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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ - UESC

             Programa de Pós-Graduação em Zoologia




           LETICIA DE LIMA BASTOS MOREIRA




PRIMATAS DAS SERRAS DAS LONTRAS E JAVI: ESTADO
 DAS POPULAÇÕES E SEU PAPEL NA CONSERVAÇÃO
REGIONAL DA COMUNIDADE DE PRIMATAS NO SUL DA
                    BAHIA




                        ILHÉUS - BA
                           2009


                                                     1
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             Programa de Pós-Graduação em Zoologia




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PRIMATAS DAS SERRAS DAS LONTRAS E JAVI: ESTADO
 DAS POPULAÇÕES E SEU PAPEL NA CONSERVAÇÃO
REGIONAL DA COMUNIDADE DE PRIMATAS NO SUL DA
                    BAHIA




                              Dissertação apresentada para a obtenção do
                              título de Mestre em Zoologia, à
                              Universidade Estadual de Santa Cruz.
                              Área de Concentração: Zoologia Aplicada


                              Orientador: Drª. Maria Cecília Kierulff

                              Co-Orientador: Prof. Martín R. Alvarez



                        ILHÉUS – BA
                           2009




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PRIMATAS DAS SERRAS DAS LONTRAS E JAVI: ESTADO DAS POPULAÇÕES
   E SEU PAPEL NA CONSERVAÇÃO REGIONAL DA COMUNIDADE DE
                   PRIMATAS NO SUL DA BAHIA



Ilhéus, Bahia – 31 de março de 2009




                                                             3
“I celebrate myself, and sing myself,
And what I assume you shall assume,
For every atom belonging to me as good belongs to you.”

                            Walt Whitman (1819-1892)




                    Em memória de Lourdes Bastos Moreira (vó Lourdes),
                                                       Pedro Davison
                                                          e Levi Fiuza,

                desmaterializados enquanto este trabalho se materializava.



     “As pessoas não morrem, elas ficam encantadas.”
                  João Guimarães Rosa




                                                                        4
AGRADECIMENTOS


                                         Dedico este trabalho a todos os que acreditam em
                                                        transformar o mundo, para melhor.
                                       E a todas as florestas, com seus macacos e joaninhas.



  Agradeço primeiro e, acima de tudo, à minha família de luz, há muito conectada a minha
existência. Meu pai, Márcio, por seu meu exemplo, orientador de vida, meu porto seguro.
Minha mãe, Elizabeth, por ser minha maior amiga, meu berço de luz, minha flor de ipê
amarelo, minha alma-mãe. Meu irmão, Marcelo, cabecinha de lua, meu protetor, meu
amigo, parceiro de signo, de tapas e beijos. Meus avós, que a tudo antecedem. A vocês
devo meu caráter, minha determinação, minha vontade de seguir caminhando sob o sol e a
lua. Obrigada por acreditarem em mim, sempre.

  Agradeço à minha família Davison, por ser parte inseparável de mim. Agradeço por toda
a força que vocês são, pelo exemplo de família e de respeito, pela coragem de enfrentar o
incompreensível e, diante dele, se reinventarem. Vocês são parte integrante deste trabalho.
E, especialmente, agradeço ao Pedro, por cumprir sua promessa de estar comigo para
sempre, todos os dias.

 Agradeço ao Rafael pelos momentos de alegria, inspiração e expiração nos últimos e
mais difíceis passos dessa dissertação.

  Agradeço a minha família de Olivença, prova de que “não precisa ter conta sanguínea, é
preciso apenas um pouco mais de sintonia”. Mari, Ursinha e Lari, por serem minhas irmãs
da alma e da matéria, pelos cuidados, pelos abraços apertados (não importa a distância), por
compartilharem comigo o amor à natureza e as aventuras do “com-viver”. Sou muito grata
a vocês, parceiras de vida, companheiras inseparáveis, rosas únicas em milhões em milhões
de estrelas. Grata pelas gargalhadas, viagens, músicas, descobertas, praias, ondas, cervejas
geladas (e quentes), pelas roupas lavadas à mão, pela geladeira cheia, pelas mãos dadas,
pelas lágrimas compartilhadas, pelos sonhos construídos completamente em conjunto. Aos
demais amigos de Oli, membros honorários da Família Sintonia, Paulinha, Bebeti e
Harildon, Katrin e Daniel, Dora e João, Marini, Magrão, Vinícius, Sacaninha, Maria e os
agregados Lucas da Paz, Sabonete, Viví e Luiz, pela parceria e diversão garantida ao longo
desses dois anos.

  Agradeço às amigas e irmãs que tiveram coragem suficiente para vir me visitar e mais
coragem ainda para ir embora! Queridas Rafinha, Carol e Dani, obrigada pelo carinho, pela
conexão e por toda a força que vocês me trazem. “Não existe distância que nos separe”.

  Agradeço aos amigos e colegas do IESB que me acolheram, me respeitaram, me
ensinaram e caminharam junto comigo: Lílian, Camila, Priscila, Adriana, Leo Neves, Leo
Oliveira, Carlos, Rebecca, Shirú (André), Gustavo, Michaelle, Nayara, Ana Cláudia, Ana


                                                                                              5
Roberta, D’ajuda... e aos coligados Cassiano Gatto e Fábio Falcão. Obrigada a cada um de
vocês que tornaram tudo muito mais fácil, mesmo sem perceber.
  Agradeço ao meu querido Gabriel Santos, que me estendeu a mão no momento mais
crítico e me abriu caminhos na Bahia. A você eu agradeço pela confiança em meu trabalho,
pelos puxões de orelha, pelos conselhos e pelo enorme presente chamado Serra das Lontras
e Javi. Agradeço também ao assistente de campo Rubens, sem o qual este trabalho teria
sido inviável. Agradeço ao pessoal do SIG, Alessandro e Dayse, pela enorme ajuda com os
mapas.

  Agradeço a todos os amigos e amigas da UESC, em especial a Juliana Laufer, Carolzinha,
Carlinha,Tati e Ju (Goiás), que compartilharam comigo as angústias e delícias do mestrado
em Zoologia... agradeço aos professores, que contribuíram para o passo-a-passo nessa
loooonga jornada; e pela ajuda com a parte de SIG, devo dizer, valeu Gil!!!

  Agradeço aos meus orientadores, Cecília Kierulff e Martín Alvarez, por todo o auxílio,
pelos conhecimentos transmitidos, pelas inúmeras correções, pela parceria e pelo respeito.

 Agradeço ao Dr. Kevin Flesher, que se tornou grande amigo, pela orientação científica e
pessoal, pela prontidão, pelas idéias, pelas correções ao logo de todo o processo, pelos
questionamentos, por me abrir as portas da Michelin.

 Agradeço ao Dr. Alexandre Schiavetti pelas excelentes críticas durante o exame de
Qualificação. Agradeço a Dra Romari Martinez pelas contribuições desde a revisão do
primeiro relatório até o formato final do trabalho. Também por sua participação na banca
de Defesa. Agradeço ao Dr. Laury Cullen, pela abertura e disposição em participar da
banca de Defesa, engrandecendo o trabalho.

  Agradeço às famílias de Lontras que me receberam em suas casas como a uma filha, sem
as quais tudo seria muito mais difícil: Família Unida – em especial Seu Macário, Zé
Roberto, Junior e Léo; Dona Airã e Seu Atanásio; e Família de seu Zezito, Dona
Conceição e crianças. A essas pessoas agradeço pelas lições de humildade e de coragem
diante da vida.

  Agradeço à PETROBRAS e à CAPES, instituições que viabilizaram o trabalho
financeiramente.

  Agradeço aos meus eternos mestres: Cláudio Pádua, pelo carinho, pela confiança, pelos
ensinamentos e pelas chaves de ouro que sempre me abrem as melhores portas; e Henyo
Barreto, pela conexão sincera e direcionamentos, desde a graduação até o presente.

Finalmente, agradeço a mim, pela coragem de começar de novo e seguir em frente, sempre.




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SUMÁRIO


LISTA DE FIGURAS.........................................................................................................................9
LISTA DE TABELAS......................................................................................................................11
RESUMO...........................................................................................................................................12
ABSTRACT......................................................................................................................................13
1 - INTRODUÇÃO GERAL............................................................................................................14
2 - REVISÃO DE LITERATURA..................................................................................................16
   2.1 A Mata Atlântica ...................................................................................................................16
   2.2 A Mata Atlântica do sul da Bahia .......................................................................................18
   2.3 Primatas da Mata Atlântica..................................................................................................19
   2.4 Primatas do sul da Bahia.......................................................................................................21
         2.4.1 Caracterização dos primatas entre os rios Jequiriçá e Jequitinhonha....................25
   2.5 Amostragens de distâncias para estimativas populacionais de primatas.........................31
3 - OBJETIVOS................................................................................................................................36
    3.1 Objetivo Geral..................................................................................................................... 36
    3.2 Objetivos específicos.......... ................................................................................................ 36
4- MÉTODOS ................................................................................................................................ 37
   4.1 Áreas de estudo e Coleta de dados...................................................................................... 37
         4.1.1 Serras das Lontras e Javi...................................... .................................................... 37
         4.1.2 Transecções Lineares.................................................................................................. 41
         4.1.3 Reserva Biológica de Una (REBIO Una), Parque Estadual da Serra do Conduru e
   entorno (PESC) e Reserva Ecológica Michelin........................................................................ 51
   4.2 Análise dos dados ................................................................................................................. 57
         4.2.1 Programa Distance 5.0 ............................................................................................... 57
         4.2.2 Análise combinada de diferentes censos.................................................................... 58
         4.2.3 Métodos alternativos .................................................................................................. 59
             4.2.3.1 Distâncias Média, Máxima e de Queda...............................................................59
             4.2.3.2 Abundância Relativa.............................................................................................60
         4.2.4. Análise comparativa das estimativas de densidade...................................................60
5 – RESULTADOS E ANÁLISES..................................................................................................61
   5.1 Serras das Lontras e Javi .....................................................................................................61
          5.1.1 Esforço amostral..........................................................................................................61



                                                                                                                                                7
5.1.2 Tipos de habitats amostrados nos transectos............................................................61
          5.1.3 Avistamentos de primatas...........................................................................................64
   5.2 REBIO Una, PESC e Reserva Ecológica Michelin............................................................66
          5.2.1 Esforço amostral..........................................................................................................66
          5.2.2 Avistamentos de primatas..........................................................................................66
   5.3 Resultados e análises comparadas entre as Serras das Lontras e Javi, REBIO Una,
          PESC e Reserva Ecológica Michelin....................................................................................70
          5.3.1 Estimativas de Abundância Relativa.........................................................................70
          5.3.2 Estimativas de Densidade...........................................................................................72
                5.3.2.a Programa Distance 5.0......................................................................................77
                5.3.2.b Comparação entre os métodos para estimar densidades...............................82
6- DISCUSSÃO.................................................................................................................................84
  6.1 Avistamentos de primatas nas Serras das Lontras e Javi..................................................84
  6.2 Abundâncias Relativas...........................................................................................................86
  6.3 Estimativas de densidade.......................................................................................................89
         6.3.1 Comparação entre métodos.......................................................................... ..............89
         6.3.2 Comparação de densidades entre áreas e com outros estudos no sul da Bahia.....91
         6.3.3 Comparação das densidades para o sul da Bahia com outras áreas de Mata
Atlântica............................................................................................................................................99
  6.4 Considerações para a conservação das Serras das Lontras e Javi.................................102
7 - CONCLUSÕES ........................................................................................................................106
8 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................107
ANEXO I - Riqueza de Espécies – Serras das Lontras e Javi................................................... 122
ANEXO II - Comparação entre abundâncias relativas e densidades estimadas pelo Programa
Distance 5.0......................................................................................................................................124
ANEXO III - Fragmentos Florestais das Serras das Lontras e Javi ........................................126




                                                                                                                                                     8
LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Representação da região geográfica entre os Rios Jequiriçá e Jequitinhonha.............26

Figura 2. Localização geográfica das Serras das Lontras e Javi (LONTRAS), em relação à
posição de três unidades de conservação do sul da Bahia: Reserva Biológica de Una (REBIO),
Parque Estadual do Conduru (PESC) e Reserva Ecológica Michelin (MICHELIN). Escala
1:250.000 PROBIO.....................................................................................................................38

Figura 3. Floresta Montana na Serra do Javi. Agosto de 2007. Fotos: Leticia Bastos................39

Figura 4. Proposta de criação do Parque Nacional Serra das Lontras, MMA (Fonte:
www.mma.gov.br).......................................................................................................................41

Figura 5. Metodologia dos transectos lineares, com uma única linha, posicionada
aleatoriamente, de extensão L. Seis objetos (n = 6) são detectados a distâncias x1, x2,..., x6. Os
objetos são denotados por uma linha mostrando a distância perpendicular medida. Em
aplicações práticas, muitos transectos devem ser usados para amostrar populações. (Fonte:
BUCKLAND et al., 1993, Capítulo 1)........................................................................................42

Figura 6. A área µ abaixo da função de detecção g(x), quando expressa como uma proporção da
área w do retângulo, corresponde à probabilidade de detectar um objeto na área amostrada (Pa).
O parâmetro µ também representa a largura efetiva da faixa amostrada e assume valores de 0 a
w. (Fonte: THOMAS et al., 2002)...............................................................................................43

Figura 7. A Função Probabilidade de Detecção, f(x), plotada em histograma de freqüências de
distâncias perpendiculares (numa escala em que a área total das barras do histrograma é 1). A
área sob a curva também é a unidade por definição. Como as duas áreas listradas são idênticas,
a área do retângulo µf(0) também é a unidade. Assim, µ = 1 / f(0). (Fonte: THOMAS et al.,
2002)...........................................................................................................................................44

Figura 8. Mapa de localização dos transectos nas Serras das Lontras e Javi, mostrando a
classificação da vegetação (escala de 1:250.000 - PROBIO) e os limites do Parque Nacional
proposto pelo MMA. O transecto a oeste foi chamado de Bem-te-vi. Os transectos centrais são
Lontras 1 (acima) e 2. Os transectos a leste são Catarina (abaixo) e Zé Oduque
(acima).........................................................................................................................................46

Figura 9. Marcação dos transectos lineares (esquerda) e cordas de segurança (direita) colocadas
para garantir a qualidade da coleta de dados (Fotos: Letícia Bastos).........................................48

Figura 10. Visibilidade reduzida em momentos de chuvas intensas na região das Serras das
Lontras e Javi (Fotos: Letícia Bastos).........................................................................................50

Figura 11. Localização das três áreas amostradas em estudo prévio realizado pelo IESB. (1)
Reserva Biológica de Una; (2) PESC; (3) Reserva Ecológica Michelin.....................................51

Figura 12. Mapa de localização dos transectos percorridos em estudo anterior na REBIO Una,
mostrando a classificação da vegetação (escala 1: 250.000 – PROBIO)....................................53



                                                                                                                                                9
Figura 13. Mapa de localização dos transectos percorridos em estudo anterior no PESC
mostrando a classificação da vegetação (escala 1: 250.000 – PROBIO)....................................54

Figura 14. Mapa de localização dos transectos percorridos em estudo anterior na Reserva
Ecológica Michelin mostrando a classificação da vegetação (escala 1: 250.000 – PROBIO).
Provável presença de nuvens prejudica a classificação da vegetação na área............................55

Figura 15. Mapa de localização dos transectos percorridos em estudo anterior na Reserva
Ecológica Michelin mostrando a classificação da vegetação (Landsat, 1996). Nota-se que os
transectos estão sobre os fragmentos melhor conservados da propriedade, que provavelmente
não foram alterados nos últimos anos.........................................................................................56

Figura 16. Histogramas de freqüência das distâncias perpendiculares de avistamento de Cebus
xanthosternos (n = 16) e Callithrix kuhlii (n = 15) nas Serras das Lontras e Javi......................66

Figura 17. Histogramas de freqüência das distâncias perpendiculares (m) de avistamento de
Cebus xanthosternos na REBIO Una (n=15), Michelin (n=21) e PESC (n=8)..........................68

Figura 18. Histogramas de freqüência das distâncias perpendiculares (m) de avistamento de
Callicebus melanochir na Reserva Ecológica Michelin (n=16)..................................................68

Figura 19. Histogramas de freqüência das distâncias perpendiculares (m) de avistamento de
Callithrix kuhlii (REBIO Una, n=5; PESC, n=13) e Callithrix sp. (Michelin, n=16)..............69

Figura 20. Histograma de freqüência das distâncias perpendiculares (m) de avistamento de
Leontopithecus chrysomelas na REBIO Una (n=14)..................................................................69

Figura 21. Histogramas de freqüência de distâncias perpendiculares combinadas entre as quatro
áreas de estudo para Cebus xanthosternos (n=60) e Callithrix spp (n=49)................................74

Figura 22. Histogramas de freqüência de distâncias perpendiculares combinadas entre
diferentes áreas de estudo para Callicebus melanochir (n=22) e Leontopithecus chrysomelas
(n=17)..........................................................................................................................................74

Figura 23. Função de detecção de Cebus xanthosternos gerada no programa Distance 5.0,
modelo Uniform. Avistamentos combinados das Serras das Lontras e Javi, REBIO Una, PESC
e Reserva Ecológica Michelin.....................................................................................................80

Figura 24. Função de detecção de Callithrix sp gerada no programa Distance 5.0, modelo
Negative-Exponential. Avistamentos combinados das Serras das Lontras e Javi, REBIO Una,
PESC e Reserva Ecológica Michelin...........................................................................................80

Figura 25. Função de detecção de Callicebus melanochir gerada no programa Distance 5.0,
modelo Uniform. Avistamentos combinados das Serras das Lontras e Javi, REBIO Una e
Reserva Ecológica Michelin........................................................................................................81

Figura 26. Função de detecção de Leontopithecus chrysomelas gerada no programa Distance
5.0, modelo Half-normal. Avistamentos combinados das Serras das Lontras e Javi e REBIO
Una...............................................................................................................................................81


                                                                                                                                               10
LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Esforço amostral por transecto nas Serras das Lontras e Javi.....................................61

Tabela 2. Avistamentos de primatas nas Serras das Lontras e Javi, número de grupos avistados
(n) e tipos florestais ocupados.....................................................................................................63

Tabela 3. Avistamentos de primatas nas Serras das Lontras e Javi, número de grupos avistados
(n) e tipos florestais ocupados.....................................................................................................64

Tabela 4. Riqueza de espécies de primatas e número de grupos avistados na REBIO Una, PESC
e Reserva Ecológica Michelin.....................................................................................................67

Tabela 5. Esforço amostral (km), número de avistamentos (n) e abundância relativa (n/10 km)
das espécies de primatas encontradas em censos nas Serras das Lontras e Javi, na REBIO Una,
no PESC e na Reserva Ecológica Michelin................................................................................71

Tabela 6. Esforço amostral (km), número total de registros (n) e abundância relativa (n/10 km)
das espécies de primatas encontradas em censos nas Serras das Lontras e Javi, na REBIO Una,
no PESC e na Reserva Ecológica Michelin.................................................................................72

Tabela 7. Distâncias Perpendiculares (DP) Média, Máxima e Distância de Queda (DQ), em
metros, e respectivas estimativas de densidade (grupos/km²) dos primatas considerando as áreas
de estudo separadamente e combinadas (Total)..........................................................................75

Tabela 8. Teste de modelos das funções de detecção e respectivas estimativas da largura
amostrada (ESW), Delta AIC, AIC, p-valores para o teste de Goodness-of-fit de Qui-quadrado
(Chi-p), Densidade de grupos/km² (DS), limite de confiança inferior da densidade (DS LCL),
limite de confiança superior da densidade (DS UCL) e coeficiente de variação da estimativa de
densidade (DV) para Cebus xantosternos, Callithrix sp., Callicebus melanochir e
Leontopithecus chrysomelas. ......................................................................................................78

Tabela 9. Comparação entre estimativas de densidade (DS) geradas para Cebus xanthosternos,
Callithrix sp., Callicebus melanochir e Leontopithecus chrysomelas, pelos métodos da distância
média, distância máxima, distância de queda (DQ) e pelo programa Distance
5.0................................................................................................................................................83

Tabela 10. Resumo das abundâncias relativas de Cebus xanthosternos, Callicebus melanochir e
Callithrix sp. encontradas por FLESHER (2006) na Reserva Ecológica Michelin (REM) e
outros fragmentos florestais da região de Ituberá (BA) através de censos
diurnos.........................................................................................................................................88

Tabela 11. Comparação entre estimativas de densidade reportadas na literatura e geradas no
presente estudo pelo Programa Distance 5.0 para Cebus xanthosternos, Callithrix kuhlii,
Callicebus melanochir e Leontopithecus chrysomelas no sul da Bahia.....................................92

Tabela 12. Comparação das densidades encontradas para os primatas do sul da Bahia com
outros estudos na Mata Atlântica...............................................................................................101



                                                                                                                                                11
PRIMATAS DAS SERRAS DAS LONTRAS E JAVI: ESTADO DAS POPULAÇÕES
   E SEU PAPEL NA CONSERVAÇÃO REGIONAL DA COMUNIDADE DE
                   PRIMATAS NO SUL DA BAHIA


                                         RESUMO

    O sul da Bahia é uma das poucas áreas em que, originalmente, os seis gêneros de
primatas da Mata Atlântica ocorriam em simpatria. Nas últimas décadas, o estado de
conservação das espécies de primatas na região tem sido investigado principalmente através
de levantamentos de suas localidades de ocorrência e de estudos de comportamento
restritos geograficamente. Enquanto informações ecológicas e biogeográficas estão
disponíveis, estimativas sobre os números populacionais desses primatas são escassas.
Conhecer a abundância das diversas populações é imprescindível para compreender o
estado de conservação local e regional das diferentes espécies e vislumbrar suas
possibilidades de sobrevivência nos remanescentes florestais. A região conhecida como
Serra das Lontras e Javi compreende alguns dos fragmentos florestais em melhor estado de
conservação do sul da Bahia e, mesmo sendo considerada uma área de elevada prioridade
para a conservação, não havia sido investigada quanto às populações de primatas
residentes. O presente estudo utilizou a metodologia de transecções lineares, seguindo o
protocolo para utilização do programa Distance (BUCKLAND et al., 1993), para estimar as
abundâncias dos primatas das Serras das Lontras e Javi. Um total de 223,3 km foram
percorridos, totalizando 37 grupos de primatas avistados, de quatro espécies: Cebus
xanthosternos, Callithrix kuhlii, Callicebus melanochir e Leontopithecus chrysomelas.
Com o intuito de compreender melhor a situação dos primatas no sul da Bahia, os
resultados das Serras foram comparados às estimativas obtidas através da mesma
metodologia em outros três grandes blocos florestais: a Reserva Biológica de Una, o Parque
Estadual do Conduru e entorno e a Reserva Ecológica Michelin. A abundância dos
primatas, representada pelas densidades estimadas em grupos/km², apresentou variações
entre espécies e entre áreas de estudo. As espécies de Callithrix parecem ser as mais
abundantes do sul da Bahia e apresentaram densidades mais semelhantes entre as quatro
áreas. As espécies ameaçadas Leontopithecus chrysomelas e Cebus xanthosternos tiveram
densidades médias semelhantes para o sul da Bahia, mas suas densidades variaram
consideravelmente entre as áreas de estudo. Callicebus melanochir foi a espécie encontrada
com menor densidade média, principalmente em função das baixas densidades estimadas
para as Serras das Lontras e Javi e a REBIO Una. A maior densidade de Callithrix kuhlii e
a segunda maior densidade de Cebus xanthosternos foram registradas para as Serras das
Lontras e Javi, que também parecem suportar mais grupos de Callicebus melanochir do que
a REBIO Una. Leontopithecus chrysomelas foi a espécie encontrada em menores
densidades nas Serras. Do ponto de vista regional, os resultados do presente estudo
sugerem que a conservação dos primatas do sul da Bahia compreende, necessariamente, a
conservação das populações de primatas das Serras das Lontras e Javi e que a proteção
dessa área torna-se urgente quando consideradas a singularidade ecológica de suas florestas
e o grau de ameaça a que estão submetidas.

