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Macunaíma - resumo e análise da obra de
   Mário de Andrade
Com uma narrativa de caráter mítico, em que os acontecimentos não seguem as
convenções realistas, a obra procura fazer um retrato do povo brasileiro, por meio
do “herói sem caráter”
O livro faz parte da primeira fase modernista – a fase heróica. A influência das
vanguardas européias é visível em várias técnicas inovadoras de linguagem que a obra
apresenta. Por isso, Macunaíma pode oferecer algumas dificuldades ao leitor desavisado.


Há inúmeras referências ao folclore brasileiro. A narrativa se aproxima da oralidade – no
capítulo “Cartas pras Icamiabas”, Macunaíma ironiza o povo de São Paulo, que fala em
uma língua e escreve em outra. Além disso, não existe verossimilhança realista.


Alguns aspectos históricos motivaram Mário de Andrade a criar tais “empecilhos”. A
referência ao folclore brasileiro e à linguagem oral é manifestação típica da primeira fase
modernista, quando os escritores estavam preocupados em descobrir a identidade do país
e do brasileiro. No plano formal, essa busca se dá pela linguagem falada no Brasil,
ignorando, ou melhor, desafiando o português lusitano. No plano temático, a utilização
do folclore servia como matéria-prima dessa busca.


Macunaíma é, portanto, uma tentativa de construção do retrato do povo brasileiro. Essa
tentativa não era nova. O autor romântico José de Alencar, por exemplo, tivera a mesma
intenção ao criar, no romance O Guarani, o personagem Peri, índio de aspirações nobres,
que se assemelhava, em relação a sua conduta ética, a um cavaleiro medieval lusitano.
Não é exagero dizer, se compararmos Peri a Macunaíma, que esse é o oposto daquele.
Enquanto o primeiro é valente, extremamente perseverante e encontra suas motivações
nos valores da ética e da moral, Macunaíma, além de indolente, conduz a maioria de seus
atos movido pelo prazer terreno, mundano. É “o herói sem nenhum caráter”.

NARRADOR
A crítica literária contemporânea faz questão de considerar a diferença entre o autor e o
narrador: esse é tido como uma criação daquele. No caso de Macunaíma, no entanto, essa
distinção pode ser questionada, quando o narrador aparece no último capítulo. No
“Epílogo”, o narrador revela que a história que acabara de narrar havia sido contada por
um papagaio, que, por sua vez, a tinha ouvido de Macunaíma: “Tudo ele – o papagaio –
contou pro homem e depois abriu asa rumo a Lisboa. E o homem sou eu, minha gente, e
eu fiquei pra vos contar a história”. Essa interferência do narrador, da forma como foi
feita, aproxima-o do autor, no caso Mário de Andrade.

ENREDO
A obra Macunaíma pode ser classificada como uma rapsódia, considerando- se dois
significados dessa palavra contidos no Dicionário Aurélio: “3. Entre os gregos,
fragmentos de poemas épicos cantados pelos rapsodos. 4. Mús. Fantasia instrumental que
utiliza temas e processos de composição improvisada tirados de cantos tradicionais ou
populares”.


Há, ainda, uma aproximação ao gênero épico: à medida que o livro narra, em trechos
fragmentados, a vida de um personagem que simboliza uma nação. Sobre a acepção
musical dada pelo dicionário, chama atenção o improviso da narrativa, que impressiona e
surpreende a cada momento, tendo como pano de fundo a cultura popular.


O enredo dessa rapsódia, como foi dito, pode tornar-se confuso ao leitor acostumado ao
pacto de verossimilhança realista. Por exemplo, é necessário aceitar o fato de o
protagonista morrer duas vezes no romance; ou, então, que Macunaíma, em uma fuga,
possa estar em Manaus e, algumas linhas depois, aparecer na Argentina; ou ainda o fato
de o herói encontrar uma poça que embranquece quem nela se banha.


A verossimilhança em questão é surrealista e deve ser lida de forma simbólica. A cena
em que Macunaíma e seus dois irmãos se banham na água que embranquece pode ser
entendida como o símbolo das três etnias que formaram o Brasil: o branco, vindo da
Europa; o negro, trazido como escravo da África; e o índio nativo. Nessa cena,
Macunaíma é o primeiro a se banhar e torna-se loiro.
Jiguê é o segundo, e como a água já estava “suja” do negrume do herói, fica com a cor de
bronze (índio); por último, Manaape, que simboliza o negro, só embranquece a palma das
mãos e a sola dos pés.

