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Agrupamento Escolas Carregal do Sal
P.E.F
Trabalho realizado por:
Leonardo Duarte nº9
Josefa Reis
Antes de 1940
• Foi batizado Aristides numa pequena aldeia atualmente vila,Cabanas de Viriato do concelho do Carregal do Sal,
no sul do distrito de Viseu e mais tarde adoptou os apelidos de Sousa Mendes do Amaral e Abranches. Aristides
pertenceu a uma família aristocrática rural, católica, conservadora . Seu pai terminou a carreira de juiz no Tribunal
da Relação de Coimbra. Pelo lado materno era bisneto matrilineal por bastardia do 2.º Visconde de Midões e
descendente de D. Fernando de Almada. Pelo lado familiar "de Sousa", descendente de Madragana Ben
Aloandro. Esta Senhora pertencia à Comunidade Judaica de Faro, cuja ascendência provinha do próprio
Rei David de Israel.
• Aristides instala-se em Lisboa em 1907 após a licenciatura em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade
de Coimbra, tal como o seu irmão gémeo César de Sousa Mendes. César envereda pela carreira diplomática ao
passo que Aristides envereda pela carreira consular. A carreira consular é diferente da diplomática. A carreira
consular não lida com temas políticos, lida sobretudo com temas administrativos, como é o caso da emissão de
vistos.
• César chegou a ser Ministro dos Negócios Estrangeiros de Salazar, mais tarde foi Embaixador em Varsóvia e foi
feito Comendador da Ordem Militar de Cristo a 28 de Janeiro de 1925 e Grã-Cruz da Ordem Real da Estrela
Polar da Suécia a 23 de Setembro de 1932.
• Aristides teve ao todo 14 filhos e filhas com sua mulher Angelina e uma filha, de nome Marie-Rose, da sua
amante, e mais tarde, segunda mulher, André Cibial. O primogénito nasceu em 1909.
• Aristides ocupou diversas delegações consulares portuguesas pelo mundo fora. A 12 de Maio de 1910, foi
nomeado cônsul de 2ª classe na Guiana Britânica, seguindo-se consulados em Zanzibar, Curitiba (Brasil), S.
Francisco (EUA) e S. Luís do Maranhão (Brasil). Em 1926 Aristides regressa a Lisboa para prestar serviço na
Direcção-Geral dos Negócios Comerciais e Consulares. Em Portugal, após a revolução militar do 28 de Maio de
1926, Aristides foi nomeado cônsul em Vigo. Apoiando e servindo desde o seu início o regime ditatorial.
• Aristides não era democrata, era monárquico e nacionalista6 e colaborava com o Estado Novo na aniquilação das manobras
dos refugiados políticos. É o próprio Aristides quem o escreve, em carta enviada ao MNE, datada de 1929, quando estava
colocado na Galiza e solicita a colocação em Antuérpia. Nessa carta ele escreve que era a pessoa apropriada “para vigiar e
inutilizar os manejos conspiratórios dos emigrados políticos contra a ditadura” e vangloria-se de que “no manejo dessa
melindrosa missão”, fez “inúmeras diligências junto das autoridades espanholas fornecendo ao nosso governo informações
que permitiram liquidar os ditos manejos revolucionários”.
Em 1929 é nomeado Cônsul-geral em Antuérpia, cargo que ocupa até 1938. O seu empenho na promoção da imagem
de Portugal não passa despercebido. É condecorado por duas vezes por Leopoldo III, rei da Bélgica, tendo-o feito
Oficial da Ordem de Leopoldo II a 6 de Janeiro de 1931 e Comendador da Ordem da Coroa, a mais alta condecoração
belga. Durante o período em que viveu na Bélgica, conviveu com personalidades ilustres, como o escritor Maurice
Maeterlinck, Prémio Nobel da Literatura, e o cientista Albert Einstein, Prémio Nobel da Física.
Aristides teve sempre uma carreira algo atribulada e com vários incidentes, sobretudo por abandono de posto sem
autorização e por utilização abusiva de dinheiros públicos. Ao longo de 30 anos Aristides teve conflitos e incidentes
com os mais diversos regimes políticos. O primeiro incidente deu-se em 1917 quando
Aristides foi admoestado por ter abandonado o seu posto em Zanzibar sem para tal ter solicitado a devida autorização.
Em 1923 quando colocado em S. Francisco, nos EUA, Aristides entra em choque com a comunidade local
portuguesa por estar a exigir, indevidamente, aos emigrantes portugueses, uma contribuição para um fundo
de caridade, supostamente destinado a órfãos. Perante a recusa, como represália,
Aristides proíbe os notários portugueses de trabalharem para o consulado e os notários acusam-no de os
estar a afastar para poder assim receber ele “ou algum afilhado…a mais gorda fatia da receita”, e apelidam-
no de “Lord de Ópera-bufa”. Aristides decidiu então dar réplica pública aos queixosos e, pouco
diplomaticamente, recorreu aos jornais Americanos para esgrimir os seus argumentos, atacando em
particular os respeitáveis directores da Irmandade do Divino Espírito Santo. O governo americano não gostou
e retirou-lhe a confiança, cancelando-lhe a exequátur, impedindo-o assim de continuar a exercer as funções
de cônsul em território Norte Americano. O Governo Americano da altura classificou o discurso de Aristides
como antidemocrático e antiamericano.
Quando colocado no Brasil, Aristides sofre uma suspensão, por dois anos, por utilização abusiva de dinheiros do
consulado. Na altura Aristides defendeu-se explicando que se tinha visto obrigado a recorrer a dinheiros públicos para
poder suprir dificuldades financeiras familiares. Em 1932 e também em 1938 Aristides reincide novamente na utilização
de dinheiros públicos e volta a ser repreendido. Também em 1938, Aristides volta a ser repreendido por, mais uma vez,
ter abandonado o seu posto em Antuérpia sem que previamente tenha informado a legação de Londres. Outro
incidente é a repreensão por declarações públicas, em nome do Estado Português, aquando da inauguração do
Pavilhão Português na feira de Bruxelas em 1935.
• Quando colocado no Brasil, Aristides sofre uma suspensão, por dois anos, por utilização abusiva de dinheiros do
consulado. Na altura Aristides defendeu-se explicando que se tinha visto obrigado a recorrer a dinheiros públicos
para poder suprir dificuldades financeiras familiares. Em 1932 e também em 1938 Aristides reincide novamente
na utilização de dinheiros públicos e volta a ser repreendido. Também em 1938, Aristides volta a ser repreendido
por, mais uma vez, ter abandonado o seu posto em Antuérpia sem que previamente tenha informado a legação
de Londres. Outro incidente é a repreensão por declarações públicas, em nome do Estado Português, aquando
da inauguração do Pavilhão Português na feira de Bruxelas em 1935.
• Aristides nem sempre seguia regras e protocolos. Contavam os seus próprios filhos que quando colocados em Antuérpia,
Aristides tinha por hábito envia-los, a eles, então ainda adolescentes, em sua substituição, a cerimónias e eventos oficiais, o
que por vezes causava perplexidade entre os convidados.
• Não obstante todos estes incidentes, provavelmente atendendo ao elevado número de filhos, e também à influência do seu
irmão César, Aristides consegue manter-se na carreira passando por postos secundários. Poder-se-á mesmo dizer que
Aristides sempre foi bastante protegido dentro do MNE. Contrariamente ao que antigamente era, e ainda hoje é, prática no
MNE, Aristides esteve ao longo da sua carreira quase sempre colocado no estrangeiro, onde o salário auferido era
substancialmente mais alto do que se estivesse em Lisboa, e, foi-lhe inclusivamente permitido que permanecesse durante
nove longos anos em Antuérpia, um dos postos mais cobiçados da carreira consular, por permitir receber mais
emolumentos, isto quando a duração de uma colocação não costumava ultrapassar os quatro anos.
• Depois de quase dez anos de serviço na Bélgica, Salazar, presidente do Conselho de Ministros e ministro dos negócios
estrangeiros, nomeia Sousa Mendes cônsul em Bordéus, França.
• Jose-Alain Fralon, jornalista do “Le Monde” conta-nos na sua biografia de Aristides que Andrée Cibial era uma mulher com
um gosto especial por transgredir regras, com uma maneira de ser jovial completamente oposta à de Angelina, a esposa leal
e devota de Aristides. Aristides não se preocupou muito em manter Andrée afastada da família e é o próprio filho de
Aristides, Pedro Nuno, que conta que certo dia o pai o convidou para ir a cinema com uma “senhora” e que a dita “senhora”
era nem mais nem menos que Andrée Cibial.
• Não tardou muito a que Andrée aparecesse grávida de Aristides e ela não procurou ocultar o facto, pelo contrário, deu-o a
conhecer a toda a gente e à sua maneira peculiar, a meio da missa dominical na Catedral de Ribérac. A tia que a
acompanhava ficou horrorizada.
A falsa guerra e as primeiras
desobediências
• Com a anexação da Áustria em 1938 a situação de milhares de Judeus sofre uma mudança significativa. Os
países vizinhos não tardaram a tomar medidas restritivas contra a emigração. No caso da Polónia essas medidas
foram tomadas contra os seus próprios cidadãos. O Parlamento polaco aprovou uma lei que retirava a cidadania
polaca a todos os polacos a viverem fora de território polaco há mais de cinco anos. De um dia para outro 30,000
judeus polacos a viver na Alemanha e 20,000 judeus polacos a viver na Áustria viram-se privados da sua
cidadania.
• Em 1938 o Presidente Roosevelt convocou a conferência de Evian com o intuito de discutir o problema dos judeus na
Europa. A conferência saldou-se num logro com a maioria dos países a recusarem-se a receber os judeus alemães. Portugal,
não podendo, pela sua pequena dimensão, ser parte da solução, não foi sequer convidado a participar nesta conferência.
• O pano de fundo político‐ideológico do Estado‐Novo fazia do comunismo a grande ameaça à salvaguarda da ordem e
equilíbrio pretendidos pelo regime, daí que, logo em 1933, a PVDE tenha alertado o MNE para a necessidade de uma
estratégia mais rigorosa para a concessão de vistos a estrangeiros, com especial atenção à possibilidade de entrada em
território nacional de indivíduos considerados subversivos. Com ou sem fundamento, quem encarnava quase sempre essa
“fobia anticomunista”, eram os polacos, os russos, os apátridas e os judeus. Associados invariavelmente à “ameaça
vermelha”, os primeiros judeus que em 1933 saíam da Alemanha e territórios adjacentes.
