja
para que o ato de doar não
seja de opressão, mas sim de
comunhão!
Para terminar, uma
reflexão sobre as pressões do
profissionalismo. Tudo muito
bonito, dirá um leitor, mas tenho
planejamento pra cumprir,
metas a alcançar, orçamento
pra bater. Ficar apenas
esperando ou cultivando a
generosidade alheia pode
não ser suficiente; em geral
é necessário complementar
essas relações com atividades
comerciais, eventos, vendas
de produtos e serviços que
se afastam em algum grau do
espírito de presente da doação.
A ideia aqui não era
condenar esse lado comercial,
apenas defender a seguinte
visão: é mais do que necessário,
é vital que os envolvidos com
a ONG – captadores, gestores,
fundadores, voluntários –
mantenham acesa pelo menos
uma parte relevante de espírito
de dádiva em seu dia a dia. E
aí estão, simultaneamente,
um desafio e um privilégio dos
captadores: que sejam um elo
fundamental para tornar o gift
sempre presente.
20. 20
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Toda a organização,
grande ou pequena, tem um
elemento comum: depende de
doadores para desenvolver o
seu trabalho. Asim, construir
o relacionamento com eles é
fundamental para garantir um
programa de mobilização de
recursos de sucesso.
O objetivo é desenvolver o
relacionamento entre a orga-
nização e os doadores, para
que eles continuem contri-
buindo por muitos e muitos
anos, preferencialmente por
toda a vida.
Nesse artigo, vamos abordar
algumas questões sobre a
relação entre a organização e
os doadores pessoas físicas,
mas especificamente, aqueles
que contribuem mensalmente
com pequenos valores. Mas
como desenvolvemos um plano
voltado a milhares de pessoas?
Um programa de relaciona-
mento de excelência é baseado
na mistura da arte e da ciência.
Depende de uma boa estraté-
gia, planejamento e comuni-
cação para ser bem sucedido.
Apesar das técnicas serem
praticamente as mesmas, todo
o seu plano é único, ele trans-
mite a alma, a personalidade da
organização e fideliza o doador
não só para uma causa, mas
para a uma organização.
O programa de relaciona-
mento é específico de cada
organização, e precisa ser
desenvolvido considerando
fatores internos e externos e,
só assim, ele garantirá os resul-
tados de sucesso esperados.
Nossa experiência têm
demonstrado que há 6 pontos
importantes que precisam ser
considerados para que seu
programa seja bem sucedido:
• Tenha um plano de
Captação de Recursos – ele
pode ser simples ou sofisticado,
com muitas ou poucas comuni-
cações, mas é necessário ter
um plano com objetivos claros
e cronograma bem definidos.
Estabelecer um programa de
comunicação ou uma régua de
relacionamento com os doa-
dores facilita a gestão desse
processo.
• Tenha uma Base de
Dados – Ela é o coração do seu
programa de relacionamento.
Você precisa ter o registro de
tudo o que acontece com o
doador, assim você sabe o que
pedir e quando pedir. A falta de
controle do que acontece com
os doadores pode significar o
fracasso do programa.
• C o n t a t o s e m p r e
pessoal – Os doadores
precisam se sentir parte
da organização, assim, é
necessário manter uma
boa comunicação e sempre
personalizada.Afinal, lembre-se
que você está desenvolvendo
um relacionamento de longo
prazo com pessoas. Sabemos
Como inspirar e
conectar doadores
para desenvolver um
programa bem sucedido
de relacionamento
Flavia lang
Especialista em mobilização de recursos de pessoas físicas. Co-fundadora e gestora da Ader&Lang
e sócia na Chaxcha.
21. 21
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que a ideia é ter milhares de
pessoas doando pouco todos
os meses, mas é importante
que os doadores se sintam
únicos.
• O doador é essencial
para a sua organização –
Lembre-se sempre que sem
o doador, não conseguimos
atingir nossa missão. Eles não
só doam recursos, mas eles
também apoiam a sua causa,
acreditam no seu trabalho, dão
legitimidade para a organização
e se tornam pessoas
engajadas, se transformando
em embaixadores de sua causa
ou organização. Quando os
doadores são tratados como
parte integrante e importante
da organização, eles se tornam
leais e continuam contribuindo
por muitos anos. Quem melhor
do que um doador satisfeito
para convencer um novo doador
a contribuir para uma causa?
• A comunicação é o
elo entre a causa e o doador
– agradeça sempre o apoio
de seus doadores. Um ‘muito
obrigado’ se torna uma das
mais importantes expressões
na vida de uma organização.
Portanto, após a primeira con-
tribuição, agradeça. Após uma
falha no pagamento, agradeça
a importância de ter o apoio
dele e peça a atualização dos
dados.