Capítulo I - “Macunaíma”
Macunaíma nasce no Uraricoera e já manifesta uma de suas características mais fortes: a
preguiça; sua principal atividade é a sexual, e com a mulher do irmão Jiguê. É também
nesse capítulo que o protagonista se transforma em um príncipe lindo.

Capítulo II - “Maioridade”
Por suas traquinagens, Macunaíma é abandonado pela mãe. No meio do mato, encontra o
Curupira, que arma uma cilada para o herói, da qual acaba escapando por pura preguiça.
Depois de contar à cotia como enganou o monstro, ela joga calda de aipim envenenada
em Macunaíma, fazendo seu corpo crescer, com exceção da cabeça, que ele consegue
desviar do caldo.

Capítulo III - “Ci, Mãe do Mato”
Com a ajuda dos irmãos, Macunaíma consegue fazer sexo com Ci, que engravida e perde
o filho. Após a morte do filho, Ci deixa também este mundo e dá a Macunaíma a famosa
muiraquitã, um tipo de talismã ou amuleto.

Capítulo IV - “Boiúna Luna”
Triste, Macunaíma segue seu caminho após se despedir das Icamiabas (tribo das índias
sem marido). Encontra o monstro Capei e luta contra ele. Nessa batalha, perde o
muiraquitã e fica sabendo que uma tartaruga apanhada por um mariscador havia
encontrado o talismã, e esse o tinha vendido a Venceslau Pietro Pietra, rico fazendeiro,
residente em São Paulo.

Capítulo V - “Piaimã”
O herói, acompanhado dos irmãos, vai para São Paulo, com o objetivo de recuperar a
pedra. Na cidade, descobre que Venceslau Pietro Pietra é o gigante Piaimã, devorador de
gente que era amigo da Ceiuci, também apreciadora de carne humana.

Capítulo VI - “A francesa e o gigante”
Macunaíma disfarça-se de francesa para seduzir o gigante Piaimã e recuperar a
muiraquitã. O gigante propõe dar a pedra ao herói disfarçado se esse aceitasse dormir
com ele. Macunaíma, então, dispara numa correria por todo o Brasil.

Capítulo VII - “Macumba”
Macunaíma vai para um terreiro de macumba no Rio de Janeiro e pede à macumbeira que
dê uma sova cruel no gigante.

Capítulo VIII - “Vei, a Sol”
Ainda no Rio, o herói encontra Vei, a deusa-sol. O herói promete a Vei que iria casar-se
com uma de suas filhas. Na mesma noite, no entanto, Macunaíma “brinca” (ou seja, faz
sexo) com uma portuguesa, enfurecendo a deusa. Ela manda um monstro pavoroso atrás
do herói, que foge deixando a portuguesa com o monstro.

Capítulo IX - “Carta pras Icamiabas”
No retorno a São Paulo, Macunaíma escreve a famosa “Carta pras Icamiabas”, na qual
descreve, em estilo afetadíssimo, a agitação e as mazelas da vida paulistana.

Capítulo X - “Pauí-pódole”
Com o gigante adoentado, Macunaíma fica impossibilitado de recuperar a pedra, portanto
gasta seu tempo aprendendo a difícil língua da terra.

Capítulo XI - “A velha Ceiuci”
Depois de arrumar uma saborosa confusão na cidade, o herói vai visitar o gigante, que
ainda se recuperava. Resolve fazer uma pescaria no Tietê, onde também costumava
pescar Ceiuci. Além de brincar com a filha da caapora, Macunaíma foge de Ceiuci em
um cavalo que percorre de forma surrealista a América Latina: em algumas linhas, faz o
incrível trajeto Manaus-Argentina.

Capítulo XII - “Tequetequem, Chupinzão e a injustiça dos homens”
Disfarçando-se de pianista, Macunaíma tenta obter uma bolsa de estudo para seguir no
encalço de Venceslau Pietro Pietra, que fora para a Europa. Não conseguindo ludibriar o
governo, decide viajar pelo Brasil com os irmãos. Numa das andanças, com fome, o herói
encontra um macaco comendo coquinhos. O macaco diz cinicamente que estava comendo
os próprios testículos. Macunaíma, ingenuamente, pega então um paralelepípedo e bate
com toda a força nos seus, ditos, coquinhos. O herói morre e é ressuscitado pelo irmão
Manaape, que lhe restitui os testículos com dois cocos-da-baía.

Capítulo XIII - “A piolhenta de Jiguê”
Jiguê se enamora de uma moça piolhenta, que brinca toda hora com Macunaíma. Quando
descobre a traição, Jiguê dá uma sova no herói e uma porretada na amante, que vai para o
céu com seus piolhos, transformada em estrela que pula.