Palavras-chave: Primatas, Abundância, Densidades, Serras das Lontras e Javi, Sul da Bahia.



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PRIMATES OF SERRA DAS LONTRAS AND JAVI: POPULATION STATUS AND
    THEIR ROLE ON REGIONAL CONSERVATION OF THE PRIMATE
                COMMUNITY IN SOUTHERN BAHIA


                                        ABSTRACT


        Southern Bahia is one of the few areas where, originally, the six primate genera of
Atlantic Forest occurred in simpatry. In the last decades, conservation status of primate
species in the region was investigated specially through geographically restricted
distribution and behavior studies. While ecological and biogeographic information is
available, estimates of population numbers of these primates are scarce. In order to
understand local and regional conservation status of primate species and elucidate their
survival possibilities in forest remains, it is essential to know their population abundances.
The region known as Serra das Lontras and Javi supports some of the most conserved
fragments of Southern Bahia and although it has been considered of high priority for
biological conservation, its primate populations had not been studied. The present study
used line transect methodology, following the protocol for utilizing Distance Program 5.0
(BUCKLAND et al., 1993), to estimate primate abundances of Serra das Lontras and Javi.
A total of 223,3 km were walked, totalizing 37 primate sightings, of four species: Cebus
xanthosternos, Callithrix kuhlii, Callicebus melanochir and Leontopithecus chrysomelas.
Results were compared with estimates obtained using the same methodology in three
conservation units of Southern Bahia: Una Biological Reserve, Serra do Conduru State
Park and Michelin’s Ecological Reserve. Primate abundances, represented as densities
estimated in groups/ km², varied both between species and study areas. Callithrix species
were found to be the most abundant in Southern Bahia and presented similar densities in all
areas. Endangered species Leontopithecus chrysomelas and Cebus xanthosternos presented
similar medium densities in Southern Bahia, but had considerable variations between study
areas. Callicebus melanochir had the lowest abundances in Southern Bahia region,
specially because of the low estimates for Serra das Lontras and Javi and Una Biological
Reserve. The highest density estimate for Callithrix kuhlii and the second highest density
estimate for Cebus xanthosternos were found in Serra das Lontras and Javi, which also
seems to support more groups of Callicebus melanochir than Una Biological Reserve. The
lowest densities found in Serra das Lontras and Javi are for Leontopithecus chrysomelas.
From a regional perspective, the present results suggests that primate conservation in
Southern Bahia requires conservation of primate populations of Serra das Lontras and Javi
and that protection of this area becomes urgent when considering its ecological singularity
and threats to which it is submitted today.



Key-words: Primates, Abundances, Densities, Serra das Lontras and Javi, Southern Bahia.




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1.   INTRODUÇÃO GERAL


       A Mata Atlântica brasileira estendia-se originalmente do Rio Grande do Norte ao
Rio Grande do Sul, ocupando uma área de aproximadamente 1.300.000 km² (FONSECA et
al., 1999). A grande extensão latitudinal do bioma lhe confere notável heterogeneidade
(GALINDO-LEAL e CÂMARA, 2005), assim como a variação longitudinal, que ajuda a
criar uma diversidade de paisagens, com florestas de interior significativamente diferentes
daquelas próximas ao litoral (THOMAS et al., 1998). Após mais de quinhentos anos de
exploração, a Mata Atlântica é hoje classificada como um dos ecossistemas mais
seriamente ameaçados do mundo (MITTERMEIER, 1986; OLIVER e SANTOS, 1991;
MMA, 2000; GALINDO-LEAL e CÂMARA, 2005) e considerada prioritária para a
conservação da biodiversidade do planeta (MYERS et al., 2000).
       Inserida no Domínio da Mata Atlântica e representando uma área prioritária e
estratégica para a conservação da biodiversidade do bioma (TIMMERS et al., 2002), a
região sul do estado da Bahia destaca-se por apresentar os maiores remanescentes florestais
do nordeste brasileiro (MORI et al., 1983; JOHNS, 1999), alta riqueza biológica, elevado
grau de endemismo (KINZEY,1982; MOURA, 2003) e intensa pressão antrópica sobre os
fragmentos florestais remanescentes (JARDIM, 2003). A cobertura florestal no sul da
Bahia encontra-se atualmente permeada por uma matriz de pastagens e uma variedade de
plantios, incluindo cacau, seringa, pupunha, dendê, bananas e café (MORI et al., 1983;
FLESHER, 2006; SAATCHI et al., 2001).
       Considerada como um dos principais centros de endemismo e de riqueza de
primatas da Mata Atlântica (SANTOS et al., 1987), a região sul da Bahia é uma das poucas
áreas onde os seis gêneros de primatas do bioma ocorrem simpatricamente
(BIODIVERSITAS, 1993), representados por nove espécies: sagui-de-Wied (Callithrix
kuhlii), sagüi-do-tufo-preto (Callithrix penicillata), sagui-da-cara-branca (Callithrix
geoffroyi),   guigó   (Callicebus   melanochir), macaco-prego-do-peito-amarelo (Cebus
xanthosternos), macaco-prego-de crista (Cebus robustus), mico-leão-da-cara-dourada
(Leontopithecus chrysomelas), bugio (Alouatta guariba) e muriqui-do-norte (Brachyteles
hypoxanthus) (RYLANDS et al., 1996). Devido a introduções recentes, existem também
populações de sagüi-do-nordeste (Callithrix jacchus) em algumas regiões ao sul do rio São



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Francisco (RYLANDS et al., 1996; COIMBRA-FILHO et al., 2006). Com exceção das
espécies de Callithrix, todas as outras estão incluídas no Livro Vermelho da Fauna
Brasileira Ameaçada de Extinção (MACHADO et al., 2008).
       O estado de conservação das espécies de primatas na região sul da Bahia tem sido
investigado ao longo das últimas duas décadas, principalmente através de levantamentos
extensivos de suas localidades de ocorrência (AGUIRRE, 1971; SANTOS et al., 1987;
COIMBRA-FILHO et al., 1991; OLIVER e SANTOS 1991; RYLANDS et al. 1991;
PINTO 1994a,b; KIERULFF et al., 2005; NEVES, 2008), mas apesar das informações
ecológicas e biogeográficas disponíveis na literatura, estimativas populacionais dos
primatas da região são escassas e, em sua maioria, referentes apenas à região geográfica de
Una (RYLANDS, 1989; PINTO et al. 1993; DIETZ et al., 1994; PINTO, 1994a,b;
PAGLIA 2003). Para a conservação dessas populações é imprescindível gerar dados sobre
seus tamanhos e, quando possível, estimativas de densidades absolutas que tragam
informações sobre a possibilidade de sobrevivência das espécies nos remanescentes
florestais (GONZÁLES-SOLIS, 2001; PAGLIA, 2003; KIERULFF et al., 2005;
RYLANDS et al., 2008; BECK e CHAPMAN, 2008).
       O presente estudo teve como objetivo estimar a abundância relativa e a densidade
populacional de espécies de primatas em quatro grandes fragmentos florestais do sul da
Bahia utilizando a metodologia de transecções lineares. O estudo foi concentrado na região
das Serras das Lontras e Javi, que apesar de apresentar alguns dos fragmentos florestais em
melhor estado de conservação da Mata Atlântica do sul da Bahia, ainda não havia sido
investigada quanto às populações de primatas residentes. Os resultados obtidos nas Serras
das Lontras e Javi foram comparados a dados não publicados de outros três grandes
fragmentos florestais no sul da Bahia (Reserva Biológica de Una – REBIO Una, Parque
Estadual do Conduru e entorno – PESC e Reserva Ecológica Michelin).




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2.     REVISÃO DE LITERATURA


2.1    A Mata Atlântica

       A Mata Atlântica brasileira estendia-se originalmente do Rio Grande do Norte ao
Rio Grande do Sul, ocupando uma área de aproximadamente 1.300.000 km² (FONSECA et
al., 1999). Estima-se que apenas 8% da cobertura florestal original da Mata Atlântica
persistam (SOS Mata Atlântica e INPE, 2009) após uma história de intensa devastação que
teve início com a chegada dos colonizadores portugueses ao Brasil no século dezesseis
(DEAN, 1996). A longa história de destruição transformou a Mata Atlântica em um dos
ecossistemas mais devastados e mais seriamente ameaçados do mundo (MITTERMEIER,
1986; OLIVER e SANTOS, 1991; MMA, 2000; GALINDO-LEAL e CÂMARA, 2005).
       A grande extensão latitudinal confere à Mata Atlântica notável heterogeneidade: o
bioma estende-se por 27 graus de latitude, de 3° S a 30° S (GALINDO-LEAL e CÂMARA,
2005). A variação longitudinal também contribui para a elevada diversidade de habitats,
com florestas de interior significativamente diferentes daquelas próximas ao litoral
(THOMAS et al., 1998; RIZZINI, 1997 apud SILVA e CASTELETI, 2005). Outros fatores
geográficos como variações altitudinais, edáficas e topográficas resultam em um mosaico
de micro-habitats dentro de cada tipo florestal aparentemente uniforme (THOMAS et al.,
1998; GALINDO-LEAL e CÂMARA, 2005; TABARELLI et al., 2005).
       O mosaico florestal resultante dessas variações ambientais constitui o “Domínio da
Mata Atlântica”, reconhecido legalmente em 1992 pelo Conselho Nacional do Meio
Ambiente (CONAMA), e inclui as Florestas Ombrófilas (pluviais) Densas e Abertas
(abrangendo as matas pluviais montanas, submontanas, de baixada e “tabuleiros” –
florestas costeiras em terras baixas e solos arenosos), as Florestas Ombrófilas Mistas
(correspondentes às matas sulinas com predominância de araucárias e lauráceas) e as
Florestas Estacionais e Semidecíduas (que abrangem as matas subtropicais dos estados do
Sul e as matas semidecíduas do Nordeste), bem como os ecossistemas associados
(incluindo manguezais, restingas, campos de altitude, enclaves de campos e cerrados e as
matas montanas da região Nordeste) e as áreas de transição ecológica entre as formações
florestais (CÂMARA, 2005).



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Atualmente, a Mata Atlântica encontra-se isolada dos outros grandes blocos
florestais sul-americanos, a Floresta Amazônica e as Florestas Andinas, através de três
biomas dominados por vegetações abertas: a Caatinga, o Cerrado e o Chaco. Mas a história
evolutiva do bioma é marcada por períodos de contato com biotas de outras formações
florestais (SILVA e CASTELETI, 2005), o que resultou em uma composição de espécies
única (MYERS et al., 2000) formada por elementos muito antigos, diferenciados há pelo
menos 3 milhões de anos durante o Plioceno, mas também por elementos que colonizaram
a região mais recentemente, na transição Pleistoceno-Holoceno, entre 10 e 20 mil anos atrás
(SILVA e CASTELETI, 2005).
       As estimativas da riqueza de espécies existentes na Mata Atlântica são variáveis, o
que se deve, em grande parte, às incertezas sobre taxonomia e distribuição e ao uso de
diferentes definições sobre os limites exatos do Domínio da Mata Atlântica (CÂMARA,
2005). O documento oficial “Áreas Prioritárias para a Conservação da Mata Atlântica e
Campos Sulinos”, contabiliza 20 mil espécies de plantas, 250 espécies de mamíferos, 1020
espécies de aves, 197 espécies de répteis e 340 espécies de anfíbios. Se forem considerados
em conjunto os mamíferos, aves, répteis e anfíbios, a Mata Atlântica abriga
aproximadamente 7% de todas as espécies conhecidas no mundo para esse grupo de
vertebrados (MYERS et al, 2000).
       Considerando sua extensão, a Mata Atlântica representa o mais diverso dos biomas
brasileiros em termos de mastofauna. O grau de endemismo para o grupo, estimado em
32%, é excedido apenas pela Floresta Amazônica, a maior área florestal do país, com 59%
da mastofauna endêmica. A notável diversidade da Mata Atlântica, no entanto, não está
igualmente distribuída entre as diferentes ordens, sendo o alto nível de endemismo
referente, principalmente, a três delas - marsupiais, roedores e primatas - que juntas
perfazem 84 % de todas as espécies de mamíferos endêmicas ao bioma (COSTA e LEITE,
2000). Para grupos como os primatas, por exemplo, mais de dois terços das formas
presentes são endêmicas (MMA, 2000).
       Atualmente essa riqueza encontra-se ameaçada, devido, principalmente, à expansão
de grandes centros urbanos, à exploração madeireira, à caça, ao desmatamento e à
substituição da cobertura florestal por agricultura (SILVA e TABARELLI, 2001). Em
razão do alto grau de endemismo e de fragmentação florestal, a Mata Atlântica contribui



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com mais de 60% das espécies presentes na lista oficial da fauna brasileira ameaçada de
extinção (PAGLIA, 2005 apud PINTO et al., 2006). Esse quadro levou ao reconhecimento
internacional da Mata Atlântica como um hotspot de biodiversidade – área com excepcional
concentração de espécies endêmicas e submetida a altos níveis de destruição de habitat
(MYERS et al., 2000).



2.2    A Mata Atlântica do sul da Bahia

       A região sul da Bahia é considerada uma área de destaque na Mata Atlântica: além
da elevada riqueza de espécies, representa um dos três mais importantes centros de
endemismo de todo o bioma (KINZEY, 1982; MORI et al., 1983) e detém um dos recordes
mundiais de diversidade de espécies lenhosas (THOMAS et al., 1998). Situa-se entre os
paralelos 13°05’ S - 18°05’ S e meridianos 38°50’ W - 41°33’ W, encontra-se delimitada
ao norte pelo rio Jequiriçá, ao sul pelo rio Mucuri, a leste pelo Oceano Atlântico e a oeste
pela rodovia BR-116, no planalto de Vitória da Conquista, e abrange cento e seis
municípios do Estado da Bahia (PRADO et al., 2003b).
       Apesar de parecer uma formação vegetal homogênea, a Mata Atlântica do sul da
Bahia, apresenta tipos vegetacionais extremamente diferenciados, com florestas que se
tornam gradualmente mais secas à medida que avançam para o interior (MORI et al., 1983).
De fato, existe uma transição das matas de restinga do litoral, passando pelas florestas
úmidas (Ombrófilas) – florestas montanas e submontanas com solos argilosos e florestas de
tabuleiros em terras baixas de solos arenosos (RYLANDS et al., 1991-1992) – e pelas
florestas semidecíduas, até as florestas decíduas do interior (MORI et al., 1983). A
composição de cada tipo florestal varia dependendo da elevação, da pluviosidade, dos tipos
e da drenagem dos solos, resultando em um mosaico de diversos micro-habitats dentro da
floresta aparentemente uniforme (THOMAS et al., 1998).
       O sul da Bahia vem sofrendo intenso desmatamento por, pelo menos, 500 anos,
desde a chegada dos colonizadores portugueses na região (MORI et al., 1983; JOHNS,
1999), resultando em uma cobertura florestal fragmentada e reduzida a, aproximadamente,
5 % de sua extensão original (THOMAS et al., 1998). No entanto, abriga os maiores
remanescentes de Mata Atlântica do Nordeste (JOHNS, 1999), em parte devido às



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peculiaridades do plantio de cacau na região, tradicionalmente plantado sob a sombra de
árvores nativas, em um sistema agroflorestal denominado cabruca (MORI et al., 1983). É
possível que as cabrucas tenham contribuído para a conservação da fauna regional (FARIA
et al., 2006) até o presente, sendo utilizadas por espécies ameaçadas de extinção, como o
gravateiro-acrobata (Acrobatornis fonsecai) (PACHECO et al., 1996), o mico-leão-da-cara-
dourada (Leontopithecus chrysomelas) e o macaco-prego-do-peito-amarelo (Cebus
xanthosternos) (observação pessoal).
       Em vista da relevância ecológica e das pressões antrópicas que incidem sobre o sul
da Bahia, a região é reconhecida como um hot-point dentro do hotspot Mata Atlântica
(MARTINI et al., 2007), havendo sido incluída pelo Governo Federal no Corredor Central
da Mata Atlântica, que engloba cerca de 80% das áreas de mais alta prioridade para a
conservação do bioma (FONSECA et al., 2003). No entanto, considerando a área total do
Corredor Central, a rede de unidades de conservação do estado da Bahia é geográfica e
ecologicamente mal distribuída (FONSECA et al., 2003; AGUIAR et al., 2005). A
abrangência das áreas protegidas é reduzida e sua distribuição, concentrada em áreas de
Floresta   Ombrófila   Densa,   predominante    nas   porções   litorâneas.   Encontram-se
desprotegidos os fragmentos de Florestas Estacionais e Montanas localizados mais a oeste,
onde predominam as serras e maciços pré-litorâneos, (SILVEIRA et al., 2005; THOMAS et
al., 1998), sendo necessários maiores e urgentes esforços de conservação para a
preservação de áreas verdadeiramente representativas das florestas do sul da Bahia
(THOMAS et al., 1998; FONSECA et al., 2003; GALINDO-LEAL E CÂMARA, 2005;
PINTO et al., 2006; RBMA, 2006).




2.3    Primatas da Mata Atlântica


       Dentre as vinte e quatro espécies de primatas que ocorrem na Mata Atlântica
brasileira, vinte são endêmicas ao bioma e quinze encontram-se ameaçadas de extinção
(COSTA et al., 2005), estando todas classificadas em seis gêneros: muriquis (Brachyteles),
micos-leões (Leontopithecus), sagüis (Callithrix), bugios (Alouatta), macacos-pregos
(Cebus) e guigós (Callicebus), os dois primeiros endêmicos ao bioma. A distribuição atual



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desses primatas é influenciada pela ampla destruição de seus habitats naturais, bem como
pelas introduções de espécies fora de sua ocorrência original, especialmente Calitriquídeos
(RYLANDS et al., 1996).
       O tamanho reduzido e o grau de isolamento dos fragmentos da Mata Atlântica são,
provavelmente, limitantes para que populações mínimas viáveis de primatas sejam
mantidas em longo prazo (CHIARELLO e MELLO 2001; PAGLIA, 2003; CHIARELLO,
2003). A redução do que antes era uma floresta contínua a fragmentos pequenos e isolados
pode resultar no confinamento de apenas alguns grupos de primatas em cada fragmento,
limitando o fluxo de indivíduos entre populações e levando à depressão endogâmica, além
de torná-las mais suscetíveis a eventos demográficos estocásticos (VALLADARES-
PADUA e CULLEN JR., 1994; PIRES et al., 2006; PAGLIA et al., 2006). A fragmentação
também facilita o acesso a caçadores, que freqüentemente buscam espécies de primatas de
médio a grande porte, podendo levá-las à extinção local (RAEZ-LUNA, 1995; PERES,
2000; PERES e DOLMAN, 2000). Por outro lado, a fragmentação pode simplificar a
composição dos predadores de topo de cadeia, ocasionando um aumento nas densidades
populacionais das espécies de presas (CHIARELLO, 2003). O aumento da caça promovido
pela fragmentação também pode levar a maiores densidades de algumas espécies de
primatas não caçadas por reduzir ou exterminar seus competidores potenciais (PERES e
DOLMAN, 2000).
       Em suma, o processo de declínio ou alteração na dinâmica populacional de primatas
está intimamente relacionado às circunstâncias históricas e atuais do uso da terra (PINTO,
1994a). Grande parte das espécies de primatas sofre drásticas reduções populacionais
quando existe grande perturbação ambiental, como fragmentação, corte seletivo de
madeira, práticas agrícolas prejudiciais ou caça excessiva (JOHNS e SKORUPA, 1987). No
entanto, estudos têm demonstrado a grande flexibilidade ecológica e capacidade de
adaptação dos primatas que persistem nos fragmentos florestais remanescentes, sugerindo
que o mosaico de habitats heterogêneos resultante da perturbação pode até mesmo
aumentar a abundância das espécies remanescentes (STALLINGS e ROBINSON, 1991;
COWLISHAW e DUNBAR, 2000). Para compreender de que forma as diferentes ameaças
impactam as espécies de primatas no mosaico florestal atlântico é essencial obter
estimativas de abundância e densidade, bem como realizar subseqüentes monitoramentos



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populacionais que permitam medir o sucesso de programas de conservação para essas
espécies (RYLANDS et al., 2008).