Um outro aspecto muito
importante é a comunicação
sobre o trabalho no campo,
beneficiados diretos da
organização, comentários
de outros doadores. Ela
precisa ser constante, porque
fortalecerá a causa e a marca
de sua organização. Por último
não podemos esquecer das
campanhas de aumento de
doaçõesanuaiseascampanhas
de doações adicionais para
projetos específicos, que
devem ser realizadas após o
primeiro ano de contribuição.
Agora que já falamos da
ciência, vamos para a arte.
Nesse caso, o conteúdo
da comunicação. Inspirar e
conectar os doadores com a
nossa causa é um trabalho
continuo e eterno.
Independentemente da
causa da sua organização,
para o doador, ela é impor-
tante ou ele não estaria con-
tribuindo. Mantenha em suas
ações de comunicação sempre
o propósito da organização que
é emocional, ambicioso e ao
mesmo tempo preciso. Mostre
que existe um grande problema
a ser solucionado e que a sua
organização não mede esfor-
ços para isso.
Além da busca pela
solução, há poder também nas
histórias das pessoas, pois
quando as contamos, conse-
guimos conectar os doadores
aos beneficiários, fazendo com
que quem doa se identifique
com a sua causa ou com a sua
organização.
As organizações que
trabalham com apadrinhamento
fazem isso muito bem.
Conectam um doador a
uma criança e constroem o
relacionamento da organização
a partir de sua história. Os
doadores contribuem para
uma causa e uma organização
especifica através de um
vínculo real, que mostra o
propósito da organização de
forma emocional, ambiciosa e
precisa.
Sabemos que nem todas as
organizações podem trabalhar
com o apadrinhamento, mas
todas podem desenvolver uma
conexão entre os doadores e os
beneficiários da mesma forma.
Por exemplo, a campanha
do Greenpeace para salvar o
Ártico: as imagens mostram
ursos e lobos, mas a mensa-
gem, ”essa é a nossa casa”, faz
o vínculo com o doador.
Assisti recentemente a um
vídeo de Christopher Davenport
que demonstrou facilmente
esse ponto com um exemplo.
Essa era a frase original: Com o
seu apoio, nossas criança, seus
pais e professore”s, estão per-
cebendo o poder, potencial e as
possibilidades da matemática.
Veja como uma simple
mudança na comunicação
pode aumentar o impacto
e a conexão de pessoas à
sua causa:
Tommy sentia que tinha
algo errado com ele. Ele se
sentia estúpido quando pre-
cisava resolver problemas de
matemática. Mas ,agora, ele
está confiante e espera ansioso
as aulas de matemática e toda
essa mudança só foi possível
graças a sua ajuda.
O obejtivo geral é o mesmo,
mas quando contamos a
história de uma pessoa, con-
seguimos engajar o doador.
Também podemos conecta-
lo à alguma situação que ele
mesmo vivenciou no passado,
tal como o Tommy. Contamos o
que a organização está fazendo
e mostramos como o apoio do
doador foi fundamental para
encontrar a solução. Tudo isso
de forma simples e pessoal.
Além de ter desenvolvido,
conheço o programa de rela-
cionamento de diversas orga-
nizações e os mais bem sucedi-
dos são aqueles que utilizam as
técnicas, mas principalmente
conseguem transmitir com arte
sua alma, por meio da conexão
dos doadores e beneficiários
diretos. Muitos até se surpreen-
dem com a simplicidade e os
resultados fantásticos.
Quando você for planejar
o seu programa de relaciona-
mento, inspire-se em outros,
utilize as técnicas, mas prin-
cipalmente trabalhe a comuni-
cação, buscando conectar os
doadores e transmitir a alma da
sua organização e você será
bem sucedido.
22. 22
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A entrada do Face to Face
(captação nas ruas e de porta
em porta) no Brasil, aos poucos,
tem se mostrado um desafio
extremamente recompensa-
dor. E temos muito que agra-
decer, aqui, ao Greenpeace,
por iniciar essa atividade pelo
mundo e por desbravar também
a prática em terras brasileiras.
De maneira geral, existem
duas modalidades de Face to
Face: o realizado por agências
e o in-house. Este último
consiste em desenvolver
um time de captadores, no
qual seus funcionários são
responsáveis por recrutar,
treinar, acompanhar e avaliar
todo o processo de captação
nas ruas, de porta em porta,
empresas e eventos.
Mas,imaginemrealizartodas
essas atividades com equipes
com mais de 50 captadores de
grande rotatividade? Todas
as semanas precisaríamos
recrutar, treinar, acompanhar
e avaliar novas pessoas. Um
trabalho gigantesco.
