3. Folhas de
OUTONO Aquela questão me corroia por
dentro, sei que era uma menina de
apenas seis anos, e nem deveria me
preocupar com tal coisa, às vezes,
tentava me distrair com as bonecas de
pano que havia ganhado de Irmã
Caridade, uma bondosa freira de nossa
cidade, que havia recebido tal nome por
ajudar os menos favorecidos, como eu.
4. Folhas de
OUTONO
Mas só de pensar que, enquanto minha
mãe estava lá, trabalhando como se fosse
uma pobre escrava no século XVIII, em
troca de míseras migalhas de pão, e eu,
me divertindo, distraindo-me em meu
quarto, uma grande sensação de culpa
tomava meu pequeno coração.
5. Folhas de
OUTONO
Ás vezes escapava de casa enquanto
minha mãe estava a trabalhar, para ir
colher alguns grãos de café na pequena
chácara de um velho coronel nazista,
sobrevivente da segunda guerra mundial -
ele se gabava por ter atuado ao lado de
Adolf Hitler, na horrível perseguição aos
judeus – Lembro-me que aos finais das
tardes, quando o sol deixava o céu
somente para o brilho da lua, o senhor
coronel tocava um pequeno sino de prata
- que o acompanhava desde os tempos
de guerra
6. Folhas de
OUTONO
– e todos nós pegávamos nossos
pequenos cestos de palha, cheios de
grãos de café, e corríamos rumo a ele,
nos enfileirávamos, um ao lado do outro.
O senhor passava recolhendo o fruto de
nosso trabalho e nos recompensando
com míseras moedas, eu sempre soube
que aquilo era uma forma de exploração,
mas era a única forma de arranjar alguns
trocados e poder ajudar minha pobre
mãe.
7. Folhas de
OUTONO Já era noite quando retornava à
minha casa, o cair das folhas secas e o
sedutor brilho da lua eram minhas únicas
companhias. Ao chegar a casa, vestia
minhas pequenas luvas de lã, para
esconder as mãos calejadas, sujas e
machucadas, causada pelo exaustivo
trabalho no campo. Após o jantar, me
isolava em meu quarto, e observava de
minha janela, as folhas alaranjadas e
secas das arvores canadenses caírem até
atingirem o solo,
8. Folhas de
OUTONO Ao perceber que minha mãe já
estava a dormir, seguia até a cozinha e
colocava minhas poucas moedas ganhas
do coronel, em um pequeno vasilhame de
alumínio, onde minha mãe guardava
nossas poucas economias.
9. Folhas de
OUTONO Sei que aquelas míseras moedas
não ajudariam relativamente em nada,
mas só de pensar que havia ajudado
minha pobre mãe, já me possibilitava
sentir a maravilhosa sensação de
encostar a cabeça em meu travesseiro e
ter um sono tranqüilo, fruto da limpa
consciência.
10. Folhas de
OUTONO O sol nasce e seus luminosos
raios de luz tomam conta do céu, os
mesmos atravessam as folhas das
arvores canadenses, atingindo em
seguida minha janela, que sem cortina,
possibilita a luz atingir intensamente meu
quarto, que em poucos segundos, fica
totalmente alaranjado, era algo lindo para
mim.
11. Folhas de
OUTONO Estava pronta para seguir até a
escola, mas na saída encontro minha
mãe, chorando sobre a mesa, tento
descobrir o porquê, perguntando-a o
motivo de sua angústia – algo obvio, pois
mal tínhamos algo para comer – ela tenta
disfarçar virando seu rosto para a
esquerda, e com um sinuoso gesto, seca
suas lagrimas, não respondendo minha
inconveniente pergunta.
12. Folhas de
OUTONO
Apesar da difícil situação que
passávamos, nunca havia visto minha
mãe chorando, pelo contrario, ela estava
sempre forte, remando contra a maré, que
de uma forma ou outra, nos engoliria em
breve. O que estava acontecendo? Era o
que eu também queria saber, às vezes
me assustava com o meu próprio “jeito
adulto” de pensar, culpa da vida, pois a
que nós levávamos, não permitia pensar
como uma menininha de seis anos.