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“não pode dar para qualquer freirinha pegar uma escova de dente e aparecer na rede vida escovando a santa” (Este texto fica em cima da foto, a foto vou mandar anexo) <br />“Adão e Eva veio antes ou depois da idade da pedra?” Me massacraram não só as freiras, mas as alunas também”   (Este é o primeiro que fica em destaque na página do meio)<br />“Vamos passá-la em um moedor de carne e fazer uma nova com um molde” (Este é o segundo que fica em destaque na página do meio)<br />“Pof, acabou”<br />A artista plástica revela detalhes da restauração da imagem-símbolo do catolicismo no Brasil que foi quebrada em 200 pedaços após atentado em 16 de maio de 1978<br />Maria Helena Chartuni, 68 anos, é uma artista contemporânea que recebeu a missão de restaurar a imagem de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. A artista possui uma vasta experiência, seja em suas pinturas que geralmente criticam uma sociedade banalizada, ou em restauro capaz de resgatar todo o valor histórico empregado em uma obra de arte. Maria Helena é assim: uma mulher de fibra, inteligente e decidida, nada nela trai que foi uma futurista para seu tempo e que enfrentou inúmeros preconceitos para ser reconhecida em seu meio. Na entrevista a seguir a ex-restauradora do MASP fala emocionada sobre o trabalho que desenvolveu e ao mesmo tempo critica com exclusividade a antiga organização da Basílica do maior centro de peregrinação do país.  <br />A imagem foi quebrada por um jovem protestante, e chocou a sociedade no final da década de 70 devido à facilidade com que ele acessou o objeto e o despedaçou a que você credita o acontecimento do fato?  <br /> Na velha Basílica, ela estava para quem quisesse pegar. Deu uma tempestade muito grande em 16 de maio, que não é época de tempestade e acabou a luz no vale do Paraíba inteiro. Ele aproveitou aquele momento e deu um soco no sacrário. Quando ele viu que o guarda se aproximou se assustou e a jogou no chão. A imagem é de terracota e ela tinha uma coroa que a princesa Isabel tinha dado de ouro maciço pesado, e embaixo tinha uma base de pelo menos uns 10 centímetros que não é original, ajudando aquilo a espatifar. Pof, acabou.<br />Foi construída uma nova Basílica de Nossa Senhora Aparecida, uma obra gigantesca diferente do cenário da época, você acredita que pode acontecer novamente um atentado?<br />Devido a uma série de coisas que fizemos hoje ela está protegida, foi construído o nicho dela com vidro antibala, porque eu já tinha dito que precisa conservar porque as pessoas são muito loucas.<br />Foi atribuída a você a incumbência de restaurar a imagem após o atentado, qual foi a sua reação ao ver os pedaços da imagem?<br />Aquilo era uma tragédia e não só para os padres, mas para uma população que acredita naquela imagem como vinda das águas. Começaram a aparecer os restauradores porque as pessoas sabiam que quem fosse restaurar teria muita repercussão, “acho que foi todo mundo menos eu” (risos). Decidiram falar com o dirigente do Museu do Vaticano o brasileiro professor Delclecio Rodrigo de Campos e ele orientou a procurarem o professor Bardi responsável pelo MASP. Ao ser procurado o professor Bardi se prontificou a ir até Aparecida imediatamente eu não podia ir  porque tinha que dar uma aula de restauro no museu. Quando ele chegou disse para que eu me preparasse que na segunda feira eles viriam ao museu, perguntei a ele como estava os pedaços da imagem e ele me respondeu: Você vai restaurá-la rapidamente. Na segunda feira o arcebispo Dom Geraldo Morais Pereira e mais três ou quatro padres chegaram com uma caixa de fórmica deste tamanho (demonstrou a dimensão com as mãos), bem embalada e ao abrirem “estava lá todos os pedaços; ai pronto eu esfriei’. “Todo mundo acha que foi uma reação mística, mas não foi de pânico.”<br />Sabemos que foi um trabalho bastante criterioso o restauro da imagem em algum momento achou que não conseguiria?