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Cartogramas: ficção angolana e
o reforço de espaços e paisagens culturais
                                                              Laura Padilha



                              Embora as configurações territoriais fossem
                              complementares às línguas e aos mapas
                              lingüísticos (coloniais e nacionais) como ba-
                              ses das geografias literárias e das paisagens
                              culturais, neste momento a história exige
                              ‘uma outra língua’ e ‘um outro pensamento’
                              fundado na diferença colonial e não nos ter-
                              ritórios nacionais e imperiais.
                                                            Walter Mignolo


     Pensar os espaços, tal como se representam nas malhas                     *
                                                                                 (Padilha, Laura. O espaço
ficcionais, sempre se constituiu uma espécie de recorrência                   do desejo: uma leitura de A
                                                                              ilustre casa de Ramires de Eça
obsidiante de meu imaginário leitor. Surgiram, assim, O es-                   de Queiroz. Niterói / Brasília:
                                                                              Editora da Universidade
paço do desejo (1989), sobre a Ilustre casa de Ramires, de Eça                Federal Fluminense /
                                                                              Editora da Universidade de
de Queiroz, e mesmo Entre voz e letra (1985), sobre a ficção                  Brasília, 1989; Entre voz e
                                                                              letra: o lugar da ances-
angolana e sua relação fundante com a ancestralidade, fonte                   tralidade na ficção angolana
                                                                              do século XX. Niterói: Editora
simbólica em que a alteridade ia/vai buscar a “água” de sua                   da Universidade Federal
                                                                              Fluminense, 1995).
diferença, para poder ter forças e resistir. *
     O debruçar-me sobre os espaços ficcionais me levou, quase
como uma conseqüência natural, aos mapas, às cartografias,                    *
                                                                                (Cf. Padilha, Laura. Novos
                                                                              pactos, outras ficções: ensa-
enfim, aos elementos da ordem da representação geográfica                     ios sobre literaturas afro-luso-
                                                                              brasileiras. Porto Alegre /
em que tais espaços se projetam e a ficção de algum modo se                   Lisboa: Editora da Pontifícia
                                                                              Universidade Católica do
inspira, para encontrar, ela própria, formas de se cartografar                Rio Grande do Sul / Imbon-
pela linguagem*.                                                              deiro, 2002).

     Já agora, vou deixando os mapas e suas rígidas escalas e
quero propor uma outra forma de representação, a dos
cartogramas, para pensar, por meio dela, a ficção angolana
moderna e, principalmente, a produzida nos anos 1990 e
neste início de século. Como as antigas aulas de geografia
um dia me ensinaram, os cartogramas são um tipo de repre-
sentação cartográfica temática em que figuras e/ou traços
e/ou cores intensificam pontos, para, por intermédio dessa
intensificação, representar a própria intensidade de um fenô-
meno (vegetação, população, utilização do solo etc).


           ALEA VOLUME 7 NÚMERO 1 JANEIRO – JUNHO 2005 p. 139-148                         139
A ficção angolana, desde os imemoriais missossos, por
                                   exemplo, passando por Assis Júnior, Soromenho, a geração
                                   de 50 etc., sempre se fez cartogramática, reforçando, por fi-
                                   guras, traços e cores imagísticas, a intensidade de sua dife-
                                   rença ou de suas “paisagens culturais”, a que alude a epígrafe
*
  (Mignolo, Walter D. Histórias
locais/Projetos globais:           de Mignolo, em que busquei parte do subtítulo deste texto.
colonialidade, saberes subal-
ternos e pensamento liminar.
                                   O mesmo Mignolo analisa como tais paisagens foram
Belo Horizonte: Editora da
Universidade Federal de Mi-
                                   desqualificadas no processo de “expansão colonial e ociden-
nas Gerais, 2003, p. 307).         tal”*, e como hoje, a partir da exigência de uma “outra lín-
                                   gua” e de ‘um outro pensamento’ fundado na diferença colo-
*
    (Ibid., p. 339).               nial”*, há uma espécie de revisão daquele apagamento pri-
                                   meiro, o que leva o sujeito do conhecimento a investir em
                                   suas histórias locais. Estas respondem à pressão exercida
                                   pela colonialidade do poder e do saber e, neste sentido, abre-
                                   se a possibilidade mesma de se adotar “uma outra visão de
                                   literatura, examinando-a da perspectiva do conhecimento
* (: 305).                         teórico que ela gera”*.
                                        Penso que os estudos africanos dos últimos vinte anos
                                   vêm cada vez mais consolidando essa “visão de literatura”
                                   referida por Mignolo e reforçando o espaço da crítica pós-
* (Santos, Boaventura de           colonial. Tais estudos, firmados, de modo cada vez mais or-
Sousa. “Entre Próspero e
Caliban: colonialismo, pós-        ganizado e coerente, pelos próprios sujeitos africanos em
colonialismo e inter-
identidade”. Em: Ramalho,
                                   várias línguas, vão na contracorrente da colonialidade do
Maria Irene & Ribeiro, António
Sousa (org.). Entre ser e estar:
                                   poder e do saber, assim como tentam “subverter a subalter-
raízes, percursos e discursos da
identidade. Porto: Afron-
                                   nidade”, tal como discute Boaventura de Sousa Santos, ao
tamento, 2002: 32).                retomar Gayatri Spivak*.
                                        Os cartogramas agora propostos querem seguir na dire-
                                   ção desse novo mapeamento do saber, pensando a ficção an-
                                   golana e o seu debruçar-se sobre a sua própria espacialidade
                                   física e cultural, ou suas paisagens. Com isso, ela insiste em
                                   não deixar desaparecer um jogo milenar de “escrita” que ten-
                                   tava ser um reforço da sabedoria ancestral e se expressava
                                   em traços, riscos, gestos e mesmo voz. Tal modo de perceber
                                   a “escrita” ia muito além do letramento trazido pelo coloni-
                                   zador, em suas naus onde os marinheiros que não sabiam
                                   escrever dominavam numericamente os que o sabiam, como
                                   a história sempre nos mostrou.
                                        Quero, partindo daí, pensar/ler algumas imagens espacio-
                                   ficcionais que sustentam as paisagens culturais angolanas,
                                   no plano da representação, dando-lhes vida, como tão bem
                                   recorta Milton Santos, ao insistir que “paisagem e espaço



               140                                ALEA VOLUME 7 NÚMERO 1 JANEIRO – JUNHO 2005
não são sinônimos”. Como explicita: “A paisagem é o conjunto
de formas que, num dado momento, exprimem as heranças
que representam as sucessivas relações localizadas entre ho-    *
                                                                  (Santos, Milton. A natureza
                                                                do espaço. Técnica e Tempo.
mem e natureza. O espaço são essas formas mais a vida que as    Razão e Emoção. São Paulo:
anima”*.                                                        Edusp,2004: 103).


