1. Ano I – Número 03 – Novembro de 2011 ISSN - 2236-2347
Entrevista
Haroldo Mattos
Lemos, do Pnuma:
“O mundo hoje é
dividido entre países
credores e devedores
ecológicos.”
um
novo
modelo
Agricultores como os irmãos Joab e Abdeel
Lima, de Iperó (SP), adotam boas práticas
ambientais e transformam o processo
produtivo em pequenas propriedades
2. Nesta edição 10
Capa 4
Práticas sustentáveis como a destinação correta do esgoto e uso
racional da natureza mudam a realidade do campo
Debate 8
“Qual o maior desafio para a sustentabilidade ambiental das
propriedades rurais?”: Christino Áureo e Maria Aurigele Barbosa
Entrevista 10
Haroldo Mattos Lemos, presidente do Instituto Brasil Pnuma
Boas Práticas 14
Guaçu-Virá: empreendimento transforma região capixaba
Rejuma: jovens assumem protagonismo em ações socioambientais
Jovens em Ação 16
As histórias de Fabiano e Gildete, que revolucionam suas
propriedades e comunidades rurais com iniciativas sustentáveis
Instituto em Foco 18
IV Jornada Nacional reúne mais de 400 jovens no ES
16
Ceará forma primeira turma de Agentes de Desenvolvimento Rural
Meu Rural 19
O agricultor capixaba Elielson Zoboli diversifica a produção,
refloresta área de nascente e impede a erosão do solo
SUSTENTABILIDADE DO CAMPO Coordenação: Luiz André Soares
Publicação trimestral do Instituto Souza Cruz Jornalistas responsáveis:
Outubro/2011 - Tiragem: 2 mil exemplares Andrea Guedes (Mtb.28246 RJ)
e Guilherme Mattoso (Mtb.26674)
Rua da Candelária, 66 / 4º andar – Centro
Projeto gráfico e produção editorial:
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Foto de capa: Marina Lopes
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3. Liquiatu
Inrenomu
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et apideli tatior aut adios si nus eos modi reperferibus is ape consecte
porit, omnisqui tem faccum sanimi, aut adis sedis ma volorem que.
Luiz André Soares
Gerente do
Instituto Souza Cruz
4. CAPA
Consciência
ambiental
Conjugação de boas práticas torna a agricultura familiar um dos principais
pilares da sustentabilidade no meio rural brasileiro
A té o ano passado, os irmãos Abdeel, 31
anos, e Joab da Silva Lima, 29 anos, plantavam
hortaliças e cereais, o que potencializou a ferti-
lidade da terra e aumentou a biomassa (decom-
berinjela, milho e goiaba em sua propriedade de posição da matéria verde). Adubos sintéticos e
oito hectares, na cidade paulista de Iperó. Por defensivos agrícolas foram sumariamente descar-
conta da excessiva acidez do solo, a área de culti- tados. Em suas contas, só nesses primeiros meses,
vo já não apresentava boas condições de fertiliza- já conseguiram reduzir 60% dos custos da pro-
ção e uma nascente próxima do local havia pra- priedade. “Ao combinar esses fatores, eu conse-
ticamente parado de jorrar água. Diante desse gui minimizar a incidência de pragas e doenças,
cenário pouco promissor, eles decidiram desen- recuperar o solo degradado, passar a contar com
volver um projeto de transição de uma agricul- mais e melhor água na propriedade, ficar menos
tura convencional para um sistema sustentável, dependente de insumos externos e ter colheitas
maximizando a produção de legumes e frutas e alternadas ao longo do ano”, comemora Abdeel.
apostando na criação de vaca de leite e frango. Os produtores, que estudam Agronomia na
Os irmãos Lima dividiram o lote em subsiste- Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), sa-
mas (criação de gado, plantação de goiaba, euca- bem que, ao desenvolver uma agricultura sustentá-
lipto, banana e mexerica poncã) e promoveram o vel, contribuem para garantir a segurança alimentar
plantio consorciado de leguminosas com frutas, para uma população que não para de crescer. Ou
4 Sustentabilidade do Campo
5. Joab (à esq.) e Abdeel Lima iniciaram a migração da agricultura convencional
para um sistema sustentável: preservação ambiental e redução de custos
seja, entendem que para preservar os recursos natu- mento de coelho e utiliza a cobertura vegetal
rais, essenciais à existência humana, é preciso adap- para controle da tiririca (planta normalmente
tar a atividade agrícola ao meio e não o contrário. daninha à produção). Em Barra do Turvo (SP) e
Assim como os irmãos Lima, agricultores Adrianópolis (PR), agricultores da Cooperaflo-
familiares que adotam práticas sustentáveis na resta, além de separar e reciclar o lixo orgânico,
produção não só conservam melhor os recursos instalaram um sistema de saneamento com fos-
naturais, ampliando a produtividade das áreas sas sépticas biodigestoras, filtragem de água com
exploradas, como gastam menos comparativa- plantas purificadoras e banheiros secos, onde os
mente aos modelos tradicionais de cultivo. Isso dejetos, misturados com palha e compostados,
porque não precisam investir em tecnologias servem como adubo para árvores.
modernas e na manutenção das mesmas. Por ou- A adoção de práticas mais sustentáveis, do plan-
tro lado, estão em harmonia com uma tendência tio à colheita, evita impactos negativos ao ambien-
mundial: os consumidores valorizam cada vez te como a erosão do solo, a poluição das águas,
mais os produtos fabricados em conformidade a contaminação dos alimentos por produtos agro-
com o meio ambiente. “Aos poucos eles estão químicos e a redução da biodiversidade. No entan-
se tornando mais exigentes, articulados e atentos to, para incrementar em larga escala uma agricultu-
ao desenvolvimento sustentável, formando uma ra sustentável são necessárias políticas públicas que
Fotos: Marina Lopes
consciência ambiental”, assinala o consultor de ofereçam condições para que o agricultor perma-
sustentabilidade empresarial Vitor Seravalli, 52, neça no campo com qualidade e, em comunhão
que já presidiu o Comitê Brasileiro do Pacto com o meio ambiente, empreenda a partir dele.