Esse cenário mudou
inicialmente na Europa, quando
as agências de captação Face
to Face surgiram. Com isso, foi
criado um enorme mercado,
baseado em resultados,
porcentagens de vendas,
análises complexas de perfis
de doadores e a busca dos
melhores territórios para a
captação. A palavra ‘vendas’
pode e deve gerar algumas
reações.
No momento em que
contratamos uma agência
para nos representar nas ruas,
já determinamos a quantidade
de doadores que precisamos
durante esse período. Em
minha opinião, os captadores
devem encarar o engajamento
e contribuição dessas pessoas
como vendas, que geram
receita para as organizações
e sua missão, além de
desenvolvimento profissional
para o captador.
Nesse sentido, o Brasil
ainda precisa desenvolver – e
muito – a sua cultura de doação.
Uma pesquisa realizada em
20101
apontou que somente 17
milhões de pessoas realizaram
algum tipo de doação naquele
ano, ou seja, menos de 10%
da população brasileira. Mas
como mudar essa realidade?
Como mostrar a milhares de
pessoas, de uma forma mais
personalizada, que doar é
importante? Que a minha causa
é importante?
Como todo captador, fiz
essas mesmas questões para
todos os especialistas que
conheci e 90% deles me deram
a mesma resposta: invista em
uma abordagem nas ruas.
O Face to Face com agên-
cias começou no Brasil, em
1 Perfil dos Doadores Brasil
– ChildFund - 2010
O Face to Face no Brasil.
A visão de uma captadora
ao se deparar com
um novo canal
Kátia Gama
Gerente de Captação de Recursos Pessoa Física da Aldeias Infantis SOS. Conta com mais
de 15 anos de experiência na área. Já trabalhou na Save the Children, GIFE, Cidade Escola
Aprendiz e MTV.
23. 23
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É fundamental criar uma boa linha de
comunicação com todos os envolvidos sobre
todos os aspectos da campanha. Se alguma
coisa der errado na rua, a organização precisa saber na
hora; caso alguma diretriz da organização seja alterada, a
agência deve ser comunicada no mesmo instante.”
2010, e tenho o orgulho de ter
participado desse processo, por
mais que isso tenha significado
noites sem dormir, inseguran-
ças e muitas horas de estudo.
E ao iniciar o programa, tive
a mesma reação que muitos
brasileiros envolvidos: “Isso não
vai dar certo aqui, ninguém vai
passar dados bancários nas
ruas ou parar para nos ouvir”.
Essa foi uma das poucas
vezes em que fiquei feliz de
estar errada. O brasileiro não só
parou para ouvir, como também
forneceu dados bancários e
começou a se envolver com
organizações, às quais nunca
teria contato caso o Face to
Face não existisse.
As reações nas ruas ainda
são as mais variadas e, sim,
temos algumas reclamações.
Porém, menos de 1% do total
de pessoas abordadas ligam
para fazer críticas negativas, e,
mesmo assim, são relativas a
problemas fáceis de serem con-
tornados durante os treinamen-
tos com os captadores.
Hoje, precisamos entender
o que o nosso público quer
ouvir, como quer ser alimen-
tado de informações e como ele
quer interagir com as nossas
organizações.
Mas, vamos ao que
interessa. Compensa investir
em um programa de Face to
Face? Qual o melhor formato?
Agência ou In-House? Tudo
depende da sua estratégia,
metas e orçamento.
Ok, você tem um orçamento
alto (aqui leia-se algumas
centenas de milhares de reais
por ano) e precisa de um cresci-
mento exponencial da sua base
de doadores. Quem sabe, algo
em torno de 30% ou 40% em
um ano? Nesse caso, minha
sugestão é que você comece
pela agência e aos poucos
inicie uma equipe para o Face
to Face in-house.
Mas até mesmo para dar
início a um trabalho com as
agências, alguns pré-requisitos
básicos devem ser seguidos.
A sua organização precisa ter
um sistema de CRM e cobrança
compatíveis com as necessi-
dades da empresa contratada,
com a qual se deve manter uma
troca constante de informações
sobre os doadores.
É fundamental criar uma
boa linha de comunicação com
todos os envolvidos sobre todos
os aspectos da campanha. Se
alguma coisa der errado na rua,
a organização precisa saber na
hora; caso alguma diretriz da
organização seja alterada, a
agência deve ser comunicada
no mesmo instante. Afinal, não
podemos nos esquecer de que
eles são os nossos “cartões de
visitas” nas ruas e como todos
sabem, “as notícias correm”.
Sugiro também que você
tenha pelo menos uma pessoa
na sua equipe focada apenas
para esse canal. Face to Face
demanda tempo, concentração
e acompanhamento constante.