     O que move este texto é surpreender, no tecido ficcional
angolano moderno, sobretudo no tempo recortado, essa “vida
que [...] anima” as paisagens, principalmente depois que o
“sol” da independência de certo modo perdeu a intensidade de
seu brilho. Apetece-me indagar como as gerações literárias se
superpuseram nesse nosso tempo. Apetece-me, já agora e igual-
mente, voltar a Milton Santos e à clareza e profundidade de
suas tão sábias reflexões: “paisagem e espaço são sempre uma
espécie de palimpsesto onde, mediante acumulações e substi-
tuições, a ação das diferentes gerações se superpõe. O espaço
constitui a matriz sobre a qual as novas ações substituem as
ações passadas. É ele, portanto, presente, porque passado e
futuro”*.                                                       *
                                                                    (Ibid.: 104).

     Esse “palimpsesto”, na bela imagem de Santos, é o que o
leitor da ficção angolana encontra em seu percurso por ela.
Deixo outras vias possíveis, na rota temporal dessa ficção,
tal como insisto em percorrer desde os anos 1980, rota que
passa por Alfredo Troni, Assis Júnior, Castro Soromenho,
por exemplo, e elejo a segunda metade do século XX como o
ponto inaugural de minha travessia, que, por agora, não
adentrará os caminhos ou não se fará um cartograma, pois a
via interpretativa apenas se vai iniciando no que se refere
aos anos de 1990 e ao início dos anos 2000.
     Como sabemos, a diferença identitária – quando o desejo
da liberdade começa, sem peias que o domem, a ganhar voz
e vulto na segunda metade do século XX – tem nas imagens
espaciais uma de suas mais fortes recorrências efabulativas.
Uma dessas imagens em que o nosso imaginário leitor não
tem como deixar de ancorar é fornecida pela cartografia-        * (Macedo, Tania. “A
                                                                presença de Luanda na
síntese da cidade de Luanda, tão bem lida pela ensaísta bra-    literatura contemporânea
                                                                em português”. Em: Angola
sileira Tania Macedo*. A cidade comparece, no cartograma        e Brasil: estudos comparados.
                                                                São Paulo: Arte & Ciência,
ficcional de vários autores, com seus musseques*; suas ruas     2002, p. 67-94).
ensolaradas pelas quais deambula, por exemplo, o persona-       * (Cf. os contos de Rocha,
                                                                Jofre (Almeida, Roberto de).
gem-narrador de Nós, os do Makulusu, ao ir ao encontro do       Estórias do musseque. São
                                                                Paulo: Ática, 1980)
corpo morto daquele que “tinha a mania dos heróis, pensava      * (Vieira, Luandino. Nós, os
                                                                do Makulusu. Lisboa: Sá da
era capitão-mor”, isto é, Maninho*; suas cubatas em que a       Costa, 1975: 3)




Laura Padilha · CARTOGRAMAS: FICÇÃO ANGOLANA E O REFORÇO...                    141
*
  (Vieira, Luandino. Luuanda:   estética da privação se consolida, principalmente nas figuras
estórias. São Paulo: Ática,
1982).                          de velho(a)s como Xixi* ou Tutúri* etc.; seus descampados
*
   (Rocha, Jofre. Estórias do
musseque. Ob. cit.).            onde os meninos descalços jogavam a bola e/ou faziam seus
*
  Cf. os contos de Cardoso,
Boaventura em O fogo da fala    metafóricos desafios*; sua lagoa “enluarada”, morada da an-
(Lisboa: Edições 70, 1980) e
Dizanga dia muenhu (São
                                tiga Kianda, aterrada para dar lugar ao largo do Kinaxixe,
Paulo: Ática, 1982).
*
  (Santos, Arnaldo. Kinaxixe
                                que tem em Arnaldo Santos um excelente cartógrafo*, e iría-
e outras prosas. São Paulo:
Ática, 1981).
                                mos por aí. São espaços que à privação respondem com a
                                euforia, a fé e a esperança. E o imaginário dos ficcionistas
                                por eles com fervor viaja, “cartogramando-os” por palavras,
                                quase eu ia dizendo, “de ordem”. Lendo tais textos, podemos
                                lembrar a reflexão feita por Cornejo Polar sobre o conjunto
                                da obra de José Maria Arguedas em que, para o crítico peru-
                                ano, “existe tanto uma fidelidade sem fissuras relativamente
*
  (Polar, Antonio Cornejo. O
condor voa: literatura e
                                aos valores da cultura nativa como uma imbatível fé em seu
cultura latino-americanas.
Belo Horizonte: Editora da
                                triunfo histórico, embora com freqüência – para isto – o au-
UFMG, 2000: 127).               tor tenha de deslocar-se na direção da utopia e do mito”*.
                                    É essa utopia que se afirma no mito luminoso de Luan-
                                da, daí porque da reflexão de Polar se pode fazer uma espécie
                                de epígrafe balizadora da produção ficcional de 1950 em di-
                                ante, e de nossa leitura sobre ela. Vale lembrar que tal ficção
                                se represou a partir do eclodir da guerra (1961), e foi publi-
                                cada depois de 1975, principalmente, aparecendo com força
                                nos primeiros anos da década de 1980.
                                    Quando os sonhos da liberdade sem peias ou adiamentos
                                começam a ruir, depois da Independência, de novo se convo-
                                cam os espaços para disso se fazerem símbolo. Está-se já
                                quase na segunda metade dos anos 1980, aproximadamente
                                e sem escalas temporais rígidas, quando, então, o jogo do nós
                                e dos outros já não se dá entre o dominado e o dominador,
                                percebido como o estrangeiro, mas entre o próprio e o seu
*
 (cf., por exemplo, Pepetela
(Pestana, Arthur). Parábola
                                igual, só que em lados excludentes na arena política da do-
do cágado velho. Lisboa:        minação. É ela que acaba por abrir o espaço da guerra civil
Dom Quixote, 1996;
Cardoso, Boaventura. Maio,      em que irmão luta contra irmão, como a ficção dos anos 1990
mês de Maria. Porto: Campo
das Letras, 1997).              mostrará com recorrência*.
                                    Parodiando Roberto Bolaño, escritor chileno, em debate
                                com Ricardo Piglia, escritor argentino, feito por e-mail e pu-
                                blicado, primeiro em El País e recentemente traduzido no
                                suplemento “Mais!”, da Folha de S. Paulo, em 12 de setembro
                                de 2004, o assumir-se como “nacional” (nesse caso, angolano
                                e, quanto aos dois debatedores, latino-americanos, generica-
                                mente), ou o reforçar-se como tal, talvez “obedeça às mesmas



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leis que o regiam no tempo das guerras de independência”. É o             *
                                                                            (Monteiro, Manuel Rui.
                                                                          Quem me dera ser onda.
que encenam, por exemplo, Manuel Rui Monteiro em Quem                     Luanda: Instituto Nacional
                                                                          do Livro e do Disco, 1984;
me dera ser onda e/ou Pepetela em O cão e os calús.*                      Pepetela. O cão e as calús.
                                                                          Porto: Asa, 1988).
     Adentrando a ficção dos anos 1990, já convocada atrás,
vemos que a representação de ordem espacial que, no corpus
da literatura angolana, acaba por se tornar a síntese mais per-
feita do ruir dos sonhos, é-nos oferecida pela “síndroma de
Luanda”. Ou seja, pelo ruir silencioso dos prédios do Kinaxixe
em O desejo de Kianda, de Pepetela, com a imagem espacial
suplementar do prédio inacabado, tomado pelos despossuídos
e onde a menina Cassandra ouve o canto da Kianda e o parti-
lha com o mais velho Kalumbo, como se ambos revivessem
um rito de iniciação, onde este, no caso, introduz a sua mais             *
                                                                            (Pepetela. O desejo de
                                                                          Kianda. Lisboa: Dom Quixote,
nova nos mistérios da Kianda.* É interessante notar como o                1995: 98-9).