Global (ONU) e atualmente é diretor de Res- Em Itapeva, Taquarivaí, Buri e Nova Cam-
ponsabilidade Social do Centro das Indústrias pina, no interior de São Paulo, 120 famílias de
do Estado de São Paulo (Ciesp). agricultores estão instalando fossas sépticas bio-
digestoras em suas propriedades para tratar dos
Atuação exemplar dejetos humanos e animais – o modelo foi de-
Com a disseminação dessa consciência, hoje já senvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa
existem inúmeras iniciativas exemplares que con- Agropecuária (Embrapa), instituição pública
ciliam produção rural com expansão econômica brasileira vinculada ao Ministério da Agricultu-
e proteção à natureza, valendo-se de princípios e ra. O sistema, que custa em torno de R$ 1.200,
técnicas relativamente simples. Na Baixada Flu- é uma contrapartida ambiental exigida pelo Pro-
minense, a Cooperativa de Agricultores Univer- grama Nacional de Habitação Rural.
de produz alimentos sem o uso de agrotóxicos, “Estamos também instituindo educação am-
diversifica sua produção, faz adubo com excre- biental na região, ensinando os agricultores, por
Agricultura sustentável é...
• erar o mínimo de impactos adversos ao ambiente (ar, solo e água);
G
• timizar a produção com recursos do próprio agrossistema, diminuindo
O
a necessidade de insumos externos;
• reservar o solo, mantendo a sua fertilidade e evitando a erosão;
P
• tilizar a água de maneira racional;
U
• anter a diversidade biológica;
M
• eduzir o uso de produtos agroquímicos e fertilizantes sintéticos solúveis;
R
• romover a rotação de culturas e a integração lavoura-pecuária;
P
• uscar novas fontes de energia;
B
• nstalar latas de lixo em zonas estratégicas da propriedade e depósitos de
I
lixo adequados, recolhendo estes ao final do dia de trabalho;
• lantar árvores de diversos tipos, o que contribui no combate ao
P
aquecimento global;
• atisfazer as necessidades humanas de alimentos.
S
Instituto Souza Cruz 5
6. CAPA
Sintraf incentiva instalação
de fossas biodigestoras (foto
à esq.) e a adoção de outros
cuidados ambientais; na foto,
Marco Antonio Pimentel,
dirigente do sindicato
Fotos: Acervo Sintraf - Itapeva
sustentável na agricultura não deve ser institu-
ída de cima para baixo. Ele alerta para o risco
de acabar funcionando como uma nova versão
da Revolução Verde, marcada pelo uso intensivo
de insumos químicos e da mecanização. “Não
cabe ao técnico especializado impor conheci-
mento dentro da propriedade. O ideal é sistema-
tizar as experiências existentes, potencializá-las
Acervo Sintraf
e disseminá-las”, sugere o docente-pesquisador
dos programas de pós-graduação em Desenvol-
vimento Rural e em Sociologia.
exemplo, a protegerem as nascentes e fazerem uma Jalcione acrescenta ainda que as políticas pú-
destinação adequada do lixo doméstico”, conta blicas deveriam direcionar créditos somente para
Marco Antonio Augusto Pimentel, 44, agricultor e o agricultor que não degrada o meio ambiente.
dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Agri- “A política agrícola de crédito destina 80% dos
cultura Familiar de Itapeva (Sintraf-Itapeva). seus recursos para a agricultura de commodities
(carne bovina, soja, frango), baseada até agora na
Os protagonistas espoliação do solo e na mão de obra, sem condi-
Ao reconhecer os agricultores familiares como cionantes ambientais. Se o produtor paga as con-
protagonistas da política ambiental, o Ministério tas em dia, tem terra, maquinário e produz, basta
do Meio Ambiente já tem planos de criar o Pro- entrar no banco e pegar o crédito”, critica.
grama Nacional de Agroecologia, com o intuito Doutor em Agroecologia e Desenvolvimen-
de contribuir para o desenvolvimento sustentável to Sustentável e pesquisador da Embrapa, João
no campo. O anúncio foi feito em maio pela mi- Carlos Costa Gomes, 59, reforça que a agrope-
nistra Izabella Teixeira, que, na ocasião, destacou cuária deve trabalhar com os ecossistemas em
a necessidade de ampliar o diálogo com quem usa vez de tentar dominá-los. “Além de ampliar a
o meio ambiente e não só com aqueles que têm renda, o agricultor que adota práticas sustentá-
por definição protegê-lo. “O Ministério tem de veis tem maior qualidade de vida e, assim, mais
aprender com quem é do campo”, declarou. motivação para permanecer no campo”, opina.
Jalcione Almeida, 58, professor e pesquisa-
dor da Universidade Federal do Rio Grande do Uma história recente
Sul (UFRGS), também defende que a gestão Foi a partir de 1980, com a massificação
da produção agrícola convencional e os conse-
Eduardo Ehlers: produtividade maior quentes danos ambientais daí decorrentes, que
com menor impacto ambiental cresceu o interesse por modelos produtivos al-
ternativos, que aliam o aumento da produtivi-
dade das lavouras e a conservação dos recursos
naturais com mínimos impactos ao ambiente.
Eduardo Ehlers, 46, professor com doutorado
em Ciência Ambiental, conta que o movimen-
to provocou impactos significativos em alguns
campos do conhecimento científico e agronômi-
co. “Aos poucos vemos surgir práticas agrícolas
que reduzem o uso de agrotóxicos, aproveitam a
biomassa, fazem o controle da erosão dos solos,
buscam novas fontes de energia, integram pecu-
ária e lavoura, diversificam e instituem a rotação
de culturas”, sublinha ele.
Marina Lopes
Na opinião da engenheira agrônoma Leonor
6 Sustentabilidade do Campo
7. Para Costa Gomes, práticas sustentáveis
ampliam a renda do agricultor
Acervo Embrapa Clima Temperado
Assad, 55, professora da Universidade Federal por levar a educação
de São Carlos (UFSCar) e coordenadora do ao campo. “O agricul-
Programa de Pós-Graduação em Agricultura e tor domina o conheci-
Ambiente, o pequeno agricultor está buscando mento prático, mas se
alternativas de gestão porque lida diretamente ele tiver contato com
com o meio ambiente e sabe que precisa preser- o que foi produzido
vá-lo. Ela aponta o Programa Nacional de Edu- no ambiente acadêmi-
cação na Reforma Agrária (Pronera), do Institu- co e de pesquisa, poderá articular uma gestão
to Nacional de Colonização e Reforma Agrária mais racional e inteligente dos recursos natu-
(Incra), como importante indutor para a mu- rais”, acredita.
dança de mentalidade na agricultura, justamente
Políticas adequadas
Celso Ludwig, 32, coor-
Acervo Fetraf - Sul
vai ditar o preço e o volume produzido. Todos os cus-
denador geral da Fede- tos acabam sobrando para ele”, enfatiza.
ração dos Trabalhadores Como apoia o modelo de transição agroecológica, o
na Agricultura Familiar movimento tem resgatado práticas agrícolas tradicionais
da Região Sul do Brasil e desenvolvido sistemas de diversificação da produção.