• César Sousa Mendes, irmão gémeo de Aristides, é Embaixador em Varsóvia quando a Polónia aprova várias leis anti-semitas
e preocupado com a perspectiva de uma vaga de emigração de polacos indesejados para Portugal escreve para o MNE a
solicitar que sejam tomadas medidas restritivas.
• Ao longo dos anos 30 e com o aproximar da guerra a PVDE detecta e desmantela várias redes de falsificação de passaportes
portugueses que são vendidos sobretudo a judeus e apátridas.
• No dia 1 de Setembro de 1939 a Alemanha a Eslováquia e a Rússia invadem a Polónia. Passados dois dias, a 3 de Setembro a
França e a Grã-Bretanha, seguidos pela Austrália, Canada, Nova Zelândia e África do Sul, declaram guerra à Alemanha.
• O período que se segue ficou conhecido com a falsa guerra. A guerra estava declarada mas nenhum dos lados tomou a
iniciativa de fazer qualquer ofensiva significativa.
• É nesta altura que Aristides decide levar parte da família para Portugal, mais uma vez desrespeitando o
procedimento de pedir autorização superior, reincidindo na desobediência de abandono de posto.
• Com o início da guerra, e não obstante a fiscalização (concessão de visto de entrada mediante despacho superior) e o rigor
nas fronteiras ser cada vez mais apertado, o descontrolo subsiste. Às entradas clandestinas, juntar‐se‐iam a falsificação de
documentos e as falsas declarações. Segundo estatísticas da PVDE, só entre Setembro e Dezembro entram em Portugal, via
Lisboa e Leixões, cerca de 8.889 estrangeiros. Assim sendo, havia que por cobro aos procedimentos irregulares que, na
época, se verificavam em muitas das embaixadas portuguesas; para tal serviu a Circular n.º 14 do MNE, distribuída a 11 de
Novembro de 1939, que obrigava os serviços consulares a consultar a PVDE, e o Ministério antes de concederem vistos a
apátridas, russos e judeus expulsos dos seus países. A Circular 14 afirmava explicitamente que não tinha qualquer intenção
de obstruir ou atrasar a concessão de vistos a passageiros em trânsito para outros países, utilizando Lisboa, como ponto de
embarque. Ou seja, os consulados ficavam autorizados a conceder com autonomia vistos para Portugal em todos aqueles
casos em que o passageiro demonstrasse ter um bilhete de saída do território português bem como um visto de entrada no
país de destino. O destino dos que fugiam era geralmente as Américas, mas muitos vistos eram também concedidos, como
hoje o são, a turistas e pessoas em negócios.
• Esta Circular 14 tem sido muito criticada, sobretudo por aqueles que querem atacar o Estado Novo, mas é justo que se diga
que as regras estabelecidas por esta circular eram bem menos restritivas que a de outros países, como é o caso dos Estados
Unidos e Canadá, e o caso mais extremo da Grã Bretanha que logo a seguir à declaração de guerra, cancelou por completo a
concessão de vistos, com receio da entrada de inimigos infiltrados. A pouca vontade de auxiliar judeus em fuga é
terrivelmente ilustrada pelo tristemente célebre MS St. Louis que em Maio de 1939, tentou encontrar um abrigo para 937
refugiados judeus alemães que foram impedidos de entrar em Cuba, Estados Unidos e Canadá, até que finalmente acabaram
por regressar à Europa.
• Portugal tal como os outros países tentava proteger-se de entradas indiscriminadas de eventuais agitadores políticos,
criminosos, apátridas, etc. e não tinha por base motivações anti-semitas. Por outro lado, como escreve Avraham Milgram,
Portugal, país pobre, não tinha condições de receber hordas de refugiados.
• Poucos dias após a distribuição da Circular 14, e ainda muitos meses antes de se terem iniciado as hostilidades na fronteira
Francesa, em Novembro de 1939, Aristides concede um visto a Arnold Wizniter, um judeu, austríaco e antigo professor
universitário, sem previamente pedir autorização ao MNE. Mais tarde, Aristides, reconhecendo o seu erro, justifica o acto
como sendo um acto humanitário, já que caso não o fizesse Arnold Wizniter seria internado num campo de concentração.
• Pouco tempo depois, em 1 de Março de 1940, mais uma vez muito antes do inicio das hostilidades na fronteira francesa,
Sousa Mendes concede mais um visto sem prévia autorização do MNE, o que lhe causará uma advertência pela infracção.
Desta vez, tratou‐se de um refugiado político espanhol, o comunista Eduardo Neira Laporte, médico que exercera o cargo de
professor na Universidade de Barcelona e que, à época era o dirigente da comunidade basca espanhola em Rivière. O
Ministério informou Sousa Mendes da recusa para a concessão do visto para este caso, mas Sousa Mendes ou não esperou
pela resposta do MNE, ou quis ignora-la, e concedeu o visto.
Maio de 1940 Aristides falsifica
documentos
• A 10 de Maio de 1940 a Alemanha lança uma ofensiva contra a França, Bélgica, Holanda e Luxemburgo. É nesta
altura que milhões de pessoas começam a abandonar os seus lares e terras fugindo da frente de batalha.
• A 30 de Maio, Aristides, volta a prevaricar. Desta vez vai para além da desobediência à Circular 14. Uma mulher
Luxemburguesa de origem Portuguesa, antiga conhecida de Aristides, pede-lhe ajuda para fugir para Portugal juntamente
com o seu marido Luxemburguês, Paul Miny. Paul está em idade militar e quer fugir da mobilização para o exercito
Luxemburguês que estava a ser organizado no norte de França. Aristides conhece a mulher e quer ajuda-la, decide então
falsificar os documentos e fazer Paul passar por cidadão português, o que lhe permitirá, iludindo as autoridades fronteiriças
francesas, escapar à mobilização.
• A 7 de Junho, já com Paul Miny em fuga à mobilização, ainda as tropas Francesas resistiam heroicamente contra a ofensiva
alemã na batalha do Somme, a 700Km de Bordeus. A 14ª divisão Panzer é reduzida a menos de metade e nessa altura o
General Alemão Von Richenau comandante-chefe do 6ª exercito diz “os militares franceses envolvidos na batalha do Somme
lutaram como leões”. Assim, enquanto os franceses ainda lutavam como leões, na retaguarda, com documentos falsificados
por Sousa Mendes, Paul Miny desertava.
• Nesta altura Aristides arriscou-se bastante, a falsificação de documentos é um crime grave, punível com a pena de prisão. O
facto de Aristides ser funcionário público constituia uma agravante.Mais tarde no processo disciplinar que lhe é movido, a
acusação decide desviar o olhar deste incidente, poupando Sousa Mendes a uma condenação certa, considerando-o um
caso fora do âmbito das competências do MNE, ou seja, um caso de polícia e justiça.
Junho de 1940 Aristides decide passar
vistos indiscriminadamente
• Com exército alemão a aproximar-se de Paris, gera-se o pânico na população francesa que se poe em fuga e dá-
se então inicio ao maior movimento de deslocação de pessoas da história da Europa. Estima-se que entre oito a
dez milhões de pessoas, sobretudo mulheres velhos e crianças, em pânico, se tenham posto em fuga, em
direcção ao sul, mas sem um destino concreto, num movimento desordenado, chegando inclusivamente a limitar
a manobra do exército Francês, e chegando ao ponto de na parte final, a multidão, já ultrapassada pelo exercito
alemão, estar já a fugir em direcção ao inimigo. Uma descrição deste caos gigantesco é descrita em grande
detalhe por dois voluntários britânicos, do Corpo de Ambulâncias Francês, que sendo apanhados no meio da
confusão, imortalizaram de modo sublime, no seu livro “The Road to Bordeaux”, o drama e a angustia desses
dias.
• Nessa altura, em Biarritz vivia uma “comunidade” de refugiados políticos portugueses, que aí se tinha exilado, ainda no
tempo da república, e entre os quais se encontrava o antigo Presidente da República, Bernardino Machado. A 1 de Junho de
1940 é promulgado, por Salazar, um Decreto amnistiando todos os exilados políticos portugueses, permitindo-lhes o
regresso a Portugal.
• Até esta altura, e desde o início da guerra, o consulado português tinha emitido cerca de 1200 vistos, quase todos
autorizados pelo MNE, com excepção dos vistos passados ao comunista Neira Laporte e ao judeu Austríaco Arnold Wizniter
e com excepção também de mais alguns, poucos, vistos que Aristides na altura negou9 mas que hoje podem ser
identificados. Note-se que Bordéus não era o único consulado que emitia vistos. Durante este período todos os restantes
consulados portugueses espalhados pela Europa distribuíram vistos. Tal era o caso de Antuérpia, Paris, Toulouse, Berlim,
Hendaia, etc..
• É em princípios de Junho de 1940 que a avalanche de população em fuga se abate sobre Bordéus. Os números falam por si.
Nos primeiros 10 dias de Junho o consulado de Bordéus emitiu 59 vistos, todos regulares, todos pagos. No dia 10 de Junho a
Itália declara guerra à França e à Grã-Bretanha. No dia 11 de Junho o consulado emitiu 67 vistos, a 12 emitiu 47. No dia 12
de Junho a Espanha altera a sua posição de país neutral para não-beligerante colocando a neutralidade de Portugal. No dia
13 de Junho o consulado emitiu apenas 6 vistos, mas a 14 emitiu 173, a 15 emitiu 112, a 16 emitiu 40.
• A quebra no dia 16 justifica-se por ser um Domingo. Nesse dia Aristides ainda concedeu alguns vistos. É o próprio
Aristides que o diz, e também diz que inclusivamente cobrou os emolumentos suplementares a que tinha direito
por estar a trabalhar a um Domingo. Aristides recorda em particular os vistos que concedeu ao banqueiro
Rothschild, que não quis esperar por segunda-feira e se prestou a pagar os emolumentos suplementares.
• Mas foi provavelmente no dia 13 que Aristides, sucumbindo à pressão psicológica de ter de auxiliar a uma população em
pânico e também pressionado pelos escândalos provocados no consulado pela sua amante grávida, se retirou para o seu
quarto onde esteve três dias deitado com um esgotamento nervoso.
• A 16 de Novembro o diplomata Francisco Calheiros e Menezes chega a Bordéus e é recebido pelo Consul, num quarto
escuro onde o cônsul se encontra acamado, exausto.