Kinaxixe continua a ser o palco quase mítico das ações, daí a
convocação feita a Luandino Vieira e a Arnaldo Santos na
cena assim narrada:
     Ali perto devia ser o sítio onde há trinta e tal anos derrubaram a
     mafumeira de Kianda, quando construíram a praça. Toda aquela
     zona fora uma lagoa e havia uma mafumeira que foi cortada e
     chorou sangue pelo cepo durante uma semana. Ouviu a história
     um dia [...] quando se sentou com o maior respeito onde se encon-
     travam dois escritores, Luandino Vieira e Arnaldo Santos, gran-
     des sabedores das coisas de Luanda”.*                                *
                                                                              (Ibid.: 46-7).


     Eis o palimpsesto a que se refere Milton Santos, com a
ruína dos prédios desventrados na silenciosa queda e o
“musseque” vertical sem a beleza mítica antiga a esconderem
os traços do sonho, da euforia, da alegria, enfim, do outro tem-
po que igualmente formara um cartograma. A “gigantesca
onda” que inunda “toda a Avenida”, na cena final de recompo-
sição imagística da ordem antiga, traz “em cima dela [...] as
fitas de todas as cores [...] agora que a Ilha de Luanda volta-
va a ser ilha e Kianda ganhava o alto mar, finalmente livre”*.            * (: 119).

     O espaço reconquistado, a paisagem recuperada, eis a cena
que ainda permite pensar que, africanamente, a esperança
não se pode deixar morrer.
     A pergunta que não tenho como calar, já agora, é se esse
“ruir”, de certo modo minimizado pela libertação do espaço
aprisionado em O desejo de Kianda, continua ou não a refor-
çar os traços no cartograma ficcional angolano desse fim/
início de século e se tais traços, ecoando Homi Bhabha, trans-



Laura Padilha · CARTOGRAMAS: FICÇÃO ANGOLANA E O REFORÇO...                              143
*
  (Bhabha, Homi K. O local     formam “retalhos e restos da vida cotidiana nos signos de
da cultura. Belo Horizonte:
Editora da UFMG, 1998: 202).   uma cultura nacional coerente”*.
                                    Será a fé cega, pergunto-me, nesse momento histórico, mais
                               forte que a faca amolada que as novas correlações de força, a
                               globalização e/ou a colonialidade do poder entre elas, assim
                               como as soluções políticas neoliberalizantes parecem impor a
                               sociedades como a angolana – e não menos à do Brasil, de
                               onde falo –, ditas subalternas ou periféricas, em que os sujei-
                               tos históricos não conseguem escrever a sua própria “biogra-
                               fia” identitária, localmente articulada, para, dela partindo, pro-
                               porem novas representações cartográficas? Como já deixei cla-
                               ro, não me parece que a faca amolada possa vencer a fé cega, a
                               não ser que se pense na faca amolada que a própria ficção
                               insiste em ser.
                                    Não por acaso reforçam-se as paisagens culturais para
                               tornar o gume dessa faca ainda mais afiado. Os produtores
                               nos propõem uma espécie de travessia do olhar por tais paisa-
                               gens, tal como se dá em Mãe, materno mar, de Boaventura Car-
                               doso, que, não por acaso, assim se abre, estabelecendo o senti-
                               do do pacto espacial romanesco:
                                   Corriam verdejantes velozes, os floridos campos, montanhas, va-
                                   les, as miúdas ermas campinas, as plantas terras, o tempo era aquele
                                   minuto átimo, a flecha zunante, o olhar se distendendo naquele
*
 (Cardoso, Boaventura.             espaço corrido, correndo, o tempo se afirmando e se negando, ele,
Mãe, materno mar. Porto:
Campo das Letras, 2001:
                                   pensativo, a mãe..., o espaço e o tempo, os ares, tudo a correr,
35).                               célere.*
                                    O tempo e o espaço, a se recuperarem, na velocidade do
                               comboio pelo qual o sujeito – “ele, pensativo” –, que sabere-
                               mos depois se chamar Manecas, fará sua própria iniciação na
                               diferença de sua terra durante a viagem que durará 15 anos
                               de Malange a Luanda. Nesse trem, desfila, como se em uma
                               roda de “contação” se estivesse, o microcosmo social de Ango-
                               la, como tão bem analisado por Carmen Lúcia Tindó Secco, no
                               prefácio da obra. A ensaísta adverte: “Mãe, Materno mar, em
                               sua polifônica urdidura romanesca, se organiza como um gran-
                               de missosso, cujas diversas camadas narrativas, formadas pe-
                               los fios cruzados e entrecruzados de várias estórias, se encai-
                               xam ao eixo principal condutor do enredo: o da viagem de um
*
    (Ibid.: p. 15),            comboio que sai de Malange, com destino a Luanda”*.
                                    Novamente, o palimpsesto, a esconder velhos cartogramas,
                               no caso, os missossos, uma forma de narrar da oralidade em



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que os espaços da alteridade se tingiam de cores identitárias
fortes: quimbos, senzalas, rios, monstros como os diquixi de
várias cabeças, sereias, gemelaridades, boas e más mortes, e
mais, muito mais. Recuperando esse modo ancestral de con-
tar, o produtor ficcional reforça a sua cultura, mostrando-a
como diferença. Em conferência recente, no Rio de Janeiro,
Boaventura Cardoso a explicitou, referindo-se à “fonte” de onde
emana o contar letrado angolano e, nele, o seu, em especial:
“Fiéis à cultura banto, na forma de conceber o texto oral e de o
narrar, assumimo-nos como o contador africano, na sua exu-
berante expressividade dramatizadora, na sua preferência pela
linguagem-espetáculo, tornando-a uma polifonia de lingua-              *
                                                                        (Cardoso, Boaventura.
                                                                       Conferência proferida no
gens idiomáticas, gestuais, de imitação de sotaques dos perso-         Fórum de Ciência e Cultura
                                                                       da UFRJ em 8 de outubro de
nagens, dos seus estados de espírito”*.                                2004.)