Seu sistema de cobrança
está funcionando perfeita-
mente? Você já conseguiu
firmar contrato com pelo menos
4 bancos para poder receber as
doações através de débito em
conta corrente? As duas res-
postas para as essas perguntas
devem ser sim, caso contrário,
não comece o Face to Face.
Mas, e as Organizações que
não possuem um orçamento
tão grande? Essas sim devem
começar por um programa
In-House e, nesse caso, minha
sugestão é que iniciem com
uma equipe pequena e testem
várias abordagens, perfis de
equipe e territórios. Lembre-se
de que os captadores devem
ser dinâmicos, proativos, comu-
nicativos e, por favor, deixem
claro para eles que esse é um
trabalho a ser feito exclusiva-
mente nas ruas.
E também não se esqueçam
de comemorar as vitórias, pois
uma atividade como essa
merece todo o reconheci-
mento possível. Os captado-
res são pessoas dispostas a
andar pelas ruas, (mesmo em
dias quentes, frios, chuvosos)
para divulgar as nossas orga-
nizações, então acho que essa
já é uma razão suficiente para
reconhecer suas conquistas,
não é mesmo?
Através dos anos de
experiência, estimo livremente,
que hoje o Brasil já pode se
orgulhar de ter mais de 200 mil
doadores captados pelo Face
to Face. Fico feliz em dizer que
essas milhares de pessoas
pararam para ouvir nossas
histórias, nossos sonhos e
nossas necessidades.
Hoje, somos mais de 202
milhões2
de brasileiros. Ou
seja, ainda tem muita gente
que precisa nos ouvir. Então,
na próxima vez que um capta-
dor te parar na rua e pergun-
tar, “Você têm um minutinho?”,
pare, escute e quem sabe você
também se encante por uma
nova causa?
2 IBGE - 2014
24. 24
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A Arte de captar
recursos com
grandes Doadores
carla nobrega
Sócia-fundadora, primeira Vice-presidente e atual Conselheira da ABCR. Trabalha desde 2007 na
ONG internacional Habitat para a Humanidade, onde hoje exerce o cargo de Diretora de Mobilização
de Recursos e Comunicação.
Sempre que vou a conferên-
cias sobre captação de recursos
no Brasil, e em outros países,
me pergunto porque existem
tão poucos espaços onde discu-
tir a arrecadação com grandes
doadores individuais. Em com-
paração com outros temas, o
número de palestras sobre esse
assunto é limitado, e já me frus-
trei em algumas nas quais parti-
cipei onde não consegui extrair
a informação necessária para
“chegar lá”. Sobre isso formu-
lei uma hipótese.
Quanto mais avanço no
tema da captação de recursos,
mais me convenço que estamos
tratando de uma ciência que
utiliza técnicas variadas de
marketing direto, vendas e
relacionamento com o cliente,
a qual apresenta resultados
diretamente proporcionais
aos investimentos realizados
em recursos humanos e
financeiros. Por exemplo, em
um programa de pequenos
doadores individuais, podemos
aferir os resultados financeiros
como consequência direta
do investimento realizado, ou
seja, se multiplicamos por cinco
o investimento, é grande a
probabilidade de arrecadarmos
cerca de cinco vezes mais.
N o e n t a n t o , e s s a
relação direta não se aplica
necessariamente com os
grandes doadores individuais.
Para esse público, vários aspec-
tos subjetivos de peso devem
ser considerados, tais como
a arquitetura das relações, a
confiança, a causa pessoal do
doador, os interesses congru-
entes entre doador e organiza-
ção, e o tempo. Esses aspec-
tos subjetivos se sobrepõem à
equação matemática de causa
e efeito. Por isso, costumo
dizer que captar com grandes
doadores individuais, mais que
uma ciência, é uma arte.
Isso explicaria a dificuldade
em repassarmos esse
conhecimento nas oficinas
de capacitação em captação
de recursos. A teoria, as
diferentes etapas do ciclo de
relacionamento com o doador
(identificação, contato, cultivo,
solicitação e fidelização) e as
melhores práticas, podem ser
compartilhadas e ajudam muito,
Figura 1: Ciclo de Relacionamento
com o Grande Doador Individual
Trabalho em uma orga-
nização não-governamental
fundada nos Estados Unidos
em 1976 e hoje presente em
mais de 70 países. Na sede de
Habitat para a Humanidade,
nos EUA, contamos com cap-
tadores de recursos especialis-
tas em arrecadar com grandes
doadores individuais, um cargo
que chamamos de Leadership
Giving Specialist. Alguns deles
trabalham na organização há
mais de 10 anos. Os Estados
Unidos possuem sistemas
online que nos ajudam a iden-
tificar os potenciais doadores
por meio de informações de
dados do Imposto de Renda
porém essas informações em si
não conseguem dar conta de
um tema tão cheio de nuances
e variáveis.