Capítulo XIV - “Muiraquitã”
Macunaíma mata o gigante Piaimã, jogando-o num buraco com água fervendo, onde
Ceiuci preparava uma imensa macarronada. Depois de matar Venceslau Pietro Pietra, o
herói consegue recuperar a muiraquitã.

Capítulo XV - “A pacuera de Oibê”
Macunaíma e os irmãos resolvem voltar para o Uraricoera, levando consigo alguns
pertences e uma dose de saudade de São Paulo. Na volta, o herói tem vários casos
amorosos. Perseguidos pelo Minhocão Oibê, Macunaíma o transforma num cachorro-do-
mato e segue viagem.

Capítulo XVI - “Uraricoera”
Chegando ao Uraricoera, o herói se entristece ao ver a maloca da tribo destruída. Uma
sombra leprosa devora os irmãos, e Macunaíma fica só. Todas as aves o abandonam,
apenas um papagaio, a quem conta toda a sua história, permanece com ele.

Capítulo XVII - “Ursa Maior”
Vei, a Sol, vinga a desfeita que Macunaíma havia feito a uma de suas filhas e cria uma
armadilha para o herói, que, ao ver a uiara em uma lagoa, se deixa seduzir e acaba sendo
mutilado pelo monstro. Macunaíma consegue recuperar suas partes mutiladas, abrindo a
barriga do bicho, mas não encontra sua perna nem a muiraquitã. O herói vai para o céu,
transformado na constelação da Ursa Maior.

Epílogo
O narrador, aqui, conta que ficou conhecendo a história narrada com o papagaio ao qual
Macunaíma havia relatado suas aventuras.

TEMPO E ESPAÇO
Por tratar-se de uma narrativa mítica, o tempo e o espaço da obra não estão precisamente
definidos, tendo como base a realidade. Pode-se dizer apenas que o espaço é
prioritariamente o espaço geográfico brasileiro, com algumas referências ao exterior,
enquanto o tempo cronológico da narrativa se mostra indefinido.

CONCLUSÃO
Macunaíma é uma obra que busca sintetizar o caráter brasileiro, segundo as convicções
da primeira fase modernista. Uma leitura possível é a de que o povo brasileiro não tem
um caráter definido e o Brasil é um país grande como o corpo de Macunaíma, mas
imaturo, característica que é simbolizada pela cabeça pequena do herói.
Resumo   macunaíma