2.4    Primatas do sul da Bahia


       No sul da Bahia, os seis gêneros de primatas da Mata Atlântica ocorrem
simpatricamente, representados por nove espécies: sagui-de-Wied (Callithrix kuhlii), sagüi-
do-tufo-preto (Callithrix penicillata), sagui-da-cara-branca (Callithrix geoffroyi), guigó
(Callicebus melanochir), macaco-prego-do-peito-amarelo (Cebus xanthosternos), macaco-
prego-de-crista    (Cebus     robustus),    mico-leão-da-cara-dourada      (Leontopithecus
chrysomelas), bugio (Alouatta guariba) e muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus)
(KINZEY, 1982; RYLANDS et al, 1996; MOURA, 2003). Devido a introduções recentes,
existem também populações de sagüi-do-nordeste (Callithrix jacchus) em algumas regiões
ao sul do rio São Francisco (RYLANDS et al., 1996; COIMBRA-FILHO et al., 2006).
       O estado de conservação das espécies de primatas na região sul da Bahia tem sido
investigado ao longo das últimas duas décadas, principalmente através de levantamentos de
suas localidades de ocorrência (AGUIRRE, 1971; SANTOS et al., 1987; COIMBRA-
FILHO et al., 1991; OLIVER e SANTOS 1991; RYLANDS et al. 1991; PINTO 1994a,b;
KIERULFF et al., 2005; NEVES, 2008). Com exceção das espécies de Callithrix, todas as
outras estão incluídas no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção
(MACHADO et al., 2008). O conhecimento acumulado sobre aspectos de ecologia e
comportamento varia entre as espécies e, em geral, é reduzido, mas representa um ponto de
partida para a compreensão de seu estado de conservação.
       O sagui-de-Wied (Callithrix kuhlii) ocorre na região sul da Bahia e nordeste de
Minas Gerais, entre os rios Jequitinhonha e de Contas, mas ainda há controvérsias sobre o
limite norte original da espécie (RYLANDS, 1996; COIMBRA-FILHO et al., 2006;
NEVES, 2008; RABOY et al., 2008). A leste, encontra-se limitado pelo Oceano Atlântico
e, a oeste, por mudanças vegetacionais associadas ao aumento de altitude em decorrência
do Planalto de Vitória da Conquista (NEVES, 2008). OLIVER e SANTOS (1991)
afirmaram que o fenótipo de Callithrix kuhlii seria consistente da margem norte do baixo
Jequitinhonha até o norte do rio de Contas, possivelmente estendendo-se até Valença,


                                                                                        21
argumento utilizado também por COIMBRA-FILHO et al. (2006) para defender uma
possível extensão da distribuição da espécie ao longo da costa atlântica até o rio Paraguaçu
ou até mesmo ao rio São Francisco. Esses mesmos autores, no entanto, referem-se à
destruição histórica das florestas da região (COIMBRA-FILHO et al., 1991) e à mistura
com populações de C. penicillata e populações introduzidas de C. jacchus como fatores que
dificultam esclarecimentos sobre a questão.
       NEVES (2008) encontrou variações de coloração nos grupos de Callithrix avistados
ao norte do rio de Contas, considerando-os como fenótipos intermediários entre C. kuhlii e
C. penicillata e sugerindo uma zona de hibridação. Caso tratem-se de híbridos, ainda resta
esclarecer se as populações de C. kuhlii teriam sido introduzidas na margem norte do rio ou
se as populações de C. penicillata estariam avançando para leste e invadindo a área de C.
kuhlii. É interessante considerar a observação do autor de que na maioria das vezes as
características de C. penicillata se sobressaíram (“face escura, pés e mãos de cinza a
castanho escuro e porção externa da coxa não apresentando o colorido conspícuo de C.
kuhlii”), o que representa uma contradição com as observações de hibridização em
cativeiro. De acordo com COIMBRA-FILHO et al. (2006), o castanho avermelhado intenso
de C. kuhlii é uma característica evidentemente dominante e transmitida para seus híbridos,
argumento usado, inclusive, para defender a validade da espécie. Não se pode, portanto,
descartar a possibilidade de que as diferenças fenotípicas observadas ao norte do rio de
Contas correspondam a uma variação natural dentro da espécie C. penicillata, considerando
que a distribuição se C. kuhlii seja, de fato, originalmente limitada pelo rio de Contas. A
espécie não foi incluída no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção
(MACHADO et al., 2008).
       Segundo RYLANDS et al. (1996), o sagui-de-tufo-preto (Callithrix penicillata)
possui a maior parte de sua distribuição correspondente ao Cerrado do Brasil central,
incluindo os estados do Tocantins, Goiás, Bahia, Minas Gerais e São Paulo, mas é provável
que suas populações se encontrem em expansão, inclusive substituindo outras espécies a
leste e ao sul de sua distribuição original. KINZEY (1982) delimita sua distribuição do rio
de Contas ao Recôncavo Baiano, estendendo-se para oeste através da caatinga baiana e o
cerrado central do Brasil, até as margens do rio Araguaia, e para o sul até o rio Grande, na
divisa entre Minas Gerais e São Paulo. Encontra-se classificada na lista vermelha da IUCN



                                                                                         22
como pouco preocupante (“least concern”, www.iucnredlist.org) e não é considerada uma
espécie ameaçada em nível nacional (MACHADO et al., 2008).
       O sagui-de-cara-branca (Callithrix geoffroyi), ocorre do norte do rio Doce, no
Espírito Santo, até o vale do rio Jequitinhonha, na divisa entre Minas Gerais e Bahia
(RYLANDS et al., 1996; MELO, 2004). Seu limite oeste foi definido por Vivo (1991)
como a Serra do Espinhaço, em Minas Gerais, que marca a transição da Floresta Atlântica
para o Cerrado (RYLANDS et al., 1996). PASSAMANI e RYLANDS (2000) afirmam que
a intensa destruição florestal em sua área de ocorrência, bem como a perseguição que
sofrem pelo mercado ilegal de fauna, têm colocado suas populações sob forte ameaça, mas
a   espécie   é   considerada   pela   IUCN    como    em    situação   pouco   preocupante
(www.iucnredlist.org) e não consta no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de
Extinção (MACHADO et al., 2008).
       O mico-leão-da-cara-dourada (Leontopithecus chrysomelas) possui distribuição
geográfica restrita entre o sul da Bahia e o nordeste de Minas Gerais, estando limitado ao
norte pelo rio de Contas, ao sul pelo rio Jequitinhonha e a oeste pela mata de cipó associada
às elevadas altitudes no Platô de Vitória da Conquista (RYLANDS et al., 1991-1992;
RYLANDS et al., 2002). Não há evidências, no entanto, de que ocorra entre os baixos rios
Pardo e Jequitinhonha e ao sul do baixo rio de Contas (RYLANDS et al., 1996). A espécie
é considerada “Em perigo” no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção
(MACHADO et al., 2008), bem como pela IUCN (www.iucnredlist.org), estando apenas
2% de sua área de distribuição dentro de uma unidade de conservação de proteção integral
federal, a Reserva Biológica de Una (BA) (PINTO e RYLANDS, 1997).
       O guigó (Callicebus melanochir) distribui-se desde o rio Paraguaçu até o rio
Mucuri, no extremo sul do estado da Bahia (OLIVER e SANTOS,1991; van
ROOSMALEN et al., 2002). Alguns autores defendem que o limite sul não seja bem
definido, possivelmente havendo uma zona de sobreposição com Callicebus personatus
entre os vales dos rios Mucuri e Itaúnas, no Espírito Santo (OLIVER e SANTOS, 1991;
HERSHKOVITZ, 1990 apud van ROOSMALEN et al., 2002). Kinzey (1982), considera
uma distribuição mais ampla para a espécie: do rio Itapicurú (norte da Bahia) ao rio Itaúnas
(ES). A oeste, parece que sua distribuição é limitada pela mata de cipó e florestas
semidecíduas da Bahia (VAN ROOSMALEN et al., 2002). Existem poucos trabalhos



                                                                                          23
publicados sobre a espécie (MULLER et al, 1997; HEIDUCK,1997, 2002), que está
classificada como “vulnerável” no Livro Vermelho da Fauna Ameaçada de Extinção
(MACHADO        et   al.,   2008)   e   na   lista   de   espécies   ameaçadas   da   IUCN
(www.iucnredlist.org).
       O macaco-prego-do-peito amarelo (Cebus xanthosternos) é endêmico da Mata
Atlântica dos estados de Sergipe, Bahia e norte de Minas Gerais. Atualmente, encontra-se
restrito a fragmentos florestais da região delimitada a norte e oeste pelo rio São Francisco,
ao sul pelo rio Jequitinhonha e a leste pelo Oceano Atlântico (COIMBRA-FILHO et al.,
1991; OLIVER e SANTOS,1991; GUIDORIZZI et al., 2005). Há evidências de que a
espécie já se extinguiu em grande parte de sua distribuição original (COIMBRA-FILHO
1986c, SANTOS et al., 1987; OLIVER e SANTOS, 1991), estando atualmente classificada
pela IUCN (www.iucnredlist.org) e pelo Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de
Extinção como “criticamente em perigo” (MACHADO et al., 2008).
       O macaco-prego-de-crista (Cebus robustus) distribui-se ao norte do rio Jurucuçu até
o rio Jequitinhonha (OLIVER e SANTOS, 1991; RYLANDS et al., 1996). Como limite
oeste para a ocorrência da espécie foram sugeridos a Serra do Espinhaço (RYLANDS et al.,
1996) e o próprio rio Jequitinhonha (MARTINS, 2005 apud MACHADO et al., 2008). A
espécie é considerada “em perigo” pela IUCN (www.iucnredlist.org) e “vulnerável” pelo
Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (MACHADO et al., 2008).
       O guariba (Alouatta guariba) se distribuía originalmente por grande parte do estado
da Bahia e norte de Minas Gerais, provavelmente até o rio Paraguaçu (CABRERA, 1957
apud KINZEY, 1982), mas suas populações têm sido dizimadas pela caça (RYLANDS et
al., 1996-1997). Atualmente encontra-se praticamente extinto na Bahia, com algumas
pequenas e isoladas populações sobrevivendo no extremo sul, próximo à divisa com Minas
Gerais (CROCKET, 1998; RYLANDS et al., 2003; MELO, 2004). O Livro Vermelho da
Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção considera sua distribuição restrita e classifica a
espécie como “criticamente em perigo”. (MACHADO et al., 2008). A taxonomia ainda
confusa para a espécie, no entanto, permite que seja classificada como Alouatta fusca
(CROCKET, 1998; RYLANDS et al., 2000), com distribuição mais ampla pelas florestas
costeiras desde o sul da Bahia até o Rio Grande do Sul, alcançando a região de Misiones,




                                                                                          24
na Argentina (EMMONS, 1997), o que contribui para sua classificação pela IUCN como
“pouco preocupante” (LC - least concern) (www.iucnredlist.org).
        O muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus) é endêmico da Mata Atlântica dos
Estados de Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia (RYLANDS et al., 1996; STRIER et al.,
2006). AGUIRRE (1971) sugere como limite setentrional para a espécie a bacia do rio
Jequiriçá, possivelmente incluindo as matas da margem direita do rio Paraguaçu.            A
destruição florestal e a caça levaram os números populacionais da espécie a uma redução
extrema e, apesar de ocorrer em diversas áreas protegidas, a maior parte de suas populações
encontra-se evidentemente reduzida (OLIVER e SANTOS, 1991; RYLANDS et al., 1996-
1997; COSENZA e MELLO, 1998; CHIARELLO et al., 2004; STRIER et al., 2006). Na
Bahia, a espécie foi registrada para o município de Guaratinga, divisa com Minas Gerais no
vale do rio Jequitinhonha, podendo ser considerada a primeira população de muriquis
constatada para o estado desde as investigações pioneiras de Aguirre, em 1971 (MELO et
al., 2004). Atualmente está classificado tanto no Livro Vermelho da Fauna Brasileira
Ameaçada de Extinção quando na lista da IUCN como “criticamente em perigo”
(MACHADO et al., 2008; www.iucnredlist.org.br), sendo considerado entre os primatas
mais ameaçados de extinção do mundo (STRIER et al., 2006).




2.4.1   Caracterização dos primatas entre os rios Jequiriçá e Jequitinhonha


        No presente estudo, serão abordadas apenas as espécies Callithrix kuhlii, Callithrix
penicillata (ou híbridos de C. kuhlii e C. penicillata ao norte do rio de Contas), Callicebus
melanochir, Cebus xanthosternos, Leontopithecus chrysomelas, Alouatta guariba e
Brachyteles hypoxanthus, distribuídas originalmente entre os rios Jequiriçá e Jequitinhonha.
A denominação “sul da Bahia” também será aplicada em referência à região compreendida
entre esses dois rios (Figura 1).
        Considerando que a paisagem regional é caracterizada pela heterogeneidade de
habitats florestais, apresentando florestas maduras, secundárias, seletivamente exploradas,
bem como áreas não-florestadas ocupadas por cultivos agrícolas e pastagens e que as
espécies diferem quanto a sua capacidade de explorar esses ambientes, as populações das



                                                                                          25
espécies de primatas da região podem estar respondendo de modo diferente aos impactos
antrópicos incidentes (COWLISHAW e DUNBAR, 2000; RABOY et al., 2004).




Figura 1. Representação da região geográfica entre os Rios Jequiriçá e Jequitinhonha. Adaptado de
HEIDUCK, 2002.




                                                                                              26
Os Calitriquídeos, grupo em que estão classificados os sagüis (Calithrix) e micos-
leões (Leontopithecus), são primatas pequenos, diurnos, frugívoros-insetívoros, que
utilizam florestas maduras, perturbadas e ambientes florestais mais abertos próximos a rios
(EISENBERG, 1977). A capacidade de ocupar diferentes tipos florestais varia entre as
espécies e relaciona-se à qualidade desses habitats, determinada pelos recursos alimentares
(distribuição e abundância de presas animais, frutos e exudados), pela disponibilidade de
vegetação densa como refúgio contra predadores e pela presença de competidores,
especialmente outros primatas (RYLANDS, 1996).
       Enquanto Callithrix kuhlii encontra-se restrito às florestas ombrófilas (montanas e
costeiras) e às florestas mesófitas (interiores) ao longo da costa Atlântica, Callithrix
penicillata é mais típico de florestas semi-decíduas, cerradões e matas de galeria do
Cerrado brasileiro, mas também ocorre nas florestas úmidas costeiras (COIMBRA-FILHO
et al., 2006; RABOY et al, 2008). Poucos estudos foram realizados sobre a ecologia de C.
kuhlii, mas acredita-se que a qualidade e a distribuição dos recursos alimentares são fatores
importantes que podem contribuir para a variação interespecífica na dieta, tamanho da área
de vida e comportamento entre a espécie e seus congenéricos. Callithrix kuhlii utiliza
extensivamente o mosaico florestal atlântico do sul da Bahia, incluindo florestas maduras,
em regeneração, habitats de borda, capoeiras e cabrucas (RABOY et al., 2008). Da mesma
forma, Callithrix penicillata, bem adaptado aos sistemas de cultivos arbóreos e florestas
perturbadas de Ituberá, encontra-se amplamente distribuído e abundante, ocorrendo em
todas as classes de paisagens da região (FLESHER, 1999). Ambos apresentam
especializações para alimentar-se de exudados, o que lhes permite lidar com períodos de
escassez de frutos, mas C. kuhlii alimenta-se de uma maior quantidade de frutos e insetos,
fazendo menor uso dos exudados quando comparado a C. penicillata, uma das espécies
mais especialistas nesse item alimentar (RYLANDS, 1996; RABOY et al., 2008).
       Os micos-leões (Leontopithecus) estão entre os maiores calitriquídeos e possuem as
maiores áreas de vida para o grupo (RYLANDS, et al., 1991-1992; RYLANDS, 1993;
RABOY e DIETZ, 2004). Alimentam-se de frutas, flores, néctar, insetos, pequenos
vertebrados e gomas (KIERULFF et al., 2002; RYLANDS, 1993) e utilizam-se de
forrageio manipulativo para localizar presas animais em locais de difícil acesso como
bromélias e cascas de árvores (RYLANDS, 1996). A espécie presente no sul da Bahia,



                                                                                          27
Leontopithecus chrysomelas, habita tanto as florestas úmidas e pouco sazonais da costa,
quanto as florestas semidecíduas mais secas do interior, ambas caracterizadas pela elevada
abundância de bromélias (RYLANDS et al., 1993; MORI et al., 1983). Ocorre em simpatria
com Callithrix kuhlii, o que é possível graças às diferenças ecológicas entre ambas, como
técnicas e locais de forrageio e utilização de diferentes estratos florestais (RYLANDS,
1989). Apesar de não demonstrar preferência por cabrucas, florestas perturbadas ou em
regeneração, L.chrysomelas não as evita, indicando que esses habitats podem servir como
conexões que facilitam a movimentação desses animais entre fragmentos de floresta
madura (RABOY et al., 2004). Acredita-se que a permanência da espécie no mosaico
florestal do sul da Bahia dependa da existência de florestas maduras próximas aos habitats
mais degradados, provavelmente por sua dependência de bromélias para forrageio de presas
animais e de ocos de árvores para dormida – recursos encontrados principalmente nas
florestas maduras (RYLANDS et al., 1991-1992; RYLANDS, 1996).
       Os guigós (Callicebus) são primatas de pequeno a médio porte, monogâmicos,
territoriais e organizados em grupos familiares de 2 a 6 indivíduos, constituídos pelo par
reprodutivo e seus descendentes (KINZEY, 1982). Callicebus melanochir apresenta dieta
basicamente frugívora, com consumo de folhas, flores, sementes e insetos em pequenas
quantidades e utiliza florestas maduras, florestas sujeitas a corte seletivo de madeira e
florestas secundárias, aparentemente, em função da disponibilidade de recursos em cada um
desses habitats (HEIDUCK, 1997; HEIDUCK, 2002). Utilizam os estratos médio e superior
da floresta, raramente descendo ao chão (KINZEY, 1981; MULLER, 1997) e costumam
dormir em árvores específicas, geralmente mais altas do que o dossel e com folhagem
densa (HEIDUCK, 2002). Na região de Ituberá, a espécie utiliza quase todos os habitats
florestais, com exceção de capoeiras jovens, restingas de piaçava e cultivos arbóreos de
qualquer tipo. Apesar de serem comuns e aparentemente abundantes em algumas florestas,
especialmente as da Reserva Ecológica Michelin, são raros em outras. Sua resistência a
entrar em áreas de agricultura e cruzar pequenas distâncias entre fragmentos os torna
particularmente sensíveis à fragmentação do habitat, o que indica que suas populações na
região podem estar isoladas há décadas (FLESHER, em preparação).
       Os primatas do gênero Cebus possuem tamanho médio, corpo robusto e cauda
relativamente preênsil e apresentam grande flexibilidade ecológica, habitando praticamente



                                                                                       28
todos os tipos florestais dos Neotrópicos. Todas as espécies do gênero são onívoras,
alimentando-se principalmente de frutas e, em menores quantidades, outras partes vegetais
(flores, brotos, bromélias, sementes, raízes), insetos, pequenos vertebrados e ovos
(FREESE e OPPENHEIMER, 1981). O macaco-prego-do-peito amarelo (Cebus
xanthosternos), ao contrário da maioria de seus congêneres, parece estar sob forte ameaça,
apresentando hoje uma distribuição bastante reduzida em relação a sua área de ocorrência
original (COIMBRA-FILHO et al., 1991). Há indícios de que a intensa devastação florestal
em sua área de ocorrência e a pressão de caça sobre suas populações estejam reduzindo
drasticamente seus números e aproximando a espécie da extinção (MITTERMEIER et al.,
2006; KIERULFF et al., 2004; KIERULFF et al., 2005). No passado, a espécie era
abundante e comumente avistada na região de Ituberá, mas suas populações sofreram sério
declínio e desapareceram da maior parte das florestas da área, provavelmente em função da
caça intensiva. Os indivíduos de Cebus xanthosternos são capazes de explorar inúmeros
tipos florestais e cultivos agrícolas na região, evidência de que a seu desaparecimento é
mais relacionado à caça do que à falta de recursos (FLESHER, em preparação).
       Os bugios (Alouatta) são primatas robustos, possuem cauda preênsil e utilizam
todos os estratos florestais, mas preferencialmente os estratos superiores e emergentes
(GREGORIN, 2008). Apresentando a mais ampla distribuição geográfica entre os primatas
Neotropicais (CROCKETT, 1998), ocorrem em um número variado de formações vegetais
da América do Sul e Central          (GREGORIN, 2006), incluindo florestas úmidas,
semidecíduas, montanas, florestas inundadas, cerrados e matas de galeria (CHAPMAN e
BALCOMB, 1998; CROCKETT e EISENBERG, 1987 apud ZUNINO et al., 2007). O peso
médio corporal varia entre cinco e doze quilogramas e todas as espécies apresentam
dimorfismo sexual acentuado (GREGORIN et al., 2008). Têm sido classificados como
folívoros-frugívoros (GREGORIN et al., 2008) ou como primatas de alimentação
oportunista (ZUNINO et al., 2007). Graças à sua habilidade de explorar dietas folívoras em
pequenas áreas de vida, os bugios podem tolerar considerável fragmentação florestal, mas
não a exposição crescente à caça que geralmente a acompanha (CROCKETT, 1998). Não
existem na literatura dados detalhados sobre a espécie do sul da Bahia (Alouatta guariba
guariba), mas estudos gerais sugerem uma dieta basicamente folívora e populações vivendo
em grupos de três a oito indivíduos, em áreas de vida de 4 a 8 hectares, semelhantes às



                                                                                       29
encontradas para Alouatta guariba clamitans (subespécie de ocorrência mais meridional)
(MACHADO et al., 2008).
       Os muriquis (Brachyteles) são os maiores primatas neotropicais, endêmicos da Mata
Atlântica brasileira, vivem em grupos multi-machos que podem alcançar até cinqüenta
animais e vem sofrendo com a destruição florestal e a caça intensiva desde o século 16
(MITTERMEIER et al., 2006). O muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus) é um
primata diurno e essencialmente arbóreo, podendo descer ao chão para atravessar lacunas
no dossel (DIB et al., 1997 em BRITTO e GRELLE, 2006). Locomove-se por braquiação,
no alto das árvores e alimenta-se basicamente de frutos, flores e folhas, podendo também
utilizar cascas e bambus (NISHIMURA et al., 1988 apud TALEBI e ADES, 2004). As
fêmeas dispersam de seu grupo natal pouco antes de atingirem a maturidade sexual, com
aproximadamente sete anos (STRIER, 1991 apud STRIER, 2006). Estudos recentes nos
Parques Nacionais do Rio Doce (MG) e do Caparaó (MG e ES) indicam a ocorrência de
populações que podem ser tão grandes quanto as encontradas na Reserva Ecológica de
Caratinga, e outras buscas nos últimos anos localizaram populações em doze localidades do
Espírito Santo (MITTERMEIER et al., 2006). Grupos encontrados em fragmentos da
localidade de Alto Cariri, fronteira do nordeste de Minas Gerais com a Bahia (MELO et
al., 2004), podem representar as últimas populações da espécie no estado e levaram ao
reconhecimento da área como prioritária para a criação de uma unidade de conservação
(MITTERMEIER et al., 2006).
       Enquanto informações ecológicas e biogeográficas estão disponíveis, estimativas
sobre os números populacionais dos primatas que subsistem nos fragmentos florestais do
sul da Bahia são antigas ou inexistentes (RYLANDS, 1989; PINTO, 1994a; LIMA, 1990
apud PAGLIA, 2003). Sendo assim, é imprescindível gerar dados sobre os tamanhos das
populações e, quando possível, estimativas de densidades absolutas que tragam
informações sobre o estado de conservação e a possibilidade de sobrevivência dos primatas
remanescentes nesses fragmentos florestais (GONZÁLES-SOLIS, 2001; PAGLIA, 2003;
KIERULFF et al., 2005). Um bom ponto de partida no estudo da abundância de primatas é
questionar se espécies que ocorrem em baixas densidades em uma comunidade aparecem
assim também em outras, ou seja, realizar comparações entre as abundâncias das mesmas
espécies em diferentes áreas (COWLISHAW e DUNBAR, 2000).