     Aí estão, explicitados, os traços e as cores do cartograma,
com a intensificação de pontos que recuperam a intensidade
do próprio processo ficcional angolano, na busca do que nele,
repito, é diferença. O mesmo se dá, se o objeto de nosso olhar
crítico for Rioseco, de Manuel Rui Monteiro, que igualmente
se abre, fixando os espaços, ancorando-os na letra que toma
de assalto a brancura do papel:
     Naquela hora em que os pescadores atravessavam o canal com
     seus apetrechos tão resumidos para virem fazer a aguada, o mar
                                                                       *
                                                                         (Monteiro, Manuel Rui.
     abria boca-réstia de sono ainda em maré baixa a espreguiçar-se,   Rioseco. Lisboa: Cotovia,
     sonolentamente, sob o sol sem nuvem.*                             1997, p. 9).


    Antes que os personagens tomem acento na cena, perso-
nagens cujos nomes conheceremos depois – Zacaria, “O ho-
mem [...] de pé” e Noíto, “a mulher sentada sobre a trouxa
grande”*, ou seja, o casal, como no princípio dos tempos –, o          *
                                                                           (Ibid.: 9-10).

encenador das ações faz o enquadramento espacial e nos in-
troduz nas malhas de sua paisagem cultural. Depois é que a
história se inicia, com o primeiro plano quase absoluto de
Noíto, mulher do rio e do mato, que se faz da ilha e do mar.
No plano do contado, ela se revela uma espécie de maga
(Kianda transplantada?), a traduzir o conhecimento antigo
para a “língua” do conhecimento novo. Com isso, agrega es-
paços, encontra, pelo gesto de tradução, o outro nome das
coisas, integra-se ao outro território, assumindo como suas
as novas paisagens. Corpo de velha em coração de menina,
seu riso e sua dança cortam a ilha ao meio, antes que o rio o
faça, “brotando” ali ao final do romance.



Laura Padilha · CARTOGRAMAS: FICÇÃO ANGOLANA E O REFORÇO...                           145
Dividida entre seus dois amores (Zacaria, companheiro
                                antigo dos tempos de mato e rio, e Mateus, novo deslumbra-
                                mento, já em forma de ilha e mar), Noíto amarra a chuva;
*
  (Cf. a cena dos flamingos:
                                descobre o seu cágado, sempre o outro da sabedoria; fala com
492-3).                         os pássaros* e, principalmente, é recebida pela Kianda que
                                dela faz uma espécie de lugar-tenente na ilha – cf. o que diz
                                Kakuarta: “É a tia Kambuta que nós recebemos com ela muito
*
    (: 277).                    da sereia”*, ao que Noíto adiante ecoará: “Quando aquela gente
                                toda bateu palmas e eu levantei, era mesmo a Kambuta. Com
*
    (: 283).                    a ajuda da Kianda. Agora [...] sou outra vez Noíto”*.
                                    Retorna, pela voz artística de Manuel Rui, como se dera
                                com a de Boaventura Cardoso – obras aqui tomadas como
                                um paradigma possível das representações cartogramáticas
                                – o modo de contar ancestral. Esse jogo palimpséstico confe-
                                re uma outra dimensão ao texto ficcional, descobrindo-lhe as
                                superposições, as camadas, as genealogias. Assim, reforça-se
                                sua força espacial pela presença viva da vida. Cito, uma vez
                                mais, Milton Santos: “Só a vida é passível desse processo
                                infinito que vai do passado ao futuro, só ela tem o poder de
                                tudo transformar amplamente. Tudo o que não retira sua
*
  (Santos, Milton. A natureza
                                significação desse comércio com o homem, é incapaz de um
do espaço. Técnica e Tempo.
Razão e Emoção. Ob. cit.:
                                movimento próprio, não pode participar de nenhum movi-
109).                           mento contraditório, de nenhuma dialética”*.
                                    Penso que é por tal jogo dialético e por aceitar as normas
                                do movimento contraditório que o texto ficcional angolano
                                moderno, sem negar ou elidir o global, gesto impensável na
                                argamassa político-cultural de nosso presente, consegue re-
                                forçar o local de onde fala, investindo nos traços densamente
                                coloridos de seu cartograma de palavras. Encontra, assim,
                                voltando à epígrafe de Mignolo por onde comecei, “uma outra
                                língua”, fundada em uma outra lógica, ou em “um outro pen-
                                samento”, pelos quais emerge a diferença, pelo ensaísta cha-
                                mada colonial.
                                    Reergue-se, assim, simbolicamente, A casa velha das mar-
                                gens, tal como Arnaldo Santos concebe e nos propõe com a
                                realização de seu romance. Ela, a casa velha, uma outra ma-
                                neira metafórica de dizer Angola, constrói-se com o cimento
                                do presente, do passado e do futuro, implantando-se no ter-
                                reno de nosso imaginário leitor de forma sólida e definitiva.
                                Atam-se os laços com o passado e, assim, abre-se a possibili-
                                dade do futuro, pois, como ensina o fecho do romance, “os



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espíritos dos [...] antepassados” – metonimicamente, no caso,
não enterrados pela “mãe” (que seria a Kissama, duplo da        *
                                                                 (Santos, Arnaldo. A casa
terra, como sabemos) – “pairavam algures pelas Margens,         velha das margens. Porto:
                                                                Campo das Letras, 1999:
mas outros lhes tinham herdado”*.                               354).

    É essa herança que significa e acaba por antecipar o fu-
turo, pois jamais se esquece o que se herda. Esse não-esque-
cimento guarda a certeza de que a memória nunca se deixa-
rá lacrar, fazendo-se um cofre sempre aberto no presente e o
lugar onde, ao mesmo tempo, mora o sentido do passado e,
nele, superposto ou ao lado, a garantia do futuro.




Laura Padilha · CARTOGRAMAS: FICÇÃO ANGOLANA E O REFORÇO...               147
Laura Padilha
                               Professora de Literaturas de Língua Portuguesa da UFF e pesquisa-
                               dora do CNPq. Autora de Entre a voz e a letra: o lugar da ancestralidade na
                               ficção angolana do século XX (Niterói: Eduff, 1995) e de Novos pactos,
                               oiutras ficções: ensaios sobre literaturas afro-luso-brasileiras (Porto Alegre:
                               Edipucrs, 2002).