(Fetraf-Sul), acha que Em Santa Catarina, 900 agricultores produzem sementes
quem vive na agricultu- de milho e feijão de variedades crioulas em uma unidade
ra deve ser remunerado de beneficiamento desses produtos. “Essa experiência
por preservar os ativos poderia ser direcionada para outras regiões”, sugere.
ambientais (variedades No Piauí, os agricultores estão montando agroin-
de plantas, sementes e dústrias em torno da produção de caju. Eles não co-
animais). “Vamos su- mercializam só a fruta, mas o suco e a polpa dela,
Celso Ludwig, da Fetraf-Sul, por que um agricultor além de doces e geleias. “Para implantar mais agroin-
defende remuneração a
que tenha 20 hectares dústrias pelo País, a legislação teria de se adequar à re-
quem preservar a natureza
de terra e nenhum ativo alidade dos pequenos agricultores. A que vigora hoje
ambiental plante em toda a área e ganhe R$ 500 por é moldada para um sistema de produção em larga es-
hectare/ano, ou seja, R$ 10 mil. Outro, com os mes- cala, que incentiva mais a soja do que milho e arroz,
mos 20 hectares, sendo que sete são de mata e dois por exemplo, dois itens básicos da alimentação”, criti-
com nascentes e córregos, terá apenas 11 para pro- ca o coordenador.
duzir. Pela lei, ele é obrigado a preservar a natureza. No momento, o MPA está discutindo a implanta-
Comparado ao primeiro, a sua renda anual será de R$ ção de um sistema de produção baseada na agroener-
5,5 mil”, exemplifica. gia – o agricultor produziria a própria energia para o
O Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), seu sustento e comercializaria o excedente.
que reúne 100 mil famílias de camponeses, não ne-
cessariamente integradas ao mercado formal, reivin-
dica políticas públicas adequadas às diferentes reali-
dades na agricultura brasileira. Na visão de Marciano
Toledo da Silva, 40, coordenador de Agrobiodiversi-
dade da organização, a produção orgânica, muito dis-
cutida hoje em dia, precisa ser observada com cautela
porque é tida como mais um pacote tecnológico, com
regras rígidas em torno dos insumos e a presença de
um assessor técnico responsável pela certificação dos
Sementes
produtos. “Além disso, os canais de comercialização e produtos
Fotos: Acervo MPA
(grandes lojas e redes) são muito fechados para o es- industrializados:
coamento da produção orgânica”, relata. “O agricul- atuação do
MPA afasta
tor acaba dependendo da figura do atravessador, que
atravessadores
Instituto Souza Cruz 7
8. DEBATE
Qual o maior desafio para a
sustentabilidade
das propriedades rurais?
Dois especialistas apresentam seus pontos de vista acerca do tema, que tem motivado
Maria Aurigele Barbosa Alves
23 anos, filha de agricultores, é técnica em
Agropecuária e agente multiplicadora em Agroecologia.
No Ceará, atua como educadora social do Programa
Empreendedorismo do Jovem Rural (PEJR), executado
pela Agência de Desenvolvimento Econômico
Local (Adel), entidade na qual exerce a função de
gerente de Projetos. Como parte de suas atividades
profissionais, ela acompanhou no ano passado as feiras
agroecológicas, coordenadas pela Fundação Konrad
Adenauer, no semiárido cearense.
Jovani Puntel
de sistemas hídricos e fazer o manejo florestal
adequado. A implementação de tecnologias
O Brasil é conhecido mundialmente por sua
riqueza natural e ambiental, além da força eco-
alternativas irá melhorar a qualidade de vida e
produção na zona rural. Como é baixo o nível
de renda e de educação formal da população do
nômica da agricultura. No entanto, a difícil re- campo, muitos produtores rurais promovem o
lação homem x natureza provocou uma grande extrativismo predatório dos recursos naturais
mudança no ecossistema: os recursos naturais para garantir a sobrevivência da família, afetan-
passaram a ser usados para benefício próprio, o do a floresta e sua biodiversidade. Na Amazônia,
que tem contribuído para a degradação do meio por exemplo, 90% da exportação madeireira é
ambiente. A exploração madeireira sem manejo para fins comerciais e sua exploração é ilegal.
florestal, a pecuária extensiva, a agricultura me- No Ceará, a realidade não é tão diferente, mas
canizada em grande escala, o desmatamento e as notam-se avanços. Os agricultores usam tecno-
queimadas são exemplos de problemas a serem logias alternativas como plantio em curvas de ní-
superados. Nesse sentido, a necessidade de con- vel, agroflorestas, cobertura do solo e defensivos
ciliar o crescimento econômico do País com a naturais, além de atuarem na reposição da mata
conservação dos recursos naturais é um enorme ciliar e da mata nativa. Eles vêem na Agroecolo-
desafio porque os superávits na balança comer- gia uma saída para recuperar áreas degradadas e
cial dependem da exportação de produtos agrí- gerar melhores condições de vida. Portanto, é
colas cultivados em grande escala (IBGE, 2004). necessário mudar os hábitos de cultivo agrícola,
Os pequenos, médios e grandes produtores o que requer tempo e dedicação da sociedade ci-
rurais precisam se sensibilizar para a importân- vil e, principalmente, do Poder Público na busca
cia da sustentabilidade ambiental do campo. Ou de novas soluções viáveis para a sustentabilidade
seja, utilizar de forma consciente os recursos na- das propriedades rurais. O comprometimento
turais e adotar práticas como a redução do uso de todos os setores na defesa do meio ambiente
excessivo de agrotóxicos, evitar a contaminação pode fazer a diferença para as gerações futuras.
8 Sustentabilidade do Campo
9. amplas discussões
Christino Áureo
49 anos, é secretário Estadual de Agricultura
e Pecuária do Rio de Janeiro e deputado
estadual reeleito em 2010. Formado em
Medicina Veterinária, com pós-graduação em
Administração Rural e especialização em Políticas
Públicas e Governo. Pertence aos quadros de
Administradores do Banco do Brasil, onde exerceu
diversos cargos de gestão em Brasília, Rio de
Janeiro e outros estados. À frente da pasta desde
abril de 2001, ele implementou importantes
programas para o desenvolvimento do setor e da
agricultura familiar no estado, como o Rio Leite,
Rio Genética, Rio Rural, Estradas da Produção,
Prosperar e Frutificar.