• É então, no dia 17 de Junho que Aristides, dizendo-se inspirado por um poder divino, decide conceder visto a todos os que
lho pedissem: "A partir de agora, darei vistos a toda a gente, já não há nacionalidades, raça ou religião". Com a ajuda dos
seus filhos e sobrinhos e do rabino Kruger, ele carimba passaportes, assina vistos, usando todas as folhas de papel
disponíveis. No dia 17 emitiu 247 vistos, dos quais muitos a cidadãos portugueses. No dia 18 emitiu 221 vistos e no dia 19
emitiu 156 vistos.
• Entre as pessoas que ele o estão a ajudar encontra-se o Rabino de Antuérpia, Jacob Kruger, que lhe faz compreender que há
que salvar os refugiados judeus.
• Confrontado com os primeiros avisos de Lisboa, ele terá dito: Se há que desobedecer, prefiro que seja a uma ordem dos
homens do que a uma ordem de Deus.
• O MNE só se dá conta deste problema, no dia 20 de Junho, quando é surpreendido por uma nota enviada pela Embaixada
Britânica que se queixa de que o cônsul português está a proceder à passagem de vistos fora do horário de expediente, para
poder receber mais emolumentos e que, adicionalmente, estava a exigir uma contribuição indevida para um fundo de
caridade.
• O MNE ordena então à embaixada em Paris que resolva o problema em Bordéus. Nesse mesmo dia Aristides parte para o
consulado de Baiona onde continua a sua actividade de 20 a 23 de Junho, no escritório de um vice-cônsul estupefacto.
• A 22 de Junho de 1940, a França e a Alemanha assinam um armistício. Terminam as hostilidades. O regime de Vichy é
reconhecido pelos Estados Unidos, Canadá, Austrália, União Soviética e por mais 40 países. Nesta altura o Reino Unido é a
única potência em guerra com a Alemanha. Os refugiados começam então a poder regressar a suas casas. Contagens oficiais
apontam para mais de 6 milhões de refugiados, dos quais 2 milhões são parisienses e 1,8 milhões são Belgas.
• Ironicamente a maioria esmagadora destes refugiados teria corrido menos perigo se se tivesse mantido nas suas
casas. Desde logo os parisienses, já que a cidade não foi bombardeada nem palco de conflitos. Dupla ironia é o
facto de aqueles que realmente corriam perigo, os judeus a viver na Alemanha e na Holanda, não terem
percepcionado a situação como suficientemente perigosa e terem-se deixado ficar nas suas casas. Avrahm
Milgram diz que em 1942 na Holanda ainda existiam mais de 4,200 judeus de origem portuguesa que não tinham
considerado a situação como suficientemente perigosa para sentirem que tinham que abandonar as suas casas.
Pela mesma razão o pintor judeu March Chagall deixou-se ficar em França até 1941 e Picasso e Matisse
recusaram-se a fugir de França.
• Mas, apesar do armistício, Aristides teima em continuar emitir vistos, em desespero começa a emitir vistos em papeis
improvisados, mas estes vistos improvisados não serão aceites na fronteira Espanhola. Apesar de terem sido enviados
funcionários para impedir Aristides de continuar a atribuição indiscriminada de vistos, este lidera, com a sua viatura, uma
coluna de veículos de refugiados e guia-os em direcção à fronteira, onde, do lado espanhol, não existem telefones. Por isso
mesmo, os guardas fronteiriços não tinham sido ainda avisados da decisão de Madrid de fechar as fronteiras com a França.
Sousa Mendes impressiona os guardas aduaneiros, que acabariam por deixar passar todos os refugiados, que, com os seus
vistos, puderam continuar viagem até Portugal.
• Antes, durante e depois do episódio de Aristides em Bordéus, os consulados Portugueses continuaram sempre a conceder
vistos a todos aqueles que queriam utilizar Portugal como ponto de passagem, sobretudo para as Américas.
• Passados apenas dois dias de Aristides ter sido exonerado os escritórios da HICEM foram transferidos para Lisboa. Passados
mais alguns dias a Madeira aceitou acolher cerca de 2500 refugiados Gibraltinos, na sua maioria mulheres e crianças que
chegaram ao Funchal entre 21 de Julho e 13 de Agosto de 1940. Foram acomodados em hotéis, pensões e casas particulares
e aí permaneceram até ao fim da Guerra. Plenamente integrados criaram laços de amizade e inesquecível convivência com
os Funchalenses e Madeirenses em geral . Passados mais alguns meses, no Outono de 1940, dois fluxos massivos de judeus
Luxemburgueses entram na fronteira portuguesa, acompanhados por Albert Nussbaum, presidente da comunidade judaica
do Luxemburgo. De acordo com Yehuda Bauer, na segunda metade de 1941 embarcaram em Portugal, com destino às
Américas, 3,682 judeus e na primeira metade de 1942 este número subiu para 4,058 . Portugal continuou sempre a acolher
refugiados da Guerra e, a partir de certa altura, estes refugiados começaram a ser instalados em estâncias de veraneio.
Esses dias foram capturados para a posteridade em filme. Imagens de 1943 podem ser hoje consultadas no Steven Spielberg
Film and Video Archive no United States Holocaust Memorial Museum.
• Não se sabe exactamente quantos vistos não autorizados terá emitido Aristides nestes dias. Segundo alguns
estudos o número veio depois a ser grandemente exagerado, tendo-se publicado com muita insistência um
numero de 30,000 dos quais uns 10,000 seriam judeus. Quem classifica de mito o numero de 30,000 é Avraham
Milgram, historiador da Yad Vashem, num estudo publicado em 1999 pelo Shoah Resource Center, International
School for Holocaust Studies, provavelmente uma das maiores autoridades nesta matéria.2 Neste estudo Milgram
afirma que basta uma análise aos registos do consulado de Bordéus para ver que entre 1 de Janeiro de 1940 e
22 de Junho de 1940 foram emitidos 2,862 vistos, a maioria dos quais autorizados pelo MNE, e que estes
números podem ser cruzados com os registos da HICEM que apoiou os judeus durante a guerra a saírem de
Portugal, que registam uma entrada em Portugal de apenas 1,538 Judeus na segunda metade de 1940.
• Da mesma opinião de Milgram é o Professor José Hermano Saraiva, que numa entrevista em 2009 ao semanário Sol, disse o
seguinte: "De facto, qual era a possibilidade de um cônsul, um simples cônsul, mobilizar meios para transportar 40 mil
pessoas através de um país hostil? Como é que isso seria possível? Só seria possível para uma organização estatal, como é
evidente. Mais: não há nenhum documento do Aristides que diga isso, não há nenhum“.
• Também o Embaixador João Hall Themido tem denunciado o mito Sousa Mendes, No seu livro de memórias, um dos
capítulos, porventura o mais polémico, chama-se "A mitificação de Aristides de Sousa Mendes". O embaixador acusa o
cônsul de "actuação irregular". Diz que "de forma totalmente irrealista, fala-se em 30 mil" o número de vistos "concedidos
em apenas alguns poucos dias pelo cônsul e seus familiares, de forma cega, no consulado e até nos cafés da vizinhança".
Themido sublinha "a necessidade de manter disciplina nos serviços que de forma directa ou indirecta pudessem, com a sua
actuação, afectar o estatuto de neutralidade" do país. Para o embaixador, Aristides foi um "mito criado por judeus e pelas
forças democráticas saídas do 25 de Abril". E mais à frente: "quando a família" do cônsul, "grupos judaicos e forças da
esquerda ressuscitaram o assunto, procurei saber mais sobre o ocorrido". Observa que Aristides apenas "pertencia à carreira
consular, considerada carreira menor em relação à carreira diplomática". Por outro lado, o processo disciplinar ao cônsul em
Bordéus "foi o último de vários de que foi alvo ao longo da carreira, quase sempre por abandono do posto ou concussão".
Nota que a maioria dos processos "desapareceu misteriosamente" do MNE e que o de Bordéus está "incompleto". Assim,
considera "incompreensível criticar" o Ministério, "incluindo o ministro, por ter aplicado a lei nas circunstâncias da época".
• Também José Seabra, que foi secretário de Sousa Mendes e participou na emissão dos vistos disse por várias vezes que o
número de vistos emitidos se cifrou na ordem das centenas. A última vez que fez esta declaração, foi ao MNE, nos anos
oitenta, contava já com oitenta anos. Seabra também acrescentou que em sua opinião Aristides apenas se moveu por
motivos humanitários e por vontade de ajudar os refugiados.
• No entanto continua a haver muitos defensores da estimativa de 30,000 refugiados. Entre os que defendem este
número merece destaque a Sousa Mendes Foundation, nos EUA, que tem um ambicioso projecto de identificação
de todos aqueles que receberam vistos passados por Sousa Mendes. O site da fundação publica um lista de
todos aqueles que viajaram para Portugal com vistos passados pelo cônsul em Bordéus. No entanto, a lista
mistura vistos passados por Aristides no cumprimento estrito dos seus deveres de cônsul, com os vistos
passados em desobediência, tornado a consulta demasiado morosa. A fundação chama a atenção para um ponto
relevante, não poucas vezes um visto era passado a mais do que uma pessoa, como é o caso de adultos que
viajavam com crianças, pelo que o número real de pessoas é superior ao de vistos.
• No entanto, dizer que todos aqueles que receberam vistos foram “salvos” parece uma dedução demasiado simplista. Muitos
eram banqueiros, milionários, políticos que teriam tido oportunidade de escapar de uma maneira ou de outra e, a maioria,
dos oito a dez milhões que naqueles dias de pânico se pôs em fuga, acabou por regressar às suas casas e sobreviver aos
horrores da guerra. Também é de salientar que o episódio de Bordéus ocorreu muito antes do terrível holocausto Nazi.
Note-se que, por exemplo, no verão de 1942 ainda viviam na Holanda 4,300 judeus de origem portuguesa que até aí, não
obstante a brutal repressão Nazi, não tinham sentido a necessidade de abandonar as suas casas e os seus haveres.
• As pessoas com vistos emitidos por Sousa Mendes foram autorizadas a entrar em Portugal, foram acolhidas, alimentadas e
apoiadas. Um simples carimbo no passaporte não teria bastado para salvar um refugiado.
