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Memórias de um sargento de Milícia – Manuel A. de Almeida
Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida, é uma
obra que, apesar de ser considerada integrante do movimento romântico, graças ao
empenho incessante dos críticos em classificar rigidamente as produções literárias em
estilos – Romantismo, Realismo, e outros mais -, destoa nitidamente das
características desta escola.
O único ponto em comum entre este livro e os de seus contemporâneos é que
ele também foi, inicialmente, publicado em capítulos em um periódico, o carioca
Correio Mercantil, configurando, assim, um folhetim, editado toda semana neste
veículo, entre junho de 1852 e julho de 1853, sem a assinatura do escritor. Ele só foi
lançado no formato literário em 1854 – primeiro volume – e em 1855 – o segundo
volume, subscrito como ‘um brasileiro’. O nome do escritor só foi creditado na terceira
edição, quando ele já tinha falecido.
Por constituir uma obra à parte, considerada desrespeitosa e irregular pelos
críticos conservadores, que não sabiam como lidar com as produções que não se
enquadravam em suas categorias literárias, ela foi durante muito tempo relegada às
sombras, sendo redescoberta a partir dos anos 20. Suas características, que até então
provocavam desprezo entre os especialistas, a converteram em um dos livros mais
carismáticos de toda a produção brasileira do século XIX.
Para conquistar a atenção do leitor, o autor criou uma narrativa que lembra
muito as notícias de um jornal, composta com o discurso do povo, típico das camadas
baixas e médias, exposto em capítulos concisos e de certa forma autônomos, cada um
deles representando, normalmente, um evento integral. O enredo é intrincado, tecido
por tramas sucessivas que somente em alguns momentos interagem entre si.
Leonardo é o protagonista desta história, o típico malandro carioca, concebido
durante uma travessia marítima que conduz seus pais de Portugal ao Brasil. Desde
criança ele revela seu mau gênio e antevê os desafios com os quais irá se deparar em
sua existência. Rejeitado pelos pais, só lhe resta o amparo do padrinho, proprietário
de uma barbearia. A forma ilícita como este profissional conquistou seu capital
simboliza o famoso ‘jeitinho brasileiro’, já comum na vida social deste período.
Os feitos de Leonardo o levam incessantemente a dificuldades das quais ele se
livra por meio da intervenção de seus amigos. Ele configura um personagem plano,
que não se modifica em momento algum, ou seja, seus traços elementares são
preservados o tempo todo. O herói mantém, assim, seu jeito malandro de ser até o
final. Outras figuras do livro são consideradas alegóricas, algumas nem mesmo são
nomeadas, pois apenas representam determinadas categorias.
Leonardo não conduz a narrativa, a qual é tecida por um narrador onisciente na
terceira pessoa. A expressão ‘memórias’ mencionada no título se refere, portanto, ao
passado, resgatado através das aventuras e desventuras de Leonardo. Duas diretrizes
guiam este relato, a ordem, simbolizada pelo Major Vidigal, e a desordem,
característica principal do protagonista. A vivência de uma meninice que conheceu de
perto a pobreza contribui para que Manuel Antônio construa habilmente esta história,
bem como cada um de seus personagens.

São Bernardo – Graciliano Ramos
Criado por uma negra doceira, Paulo Honório foi um menino órfão que guiava
um cego e vendia cocadas durante a infância para conseguir algum dinheiro. Depois
começou a trabalhar na duro na roça até os dezoito anos. Nessa época ele esfaqueia
João Fagundes, um homem que se envolve com a mulher com quem Paulo Honório
teve sua primeira relação sexual. Então é preso e durante esse período aprende a ler
com o sapateiro Joaquim. A partir de então ele passa somente a pensar em juntar
dinheiro.
Saindo da prisão, Paulo Honório pega emprestado com o agiota Pereira uma
quantia em dinheiro e começa a negociar gado e todo tipo de coisas pelo sertão.
Assim, ele enfrente toda sorte de injustiças, fome e sede, passando por tudo isso com
muita frieza e utilizando de meios antiéticos, como ameaças de morte e roubo. Após
conseguir juntar algumas economias, retorna a sua terra natal, Viçosa, com o desejo
de adquirir a fazenda São Bernardo, onde tinha trabalhado.
Para tanto, Paulo Honório inicia uma amizade falsa com Luís Padilha, herdeiro
de São Bernardo. Luís era um moço apaixonado por jogo, mulheres e bebida, e aos
poucos Paulo consegue conquistar a confiança dele. Inexperiente, Luís Padilha
começa a financiar projetos que não trarão sucesso incentivado por Paulo Honório,
que fazia tudo isso com a intenção de fazer Luís Padilha ficar falido financeiramente.
Tendo sucesso em seu plano, Paulo consegue comprar a fazenda São Bernardo por
um preço irrisório.
Com a ajuda de seu amigo Casimiro Lopes, Paulo Honório manda matar
Mendonça, fazendeiro vizinho, e consegue expandir os limites das terras da São
Bernardo. Através de empréstimos bancários, investe em máquinas e na plantação de
algodão e mamona. Para escoar seus produtos, Paulo Honório constrói estradas e
passa a se dedicar cada vez mais ao trabalho. E, para conseguir obter tudo isso, ele
comete as maiores injustiças e utiliza de todos os meios que puder, garantindo
impunidade através de uma grande rede de relacionamentos. Seus ajudantes são:
Gondim, o jornalista local; o padre Silvestre; e o advogado Nogueira, que manipula os
políticos locais.