Robson Oliveira
A sustentabilidade envolve muitos aspectos
da relação entre o setor produtivo no campo e
gam a preservação “romantizando” a questão
ambiental, nem dos que, sem qualquer tipo de
os resultados a serem obtidos para a economia escrúpulo, se colocam na tarefa de produzir a
como um todo. Ao revermos a relação das ge- qualquer preço.
rações passadas com a natureza, o que nos salta A experiência que vivemos no Rio de Janeiro
aos olhos é a falta de informação reinante na- com o Programa Rio Rural, patrocinado pelo
quela época. A agressão ao meio ambiente nem Banco Mundial e Governo do Estado e implan-
poderia ser classificada dessa forma, pois o que tado pela Secretaria de Agricultura, mostra um
havia era um desconhecimento absoluto dos caminho objetivo para a questão. Os agriculto-
seus verdadeiros impactos. Na medida em que a res “convertidos” para esta filosofia são premia-
sociedade evoluiu e, paralelamente, foram alcan- dos com o apoio às suas atividades produtivas.
çados avanços na produtividade, compreendeu- Neste contexto, o Rio Rural vem fazendo um
-se melhor o valor da preservação dos recursos trabalho de recuperação das estradas rurais e das
naturais. O encontro da conscientização para a nascentes, replantio de matas ciliares e, principal-
preservação e a própria perpetuidade do proces- mente, adequação dos processos de produção.
so de produção com elevadas performances no Seja ele na atividade leiteira, de hortaliças ou
campo, vai de alguma maneira acontecer. de flores, entre outras, envolvendo tudo aquilo
O nosso maior desafio é fazer com que este que gravita no universo da agricultura familiar. A
processo se acelere, porque o planeta vem dan- sustentabilidade real pode ser comprovada pelo
do demonstrações de que não suporta mais viver indicador mais indiscutível que existe: a redução
sob intensa pressão. Para apressar a harmoniza- da pobreza rural. Esta sim, a meta principal que
ção dessa convivência, não podemos dar espaço temos conseguido alcançar paulatinamente atra-
para as visões radicais. Nem daqueles que pre- vés dessas ações.
Instituto Souza Cruz 9
10. Haroldo Mattos Lemos Presidente do Instituto Brasil Pnuma
Futuro
sustentável
Fotos: Domingos Peixoto
A
Lemos: com o perfil de país credor ecológico,
o Brasil poderá dar um salto de qualidade no futuro
sustentabilidade é um caminho sem volta e
o Brasil tem chances de reescrever a sua história
por ostentar grande capacidade de produzir re- Como a A divisão que fizemos até aqui en-
cursos naturais renováveis. A afirmação é de um humanida-
tre países ricos e pobres, mais e me-
dos maiores especialistas brasileiros no assunto, nos agrícolas, não é mais adequa-
de poderá
Haroldo Mattos Lemos, presidente do Instituto da. A tendência agora é dividir o
lidar com os
Brasil Pnuma, o Comitê Brasileiro do Progra- mundo entre credores e devedores
interesses
ma das Nações Unidas para o Meio Ambiente, ecológicos. Existem países, como o
divergentes
e professor de Engenharia Ambiental da Escola Brasil, com capacidade de produzir
entre países
Politécnica da Universidade Federal do Rio de recursos naturais renováveis (bioca-
Janeiro. Ele alerta, no entanto, que o salto à de diferentes pacidade) maior do que sua pegada
frente só será possível se o País superar gargalos estágios de ecológica, que inclui a área necessá-
na agricultura, como o desmatamento, o desper- desenvolvi- ria para produzir os insumos que a
dício de água e a erosão do solo. mento? população consome e para absorver
Ex-Secretário de Meio Ambiente do Minis- os resíduos produzidos na geração
tério do Meio Ambiente e coordenador brasilei- dos insumos (produtos e serviços).
ro do Sub-Grupo de Meio Ambiente SGT-6 do São os credores ecológicos. Outros
Mercosul, Lemos, que tem mestrado em Enge- países, como os Estados Unidos e o
nharia Sanitária e Ambiental pela Delft Universi- Japão, têm pegada ecológica maior
ty of Technology (Holanda, 1973), afirma ainda que sua biocapacidade e precisam
que o Brasil está longe dos níveis de conscienti- importar matérias-primas e alimen-
zação dos países posicionados à frente no que se tos para sobreviver. São os devedo-
refere aos cuidados com a natureza. res ecológicos.
10 Sustentabilidade do Campo
11. Não. Em 1820, o PIB per capita O Brasil Alguns ajustes precisavam ser feitos
Sempre de todas as regiões do mundo era no Código. Espero que a versão final
discute há al-
houve essa bem semelhante. Depois, o cenário seja capaz de entender e refletir o fato
guns meses
diferença mudou. Países que souberam usar de que a agricultura depende muito
o novo Códi-
entre os os combustíveis fósseis desenvol- das florestas e dos serviços que a na-
go Florestal,
países? veram tecnologia e equipamentos tureza nos presta. Vou dar um exem-
que im-
para aproveitar a energia gerada plo. Muita gente acha que as abelhas
pacta áreas
pela queima desse recurso natural e só servem para produzir mel e para
produtivas.
deram um salto. Outras regiões fi- nos picar quando são provocadas,
O senhor
caram para trás. Dentro de 50 anos, mas elas são polinizadoras de grande
entende que
no entanto, o petróleo estará escas- parte dos produtos consumidos pelos
as soluções
so. Ainda vamos ter bastante carvão homens. Em algumas regiões do
mineral, mas as questões que en- encaminha- mundo elas começaram a desparecer.
volvem as mudanças climáticas vão das vão ao Hoje, nos Estados Unidos, tem gen-
frear essa utilização. Países credores encontro das te alugando abelhas na época da flo-
ecológicos poderão aproveitar esta necessidades ração na agricultura. Na minha ju-
oportunidade. É uma chance para o do País nessa ventude, as pessoas endeusavam a
Brasil reescrever a sua história. questão? tecnologia, como a que permitiu o
homem chegar à lua, e até hoje acre-
O Instituto Brasil Pnuma foi cria- ditam que ela pode resolver tudo. No
Qual o do em 1991. A partir de 2004, co- entanto, se perdermos as abelhas, não
trabalho do meçou a funcionar em Brasília um há tecnologia que dê jeito.