25. 25
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e da atividade filantrópica de
todos os contribuintes do país.
Essa informação é pública, o
que facilita muito a vida do cap-
tador de recursos naquele país.
Criar a lista que identi-
fica doadores potenciais nos
Estados Unidos ou no Brasil é o
primeiro passo para acessar às
grandes fortunas. E é um dos
passos mais fáceis. Difícil é con-
seguir a conexão com o poten-
cial doador, que geralmente é
uma pessoa fora das relações
pessoais do captador de recur-
sos. Mais difícil ainda é con-
seguir completar o ciclo com-
pleto de relacionamento com o
doador de maneira exitosa.
O captador pouco consegue
avançar sozinho nesse
caminho. Ele necessita que
a organização tenha tomado
uma decisão estratégica
em relação à captação com
grandes doadores individuais,
e que o seu Conselho esteja
comprometido em apoiar esse
trabalho, abrindo portas e
participando pessoalmente na
construção de relacionamentos
que venham a render frutos e
recursos financeiros, materiais
e porque não, intelectuais. Os
grandes doadores dificilmente
compram um projeto pronto e,
na minha experiência pessoal,
gostam, e muito, de contribuir
com suas ideias ao projeto ao
qual irão aportar seus recursos.
Uma vez comprometido,
um grande doador se converte
em um catalisador de novos
recursos. O maior doador de
Habitat para a Humanidade é
o Sr. Ron Terwilliger, que em
2009 doou US$ 100 milhões
dólares de sua fortuna pessoal
para a organização. Isso
mesmo, US$ 100 millhões de
dólares! O relacionamento com
o Sr. Ron foi cultivado durante
anos pela liderança sênior de
Habitat. Ele vivenciou experiên-
cias de voluntariado, foi convi-
dado a participar do Conselho
Internacional da Organização,
visitou projetos em todo o
mundo e por fim aceitou reali-
zar essa doação, que o tornou
Chairman da Campanha Capital
Global que a organização real-
izou recentemente.
Parte dessa doação propi-
ciou a criação de um fundo de
apoio à captação de recursos
nos escritórios de Habitat em
outros países, incentivando
assim a sustentabilidade de
vários programas nacionais.
Porém, mais do que isso, hoje
o Sr. Ron se dedica a visitar
países e contar a sua experiên-
cia pessoal a potenciais
doadores locais, pois nada
melhor do que a legitimidade de
um grande doador para solicitar
doações a seus pares.
É fácil conseguir um
doador como esse? Claro
que não. Depende de uma
combinação de fatores, como
a rede de relacionamentos da
organização, a capacidade
financeira do potencial doador, o
seu momento de vida, a abertura
da organização para acolher os
aportes do doador ao projeto,
a entrega dos resultados e
do impacto pactuados entre
a organização e o doador, a
comunicação constante entre
as partes, enfim, existe uma
gama de variáveis que devem
ser levadas em conta nessa
difícil arte. No entanto, os
resultados valem a pena.
As grandes doações
individuais costumam ser
emocionais, fruto de uma
decisão pessoal ou familiar. A
capacidade financeira desses
doadores é tão alta que o valor
da doação, muito significativo
para a organização que o
recebe, não irá impactar no
seu orçamento familiar. Esses
doadoresnãosãoafetadospelas
crises econômicas, pois suas
fortunas estão asseguradas.
Eles se comprometem com
o projeto e esperam pelos
resultados. Gostam de
saber das notícias e quando
satisfeitos, vestem a camisa da
organização, ajudando a abrir
portas para novos doadores.
Se conseguirmos conectar
nossa missão com o seu
coração, podem até mesmo nos
considerar para uma doação
em seu testamento.
Paciência, perseverança e
um trabalho consistente são
chave nesse processo. Nos
Estados Unidos, por exemplo,
Habitat passou nove anos culti-
vando a relação com um grande
doador até ser incluída no seu
testamento.
No Brasil, há ainda um vasto
campo a ser desenvolvido nessa
área, que inclui a promoção da
filantropia, a criação de novas
leis de incentivo fiscal para
doações, o fortalecimento e
a capacitação dos Conselhos
- tanto para a doação quanto
para a captação de recursos, e
a profissionalização das ONGs.
No entanto, a boa notícia é
que em 2014 a revista Forbes
anunciou que o número de
bilionários brasileiros saltou
de 6 para 65 em dez anos, e
que segundo o Global Wealth
Report, divulgado pelo banco
Credit Suisse, a previsão de
crescimento do número de
milionários brasileiros é de 221
mil em 2013 para 407 mil em
2018, ou seja, quase o dobro.