                                                                                      30
2.5    Amostragens de distâncias para estimativas populacionais de primatas



       Em estudos com populações de primatas, as técnicas de amostragem populacional
vêm sendo desenvolvidas por mais de 40 anos (NATIONAL RESEARCH COUNCIL,
1981; BROCKELMAN e ALI, 1987; WHITESIDES et al., 1988; CULLEN Jr. e
VALLADARES-PÁDUA, 1997), mas ainda há grande confusão e variação entre os
métodos utilizados (STRUHSAKER, 2002; PLUMPTRE, 2006; MARSHAL et al., 2008).
Embora nenhum método esteja livre de viés, as estimativas mais acuradas de densidade e
tamanho populacional geralmente provêm de contagens completas dos indivíduos na área
amostrada (BROCKELMAN e ALI, 1987; PLUMPTRE, 2006; MARSHAL, 2008) ou de
estudos sobre a área de vida de grupos focais (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 1981;
FASHING e CORDS, 2000; CHAPMAN et al., 2000). Esses métodos requerem grande
esforço amostral, impraticável em grandes áreas ou em estudos com tempo restrito
(MORAES JR., 2005; MARSHAL et al., 2008).
       Um método alternativo freqüentemente utilizado para estimar densidades de
primatas é o “método de transecções lineares” (PERES, 1997; MENDES-PONTES, 1997,
LOPES e FERRARI, 2000; FERRARI et al., 1999, 2000, 2002; CULLEN JR et al.,2001;
CHIARELLO, 2002), em que todos os primatas avistados são registrados ao longo de um
percurso de extensão conhecida (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 1981). O método
tem a vantagem de gerar resultados em curtos períodos de tempo e é conveniente para
amostragens extensas comparando populações entre diferentes áreas e tipos de habitat
(JOHNS, 1985; WHITESIDES et al.,1988). Também pode ser adotado em estudos mais
detalhados dentro de uma mesma área, incluindo monitoramento de variações temporais
nas populações, comparações de diferentes habitats dentro da área e estimativas de
populações em áreas limitadas quando outros métodos (contagens completas, marcarção-
recaptura, mapeamento de território) não são aplicáveis      (WHITESIDES et al.,1988).
Atualmente, há um consenso de que amostragens por transecções lineares representam o
método mais eficiente para estimar densidades e tamanhos populacionais de grande parte
das espécies florestais de primatas, mas ainda há divergências sobre a forma como os dados
devem ser coletados e analisados (PERES, 1999; MAGNUSSON, 2001; FERRARI, 2002;
PLUMPTRE e COX, 2006; ROVERO et al, 2006; MARSHAL et al., 2008).


                                                                                       31
Estimativas de densidade populacional por transectos lineares baseiam-se no cálculo
do número de animais na área amostrada utilizando: o número de animais ou grupos
avistados (n); a extensão do transecto (l); e uma estimativa da largura da área amostrada
(w), que corresponde à distância perpendicular do centro aos extremos de detecção dos dois
lados do transecto (WHITESIDES et al, 1988). As duas primeiras variáveis envolvem
medidas diretas ou contagens. Já os métodos para determinar a largura efetivamente
amostrada diferem consideravelmente e são, freqüentemente, subjetivos (NATIONAL
RESEARCH COUNCIL, 1981; BROCKELMAN e ALI, 1987; WITHESIDES et al.,
1988). Alguns estudos estimaram a largura da área amostrada sem referência aos dados
coletados, enquanto outros consideraram-na como a distância dentro da qual supostamente
todos os animais seriam detectados, ignorando todos os avistamentos além desse limite
(WHITESIDES et al.,1988). No entanto, a premissa de que todos os animais presentes na
área amostrada são detectados pelo observador é difícil de ser admitida para a maioria das
populações e não pode ser testada usando os dados do estudo. Considerar uma medida de
largura pequena o suficiente para garantir que todos os animais sejam detectados pode levar
ao descarte de 50% ou mais das observações, tornando-se crítico no caso de espécies raras
(THOMAS, et al., 2002), como o mico-leão-preto (Leontopithecus chrysopygus)
(PARANHOS, 2006).
       Há ainda estudos que consideram como (meia) largura efetiva a distância máxima
de avistamento, a distância média de avistamento ou uma distância entre a máxima e a
média (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 1981). De modo geral, estudos com largura
efetiva fixa são mais úteis para lidar com espécies que apresentam altas densidades e não
fogem do observador (STRUHSAKER, 2002). Revisando estudos sobre a confiabilidade do
método dos transectos em primatologia, BRUGIERE e FLEURY (2000) encontraram
resultados contraditórios: primeiramente, nenhum protocolo de análise dos dados parece ser
invariavelmente melhor do que os demais e, em segundo lugar, um protocolo pode produzir
estimativas de densidade acuradas para uma espécie enquanto sub ou superestima as
densidades de outras na mesma área de estudo.
       Independente do método de coleta adotado, o resultado básico dos transectos
lineares é a taxa de encontro, ou seja, o número de observações por unidade de distância
percorrida. As taxas de encontro são um modo eficiente de estimar a abundância de



                                                                                        32
mamíferos em diversos tipos de habitats (WALLACE,1998; WALLACE, 2000;
BOBADILLA e FERRARI, 2000), e estudos com primatas têm usado esse dado para fazer
comparações entre diferentes áreas ou ambientes (CHIARELLO, 1999; BOBADILLA e
FERRARI, 2000; LEHMAN, 2000; MOURA, 2007). São ferramentas úteis no
monitoramento de longo prazo e também podem ser usadas para comparações entre áreas,
desde que as áreas amostradas sejam semelhantes (Wallace et al, 1998). STRUHSAKER
(2002) defende que dados de animais com grande mobilidade obtidos a partir de transectos
lineares são muito mais adequados em termos de abundâncias relativas, sendo
questionáveis na geração de estimativas de densidade confiáveis.
       No entanto, apesar do método haver sido usado para comparar a abundância de
primatas entre habitats, a taxa de encontro não leva em conta a visibilidade ou
detectabilidade dos animais ou grupos (MARSHAL et al., 2008). Em habitats complexos
como as florestas tropicais, a visibilidade pode variar ao longo dos diferentes habitats e as
diferenças ecológicas e comportamentais entre espécies também podem gerar variações na
detectabilidade dos animais (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 1981; JOHNS, 1985).
Entre espécies de primatas florestais, aquelas que vivem tipicamente no dossel e em grupos
grandes e dispersos por grandes áreas são rapidamente avistadas. Já as espécies que vivem
em grupos menores e mais coesos, freqüentando silenciosamente a vegetação densa do sub-
bosque, são mais difíceis de detectar (WHITESIDES et al., 1988).
       Estudos mais recentes têm utilizado os chamados métodos de amostragem sem
largura definida, também conhecidos como amostragens de distâncias (distance sampling)
(BUCKLAND, 1993; THOMAS et al., 2002). Nesses métodos, estima-se a largura efetiva
dos transectos inspecionando a distribuição de freqüências das distâncias registradas entre o
animal e o observador (distância de observação) ou entre o animal e o transecto (distância
perpendicular) (ANDERSON et al., 1979; WHITESIDES et al., 1988; BROCKELMAN e
ALI, 1987; SUTHERLAND, 1996; CULLEN Jr. E VALLADARES-PADUA, 1997;
STRUHSAKER, 2002; CULLEN JR. e RUDRAN, 2003). Considera-se que as distâncias
perpendiculares são preferíveis para as análises porque os estimadores de densidade
baseados nelas apresentam desempenho mais robusto do que os estimadores baseados em
distâncias de observação (BUCKLAND et al., 1993; BURNHAM et al., 1980, HAYNES e
BUCKLAND, 1983, apud PERES, 1999).



                                                                                          33
As amostragens de distância desconsideram a premissa de que todos os animais
dentro da área amostrada são detectados. Pelo contrário, a pergunta das amostragens de
distância é: “Dada a detecção de n objetos, estima-se que existam quantos objetos na área
amostrada?” (BUCKLAND et al., 1993). Espera-se que a detecção do animal de interesse
fique mais difícil quanto mais distante ele estiver do transecto, resultando em menos
observações com o aumento da distância. Medindo as distâncias em que cada animal ou
grupo é observado torna-se possível calcular suas probabilidades de detecção (THOMAS et
al., 2002), que podem variar entre populações de uma mesma espécie, entre espécies e entre
habitats (JOHNS, 1985).
       Os métodos de amostragem de distâncias assumem que o número de avistamentos
obtidos além da largura efetiva equivale ao número de “avistamentos perdidos” dentro da
mesma (THOMAS et al., 2002). Diversos autores sugeriram modelos paramétricos e não
paramétricos que assumem probabilidades decrescentes de detectar animais a distâncias
crescentes do transecto linear. Os modelos tentam representar essa relação através de
funções de detecção, que substituem as estimativas de larguras fixas nos cálculos de
densidades populacionais. Como inserem correções para os animais “perdidos”, esses
métodos permitem a utilização de todos os avistamentos (WHITESIDES et al., 1988).
Assim, encontrando-se a função de detecção que melhor represente a freqüência de
distâncias observadas, estima-se a largura do transecto e a proporção de animais não
detectados durante o censo, possibilitando o cálculo da densidade (THOMAS et al., 2002).
       Embora diversos estudos tenham sido conduzidos no Brasil utilizando métodos de
amostragem de distâncias para estimar parâmetros populacionais de primatas, como
abundância e densidade (PERES, 1993; CULLEN JR e VALLADARES-PÁDUA, 1994;
MENDES-PONTES, 1997; PERES, 1997; PERES, 1999; CULLEN JR. et al., 2000;
PRICE et al, 2001, CHIARELLO e MELLO, 2001; GONZALES-SÓLIS et al., 2001;
KIERULFF e RYLANDS, 2003; HENRIQUES e CAVALCANTI, 2004; SÃO-
BERNARDO e GALLETI, 2004; MARTINS, 2005; MORAES JR., 2005; MOURA, 2007;
MENDES-PONTES et al, 2007). Existem poucas estimativas populacionais dos primatas
que subsistem nos remanescentes florestais da Mata Atlântica do sul da Bahia (RYLANDS,
1989; PINTO, 1994a; PAGLIA 2003), tornando essencial a busca de estimativas
quantitativas e cientificamente confiáveis que tragam informações sobre o estado e a



                                                                                       34
possibilidade de sobrevivência dessas populações (KIERULFF et al, 2005). Apesar de
apresentar alguns dos maiores fragmentos florestais do sul da Bahia, a região conhecida
como Serra das Lontras e Javi ainda não foi investigada no que diz respeito ao estado de
conservação das populações de primatas. O presente estudo objetiva, primeiramente, gerar
estimativas de abundância relativa e densidade das espécies de primatas habitantes dos
fragmentos florestais das Serras das Lontras e Javi.
       Com o intuito de compreender melhor a situação de conservação das espécies de
primatas no sul da Bahia, as estimativas populacionais encontradas para as Serras das
Lontras e Javi são posteriormente comparadas a estimativas de abundância e densidade de
primatas obtidas utilizando a mesma metodologia do presente estudo em três grandes
fragmentos florestais do sul da Bahia: a Reserva Biológica de Una (REBIO Una), o Parque
Estadual da Serra do Conduru e entorno (PESC) e a Reserva Ecológica Michelin. Os dados
das três áreas eram inéditos e foram obtidos pelo Instituto de Estudos Socioambientais do
Sul da Bahia (IESB) através do projeto “Avaliação das populações do macaco-prego-do-
peito-amarelo (Cebus xanthosternos) e proposta de estratégia para manejo e conservação da
espécie” (KIERULFF et al., 2005).




                                                                                      35
3.        OBJETIVOS



3.1       Objetivo Geral

          Estimar tamanhos populacionais das espécies que compõem a comunidade de
primatas remanescente nos fragmentos florestais das Serras das Lontras e Javi e comparar
os resultados a um estudo anterior realizado em outros três grandes blocos florestais,
visando gerar estimativas populacionais médias para as espécies de primatas na região sul
da Bahia.


3.2 Objetivos específicos

      -   Gerar estimativas de densidade e abundância relativa para as espécies de primatas
          habitantes dos fragmentos florestais das Serras das Lontras e Javi;


      -   Comparar os resultados obtidos às estimativas geradas pela aplicação da mesma
          metodologia em três grandes fragmentos florestais do sul da Bahia: Reserva
          Biológica de Una (REBIO Una), Parque Estadual da Serra do Conduru e entorno
          (PESC) e Reserva Ecológica Michelin;


      -   Realizar uma análise conjunta dos dados das quatro áreas para gerar estimativas
          médias de abundância e densidade dos primatas no sul da Bahia.


      -   Avaliar o papel das Serras das Lontras e Javi na conservação das populações de
          primatas do sul da Bahia.




                                                                                        36
4.     MÉTODOS

4.1    Áreas de estudo e Coleta de dados

4.1.1 Serras das Lontras e Javi

       Os fragmentos florestais investigados pertencem ao complexo das Serras das
Lontras e do Javi, dispostos paralelamente a leste da BR-101, abrangendo os limites dos
municípios de São José da Vitória, Arataca e Una, entre as coordenadas15º04' - 15º15' S e
39º15' - 39º25' W (ARAÚJO e SANTOS, 2005). As Serras das Lontras e Javi localizam-se
a aproximadamente 35 km da costa atlântica (Figura 2), apresentam um gradiente
altitudinal com elevações que variam do nível do mar a mais de 1000 m (SILVEIRA et al.,
2005) e ocupam uma área de cerca de 16.500 hectares (MMA e IBAMA, 2006).
       Com base na classificação de Ab’Saber, a região encontra-se no Domínio da Mata
Atlântica e a vegetação predominante é a Floresta Ombrófila (SILVEIRA et al., 2005). Na
verdade, varia progressivamente de acordo com a altitude, indo desde Floresta Ombrófila,
com estrato arbóreo chegando a 40 metros de altura, até as denominadas Florestas
Montanas (Figura 3), encontradas em elevações a partir de 500 m (THOMAS, 2003). Essa
formação apresenta árvores baixas e retorcidas com troncos recobertos por briófitas, líquens
e pequenas bromélias e o sub-bosque denso, dominado por palmeiras e bambus
(SILVEIRA et al., 2005). A grande pluviosidade e a raridade de períodos secos nas
Florestas Montanas da Bahia resulta em uma grande exuberância de epífitas, com alta
diversidade de Orchidaceae e presença de espécies com requerimentos de alta pluviosidade
e umidade, como samambaias arbóreas (THOMAS, 2003). O forte epifitismo, inclusive
com muitos musgos (Bryophytae) é também um fator marcante na área e indicador da
elevada umidade (JARDIM, 2003).




                                                                                         37
Figura 2. Localização geográfica das Serras das Lontras e Javi (LONTRAS), em relação à posição de três unidades de
conservação do sul da Bahia: Reserva Biológica de Una (REBIO), Parque Estadual do Conduru (PESC) e Reserva
Ecológica Michelin (MICHELIN). Escala 1:250.000 PROBIO.


                                                                                                           38
Figura 3. Floresta Montana na Serra do Javi. Trilha Catarina, agosto de 2007. Fotos: Leticia Bastos.



        A intervenção humana na área compreende, principalmente, a exploração
madeireira e cultivos de cacau em sistema de cabrucas. O desenvolvimento da
cacauicultura na região das Serras está associada aos solos dominantes Podzólicos
Vermelhos Amarelos Distróficos e é o principal fator responsável pela alteração da
cobertura primitiva (JARDIM, 2003). No entanto, a crise da economia cacaueira levou ao
abandono de inúmeras propriedades nas serras (SILVEIRA et al., 2005), restando poucos
trabalhadores responsáveis pelos tratos básicos dos cacauais ou praticando agricultura de
subsistência. A ocupação dos topos de morros por posseiros, associada à baixa qualidade de
vida dessas famílias, contribui para a continuidade da caça e da exploração ilegal de
madeira nas serras (ARAÚJO e SANTOS, 2001). Como resultado, a região foi
intensamente degradada e hoje consiste em um mosaico de fragmentos florestais bem
preservados (ANEXO III) imersos em uma matriz de cabrucas, vegetação em diferentes
graus de regeneração, outros cultivos agrícolas e pastagens, restando poucos fragmentos
florestais abaixo dos 500 m de altitude (SILVEIRA et al., 2005).
        Esse complexo de montanhas foi pouco explorado do ponto de vista científico
(PACHECO et al., 1996; JARDIM, 2003; SILVANO e PIMENTA, 2003; SILVEIRA et al.,
2005) e apenas recentemente começou a receber maior atenção em termos de conservação:
juntamente com a Reserva Biológica de Una, as Serras das Lontras e                    Javi   foram
consideradas “de extrema importância ecológica” no workshop “Áreas Prioritárias para a


                                                                                                 39
Conservação da Biodiversidade da Mata Atlântica e Campos Sulinos” (MMA, 2000;
TIMMERS et al., 2002). A descrição de um novo gênero de ave que habita os densos sub-
bosques de cabrucas da Serra das Lontras, o gravateiro-acrobata (Acrobatornis fonsecai),
há mais de dez anos, anunciou o potencial da região para o abrigo de espécies endêmicas e
ameaçadas (PACHECO et al., 1996). A importância biogeográfica das serras do ponto de
vista da avifauna se estende a outros grupos animais e vegetais (SILVEIRA et al., 2005).
Um inventário de anfíbios na Serra das Lontras, em 2000, registrou uma nova espécie de
Hyla e encontrou a espécie Rhamphophryne proboscidea, cujo último registro datava de
1936, na região de Salvador (SILVANO e PIMENTA, 2003). Originalmente, a comunidade
de primatas das serras também representava uma das mais ricas da Mata Atlântica,
composta por Callithrix kuhlii, Leontopithecus chrysomelas, Callicebus melanochir, Cebus
xanthosternos, Alouatta guariba e Brachyteles hypoxantus, mas as duas últimas espécies
provavelmente encontram-se extintas da região (RYLANDS et al., 1996).
       A criação de unidades de conservação que possam proteger adequadamente essa
importante e razoavelmente bem preservada área de Floresta Atlântica é recomendada
(PACHECO et al., 1996; SILVEIRA et al., 2005). Esses fatores, somados à existência de
diversos cursos de água que se originam nas serras (rio Una, ribeirões Javi, Pratinha e Santo
Antônio) e representam importante fonte de recursos hídricos para as localidades
circunvizinhas, justificam a criação de uma unidade de conservação na área (TIMMERS et
al., 2002; MMA, 2006). Diante disso, o Ministério do Meio Ambiente propôs a criação de
um Parque Nacional de 16.520 hectares abrangendo as Serras das Lontras, Javi e Quatis
(Figura 4). O objetivo dessa unidade de conservação será proteger os grandes fragmentos
florestais acima de 400 metros de altitude e estimular o ecoturismo em municípios que
sofreram os impactos da crise da lavoura cacaueira (MMA e IBAMA, 2006).




                                                                                          40
Figura 4. Proposta de criação do Parque Nacional Serra das Lontras, MMA (Fonte:
   www.mma.gov.br).



4.1.2 Transecções Lineares


       O presente estudo utiliza a metodologia dos transectos lineares, seguindo as
premissas para aplicação do programa “DISTANCE” (BUCKLAND et al., 1993;
THOMAS et al., 2002), para gerar estimativas populacionais das espécies de primatas
habitantes dos fragmentos florestais das Serras das Lontras e Javi. O cenário ideal para as
amostragens por transectos lineares considera que N objetos estão distribuídos, em função
de processos estocásticos, por uma área de tamanho A, permitindo que a densidade de
objetos seja calculada pela relação D = N/A; e os transectos, posicionados de acordo com


                                                                                        41
um desenho amostral aleatório, são percorridos gerando uma amostra de n objetos
detectados (THOMAS et al., 2002).
       Distâncias perpendiculares x são medidas a partir do transecto até os animais ou
grupos de interesse (Figura 5). Suponhamos que k transectos, de extensões l1, ..., lk (com Σ
lj = L), estejam posicionados de acordo com um desenho aleatório, e que n animais ou
grupos sejam detectados a distâncias perpendiculares x1,...,xn. Suponhamos, também, que os
animais localizados além de uma distância w do transecto (distância de truncamento) não
sejam avistados. Sendo assim, a área amostrada pode ser calculada como a = 2wL, na qual
n animais são detectados (BUCKLAND et al., 1993; THOMAS et al., 2002)
       Ao considerar que Pa seja a probabilidade de um animal escolhido aleatoriamente
na área amostrada ser detectado         –   observando que Pa = n/N, ou seja, N = n/Pa
(BROCKELMAN e ALI, 1987) – e supondo que uma estimativa de Pa esteja disponível,
então a densidade de animais D pode ser estimada por (THOMAS et al., 2002):


                                      D =       n .
                                              2LwPa




   Figura 5. Metodologia dos transectos lineares, com uma única linha, posicionada
   aleatoriamente, de extensão L. Seis objetos (n = 6) são detectados a distâncias x1, x2,..., x6.
   Os objetos são denotados por uma linha mostrando a distância perpendicular medida. Em
   aplicações práticas, muitos transectos devem ser usados para amostrar populações. (Fonte:
   BUCKLAND et al., 1993, Capítulo 1).




                                                                                                 42
Agora, para a estimativa de Pa, é definida a Função de Detecção g(x) como sendo a
probabilidade de um animal a uma distância x do transecto ser detectado, 0 ≤ x ≤ w, e
assumimos que g(0) = 1, ou seja, todos os animais sobre a trilha são detectados. Ao plotar
as distâncias perpendiculares registradas em um histograma, então o problema se resume a
encontrar o melhor modelo ou função para g(x) e ajustá-lo aos dados de distâncias
perpendiculares. Como mostra a Figura 6, se definirmos µ como a integral de g(x), então Pa
= µ / w. O parâmetro µ também é chamado de (meia) largura efetiva do transecto: o número
de avistamentos além dessa distância equivale ao número de avistamentos perdidos
(animais ou grupos não detectados) dentro dela. Então:



                           D =     n  =    n       =  n .
                                  aPa   2 wL µ / w   2 µL




   Figura 6. A área µ abaixo da função de detecção g(x), quando expressa como uma proporção
   da área w do retângulo, corresponde à probabilidade de detectar um objeto na área amostrada
   (Pa). O parâmetro µ também representa a largura efetiva da faixa amostrada e assume valores
   de 0 a w. (Fonte: THOMAS et al., 2002).