• Numa entrevista recente, Rui Afonso, biógrafo e admirador de Aristides, conta-nos que depois de muitos anos de
investigação tem chegado à conclusão que a maioria dos refugiados ajudados por Aristides eram pessoas com meios. Claro
que pessoas como o rabino polaco Chaim Kruger, homem relativamente pobre, eram pessoas de meios muito mais
modestos do que os milionários e aristocratas que também receberam vistos. Havia homens de negócio, industriais, muita
gente que trabalhava na indústria dos diamantes na Antuérpia, atores de cinema, pianistas, pintores, intelectuais,
banqueiros etc. Para ter passaporte e para viajar era preciso, na altura, ter meios financeiros.
O processo disciplinar no MNE
• A 8 de Julho de 1940, Aristides, de volta a Portugal e tem que enfrentar um processo disciplinar movido pelo
MNE. Aristides poderia ter enfrentado quatro acusações:
• Desobediência às instruções do MNE, emitindo vistos de forma indiscriminada.
• Abandono não autorizado do posto.
• Crime de extorsão, com base na queixa apresentada pela Embaixada Britânica.
• Crime de falsificação de documentos, para ajudar o desertor Paul Miny.
• As duas últimas acusações eram muito graves e ambas puníveis com pena de prisão e despedimento da função pública. A
acusação, opta por ser benevolente e decide não investigar o caso reportado pela embaixada Britânica e no crime de
falsificação de documentos, que Aristides admite ter praticado, a acusação opta por considerar que o crime não é da sua
esfera de competência.
• No relatório da acusação , o Conde de Tovar, escreve que embora o contexto emocional vivido por Aristides naqueles dias de
Junho de 1940 possa servir de explicação para o cônsul não ter seguido as instruções que tinha, certo é que a desobediência
do cônsul não foi mais do que uma repetição de práticas passadas, de longa data. No final a acusação propõe então que
Aristides seja despromovido. Salazar, então Ministro dos Negócios Estrangeiros, não concorda com a pena proposta e decide
aplicar uma pena substancialmente mais leve. Não despromove Aristides, que o penalizaria financeiramente para o resto da
vida, mas aplica-lhe somente uma pena de um ano com o salário reduzido a metade e posterior passagem à reforma. Esta
passagem à reforma nunca veio a ocorrer porque o MNE, benevolente, optou por manter Aristides no regime de
disponibilidade o que lhe permitiu usufruir do seu salário de Cônsul até ao fim dos seus dias.
• Em muitos artigos de jornais tem vindo a ser publicado que Sousa Mendes, com 14 filhos para sustentar, foi expulso da
carreira e privado da sua reforma, vindo a morrer na miséria. A verdade é que em 1940 os 12 filhos, vivos, de Aristides, já
eram na sua maioria adultos, apenas 4 ainda eram menores. Destes quatro, três eram legítimos e o quarto a futura Marie-
Rose, ainda se encontrava no ventre da amante francesa, Andrée Cibial.
• Na verdade, Aristides pôde usufruir, até à sua morte em 1954, de um salário completo de Cônsul de 1ª classe,
1,593$30 Escudos mensais, muito acima da média nacional da época o que dificilmente se poderá considerar
miséria. Rui Afonso, um dos biógrafos de Aristides, chama-nos mesmo a atenção para o facto de que embora o
salário de Aristides não pudesse ser considerado principesco a verdade é que na época correspondia ao triplo do
salário de um professor. As provas de que Aristides sempre recebeu o seu salário de cônsul até ao fim dos seus
dias, podem ser hoje encontradas online no site do Ministério das Finanças, que disponibiliza o registo de todos
os pagamentos feitos a Aristides ao longo de toda a sua carreira.
• Mais tarde, passados alguns anos, já em 1945, só quando já era conhecido o horror do Holocausto Nazi (os contornos só
vieram a ser conhecidos em 1944), Aristides decide escrever à Assembleia da Republica invocando que nos termos da
constituição não poderia ter sido obrigado a discriminar judeus, tansformando a sua actuação numa acção de salvamento de
judeus. No mesmo requerimento Aristides explica que “Não alegou na resposta que deu no mesmo processo disciplinar estas
circunstâncias, pelo motivo de, lavrando a guerra na Europa, não querer dar publicidade e relevo a uma atitude, por parte de
funcionários do Estado, que sobre ser inconstitucional poderia ser interpretada como colaboração na obra de perseguição do
governo de Hitler contra os judeus, o que representaria uma quebra da neutralidade adoptada pelo governo”. O que não
deixa de ser um paradoxo, já que a atribuição indiscriminada de vistos também comprometia a politica de neutralidade de
Portugal.
• Em 1948 morre a sua mulher Angelina e Aristides casa-se com a sua amante de longa data, Andrée Cibial. A sua filha Marie-
Rose continua a viver em França, onde é criada e educada por uns tios.
• Não tardou muito a que Andrée entrasse em confronto com os filhos de Aristides e o casal decide então mudar-se a Casa do
Passal, a mansão de Aristides em Cabanas do Viriato. Já instalada no Passal Andrée cedo começa a violar a privacidade da
família, a forçar fechaduras e a destruir correspondência. Para suportar uma vida de gastos Andrée também começa a
vender os moveis de Aristides.
• O confronto com a família adensa-se e os filhos de Aristides deixam de o ir visitar. Separados do pai, os filhos, que tinham
sido educados no estrangeiro e tinham poucas raízes em Portugal, acabam por emigrar. João Paulo emigra para a Califórnia
juntando-se a outros irmão que já lá estavam. Pedro Nuno emigra para o Congo Belga. Geraldo para Angola e Clotilde para
Moçambique.
• Também os seus irmãos Cesar e Joao Paulo reagem com violência à vida de gastos de Andrée e à lapidação do património
familiar. Mas Aristides mantem-se intransigente na defesa de Andrée.
• Aristides morre só. Em 1954. Com um terço de um salário penhorado, em virtude de uma ordem do tribunal,
consequência de um processo por dívidas que lhe é movido pelos seus credores. O jornalista do Le Monde,
biografo e admirador de Aristides, explica que Aristides nunca foi bom a gerir orçamentos e que, a sua
personalidade aristocrática, considerava repugnante o mero acto de ter que controlar contas. Ao longo da sua
vida foi o seu irmão Cesar que lhe emprestou dinheiro para suprir os descontrolos financeiros de Aristides.
Também explica Fralon, que a amante de Aristides era muito perdulária e que terá sido esta a causa de Aristides
ter morrido com dificuldades financeiras. O povo de Cabanas de Viriato nunca gostou de Andrée e considerou-a
sempre a culpada das desgraças de Aristides.
• Aristides veio a morrer endividado no hospital particular da Ordem Terceira de S. Francisco da Cidade, na época um dos
melhores hospitais de Lisboa e que ainda hoje existe no Chiado em Lisboa.
A inexistência de anti-semitismo em
Portugal
• O Portugal do século XX é um país desprovido de qualquer sentimento anti-semita. A comunidade judaica
encontra-se completamente integrada na sociedade portuguesa, ocupando em não poucos casos lugares de
destaque, como é o caso de Moisés Bensabat Amzalak, reitor da Universidade Técnica, que foi líder da
comunidade judaica de Lisboa por mais de cinquenta anos. Moisé Amzalak foi inclusivamente simpatizante da
Alemanha Nazi, porque considerava que a Alemanha funcionava como tampão contra a ameaça comunista da
Rússia, tendo chegado a ser condecorado pelo governo de Hitler em 1935.
• Em 1937, Adolfo Benarus, professor da Faculdade de Letras de Lisboa, escritor e pedagogo, também fundador em 1929 da
Escola Israelita, que chegou a ter perto de uma centena de alunos, publicou um livro onde se regozija por não existir
“modernamente" anti-semitismo em Portugal e num agradecimento a Salazar esclareceu que o anti-semitismo de
importação tinha sido prontamente sufocado à nascença por quem o podia sufocar.
• Também o próprio Salazar, em 1937, publicou textos (“Como se Levanta um Estado”) onde criticou os fundamentos das leis
de Nuremberga e considerou lamentável que o nacionalismo alemão estivesse vincado por características raciais. E em
1938, o Cardeal-Patriarca de Lisboa, Manuel Gonçalves Cerejeira criticou o regime Hitleriano por se basear na ideia de raça
para edificar um Estado.
• Na rede consular, regra geral, tirando alguns casos pontuais menos felizes, os cônsules Portugueses eram completamente
destituídos de preconceitos anti-semitas, num claro contraste com os consulados de outros países.
• Salazar, logo em 1938, sai em defesa dos judeus portugueses, dando instruções à embaixada na Alemanha, para que os
interesses dos judeus portugueses sejam defendidos com diplomacia mas com muita firmeza.
• Num estudo profundo, intitulado “Portugal Salazar e o Judeus”, o historiador da Yad Vashem Avraham Milgram afirma
peremptoriamente que o anti-semitismo moderno não teve qualquer acolhimento em Portugal e faz notar que Salazar
autorizou que, durante a guerra, se estabelecessem em Lisboa as várias organizações judaicas de apoio aos refugiados
judeus. Milgram também escreve que quando comparando a atitude dos funcionários consulares de países como Brasil,
Argentina e Estados Unidos, com a atitude dos funcionários consulares portugueses se nota nos portugueses uma quase
ausência de preconceitos anti-semitas, o que se pode considerar quase “sui generis” entre os serviços consulares de então.
• Ilustrativo da inexistência de motivações anti-semitas por parte de Salazar é a resposta ao telegrama enviado por
Armindo monteiro ao MNE em 27 de Junho de 1940, poucos dias passados sobre o episódio Sousa Mendes.
Armindo Monteiro transmite ao MNE um pedido do embaixador da Polonia em Londres para que sejam
concedidos cerca de 1,000 vistos a polacos de “raça pura” que se encontram na fronteira de Irun. Salazar não
deixa margem para dúvida, responde: Esses são justamente os que não podemos deixar entrar, devido às
actividades politicas que irão querer levar a cabo no nosso país.
• No entanto Milgram é da Opinião que Portugal não explorou até ao limite o seu potencial de salvação de refugiados e que
poderia ter feito mais em prole dos refugiados. Esta é a terrível questão que sempre se colocará. Quantos mais poderia
Portugal ter salvo? Quantos mais sem colocar em risco a sua neutralidade e aqueles que beneficiavam dessa mesma
neutralidade? Nesta análise é justo que se pondere que a manutenção de neutralidade portuguesa não foi fácil e que o
perigo de uma invasão alemã era real. Hitler chegou a ter planos para invadir Portugal, e quando Salazar tentou resistir às
pressões alemãs para vender volfrâmio, os alemães ripostaram afundando um navio mercante português em Outubro de
1940 e torpedeando outro em Dezembro de 1941.