Instituto no escritório sub-regional do Pnuma
Brasil? para a América do Sul, que é o seu É um caminho sem volta. Há um
representante oficial no País. Desde relatório, produzido por 29 grandes
A sustenta-
a sua criação, a cada dois meses, o empresas do mundo inteiro, partici-
bilidade
Instituto Brasil Pnuma produz um pantes do Conselho Empresarial
ambiental
boletim informativo com notícias do Mundial para o Desenvolvimento
trabalho que o Pnuma faz no mun- será tema Sustentável, que propõe metas para
do inteiro e notícias e artigos sobre dominante que a humanidade saia do business
questões nacionais. Como estou en- daqui para as usual atual para atingir a susten-
volvido no desenvolvimento da Série frente? tabilidade até o ano 2050 nos cam-
de Normas ISO 14000 de Gestão pos dos valores humanos, energia,
Ambiental, como vice-presidente do agricultura, florestas, construções e
Comitê Técnico 207 da ISO, fize- transportes, entre outras áreas. Uma
mos parceria com o Sebrae para pro- das metas é dobrar a produção agrí-
duzir um documento sobre avaliação cola, sem mais desmatamento e sem
de ciclo de vida aplicada às pequenas aumentar o volume de água utiliza-
e médias empresas e outro relatório da. Já existe tecnologia para isso. O
que faz uma síntese do desenvolvi- documento está sendo agora adap-
mento sustentável na prática. tado pelo Conselho Empresarial
Brasileiro para o Desenvolvimento
Sustentável (Cebds), para as con-
dições brasileiras.
Os empresários perceberam que reduzir
desperdícios, fazendo com que o processo
produtivo gaste menos energia, água e matéria
prima, economiza dinheiro e melhora a
competitividade.”
Instituto Souza Cruz 11
12. Haroldo Mattos Lemos
Felizmente. O Programa das Na- A agricultura familiar precisa de
A discussão A exploração
ções Unidas para o Meio Ambiente mais orientação técnica e tecnolo-
se ampliou... racional dos
produziu um relatório que propõe gia para explorar adequadamente
uma série de ações, como diminui- recursos na- os recursos naturais. Uma entidade
ção da emissão de carbono, maior turais leva ao modelo como a Embrapa, com suas
eficiência do uso de recursos natu- melhor apro- pesquisas e estudos, tem permitido
rais, redução da pobreza e a apli- veitamento que mais produtores rurais possam
cação de 2% do PIB mundial em da proprie- manter suas propriedades com o
atividades para a sustentabilidade – dade rural. seu próprio trabalho. Do contrário,
cerca de US$ 1,3 trilhão. A maior O que deve se não conseguem sobreviver no
parte desse dinheiro poderia vir ser feito para local, eles acabam vendendo seus
da substituição dos subsídios in- disseminar estabelecimentos, o que estimula a
sustentáveis, como o que é dado essa prática? concentração de terras. Distribuir
atualmente para as frotas pesquei- lotes para serem trabalhados por
ras. Em 2009, no mundo inteiro, pessoas que sempre viveram nas ci-
os governos reservaram dez vezes dades, sem a mesma sensibilidade
mais subsídios para o uso de ener- e conhecimento do agricultor, não
gia fóssil do que para o desenvolvi- pode dar certo.
mento de energias renováveis.
Em 1975, quando criei no Rio de Ja-
No caso do O desmatamento, por exemplo. neiro a Fundação Estadual de Enge-
O brasileiro
Brasil, quais O Brasil tem áreas já desmatadas e nharia do Meio Ambiente (Feema),
comum
seriam os
tecnologia suficientes para dobrar a hoje Instituto Estadual do Ambien-
ainda está
produção agrícola sem precisar mais te (Inea), a visão era meio romântica
gargalos alheio à
derrubar árvores. Outro é a erosão e só se falava da poluição da água
no setor de preocupação
do solo. Um dos cuidados que esta- e do ar e da manutenção de peixes.
agricultura? ambiental
mos começando a adotar é o plantio Hoje a discussão é sobre a sustenta-
direto, sem necessidade de revolver ou já se bilidade da humanidade com razoá-
a terra. A água também é um fator percebe uma vel qualidade de vida. Programas de
limitante e já está ficando escassa na mudança educação ambiental foram introdu-
região Sudeste. A irrigação tradicio- nesse zidos nas escolas e trouxeram mais
nal desperdiça muita água, mas já sentido? conscientização. Os empresários,
existem tecnologias, como o goteja- que antes só atendiam as exigências
mento na raiz da planta controlado ambientais quando eram obrigados,
por computador, que reduz muito agora avançam além do que a legis-
as perdas. As áreas agrícolas irriga- lação exige. Eles perceberam que
das no planeta representam 20% do reduzir desperdícios, fazendo com
total e são responsáveis por 40% dos que o processo produtivo gaste me-
alimentos produzidos. Precisamos nos energia, água e matéria-prima,
usar formas de irrigação que desper- economiza dinheiro e melhora a
dicem menos água. competitividade.
Como para um sujeito que luta pela sobrevivência diária não
interessa se daqui a 40 anos os recursos naturais do planeta vão
acabar, dentro da estratégia de discussão da sustentabilidade, um
dos primeiros passos é reduzir a pobreza.”
12 Sustentabilidade do Campo
13. Não chegamos ainda ao nível dos letar plástico jogado nas ruas, este
O consu- países escandinavos. Nos supermer- problema estará resolvido. Temos
midor tem cados de lá existem gôndolas re- de colocar a economia a favor da
procurado servadas à produção ecológica e os sustentabilidade.
também alimentos trazem informações até
produtos sobre a quantidade de gases de efei- Em 1900, tínhamos apenas 1,5 bi-
Por que sub-
que agridam to estufa gerada durante o processo lhão de pessoas na Terra e abundân-
siste ainda
menos produtivo. Os que produziam com cia de florestas e peixes. Todas as
o raciocí-
o meio menos gás estufa tiveram a venda teorias produzidas sobre a impor-
nio de que
ambiente? aumentada. No Brasil já temos selos tância do consumo para movimen-
lutar pela
verdes, mas ainda são setoriais. tar a economia levavam em conta
preservação
aquela realidade. Acontece que
As questões ambientais são bem en- do meio daqui a pouco vamos chegar a sete
De maneira tendidas em extratos de população ambiente é bilhões de habitantes no Planeta e
geral, os com mais qualidade de vida. Nas jogar contra temos menos solos agriculturáveis,
princípios camadas mais pobres, o tema ainda o desenvol- florestas e peixes. Para alcançar um
da sustenta- não sensibiliza. Para um sujeito que vimento e o quadro sustentável, precisaremos
bilidade são batalha pela sobrevivência diária, não progresso? adotar mudanças essenciais nas es-
bem com- interessa se daqui a 40 anos os recur- truturas de governos, na economia,
preendidos? sos naturais do planeta vão acabar. A nos negócios e no comportamento
falta de alternativa o faz pensar assim. humano. Mas, infelizmente, a hu-
Dentro dessa estratégia de discussão manidade tem o hábito de só botar
da sustentabilidade, um dos primei- cadeado na porta depois que ela foi
ros passos é reduzir a pobreza. arrombada. Se não tomarmos uma
atitude hoje, vamos precisar de sa-
Sem dúvida. Não adianta a popu- crifícios maiores amanhã.