Com a fazenda em ótima situação, Paulo Honório contrata o Seu. Ribeiro para
cuidar das contabilidades, contrata Luís Padilha como professor e constrói uma escola
para alfabetizar os empregados e agradar ao governador do Alagoas. Além disso,
manda buscar a negra doceira que o havia criado, a velha Margarida, arranjando
moradia para ela na São Bernardo.
Um dia Paulo Honório percebe que precisa de um herdeiro para suas ricas
terras e por conta disso resolve se casar. Pensa nas filhas e irmãs de seus amigos,
mas nenhuma lhe agrada. Então, um dia conhece a professora primária Madalena na
casa do juiz Magalhães. Da mesma forma determinada como conseguiu obter e
administrar sua propriedade, Paulo Honório convence Madalena a se casar com ele.
Após o casamento a moça e sua tia Glória mudam-se para a fazenda e o rico
fazendeiro vai percebendo que a rotina na São Bernardo começa a se alterar.
Madalena se interessa pela vida dos empregados e dá opiniões sobre as condições
precárias do professor Padilha, exigindo a compra de materiais escolares. Além disso,
ela passa a dividir as tarefas de escrituração com Ribeiro.
Paulo Honório, que imaginava Madalena como uma mulher frágil e normalista,
incomoda-se profundamente com o comportamento da moça e então começam
asbrigas do casal, que evidenciam a personalidade violenta do fazendeiro. Não
conseguindo dominar a mulher como controlava todos, Paulo Honório se torna cada
vez mais agressivo com todos e revela um ciúmes excessivo. Mesmo o nascimento do
filho não ameniza o ciúmes que sente de Madalena e suas desconfianças de traição.
Certa noite, o juiz Magalhães visita o casal e conversa animadamente com
Madalena. Isso deixa Paulo Honório com mais ciúmes ainda e ele fica se
atormentando durante a madrugada imaginando o prazer que um intelectual poderia
despertar na esposa. Comparando-se ao juiz, sente-se bruto e inculto e chega à
conclusão de que a traição era inevitável e Madalena grosseiramente.
No dia seguinte Paulo Honório vê a esposa muito abatida escrevendo uma
carta direcionada a Azevedo Gondim e novamente se descontrola exigindo
explicações. Ela então rasga a carta e o chama de assassino. Depois, ele se
arrepende do que fez, mas não esquecendo o insulto recebido, convenceu-se de que
Padilha havia contado algo para Madalena e resolve expulsá-lo. Porém, o professor
diz que é fiel e obediente a Paulo Honório e que ela deve ter ouvido as histórias por
meio da população local.
E assim Paulo Honório vai ficando cada vez mais paranoico em relação a
suposta infidelidade da mulher e se torturava ao som de passos imaginários durante a
noite e outros delírios. Enquanto isso, Madalena sofria e sua solidão só aumentava,
sentindo-se humilhada e sem dignidade. Por fim, perde o interesse pelo próprio filho.
Um dia Paulo Honório, ao contemplar orgulhoso sua propriedade do alto da
torre da igreja, vê Madalena escrevendo. Ele desce, confere o trabalho dos
empregados e acha uma folha no chão. Lendo e relendo o trecho escrito, Paulo
Honório tem certeza que é uma carta endereçada para um homem e é tomado por
intenso ódio.
Então ele sai atormentado à procura da esposa e a encontra na igreja com uma
aparência muito calma. Ele exige explicações, mas ela lhe diz muito desanimada que
o restante das folhas estava no escritório. Por fim, ela lhe pede perdão por todos os
aborrecimentos e diz que o ciúmes estragou a vida dos dois. Paulo Honório passa a
noite sozinho no banco da sacristia.
Chegando em casa no dia seguinte, ele ouve gritos e descobre que Madalena
havia se suicidado. Ela havia deixado sobre a bancada uma carta de despedida para o
marido, sendo que faltava uma página, justamente aquela que ele havia encontrado no
chão no dia anterior.
Após a morte de Madalena, D. Glória e Seu. Ribeiro deixam a fazenda. Luís
Padilha junta-se os revolucionários para lutar na Revolução de 30 e também deixa São
Bernardo. O juiz Magalhães é afastado do cargo e os limites da fazenda passam a ser
contestados judicialmente. Com tudo isso, Paulo Honório se encontra abandonado.
Por fim, em meio a solidão e somente com a companhia de Casimiro Lopes e
seu cachorro, Paulo Honório escreve sua narrativa. Amargurado pelo passado, toma
consciência da desumanização por que passou enfrentando a dureza do sertão.
Incapaz de mudar, Paulo Honório busca algum sentido para a sua vida
refletindo sobre o passado e escrevendo sua história sentado à mesa da sala,
fumando
cachimbo
e
bebendo
café.

O Cortiço – Aluísio de Azevedo
O livro narra inicialmente a saga de João Romão rumo ao enriquecimento. Para
acumular capital, ele explora os empregados e se utiliza até do furto para conseguir
atingir seus objetivos. João Romão é o dono do cortiço, da taverna e da pedreira. Sua
amante, Bertoleza, o ajuda de domingo a domingo, trabalhando sem descanso.