                                                                                             43
É necessário obter a estimativa µ do parâmetro µ. A questão pode se tornar mais
familiar observando-se que a Função Probabilidade de Detecção das distâncias
perpendiculares, f(x), é simplesmente a função g(x) integrada em uma escala de 0 a 1. Isto
é, f(x) = g(x) / µ. Como assumimos que g(0) = 1, segue-se que f(0) = 1 / µ (Figura 7)
Então:


                                     D =      n   = N f(0)
                                             2 µL    2L



         O problema fica reduzido a modelar f(x) e avaliar seu ajuste em x = 0. O programa
Distance utiliza uma série de métodos para ajustar a melhor função à distribuição dos dados
(THOMAS et al., 2002).




Figura 7. A Função Probabilidade de Detecção, f(x), plotada em histograma de freqüências de
distâncias perpendiculares (numa escala em que a área total das barras do histrograma é 1). A área
sob a curva também é a unidade por definição. Como as duas áreas listradas são idênticas, a área do
retângulo µf(0) também é a unidade. Assim, µ = 1 / f(0). (Fonte: THOMAS et al., 2002).




                                                                                                44
Primatas das Serras das Lontras e Javi
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Primatas das Serras das Lontras e Javi
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  • 1. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ - UESC Programa de Pós-Graduação em Zoologia LETICIA DE LIMA BASTOS MOREIRA PRIMATAS DAS SERRAS DAS LONTRAS E JAVI: ESTADO DAS POPULAÇÕES E SEU PAPEL NA CONSERVAÇÃO REGIONAL DA COMUNIDADE DE PRIMATAS NO SUL DA BAHIA ILHÉUS - BA 2009 1
  • 2. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ - UESC Programa de Pós-Graduação em Zoologia LETICIA DE LIMA BASTOS MOREIRA PRIMATAS DAS SERRAS DAS LONTRAS E JAVI: ESTADO DAS POPULAÇÕES E SEU PAPEL NA CONSERVAÇÃO REGIONAL DA COMUNIDADE DE PRIMATAS NO SUL DA BAHIA Dissertação apresentada para a obtenção do título de Mestre em Zoologia, à Universidade Estadual de Santa Cruz. Área de Concentração: Zoologia Aplicada Orientador: Drª. Maria Cecília Kierulff Co-Orientador: Prof. Martín R. Alvarez ILHÉUS – BA 2009 2
  • 3. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ - UESC Programa de Pós-Graduação em Zoologia LETICIA DE LIMA BASTOS MOREIRA PRIMATAS DAS SERRAS DAS LONTRAS E JAVI: ESTADO DAS POPULAÇÕES E SEU PAPEL NA CONSERVAÇÃO REGIONAL DA COMUNIDADE DE PRIMATAS NO SUL DA BAHIA Ilhéus, Bahia – 31 de março de 2009 3
  • 4. “I celebrate myself, and sing myself, And what I assume you shall assume, For every atom belonging to me as good belongs to you.” Walt Whitman (1819-1892) Em memória de Lourdes Bastos Moreira (vó Lourdes), Pedro Davison e Levi Fiuza, desmaterializados enquanto este trabalho se materializava. “As pessoas não morrem, elas ficam encantadas.” João Guimarães Rosa 4
  • 5. AGRADECIMENTOS Dedico este trabalho a todos os que acreditam em transformar o mundo, para melhor. E a todas as florestas, com seus macacos e joaninhas. Agradeço primeiro e, acima de tudo, à minha família de luz, há muito conectada a minha existência. Meu pai, Márcio, por seu meu exemplo, orientador de vida, meu porto seguro. Minha mãe, Elizabeth, por ser minha maior amiga, meu berço de luz, minha flor de ipê amarelo, minha alma-mãe. Meu irmão, Marcelo, cabecinha de lua, meu protetor, meu amigo, parceiro de signo, de tapas e beijos. Meus avós, que a tudo antecedem. A vocês devo meu caráter, minha determinação, minha vontade de seguir caminhando sob o sol e a lua. Obrigada por acreditarem em mim, sempre. Agradeço à minha família Davison, por ser parte inseparável de mim. Agradeço por toda a força que vocês são, pelo exemplo de família e de respeito, pela coragem de enfrentar o incompreensível e, diante dele, se reinventarem. Vocês são parte integrante deste trabalho. E, especialmente, agradeço ao Pedro, por cumprir sua promessa de estar comigo para sempre, todos os dias. Agradeço ao Rafael pelos momentos de alegria, inspiração e expiração nos últimos e mais difíceis passos dessa dissertação. Agradeço a minha família de Olivença, prova de que “não precisa ter conta sanguínea, é preciso apenas um pouco mais de sintonia”. Mari, Ursinha e Lari, por serem minhas irmãs da alma e da matéria, pelos cuidados, pelos abraços apertados (não importa a distância), por compartilharem comigo o amor à natureza e as aventuras do “com-viver”. Sou muito grata a vocês, parceiras de vida, companheiras inseparáveis, rosas únicas em milhões em milhões de estrelas. Grata pelas gargalhadas, viagens, músicas, descobertas, praias, ondas, cervejas geladas (e quentes), pelas roupas lavadas à mão, pela geladeira cheia, pelas mãos dadas, pelas lágrimas compartilhadas, pelos sonhos construídos completamente em conjunto. Aos demais amigos de Oli, membros honorários da Família Sintonia, Paulinha, Bebeti e Harildon, Katrin e Daniel, Dora e João, Marini, Magrão, Vinícius, Sacaninha, Maria e os agregados Lucas da Paz, Sabonete, Viví e Luiz, pela parceria e diversão garantida ao longo desses dois anos. Agradeço às amigas e irmãs que tiveram coragem suficiente para vir me visitar e mais coragem ainda para ir embora! Queridas Rafinha, Carol e Dani, obrigada pelo carinho, pela conexão e por toda a força que vocês me trazem. “Não existe distância que nos separe”. Agradeço aos amigos e colegas do IESB que me acolheram, me respeitaram, me ensinaram e caminharam junto comigo: Lílian, Camila, Priscila, Adriana, Leo Neves, Leo Oliveira, Carlos, Rebecca, Shirú (André), Gustavo, Michaelle, Nayara, Ana Cláudia, Ana 5
  • 6. Roberta, D’ajuda... e aos coligados Cassiano Gatto e Fábio Falcão. Obrigada a cada um de vocês que tornaram tudo muito mais fácil, mesmo sem perceber. Agradeço ao meu querido Gabriel Santos, que me estendeu a mão no momento mais crítico e me abriu caminhos na Bahia. A você eu agradeço pela confiança em meu trabalho, pelos puxões de orelha, pelos conselhos e pelo enorme presente chamado Serra das Lontras e Javi. Agradeço também ao assistente de campo Rubens, sem o qual este trabalho teria sido inviável. Agradeço ao pessoal do SIG, Alessandro e Dayse, pela enorme ajuda com os mapas. Agradeço a todos os amigos e amigas da UESC, em especial a Juliana Laufer, Carolzinha, Carlinha,Tati e Ju (Goiás), que compartilharam comigo as angústias e delícias do mestrado em Zoologia... agradeço aos professores, que contribuíram para o passo-a-passo nessa loooonga jornada; e pela ajuda com a parte de SIG, devo dizer, valeu Gil!!! Agradeço aos meus orientadores, Cecília Kierulff e Martín Alvarez, por todo o auxílio, pelos conhecimentos transmitidos, pelas inúmeras correções, pela parceria e pelo respeito. Agradeço ao Dr. Kevin Flesher, que se tornou grande amigo, pela orientação científica e pessoal, pela prontidão, pelas idéias, pelas correções ao logo de todo o processo, pelos questionamentos, por me abrir as portas da Michelin. Agradeço ao Dr. Alexandre Schiavetti pelas excelentes críticas durante o exame de Qualificação. Agradeço a Dra Romari Martinez pelas contribuições desde a revisão do primeiro relatório até o formato final do trabalho. Também por sua participação na banca de Defesa. Agradeço ao Dr. Laury Cullen, pela abertura e disposição em participar da banca de Defesa, engrandecendo o trabalho. Agradeço às famílias de Lontras que me receberam em suas casas como a uma filha, sem as quais tudo seria muito mais difícil: Família Unida – em especial Seu Macário, Zé Roberto, Junior e Léo; Dona Airã e Seu Atanásio; e Família de seu Zezito, Dona Conceição e crianças. A essas pessoas agradeço pelas lições de humildade e de coragem diante da vida. Agradeço à PETROBRAS e à CAPES, instituições que viabilizaram o trabalho financeiramente. Agradeço aos meus eternos mestres: Cláudio Pádua, pelo carinho, pela confiança, pelos ensinamentos e pelas chaves de ouro que sempre me abrem as melhores portas; e Henyo Barreto, pela conexão sincera e direcionamentos, desde a graduação até o presente. Finalmente, agradeço a mim, pela coragem de começar de novo e seguir em frente, sempre. 6
  • 7. SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS.........................................................................................................................9 LISTA DE TABELAS......................................................................................................................11 RESUMO...........................................................................................................................................12 ABSTRACT......................................................................................................................................13 1 - INTRODUÇÃO GERAL............................................................................................................14 2 - REVISÃO DE LITERATURA..................................................................................................16 2.1 A Mata Atlântica ...................................................................................................................16 2.2 A Mata Atlântica do sul da Bahia .......................................................................................18 2.3 Primatas da Mata Atlântica..................................................................................................19 2.4 Primatas do sul da Bahia.......................................................................................................21 2.4.1 Caracterização dos primatas entre os rios Jequiriçá e Jequitinhonha....................25 2.5 Amostragens de distâncias para estimativas populacionais de primatas.........................31 3 - OBJETIVOS................................................................................................................................36 3.1 Objetivo Geral..................................................................................................................... 36 3.2 Objetivos específicos.......... ................................................................................................ 36 4- MÉTODOS ................................................................................................................................ 37 4.1 Áreas de estudo e Coleta de dados...................................................................................... 37 4.1.1 Serras das Lontras e Javi...................................... .................................................... 37 4.1.2 Transecções Lineares.................................................................................................. 41 4.1.3 Reserva Biológica de Una (REBIO Una), Parque Estadual da Serra do Conduru e entorno (PESC) e Reserva Ecológica Michelin........................................................................ 51 4.2 Análise dos dados ................................................................................................................. 57 4.2.1 Programa Distance 5.0 ............................................................................................... 57 4.2.2 Análise combinada de diferentes censos.................................................................... 58 4.2.3 Métodos alternativos .................................................................................................. 59 4.2.3.1 Distâncias Média, Máxima e de Queda...............................................................59 4.2.3.2 Abundância Relativa.............................................................................................60 4.2.4. Análise comparativa das estimativas de densidade...................................................60 5 – RESULTADOS E ANÁLISES..................................................................................................61 5.1 Serras das Lontras e Javi .....................................................................................................61 5.1.1 Esforço amostral..........................................................................................................61 7
  • 8. 5.1.2 Tipos de habitats amostrados nos transectos............................................................61 5.1.3 Avistamentos de primatas...........................................................................................64 5.2 REBIO Una, PESC e Reserva Ecológica Michelin............................................................66 5.2.1 Esforço amostral..........................................................................................................66 5.2.2 Avistamentos de primatas..........................................................................................66 5.3 Resultados e análises comparadas entre as Serras das Lontras e Javi, REBIO Una, PESC e Reserva Ecológica Michelin....................................................................................70 5.3.1 Estimativas de Abundância Relativa.........................................................................70 5.3.2 Estimativas de Densidade...........................................................................................72 5.3.2.a Programa Distance 5.0......................................................................................77 5.3.2.b Comparação entre os métodos para estimar densidades...............................82 6- DISCUSSÃO.................................................................................................................................84 6.1 Avistamentos de primatas nas Serras das Lontras e Javi..................................................84 6.2 Abundâncias Relativas...........................................................................................................86 6.3 Estimativas de densidade.......................................................................................................89 6.3.1 Comparação entre métodos.......................................................................... ..............89 6.3.2 Comparação de densidades entre áreas e com outros estudos no sul da Bahia.....91 6.3.3 Comparação das densidades para o sul da Bahia com outras áreas de Mata Atlântica............................................................................................................................................99 6.4 Considerações para a conservação das Serras das Lontras e Javi.................................102 7 - CONCLUSÕES ........................................................................................................................106 8 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................107 ANEXO I - Riqueza de Espécies – Serras das Lontras e Javi................................................... 122 ANEXO II - Comparação entre abundâncias relativas e densidades estimadas pelo Programa Distance 5.0......................................................................................................................................124 ANEXO III - Fragmentos Florestais das Serras das Lontras e Javi ........................................126 8
  • 9. LISTA DE FIGURAS Figura 1. Representação da região geográfica entre os Rios Jequiriçá e Jequitinhonha.............26 Figura 2. Localização geográfica das Serras das Lontras e Javi (LONTRAS), em relação à posição de três unidades de conservação do sul da Bahia: Reserva Biológica de Una (REBIO), Parque Estadual do Conduru (PESC) e Reserva Ecológica Michelin (MICHELIN). Escala 1:250.000 PROBIO.....................................................................................................................38 Figura 3. Floresta Montana na Serra do Javi. Agosto de 2007. Fotos: Leticia Bastos................39 Figura 4. Proposta de criação do Parque Nacional Serra das Lontras, MMA (Fonte: www.mma.gov.br).......................................................................................................................41 Figura 5. Metodologia dos transectos lineares, com uma única linha, posicionada aleatoriamente, de extensão L. Seis objetos (n = 6) são detectados a distâncias x1, x2,..., x6. Os objetos são denotados por uma linha mostrando a distância perpendicular medida. Em aplicações práticas, muitos transectos devem ser usados para amostrar populações. (Fonte: BUCKLAND et al., 1993, Capítulo 1)........................................................................................42 Figura 6. A área µ abaixo da função de detecção g(x), quando expressa como uma proporção da área w do retângulo, corresponde à probabilidade de detectar um objeto na área amostrada (Pa). O parâmetro µ também representa a largura efetiva da faixa amostrada e assume valores de 0 a w. (Fonte: THOMAS et al., 2002)...............................................................................................43 Figura 7. A Função Probabilidade de Detecção, f(x), plotada em histograma de freqüências de distâncias perpendiculares (numa escala em que a área total das barras do histrograma é 1). A área sob a curva também é a unidade por definição. Como as duas áreas listradas são idênticas, a área do retângulo µf(0) também é a unidade. Assim, µ = 1 / f(0). (Fonte: THOMAS et al., 2002)...........................................................................................................................................44 Figura 8. Mapa de localização dos transectos nas Serras das Lontras e Javi, mostrando a classificação da vegetação (escala de 1:250.000 - PROBIO) e os limites do Parque Nacional proposto pelo MMA. O transecto a oeste foi chamado de Bem-te-vi. Os transectos centrais são Lontras 1 (acima) e 2. Os transectos a leste são Catarina (abaixo) e Zé Oduque (acima).........................................................................................................................................46 Figura 9. Marcação dos transectos lineares (esquerda) e cordas de segurança (direita) colocadas para garantir a qualidade da coleta de dados (Fotos: Letícia Bastos).........................................48 Figura 10. Visibilidade reduzida em momentos de chuvas intensas na região das Serras das Lontras e Javi (Fotos: Letícia Bastos).........................................................................................50 Figura 11. Localização das três áreas amostradas em estudo prévio realizado pelo IESB. (1) Reserva Biológica de Una; (2) PESC; (3) Reserva Ecológica Michelin.....................................51 Figura 12. Mapa de localização dos transectos percorridos em estudo anterior na REBIO Una, mostrando a classificação da vegetação (escala 1: 250.000 – PROBIO)....................................53 9
  • 10. Figura 13. Mapa de localização dos transectos percorridos em estudo anterior no PESC mostrando a classificação da vegetação (escala 1: 250.000 – PROBIO)....................................54 Figura 14. Mapa de localização dos transectos percorridos em estudo anterior na Reserva Ecológica Michelin mostrando a classificação da vegetação (escala 1: 250.000 – PROBIO). Provável presença de nuvens prejudica a classificação da vegetação na área............................55 Figura 15. Mapa de localização dos transectos percorridos em estudo anterior na Reserva Ecológica Michelin mostrando a classificação da vegetação (Landsat, 1996). Nota-se que os transectos estão sobre os fragmentos melhor conservados da propriedade, que provavelmente não foram alterados nos últimos anos.........................................................................................56 Figura 16. Histogramas de freqüência das distâncias perpendiculares de avistamento de Cebus xanthosternos (n = 16) e Callithrix kuhlii (n = 15) nas Serras das Lontras e Javi......................66 Figura 17. Histogramas de freqüência das distâncias perpendiculares (m) de avistamento de Cebus xanthosternos na REBIO Una (n=15), Michelin (n=21) e PESC (n=8)..........................68 Figura 18. Histogramas de freqüência das distâncias perpendiculares (m) de avistamento de Callicebus melanochir na Reserva Ecológica Michelin (n=16)..................................................68 Figura 19. Histogramas de freqüência das distâncias perpendiculares (m) de avistamento de Callithrix kuhlii (REBIO Una, n=5; PESC, n=13) e Callithrix sp. (Michelin, n=16)..............69 Figura 20. Histograma de freqüência das distâncias perpendiculares (m) de avistamento de Leontopithecus chrysomelas na REBIO Una (n=14)..................................................................69 Figura 21. Histogramas de freqüência de distâncias perpendiculares combinadas entre as quatro áreas de estudo para Cebus xanthosternos (n=60) e Callithrix spp (n=49)................................74 Figura 22. Histogramas de freqüência de distâncias perpendiculares combinadas entre diferentes áreas de estudo para Callicebus melanochir (n=22) e Leontopithecus chrysomelas (n=17)..........................................................................................................................................74 Figura 23. Função de detecção de Cebus xanthosternos gerada no programa Distance 5.0, modelo Uniform. Avistamentos combinados das Serras das Lontras e Javi, REBIO Una, PESC e Reserva Ecológica Michelin.....................................................................................................80 Figura 24. Função de detecção de Callithrix sp gerada no programa Distance 5.0, modelo Negative-Exponential. Avistamentos combinados das Serras das Lontras e Javi, REBIO Una, PESC e Reserva Ecológica Michelin...........................................................................................80 Figura 25. Função de detecção de Callicebus melanochir gerada no programa Distance 5.0, modelo Uniform. Avistamentos combinados das Serras das Lontras e Javi, REBIO Una e Reserva Ecológica Michelin........................................................................................................81 Figura 26. Função de detecção de Leontopithecus chrysomelas gerada no programa Distance 5.0, modelo Half-normal. Avistamentos combinados das Serras das Lontras e Javi e REBIO Una...............................................................................................................................................81 10