Concluindo, temos pela
frente um grande mercado
a explorar. E nós captado-
res temos também um grande
desafio, no sentido de pro-
movermos que o conceito do
“Giving Back” (devolver à socie-
dade as bênçãos pessoais rece-
bidas), tão difundido na cultura
norte-americana, seja incorpo-
rado pelos grandes doadores
individuais no Brasil. Mãos
à obra!
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Em nome da transformação
social e na defesa de bandeiras
como direitos humanos, ecolo-
gia, educação, cultura e saúde,
o terceiro setor vem revolucio-
nando o conceito de cidada-
nia. E descobrindo o potencial
do financiamento coletivo para
a realização de seus projetos.
Nos últimos 20 anos, o
mundo assistiu a um grau
inédito de mobilização em
busca de soluções para antigos
problemas que o Estado
mostrava-se cronicamente
incapaz de resolver. E temas de
interesse coletivo e social, como
cidadania, qualidade de vida e
organização da sociedade civil
nunca estiveram tão em voga.
Foi a chamada revolução do
terceiro setor, que representa o
surgimento da iniciativa privada
atuando diretamente em prol de
interesses públicos, em ações
encampadas diretamente pela
sociedade civil.
Oterceirosetorincluiaspopu-
lares Ongs, ou Organizações
Não-Governamentais, mas
também as fundações e
entidades de assistência social,
educação, saúde, esporte, meio
ambiente e cultura, entre outras.
Em países como Itália, França
e Alemanha, as instituições
sem fins lucrativos atingem
anualmente mais de 3% do PIB
nacional. Nos Estados Unidos,
o terceiro setor movimenta anu-
almente 600 bilhões de dólares,
empregando 12 milhões de tra-
balhadores remunerados, além
de inúmeros voluntários.
No Brasil, segundo dados
da FASFIL – Fundações
e Associações Sem Fins
Lucrativos, existem cerca de
291 mil organizações não
governamentais sem fins
lucrativos. São cerca de 2
milhões de empregos diretos,
e ainda cerca de 12 milhões
de voluntários. São instituições
com grande representatividade
e legítimos representantes dos
interesses da sociedade civil.
O crowdfunding, ou finan-
ciamento coletivo, adequa-se
à captação de recursos para
iniciativas que possuam apoio
e apelo popular. É na captação
para o terceiro setor e suas
causas representativas que o
financiamento coletivo encontra
um de seus maiores potenciais
de crescimento. Afinal, as Ongs
atuam em causas de interesse
público e social, coletivo; e
o caráter coletivo é a própria
essência do modelo. O sistema
funciona basicamente assim -
de um lado, um idealizador ou
entidade que possui uma idéia
ou projeto, mas não os recur-
sos financeiros para realizá-
lo. Na outra ponta, indivíduos,
geralmente pessoas físicas, que
apóiam essa idéia ou projeto -
e a utilização da internet para
enfim juntar as duas partes.
O sistema recebeu aten-
ções renovadas quando a inter-
net popularizou-se e transações
financeiras de longa distância
tornaram-se viáveis. E artistas,
campanhas políticas, iniciativas
de software livre e iniciativas
de ajuda humanitária e social
são as que mais se beneficiam
do financiamento coletivo. O
crowdfunding já é bem mais
explorado em outros países.
Em 2013, o mercado mundial
representou U$ 6 bilhões,
sendo que no ano anterior, U$
2.66 bilhões - um crescimento
de mais de 100% em um ano.
O terceiro setor
e o financiamento
coletivo no Brasil
Candice Pascoal
Brasileira, radicada nos EUA e atualmente morando na Holanda, de onde já liderou importantes
projetos de arrecadação de fundos para algumas das maiores ONGs do Brasil, Estados Unidos,
Europa e Ásia É fundadora da plataforma de crowdfunding Kickante.com
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Entre as vantagens proporcionadas por uma
plataforma dedicada a crowdfunding está a
arrecadação a baixo custo, principalmente
quando comparada às formas tradicionais de arrecadação;
a redução do trabalho administrativo das entidades, que
podem concentrar em seus objetivos finais; e o aumento
na taxa de conversão entre contribuições ocasionais e
contribuições periódicas, regulares.”
Entre as vantagens propor-
cionadas por uma plataforma
dedicada a crowdfunding está
a arrecadação a baixo custo,
principalmente quando com-
parada às formas tradicionais
de arrecadação; a redução
do trabalho administrativo das
entidades, que podem concen-
trar em seus objetivos finais;
e o aumento na taxa de con-
versão entre contribuições
ocasionais e contribuições
periódicas, regulares. Além da
transparência e ausência de
riscos, representada por um
sistema robusto de arrecada-
ção digital, 100% seguro.