Em oposição a João Romão, surge a figura de Miranda, o comerciante bem
estabelecido que cria uma disputa acirrada com o taverneiro por uma braça de terra
que deseja comprar para aumentar seu quintal. Não havendo consenso, há o
rompimento provisório de relações entre os dois.
Com inveja de Miranda, que possui condição social mais elevada, João Romão
trabalha ardorosamente e passa por privações para enriquecer mais que seu
oponente. Um fato, no entanto, muda a perspectiva do dono do cortiço. Quando
Miranda recebe o título de barão, João Romão entende que não basta ganhar
dinheiro, é necessário também ostentar uma posição social reconhecida, freqüentar
ambientes requintados, adquirir roupas finas, ir ao teatro, ler romances, ou seja,
participar ativamente da vida burguesa.
No cortiço, paralelamente, estão os moradores de menor ambição financeira.
Destacam-se Rita Baiana e Capoeira Firmo, Jerônimo e Piedade. Um exemplo de
como o romance procura demonstrar a má influência do meio sobre o homem é o caso
do português Jerônimo, que tem uma vida exemplar até cair nas graças da mulata Rita
Baiana. Opera-se uma transformação no português trabalhador, que muda todos os
seus hábitos.
A relação entre Miranda e João Romão melhora quando o comerciante recebe
o título de barão e passa a ter superioridade garantida sobre o oponente. Para imitar
as conquistas do rival, João Romão promove várias mudanças na estalagem, que
agora ostenta ares aristocráticos. O cortiço todo também muda, perdendo o caráter
desorganizado e miserável para se transformar na Vila João Romão.
O dono do cortiço aproxima-se da família de Miranda e pede a mão da filha do
comerciante em casamento. Há, no entanto, o empecilho representado por Bertoleza,
que, percebendo as manobras de Romão para se livrar dela, exige usufruir os bens
acumulados a seu lado.
Para se ver livre da amante, que atrapalha seus planos de ascensão social,
Romão a denuncia a seus donos como escrava fugida. Em um gesto de desespero,
prestes a ser capturada, Bertoleza comete o suicídio, deixando o caminho livre para o
casamento de Romão.

Dom Casmurro – Machado de Assis
O romance inicia-se numa situação posterior a todos os seus acontecimentos.
Bento Santiago, já um homem de idade, conta ao leitor como recebeu a alcunha de
Dom Casmurro. A expressão fora inventada por um jovem poeta, que tentara ler para
ele no trem alguns de seus versos. Como Bento cochilara durante a leitura, o rapaz
ficou chateado e começou a chamá-lo daquela forma.
O narrador inicia então o projeto de rememorar sua existência, o que ele
chama de "atar as duas pontas da vida". O leitor é apresentado à infância de Bentinho,
quando ele vivia com a família num casarão da rua de Matacavalos.
O primeiro fato relevante narrado é também seu primeiro motivo de
preocupação. Bentinho escuta uma conversa entre José Dias e dona Glória: ela
pretende mandá-lo ao seminário no cumprimento de uma promessa feita pouco antes
de seu nascimento. A mãe, que já havia perdido um filho, prometera que, se o
segundo filho nascesse "varão", ela faria dele padre. Na conversa, dona Glória
soubera da amizade estreita entre o menino e a filha de Pádua, Capitolina.
Bentinho fica furioso com José Dias, que o denunciara, e expõe a situação a
Capitu. A menina ouve tudo com atenção e começa a arquitetar uma maneira de
Bentinho escapar do seminário, mas todos os seus planos fracassam. O garoto segue
para o seminário, mas, antes de partir, sela, com um beijo em Capitu, a promessa de
que se casaria com ela.
No seminário, Bentinho conhece Ezequiel de Souza Escobar, que se torna seu
melhor amigo. Em uma visita a sua família, Bentinho leva Escobar e Capitu o
conhece.
Enquanto Bentinho estuda para se tornar padre, Capitu estreita relações com
dona Glória, que passa a ver com bons olhos a relação do filho com a garota. Dona
Glória ainda não sabe, contudo, como resolver o problema da promessa e pensa em
consultar o papa. Escobar é quem encontra a solução: a mãe, em desespero,
prometera a Deus um sacerdote que não precisava, necessariamente, ser Bentinho.
Por isso, no lugar dele, um escravo é enviado ao seminário e ordena-se padre.
Bentinho vai estudar direito no Largo de São Francisco, em São Paulo. Quando
conclui os estudos, torna-se o doutor Bento de Albuquerque Santiago. Ocorre então o
casamento tão esperado entre Bento e Capitu. Escobar, por seu lado, casara-se com
Sancha, uma antiga amiga de colégio de Capitu. Capitu e Bentinho formam um "duo
afinadíssimo".
Essa felicidade, entretanto, começa a ser ameaçada com a demora do casal
em ter um filho. Escobar e Sancha não encontram a mesma dificuldade: têm uma bela
menina, a quem colocam o nome de Capitolina.
Depois de alguns anos, Capitu finalmente tem um filho, e o casal pode retribuir
a homenagem que Escobar e Sancha lhe haviam prestado: o filho é batizado com o
nome de Ezequiel.
Os casais passam a conviver intensamente. Bento vê uma semelhança terrível
entre o pequeno Ezequiel e seu amigo Escobar, que, numa de suas aventuras na
praia - o personagem era excelente nadador -, morre afogado.