• Mesmo em 1944 quando Salazar autorizou os diplomatas portugueses na Hungria a ajudarem centenas de judeus húngaros,
não deixou de lhes dizer para, na atribuição de vistos, terem o cuidado de ao querer salvar alguns, não caírem no exagero de
comprometer a segurança de outros.
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  • 1. Agrupamento Escolas Carregal do Sal P.E.F Trabalho realizado por: Leonardo Duarte nº9 Josefa Reis
  • 2. Antes de 1940 • Foi batizado Aristides numa pequena aldeia atualmente vila,Cabanas de Viriato do concelho do Carregal do Sal, no sul do distrito de Viseu e mais tarde adoptou os apelidos de Sousa Mendes do Amaral e Abranches. Aristides pertenceu a uma família aristocrática rural, católica, conservadora . Seu pai terminou a carreira de juiz no Tribunal da Relação de Coimbra. Pelo lado materno era bisneto matrilineal por bastardia do 2.º Visconde de Midões e descendente de D. Fernando de Almada. Pelo lado familiar "de Sousa", descendente de Madragana Ben Aloandro. Esta Senhora pertencia à Comunidade Judaica de Faro, cuja ascendência provinha do próprio Rei David de Israel. • Aristides instala-se em Lisboa em 1907 após a licenciatura em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, tal como o seu irmão gémeo César de Sousa Mendes. César envereda pela carreira diplomática ao passo que Aristides envereda pela carreira consular. A carreira consular é diferente da diplomática. A carreira consular não lida com temas políticos, lida sobretudo com temas administrativos, como é o caso da emissão de vistos. • César chegou a ser Ministro dos Negócios Estrangeiros de Salazar, mais tarde foi Embaixador em Varsóvia e foi feito Comendador da Ordem Militar de Cristo a 28 de Janeiro de 1925 e Grã-Cruz da Ordem Real da Estrela Polar da Suécia a 23 de Setembro de 1932. • Aristides teve ao todo 14 filhos e filhas com sua mulher Angelina e uma filha, de nome Marie-Rose, da sua amante, e mais tarde, segunda mulher, André Cibial. O primogénito nasceu em 1909. • Aristides ocupou diversas delegações consulares portuguesas pelo mundo fora. A 12 de Maio de 1910, foi nomeado cônsul de 2ª classe na Guiana Britânica, seguindo-se consulados em Zanzibar, Curitiba (Brasil), S. Francisco (EUA) e S. Luís do Maranhão (Brasil). Em 1926 Aristides regressa a Lisboa para prestar serviço na Direcção-Geral dos Negócios Comerciais e Consulares. Em Portugal, após a revolução militar do 28 de Maio de 1926, Aristides foi nomeado cônsul em Vigo. Apoiando e servindo desde o seu início o regime ditatorial. • Aristides não era democrata, era monárquico e nacionalista6 e colaborava com o Estado Novo na aniquilação das manobras dos refugiados políticos. É o próprio Aristides quem o escreve, em carta enviada ao MNE, datada de 1929, quando estava colocado na Galiza e solicita a colocação em Antuérpia. Nessa carta ele escreve que era a pessoa apropriada “para vigiar e inutilizar os manejos conspiratórios dos emigrados políticos contra a ditadura” e vangloria-se de que “no manejo dessa melindrosa missão”, fez “inúmeras diligências junto das autoridades espanholas fornecendo ao nosso governo informações que permitiram liquidar os ditos manejos revolucionários”.
  • 3. Em 1929 é nomeado Cônsul-geral em Antuérpia, cargo que ocupa até 1938. O seu empenho na promoção da imagem de Portugal não passa despercebido. É condecorado por duas vezes por Leopoldo III, rei da Bélgica, tendo-o feito Oficial da Ordem de Leopoldo II a 6 de Janeiro de 1931 e Comendador da Ordem da Coroa, a mais alta condecoração belga. Durante o período em que viveu na Bélgica, conviveu com personalidades ilustres, como o escritor Maurice Maeterlinck, Prémio Nobel da Literatura, e o cientista Albert Einstein, Prémio Nobel da Física. Aristides teve sempre uma carreira algo atribulada e com vários incidentes, sobretudo por abandono de posto sem autorização e por utilização abusiva de dinheiros públicos. Ao longo de 30 anos Aristides teve conflitos e incidentes com os mais diversos regimes políticos. O primeiro incidente deu-se em 1917 quando Aristides foi admoestado por ter abandonado o seu posto em Zanzibar sem para tal ter solicitado a devida autorização. Em 1923 quando colocado em S. Francisco, nos EUA, Aristides entra em choque com a comunidade local portuguesa por estar a exigir, indevidamente, aos emigrantes portugueses, uma contribuição para um fundo de caridade, supostamente destinado a órfãos. Perante a recusa, como represália, Aristides proíbe os notários portugueses de trabalharem para o consulado e os notários acusam-no de os estar a afastar para poder assim receber ele “ou algum afilhado…a mais gorda fatia da receita”, e apelidam- no de “Lord de Ópera-bufa”. Aristides decidiu então dar réplica pública aos queixosos e, pouco diplomaticamente, recorreu aos jornais Americanos para esgrimir os seus argumentos, atacando em particular os respeitáveis directores da Irmandade do Divino Espírito Santo. O governo americano não gostou e retirou-lhe a confiança, cancelando-lhe a exequátur, impedindo-o assim de continuar a exercer as funções de cônsul em território Norte Americano. O Governo Americano da altura classificou o discurso de Aristides como antidemocrático e antiamericano. Quando colocado no Brasil, Aristides sofre uma suspensão, por dois anos, por utilização abusiva de dinheiros do consulado. Na altura Aristides defendeu-se explicando que se tinha visto obrigado a recorrer a dinheiros públicos para poder suprir dificuldades financeiras familiares. Em 1932 e também em 1938 Aristides reincide novamente na utilização de dinheiros públicos e volta a ser repreendido. Também em 1938, Aristides volta a ser repreendido por, mais uma vez, ter abandonado o seu posto em Antuérpia sem que previamente tenha informado a legação de Londres. Outro incidente é a repreensão por declarações públicas, em nome do Estado Português, aquando da inauguração do Pavilhão Português na feira de Bruxelas em 1935.
  • 4. • Quando colocado no Brasil, Aristides sofre uma suspensão, por dois anos, por utilização abusiva de dinheiros do consulado. Na altura Aristides defendeu-se explicando que se tinha visto obrigado a recorrer a dinheiros públicos para poder suprir dificuldades financeiras familiares. Em 1932 e também em 1938 Aristides reincide novamente na utilização de dinheiros públicos e volta a ser repreendido. Também em 1938, Aristides volta a ser repreendido por, mais uma vez, ter abandonado o seu posto em Antuérpia sem que previamente tenha informado a legação de Londres. Outro incidente é a repreensão por declarações públicas, em nome do Estado Português, aquando da inauguração do Pavilhão Português na feira de Bruxelas em 1935. • Aristides nem sempre seguia regras e protocolos. Contavam os seus próprios filhos que quando colocados em Antuérpia, Aristides tinha por hábito envia-los, a eles, então ainda adolescentes, em sua substituição, a cerimónias e eventos oficiais, o que por vezes causava perplexidade entre os convidados. • Não obstante todos estes incidentes, provavelmente atendendo ao elevado número de filhos, e também à influência do seu irmão César, Aristides consegue manter-se na carreira passando por postos secundários. Poder-se-á mesmo dizer que Aristides sempre foi bastante protegido dentro do MNE. Contrariamente ao que antigamente era, e ainda hoje é, prática no MNE, Aristides esteve ao longo da sua carreira quase sempre colocado no estrangeiro, onde o salário auferido era substancialmente mais alto do que se estivesse em Lisboa, e, foi-lhe inclusivamente permitido que permanecesse durante nove longos anos em Antuérpia, um dos postos mais cobiçados da carreira consular, por permitir receber mais emolumentos, isto quando a duração de uma colocação não costumava ultrapassar os quatro anos. • Depois de quase dez anos de serviço na Bélgica, Salazar, presidente do Conselho de Ministros e ministro dos negócios estrangeiros, nomeia Sousa Mendes cônsul em Bordéus, França. • Jose-Alain Fralon, jornalista do “Le Monde” conta-nos na sua biografia de Aristides que Andrée Cibial era uma mulher com um gosto especial por transgredir regras, com uma maneira de ser jovial completamente oposta à de Angelina, a esposa leal e devota de Aristides. Aristides não se preocupou muito em manter Andrée afastada da família e é o próprio filho de Aristides, Pedro Nuno, que conta que certo dia o pai o convidou para ir a cinema com uma “senhora” e que a dita “senhora” era nem mais nem menos que Andrée Cibial. • Não tardou muito a que Andrée aparecesse grávida de Aristides e ela não procurou ocultar o facto, pelo contrário, deu-o a conhecer a toda a gente e à sua maneira peculiar, a meio da missa dominical na Catedral de Ribérac. A tia que a acompanhava ficou horrorizada.
  • 5. A falsa guerra e as primeiras desobediências • Com a anexação da Áustria em 1938 a situação de milhares de Judeus sofre uma mudança significativa. Os países vizinhos não tardaram a tomar medidas restritivas contra a emigração. No caso da Polónia essas medidas foram tomadas contra os seus próprios cidadãos. O Parlamento polaco aprovou uma lei que retirava a cidadania polaca a todos os polacos a viverem fora de território polaco há mais de cinco anos. De um dia para outro 30,000 judeus polacos a viver na Alemanha e 20,000 judeus polacos a viver na Áustria viram-se privados da sua cidadania. • Em 1938 o Presidente Roosevelt convocou a conferência de Evian com o intuito de discutir o problema dos judeus na Europa. A conferência saldou-se num logro com a maioria dos países a recusarem-se a receber os judeus alemães. Portugal, não podendo, pela sua pequena dimensão, ser parte da solução, não foi sequer convidado a participar nesta conferência. • O pano de fundo político‐ideológico do Estado‐Novo fazia do comunismo a grande ameaça à salvaguarda da ordem e equilíbrio pretendidos pelo regime, daí que, logo em 1933, a PVDE tenha alertado o MNE para a necessidade de uma estratégia mais rigorosa para a concessão de vistos a estrangeiros, com especial atenção à possibilidade de entrada em território nacional de indivíduos considerados subversivos. Com ou sem fundamento, quem encarnava quase sempre essa “fobia anticomunista”, eram os polacos, os russos, os apátridas e os judeus. Associados invariavelmente à “ameaça vermelha”, os primeiros judeus que em 1933 saíam da Alemanha e territórios adjacentes. • César Sousa Mendes, irmão gémeo de Aristides, é Embaixador em Varsóvia quando a Polónia aprova várias leis anti-semitas e preocupado com a perspectiva de uma vaga de emigração de polacos indesejados para Portugal escreve para o MNE a solicitar que sejam tomadas medidas restritivas. • Ao longo dos anos 30 e com o aproximar da guerra a PVDE detecta e desmantela várias redes de falsificação de passaportes portugueses que são vendidos sobretudo a judeus e apátridas. • No dia 1 de Setembro de 1939 a Alemanha a Eslováquia e a Rússia invadem a Polónia. Passados dois dias, a 3 de Setembro a França e a Grã-Bretanha, seguidos pela Austrália, Canada, Nova Zelândia e África do Sul, declaram guerra à Alemanha. • O período que se segue ficou conhecido com a falsa guerra. A guerra estava declarada mas nenhum dos lados tomou a iniciativa de fazer qualquer ofensiva significativa.