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Resumo macunaíma

  • 1. Macunaíma - resumo e análise da obra de Mário de Andrade Com uma narrativa de caráter mítico, em que os acontecimentos não seguem as convenções realistas, a obra procura fazer um retrato do povo brasileiro, por meio do “herói sem caráter” O livro faz parte da primeira fase modernista – a fase heróica. A influência das vanguardas européias é visível em várias técnicas inovadoras de linguagem que a obra apresenta. Por isso, Macunaíma pode oferecer algumas dificuldades ao leitor desavisado. Há inúmeras referências ao folclore brasileiro. A narrativa se aproxima da oralidade – no capítulo “Cartas pras Icamiabas”, Macunaíma ironiza o povo de São Paulo, que fala em uma língua e escreve em outra. Além disso, não existe verossimilhança realista. Alguns aspectos históricos motivaram Mário de Andrade a criar tais “empecilhos”. A referência ao folclore brasileiro e à linguagem oral é manifestação típica da primeira fase modernista, quando os escritores estavam preocupados em descobrir a identidade do país e do brasileiro. No plano formal, essa busca se dá pela linguagem falada no Brasil, ignorando, ou melhor, desafiando o português lusitano. No plano temático, a utilização do folclore servia como matéria-prima dessa busca. Macunaíma é, portanto, uma tentativa de construção do retrato do povo brasileiro. Essa tentativa não era nova. O autor romântico José de Alencar, por exemplo, tivera a mesma intenção ao criar, no romance O Guarani, o personagem Peri, índio de aspirações nobres, que se assemelhava, em relação a sua conduta ética, a um cavaleiro medieval lusitano. Não é exagero dizer, se compararmos Peri a Macunaíma, que esse é o oposto daquele. Enquanto o primeiro é valente, extremamente perseverante e encontra suas motivações nos valores da ética e da moral, Macunaíma, além de indolente, conduz a maioria de seus atos movido pelo prazer terreno, mundano. É “o herói sem nenhum caráter”. NARRADOR A crítica literária contemporânea faz questão de considerar a diferença entre o autor e o narrador: esse é tido como uma criação daquele. No caso de Macunaíma, no entanto, essa distinção pode ser questionada, quando o narrador aparece no último capítulo. No “Epílogo”, o narrador revela que a história que acabara de narrar havia sido contada por um papagaio, que, por sua vez, a tinha ouvido de Macunaíma: “Tudo ele – o papagaio – contou pro homem e depois abriu asa rumo a Lisboa. E o homem sou eu, minha gente, e eu fiquei pra vos contar a história”. Essa interferência do narrador, da forma como foi feita, aproxima-o do autor, no caso Mário de Andrade. ENREDO A obra Macunaíma pode ser classificada como uma rapsódia, considerando- se dois
  • 2. significados dessa palavra contidos no Dicionário Aurélio: “3. Entre os gregos, fragmentos de poemas épicos cantados pelos rapsodos. 4. Mús. Fantasia instrumental que utiliza temas e processos de composição improvisada tirados de cantos tradicionais ou populares”. Há, ainda, uma aproximação ao gênero épico: à medida que o livro narra, em trechos fragmentados, a vida de um personagem que simboliza uma nação. Sobre a acepção musical dada pelo dicionário, chama atenção o improviso da narrativa, que impressiona e surpreende a cada momento, tendo como pano de fundo a cultura popular. O enredo dessa rapsódia, como foi dito, pode tornar-se confuso ao leitor acostumado ao pacto de verossimilhança realista. Por exemplo, é necessário aceitar o fato de o protagonista morrer duas vezes no romance; ou, então, que Macunaíma, em uma fuga, possa estar em Manaus e, algumas linhas depois, aparecer na Argentina; ou ainda o fato de o herói encontrar uma poça que embranquece quem nela se banha. A verossimilhança em questão é surrealista e deve ser lida de forma simbólica. A cena em que Macunaíma e seus dois irmãos se banham na água que embranquece pode ser entendida como o símbolo das três etnias que formaram o Brasil: o branco, vindo da Europa; o negro, trazido como escravo da África; e o índio nativo. Nessa cena, Macunaíma é o primeiro a se banhar e torna-se loiro. Jiguê é o segundo, e como a água já estava “suja” do negrume do herói, fica com a cor de bronze (índio); por último, Manaape, que simboliza o negro, só embranquece a palma das mãos e a sola dos pés. Capítulo I - “Macunaíma” Macunaíma nasce no Uraricoera e já manifesta uma de suas características mais fortes: a preguiça; sua principal atividade é a sexual, e com a mulher do irmão Jiguê. É também nesse capítulo que o protagonista se transforma em um príncipe lindo. Capítulo II - “Maioridade” Por suas traquinagens, Macunaíma é abandonado pela mãe. No meio do mato, encontra o Curupira, que arma uma cilada para o herói, da qual acaba escapando por pura preguiça. Depois de contar à cotia como enganou o monstro, ela joga calda de aipim envenenada em Macunaíma, fazendo seu corpo crescer, com exceção da cabeça, que ele consegue desviar do caldo. Capítulo III - “Ci, Mãe do Mato” Com a ajuda dos irmãos, Macunaíma consegue fazer sexo com Ci, que engravida e perde o filho. Após a morte do filho, Ci deixa também este mundo e dá a Macunaíma a famosa muiraquitã, um tipo de talismã ou amuleto. Capítulo IV - “Boiúna Luna” Triste, Macunaíma segue seu caminho após se despedir das Icamiabas (tribo das índias