Bento enxerga no filho a figura do amigo falecido e fica convencido de que fora
traído pela mulher. Resolve suicidar-se bebendo uma xícara de café envenenado.
Quando Ezequiel entra em seu escritório, decide matar a criança, mas desiste no
último momento. Diz ao garoto, então, que não é seu pai. Capitu escuta tudo e
lamenta-se pelo ciúme de Bentinho, que, segundo ela, fora despertado pela
casualidade da semelhança.
Após inúmeras discussões, o casal decide separar-se. Arruma-se uma viagem
para a Europa com o intuito de encobrir a nova situação, que levantaria muita
polêmica. O protagonista retorna sozinho ao Brasil e se torna, pouco a pouco, o
amargo Dom Casmurro. Capitu morre no exterior e Ezequiel tenta reatar relações com
ele, mas a semelhança extrema com Escobar faz com que Bento Santiago o rejeite
novamente. O destino de Ezequiel é infeliz: ele morre de febre tifóide durante uma
pesquisa arqueológica em Jerusalém.
Triste e nostálgico, o narrador constrói uma casa que imita sua casa de
infância, na rua de Matacavalos. O próprio livro é também uma tentativa de recuperar
o sentido de sua vida. No fim, o narrador parece menosprezar um pouco a própria
criação. Convence-se de que o melhor a fazer agora é escrever outra obra sobre "a
história dos subúrbios".

A hora e a vez de Augusto Matraga – Guimarães Rosa
Narrado em terceira pessoa, o conto enfatiza duas constantes da vida do
sertão: a violência e o misticismo, na interminável luta do bem e do mal.
Augusto Esteves, filho do Coronel Afonsão Esteves, das Pindaíbas e do Sacoda-Embira, conhecido como Nhô Augusto e também como Augusto Matraga, é o maior
valentão do lugar, briga com todo mundo e maltrata por pura perversidade.
Debochado, tira as mulheres e namoradas dos outros. Não se preocupa com sua
mulher, Dona Dionóra, nem com sua filha, Mimita, nem com sua fazenda, que começa
a se arruinar.
Já em descrédito econômico e político, sobrevém o castigo: sua mulher,
Dionóra, foge com Ovídio Moura levando a filha, e seus bate-paus (capangas), mal
pagos, põem-se a serviço do seu pior inimigo; o Major Consilva Quim Recadeiro foi
quem levou a notícia da defecção dos capangas. Nhô Augusto resolve ter com eles,
antes de matar Dionóra e Ovídio, mas no caminho é atacado, numa tocaia, por seus
inimigos, que o espancam e o marcam com ferro de gado em brasa. Quase
inconsciente, no momento em que vai ser assassinado, reúne as últimas forças e se
atira no despenhadeiro do rancho do Barranco. Tomam-no por morto. É, contudo,
encontrado por um casal de negros velhos: a mãe Quitéria e o pai Serapião, que
tratam de Nhô Augusto, que sara, mas fica com sequelas deformantes.
Começa então uma nova vida, no povoado do Tombador, para onde levou os
pretos, seus protetores. Regenera-se e, esperando obter o céu, leva uma vida de
trabalho duro, penitência e reza. Arrependido de suas maldades, ajuda a todos, e reza
com devoção: quer ir para o céu, "nem que seja a porrete", e sonha com um "Deus
valentão".
Passados seis anos, tem notícias de sua ex-família através de Tião da
Thereza: a esposa, Dona Dionóra, vive feliz com Ovídio, e vai casar-se com ele;
Mimita, sua filha, foi enganada por um cometa (espécie de caixeiro viajante) e caiu na
perdição. Matraga sente saudades, sofre, mas se resigna.
Certo dia, aparece o Joãozinho Bem-Bem, jagunço de larga fama,
acompanhado de seus capangas: Flosino Capeta, Tim Tatu-tá-te-vendo, Zeferino,
Juruminho e Epifânio. Matraga hospeda-os com grande dedicação e admira as armas
e o bando de Joãozinho Bem-Bem. Mas se recusa a acompanhar o bando, mesmo
convidado pelo chefe e não aceita qualquer ajuda dos jagunços. Quer mesmo ir para o
céu.
Totalmente recuperado, Matraga despede-se dos velhinhos e parte, sem
destino, num jumento. Chega ao Arraial do Rala-Coco, onde reencontra Joãozinho
Bem-Bem e seu bando, prestes a executar uma cruel vingança contra a família de um
assassino que fugira. Augusto Matraga desperta para a sua hora e vez: intervém em
nome da justiça, opõe-se ao chefe do bando, liquida diversos capangas, tomado de
verdadeiro furor. Bate-se em duelo singular com Joãozinho Bem-Bem. Ambos morrem
- Joãozinho primeiro. Nessa hora, Augusto Matraga é identificado por seu antigos
conhecidos.
Observe a importância do número três durante toda a narrativa: a personagem
principal tem três nomes - Augusto Matraga, Augusto Esteves e Nhô Augusto;
oslugares em que transcorrem as fases de sua vida também são três - Murici, onde
vive inicialmente; o Tombador, onde faz penitência; o Rala-Coco, lugarejo próximo a
Murici, onde encontra sua hora e vez. Além disso, ele também vive em trios:
inicialmente, na praça, ele está com duas prostitutas; em casa, ele vive com a mulher
e a filha; depois de ter sido surrado e marcado a ferro, vive com um casal de pretos; e,
no final, aparece um último trio: ele, Joãozinho Bem-Bem e o velho a quem protege.