Palavras-chave                 Resumo
Ficção angolana contempo-
rânea                          O artigo propõe a forma de projeção gráfica do cartograma para por
Memória e representação
Cartografias identitárias      ela pensar a ficção angolana produzida nos anos 1990 e no início do
Novas negociações de sentido
                               século XXI. Considerando ser o cartograma uma forma de, por ima-
Key words
Contemporary Angolan fiction
                               gens ou traços, reforçar um tipo de fenômeno geográfico, a leitura se
memory and representation      vale dessa imagem para privilegiar as representações das paisagens
identity cartographies
new negotiations of meaning    e espaços culturais angolanos, vendo-os como um processo de investi-
Palabras-clave
                               mento dos ficcionistas em suas histórias locais, para, por tal investi-
Ficción angolana contempo-     mento, reforçar a própria diferença cultural.
ránea
Memoria y representación
Cartografías identitarias
Nuevas negociaciones de
sentido
                               Abstract                                   Resumen
                               This article elaborates on the             Enfocando la proyección gráfica
                               graphic form of projection of the          de cartogramas postales, este ar-
                               cartogram in order to think,               tículo propone reflexionar sobre
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                               viewing them as a process of               so éste reiterado por ficcionistas
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Recebido em
17/10/2004
                               writers in their local histories in        locales y para reforzar su propia
Aprovado em
                               order to thereby emphasize their           diferencia cultural.
12/01/2005                     own cultural difference.