  • 11. LISTA DE TABELAS Tabela 1. Esforço amostral por transecto nas Serras das Lontras e Javi.....................................61 Tabela 2. Avistamentos de primatas nas Serras das Lontras e Javi, número de grupos avistados (n) e tipos florestais ocupados.....................................................................................................63 Tabela 3. Avistamentos de primatas nas Serras das Lontras e Javi, número de grupos avistados (n) e tipos florestais ocupados.....................................................................................................64 Tabela 4. Riqueza de espécies de primatas e número de grupos avistados na REBIO Una, PESC e Reserva Ecológica Michelin.....................................................................................................67 Tabela 5. Esforço amostral (km), número de avistamentos (n) e abundância relativa (n/10 km) das espécies de primatas encontradas em censos nas Serras das Lontras e Javi, na REBIO Una, no PESC e na Reserva Ecológica Michelin................................................................................71 Tabela 6. Esforço amostral (km), número total de registros (n) e abundância relativa (n/10 km) das espécies de primatas encontradas em censos nas Serras das Lontras e Javi, na REBIO Una, no PESC e na Reserva Ecológica Michelin.................................................................................72 Tabela 7. Distâncias Perpendiculares (DP) Média, Máxima e Distância de Queda (DQ), em metros, e respectivas estimativas de densidade (grupos/km²) dos primatas considerando as áreas de estudo separadamente e combinadas (Total)..........................................................................75 Tabela 8. Teste de modelos das funções de detecção e respectivas estimativas da largura amostrada (ESW), Delta AIC, AIC, p-valores para o teste de Goodness-of-fit de Qui-quadrado (Chi-p), Densidade de grupos/km² (DS), limite de confiança inferior da densidade (DS LCL), limite de confiança superior da densidade (DS UCL) e coeficiente de variação da estimativa de densidade (DV) para Cebus xantosternos, Callithrix sp., Callicebus melanochir e Leontopithecus chrysomelas. ......................................................................................................78 Tabela 9. Comparação entre estimativas de densidade (DS) geradas para Cebus xanthosternos, Callithrix sp., Callicebus melanochir e Leontopithecus chrysomelas, pelos métodos da distância média, distância máxima, distância de queda (DQ) e pelo programa Distance 5.0................................................................................................................................................83 Tabela 10. Resumo das abundâncias relativas de Cebus xanthosternos, Callicebus melanochir e Callithrix sp. encontradas por FLESHER (2006) na Reserva Ecológica Michelin (REM) e outros fragmentos florestais da região de Ituberá (BA) através de censos diurnos.........................................................................................................................................88 Tabela 11. Comparação entre estimativas de densidade reportadas na literatura e geradas no presente estudo pelo Programa Distance 5.0 para Cebus xanthosternos, Callithrix kuhlii, Callicebus melanochir e Leontopithecus chrysomelas no sul da Bahia.....................................92 Tabela 12. Comparação das densidades encontradas para os primatas do sul da Bahia com outros estudos na Mata Atlântica...............................................................................................101 11
  • 12. PRIMATAS DAS SERRAS DAS LONTRAS E JAVI: ESTADO DAS POPULAÇÕES E SEU PAPEL NA CONSERVAÇÃO REGIONAL DA COMUNIDADE DE PRIMATAS NO SUL DA BAHIA RESUMO O sul da Bahia é uma das poucas áreas em que, originalmente, os seis gêneros de primatas da Mata Atlântica ocorriam em simpatria. Nas últimas décadas, o estado de conservação das espécies de primatas na região tem sido investigado principalmente através de levantamentos de suas localidades de ocorrência e de estudos de comportamento restritos geograficamente. Enquanto informações ecológicas e biogeográficas estão disponíveis, estimativas sobre os números populacionais desses primatas são escassas. Conhecer a abundância das diversas populações é imprescindível para compreender o estado de conservação local e regional das diferentes espécies e vislumbrar suas possibilidades de sobrevivência nos remanescentes florestais. A região conhecida como Serra das Lontras e Javi compreende alguns dos fragmentos florestais em melhor estado de conservação do sul da Bahia e, mesmo sendo considerada uma área de elevada prioridade para a conservação, não havia sido investigada quanto às populações de primatas residentes. O presente estudo utilizou a metodologia de transecções lineares, seguindo o protocolo para utilização do programa Distance (BUCKLAND et al., 1993), para estimar as abundâncias dos primatas das Serras das Lontras e Javi. Um total de 223,3 km foram percorridos, totalizando 37 grupos de primatas avistados, de quatro espécies: Cebus xanthosternos, Callithrix kuhlii, Callicebus melanochir e Leontopithecus chrysomelas. Com o intuito de compreender melhor a situação dos primatas no sul da Bahia, os resultados das Serras foram comparados às estimativas obtidas através da mesma metodologia em outros três grandes blocos florestais: a Reserva Biológica de Una, o Parque Estadual do Conduru e entorno e a Reserva Ecológica Michelin. A abundância dos primatas, representada pelas densidades estimadas em grupos/km², apresentou variações entre espécies e entre áreas de estudo. As espécies de Callithrix parecem ser as mais abundantes do sul da Bahia e apresentaram densidades mais semelhantes entre as quatro áreas. As espécies ameaçadas Leontopithecus chrysomelas e Cebus xanthosternos tiveram densidades médias semelhantes para o sul da Bahia, mas suas densidades variaram consideravelmente entre as áreas de estudo. Callicebus melanochir foi a espécie encontrada com menor densidade média, principalmente em função das baixas densidades estimadas para as Serras das Lontras e Javi e a REBIO Una. A maior densidade de Callithrix kuhlii e a segunda maior densidade de Cebus xanthosternos foram registradas para as Serras das Lontras e Javi, que também parecem suportar mais grupos de Callicebus melanochir do que a REBIO Una. Leontopithecus chrysomelas foi a espécie encontrada em menores densidades nas Serras. Do ponto de vista regional, os resultados do presente estudo sugerem que a conservação dos primatas do sul da Bahia compreende, necessariamente, a conservação das populações de primatas das Serras das Lontras e Javi e que a proteção dessa área torna-se urgente quando consideradas a singularidade ecológica de suas florestas e o grau de ameaça a que estão submetidas. Palavras-chave: Primatas, Abundância, Densidades, Serras das Lontras e Javi, Sul da Bahia. 12
  • 13. PRIMATES OF SERRA DAS LONTRAS AND JAVI: POPULATION STATUS AND THEIR ROLE ON REGIONAL CONSERVATION OF THE PRIMATE COMMUNITY IN SOUTHERN BAHIA ABSTRACT Southern Bahia is one of the few areas where, originally, the six primate genera of Atlantic Forest occurred in simpatry. In the last decades, conservation status of primate species in the region was investigated specially through geographically restricted distribution and behavior studies. While ecological and biogeographic information is available, estimates of population numbers of these primates are scarce. In order to understand local and regional conservation status of primate species and elucidate their survival possibilities in forest remains, it is essential to know their population abundances. The region known as Serra das Lontras and Javi supports some of the most conserved fragments of Southern Bahia and although it has been considered of high priority for biological conservation, its primate populations had not been studied. The present study used line transect methodology, following the protocol for utilizing Distance Program 5.0 (BUCKLAND et al., 1993), to estimate primate abundances of Serra das Lontras and Javi. A total of 223,3 km were walked, totalizing 37 primate sightings, of four species: Cebus xanthosternos, Callithrix kuhlii, Callicebus melanochir and Leontopithecus chrysomelas. Results were compared with estimates obtained using the same methodology in three conservation units of Southern Bahia: Una Biological Reserve, Serra do Conduru State Park and Michelin’s Ecological Reserve. Primate abundances, represented as densities estimated in groups/ km², varied both between species and study areas. Callithrix species were found to be the most abundant in Southern Bahia and presented similar densities in all areas. Endangered species Leontopithecus chrysomelas and Cebus xanthosternos presented similar medium densities in Southern Bahia, but had considerable variations between study areas. Callicebus melanochir had the lowest abundances in Southern Bahia region, specially because of the low estimates for Serra das Lontras and Javi and Una Biological Reserve. The highest density estimate for Callithrix kuhlii and the second highest density estimate for Cebus xanthosternos were found in Serra das Lontras and Javi, which also seems to support more groups of Callicebus melanochir than Una Biological Reserve. The lowest densities found in Serra das Lontras and Javi are for Leontopithecus chrysomelas. From a regional perspective, the present results suggests that primate conservation in Southern Bahia requires conservation of primate populations of Serra das Lontras and Javi and that protection of this area becomes urgent when considering its ecological singularity and threats to which it is submitted today. Key-words: Primates, Abundances, Densities, Serra das Lontras and Javi, Southern Bahia. 13
  • 14. 1. INTRODUÇÃO GERAL A Mata Atlântica brasileira estendia-se originalmente do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul, ocupando uma área de aproximadamente 1.300.000 km² (FONSECA et al., 1999). A grande extensão latitudinal do bioma lhe confere notável heterogeneidade (GALINDO-LEAL e CÂMARA, 2005), assim como a variação longitudinal, que ajuda a criar uma diversidade de paisagens, com florestas de interior significativamente diferentes daquelas próximas ao litoral (THOMAS et al., 1998). Após mais de quinhentos anos de exploração, a Mata Atlântica é hoje classificada como um dos ecossistemas mais seriamente ameaçados do mundo (MITTERMEIER, 1986; OLIVER e SANTOS, 1991; MMA, 2000; GALINDO-LEAL e CÂMARA, 2005) e considerada prioritária para a conservação da biodiversidade do planeta (MYERS et al., 2000). Inserida no Domínio da Mata Atlântica e representando uma área prioritária e estratégica para a conservação da biodiversidade do bioma (TIMMERS et al., 2002), a região sul do estado da Bahia destaca-se por apresentar os maiores remanescentes florestais do nordeste brasileiro (MORI et al., 1983; JOHNS, 1999), alta riqueza biológica, elevado grau de endemismo (KINZEY,1982; MOURA, 2003) e intensa pressão antrópica sobre os fragmentos florestais remanescentes (JARDIM, 2003). A cobertura florestal no sul da Bahia encontra-se atualmente permeada por uma matriz de pastagens e uma variedade de plantios, incluindo cacau, seringa, pupunha, dendê, bananas e café (MORI et al., 1983; FLESHER, 2006; SAATCHI et al., 2001). Considerada como um dos principais centros de endemismo e de riqueza de primatas da Mata Atlântica (SANTOS et al., 1987), a região sul da Bahia é uma das poucas áreas onde os seis gêneros de primatas do bioma ocorrem simpatricamente (BIODIVERSITAS, 1993), representados por nove espécies: sagui-de-Wied (Callithrix kuhlii), sagüi-do-tufo-preto (Callithrix penicillata), sagui-da-cara-branca (Callithrix geoffroyi), guigó (Callicebus melanochir), macaco-prego-do-peito-amarelo (Cebus xanthosternos), macaco-prego-de crista (Cebus robustus), mico-leão-da-cara-dourada (Leontopithecus chrysomelas), bugio (Alouatta guariba) e muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus) (RYLANDS et al., 1996). Devido a introduções recentes, existem também populações de sagüi-do-nordeste (Callithrix jacchus) em algumas regiões ao sul do rio São 14
  • 15. Francisco (RYLANDS et al., 1996; COIMBRA-FILHO et al., 2006). Com exceção das espécies de Callithrix, todas as outras estão incluídas no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (MACHADO et al., 2008). O estado de conservação das espécies de primatas na região sul da Bahia tem sido investigado ao longo das últimas duas décadas, principalmente através de levantamentos extensivos de suas localidades de ocorrência (AGUIRRE, 1971; SANTOS et al., 1987; COIMBRA-FILHO et al., 1991; OLIVER e SANTOS 1991; RYLANDS et al. 1991; PINTO 1994a,b; KIERULFF et al., 2005; NEVES, 2008), mas apesar das informações ecológicas e biogeográficas disponíveis na literatura, estimativas populacionais dos primatas da região são escassas e, em sua maioria, referentes apenas à região geográfica de Una (RYLANDS, 1989; PINTO et al. 1993; DIETZ et al., 1994; PINTO, 1994a,b; PAGLIA 2003). Para a conservação dessas populações é imprescindível gerar dados sobre seus tamanhos e, quando possível, estimativas de densidades absolutas que tragam informações sobre a possibilidade de sobrevivência das espécies nos remanescentes florestais (GONZÁLES-SOLIS, 2001; PAGLIA, 2003; KIERULFF et al., 2005; RYLANDS et al., 2008; BECK e CHAPMAN, 2008). O presente estudo teve como objetivo estimar a abundância relativa e a densidade populacional de espécies de primatas em quatro grandes fragmentos florestais do sul da Bahia utilizando a metodologia de transecções lineares. O estudo foi concentrado na região das Serras das Lontras e Javi, que apesar de apresentar alguns dos fragmentos florestais em melhor estado de conservação da Mata Atlântica do sul da Bahia, ainda não havia sido investigada quanto às populações de primatas residentes. Os resultados obtidos nas Serras das Lontras e Javi foram comparados a dados não publicados de outros três grandes fragmentos florestais no sul da Bahia (Reserva Biológica de Una – REBIO Una, Parque Estadual do Conduru e entorno – PESC e Reserva Ecológica Michelin). 15
  • 16. 2. REVISÃO DE LITERATURA 2.1 A Mata Atlântica A Mata Atlântica brasileira estendia-se originalmente do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul, ocupando uma área de aproximadamente 1.300.000 km² (FONSECA et al., 1999). Estima-se que apenas 8% da cobertura florestal original da Mata Atlântica persistam (SOS Mata Atlântica e INPE, 2009) após uma história de intensa devastação que teve início com a chegada dos colonizadores portugueses ao Brasil no século dezesseis (DEAN, 1996). A longa história de destruição transformou a Mata Atlântica em um dos ecossistemas mais devastados e mais seriamente ameaçados do mundo (MITTERMEIER, 1986; OLIVER e SANTOS, 1991; MMA, 2000; GALINDO-LEAL e CÂMARA, 2005). A grande extensão latitudinal confere à Mata Atlântica notável heterogeneidade: o bioma estende-se por 27 graus de latitude, de 3° S a 30° S (GALINDO-LEAL e CÂMARA, 2005). A variação longitudinal também contribui para a elevada diversidade de habitats, com florestas de interior significativamente diferentes daquelas próximas ao litoral (THOMAS et al., 1998; RIZZINI, 1997 apud SILVA e CASTELETI, 2005). Outros fatores geográficos como variações altitudinais, edáficas e topográficas resultam em um mosaico de micro-habitats dentro de cada tipo florestal aparentemente uniforme (THOMAS et al., 1998; GALINDO-LEAL e CÂMARA, 2005; TABARELLI et al., 2005). O mosaico florestal resultante dessas variações ambientais constitui o “Domínio da Mata Atlântica”, reconhecido legalmente em 1992 pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), e inclui as Florestas Ombrófilas (pluviais) Densas e Abertas (abrangendo as matas pluviais montanas, submontanas, de baixada e “tabuleiros” – florestas costeiras em terras baixas e solos arenosos), as Florestas Ombrófilas Mistas (correspondentes às matas sulinas com predominância de araucárias e lauráceas) e as Florestas Estacionais e Semidecíduas (que abrangem as matas subtropicais dos estados do Sul e as matas semidecíduas do Nordeste), bem como os ecossistemas associados (incluindo manguezais, restingas, campos de altitude, enclaves de campos e cerrados e as matas montanas da região Nordeste) e as áreas de transição ecológica entre as formações florestais (CÂMARA, 2005). 16
  • 17. Atualmente, a Mata Atlântica encontra-se isolada dos outros grandes blocos florestais sul-americanos, a Floresta Amazônica e as Florestas Andinas, através de três biomas dominados por vegetações abertas: a Caatinga, o Cerrado e o Chaco. Mas a história evolutiva do bioma é marcada por períodos de contato com biotas de outras formações florestais (SILVA e CASTELETI, 2005), o que resultou em uma composição de espécies única (MYERS et al., 2000) formada por elementos muito antigos, diferenciados há pelo menos 3 milhões de anos durante o Plioceno, mas também por elementos que colonizaram a região mais recentemente, na transição Pleistoceno-Holoceno, entre 10 e 20 mil anos atrás (SILVA e CASTELETI, 2005). As estimativas da riqueza de espécies existentes na Mata Atlântica são variáveis, o que se deve, em grande parte, às incertezas sobre taxonomia e distribuição e ao uso de diferentes definições sobre os limites exatos do Domínio da Mata Atlântica (CÂMARA, 2005). O documento oficial “Áreas Prioritárias para a Conservação da Mata Atlântica e Campos Sulinos”, contabiliza 20 mil espécies de plantas, 250 espécies de mamíferos, 1020 espécies de aves, 197 espécies de répteis e 340 espécies de anfíbios. Se forem considerados em conjunto os mamíferos, aves, répteis e anfíbios, a Mata Atlântica abriga aproximadamente 7% de todas as espécies conhecidas no mundo para esse grupo de vertebrados (MYERS et al, 2000). Considerando sua extensão, a Mata Atlântica representa o mais diverso dos biomas brasileiros em termos de mastofauna. O grau de endemismo para o grupo, estimado em 32%, é excedido apenas pela Floresta Amazônica, a maior área florestal do país, com 59% da mastofauna endêmica. A notável diversidade da Mata Atlântica, no entanto, não está igualmente distribuída entre as diferentes ordens, sendo o alto nível de endemismo referente, principalmente, a três delas - marsupiais, roedores e primatas - que juntas perfazem 84 % de todas as espécies de mamíferos endêmicas ao bioma (COSTA e LEITE, 2000). Para grupos como os primatas, por exemplo, mais de dois terços das formas presentes são endêmicas (MMA, 2000). Atualmente essa riqueza encontra-se ameaçada, devido, principalmente, à expansão de grandes centros urbanos, à exploração madeireira, à caça, ao desmatamento e à substituição da cobertura florestal por agricultura (SILVA e TABARELLI, 2001). Em razão do alto grau de endemismo e de fragmentação florestal, a Mata Atlântica contribui 17
  • 18. com mais de 60% das espécies presentes na lista oficial da fauna brasileira ameaçada de extinção (PAGLIA, 2005 apud PINTO et al., 2006). Esse quadro levou ao reconhecimento internacional da Mata Atlântica como um hotspot de biodiversidade – área com excepcional concentração de espécies endêmicas e submetida a altos níveis de destruição de habitat (MYERS et al., 2000). 2.2 A Mata Atlântica do sul da Bahia A região sul da Bahia é considerada uma área de destaque na Mata Atlântica: além da elevada riqueza de espécies, representa um dos três mais importantes centros de endemismo de todo o bioma (KINZEY, 1982; MORI et al., 1983) e detém um dos recordes mundiais de diversidade de espécies lenhosas (THOMAS et al., 1998). Situa-se entre os paralelos 13°05’ S - 18°05’ S e meridianos 38°50’ W - 41°33’ W, encontra-se delimitada ao norte pelo rio Jequiriçá, ao sul pelo rio Mucuri, a leste pelo Oceano Atlântico e a oeste pela rodovia BR-116, no planalto de Vitória da Conquista, e abrange cento e seis municípios do Estado da Bahia (PRADO et al., 2003b). Apesar de parecer uma formação vegetal homogênea, a Mata Atlântica do sul da Bahia, apresenta tipos vegetacionais extremamente diferenciados, com florestas que se tornam gradualmente mais secas à medida que avançam para o interior (MORI et al., 1983). De fato, existe uma transição das matas de restinga do litoral, passando pelas florestas úmidas (Ombrófilas) – florestas montanas e submontanas com solos argilosos e florestas de tabuleiros em terras baixas de solos arenosos (RYLANDS et al., 1991-1992) – e pelas florestas semidecíduas, até as florestas decíduas do interior (MORI et al., 1983). A composição de cada tipo florestal varia dependendo da elevação, da pluviosidade, dos tipos e da drenagem dos solos, resultando em um mosaico de diversos micro-habitats dentro da floresta aparentemente uniforme (THOMAS et al., 1998). O sul da Bahia vem sofrendo intenso desmatamento por, pelo menos, 500 anos, desde a chegada dos colonizadores portugueses na região (MORI et al., 1983; JOHNS, 1999), resultando em uma cobertura florestal fragmentada e reduzida a, aproximadamente, 5 % de sua extensão original (THOMAS et al., 1998). No entanto, abriga os maiores remanescentes de Mata Atlântica do Nordeste (JOHNS, 1999), em parte devido às 18
  • 19. peculiaridades do plantio de cacau na região, tradicionalmente plantado sob a sombra de árvores nativas, em um sistema agroflorestal denominado cabruca (MORI et al., 1983). É possível que as cabrucas tenham contribuído para a conservação da fauna regional (FARIA et al., 2006) até o presente, sendo utilizadas por espécies ameaçadas de extinção, como o gravateiro-acrobata (Acrobatornis fonsecai) (PACHECO et al., 1996), o mico-leão-da-cara- dourada (Leontopithecus chrysomelas) e o macaco-prego-do-peito-amarelo (Cebus xanthosternos) (observação pessoal). Em vista da relevância ecológica e das pressões antrópicas que incidem sobre o sul da Bahia, a região é reconhecida como um hot-point dentro do hotspot Mata Atlântica (MARTINI et al., 2007), havendo sido incluída pelo Governo Federal no Corredor Central da Mata Atlântica, que engloba cerca de 80% das áreas de mais alta prioridade para a conservação do bioma (FONSECA et al., 2003). No entanto, considerando a área total do Corredor Central, a rede de unidades de conservação do estado da Bahia é geográfica e ecologicamente mal distribuída (FONSECA et al., 2003; AGUIAR et al., 2005). A abrangência das áreas protegidas é reduzida e sua distribuição, concentrada em áreas de Floresta Ombrófila Densa, predominante nas porções litorâneas. Encontram-se desprotegidos os fragmentos de Florestas Estacionais e Montanas localizados mais a oeste, onde predominam as serras e maciços pré-litorâneos, (SILVEIRA et al., 2005; THOMAS et al., 1998), sendo necessários maiores e urgentes esforços de conservação para a preservação de áreas verdadeiramente representativas das florestas do sul da Bahia (THOMAS et al., 1998; FONSECA et al., 2003; GALINDO-LEAL E CÂMARA, 2005; PINTO et al., 2006; RBMA, 2006). 2.3 Primatas da Mata Atlântica Dentre as vinte e quatro espécies de primatas que ocorrem na Mata Atlântica brasileira, vinte são endêmicas ao bioma e quinze encontram-se ameaçadas de extinção (COSTA et al., 2005), estando todas classificadas em seis gêneros: muriquis (Brachyteles), micos-leões (Leontopithecus), sagüis (Callithrix), bugios (Alouatta), macacos-pregos (Cebus) e guigós (Callicebus), os dois primeiros endêmicos ao bioma. A distribuição atual 19