A atuação do
lação cumprir o seu papel em casa
Poder Públi-
separando o lixo se a prefeitura não
co é funda- disponibiliza um caminhão de co-
mental para leta seletiva. O governo não precisa
estimular os se preocupar, por exemplo, com a
consumido- reciclagem de latas de alumínios
res a reutili- porque esse tipo de trabalho já traz
zar e reciclar retorno financeiro para quem vive
materiais disso. Lembro de uma reportagem
e reduzir o que mostrava um casal argentino
desperdício? bem vestido recolhendo latinhas de
alumínio numa praia carioca. Eles
haviam conseguido estender a via-
gem só por conta desse trabalho.
No dia em que for econômico co-
Para o presidente do Instituto Pnuma
Brasil, o País tem tecnologia suficiente
para dobrar a produção agrícola sem
precisar mais desmatar
Instituto Souza Cruz 13
14. Vapor gerado
pelo refletor
termossolar pode
ser usado em
caldeiras e estufas
De volta
à natureza
Inspirado em princípios de preservação
ambiental, o Centro de Desenvolvimento
Fotos: Acervo Guaçu-Virá
Sustentável Guaçu-Virá destaca-se
com alternativas sustentáveis voltadas
à realidade local
U m aquecedor solar que esquenta a água até
uma temperatura de 43 ºC, cuja montagem não
(pesquisas do ecossistema da Mata Atlântica),
minhocário (que produz o húmus, um ferti-
lizante natural) e agricultura vertical (a fruta é
custou mais do que R$ 60 e atende uma família cultivada suspensa, o que reduz a área de cultivo
de até cinco pessoas. Um desidratador solar que e o volume de água da irrigação e descarta o uso
permite aproveitar o excedente de safra de fru- de produto químico). Como não há coleta de
tas e verduras conservando todos os seus valores esgoto, foi montado um sistema de fossa filtro
nutritivos e ampliando o prazo de validade. Um que, após um processo de decantação, respon-
refletor termossolar que, ao aquecer a água até sável pela eliminação da parte sólida, purifica o
600 ºC, gera vapor, útil para contemplar dife- líquido por meio de filtragem biológica – dessa
rentes demandas – de caldeira, para produção de forma, 90% da água volta ao meio ambiente.
geleias, à estufa, para fermentação de massas. Por ano, o centro recebe em média dois mil
Essas são algumas das iniciativas implemen- alunos, vindos das escolas da região e até de ou-
tadas pelo Centro de Desenvolvimento Susten- tros estados, que aprendem a plantar, manusear
tável (CDS) Guaçu-Virá, instalado em uma área hortas e criar animais (cabritos, coelhos e gali-
de dez alqueires no município capixaba de Ven- nhas). Comunidades indígenas e até uma insti-
da Nova do Imigrante. No local, são produzi- tuição de ensino dos Emirados Árabes Unidos já
dos morango, verduras e legumes visitaram o lugar.
orgânicos. O empreendimento foi O CDS Guaçu-Virá acolhe tam-
criado em 1993 e é fruto da perse- bém cerca de 600 estudantes por
verança do argentino Júlio Alberto ano de escolas estaduais, em uma
Duenas, idealizador da iniciativa. parceria com o Instituto Estadual
“Queremos funcionar como mo- de Meio Ambiente e Recursos Hí-
delo para outras propriedades se es- dricos (Iema). Eles aprendem con-
pelharem, para que todas trabalhem ceitos de sustentabilidade ambiental
sem degradar o meio ambiente”, e técnicas agrícolas e os mais talen-
assinala a bióloga Graziele Dalbó tosos são treinados para se torna-
Falqueto, que atua nesse programa rem monitores ambientais. Os pro-
há três anos. “Nós nos dedicamos ao gramas têm tamanha repercussão,
estudo, pesquisa e desenvolvimento conta Graziele, que aportaram em
de ações sustentáveis, com equipa- Moçambique e Angola, onde estão
mentos de baixo custo e construção sendo adaptados às realidades locais.
simples, que empregam materiais
disponíveis, reciclados ou naturais,
na própria região”, explica.
Aquecedor de água solar (no alto)
Além das energias alternativas,
e agricultura vertical: ações
o CDS Guaçu-Virá desenvolve ain- sustentáveis de baixo custo
da projetos de educação ambiental
14 Sustentabilidade do Campo
15. Juventude engajada
Abrigados em uma entidade com práticas e princípios Estruturados sem
hierarquia, líderes ou
socioambientais, grupos de jovens estão contribuindo coordenadores, grupos
para a construção de políticas públicas e o fortalecimento de jovens se mobilizam
para formar cidadãos mais
do Movimento de Juventude e Meio Ambiente conscientes e ativos na
defesa do meio ambiente
U ma entidade estruturada sem hierarquias, líde-
res ou coordenadores, que reúne grupos de jovens
envolvidos em ações e lutas por temas socioam-
bientais. Presente em todos os estados brasileiros e
articulada com similares latino-americanas, a Rede
da Juventude pelo Meio Ambiente e Sustentabili-
dade (Rejuma) sensibiliza e mobiliza a juventude
para causas e questões relacionadas aos temas.
“O intuito é engajar os jovens e motivá-los
a ter participação política ambiental, assumindo
o papel de protagonistas em relação à sustenta-
Fotos: Coletivo Jovem de MT
bilidade do planeta”, enfatiza a bióloga Elizete
Gonçalves dos Santos, que milita na organização
e integra o Coletivo Jovem de Meio Ambiente de
Mato Grosso (CJ-MT). Estes grupos informais,
“
também sem líderes e hierarquias, desenvolvem
atividades ligadas à melhoria do meio ambiente
e da qualidade de vida. “Em um momento de Em um momento de crise ambiental
crise ambiental no mundo, é urgente a formação no mundo, é urgente a formação de
de jovens cidadãos e de uma educação libertária
e inclusiva”, acrescenta.
jovens cidadãos e de uma educação
Foi no Encontro Nacional da Juventude pelo libertária e inclusiva”
Meio Ambiente, realizado em 2003 na cidade de
Luziânia (GO), que surgiu a ideia de abrigar to-
dos os coletivos jovens em uma única rede. Com retrizes para a promoção de políticas públicas de
espírito militante, a Rejuma começou a partici- juventude. “Nós conseguimos também obter um
par ativamente em diversos espaços de discussão, assento na área ambiental e na construção do Es-
proposição e construção de políticas públicas tatuto da Juventude”, conta a bióloga.