           148                                    ALEA VOLUME 7 NÚMERO 1 JANEIRO – JUNHO 2005

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Ficção angolana

  • 1. Cartogramas: ficção angolana e o reforço de espaços e paisagens culturais Laura Padilha Embora as configurações territoriais fossem complementares às línguas e aos mapas lingüísticos (coloniais e nacionais) como ba- ses das geografias literárias e das paisagens culturais, neste momento a história exige ‘uma outra língua’ e ‘um outro pensamento’ fundado na diferença colonial e não nos ter- ritórios nacionais e imperiais. Walter Mignolo Pensar os espaços, tal como se representam nas malhas * (Padilha, Laura. O espaço ficcionais, sempre se constituiu uma espécie de recorrência do desejo: uma leitura de A ilustre casa de Ramires de Eça obsidiante de meu imaginário leitor. Surgiram, assim, O es- de Queiroz. Niterói / Brasília: Editora da Universidade paço do desejo (1989), sobre a Ilustre casa de Ramires, de Eça Federal Fluminense / Editora da Universidade de de Queiroz, e mesmo Entre voz e letra (1985), sobre a ficção Brasília, 1989; Entre voz e letra: o lugar da ances- angolana e sua relação fundante com a ancestralidade, fonte tralidade na ficção angolana do século XX. Niterói: Editora simbólica em que a alteridade ia/vai buscar a “água” de sua da Universidade Federal Fluminense, 1995). diferença, para poder ter forças e resistir. * O debruçar-me sobre os espaços ficcionais me levou, quase como uma conseqüência natural, aos mapas, às cartografias, * (Cf. Padilha, Laura. Novos pactos, outras ficções: ensa- enfim, aos elementos da ordem da representação geográfica ios sobre literaturas afro-luso- brasileiras. Porto Alegre / em que tais espaços se projetam e a ficção de algum modo se Lisboa: Editora da Pontifícia Universidade Católica do inspira, para encontrar, ela própria, formas de se cartografar Rio Grande do Sul / Imbon- pela linguagem*. deiro, 2002). Já agora, vou deixando os mapas e suas rígidas escalas e quero propor uma outra forma de representação, a dos cartogramas, para pensar, por meio dela, a ficção angolana moderna e, principalmente, a produzida nos anos 1990 e neste início de século. Como as antigas aulas de geografia um dia me ensinaram, os cartogramas são um tipo de repre- sentação cartográfica temática em que figuras e/ou traços e/ou cores intensificam pontos, para, por intermédio dessa intensificação, representar a própria intensidade de um fenô- meno (vegetação, população, utilização do solo etc). ALEA VOLUME 7 NÚMERO 1 JANEIRO – JUNHO 2005 p. 139-148 139
  • 2. A ficção angolana, desde os imemoriais missossos, por exemplo, passando por Assis Júnior, Soromenho, a geração de 50 etc., sempre se fez cartogramática, reforçando, por fi- guras, traços e cores imagísticas, a intensidade de sua dife- rença ou de suas “paisagens culturais”, a que alude a epígrafe * (Mignolo, Walter D. Histórias locais/Projetos globais: de Mignolo, em que busquei parte do subtítulo deste texto. colonialidade, saberes subal- ternos e pensamento liminar. O mesmo Mignolo analisa como tais paisagens foram Belo Horizonte: Editora da Universidade Federal de Mi- desqualificadas no processo de “expansão colonial e ociden- nas Gerais, 2003, p. 307). tal”*, e como hoje, a partir da exigência de uma “outra lín- gua” e de ‘um outro pensamento’ fundado na diferença colo- * (Ibid., p. 339). nial”*, há uma espécie de revisão daquele apagamento pri- meiro, o que leva o sujeito do conhecimento a investir em suas histórias locais. Estas respondem à pressão exercida pela colonialidade do poder e do saber e, neste sentido, abre- se a possibilidade mesma de se adotar “uma outra visão de literatura, examinando-a da perspectiva do conhecimento * (: 305). teórico que ela gera”*. Penso que os estudos africanos dos últimos vinte anos vêm cada vez mais consolidando essa “visão de literatura” referida por Mignolo e reforçando o espaço da crítica pós- * (Santos, Boaventura de colonial. Tais estudos, firmados, de modo cada vez mais or- Sousa. “Entre Próspero e Caliban: colonialismo, pós- ganizado e coerente, pelos próprios sujeitos africanos em colonialismo e inter- identidade”. Em: Ramalho, várias línguas, vão na contracorrente da colonialidade do Maria Irene & Ribeiro, António Sousa (org.). Entre ser e estar: poder e do saber, assim como tentam “subverter a subalter- raízes, percursos e discursos da identidade. Porto: Afron- nidade”, tal como discute Boaventura de Sousa Santos, ao tamento, 2002: 32). retomar Gayatri Spivak*. Os cartogramas agora propostos querem seguir na dire- ção desse novo mapeamento do saber, pensando a ficção an- golana e o seu debruçar-se sobre a sua própria espacialidade física e cultural, ou suas paisagens. Com isso, ela insiste em não deixar desaparecer um jogo milenar de “escrita” que ten- tava ser um reforço da sabedoria ancestral e se expressava em traços, riscos, gestos e mesmo voz. Tal modo de perceber a “escrita” ia muito além do letramento trazido pelo coloni- zador, em suas naus onde os marinheiros que não sabiam escrever dominavam numericamente os que o sabiam, como a história sempre nos mostrou. Quero, partindo daí, pensar/ler algumas imagens espacio- ficcionais que sustentam as paisagens culturais angolanas, no plano da representação, dando-lhes vida, como tão bem recorta Milton Santos, ao insistir que “paisagem e espaço 140 ALEA VOLUME 7 NÚMERO 1 JANEIRO – JUNHO 2005
  • 3. não são sinônimos”. Como explicita: “A paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre ho- * (Santos, Milton. A natureza do espaço. Técnica e Tempo. mem e natureza. O espaço são essas formas mais a vida que as Razão e Emoção. São Paulo: anima”*. Edusp,2004: 103). O que move este texto é surpreender, no tecido ficcional angolano moderno, sobretudo no tempo recortado, essa “vida que [...] anima” as paisagens, principalmente depois que o “sol” da independência de certo modo perdeu a intensidade de seu brilho. Apetece-me indagar como as gerações literárias se superpuseram nesse nosso tempo. Apetece-me, já agora e igual- mente, voltar a Milton Santos e à clareza e profundidade de suas tão sábias reflexões: “paisagem e espaço são sempre uma espécie de palimpsesto onde, mediante acumulações e substi- tuições, a ação das diferentes gerações se superpõe. O espaço constitui a matriz sobre a qual as novas ações substituem as ações passadas. É ele, portanto, presente, porque passado e futuro”*. * (Ibid.: 104). Esse “palimpsesto”, na bela imagem de Santos, é o que o leitor da ficção angolana encontra em seu percurso por ela. Deixo outras vias possíveis, na rota temporal dessa ficção, tal como insisto em percorrer desde os anos 1980, rota que passa por Alfredo Troni, Assis Júnior, Castro Soromenho, por exemplo, e elejo a segunda metade do século XX como o ponto inaugural de minha travessia, que, por agora, não adentrará os caminhos ou não se fará um cartograma, pois a via interpretativa apenas se vai iniciando no que se refere aos anos de 1990 e ao início dos anos 2000. Como sabemos, a diferença identitária – quando o desejo da liberdade começa, sem peias que o domem, a ganhar voz e vulto na segunda metade do século XX – tem nas imagens espaciais uma de suas mais fortes recorrências efabulativas. Uma dessas imagens em que o nosso imaginário leitor não tem como deixar de ancorar é fornecida pela cartografia- * (Macedo, Tania. “A presença de Luanda na síntese da cidade de Luanda, tão bem lida pela ensaísta bra- literatura contemporânea em português”. Em: Angola sileira Tania Macedo*. A cidade comparece, no cartograma e Brasil: estudos comparados. São Paulo: Arte & Ciência, ficcional de vários autores, com seus musseques*; suas ruas 2002, p. 67-94). ensolaradas pelas quais deambula, por exemplo, o persona- * (Cf. os contos de Rocha, Jofre (Almeida, Roberto de). gem-narrador de Nós, os do Makulusu, ao ir ao encontro do Estórias do musseque. São Paulo: Ática, 1980) corpo morto daquele que “tinha a mania dos heróis, pensava * (Vieira, Luandino. Nós, os do Makulusu. Lisboa: Sá da era capitão-mor”, isto é, Maninho*; suas cubatas em que a Costa, 1975: 3) Laura Padilha · CARTOGRAMAS: FICÇÃO ANGOLANA E O REFORÇO... 141