  • 6. • É nesta altura que Aristides decide levar parte da família para Portugal, mais uma vez desrespeitando o procedimento de pedir autorização superior, reincidindo na desobediência de abandono de posto. • Com o início da guerra, e não obstante a fiscalização (concessão de visto de entrada mediante despacho superior) e o rigor nas fronteiras ser cada vez mais apertado, o descontrolo subsiste. Às entradas clandestinas, juntar‐se‐iam a falsificação de documentos e as falsas declarações. Segundo estatísticas da PVDE, só entre Setembro e Dezembro entram em Portugal, via Lisboa e Leixões, cerca de 8.889 estrangeiros. Assim sendo, havia que por cobro aos procedimentos irregulares que, na época, se verificavam em muitas das embaixadas portuguesas; para tal serviu a Circular n.º 14 do MNE, distribuída a 11 de Novembro de 1939, que obrigava os serviços consulares a consultar a PVDE, e o Ministério antes de concederem vistos a apátridas, russos e judeus expulsos dos seus países. A Circular 14 afirmava explicitamente que não tinha qualquer intenção de obstruir ou atrasar a concessão de vistos a passageiros em trânsito para outros países, utilizando Lisboa, como ponto de embarque. Ou seja, os consulados ficavam autorizados a conceder com autonomia vistos para Portugal em todos aqueles casos em que o passageiro demonstrasse ter um bilhete de saída do território português bem como um visto de entrada no país de destino. O destino dos que fugiam era geralmente as Américas, mas muitos vistos eram também concedidos, como hoje o são, a turistas e pessoas em negócios. • Esta Circular 14 tem sido muito criticada, sobretudo por aqueles que querem atacar o Estado Novo, mas é justo que se diga que as regras estabelecidas por esta circular eram bem menos restritivas que a de outros países, como é o caso dos Estados Unidos e Canadá, e o caso mais extremo da Grã Bretanha que logo a seguir à declaração de guerra, cancelou por completo a concessão de vistos, com receio da entrada de inimigos infiltrados. A pouca vontade de auxiliar judeus em fuga é terrivelmente ilustrada pelo tristemente célebre MS St. Louis que em Maio de 1939, tentou encontrar um abrigo para 937 refugiados judeus alemães que foram impedidos de entrar em Cuba, Estados Unidos e Canadá, até que finalmente acabaram por regressar à Europa. • Portugal tal como os outros países tentava proteger-se de entradas indiscriminadas de eventuais agitadores políticos, criminosos, apátridas, etc. e não tinha por base motivações anti-semitas. Por outro lado, como escreve Avraham Milgram, Portugal, país pobre, não tinha condições de receber hordas de refugiados. • Poucos dias após a distribuição da Circular 14, e ainda muitos meses antes de se terem iniciado as hostilidades na fronteira Francesa, em Novembro de 1939, Aristides concede um visto a Arnold Wizniter, um judeu, austríaco e antigo professor universitário, sem previamente pedir autorização ao MNE. Mais tarde, Aristides, reconhecendo o seu erro, justifica o acto como sendo um acto humanitário, já que caso não o fizesse Arnold Wizniter seria internado num campo de concentração. • Pouco tempo depois, em 1 de Março de 1940, mais uma vez muito antes do inicio das hostilidades na fronteira francesa, Sousa Mendes concede mais um visto sem prévia autorização do MNE, o que lhe causará uma advertência pela infracção. Desta vez, tratou‐se de um refugiado político espanhol, o comunista Eduardo Neira Laporte, médico que exercera o cargo de professor na Universidade de Barcelona e que, à época era o dirigente da comunidade basca espanhola em Rivière. O Ministério informou Sousa Mendes da recusa para a concessão do visto para este caso, mas Sousa Mendes ou não esperou pela resposta do MNE, ou quis ignora-la, e concedeu o visto.
  • 7. Maio de 1940 Aristides falsifica documentos • A 10 de Maio de 1940 a Alemanha lança uma ofensiva contra a França, Bélgica, Holanda e Luxemburgo. É nesta altura que milhões de pessoas começam a abandonar os seus lares e terras fugindo da frente de batalha. • A 30 de Maio, Aristides, volta a prevaricar. Desta vez vai para além da desobediência à Circular 14. Uma mulher Luxemburguesa de origem Portuguesa, antiga conhecida de Aristides, pede-lhe ajuda para fugir para Portugal juntamente com o seu marido Luxemburguês, Paul Miny. Paul está em idade militar e quer fugir da mobilização para o exercito Luxemburguês que estava a ser organizado no norte de França. Aristides conhece a mulher e quer ajuda-la, decide então falsificar os documentos e fazer Paul passar por cidadão português, o que lhe permitirá, iludindo as autoridades fronteiriças francesas, escapar à mobilização. • A 7 de Junho, já com Paul Miny em fuga à mobilização, ainda as tropas Francesas resistiam heroicamente contra a ofensiva alemã na batalha do Somme, a 700Km de Bordeus. A 14ª divisão Panzer é reduzida a menos de metade e nessa altura o General Alemão Von Richenau comandante-chefe do 6ª exercito diz “os militares franceses envolvidos na batalha do Somme lutaram como leões”. Assim, enquanto os franceses ainda lutavam como leões, na retaguarda, com documentos falsificados por Sousa Mendes, Paul Miny desertava. • Nesta altura Aristides arriscou-se bastante, a falsificação de documentos é um crime grave, punível com a pena de prisão. O facto de Aristides ser funcionário público constituia uma agravante.Mais tarde no processo disciplinar que lhe é movido, a acusação decide desviar o olhar deste incidente, poupando Sousa Mendes a uma condenação certa, considerando-o um caso fora do âmbito das competências do MNE, ou seja, um caso de polícia e justiça.
  • 8. Junho de 1940 Aristides decide passar vistos indiscriminadamente • Com exército alemão a aproximar-se de Paris, gera-se o pânico na população francesa que se poe em fuga e dá- se então inicio ao maior movimento de deslocação de pessoas da história da Europa. Estima-se que entre oito a dez milhões de pessoas, sobretudo mulheres velhos e crianças, em pânico, se tenham posto em fuga, em direcção ao sul, mas sem um destino concreto, num movimento desordenado, chegando inclusivamente a limitar a manobra do exército Francês, e chegando ao ponto de na parte final, a multidão, já ultrapassada pelo exercito alemão, estar já a fugir em direcção ao inimigo. Uma descrição deste caos gigantesco é descrita em grande detalhe por dois voluntários britânicos, do Corpo de Ambulâncias Francês, que sendo apanhados no meio da confusão, imortalizaram de modo sublime, no seu livro “The Road to Bordeaux”, o drama e a angustia desses dias. • Nessa altura, em Biarritz vivia uma “comunidade” de refugiados políticos portugueses, que aí se tinha exilado, ainda no tempo da república, e entre os quais se encontrava o antigo Presidente da República, Bernardino Machado. A 1 de Junho de 1940 é promulgado, por Salazar, um Decreto amnistiando todos os exilados políticos portugueses, permitindo-lhes o regresso a Portugal. • Até esta altura, e desde o início da guerra, o consulado português tinha emitido cerca de 1200 vistos, quase todos autorizados pelo MNE, com excepção dos vistos passados ao comunista Neira Laporte e ao judeu Austríaco Arnold Wizniter e com excepção também de mais alguns, poucos, vistos que Aristides na altura negou9 mas que hoje podem ser identificados. Note-se que Bordéus não era o único consulado que emitia vistos. Durante este período todos os restantes consulados portugueses espalhados pela Europa distribuíram vistos. Tal era o caso de Antuérpia, Paris, Toulouse, Berlim, Hendaia, etc.. • É em princípios de Junho de 1940 que a avalanche de população em fuga se abate sobre Bordéus. Os números falam por si. Nos primeiros 10 dias de Junho o consulado de Bordéus emitiu 59 vistos, todos regulares, todos pagos. No dia 10 de Junho a Itália declara guerra à França e à Grã-Bretanha. No dia 11 de Junho o consulado emitiu 67 vistos, a 12 emitiu 47. No dia 12 de Junho a Espanha altera a sua posição de país neutral para não-beligerante colocando a neutralidade de Portugal. No dia 13 de Junho o consulado emitiu apenas 6 vistos, mas a 14 emitiu 173, a 15 emitiu 112, a 16 emitiu 40.