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Memórias de um Sargento

  • 1. Memórias de um sargento de Milícia – Manuel A. de Almeida Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida, é uma obra que, apesar de ser considerada integrante do movimento romântico, graças ao empenho incessante dos críticos em classificar rigidamente as produções literárias em estilos – Romantismo, Realismo, e outros mais -, destoa nitidamente das características desta escola. O único ponto em comum entre este livro e os de seus contemporâneos é que ele também foi, inicialmente, publicado em capítulos em um periódico, o carioca Correio Mercantil, configurando, assim, um folhetim, editado toda semana neste veículo, entre junho de 1852 e julho de 1853, sem a assinatura do escritor. Ele só foi lançado no formato literário em 1854 – primeiro volume – e em 1855 – o segundo volume, subscrito como ‘um brasileiro’. O nome do escritor só foi creditado na terceira edição, quando ele já tinha falecido. Por constituir uma obra à parte, considerada desrespeitosa e irregular pelos críticos conservadores, que não sabiam como lidar com as produções que não se enquadravam em suas categorias literárias, ela foi durante muito tempo relegada às sombras, sendo redescoberta a partir dos anos 20. Suas características, que até então provocavam desprezo entre os especialistas, a converteram em um dos livros mais carismáticos de toda a produção brasileira do século XIX. Para conquistar a atenção do leitor, o autor criou uma narrativa que lembra muito as notícias de um jornal, composta com o discurso do povo, típico das camadas baixas e médias, exposto em capítulos concisos e de certa forma autônomos, cada um deles representando, normalmente, um evento integral. O enredo é intrincado, tecido por tramas sucessivas que somente em alguns momentos interagem entre si. Leonardo é o protagonista desta história, o típico malandro carioca, concebido durante uma travessia marítima que conduz seus pais de Portugal ao Brasil. Desde criança ele revela seu mau gênio e antevê os desafios com os quais irá se deparar em sua existência. Rejeitado pelos pais, só lhe resta o amparo do padrinho, proprietário de uma barbearia. A forma ilícita como este profissional conquistou seu capital simboliza o famoso ‘jeitinho brasileiro’, já comum na vida social deste período. Os feitos de Leonardo o levam incessantemente a dificuldades das quais ele se livra por meio da intervenção de seus amigos. Ele configura um personagem plano, que não se modifica em momento algum, ou seja, seus traços elementares são preservados o tempo todo. O herói mantém, assim, seu jeito malandro de ser até o final. Outras figuras do livro são consideradas alegóricas, algumas nem mesmo são nomeadas, pois apenas representam determinadas categorias. Leonardo não conduz a narrativa, a qual é tecida por um narrador onisciente na terceira pessoa. A expressão ‘memórias’ mencionada no título se refere, portanto, ao passado, resgatado através das aventuras e desventuras de Leonardo. Duas diretrizes guiam este relato, a ordem, simbolizada pelo Major Vidigal, e a desordem, característica principal do protagonista. A vivência de uma meninice que conheceu de perto a pobreza contribui para que Manuel Antônio construa habilmente esta história, bem como cada um de seus personagens. São Bernardo – Graciliano Ramos Criado por uma negra doceira, Paulo Honório foi um menino órfão que guiava um cego e vendia cocadas durante a infância para conseguir algum dinheiro. Depois começou a trabalhar na duro na roça até os dezoito anos. Nessa época ele esfaqueia João Fagundes, um homem que se envolve com a mulher com quem Paulo Honório teve sua primeira relação sexual. Então é preso e durante esse período aprende a ler com o sapateiro Joaquim. A partir de então ele passa somente a pensar em juntar dinheiro.