Transparência e segurança que
certamente refletem em maior
número de contribuições por
parte de potenciais doadores.
E o potencial de crescimento
do modelo crowdfunding no
Brasil é enorme - embora não
haja uma pesquisa sobre par-
ticipação no mercado, existe o
consenso de que sua utilização
ainda é muito pequena, princi-
palmente se considerarmos
a grande adesão da popula-
ção brasileira às redes sociais.
Afinal, o Brasil está no top 3 do
Facebook, top 2 do Instagram
e top 10 do Twitter.
Campanhas: Assim
como artistas, esportistas e
idealistas em geral, o terceiro
setor no Brasil também está
percebendo o financiamento
coletivo como uma forma
efetiva de levantar fundos para
a viabilização de projetos. Na
plataforma Kickante, www.
kickante.com.br, em oito meses
de atuação, já realizamos com
grande sucesso a captação
de recursos para inúmeras
campanhas no país.
Para o Médicos Sem
Fronteiras, ONG de auxilio
médico e humanitário, que
atua em mais de 70 países e
recebeu o prêmio Nobel da Paz
em 1999, realizamos a capta-
ção para o projeto Calendário
Médicos Sem Fronteiras - 2014.
Oferecendo em contrapartida
calendários da organização,
a iniciativa arrecadou mais
de 41 mil reais, quatro vezes
a meta inicial. Encerrada em
dezembro, foi tão bem suce-
dida que teve uma segunda
etapa em janeiro, arrecadando
mais 12 mil reais, num total
de 54.370,00, em 1072 contri-
buições. E uma segunda cam-
panha para o Médicos Sem
Fronteira, a #torcidaMSF, ofe-
receu, em contrapartida, uma
capa de celular exclusiva da
entidade, a empreitada já
arrecadou mais de 143 mil reais
em apenas 60 dias, com mais
de 2697 contribuições.
Já ao Greenpeace, mundi-
almente conhecido pela defesa
do meio ambiente, também
realizamos uma campanha
com contrapartida em calen-
dários 2014, que com cerca
de 800 doações, arrecadou
R$28.865,00. E uma nova ini-
ciativa para o Greenpeace,
agora pela recuperação de
um dos navios da instituição,
o Artic Sunrise, já arrecadou
mais de 20 mil reais em apenas
dez dias. O objetivo é chegar-
mos aos cem mil reais. E ainda
realizamos com sucesso cam-
panhas para entidades como
WWF, World Vision, Aldeias
Infantis e Ampara Animal, entre
outras.
Mas não apenas na
alavancagem de recursos
para Ongs com atuação e
reconhecimento nacional
e internacional que o
crowdfunding mostra-se
eficaz. Entre as campanhas de
terceiro setor que a Kickante
desenvolveu neste primeiro
ano, várias mereceriam ser
citadas - tanto por relevância
quanto por resultados. O projeto
Renovatio, por exemplo - um
projeto destinado a levar óculos
de qualidade a baixo custo para
populações de baixa renda,
empregando na fabricação dos
óculos mão-de-obra qualificada
(por cursos profissionalizantes),
e selecionada entre pessoas
em situação de vulnerabilidade
social, como pessoas abrigadas
em instituições. Um projeto que
proporciona óculos a quem
precisa, mas não pode pagar,
e oportunidade de trabalho
a pessoas em situação de
risco. O valor arrecadado será
utilizado na importação de
equipamentos, capacitação
técnica profissional e na
fabricação e doação dos óculos.
A iniciativa está em andamento
e já arrecadou até o momento
mais de 41 mil reais. Ou ainda
os resultados de campanhas de
alcance local, mas igualmente
importantes para suas
comunidades de origem quanto
por seus resultados. Como a do
Movimento Comunitário Estrela
Nova, da região de Campo
Limpo, em São Paulo. Com o
mote Lembra como a infância
era boa? tem o prosaico
objetivo de reformar a quadra
poliesportiva da comunidade.
Obteve cerca de 22 mil reais,
ou 55% de sua meta. Mas
como é uma campanha de meta
flexível, a quantia arrecadada
será utilizada para realizar
as reformas mais urgentes
na quadra poliesportiva.
E vale citar ainda projetos
como o Quilombo Solar, para
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implantação de um sistema de
energia solar na comunidade
do Quilombo do Grotão, na
Serra da Tiririca, em Niterói.
Ou o Casa Nutrir, dedicado a
combater a desnutrição infantil
em Nampula, Moçambique.
São entidades que ainda
não alcançaram o período de
maturação de dois anos, exigido
pela legislação brasileira, mas
que podem perfeitamente
arrecadar por crowdfunding.