  • 20. desses primatas é influenciada pela ampla destruição de seus habitats naturais, bem como pelas introduções de espécies fora de sua ocorrência original, especialmente Calitriquídeos (RYLANDS et al., 1996). O tamanho reduzido e o grau de isolamento dos fragmentos da Mata Atlântica são, provavelmente, limitantes para que populações mínimas viáveis de primatas sejam mantidas em longo prazo (CHIARELLO e MELLO 2001; PAGLIA, 2003; CHIARELLO, 2003). A redução do que antes era uma floresta contínua a fragmentos pequenos e isolados pode resultar no confinamento de apenas alguns grupos de primatas em cada fragmento, limitando o fluxo de indivíduos entre populações e levando à depressão endogâmica, além de torná-las mais suscetíveis a eventos demográficos estocásticos (VALLADARES- PADUA e CULLEN JR., 1994; PIRES et al., 2006; PAGLIA et al., 2006). A fragmentação também facilita o acesso a caçadores, que freqüentemente buscam espécies de primatas de médio a grande porte, podendo levá-las à extinção local (RAEZ-LUNA, 1995; PERES, 2000; PERES e DOLMAN, 2000). Por outro lado, a fragmentação pode simplificar a composição dos predadores de topo de cadeia, ocasionando um aumento nas densidades populacionais das espécies de presas (CHIARELLO, 2003). O aumento da caça promovido pela fragmentação também pode levar a maiores densidades de algumas espécies de primatas não caçadas por reduzir ou exterminar seus competidores potenciais (PERES e DOLMAN, 2000). Em suma, o processo de declínio ou alteração na dinâmica populacional de primatas está intimamente relacionado às circunstâncias históricas e atuais do uso da terra (PINTO, 1994a). Grande parte das espécies de primatas sofre drásticas reduções populacionais quando existe grande perturbação ambiental, como fragmentação, corte seletivo de madeira, práticas agrícolas prejudiciais ou caça excessiva (JOHNS e SKORUPA, 1987). No entanto, estudos têm demonstrado a grande flexibilidade ecológica e capacidade de adaptação dos primatas que persistem nos fragmentos florestais remanescentes, sugerindo que o mosaico de habitats heterogêneos resultante da perturbação pode até mesmo aumentar a abundância das espécies remanescentes (STALLINGS e ROBINSON, 1991; COWLISHAW e DUNBAR, 2000). Para compreender de que forma as diferentes ameaças impactam as espécies de primatas no mosaico florestal atlântico é essencial obter estimativas de abundância e densidade, bem como realizar subseqüentes monitoramentos 20
  • 21. populacionais que permitam medir o sucesso de programas de conservação para essas espécies (RYLANDS et al., 2008). 2.4 Primatas do sul da Bahia No sul da Bahia, os seis gêneros de primatas da Mata Atlântica ocorrem simpatricamente, representados por nove espécies: sagui-de-Wied (Callithrix kuhlii), sagüi- do-tufo-preto (Callithrix penicillata), sagui-da-cara-branca (Callithrix geoffroyi), guigó (Callicebus melanochir), macaco-prego-do-peito-amarelo (Cebus xanthosternos), macaco- prego-de-crista (Cebus robustus), mico-leão-da-cara-dourada (Leontopithecus chrysomelas), bugio (Alouatta guariba) e muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus) (KINZEY, 1982; RYLANDS et al, 1996; MOURA, 2003). Devido a introduções recentes, existem também populações de sagüi-do-nordeste (Callithrix jacchus) em algumas regiões ao sul do rio São Francisco (RYLANDS et al., 1996; COIMBRA-FILHO et al., 2006). O estado de conservação das espécies de primatas na região sul da Bahia tem sido investigado ao longo das últimas duas décadas, principalmente através de levantamentos de suas localidades de ocorrência (AGUIRRE, 1971; SANTOS et al., 1987; COIMBRA- FILHO et al., 1991; OLIVER e SANTOS 1991; RYLANDS et al. 1991; PINTO 1994a,b; KIERULFF et al., 2005; NEVES, 2008). Com exceção das espécies de Callithrix, todas as outras estão incluídas no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (MACHADO et al., 2008). O conhecimento acumulado sobre aspectos de ecologia e comportamento varia entre as espécies e, em geral, é reduzido, mas representa um ponto de partida para a compreensão de seu estado de conservação. O sagui-de-Wied (Callithrix kuhlii) ocorre na região sul da Bahia e nordeste de Minas Gerais, entre os rios Jequitinhonha e de Contas, mas ainda há controvérsias sobre o limite norte original da espécie (RYLANDS, 1996; COIMBRA-FILHO et al., 2006; NEVES, 2008; RABOY et al., 2008). A leste, encontra-se limitado pelo Oceano Atlântico e, a oeste, por mudanças vegetacionais associadas ao aumento de altitude em decorrência do Planalto de Vitória da Conquista (NEVES, 2008). OLIVER e SANTOS (1991) afirmaram que o fenótipo de Callithrix kuhlii seria consistente da margem norte do baixo Jequitinhonha até o norte do rio de Contas, possivelmente estendendo-se até Valença, 21
  • 22. argumento utilizado também por COIMBRA-FILHO et al. (2006) para defender uma possível extensão da distribuição da espécie ao longo da costa atlântica até o rio Paraguaçu ou até mesmo ao rio São Francisco. Esses mesmos autores, no entanto, referem-se à destruição histórica das florestas da região (COIMBRA-FILHO et al., 1991) e à mistura com populações de C. penicillata e populações introduzidas de C. jacchus como fatores que dificultam esclarecimentos sobre a questão. NEVES (2008) encontrou variações de coloração nos grupos de Callithrix avistados ao norte do rio de Contas, considerando-os como fenótipos intermediários entre C. kuhlii e C. penicillata e sugerindo uma zona de hibridação. Caso tratem-se de híbridos, ainda resta esclarecer se as populações de C. kuhlii teriam sido introduzidas na margem norte do rio ou se as populações de C. penicillata estariam avançando para leste e invadindo a área de C. kuhlii. É interessante considerar a observação do autor de que na maioria das vezes as características de C. penicillata se sobressaíram (“face escura, pés e mãos de cinza a castanho escuro e porção externa da coxa não apresentando o colorido conspícuo de C. kuhlii”), o que representa uma contradição com as observações de hibridização em cativeiro. De acordo com COIMBRA-FILHO et al. (2006), o castanho avermelhado intenso de C. kuhlii é uma característica evidentemente dominante e transmitida para seus híbridos, argumento usado, inclusive, para defender a validade da espécie. Não se pode, portanto, descartar a possibilidade de que as diferenças fenotípicas observadas ao norte do rio de Contas correspondam a uma variação natural dentro da espécie C. penicillata, considerando que a distribuição se C. kuhlii seja, de fato, originalmente limitada pelo rio de Contas. A espécie não foi incluída no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (MACHADO et al., 2008). Segundo RYLANDS et al. (1996), o sagui-de-tufo-preto (Callithrix penicillata) possui a maior parte de sua distribuição correspondente ao Cerrado do Brasil central, incluindo os estados do Tocantins, Goiás, Bahia, Minas Gerais e São Paulo, mas é provável que suas populações se encontrem em expansão, inclusive substituindo outras espécies a leste e ao sul de sua distribuição original. KINZEY (1982) delimita sua distribuição do rio de Contas ao Recôncavo Baiano, estendendo-se para oeste através da caatinga baiana e o cerrado central do Brasil, até as margens do rio Araguaia, e para o sul até o rio Grande, na divisa entre Minas Gerais e São Paulo. Encontra-se classificada na lista vermelha da IUCN 22
  • 23. como pouco preocupante (“least concern”, www.iucnredlist.org) e não é considerada uma espécie ameaçada em nível nacional (MACHADO et al., 2008). O sagui-de-cara-branca (Callithrix geoffroyi), ocorre do norte do rio Doce, no Espírito Santo, até o vale do rio Jequitinhonha, na divisa entre Minas Gerais e Bahia (RYLANDS et al., 1996; MELO, 2004). Seu limite oeste foi definido por Vivo (1991) como a Serra do Espinhaço, em Minas Gerais, que marca a transição da Floresta Atlântica para o Cerrado (RYLANDS et al., 1996). PASSAMANI e RYLANDS (2000) afirmam que a intensa destruição florestal em sua área de ocorrência, bem como a perseguição que sofrem pelo mercado ilegal de fauna, têm colocado suas populações sob forte ameaça, mas a espécie é considerada pela IUCN como em situação pouco preocupante (www.iucnredlist.org) e não consta no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (MACHADO et al., 2008). O mico-leão-da-cara-dourada (Leontopithecus chrysomelas) possui distribuição geográfica restrita entre o sul da Bahia e o nordeste de Minas Gerais, estando limitado ao norte pelo rio de Contas, ao sul pelo rio Jequitinhonha e a oeste pela mata de cipó associada às elevadas altitudes no Platô de Vitória da Conquista (RYLANDS et al., 1991-1992; RYLANDS et al., 2002). Não há evidências, no entanto, de que ocorra entre os baixos rios Pardo e Jequitinhonha e ao sul do baixo rio de Contas (RYLANDS et al., 1996). A espécie é considerada “Em perigo” no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (MACHADO et al., 2008), bem como pela IUCN (www.iucnredlist.org), estando apenas 2% de sua área de distribuição dentro de uma unidade de conservação de proteção integral federal, a Reserva Biológica de Una (BA) (PINTO e RYLANDS, 1997). O guigó (Callicebus melanochir) distribui-se desde o rio Paraguaçu até o rio Mucuri, no extremo sul do estado da Bahia (OLIVER e SANTOS,1991; van ROOSMALEN et al., 2002). Alguns autores defendem que o limite sul não seja bem definido, possivelmente havendo uma zona de sobreposição com Callicebus personatus entre os vales dos rios Mucuri e Itaúnas, no Espírito Santo (OLIVER e SANTOS, 1991; HERSHKOVITZ, 1990 apud van ROOSMALEN et al., 2002). Kinzey (1982), considera uma distribuição mais ampla para a espécie: do rio Itapicurú (norte da Bahia) ao rio Itaúnas (ES). A oeste, parece que sua distribuição é limitada pela mata de cipó e florestas semidecíduas da Bahia (VAN ROOSMALEN et al., 2002). Existem poucos trabalhos 23
  • 24. publicados sobre a espécie (MULLER et al, 1997; HEIDUCK,1997, 2002), que está classificada como “vulnerável” no Livro Vermelho da Fauna Ameaçada de Extinção (MACHADO et al., 2008) e na lista de espécies ameaçadas da IUCN (www.iucnredlist.org). O macaco-prego-do-peito amarelo (Cebus xanthosternos) é endêmico da Mata Atlântica dos estados de Sergipe, Bahia e norte de Minas Gerais. Atualmente, encontra-se restrito a fragmentos florestais da região delimitada a norte e oeste pelo rio São Francisco, ao sul pelo rio Jequitinhonha e a leste pelo Oceano Atlântico (COIMBRA-FILHO et al., 1991; OLIVER e SANTOS,1991; GUIDORIZZI et al., 2005). Há evidências de que a espécie já se extinguiu em grande parte de sua distribuição original (COIMBRA-FILHO 1986c, SANTOS et al., 1987; OLIVER e SANTOS, 1991), estando atualmente classificada pela IUCN (www.iucnredlist.org) e pelo Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção como “criticamente em perigo” (MACHADO et al., 2008). O macaco-prego-de-crista (Cebus robustus) distribui-se ao norte do rio Jurucuçu até o rio Jequitinhonha (OLIVER e SANTOS, 1991; RYLANDS et al., 1996). Como limite oeste para a ocorrência da espécie foram sugeridos a Serra do Espinhaço (RYLANDS et al., 1996) e o próprio rio Jequitinhonha (MARTINS, 2005 apud MACHADO et al., 2008). A espécie é considerada “em perigo” pela IUCN (www.iucnredlist.org) e “vulnerável” pelo Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (MACHADO et al., 2008). O guariba (Alouatta guariba) se distribuía originalmente por grande parte do estado da Bahia e norte de Minas Gerais, provavelmente até o rio Paraguaçu (CABRERA, 1957 apud KINZEY, 1982), mas suas populações têm sido dizimadas pela caça (RYLANDS et al., 1996-1997). Atualmente encontra-se praticamente extinto na Bahia, com algumas pequenas e isoladas populações sobrevivendo no extremo sul, próximo à divisa com Minas Gerais (CROCKET, 1998; RYLANDS et al., 2003; MELO, 2004). O Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção considera sua distribuição restrita e classifica a espécie como “criticamente em perigo”. (MACHADO et al., 2008). A taxonomia ainda confusa para a espécie, no entanto, permite que seja classificada como Alouatta fusca (CROCKET, 1998; RYLANDS et al., 2000), com distribuição mais ampla pelas florestas costeiras desde o sul da Bahia até o Rio Grande do Sul, alcançando a região de Misiones, 24
  • 25. na Argentina (EMMONS, 1997), o que contribui para sua classificação pela IUCN como “pouco preocupante” (LC - least concern) (www.iucnredlist.org). O muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus) é endêmico da Mata Atlântica dos Estados de Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia (RYLANDS et al., 1996; STRIER et al., 2006). AGUIRRE (1971) sugere como limite setentrional para a espécie a bacia do rio Jequiriçá, possivelmente incluindo as matas da margem direita do rio Paraguaçu. A destruição florestal e a caça levaram os números populacionais da espécie a uma redução extrema e, apesar de ocorrer em diversas áreas protegidas, a maior parte de suas populações encontra-se evidentemente reduzida (OLIVER e SANTOS, 1991; RYLANDS et al., 1996- 1997; COSENZA e MELLO, 1998; CHIARELLO et al., 2004; STRIER et al., 2006). Na Bahia, a espécie foi registrada para o município de Guaratinga, divisa com Minas Gerais no vale do rio Jequitinhonha, podendo ser considerada a primeira população de muriquis constatada para o estado desde as investigações pioneiras de Aguirre, em 1971 (MELO et al., 2004). Atualmente está classificado tanto no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção quando na lista da IUCN como “criticamente em perigo” (MACHADO et al., 2008; www.iucnredlist.org.br), sendo considerado entre os primatas mais ameaçados de extinção do mundo (STRIER et al., 2006). 2.4.1 Caracterização dos primatas entre os rios Jequiriçá e Jequitinhonha No presente estudo, serão abordadas apenas as espécies Callithrix kuhlii, Callithrix penicillata (ou híbridos de C. kuhlii e C. penicillata ao norte do rio de Contas), Callicebus melanochir, Cebus xanthosternos, Leontopithecus chrysomelas, Alouatta guariba e Brachyteles hypoxanthus, distribuídas originalmente entre os rios Jequiriçá e Jequitinhonha. A denominação “sul da Bahia” também será aplicada em referência à região compreendida entre esses dois rios (Figura 1). Considerando que a paisagem regional é caracterizada pela heterogeneidade de habitats florestais, apresentando florestas maduras, secundárias, seletivamente exploradas, bem como áreas não-florestadas ocupadas por cultivos agrícolas e pastagens e que as espécies diferem quanto a sua capacidade de explorar esses ambientes, as populações das 25
  • 26. espécies de primatas da região podem estar respondendo de modo diferente aos impactos antrópicos incidentes (COWLISHAW e DUNBAR, 2000; RABOY et al., 2004). Figura 1. Representação da região geográfica entre os Rios Jequiriçá e Jequitinhonha. Adaptado de HEIDUCK, 2002. 26
  • 27. Os Calitriquídeos, grupo em que estão classificados os sagüis (Calithrix) e micos- leões (Leontopithecus), são primatas pequenos, diurnos, frugívoros-insetívoros, que utilizam florestas maduras, perturbadas e ambientes florestais mais abertos próximos a rios (EISENBERG, 1977). A capacidade de ocupar diferentes tipos florestais varia entre as espécies e relaciona-se à qualidade desses habitats, determinada pelos recursos alimentares (distribuição e abundância de presas animais, frutos e exudados), pela disponibilidade de vegetação densa como refúgio contra predadores e pela presença de competidores, especialmente outros primatas (RYLANDS, 1996). Enquanto Callithrix kuhlii encontra-se restrito às florestas ombrófilas (montanas e costeiras) e às florestas mesófitas (interiores) ao longo da costa Atlântica, Callithrix penicillata é mais típico de florestas semi-decíduas, cerradões e matas de galeria do Cerrado brasileiro, mas também ocorre nas florestas úmidas costeiras (COIMBRA-FILHO et al., 2006; RABOY et al, 2008). Poucos estudos foram realizados sobre a ecologia de C. kuhlii, mas acredita-se que a qualidade e a distribuição dos recursos alimentares são fatores importantes que podem contribuir para a variação interespecífica na dieta, tamanho da área de vida e comportamento entre a espécie e seus congenéricos. Callithrix kuhlii utiliza extensivamente o mosaico florestal atlântico do sul da Bahia, incluindo florestas maduras, em regeneração, habitats de borda, capoeiras e cabrucas (RABOY et al., 2008). Da mesma forma, Callithrix penicillata, bem adaptado aos sistemas de cultivos arbóreos e florestas perturbadas de Ituberá, encontra-se amplamente distribuído e abundante, ocorrendo em todas as classes de paisagens da região (FLESHER, 1999). Ambos apresentam especializações para alimentar-se de exudados, o que lhes permite lidar com períodos de escassez de frutos, mas C. kuhlii alimenta-se de uma maior quantidade de frutos e insetos, fazendo menor uso dos exudados quando comparado a C. penicillata, uma das espécies mais especialistas nesse item alimentar (RYLANDS, 1996; RABOY et al., 2008). Os micos-leões (Leontopithecus) estão entre os maiores calitriquídeos e possuem as maiores áreas de vida para o grupo (RYLANDS, et al., 1991-1992; RYLANDS, 1993; RABOY e DIETZ, 2004). Alimentam-se de frutas, flores, néctar, insetos, pequenos vertebrados e gomas (KIERULFF et al., 2002; RYLANDS, 1993) e utilizam-se de forrageio manipulativo para localizar presas animais em locais de difícil acesso como bromélias e cascas de árvores (RYLANDS, 1996). A espécie presente no sul da Bahia, 27
  • 28. Leontopithecus chrysomelas, habita tanto as florestas úmidas e pouco sazonais da costa, quanto as florestas semidecíduas mais secas do interior, ambas caracterizadas pela elevada abundância de bromélias (RYLANDS et al., 1993; MORI et al., 1983). Ocorre em simpatria com Callithrix kuhlii, o que é possível graças às diferenças ecológicas entre ambas, como técnicas e locais de forrageio e utilização de diferentes estratos florestais (RYLANDS, 1989). Apesar de não demonstrar preferência por cabrucas, florestas perturbadas ou em regeneração, L.chrysomelas não as evita, indicando que esses habitats podem servir como conexões que facilitam a movimentação desses animais entre fragmentos de floresta madura (RABOY et al., 2004). Acredita-se que a permanência da espécie no mosaico florestal do sul da Bahia dependa da existência de florestas maduras próximas aos habitats mais degradados, provavelmente por sua dependência de bromélias para forrageio de presas animais e de ocos de árvores para dormida – recursos encontrados principalmente nas florestas maduras (RYLANDS et al., 1991-1992; RYLANDS, 1996). Os guigós (Callicebus) são primatas de pequeno a médio porte, monogâmicos, territoriais e organizados em grupos familiares de 2 a 6 indivíduos, constituídos pelo par reprodutivo e seus descendentes (KINZEY, 1982). Callicebus melanochir apresenta dieta basicamente frugívora, com consumo de folhas, flores, sementes e insetos em pequenas quantidades e utiliza florestas maduras, florestas sujeitas a corte seletivo de madeira e florestas secundárias, aparentemente, em função da disponibilidade de recursos em cada um desses habitats (HEIDUCK, 1997; HEIDUCK, 2002). Utilizam os estratos médio e superior da floresta, raramente descendo ao chão (KINZEY, 1981; MULLER, 1997) e costumam dormir em árvores específicas, geralmente mais altas do que o dossel e com folhagem densa (HEIDUCK, 2002). Na região de Ituberá, a espécie utiliza quase todos os habitats florestais, com exceção de capoeiras jovens, restingas de piaçava e cultivos arbóreos de qualquer tipo. Apesar de serem comuns e aparentemente abundantes em algumas florestas, especialmente as da Reserva Ecológica Michelin, são raros em outras. Sua resistência a entrar em áreas de agricultura e cruzar pequenas distâncias entre fragmentos os torna particularmente sensíveis à fragmentação do habitat, o que indica que suas populações na região podem estar isoladas há décadas (FLESHER, em preparação). Os primatas do gênero Cebus possuem tamanho médio, corpo robusto e cauda relativamente preênsil e apresentam grande flexibilidade ecológica, habitando praticamente 28
  • 29. todos os tipos florestais dos Neotrópicos. Todas as espécies do gênero são onívoras, alimentando-se principalmente de frutas e, em menores quantidades, outras partes vegetais (flores, brotos, bromélias, sementes, raízes), insetos, pequenos vertebrados e ovos (FREESE e OPPENHEIMER, 1981). O macaco-prego-do-peito amarelo (Cebus xanthosternos), ao contrário da maioria de seus congêneres, parece estar sob forte ameaça, apresentando hoje uma distribuição bastante reduzida em relação a sua área de ocorrência original (COIMBRA-FILHO et al., 1991). Há indícios de que a intensa devastação florestal em sua área de ocorrência e a pressão de caça sobre suas populações estejam reduzindo drasticamente seus números e aproximando a espécie da extinção (MITTERMEIER et al., 2006; KIERULFF et al., 2004; KIERULFF et al., 2005). No passado, a espécie era abundante e comumente avistada na região de Ituberá, mas suas populações sofreram sério declínio e desapareceram da maior parte das florestas da área, provavelmente em função da caça intensiva. Os indivíduos de Cebus xanthosternos são capazes de explorar inúmeros tipos florestais e cultivos agrícolas na região, evidência de que a seu desaparecimento é mais relacionado à caça do que à falta de recursos (FLESHER, em preparação). Os bugios (Alouatta) são primatas robustos, possuem cauda preênsil e utilizam todos os estratos florestais, mas preferencialmente os estratos superiores e emergentes (GREGORIN, 2008). Apresentando a mais ampla distribuição geográfica entre os primatas Neotropicais (CROCKETT, 1998), ocorrem em um número variado de formações vegetais da América do Sul e Central (GREGORIN, 2006), incluindo florestas úmidas, semidecíduas, montanas, florestas inundadas, cerrados e matas de galeria (CHAPMAN e BALCOMB, 1998; CROCKETT e EISENBERG, 1987 apud ZUNINO et al., 2007). O peso médio corporal varia entre cinco e doze quilogramas e todas as espécies apresentam dimorfismo sexual acentuado (GREGORIN et al., 2008). Têm sido classificados como folívoros-frugívoros (GREGORIN et al., 2008) ou como primatas de alimentação oportunista (ZUNINO et al., 2007). Graças à sua habilidade de explorar dietas folívoras em pequenas áreas de vida, os bugios podem tolerar considerável fragmentação florestal, mas não a exposição crescente à caça que geralmente a acompanha (CROCKETT, 1998). Não existem na literatura dados detalhados sobre a espécie do sul da Bahia (Alouatta guariba guariba), mas estudos gerais sugerem uma dieta basicamente folívora e populações vivendo em grupos de três a oito indivíduos, em áreas de vida de 4 a 8 hectares, semelhantes às 29
  • 30. encontradas para Alouatta guariba clamitans (subespécie de ocorrência mais meridional) (MACHADO et al., 2008). Os muriquis (Brachyteles) são os maiores primatas neotropicais, endêmicos da Mata Atlântica brasileira, vivem em grupos multi-machos que podem alcançar até cinqüenta animais e vem sofrendo com a destruição florestal e a caça intensiva desde o século 16 (MITTERMEIER et al., 2006). O muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus) é um primata diurno e essencialmente arbóreo, podendo descer ao chão para atravessar lacunas no dossel (DIB et al., 1997 em BRITTO e GRELLE, 2006). Locomove-se por braquiação, no alto das árvores e alimenta-se basicamente de frutos, flores e folhas, podendo também utilizar cascas e bambus (NISHIMURA et al., 1988 apud TALEBI e ADES, 2004). As fêmeas dispersam de seu grupo natal pouco antes de atingirem a maturidade sexual, com aproximadamente sete anos (STRIER, 1991 apud STRIER, 2006). Estudos recentes nos Parques Nacionais do Rio Doce (MG) e do Caparaó (MG e ES) indicam a ocorrência de populações que podem ser tão grandes quanto as encontradas na Reserva Ecológica de Caratinga, e outras buscas nos últimos anos localizaram populações em doze localidades do Espírito Santo (MITTERMEIER et al., 2006). Grupos encontrados em fragmentos da localidade de Alto Cariri, fronteira do nordeste de Minas Gerais com a Bahia (MELO et al., 2004), podem representar as últimas populações da espécie no estado e levaram ao reconhecimento da área como prioritária para a criação de uma unidade de conservação (MITTERMEIER et al., 2006). Enquanto informações ecológicas e biogeográficas estão disponíveis, estimativas sobre os números populacionais dos primatas que subsistem nos fragmentos florestais do sul da Bahia são antigas ou inexistentes (RYLANDS, 1989; PINTO, 1994a; LIMA, 1990 apud PAGLIA, 2003). Sendo assim, é imprescindível gerar dados sobre os tamanhos das populações e, quando possível, estimativas de densidades absolutas que tragam informações sobre o estado de conservação e a possibilidade de sobrevivência dos primatas remanescentes nesses fragmentos florestais (GONZÁLES-SOLIS, 2001; PAGLIA, 2003; KIERULFF et al., 2005). Um bom ponto de partida no estudo da abundância de primatas é questionar se espécies que ocorrem em baixas densidades em uma comunidade aparecem assim também em outras, ou seja, realizar comparações entre as abundâncias das mesmas espécies em diferentes áreas (COWLISHAW e DUNBAR, 2000). 30