  • 4. * (Vieira, Luandino. Luuanda: estética da privação se consolida, principalmente nas figuras estórias. São Paulo: Ática, 1982). de velho(a)s como Xixi* ou Tutúri* etc.; seus descampados * (Rocha, Jofre. Estórias do musseque. Ob. cit.). onde os meninos descalços jogavam a bola e/ou faziam seus * Cf. os contos de Cardoso, Boaventura em O fogo da fala metafóricos desafios*; sua lagoa “enluarada”, morada da an- (Lisboa: Edições 70, 1980) e Dizanga dia muenhu (São tiga Kianda, aterrada para dar lugar ao largo do Kinaxixe, Paulo: Ática, 1982). * (Santos, Arnaldo. Kinaxixe que tem em Arnaldo Santos um excelente cartógrafo*, e iría- e outras prosas. São Paulo: Ática, 1981). mos por aí. São espaços que à privação respondem com a euforia, a fé e a esperança. E o imaginário dos ficcionistas por eles com fervor viaja, “cartogramando-os” por palavras, quase eu ia dizendo, “de ordem”. Lendo tais textos, podemos lembrar a reflexão feita por Cornejo Polar sobre o conjunto da obra de José Maria Arguedas em que, para o crítico peru- ano, “existe tanto uma fidelidade sem fissuras relativamente * (Polar, Antonio Cornejo. O condor voa: literatura e aos valores da cultura nativa como uma imbatível fé em seu cultura latino-americanas. Belo Horizonte: Editora da triunfo histórico, embora com freqüência – para isto – o au- UFMG, 2000: 127). tor tenha de deslocar-se na direção da utopia e do mito”*. É essa utopia que se afirma no mito luminoso de Luan- da, daí porque da reflexão de Polar se pode fazer uma espécie de epígrafe balizadora da produção ficcional de 1950 em di- ante, e de nossa leitura sobre ela. Vale lembrar que tal ficção se represou a partir do eclodir da guerra (1961), e foi publi- cada depois de 1975, principalmente, aparecendo com força nos primeiros anos da década de 1980. Quando os sonhos da liberdade sem peias ou adiamentos começam a ruir, depois da Independência, de novo se convo- cam os espaços para disso se fazerem símbolo. Está-se já quase na segunda metade dos anos 1980, aproximadamente e sem escalas temporais rígidas, quando, então, o jogo do nós e dos outros já não se dá entre o dominado e o dominador, percebido como o estrangeiro, mas entre o próprio e o seu * (cf., por exemplo, Pepetela (Pestana, Arthur). Parábola igual, só que em lados excludentes na arena política da do- do cágado velho. Lisboa: minação. É ela que acaba por abrir o espaço da guerra civil Dom Quixote, 1996; Cardoso, Boaventura. Maio, em que irmão luta contra irmão, como a ficção dos anos 1990 mês de Maria. Porto: Campo das Letras, 1997). mostrará com recorrência*. Parodiando Roberto Bolaño, escritor chileno, em debate com Ricardo Piglia, escritor argentino, feito por e-mail e pu- blicado, primeiro em El País e recentemente traduzido no suplemento “Mais!”, da Folha de S. Paulo, em 12 de setembro de 2004, o assumir-se como “nacional” (nesse caso, angolano e, quanto aos dois debatedores, latino-americanos, generica- mente), ou o reforçar-se como tal, talvez “obedeça às mesmas 142 ALEA VOLUME 7 NÚMERO 1 JANEIRO – JUNHO 2005
  • 5. leis que o regiam no tempo das guerras de independência”. É o * (Monteiro, Manuel Rui. Quem me dera ser onda. que encenam, por exemplo, Manuel Rui Monteiro em Quem Luanda: Instituto Nacional do Livro e do Disco, 1984; me dera ser onda e/ou Pepetela em O cão e os calús.* Pepetela. O cão e as calús. Porto: Asa, 1988). Adentrando a ficção dos anos 1990, já convocada atrás, vemos que a representação de ordem espacial que, no corpus da literatura angolana, acaba por se tornar a síntese mais per- feita do ruir dos sonhos, é-nos oferecida pela “síndroma de Luanda”. Ou seja, pelo ruir silencioso dos prédios do Kinaxixe em O desejo de Kianda, de Pepetela, com a imagem espacial suplementar do prédio inacabado, tomado pelos despossuídos e onde a menina Cassandra ouve o canto da Kianda e o parti- lha com o mais velho Kalumbo, como se ambos revivessem um rito de iniciação, onde este, no caso, introduz a sua mais * (Pepetela. O desejo de Kianda. Lisboa: Dom Quixote, nova nos mistérios da Kianda.* É interessante notar como o 1995: 98-9). Kinaxixe continua a ser o palco quase mítico das ações, daí a convocação feita a Luandino Vieira e a Arnaldo Santos na cena assim narrada: Ali perto devia ser o sítio onde há trinta e tal anos derrubaram a mafumeira de Kianda, quando construíram a praça. Toda aquela zona fora uma lagoa e havia uma mafumeira que foi cortada e chorou sangue pelo cepo durante uma semana. Ouviu a história um dia [...] quando se sentou com o maior respeito onde se encon- travam dois escritores, Luandino Vieira e Arnaldo Santos, gran- des sabedores das coisas de Luanda”.* * (Ibid.: 46-7). Eis o palimpsesto a que se refere Milton Santos, com a ruína dos prédios desventrados na silenciosa queda e o “musseque” vertical sem a beleza mítica antiga a esconderem os traços do sonho, da euforia, da alegria, enfim, do outro tem- po que igualmente formara um cartograma. A “gigantesca onda” que inunda “toda a Avenida”, na cena final de recompo- sição imagística da ordem antiga, traz “em cima dela [...] as fitas de todas as cores [...] agora que a Ilha de Luanda volta- va a ser ilha e Kianda ganhava o alto mar, finalmente livre”*. * (: 119). O espaço reconquistado, a paisagem recuperada, eis a cena que ainda permite pensar que, africanamente, a esperança não se pode deixar morrer. A pergunta que não tenho como calar, já agora, é se esse “ruir”, de certo modo minimizado pela libertação do espaço aprisionado em O desejo de Kianda, continua ou não a refor- çar os traços no cartograma ficcional angolano desse fim/ início de século e se tais traços, ecoando Homi Bhabha, trans- Laura Padilha · CARTOGRAMAS: FICÇÃO ANGOLANA E O REFORÇO... 143
  • 6. * (Bhabha, Homi K. O local formam “retalhos e restos da vida cotidiana nos signos de da cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1998: 202). uma cultura nacional coerente”*. Será a fé cega, pergunto-me, nesse momento histórico, mais forte que a faca amolada que as novas correlações de força, a globalização e/ou a colonialidade do poder entre elas, assim como as soluções políticas neoliberalizantes parecem impor a sociedades como a angolana – e não menos à do Brasil, de onde falo –, ditas subalternas ou periféricas, em que os sujei- tos históricos não conseguem escrever a sua própria “biogra- fia” identitária, localmente articulada, para, dela partindo, pro- porem novas representações cartográficas? Como já deixei cla- ro, não me parece que a faca amolada possa vencer a fé cega, a não ser que se pense na faca amolada que a própria ficção insiste em ser. Não por acaso reforçam-se as paisagens culturais para tornar o gume dessa faca ainda mais afiado. Os produtores nos propõem uma espécie de travessia do olhar por tais paisa- gens, tal como se dá em Mãe, materno mar, de Boaventura Car- doso, que, não por acaso, assim se abre, estabelecendo o senti- do do pacto espacial romanesco: Corriam verdejantes velozes, os floridos campos, montanhas, va- les, as miúdas ermas campinas, as plantas terras, o tempo era aquele minuto átimo, a flecha zunante, o olhar se distendendo naquele * (Cardoso, Boaventura. espaço corrido, correndo, o tempo se afirmando e se negando, ele, Mãe, materno mar. Porto: Campo das Letras, 2001: pensativo, a mãe..., o espaço e o tempo, os ares, tudo a correr, 35). célere.* O tempo e o espaço, a se recuperarem, na velocidade do comboio pelo qual o sujeito – “ele, pensativo” –, que sabere- mos depois se chamar Manecas, fará sua própria iniciação na diferença de sua terra durante a viagem que durará 15 anos de Malange a Luanda. Nesse trem, desfila, como se em uma roda de “contação” se estivesse, o microcosmo social de Ango- la, como tão bem analisado por Carmen Lúcia Tindó Secco, no prefácio da obra. A ensaísta adverte: “Mãe, Materno mar, em sua polifônica urdidura romanesca, se organiza como um gran- de missosso, cujas diversas camadas narrativas, formadas pe- los fios cruzados e entrecruzados de várias estórias, se encai- xam ao eixo principal condutor do enredo: o da viagem de um * (Ibid.: p. 15), comboio que sai de Malange, com destino a Luanda”*. Novamente, o palimpsesto, a esconder velhos cartogramas, no caso, os missossos, uma forma de narrar da oralidade em 144 ALEA VOLUME 7 NÚMERO 1 JANEIRO – JUNHO 2005