  • 9. • A quebra no dia 16 justifica-se por ser um Domingo. Nesse dia Aristides ainda concedeu alguns vistos. É o próprio Aristides que o diz, e também diz que inclusivamente cobrou os emolumentos suplementares a que tinha direito por estar a trabalhar a um Domingo. Aristides recorda em particular os vistos que concedeu ao banqueiro Rothschild, que não quis esperar por segunda-feira e se prestou a pagar os emolumentos suplementares. • Mas foi provavelmente no dia 13 que Aristides, sucumbindo à pressão psicológica de ter de auxiliar a uma população em pânico e também pressionado pelos escândalos provocados no consulado pela sua amante grávida, se retirou para o seu quarto onde esteve três dias deitado com um esgotamento nervoso. • A 16 de Novembro o diplomata Francisco Calheiros e Menezes chega a Bordéus e é recebido pelo Consul, num quarto escuro onde o cônsul se encontra acamado, exausto. • É então, no dia 17 de Junho que Aristides, dizendo-se inspirado por um poder divino, decide conceder visto a todos os que lho pedissem: "A partir de agora, darei vistos a toda a gente, já não há nacionalidades, raça ou religião". Com a ajuda dos seus filhos e sobrinhos e do rabino Kruger, ele carimba passaportes, assina vistos, usando todas as folhas de papel disponíveis. No dia 17 emitiu 247 vistos, dos quais muitos a cidadãos portugueses. No dia 18 emitiu 221 vistos e no dia 19 emitiu 156 vistos. • Entre as pessoas que ele o estão a ajudar encontra-se o Rabino de Antuérpia, Jacob Kruger, que lhe faz compreender que há que salvar os refugiados judeus. • Confrontado com os primeiros avisos de Lisboa, ele terá dito: Se há que desobedecer, prefiro que seja a uma ordem dos homens do que a uma ordem de Deus. • O MNE só se dá conta deste problema, no dia 20 de Junho, quando é surpreendido por uma nota enviada pela Embaixada Britânica que se queixa de que o cônsul português está a proceder à passagem de vistos fora do horário de expediente, para poder receber mais emolumentos e que, adicionalmente, estava a exigir uma contribuição indevida para um fundo de caridade. • O MNE ordena então à embaixada em Paris que resolva o problema em Bordéus. Nesse mesmo dia Aristides parte para o consulado de Baiona onde continua a sua actividade de 20 a 23 de Junho, no escritório de um vice-cônsul estupefacto. • A 22 de Junho de 1940, a França e a Alemanha assinam um armistício. Terminam as hostilidades. O regime de Vichy é reconhecido pelos Estados Unidos, Canadá, Austrália, União Soviética e por mais 40 países. Nesta altura o Reino Unido é a única potência em guerra com a Alemanha. Os refugiados começam então a poder regressar a suas casas. Contagens oficiais apontam para mais de 6 milhões de refugiados, dos quais 2 milhões são parisienses e 1,8 milhões são Belgas.
  • 10. • Ironicamente a maioria esmagadora destes refugiados teria corrido menos perigo se se tivesse mantido nas suas casas. Desde logo os parisienses, já que a cidade não foi bombardeada nem palco de conflitos. Dupla ironia é o facto de aqueles que realmente corriam perigo, os judeus a viver na Alemanha e na Holanda, não terem percepcionado a situação como suficientemente perigosa e terem-se deixado ficar nas suas casas. Avrahm Milgram diz que em 1942 na Holanda ainda existiam mais de 4,200 judeus de origem portuguesa que não tinham considerado a situação como suficientemente perigosa para sentirem que tinham que abandonar as suas casas. Pela mesma razão o pintor judeu March Chagall deixou-se ficar em França até 1941 e Picasso e Matisse recusaram-se a fugir de França. • Mas, apesar do armistício, Aristides teima em continuar emitir vistos, em desespero começa a emitir vistos em papeis improvisados, mas estes vistos improvisados não serão aceites na fronteira Espanhola. Apesar de terem sido enviados funcionários para impedir Aristides de continuar a atribuição indiscriminada de vistos, este lidera, com a sua viatura, uma coluna de veículos de refugiados e guia-os em direcção à fronteira, onde, do lado espanhol, não existem telefones. Por isso mesmo, os guardas fronteiriços não tinham sido ainda avisados da decisão de Madrid de fechar as fronteiras com a França. Sousa Mendes impressiona os guardas aduaneiros, que acabariam por deixar passar todos os refugiados, que, com os seus vistos, puderam continuar viagem até Portugal. • Antes, durante e depois do episódio de Aristides em Bordéus, os consulados Portugueses continuaram sempre a conceder vistos a todos aqueles que queriam utilizar Portugal como ponto de passagem, sobretudo para as Américas. • Passados apenas dois dias de Aristides ter sido exonerado os escritórios da HICEM foram transferidos para Lisboa. Passados mais alguns dias a Madeira aceitou acolher cerca de 2500 refugiados Gibraltinos, na sua maioria mulheres e crianças que chegaram ao Funchal entre 21 de Julho e 13 de Agosto de 1940. Foram acomodados em hotéis, pensões e casas particulares e aí permaneceram até ao fim da Guerra. Plenamente integrados criaram laços de amizade e inesquecível convivência com os Funchalenses e Madeirenses em geral . Passados mais alguns meses, no Outono de 1940, dois fluxos massivos de judeus Luxemburgueses entram na fronteira portuguesa, acompanhados por Albert Nussbaum, presidente da comunidade judaica do Luxemburgo. De acordo com Yehuda Bauer, na segunda metade de 1941 embarcaram em Portugal, com destino às Américas, 3,682 judeus e na primeira metade de 1942 este número subiu para 4,058 . Portugal continuou sempre a acolher refugiados da Guerra e, a partir de certa altura, estes refugiados começaram a ser instalados em estâncias de veraneio. Esses dias foram capturados para a posteridade em filme. Imagens de 1943 podem ser hoje consultadas no Steven Spielberg Film and Video Archive no United States Holocaust Memorial Museum.
  • 11. • Não se sabe exactamente quantos vistos não autorizados terá emitido Aristides nestes dias. Segundo alguns estudos o número veio depois a ser grandemente exagerado, tendo-se publicado com muita insistência um numero de 30,000 dos quais uns 10,000 seriam judeus. Quem classifica de mito o numero de 30,000 é Avraham Milgram, historiador da Yad Vashem, num estudo publicado em 1999 pelo Shoah Resource Center, International School for Holocaust Studies, provavelmente uma das maiores autoridades nesta matéria.2 Neste estudo Milgram afirma que basta uma análise aos registos do consulado de Bordéus para ver que entre 1 de Janeiro de 1940 e 22 de Junho de 1940 foram emitidos 2,862 vistos, a maioria dos quais autorizados pelo MNE, e que estes números podem ser cruzados com os registos da HICEM que apoiou os judeus durante a guerra a saírem de Portugal, que registam uma entrada em Portugal de apenas 1,538 Judeus na segunda metade de 1940. • Da mesma opinião de Milgram é o Professor José Hermano Saraiva, que numa entrevista em 2009 ao semanário Sol, disse o seguinte: "De facto, qual era a possibilidade de um cônsul, um simples cônsul, mobilizar meios para transportar 40 mil pessoas através de um país hostil? Como é que isso seria possível? Só seria possível para uma organização estatal, como é evidente. Mais: não há nenhum documento do Aristides que diga isso, não há nenhum“. • Também o Embaixador João Hall Themido tem denunciado o mito Sousa Mendes, No seu livro de memórias, um dos capítulos, porventura o mais polémico, chama-se "A mitificação de Aristides de Sousa Mendes". O embaixador acusa o cônsul de "actuação irregular". Diz que "de forma totalmente irrealista, fala-se em 30 mil" o número de vistos "concedidos em apenas alguns poucos dias pelo cônsul e seus familiares, de forma cega, no consulado e até nos cafés da vizinhança". Themido sublinha "a necessidade de manter disciplina nos serviços que de forma directa ou indirecta pudessem, com a sua actuação, afectar o estatuto de neutralidade" do país. Para o embaixador, Aristides foi um "mito criado por judeus e pelas forças democráticas saídas do 25 de Abril". E mais à frente: "quando a família" do cônsul, "grupos judaicos e forças da esquerda ressuscitaram o assunto, procurei saber mais sobre o ocorrido". Observa que Aristides apenas "pertencia à carreira consular, considerada carreira menor em relação à carreira diplomática". Por outro lado, o processo disciplinar ao cônsul em Bordéus "foi o último de vários de que foi alvo ao longo da carreira, quase sempre por abandono do posto ou concussão". Nota que a maioria dos processos "desapareceu misteriosamente" do MNE e que o de Bordéus está "incompleto". Assim, considera "incompreensível criticar" o Ministério, "incluindo o ministro, por ter aplicado a lei nas circunstâncias da época". • Também José Seabra, que foi secretário de Sousa Mendes e participou na emissão dos vistos disse por várias vezes que o número de vistos emitidos se cifrou na ordem das centenas. A última vez que fez esta declaração, foi ao MNE, nos anos oitenta, contava já com oitenta anos. Seabra também acrescentou que em sua opinião Aristides apenas se moveu por motivos humanitários e por vontade de ajudar os refugiados.
  • 12. • No entanto continua a haver muitos defensores da estimativa de 30,000 refugiados. Entre os que defendem este número merece destaque a Sousa Mendes Foundation, nos EUA, que tem um ambicioso projecto de identificação de todos aqueles que receberam vistos passados por Sousa Mendes. O site da fundação publica um lista de todos aqueles que viajaram para Portugal com vistos passados pelo cônsul em Bordéus. No entanto, a lista mistura vistos passados por Aristides no cumprimento estrito dos seus deveres de cônsul, com os vistos passados em desobediência, tornado a consulta demasiado morosa. A fundação chama a atenção para um ponto relevante, não poucas vezes um visto era passado a mais do que uma pessoa, como é o caso de adultos que viajavam com crianças, pelo que o número real de pessoas é superior ao de vistos. • No entanto, dizer que todos aqueles que receberam vistos foram “salvos” parece uma dedução demasiado simplista. Muitos eram banqueiros, milionários, políticos que teriam tido oportunidade de escapar de uma maneira ou de outra e, a maioria, dos oito a dez milhões que naqueles dias de pânico se pôs em fuga, acabou por regressar às suas casas e sobreviver aos horrores da guerra. Também é de salientar que o episódio de Bordéus ocorreu muito antes do terrível holocausto Nazi. Note-se que, por exemplo, no verão de 1942 ainda viviam na Holanda 4,300 judeus de origem portuguesa que até aí, não obstante a brutal repressão Nazi, não tinham sentido a necessidade de abandonar as suas casas e os seus haveres. • As pessoas com vistos emitidos por Sousa Mendes foram autorizadas a entrar em Portugal, foram acolhidas, alimentadas e apoiadas. Um simples carimbo no passaporte não teria bastado para salvar um refugiado. • Numa entrevista recente, Rui Afonso, biógrafo e admirador de Aristides, conta-nos que depois de muitos anos de investigação tem chegado à conclusão que a maioria dos refugiados ajudados por Aristides eram pessoas com meios. Claro que pessoas como o rabino polaco Chaim Kruger, homem relativamente pobre, eram pessoas de meios muito mais modestos do que os milionários e aristocratas que também receberam vistos. Havia homens de negócio, industriais, muita gente que trabalhava na indústria dos diamantes na Antuérpia, atores de cinema, pianistas, pintores, intelectuais, banqueiros etc. Para ter passaporte e para viajar era preciso, na altura, ter meios financeiros.