  • 3. sem marido). Encontra o monstro Capei e luta contra ele. Nessa batalha, perde o muiraquitã e fica sabendo que uma tartaruga apanhada por um mariscador havia encontrado o talismã, e esse o tinha vendido a Venceslau Pietro Pietra, rico fazendeiro, residente em São Paulo. Capítulo V - “Piaimã” O herói, acompanhado dos irmãos, vai para São Paulo, com o objetivo de recuperar a pedra. Na cidade, descobre que Venceslau Pietro Pietra é o gigante Piaimã, devorador de gente que era amigo da Ceiuci, também apreciadora de carne humana. Capítulo VI - “A francesa e o gigante” Macunaíma disfarça-se de francesa para seduzir o gigante Piaimã e recuperar a muiraquitã. O gigante propõe dar a pedra ao herói disfarçado se esse aceitasse dormir com ele. Macunaíma, então, dispara numa correria por todo o Brasil. Capítulo VII - “Macumba” Macunaíma vai para um terreiro de macumba no Rio de Janeiro e pede à macumbeira que dê uma sova cruel no gigante. Capítulo VIII - “Vei, a Sol” Ainda no Rio, o herói encontra Vei, a deusa-sol. O herói promete a Vei que iria casar-se com uma de suas filhas. Na mesma noite, no entanto, Macunaíma “brinca” (ou seja, faz sexo) com uma portuguesa, enfurecendo a deusa. Ela manda um monstro pavoroso atrás do herói, que foge deixando a portuguesa com o monstro. Capítulo IX - “Carta pras Icamiabas” No retorno a São Paulo, Macunaíma escreve a famosa “Carta pras Icamiabas”, na qual descreve, em estilo afetadíssimo, a agitação e as mazelas da vida paulistana. Capítulo X - “Pauí-pódole” Com o gigante adoentado, Macunaíma fica impossibilitado de recuperar a pedra, portanto gasta seu tempo aprendendo a difícil língua da terra. Capítulo XI - “A velha Ceiuci” Depois de arrumar uma saborosa confusão na cidade, o herói vai visitar o gigante, que ainda se recuperava. Resolve fazer uma pescaria no Tietê, onde também costumava pescar Ceiuci. Além de brincar com a filha da caapora, Macunaíma foge de Ceiuci em um cavalo que percorre de forma surrealista a América Latina: em algumas linhas, faz o incrível trajeto Manaus-Argentina. Capítulo XII - “Tequetequem, Chupinzão e a injustiça dos homens” Disfarçando-se de pianista, Macunaíma tenta obter uma bolsa de estudo para seguir no encalço de Venceslau Pietro Pietra, que fora para a Europa. Não conseguindo ludibriar o governo, decide viajar pelo Brasil com os irmãos. Numa das andanças, com fome, o herói encontra um macaco comendo coquinhos. O macaco diz cinicamente que estava comendo os próprios testículos. Macunaíma, ingenuamente, pega então um paralelepípedo e bate
  • 4. com toda a força nos seus, ditos, coquinhos. O herói morre e é ressuscitado pelo irmão Manaape, que lhe restitui os testículos com dois cocos-da-baía. Capítulo XIII - “A piolhenta de Jiguê” Jiguê se enamora de uma moça piolhenta, que brinca toda hora com Macunaíma. Quando descobre a traição, Jiguê dá uma sova no herói e uma porretada na amante, que vai para o céu com seus piolhos, transformada em estrela que pula. Capítulo XIV - “Muiraquitã” Macunaíma mata o gigante Piaimã, jogando-o num buraco com água fervendo, onde Ceiuci preparava uma imensa macarronada. Depois de matar Venceslau Pietro Pietra, o herói consegue recuperar a muiraquitã. Capítulo XV - “A pacuera de Oibê” Macunaíma e os irmãos resolvem voltar para o Uraricoera, levando consigo alguns pertences e uma dose de saudade de São Paulo. Na volta, o herói tem vários casos amorosos. Perseguidos pelo Minhocão Oibê, Macunaíma o transforma num cachorro-do- mato e segue viagem. Capítulo XVI - “Uraricoera” Chegando ao Uraricoera, o herói se entristece ao ver a maloca da tribo destruída. Uma sombra leprosa devora os irmãos, e Macunaíma fica só. Todas as aves o abandonam, apenas um papagaio, a quem conta toda a sua história, permanece com ele. Capítulo XVII - “Ursa Maior” Vei, a Sol, vinga a desfeita que Macunaíma havia feito a uma de suas filhas e cria uma armadilha para o herói, que, ao ver a uiara em uma lagoa, se deixa seduzir e acaba sendo mutilado pelo monstro. Macunaíma consegue recuperar suas partes mutiladas, abrindo a barriga do bicho, mas não encontra sua perna nem a muiraquitã. O herói vai para o céu, transformado na constelação da Ursa Maior. Epílogo O narrador, aqui, conta que ficou conhecendo a história narrada com o papagaio ao qual Macunaíma havia relatado suas aventuras. TEMPO E ESPAÇO Por tratar-se de uma narrativa mítica, o tempo e o espaço da obra não estão precisamente definidos, tendo como base a realidade. Pode-se dizer apenas que o espaço é prioritariamente o espaço geográfico brasileiro, com algumas referências ao exterior, enquanto o tempo cronológico da narrativa se mostra indefinido. CONCLUSÃO Macunaíma é uma obra que busca sintetizar o caráter brasileiro, segundo as convicções da primeira fase modernista. Uma leitura possível é a de que o povo brasileiro não tem um caráter definido e o Brasil é um país grande como o corpo de Macunaíma, mas imaturo, característica que é simbolizada pela cabeça pequena do herói.