para a Juventude e Meio Ambiente, como o Fó- Nem tudo são flores, no entanto, na cami-
rum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais nhada da Rejuma. A organização ainda enfrenta
para o Meio Ambiente e Desenvolvimento. A a incredulidade de muitos jovens e adultos, que
entidade, inclusive, tem firmado parcerias pro- consideram o tema socioambiental como uma
dutivas com os ministérios da Educação e Meio causa perdida. “A gente percebe que parte da
Ambiente para a realização das Conferências juventude não se envolve nesse tema, o que tor-
Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente. “Aos pou- na mais lenta a disseminação de nossas ideias”,
cos, estamos construindo a nossa identidade e conta Elizete. Tais obstáculos não inibem a atu-
autonomia”, festeja Elizete. ação da entidade, que vai prosseguir em sua luta
Mesmo com pouco tempo de existência, a pelo engajamento de mais pessoas. “O meio am-
Rejuma já apresenta bons resultados. Os jovens biente, além de ser um assunto bastante atual e
da rede se mobilizaram e conseguiram, por exem- conectado ao futuro do mundo, é uma maneira
plo, fomentar a criação do Conselho Nacional de de os jovens exercerem sua cidadania. Por meio
Juventude (Conjuve), regulamentado em 2007 de pequenas ações cotidianas, podemos mudar a
pelo Governo Federal, que propõe e formula di- sociedade”, finaliza.
Instituto Souza Cruz 15
16. JOVENS EM AÇÃO
Mudança
de rumo
No Sul e Nordeste, jovens agricultores implementam projetos bem-sucedidos
de sustentabilidade ambiental em propriedades e comunidades rurais
Q uem vê a propriedade de 42
hectares da família do agricultor
catarinense Fabiano Eller, de 24
anos, com áreas reflorestadas e
uma nascente de água mineral,
não imagina como essa realidade
era diferente há alguns anos. Resi-
dentes em Santa Rosa de Lima,
na região das Encostas da Serra
Geral, eles tinham uma produção
pouco diversificada e sem muitas
perspectivas. Diante dessa situa-
ção nada promissora, ao concluir
o Ensino Médio, em 2005, Eller
chegou a cogitar trabalhar fora O agricultor Fabiano Eller mudou a forma de
para garantir a própria renda. gerir os recursos naturais de sua propriedade
O cenário mudou, no entanto, e está reflorestando as áreas desmatadas
ao ingressar no Programa Empre- Jovani Puntel
endedorismo do Jovem Rural
(PEJR), do Instituto Souza Cruz, investiu na produção de leite à Microbacias 2, do governo catari-
quando se deu conta de que pode- base de pasto (Sistema Voisin), nense, conseguiu mudas de árvores
ria gerir os recursos naturais do tema de seu projeto final no trei- para o plantio dessa área cercada,
estabelecimento de outra forma e namento, e decidiu reflorestar as protegendo as nascentes que não
maximizar o rendimento familiar. áreas desmatadas. “Comecei tam- abrigavam mais mata nativa. Não
“Percebi que a propriedade estava bém a separar o lixo de forma bastasse, ele reduziu ainda o uso de
sendo relegada ao segundo plano. mais adequada. O material reci- agrotóxicos nos cultivos de milho,
Como só pensávamos em ganhar clável é isolado e recolhido pela aipim, batata, hortaliças, batata-
dinheiro para pagar as contas, dei- prefeitura a cada dois meses. Já o -doce, batatinha e frutas. Boa parte
xávamos as roças abandonadas. Vi lixo orgânico, utilizo como adubo da produção familiar é entregue ao
que era preciso buscar alternativas na produção de hortaliças e para Programa de Aquisição de Alimen-
para contornar tais problemas. Re- os animais”, explica o jovem que, tos (PAA).
solvi, então, estudar e trabalhar além da atividade agrícola, partici- “Tudo que eu aprendi no
para melhorar a nossa condição de pa da direção da cooperativa de PEJR foi de muita importância
vida e me tornar cada vez mais crédito Cresol e de um sindicato. porque notei que estávamos traba-
uma pessoa realizada aqui mesmo, O reflorestamento foi imple- lhando de forma errada na pro-
junto aos meus familiares”, conta. mentado por Eller a partir de pi- priedade, mas hoje revertemos o
Durante a formação no PEJR quetes, que construiu também com quadro”, revela o jovem, que ali-
no Centro de Desenvolvimento o intuito de cercar os rios e banha- menta o sonho de continuar ali.
do Jovem Rural (Cedejor), orga- dos para evitar a aproximação dos “Não há lugar melhor para se viver
nização parceira do Instituto, ele animais. Com o apoio do projeto do que no meio rural”, enaltece.
16 Sustentabilidade do Campo
17. incentivados a discutir coletiva-
mente os impactos ambientais ge-
rados a partir da relação do homem
com a natureza”, enfatiza.
No ano passado, ela criou o
Grupo de Jovens Unidos a Deus
(GJUD), na igreja católica da co-
munidade, e desde então tem de-
batido, também no local, soluções
para a destinação do lixo. Com a
definição de um plano de ação, o
grupo lançou recentemente o Dia
Agroecológico, uma campanha de
Acervo Equipe de Comunicação do MOC
incentivo e conscientização acerca
Cultivo de hortaliças em da coleta seletiva – a turma visitou
solo preparado com adubo
propriedades da região, conscien-
H
orgânico: compostagem
tizando agricultores e distribuin-
feita a partir da sobra da
á alguns anos, a agricultora do mudas de árvores frutíferas.
produção de polpa de frutas
Gildete Pereira da Silva, 21, passou Cada membro do GJUD é res-
a observar que no entorno de sua ponsável pela conscientização de
propriedade, localizada em Serri- seus vizinhos. O objetivo é fazer
nha (BA), a quantidade de lixo se com que todos separem e direcio-
avolumava, com sacolas de detritos nem o lixo aos pontos de recolhi-
e restos penduradas nas cercas e na mento, de onde é encaminhado
vegetação. A paisagem, relembra, a para uma microempresa da região
“
incomodava bastante. Em sua casa, que compra recicláveis. “Trata-se
o cuidado com a destinação do de um trabalho difícil porque as
Queremos que material descartado era outro. Isso pessoas ainda não têm muita cons-
porque ela havia introduzido a co- ciência do problema”, afirma ela.
a iniciativa de leta seletiva e o reaproveitamento “Queremos que a iniciativa se tor-
de resíduos, que assimilou em ne contínua e as famílias, com o
separar e 2008 no curso de capacitação feito tempo, compreendam a impor-
no projeto Agentes Multiplicado- tância da ação, trabalhando juntas
direcionar o res de Ater (AMAs). Nesse progra- pela comunidade”, assinala.
ma, aprendeu a fazer composta-
lixo se torne gem da sobra da produção de pol-
pa de frutas, convertendo-a em
contínua e as adubo orgânico.