  • 2. Saindo da prisão, Paulo Honório pega emprestado com o agiota Pereira uma quantia em dinheiro e começa a negociar gado e todo tipo de coisas pelo sertão. Assim, ele enfrente toda sorte de injustiças, fome e sede, passando por tudo isso com muita frieza e utilizando de meios antiéticos, como ameaças de morte e roubo. Após conseguir juntar algumas economias, retorna a sua terra natal, Viçosa, com o desejo de adquirir a fazenda São Bernardo, onde tinha trabalhado. Para tanto, Paulo Honório inicia uma amizade falsa com Luís Padilha, herdeiro de São Bernardo. Luís era um moço apaixonado por jogo, mulheres e bebida, e aos poucos Paulo consegue conquistar a confiança dele. Inexperiente, Luís Padilha começa a financiar projetos que não trarão sucesso incentivado por Paulo Honório, que fazia tudo isso com a intenção de fazer Luís Padilha ficar falido financeiramente. Tendo sucesso em seu plano, Paulo consegue comprar a fazenda São Bernardo por um preço irrisório. Com a ajuda de seu amigo Casimiro Lopes, Paulo Honório manda matar Mendonça, fazendeiro vizinho, e consegue expandir os limites das terras da São Bernardo. Através de empréstimos bancários, investe em máquinas e na plantação de algodão e mamona. Para escoar seus produtos, Paulo Honório constrói estradas e passa a se dedicar cada vez mais ao trabalho. E, para conseguir obter tudo isso, ele comete as maiores injustiças e utiliza de todos os meios que puder, garantindo impunidade através de uma grande rede de relacionamentos. Seus ajudantes são: Gondim, o jornalista local; o padre Silvestre; e o advogado Nogueira, que manipula os políticos locais. Com a fazenda em ótima situação, Paulo Honório contrata o Seu. Ribeiro para cuidar das contabilidades, contrata Luís Padilha como professor e constrói uma escola para alfabetizar os empregados e agradar ao governador do Alagoas. Além disso, manda buscar a negra doceira que o havia criado, a velha Margarida, arranjando moradia para ela na São Bernardo. Um dia Paulo Honório percebe que precisa de um herdeiro para suas ricas terras e por conta disso resolve se casar. Pensa nas filhas e irmãs de seus amigos, mas nenhuma lhe agrada. Então, um dia conhece a professora primária Madalena na casa do juiz Magalhães. Da mesma forma determinada como conseguiu obter e administrar sua propriedade, Paulo Honório convence Madalena a se casar com ele. Após o casamento a moça e sua tia Glória mudam-se para a fazenda e o rico fazendeiro vai percebendo que a rotina na São Bernardo começa a se alterar. Madalena se interessa pela vida dos empregados e dá opiniões sobre as condições precárias do professor Padilha, exigindo a compra de materiais escolares. Além disso, ela passa a dividir as tarefas de escrituração com Ribeiro. Paulo Honório, que imaginava Madalena como uma mulher frágil e normalista, incomoda-se profundamente com o comportamento da moça e então começam asbrigas do casal, que evidenciam a personalidade violenta do fazendeiro. Não conseguindo dominar a mulher como controlava todos, Paulo Honório se torna cada vez mais agressivo com todos e revela um ciúmes excessivo. Mesmo o nascimento do filho não ameniza o ciúmes que sente de Madalena e suas desconfianças de traição. Certa noite, o juiz Magalhães visita o casal e conversa animadamente com Madalena. Isso deixa Paulo Honório com mais ciúmes ainda e ele fica se atormentando durante a madrugada imaginando o prazer que um intelectual poderia despertar na esposa. Comparando-se ao juiz, sente-se bruto e inculto e chega à conclusão de que a traição era inevitável e Madalena grosseiramente. No dia seguinte Paulo Honório vê a esposa muito abatida escrevendo uma carta direcionada a Azevedo Gondim e novamente se descontrola exigindo explicações. Ela então rasga a carta e o chama de assassino. Depois, ele se arrepende do que fez, mas não esquecendo o insulto recebido, convenceu-se de que Padilha havia contado algo para Madalena e resolve expulsá-lo. Porém, o professor diz que é fiel e obediente a Paulo Honório e que ela deve ter ouvido as histórias por meio da população local.
  • 3. E assim Paulo Honório vai ficando cada vez mais paranoico em relação a suposta infidelidade da mulher e se torturava ao som de passos imaginários durante a noite e outros delírios. Enquanto isso, Madalena sofria e sua solidão só aumentava, sentindo-se humilhada e sem dignidade. Por fim, perde o interesse pelo próprio filho. Um dia Paulo Honório, ao contemplar orgulhoso sua propriedade do alto da torre da igreja, vê Madalena escrevendo. Ele desce, confere o trabalho dos empregados e acha uma folha no chão. Lendo e relendo o trecho escrito, Paulo Honório tem certeza que é uma carta endereçada para um homem e é tomado por intenso ódio. Então ele sai atormentado à procura da esposa e a encontra na igreja com uma aparência muito calma. Ele exige explicações, mas ela lhe diz muito desanimada que o restante das folhas estava no escritório. Por fim, ela lhe pede perdão por todos os aborrecimentos e diz que o ciúmes estragou a vida dos dois. Paulo Honório passa a noite sozinho no banco da sacristia. Chegando em casa no dia seguinte, ele ouve gritos e descobre que Madalena havia se suicidado. Ela havia deixado sobre a bancada uma carta de despedida para o marido, sendo que faltava uma página, justamente aquela que ele havia encontrado no chão no dia anterior. Após a morte de Madalena, D. Glória e Seu. Ribeiro deixam a fazenda. Luís Padilha junta-se os revolucionários para lutar na Revolução de 30 e também deixa São Bernardo. O juiz Magalhães é afastado do cargo e os limites da fazenda passam a ser contestados judicialmente. Com tudo isso, Paulo Honório se