  • 31. 2.5 Amostragens de distâncias para estimativas populacionais de primatas Em estudos com populações de primatas, as técnicas de amostragem populacional vêm sendo desenvolvidas por mais de 40 anos (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 1981; BROCKELMAN e ALI, 1987; WHITESIDES et al., 1988; CULLEN Jr. e VALLADARES-PÁDUA, 1997), mas ainda há grande confusão e variação entre os métodos utilizados (STRUHSAKER, 2002; PLUMPTRE, 2006; MARSHAL et al., 2008). Embora nenhum método esteja livre de viés, as estimativas mais acuradas de densidade e tamanho populacional geralmente provêm de contagens completas dos indivíduos na área amostrada (BROCKELMAN e ALI, 1987; PLUMPTRE, 2006; MARSHAL, 2008) ou de estudos sobre a área de vida de grupos focais (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 1981; FASHING e CORDS, 2000; CHAPMAN et al., 2000). Esses métodos requerem grande esforço amostral, impraticável em grandes áreas ou em estudos com tempo restrito (MORAES JR., 2005; MARSHAL et al., 2008). Um método alternativo freqüentemente utilizado para estimar densidades de primatas é o “método de transecções lineares” (PERES, 1997; MENDES-PONTES, 1997, LOPES e FERRARI, 2000; FERRARI et al., 1999, 2000, 2002; CULLEN JR et al.,2001; CHIARELLO, 2002), em que todos os primatas avistados são registrados ao longo de um percurso de extensão conhecida (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 1981). O método tem a vantagem de gerar resultados em curtos períodos de tempo e é conveniente para amostragens extensas comparando populações entre diferentes áreas e tipos de habitat (JOHNS, 1985; WHITESIDES et al.,1988). Também pode ser adotado em estudos mais detalhados dentro de uma mesma área, incluindo monitoramento de variações temporais nas populações, comparações de diferentes habitats dentro da área e estimativas de populações em áreas limitadas quando outros métodos (contagens completas, marcarção- recaptura, mapeamento de território) não são aplicáveis (WHITESIDES et al.,1988). Atualmente, há um consenso de que amostragens por transecções lineares representam o método mais eficiente para estimar densidades e tamanhos populacionais de grande parte das espécies florestais de primatas, mas ainda há divergências sobre a forma como os dados devem ser coletados e analisados (PERES, 1999; MAGNUSSON, 2001; FERRARI, 2002; PLUMPTRE e COX, 2006; ROVERO et al, 2006; MARSHAL et al., 2008). 31
  • 32. Estimativas de densidade populacional por transectos lineares baseiam-se no cálculo do número de animais na área amostrada utilizando: o número de animais ou grupos avistados (n); a extensão do transecto (l); e uma estimativa da largura da área amostrada (w), que corresponde à distância perpendicular do centro aos extremos de detecção dos dois lados do transecto (WHITESIDES et al, 1988). As duas primeiras variáveis envolvem medidas diretas ou contagens. Já os métodos para determinar a largura efetivamente amostrada diferem consideravelmente e são, freqüentemente, subjetivos (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 1981; BROCKELMAN e ALI, 1987; WITHESIDES et al., 1988). Alguns estudos estimaram a largura da área amostrada sem referência aos dados coletados, enquanto outros consideraram-na como a distância dentro da qual supostamente todos os animais seriam detectados, ignorando todos os avistamentos além desse limite (WHITESIDES et al.,1988). No entanto, a premissa de que todos os animais presentes na área amostrada são detectados pelo observador é difícil de ser admitida para a maioria das populações e não pode ser testada usando os dados do estudo. Considerar uma medida de largura pequena o suficiente para garantir que todos os animais sejam detectados pode levar ao descarte de 50% ou mais das observações, tornando-se crítico no caso de espécies raras (THOMAS, et al., 2002), como o mico-leão-preto (Leontopithecus chrysopygus) (PARANHOS, 2006). Há ainda estudos que consideram como (meia) largura efetiva a distância máxima de avistamento, a distância média de avistamento ou uma distância entre a máxima e a média (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 1981). De modo geral, estudos com largura efetiva fixa são mais úteis para lidar com espécies que apresentam altas densidades e não fogem do observador (STRUHSAKER, 2002). Revisando estudos sobre a confiabilidade do método dos transectos em primatologia, BRUGIERE e FLEURY (2000) encontraram resultados contraditórios: primeiramente, nenhum protocolo de análise dos dados parece ser invariavelmente melhor do que os demais e, em segundo lugar, um protocolo pode produzir estimativas de densidade acuradas para uma espécie enquanto sub ou superestima as densidades de outras na mesma área de estudo. Independente do método de coleta adotado, o resultado básico dos transectos lineares é a taxa de encontro, ou seja, o número de observações por unidade de distância percorrida. As taxas de encontro são um modo eficiente de estimar a abundância de 32
  • 33. mamíferos em diversos tipos de habitats (WALLACE,1998; WALLACE, 2000; BOBADILLA e FERRARI, 2000), e estudos com primatas têm usado esse dado para fazer comparações entre diferentes áreas ou ambientes (CHIARELLO, 1999; BOBADILLA e FERRARI, 2000; LEHMAN, 2000; MOURA, 2007). São ferramentas úteis no monitoramento de longo prazo e também podem ser usadas para comparações entre áreas, desde que as áreas amostradas sejam semelhantes (Wallace et al, 1998). STRUHSAKER (2002) defende que dados de animais com grande mobilidade obtidos a partir de transectos lineares são muito mais adequados em termos de abundâncias relativas, sendo questionáveis na geração de estimativas de densidade confiáveis. No entanto, apesar do método haver sido usado para comparar a abundância de primatas entre habitats, a taxa de encontro não leva em conta a visibilidade ou detectabilidade dos animais ou grupos (MARSHAL et al., 2008). Em habitats complexos como as florestas tropicais, a visibilidade pode variar ao longo dos diferentes habitats e as diferenças ecológicas e comportamentais entre espécies também podem gerar variações na detectabilidade dos animais (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 1981; JOHNS, 1985). Entre espécies de primatas florestais, aquelas que vivem tipicamente no dossel e em grupos grandes e dispersos por grandes áreas são rapidamente avistadas. Já as espécies que vivem em grupos menores e mais coesos, freqüentando silenciosamente a vegetação densa do sub- bosque, são mais difíceis de detectar (WHITESIDES et al., 1988). Estudos mais recentes têm utilizado os chamados métodos de amostragem sem largura definida, também conhecidos como amostragens de distâncias (distance sampling) (BUCKLAND, 1993; THOMAS et al., 2002). Nesses métodos, estima-se a largura efetiva dos transectos inspecionando a distribuição de freqüências das distâncias registradas entre o animal e o observador (distância de observação) ou entre o animal e o transecto (distância perpendicular) (ANDERSON et al., 1979; WHITESIDES et al., 1988; BROCKELMAN e ALI, 1987; SUTHERLAND, 1996; CULLEN Jr. E VALLADARES-PADUA, 1997; STRUHSAKER, 2002; CULLEN JR. e RUDRAN, 2003). Considera-se que as distâncias perpendiculares são preferíveis para as análises porque os estimadores de densidade baseados nelas apresentam desempenho mais robusto do que os estimadores baseados em distâncias de observação (BUCKLAND et al., 1993; BURNHAM et al., 1980, HAYNES e BUCKLAND, 1983, apud PERES, 1999). 33
  • 34. As amostragens de distância desconsideram a premissa de que todos os animais dentro da área amostrada são detectados. Pelo contrário, a pergunta das amostragens de distância é: “Dada a detecção de n objetos, estima-se que existam quantos objetos na área amostrada?” (BUCKLAND et al., 1993). Espera-se que a detecção do animal de interesse fique mais difícil quanto mais distante ele estiver do transecto, resultando em menos observações com o aumento da distância. Medindo as distâncias em que cada animal ou grupo é observado torna-se possível calcular suas probabilidades de detecção (THOMAS et al., 2002), que podem variar entre populações de uma mesma espécie, entre espécies e entre habitats (JOHNS, 1985). Os métodos de amostragem de distâncias assumem que o número de avistamentos obtidos além da largura efetiva equivale ao número de “avistamentos perdidos” dentro da mesma (THOMAS et al., 2002). Diversos autores sugeriram modelos paramétricos e não paramétricos que assumem probabilidades decrescentes de detectar animais a distâncias crescentes do transecto linear. Os modelos tentam representar essa relação através de funções de detecção, que substituem as estimativas de larguras fixas nos cálculos de densidades populacionais. Como inserem correções para os animais “perdidos”, esses métodos permitem a utilização de todos os avistamentos (WHITESIDES et al., 1988). Assim, encontrando-se a função de detecção que melhor represente a freqüência de distâncias observadas, estima-se a largura do transecto e a proporção de animais não detectados durante o censo, possibilitando o cálculo da densidade (THOMAS et al., 2002). Embora diversos estudos tenham sido conduzidos no Brasil utilizando métodos de amostragem de distâncias para estimar parâmetros populacionais de primatas, como abundância e densidade (PERES, 1993; CULLEN JR e VALLADARES-PÁDUA, 1994; MENDES-PONTES, 1997; PERES, 1997; PERES, 1999; CULLEN JR. et al., 2000; PRICE et al, 2001, CHIARELLO e MELLO, 2001; GONZALES-SÓLIS et al., 2001; KIERULFF e RYLANDS, 2003; HENRIQUES e CAVALCANTI, 2004; SÃO- BERNARDO e GALLETI, 2004; MARTINS, 2005; MORAES JR., 2005; MOURA, 2007; MENDES-PONTES et al, 2007). Existem poucas estimativas populacionais dos primatas que subsistem nos remanescentes florestais da Mata Atlântica do sul da Bahia (RYLANDS, 1989; PINTO, 1994a; PAGLIA 2003), tornando essencial a busca de estimativas quantitativas e cientificamente confiáveis que tragam informações sobre o estado e a 34
  • 35. possibilidade de sobrevivência dessas populações (KIERULFF et al, 2005). Apesar de apresentar alguns dos maiores fragmentos florestais do sul da Bahia, a região conhecida como Serra das Lontras e Javi ainda não foi investigada no que diz respeito ao estado de conservação das populações de primatas. O presente estudo objetiva, primeiramente, gerar estimativas de abundância relativa e densidade das espécies de primatas habitantes dos fragmentos florestais das Serras das Lontras e Javi. Com o intuito de compreender melhor a situação de conservação das espécies de primatas no sul da Bahia, as estimativas populacionais encontradas para as Serras das Lontras e Javi são posteriormente comparadas a estimativas de abundância e densidade de primatas obtidas utilizando a mesma metodologia do presente estudo em três grandes fragmentos florestais do sul da Bahia: a Reserva Biológica de Una (REBIO Una), o Parque Estadual da Serra do Conduru e entorno (PESC) e a Reserva Ecológica Michelin. Os dados das três áreas eram inéditos e foram obtidos pelo Instituto de Estudos Socioambientais do Sul da Bahia (IESB) através do projeto “Avaliação das populações do macaco-prego-do- peito-amarelo (Cebus xanthosternos) e proposta de estratégia para manejo e conservação da espécie” (KIERULFF et al., 2005). 35
  • 36. 3. OBJETIVOS 3.1 Objetivo Geral Estimar tamanhos populacionais das espécies que compõem a comunidade de primatas remanescente nos fragmentos florestais das Serras das Lontras e Javi e comparar os resultados a um estudo anterior realizado em outros três grandes blocos florestais, visando gerar estimativas populacionais médias para as espécies de primatas na região sul da Bahia. 3.2 Objetivos específicos - Gerar estimativas de densidade e abundância relativa para as espécies de primatas habitantes dos fragmentos florestais das Serras das Lontras e Javi; - Comparar os resultados obtidos às estimativas geradas pela aplicação da mesma metodologia em três grandes fragmentos florestais do sul da Bahia: Reserva Biológica de Una (REBIO Una), Parque Estadual da Serra do Conduru e entorno (PESC) e Reserva Ecológica Michelin; - Realizar uma análise conjunta dos dados das quatro áreas para gerar estimativas médias de abundância e densidade dos primatas no sul da Bahia. - Avaliar o papel das Serras das Lontras e Javi na conservação das populações de primatas do sul da Bahia. 36
  • 37. 4. MÉTODOS 4.1 Áreas de estudo e Coleta de dados 4.1.1 Serras das Lontras e Javi Os fragmentos florestais investigados pertencem ao complexo das Serras das Lontras e do Javi, dispostos paralelamente a leste da BR-101, abrangendo os limites dos municípios de São José da Vitória, Arataca e Una, entre as coordenadas15º04' - 15º15' S e 39º15' - 39º25' W (ARAÚJO e SANTOS, 2005). As Serras das Lontras e Javi localizam-se a aproximadamente 35 km da costa atlântica (Figura 2), apresentam um gradiente altitudinal com elevações que variam do nível do mar a mais de 1000 m (SILVEIRA et al., 2005) e ocupam uma área de cerca de 16.500 hectares (MMA e IBAMA, 2006). Com base na classificação de Ab’Saber, a região encontra-se no Domínio da Mata Atlântica e a vegetação predominante é a Floresta Ombrófila (SILVEIRA et al., 2005). Na verdade, varia progressivamente de acordo com a altitude, indo desde Floresta Ombrófila, com estrato arbóreo chegando a 40 metros de altura, até as denominadas Florestas Montanas (Figura 3), encontradas em elevações a partir de 500 m (THOMAS, 2003). Essa formação apresenta árvores baixas e retorcidas com troncos recobertos por briófitas, líquens e pequenas bromélias e o sub-bosque denso, dominado por palmeiras e bambus (SILVEIRA et al., 2005). A grande pluviosidade e a raridade de períodos secos nas Florestas Montanas da Bahia resulta em uma grande exuberância de epífitas, com alta diversidade de Orchidaceae e presença de espécies com requerimentos de alta pluviosidade e umidade, como samambaias arbóreas (THOMAS, 2003). O forte epifitismo, inclusive com muitos musgos (Bryophytae) é também um fator marcante na área e indicador da elevada umidade (JARDIM, 2003). 37
  • 38. Figura 2. Localização geográfica das Serras das Lontras e Javi (LONTRAS), em relação à posição de três unidades de conservação do sul da Bahia: Reserva Biológica de Una (REBIO), Parque Estadual do Conduru (PESC) e Reserva Ecológica Michelin (MICHELIN). Escala 1:250.000 PROBIO. 38
  • 39. Figura 3. Floresta Montana na Serra do Javi. Trilha Catarina, agosto de 2007. Fotos: Leticia Bastos. A intervenção humana na área compreende, principalmente, a exploração madeireira e cultivos de cacau em sistema de cabrucas. O desenvolvimento da cacauicultura na região das Serras está associada aos solos dominantes Podzólicos Vermelhos Amarelos Distróficos e é o principal fator responsável pela alteração da cobertura primitiva (JARDIM, 2003). No entanto, a crise da economia cacaueira levou ao abandono de inúmeras propriedades nas serras (SILVEIRA et al., 2005), restando poucos trabalhadores responsáveis pelos tratos básicos dos cacauais ou praticando agricultura de subsistência. A ocupação dos topos de morros por posseiros, associada à baixa qualidade de vida dessas famílias, contribui para a continuidade da caça e da exploração ilegal de madeira nas serras (ARAÚJO e SANTOS, 2001). Como resultado, a região foi intensamente degradada e hoje consiste em um mosaico de fragmentos florestais bem preservados (ANEXO III) imersos em uma matriz de cabrucas, vegetação em diferentes graus de regeneração, outros cultivos agrícolas e pastagens, restando poucos fragmentos florestais abaixo dos 500 m de altitude (SILVEIRA et al., 2005). Esse complexo de montanhas foi pouco explorado do ponto de vista científico (PACHECO et al., 1996; JARDIM, 2003; SILVANO e PIMENTA, 2003; SILVEIRA et al., 2005) e apenas recentemente começou a receber maior atenção em termos de conservação: juntamente com a Reserva Biológica de Una, as Serras das Lontras e Javi foram consideradas “de extrema importância ecológica” no workshop “Áreas Prioritárias para a 39
  • 40. Conservação da Biodiversidade da Mata Atlântica e Campos Sulinos” (MMA, 2000; TIMMERS et al., 2002). A descrição de um novo gênero de ave que habita os densos sub- bosques de cabrucas da Serra das Lontras, o gravateiro-acrobata (Acrobatornis fonsecai), há mais de dez anos, anunciou o potencial da região para o abrigo de espécies endêmicas e ameaçadas (PACHECO et al., 1996). A importância biogeográfica das serras do ponto de vista da avifauna se estende a outros grupos animais e vegetais (SILVEIRA et al., 2005). Um inventário de anfíbios na Serra das Lontras, em 2000, registrou uma nova espécie de Hyla e encontrou a espécie Rhamphophryne proboscidea, cujo último registro datava de 1936, na região de Salvador (SILVANO e PIMENTA, 2003). Originalmente, a comunidade de primatas das serras também representava uma das mais ricas da Mata Atlântica, composta por Callithrix kuhlii, Leontopithecus chrysomelas, Callicebus melanochir, Cebus xanthosternos, Alouatta guariba e Brachyteles hypoxantus, mas as duas últimas espécies provavelmente encontram-se extintas da região (RYLANDS et al., 1996). A criação de unidades de conservação que possam proteger adequadamente essa importante e razoavelmente bem preservada área de Floresta Atlântica é recomendada (PACHECO et al., 1996; SILVEIRA et al., 2005). Esses fatores, somados à existência de diversos cursos de água que se originam nas serras (rio Una, ribeirões Javi, Pratinha e Santo Antônio) e representam importante fonte de recursos hídricos para as localidades circunvizinhas, justificam a criação de uma unidade de conservação na área (TIMMERS et al., 2002; MMA, 2006). Diante disso, o Ministério do Meio Ambiente propôs a criação de um Parque Nacional de 16.520 hectares abrangendo as Serras das Lontras, Javi e Quatis (Figura 4). O objetivo dessa unidade de conservação será proteger os grandes fragmentos florestais acima de 400 metros de altitude e estimular o ecoturismo em municípios que sofreram os impactos da crise da lavoura cacaueira (MMA e IBAMA, 2006). 40
  • 41. Figura 4. Proposta de criação do Parque Nacional Serra das Lontras, MMA (Fonte: www.mma.gov.br). 4.1.2 Transecções Lineares O presente estudo utiliza a metodologia dos transectos lineares, seguindo as premissas para aplicação do programa “DISTANCE” (BUCKLAND et al., 1993; THOMAS et al., 2002), para gerar estimativas populacionais das espécies de primatas habitantes dos fragmentos florestais das Serras das Lontras e Javi. O cenário ideal para as amostragens por transectos lineares considera que N objetos estão distribuídos, em função de processos estocásticos, por uma área de tamanho A, permitindo que a densidade de objetos seja calculada pela relação D = N/A; e os transectos, posicionados de acordo com 41
  • 42. um desenho amostral aleatório, são percorridos gerando uma amostra de n objetos detectados (THOMAS et al., 2002). Distâncias perpendiculares x são medidas a partir do transecto até os animais ou grupos de interesse (Figura 5). Suponhamos que k transectos, de extensões l1, ..., lk (com Σ lj = L), estejam posicionados de acordo com um desenho aleatório, e que n animais ou grupos sejam detectados a distâncias perpendiculares x1,...,xn. Suponhamos, também, que os animais localizados além de uma distância w do transecto (distância de truncamento) não sejam avistados. Sendo assim, a área amostrada pode ser calculada como a = 2wL, na qual n animais são detectados (BUCKLAND et al., 1993; THOMAS et al., 2002) Ao considerar que Pa seja a probabilidade de um animal escolhido aleatoriamente na área amostrada ser detectado – observando que Pa = n/N, ou seja, N = n/Pa (BROCKELMAN e ALI, 1987) – e supondo que uma estimativa de Pa esteja disponível, então a densidade de animais D pode ser estimada por (THOMAS et al., 2002): D = n . 2LwPa Figura 5. Metodologia dos transectos lineares, com uma única linha, posicionada aleatoriamente, de extensão L. Seis objetos (n = 6) são detectados a distâncias x1, x2,..., x6. Os objetos são denotados por uma linha mostrando a distância perpendicular medida. Em aplicações práticas, muitos transectos devem ser usados para amostrar populações. (Fonte: BUCKLAND et al., 1993, Capítulo 1). 42
  • 43. Agora, para a estimativa de Pa, é definida a Função de Detecção g(x) como sendo a probabilidade de um animal a uma distância x do transecto ser detectado, 0 ≤ x ≤ w, e assumimos que g(0) = 1, ou seja, todos os animais sobre a trilha são detectados. Ao plotar as distâncias perpendiculares registradas em um histograma, então o problema se resume a encontrar o melhor modelo ou função para g(x) e ajustá-lo aos dados de distâncias perpendiculares. Como mostra a Figura 6, se definirmos µ como a integral de g(x), então Pa = µ / w. O parâmetro µ também é chamado de (meia) largura efetiva do transecto: o número de avistamentos além dessa distância equivale ao número de avistamentos perdidos (animais ou grupos não detectados) dentro dela. Então: D = n = n = n . aPa 2 wL µ / w 2 µL Figura 6. A área µ abaixo da função de detecção g(x), quando expressa como uma proporção da área w do retângulo, corresponde à probabilidade de detectar um objeto na área amostrada (Pa). O parâmetro µ também representa a largura efetiva da faixa amostrada e assume valores de 0 a w. (Fonte: THOMAS et al., 2002). 43
  • 44. É necessário obter a estimativa µ do parâmetro µ. A questão pode se tornar mais familiar observando-se que a Função Probabilidade de Detecção das distâncias perpendiculares, f(x), é simplesmente a função g(x) integrada em uma escala de 0 a 1. Isto é, f(x) = g(x) / µ. Como assumimos que g(0) = 1, segue-se que f(0) = 1 / µ (Figura 7) Então: D = n = N f(0) 2 µL 2L O problema fica reduzido a modelar f(x) e avaliar seu ajuste em x = 0. O programa Distance utiliza uma série de métodos para ajustar a melhor função à distribuição dos dados (THOMAS et al., 2002). Figura 7. A Função Probabilidade de Detecção, f(x), plotada em histograma de freqüências de distâncias perpendiculares (numa escala em que a área total das barras do histrograma é 1). A área sob a curva também é a unidade por definição. Como as duas áreas listradas são idênticas, a área do retângulo µf(0) também é a unidade. Assim, µ = 1 / f(0). (Fonte: THOMAS et al., 2002). 44