O trabalho de separar o lixo, no
famílias entanto, era prejudicado por um
fator que não previra: o vento tra-
zia para o seu terreno parte da su-
compreendam jeira espalhada pela região. “Dian-
te da situação, tive que pensar em
a importância soluções que atendessem a comu-
nidade inteira e não só a minha
disso” propriedade”, conta Gildete, que
concluiu nesse ano a formação no
PEJR, implementado na Bahia em
parceria com o Movimento de Or-
ganização Comunitária (MOC).
“Ao longo do programa, fomos
Gildete implementou em sua propriedade
a coleta seletiva de lixo e está disseminando
a prática na comunidade local
Instituto Souza Cruz 17
18. Jornada capixaba
Cerca de 400 pessoas de todas
as regiões do País participaram
da IV Jornada Nacional do Jo-
vem Rural, em Domingos Mar-
tins (ES), entre os dias 23 e 26
de agosto. Organizado pela Rede
Jovem Rural, capitaneada pelo
Instituto Souza Cruz, o evento,
que teve como tema Por uma
agricultura familiar, profissio-
nal e inovadora, reuniu jovens,
educadores e técnicos de 18 or-
ganizações que trabalham com
Jovani Puntel
projetos de Educação no Campo.
Diversas atividades fizeram
parte da agenda, como painéis, Mais de 400 jovens, educadores e técnicos de todo o País se reuniram em
oficinas, feira regional, apresen- Domingos Martins (ES) para discutir projetos relacionados à educação no campo
tações culturais e visitas para
conhecer experiências de agro- No último dia, os participantes anfitriã do encontro. No local,
turismo da serra capixaba. Na deslocaram-se para a cerimônia de aconteceu a leitura da carta que
ocasião, também foi lançada a encerramento, em Vitória, onde reúne as resoluções da jornada e
revista Conexões Rurais, resul- foram recepcionados por cente- das Conferências Livres de Juven-
tado do III Intercâmbio da Ju- nas de alunos do Movimento de tude, realizadas paralelamente ao
ventude Rural Brasileira, outra Educação Promocional do Espí- evento. Para saber mais, visite o
iniciativa da Rede Jovem Rural. rito Santo (Mepes), organização site www.jovemrural.com.br.
Empreendedores cearenses
O Ceará já tem sua primeira turma Empreendedorismo do Jovem ta de negócio sustentável para ge-
de Agentes de Desenvolvimento Rural (PEJR), implementado no rar renda no campo para a família
Rural. São 28 jovens, que conclu- território Médio Curu, em uma e a comunidade.
íram a formação no Programa parceria entre a Agência de De- O passo seguinte do progra-
senvolvimento Econômi- ma, que busca ativar o empreen-
Acervo Instituto Souza Cruz
co Local (Adel), Instituto dedorismo e o protagonismo no
Souza Cruz e Fundação meio rural, é dar suporte para os
Konrad Adenauer. Ao jovens materializarem seus proje-
longo de um ano, eles es- tos. “É fundamental apoiar os
tudaram e aprenderam no os agentes nesta próxima eta
v
temas e questões relacio- pa porque esta é a primeira expe-
nados à área humana, téc- riência empreendedora deles”,
nica e gerencial. assinala Wagner Gomes, dietor
r
Além de intercâm- executivo da Adel. “Hoe, já te-
j
bios, estágios e ativida- mos jovens do PEJR desenvol-
des no núcleo e nas pro- vendo empreendimentos pro
priedades, cada um deles dutivos com viabilidade econô-
Jovens do campo desenvolvem projetos sustentáveis desenvolveu uma propos- mica”, finaliza.
18 Sustentabilidade do Campo
19. MEU RURAL
Elielson Zoboli: a história da transformação, no
interior capixaba, da propriedade da família
Cultivando
consciência
M
“
eu nome é Elielson Zoboli e resido no muni-
cípio de Venda Nova do Imigrante, no interior do
Espírito Santo. Tenho 18 anos e estudo na Escola
Família Agrícola de Castelo, ligada ao Movimento
de Educação Promocional do Espírito Santo (Me-
pes), em regime de alternância. No período em que
estou em casa também trabalho na agricultura, im-
plantando o que aprendo na escola.
Na nossa propriedade, com 54 hectares, vivem
sete pessoas da família – meus pais, um avô, dois ir-
mãos e uma cunhada. Temos uma produção varia-
da. Plantamos café, abacate e mexerica poncã, além
de culturas anuais, como feijão e milho. A partir dos
meus estudos, passei a diversificar ainda mais o que
produzimos, introduzindo lichia, ameixa e inhame.
Os alimentos são destinados ao sustento da família e
o excedente é comercializado.
Aprendi na escola a cuidar melhor de nossa pro-
priedade. Os professores explicaram que preservar
o meio ambiente é essencial para a vida de todos e
Fotos: Paulo Porto
por conta disso comecei a reflorestar uma das nossas
nascentes. Pretendo, em breve, reflorestar as outras
duas existentes no terreno.”
Sem queimadas
“Além de fazer a averbação rios. Até o final do ano preten-
obrigatória da reserva natu- do desenvolver esse sistema em
ral, implantamos ainda ações toda a propriedade, porque se
para evitar erosões no solo. As trata de uma região montanho-
plantações, por exemplo, são sa e suscetível à erosão.
feitas em curvas de nível (siste- Vale a pena dizer que não
ma de cultivo que ajuda a reter fazemos queimadas aqui. Sabe-
os elementos solúveis do solo, mos o quanto essa prática é pre-
permitindo a intensificação da judicial ao meio ambiente. Em
produção). Para conter a água vez de queimar, armazenamos
das chuvas, instalamos caixas todo o lixo, que é recolhido pela
secas nas estradas do sítio. Essa prefeitura municipal a cada 15
técnica consiste na construção dias. Quando concluir o Ensino
de reservatórios na margem das Médio, neste ano, pretendo cur-
vias para a captação dessa água, sar Agronomia e continuar fa-
evitando enxurradas, o desgas- zendo de nosso sítio um modelo
te do solo e o assoreamento dos de cuidado com a natureza.”
Instituto Souza Cruz 19
20. D ando
continuidade a um
dos seus objetivos
estratégicos
– de difundir
conhecimentos
sobre o processo de
desenvolvimento
integral dos jovens
do campo – o
Instituto Souza
Cruz acaba de
lançar Conexões
Rurais. A revista
apresenta dez boas
práticas rurais
mapeadas durante
o III Intercâmbio
da Juventude Rural
Brasileira, realizado
ano passado pela
Rede Jovem Rural.
Mapeando boas
práticas rurais
www.institutosouzacruz.org.br