encontra abandonado. Por fim, em meio a solidão e somente com a companhia de Casimiro Lopes e seu cachorro, Paulo Honório escreve sua narrativa. Amargurado pelo passado, toma consciência da desumanização por que passou enfrentando a dureza do sertão. Incapaz de mudar, Paulo Honório busca algum sentido para a sua vida refletindo sobre o passado e escrevendo sua história sentado à mesa da sala, fumando cachimbo e bebendo café. O Cortiço – Aluísio de Azevedo O livro narra inicialmente a saga de João Romão rumo ao enriquecimento. Para acumular capital, ele explora os empregados e se utiliza até do furto para conseguir atingir seus objetivos. João Romão é o dono do cortiço, da taverna e da pedreira. Sua amante, Bertoleza, o ajuda de domingo a domingo, trabalhando sem descanso. Em oposição a João Romão, surge a figura de Miranda, o comerciante bem estabelecido que cria uma disputa acirrada com o taverneiro por uma braça de terra que deseja comprar para aumentar seu quintal. Não havendo consenso, há o rompimento provisório de relações entre os dois. Com inveja de Miranda, que possui condição social mais elevada, João Romão trabalha ardorosamente e passa por privações para enriquecer mais que seu oponente. Um fato, no entanto, muda a perspectiva do dono do cortiço. Quando Miranda recebe o título de barão, João Romão entende que não basta ganhar dinheiro, é necessário também ostentar uma posição social reconhecida, freqüentar ambientes requintados, adquirir roupas finas, ir ao teatro, ler romances, ou seja, participar ativamente da vida burguesa. No cortiço, paralelamente, estão os moradores de menor ambição financeira. Destacam-se Rita Baiana e Capoeira Firmo, Jerônimo e Piedade. Um exemplo de como o romance procura demonstrar a má influência do meio sobre o homem é o caso do português Jerônimo, que tem uma vida exemplar até cair nas graças da mulata Rita Baiana. Opera-se uma transformação no português trabalhador, que muda todos os seus hábitos. A relação entre Miranda e João Romão melhora quando o comerciante recebe o título de barão e passa a ter superioridade garantida sobre o oponente. Para imitar
  • 4. as conquistas do rival, João Romão promove várias mudanças na estalagem, que agora ostenta ares aristocráticos. O cortiço todo também muda, perdendo o caráter desorganizado e miserável para se transformar na Vila João Romão. O dono do cortiço aproxima-se da família de Miranda e pede a mão da filha do comerciante em casamento. Há, no entanto, o empecilho representado por Bertoleza, que, percebendo as manobras de Romão para se livrar dela, exige usufruir os bens acumulados a seu lado. Para se ver livre da amante, que atrapalha seus planos de ascensão social, Romão a denuncia a seus donos como escrava fugida. Em um gesto de desespero, prestes a ser capturada, Bertoleza comete o suicídio, deixando o caminho livre para o casamento de Romão. Dom Casmurro – Machado de Assis O romance inicia-se numa situação posterior a todos os seus acontecimentos. Bento Santiago, já um homem de idade, conta ao leitor como recebeu a alcunha de Dom Casmurro. A expressão fora inventada por um jovem poeta, que tentara ler para ele no trem alguns de seus versos. Como Bento cochilara durante a leitura, o rapaz ficou chateado e começou a chamá-lo daquela forma. O narrador inicia então o projeto de rememorar sua existência, o que ele chama de "atar as duas pontas da vida". O leitor é apresentado à infância de Bentinho, quando ele vivia com a família num casarão da rua de Matacavalos. O primeiro fato relevante narrado é também seu primeiro motivo de preocupação. Bentinho escuta uma conversa entre José Dias e dona Glória: ela pretende mandá-lo ao seminário no cumprimento de uma promessa feita pouco antes de seu nascimento. A mãe, que já havia perdido um filho, prometera que, se o segundo filho nascesse "varão", ela faria dele padre. Na conversa, dona Glória soubera da amizade estreita entre o menino e a filha de Pádua, Capitolina. Bentinho fica furioso com José Dias, que o denunciara, e expõe a situação a Capitu. A menina ouve tudo com atenção e começa a arquitetar uma maneira de Bentinho escapar do seminário, mas todos os seus planos fracassam. O garoto segue para o seminário, mas, antes de partir, sela, com um beijo em Capitu, a promessa de que se casaria com ela. No seminário, Bentinho conhece Ezequiel de Souza Escobar, que se torna seu melhor amigo. Em uma visita a sua família, Bentinho leva Escobar e Capitu o conhece. Enquanto Bentinho estuda para se tornar padre, Capitu estreita relações com dona Glória, que passa a ver com bons olhos a relação do filho com a garota. Dona Glória ainda não sabe, contudo, como resolver o problema da promessa e pensa em consultar o papa. Escobar é quem encontra a solução: a mãe, em desespero, prometera a Deus um sacerdote que não precisava, necessariamente, ser Bentinho. Por isso, no lugar dele, um escravo é enviado ao seminário e ordena-se padre. Bentinho vai estudar direito no Largo de São Francisco, em São Paulo. Quando conclui os estudos, torna-se o doutor Bento de Albuquerque Santiago. Ocorre então o casamento tão esperado entre Bento e Capitu. Escobar, por seu lado, casara-se com Sancha, uma antiga amiga de colégio de Capitu. Capitu e Bentinho formam um "duo afinadíssimo". Essa felicidade, entretanto, começa a ser ameaçada com a demora do casal em ter um filho. Escobar e Sancha não encontram a mesma dificuldade: têm uma bela menina, a quem colocam o nome de Capitolina. Depois de alguns anos, Capitu finalmente tem um filho, e o casal pode retribuir a homenagem que Escobar e Sancha lhe haviam prestado: o filho é batizado com o nome de Ezequiel.