  • 7. que os espaços da alteridade se tingiam de cores identitárias fortes: quimbos, senzalas, rios, monstros como os diquixi de várias cabeças, sereias, gemelaridades, boas e más mortes, e mais, muito mais. Recuperando esse modo ancestral de con- tar, o produtor ficcional reforça a sua cultura, mostrando-a como diferença. Em conferência recente, no Rio de Janeiro, Boaventura Cardoso a explicitou, referindo-se à “fonte” de onde emana o contar letrado angolano e, nele, o seu, em especial: “Fiéis à cultura banto, na forma de conceber o texto oral e de o narrar, assumimo-nos como o contador africano, na sua exu- berante expressividade dramatizadora, na sua preferência pela linguagem-espetáculo, tornando-a uma polifonia de lingua- * (Cardoso, Boaventura. Conferência proferida no gens idiomáticas, gestuais, de imitação de sotaques dos perso- Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ em 8 de outubro de nagens, dos seus estados de espírito”*. 2004.) Aí estão, explicitados, os traços e as cores do cartograma, com a intensificação de pontos que recuperam a intensidade do próprio processo ficcional angolano, na busca do que nele, repito, é diferença. O mesmo se dá, se o objeto de nosso olhar crítico for Rioseco, de Manuel Rui Monteiro, que igualmente se abre, fixando os espaços, ancorando-os na letra que toma de assalto a brancura do papel: Naquela hora em que os pescadores atravessavam o canal com seus apetrechos tão resumidos para virem fazer a aguada, o mar * (Monteiro, Manuel Rui. abria boca-réstia de sono ainda em maré baixa a espreguiçar-se, Rioseco. Lisboa: Cotovia, sonolentamente, sob o sol sem nuvem.* 1997, p. 9). Antes que os personagens tomem acento na cena, perso- nagens cujos nomes conheceremos depois – Zacaria, “O ho- mem [...] de pé” e Noíto, “a mulher sentada sobre a trouxa grande”*, ou seja, o casal, como no princípio dos tempos –, o * (Ibid.: 9-10). encenador das ações faz o enquadramento espacial e nos in- troduz nas malhas de sua paisagem cultural. Depois é que a história se inicia, com o primeiro plano quase absoluto de Noíto, mulher do rio e do mato, que se faz da ilha e do mar. No plano do contado, ela se revela uma espécie de maga (Kianda transplantada?), a traduzir o conhecimento antigo para a “língua” do conhecimento novo. Com isso, agrega es- paços, encontra, pelo gesto de tradução, o outro nome das coisas, integra-se ao outro território, assumindo como suas as novas paisagens. Corpo de velha em coração de menina, seu riso e sua dança cortam a ilha ao meio, antes que o rio o faça, “brotando” ali ao final do romance. Laura Padilha · CARTOGRAMAS: FICÇÃO ANGOLANA E O REFORÇO... 145
  • 8. Dividida entre seus dois amores (Zacaria, companheiro antigo dos tempos de mato e rio, e Mateus, novo deslumbra- mento, já em forma de ilha e mar), Noíto amarra a chuva; * (Cf. a cena dos flamingos: descobre o seu cágado, sempre o outro da sabedoria; fala com 492-3). os pássaros* e, principalmente, é recebida pela Kianda que dela faz uma espécie de lugar-tenente na ilha – cf. o que diz Kakuarta: “É a tia Kambuta que nós recebemos com ela muito * (: 277). da sereia”*, ao que Noíto adiante ecoará: “Quando aquela gente toda bateu palmas e eu levantei, era mesmo a Kambuta. Com * (: 283). a ajuda da Kianda. Agora [...] sou outra vez Noíto”*. Retorna, pela voz artística de Manuel Rui, como se dera com a de Boaventura Cardoso – obras aqui tomadas como um paradigma possível das representações cartogramáticas – o modo de contar ancestral. Esse jogo palimpséstico confe- re uma outra dimensão ao texto ficcional, descobrindo-lhe as superposições, as camadas, as genealogias. Assim, reforça-se sua força espacial pela presença viva da vida. Cito, uma vez mais, Milton Santos: “Só a vida é passível desse processo infinito que vai do passado ao futuro, só ela tem o poder de tudo transformar amplamente. Tudo o que não retira sua * (Santos, Milton. A natureza significação desse comércio com o homem, é incapaz de um do espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emoção. Ob. cit.: movimento próprio, não pode participar de nenhum movi- 109). mento contraditório, de nenhuma dialética”*. Penso que é por tal jogo dialético e por aceitar as normas do movimento contraditório que o texto ficcional angolano moderno, sem negar ou elidir o global, gesto impensável na argamassa político-cultural de nosso presente, consegue re- forçar o local de onde fala, investindo nos traços densamente coloridos de seu cartograma de palavras. Encontra, assim, voltando à epígrafe de Mignolo por onde comecei, “uma outra língua”, fundada em uma outra lógica, ou em “um outro pen- samento”, pelos quais emerge a diferença, pelo ensaísta cha- mada colonial. Reergue-se, assim, simbolicamente, A casa velha das mar- gens, tal como Arnaldo Santos concebe e nos propõe com a realização de seu romance. Ela, a casa velha, uma outra ma- neira metafórica de dizer Angola, constrói-se com o cimento do presente, do passado e do futuro, implantando-se no ter- reno de nosso imaginário leitor de forma sólida e definitiva. Atam-se os laços com o passado e, assim, abre-se a possibili- dade do futuro, pois, como ensina o fecho do romance, “os 146 ALEA VOLUME 7 NÚMERO 1 JANEIRO – JUNHO 2005
  • 9. espíritos dos [...] antepassados” – metonimicamente, no caso, não enterrados pela “mãe” (que seria a Kissama, duplo da * (Santos, Arnaldo. A casa terra, como sabemos) – “pairavam algures pelas Margens, velha das margens. Porto: Campo das Letras, 1999: mas outros lhes tinham herdado”*. 354). É essa herança que significa e acaba por antecipar o fu- turo, pois jamais se esquece o que se herda. Esse não-esque- cimento guarda a certeza de que a memória nunca se deixa- rá lacrar, fazendo-se um cofre sempre aberto no presente e o lugar onde, ao mesmo tempo, mora o sentido do passado e, nele, superposto ou ao lado, a garantia do futuro. Laura Padilha · CARTOGRAMAS: FICÇÃO ANGOLANA E O REFORÇO... 147
  • 10. Laura Padilha Professora de Literaturas de Língua Portuguesa da UFF e pesquisa- dora do CNPq. Autora de Entre a voz e a letra: o lugar da ancestralidade na ficção angolana do século XX (Niterói: Eduff, 1995) e de Novos pactos, oiutras ficções: ensaios sobre literaturas afro-luso-brasileiras (Porto Alegre: Edipucrs, 2002). Palavras-chave Resumo Ficção angolana contempo- rânea O artigo propõe a forma de projeção gráfica do cartograma para por Memória e representação Cartografias identitárias ela pensar a ficção angolana produzida nos anos 1990 e no início do Novas negociações de sentido século XXI. Considerando ser o cartograma uma forma de, por ima- Key words Contemporary Angolan fiction gens ou traços, reforçar um tipo de fenômeno geográfico, a leitura se memory and representation vale dessa imagem para privilegiar as representações das paisagens identity cartographies new negotiations of meaning e espaços culturais angolanos, vendo-os como um processo de investi- Palabras-clave mento dos ficcionistas em suas histórias locais, para, por tal investi- Ficción angolana contempo- mento, reforçar a própria diferença cultural. ránea Memoria y representación Cartografías identitarias Nuevas negociaciones de sentido Abstract Resumen This article elaborates on the Enfocando la proyección gráfica graphic form of projection of the de cartogramas postales, este ar- cartogram in order to think, tículo propone reflexionar sobre through it, Angolan fiction of the la producción ficcional de Ango- 90s and the beginnings of the la a partir de los años 90 del siglo XXI century. Considering the XX hasta los primeros años del cartogram as a way of highligh- XXI. Por ser el cartograma una ting by means of images or forma de reforzar, sea con la sketches a given geographical imágen, sea con el diseño, un tipo phenomenon, the reading herein de fenómeno geográfico, su proposed makes use of this lectura se sostiene sobre esta image to call attention to the imagen para privilegiar repre- representation of Angolan sentaciones de paisajes y espa- landscapes and cultural spaces, cios culturales angolanos, recur- viewing them as a process of so éste reiterado por ficcionistas investment on the part of fiction para registrar sus historias Recebido em 17/10/2004 writers in their local histories in locales y para reforzar su propia Aprovado em order to thereby emphasize their diferencia cultural. 12/01/2005 own cultural difference. 148 ALEA VOLUME 7 NÚMERO 1 JANEIRO – JUNHO 2005