Portanto, são projetos que já
conseguiram viabilizar o início
de suas atividades graças
ao que arrecadaram por
este modelo.
Diferenciais: No caso do
terceiro setor, o sistema de
campanha de crowdfunding
flexível é extremamente impor-
tante, pois mesmo que a ONG
não atinja sua meta, o valor
arrecadado é válido e não é
devolvido a quem contribuiu,
como acontece com as cam-
panhas Tudo ou Nada. É muito
importante entender que esta
opção é exclusiva da plata-
forma Kickante no Brasil, que
também integra o pagamento
recorrente ao crowdfunding,
para maximizar o potencial de
doação do contribuidor e con-
tribue para o financiamento das
operações da ONG.
Em um cenário como o
atual, em que conceitos como
cidadania e responsabilidade
social são cada vez mais
presentes na vida das pessoas,
e a internet facilitou o contato e
a comunicação entre indivíduos
que compartilham ideias e
ideais, a sociedade civil enfim
vai encontrando formas cada
vez mais claras de organização
e atuação. E o modelo de
financiamento coletivo é algo
que potencializa a capacidade
do cidadão intervir na sua
realidade direta, de acordo com
sua consciência e seu senso
de prioridades. Na plataforma
da Kickante, em apenas oito
meses, mais de um milhão
de reais foram arrecadados,
em sua grande parte para o
terceiro setor. Esses números
são indicativos do sucesso
que campanhas de interesse
público conseguem atingir.
Pelo crowdfunding, insti-
tuições ou mesmo indi-
víduos com projetos nos quais
acreditem podem lançar suas
campanhas e começar a arreca-
dar fundos imediatamente.
Nosso objetivo na Kickante
é exatamente este, oferecer o
que sabemos fazer muito bem a
baixo custo, e permitir aos pro-
fissionais do terceiro setor mais
tempo para focar no que fazem
de melhor: mudar o mundo.
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Fundos patrimoniais e
sua importância para
a sustentabilidade das
organizações sem fins
lucrativos no Brasil
paula fabiani
Diretora-presidente do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social. Autora do
livro “Fundos Patrimoniais, Criação e Gestão no Brasil”.
Fundos patrimoniais
(endowments) são estruturas
criadas para as mais diversas
causas de interesse coletivo,
pois permitem a organizações
sem fins lucrativos edificar uma
base financeira sólida, capaz
de sustentar ou complementar
suas atividades com recursos
gerados a partir de uma gestão
responsável desse patrimônio.
Ao estruturar fundos desta
natureza, as organizações se
tornam menos dependentes de
novas doações e patrocínios,
alcançam maior estabilidade
financeira e asseguram sua via-
bilidade operacional, permitindo
que se organizem e cresçam de
forma sustentável.
Em países desenvolvi-
dos, os endowments existem
há muitos séculos, como o da
University College de Oxford,
estabelecido no ano de 1249.
Dentre fundos patrimoniais
conhecidos , com mais de
100 anos e impacto relevante
na sociedade, encontramos
o endowment da Rockefeller
Foundation (US$ 3,5 bilhões em
2011) e o Carnegie Endowment
for International Peace (US$
300 milhões em 2012).
Um fundo que chama muita
atenção por seu fundador e
tamanho é o endowment da Bill
& Melinda Gates Foundation,
com US$ 35 bilhões,
considerado o maior do mundo.
Bill Gates tem se destacado na
discussão sobre a disposição
da riqueza acumulada para o
benefício da sociedade, com a
desafiadora iniciativa do Giving
Pledge, em que, junto com
Warren Buffet, convoca outros
bilionários e milionários a
doarem metade de sua fortuna
para causas que beneficiem
a humanidade.
Na área de educação, os
fundos patrimoniais são mais
conhecidos por seu tamanho
e gestão diferenciada, como
é o caso dos fundos das
universidades de Harvard1
e
Yale2
(US$ 32,7 e 20,8 bilhões
em 2013, respectivamente). No
caso das instituições de ensino,
a existência dessa estrutura
permite que a instituição
invista em pesquisa, construa
melhores instalações e busque
excelência nas suas atividades.
Aquelas que se utilizaram dessa
estrutura ocupam atualmente
posições de destaque nas suas
áreas de atuação. Dentre as 10
melhores instituições de ensino
do mundo, seis são dos Estados
Unidos e quatro da Inglaterra e
todas possuem endowments3
.
No Brasil, as organizações
sem fins lucrativos enfren-
tam obstáculos que dificul-
tam a estruturação de fundos
1 http://www.hmc.harvard.edu/
investment-management/performance-
history.html
2 http://investments.yale.edu/
3 http://www.topuniversities.com