  • 13. O processo disciplinar no MNE • A 8 de Julho de 1940, Aristides, de volta a Portugal e tem que enfrentar um processo disciplinar movido pelo MNE. Aristides poderia ter enfrentado quatro acusações: • Desobediência às instruções do MNE, emitindo vistos de forma indiscriminada. • Abandono não autorizado do posto. • Crime de extorsão, com base na queixa apresentada pela Embaixada Britânica. • Crime de falsificação de documentos, para ajudar o desertor Paul Miny. • As duas últimas acusações eram muito graves e ambas puníveis com pena de prisão e despedimento da função pública. A acusação, opta por ser benevolente e decide não investigar o caso reportado pela embaixada Britânica e no crime de falsificação de documentos, que Aristides admite ter praticado, a acusação opta por considerar que o crime não é da sua esfera de competência. • No relatório da acusação , o Conde de Tovar, escreve que embora o contexto emocional vivido por Aristides naqueles dias de Junho de 1940 possa servir de explicação para o cônsul não ter seguido as instruções que tinha, certo é que a desobediência do cônsul não foi mais do que uma repetição de práticas passadas, de longa data. No final a acusação propõe então que Aristides seja despromovido. Salazar, então Ministro dos Negócios Estrangeiros, não concorda com a pena proposta e decide aplicar uma pena substancialmente mais leve. Não despromove Aristides, que o penalizaria financeiramente para o resto da vida, mas aplica-lhe somente uma pena de um ano com o salário reduzido a metade e posterior passagem à reforma. Esta passagem à reforma nunca veio a ocorrer porque o MNE, benevolente, optou por manter Aristides no regime de disponibilidade o que lhe permitiu usufruir do seu salário de Cônsul até ao fim dos seus dias. • Em muitos artigos de jornais tem vindo a ser publicado que Sousa Mendes, com 14 filhos para sustentar, foi expulso da carreira e privado da sua reforma, vindo a morrer na miséria. A verdade é que em 1940 os 12 filhos, vivos, de Aristides, já eram na sua maioria adultos, apenas 4 ainda eram menores. Destes quatro, três eram legítimos e o quarto a futura Marie- Rose, ainda se encontrava no ventre da amante francesa, Andrée Cibial.
  • 14. • Na verdade, Aristides pôde usufruir, até à sua morte em 1954, de um salário completo de Cônsul de 1ª classe, 1,593$30 Escudos mensais, muito acima da média nacional da época o que dificilmente se poderá considerar miséria. Rui Afonso, um dos biógrafos de Aristides, chama-nos mesmo a atenção para o facto de que embora o salário de Aristides não pudesse ser considerado principesco a verdade é que na época correspondia ao triplo do salário de um professor. As provas de que Aristides sempre recebeu o seu salário de cônsul até ao fim dos seus dias, podem ser hoje encontradas online no site do Ministério das Finanças, que disponibiliza o registo de todos os pagamentos feitos a Aristides ao longo de toda a sua carreira. • Mais tarde, passados alguns anos, já em 1945, só quando já era conhecido o horror do Holocausto Nazi (os contornos só vieram a ser conhecidos em 1944), Aristides decide escrever à Assembleia da Republica invocando que nos termos da constituição não poderia ter sido obrigado a discriminar judeus, tansformando a sua actuação numa acção de salvamento de judeus. No mesmo requerimento Aristides explica que “Não alegou na resposta que deu no mesmo processo disciplinar estas circunstâncias, pelo motivo de, lavrando a guerra na Europa, não querer dar publicidade e relevo a uma atitude, por parte de funcionários do Estado, que sobre ser inconstitucional poderia ser interpretada como colaboração na obra de perseguição do governo de Hitler contra os judeus, o que representaria uma quebra da neutralidade adoptada pelo governo”. O que não deixa de ser um paradoxo, já que a atribuição indiscriminada de vistos também comprometia a politica de neutralidade de Portugal. • Em 1948 morre a sua mulher Angelina e Aristides casa-se com a sua amante de longa data, Andrée Cibial. A sua filha Marie- Rose continua a viver em França, onde é criada e educada por uns tios. • Não tardou muito a que Andrée entrasse em confronto com os filhos de Aristides e o casal decide então mudar-se a Casa do Passal, a mansão de Aristides em Cabanas do Viriato. Já instalada no Passal Andrée cedo começa a violar a privacidade da família, a forçar fechaduras e a destruir correspondência. Para suportar uma vida de gastos Andrée também começa a vender os moveis de Aristides. • O confronto com a família adensa-se e os filhos de Aristides deixam de o ir visitar. Separados do pai, os filhos, que tinham sido educados no estrangeiro e tinham poucas raízes em Portugal, acabam por emigrar. João Paulo emigra para a Califórnia juntando-se a outros irmão que já lá estavam. Pedro Nuno emigra para o Congo Belga. Geraldo para Angola e Clotilde para Moçambique. • Também os seus irmãos Cesar e Joao Paulo reagem com violência à vida de gastos de Andrée e à lapidação do património familiar. Mas Aristides mantem-se intransigente na defesa de Andrée.
  • 15. • Aristides morre só. Em 1954. Com um terço de um salário penhorado, em virtude de uma ordem do tribunal, consequência de um processo por dívidas que lhe é movido pelos seus credores. O jornalista do Le Monde, biografo e admirador de Aristides, explica que Aristides nunca foi bom a gerir orçamentos e que, a sua personalidade aristocrática, considerava repugnante o mero acto de ter que controlar contas. Ao longo da sua vida foi o seu irmão Cesar que lhe emprestou dinheiro para suprir os descontrolos financeiros de Aristides. Também explica Fralon, que a amante de Aristides era muito perdulária e que terá sido esta a causa de Aristides ter morrido com dificuldades financeiras. O povo de Cabanas de Viriato nunca gostou de Andrée e considerou-a sempre a culpada das desgraças de Aristides. • Aristides veio a morrer endividado no hospital particular da Ordem Terceira de S. Francisco da Cidade, na época um dos melhores hospitais de Lisboa e que ainda hoje existe no Chiado em Lisboa.
  • 16. A inexistência de anti-semitismo em Portugal • O Portugal do século XX é um país desprovido de qualquer sentimento anti-semita. A comunidade judaica encontra-se completamente integrada na sociedade portuguesa, ocupando em não poucos casos lugares de destaque, como é o caso de Moisés Bensabat Amzalak, reitor da Universidade Técnica, que foi líder da comunidade judaica de Lisboa por mais de cinquenta anos. Moisé Amzalak foi inclusivamente simpatizante da Alemanha Nazi, porque considerava que a Alemanha funcionava como tampão contra a ameaça comunista da Rússia, tendo chegado a ser condecorado pelo governo de Hitler em 1935. • Em 1937, Adolfo Benarus, professor da Faculdade de Letras de Lisboa, escritor e pedagogo, também fundador em 1929 da Escola Israelita, que chegou a ter perto de uma centena de alunos, publicou um livro onde se regozija por não existir “modernamente" anti-semitismo em Portugal e num agradecimento a Salazar esclareceu que o anti-semitismo de importação tinha sido prontamente sufocado à nascença por quem o podia sufocar. • Também o próprio Salazar, em 1937, publicou textos (“Como se Levanta um Estado”) onde criticou os fundamentos das leis de Nuremberga e considerou lamentável que o nacionalismo alemão estivesse vincado por características raciais. E em 1938, o Cardeal-Patriarca de Lisboa, Manuel Gonçalves Cerejeira criticou o regime Hitleriano por se basear na ideia de raça para edificar um Estado. • Na rede consular, regra geral, tirando alguns casos pontuais menos felizes, os cônsules Portugueses eram completamente destituídos de preconceitos anti-semitas, num claro contraste com os consulados de outros países. • Salazar, logo em 1938, sai em defesa dos judeus portugueses, dando instruções à embaixada na Alemanha, para que os interesses dos judeus portugueses sejam defendidos com diplomacia mas com muita firmeza. • Num estudo profundo, intitulado “Portugal Salazar e o Judeus”, o historiador da Yad Vashem Avraham Milgram afirma peremptoriamente que o anti-semitismo moderno não teve qualquer acolhimento em Portugal e faz notar que Salazar autorizou que, durante a guerra, se estabelecessem em Lisboa as várias organizações judaicas de apoio aos refugiados judeus. Milgram também escreve que quando comparando a atitude dos funcionários consulares de países como Brasil, Argentina e Estados Unidos, com a atitude dos funcionários consulares portugueses se nota nos portugueses uma quase ausência de preconceitos anti-semitas, o que se pode considerar quase “sui generis” entre os serviços consulares de então.
  • 17. • Ilustrativo da inexistência de motivações anti-semitas por parte de Salazar é a resposta ao telegrama enviado por Armindo monteiro ao MNE em 27 de Junho de 1940, poucos dias passados sobre o episódio Sousa Mendes. Armindo Monteiro transmite ao MNE um pedido do embaixador da Polonia em Londres para que sejam concedidos cerca de 1,000 vistos a polacos de “raça pura” que se encontram na fronteira de Irun. Salazar não deixa margem para dúvida, responde: Esses são justamente os que não podemos deixar entrar, devido às actividades politicas que irão querer levar a cabo no nosso país. • No entanto Milgram é da Opinião que Portugal não explorou até ao limite o seu potencial de salvação de refugiados e que poderia ter feito mais em prole dos refugiados. Esta é a terrível questão que sempre se colocará. Quantos mais poderia Portugal ter salvo? Quantos mais sem colocar em risco a sua neutralidade e aqueles que beneficiavam dessa mesma neutralidade? Nesta análise é justo que se pondere que a manutenção de neutralidade portuguesa não foi fácil e que o perigo de uma invasão alemã era real. Hitler chegou a ter planos para invadir Portugal, e quando Salazar tentou resistir às pressões alemãs para vender volfrâmio, os alemães ripostaram afundando um navio mercante português em Outubro de 1940 e torpedeando outro em Dezembro de 1941. • Mesmo em 1944 quando Salazar autorizou os diplomatas portugueses na Hungria a ajudarem centenas de judeus húngaros, não deixou de lhes dizer para, na atribuição de vistos, terem o cuidado de ao querer salvar alguns, não caírem no exagero de comprometer a segurança de outros.