  • 5. Os casais passam a conviver intensamente. Bento vê uma semelhança terrível entre o pequeno Ezequiel e seu amigo Escobar, que, numa de suas aventuras na praia - o personagem era excelente nadador -, morre afogado. Bento enxerga no filho a figura do amigo falecido e fica convencido de que fora traído pela mulher. Resolve suicidar-se bebendo uma xícara de café envenenado. Quando Ezequiel entra em seu escritório, decide matar a criança, mas desiste no último momento. Diz ao garoto, então, que não é seu pai. Capitu escuta tudo e lamenta-se pelo ciúme de Bentinho, que, segundo ela, fora despertado pela casualidade da semelhança. Após inúmeras discussões, o casal decide separar-se. Arruma-se uma viagem para a Europa com o intuito de encobrir a nova situação, que levantaria muita polêmica. O protagonista retorna sozinho ao Brasil e se torna, pouco a pouco, o amargo Dom Casmurro. Capitu morre no exterior e Ezequiel tenta reatar relações com ele, mas a semelhança extrema com Escobar faz com que Bento Santiago o rejeite novamente. O destino de Ezequiel é infeliz: ele morre de febre tifóide durante uma pesquisa arqueológica em Jerusalém. Triste e nostálgico, o narrador constrói uma casa que imita sua casa de infância, na rua de Matacavalos. O próprio livro é também uma tentativa de recuperar o sentido de sua vida. No fim, o narrador parece menosprezar um pouco a própria criação. Convence-se de que o melhor a fazer agora é escrever outra obra sobre "a história dos subúrbios". A hora e a vez de Augusto Matraga – Guimarães Rosa Narrado em terceira pessoa, o conto enfatiza duas constantes da vida do sertão: a violência e o misticismo, na interminável luta do bem e do mal. Augusto Esteves, filho do Coronel Afonsão Esteves, das Pindaíbas e do Sacoda-Embira, conhecido como Nhô Augusto e também como Augusto Matraga, é o maior valentão do lugar, briga com todo mundo e maltrata por pura perversidade. Debochado, tira as mulheres e namoradas dos outros. Não se preocupa com sua mulher, Dona Dionóra, nem com sua filha, Mimita, nem com sua fazenda, que começa a se arruinar. Já em descrédito econômico e político, sobrevém o castigo: sua mulher, Dionóra, foge com Ovídio Moura levando a filha, e seus bate-paus (capangas), mal pagos, põem-se a serviço do seu pior inimigo; o Major Consilva Quim Recadeiro foi quem levou a notícia da defecção dos capangas. Nhô Augusto resolve ter com eles, antes de matar Dionóra e Ovídio, mas no caminho é atacado, numa tocaia, por seus inimigos, que o espancam e o marcam com ferro de gado em brasa. Quase inconsciente, no momento em que vai ser assassinado, reúne as últimas forças e se atira no despenhadeiro do rancho do Barranco. Tomam-no por morto. É, contudo, encontrado por um casal de negros velhos: a mãe Quitéria e o pai Serapião, que tratam de Nhô Augusto, que sara, mas fica com sequelas deformantes. Começa então uma nova vida, no povoado do Tombador, para onde levou os pretos, seus protetores. Regenera-se e, esperando obter o céu, leva uma vida de trabalho duro, penitência e reza. Arrependido de suas maldades, ajuda a todos, e reza com devoção: quer ir para o céu, "nem que seja a porrete", e sonha com um "Deus valentão". Passados seis anos, tem notícias de sua ex-família através de Tião da Thereza: a esposa, Dona Dionóra, vive feliz com Ovídio, e vai casar-se com ele; Mimita, sua filha, foi enganada por um cometa (espécie de caixeiro viajante) e caiu na perdição. Matraga sente saudades, sofre, mas se resigna. Certo dia, aparece o Joãozinho Bem-Bem, jagunço de larga fama, acompanhado de seus capangas: Flosino Capeta, Tim Tatu-tá-te-vendo, Zeferino, Juruminho e Epifânio. Matraga hospeda-os com grande dedicação e admira as armas e o bando de Joãozinho Bem-Bem. Mas se recusa a acompanhar o bando, mesmo
  • 6. convidado pelo chefe e não aceita qualquer ajuda dos jagunços. Quer mesmo ir para o céu. Totalmente recuperado, Matraga despede-se dos velhinhos e parte, sem destino, num jumento. Chega ao Arraial do Rala-Coco, onde reencontra Joãozinho Bem-Bem e seu bando, prestes a executar uma cruel vingança contra a família de um assassino que fugira. Augusto Matraga desperta para a sua hora e vez: intervém em nome da justiça, opõe-se ao chefe do bando, liquida diversos capangas, tomado de verdadeiro furor. Bate-se em duelo singular com Joãozinho Bem-Bem. Ambos morrem - Joãozinho primeiro. Nessa hora, Augusto Matraga é identificado por seu antigos conhecidos. Observe a importância do número três durante toda a narrativa: a personagem principal tem três nomes - Augusto Matraga, Augusto Esteves e Nhô Augusto; oslugares em que transcorrem as fases de sua vida também são três - Murici, onde vive inicialmente; o Tombador, onde faz penitência; o Rala-Coco, lugarejo próximo a Murici, onde encontra sua hora e vez. Além disso, ele também vive em trios: inicialmente, na praça, ele está com duas prostitutas; em casa, ele vive com a mulher e a filha; depois de ter sido surrado e marcado a ferro, vive com um casal de pretos; e, no final, aparece um último trio: ele, Joãozinho Bem-Bem e o velho a quem protege.