<br />Eu não achei nada senti medo, pânico, a responsabilidade era muito grande, ela estava em 200 pedaços aproveitáveis 165. Não era um restauro comum eu já tinha feito vários restauros, mas o problema não era esse, quando você tem uma peça que está todo mundo na expectativa - todo mundo ali de olho, a responsabilidade aumenta quando você acerta “maravilha” como aconteceu, mas e se você erra? (semblante de pânico)<br />Nossa senhora Aparecida é conhecida como a mãe do Brasil, dentre a religião católica, e muitos dos restauradores que solicitaram o serviço utilizavam o fato se serem católicos para tentar ganhar o trabalho, qual sua posição religiosa nesse período? <br />Vou dizer o que acontece, eu nasci católica, eu estudei em colégio de freiras e até mais ou menos a pré adolescência eu era católica, frequentava a igreja, comungava todo domingo. Vocês nem vão entender porque era uma época de grande repressão a sociedade era repressiva a religião era repressiva, na pré adolescência eu me revoltei contra a igreja. Porque estudo no colégio de freira não e uma coisa amigável. Os padres eram todos retirados e as freiras eram pior ainda como mulheres elas eram mais preconceituosas para mim elas tinham uma cabeça muito quadrada. Nós tínhamos aula de religião todos os dias e no ginásio tinha aula de ciências, estávamos aprendendo a historia de Adão e Eva, e na aula de ciências aprendia que existia a idade da pedra. Eu perguntei “Adão e Eva veio antes ou depois da idade da pedra?” Me massacraram não só as freiras, mas as alunas também. Quando cheguei à adolescência deixei não só a religião católica, mas como qualquer outra religião e comecei a seguir minha vida, estudar nos ateliês, até que chegou este trabalho.<br />Não estando mais ligada ao catolicismo significa que a imagem se tornou menos mística pra você do que grande parte da sociedade a considerava?<br />Quando eu peguei este trabalho não peguei como devota peguei como uma profissional. Não me importa que fosse Nossa Senhora Aparecida ou qualquer outro santo eu tinha que fazer e fazer bem. Desde muito pequena era muito devota de Nossa Senhora. E eu rezei “se a senhora me colocou nesse problema agora a senhora vai me ajudar porque sozinha eu não sei se vou sair disso”, e no dia seguinte comecei o trabalho. Anteriormente tive uma sensação vendo televisão que eu ia participar de uma coisa muito grande e as pessoas me agradeceriam por isso. Quando aconteceu o desastre, pensei, “mas que padre chato, porque ele esta fazendo essa coisa toda, sou eu que vou restaurar”. Isso passou pela minha cabeça também, apaguei por causa da autocensura, claro que na hora não conectei aquilo. Eu comecei a fazer todo um plano de trabalho, minha sala foi isolada nos tínhamos que fotografar o trabalho passo a passo antes, durante e depois. E começamos a fazer, tivemos que dar uma notícia falsa nos jornais dizendo que eles estavam esperando um técnico do Vaticano para vir ate aqui. Foi classificado todos os pedaços a cabeça foi a parte mais difícil então eu pensei “até aqui eu chego, (apontando para o pescoço) desta parte para cima (referindo-se a cabeça) eu não sei, porque era muito complicada e os padres diziam: - Vamos passá-la em um moedor de carne e fazer uma nova com um molde (riso sarcástico), uma coisa absurda. As coisas foram acontecendo, existiam pedaços milimétricos que eu tinha que pegar com a pinça. Aconteceram coisas estranhas porque em dezenas de pedaços eu pegava um e falava deve ser aqui, e era, a coisa tem que encaixar como um quebra cabeça se não você não monta, para montar aquela peça antes de colar definitivamente eu tive que usar uma fita adesiva, montando como um joguinho ate ter certeza de que uma coisa pertence a outra. <br />O restauro durou 41 dias, após o término do processo que foi finalizado com muito sucesso, a imagem foi devolvida a cidade de Aparecida do Norte. Existe algum momento nesses dias que você ficou com a Santa que destacaria?<br />Depois que eu terminei a imagem ela foi entregue em um cortejo lindíssimo em cima de um caminhão de bombeiros, o cortejo começou na Av. Paulista foi até Aparecida do Norte em um corredor humano de um lado para o outro. “Os caminhoneiros vinham do Rio de Janeiro em sentido contrário, a Dutra naquele tempo era mais estreita e quando viam a imagem no carro de bombeiros se ajoelhavam em cima das cargas e rezavam.”<br />Hoje a senhora é a única pessoa autorizada a fazer a limpeza da imagem, essa foi uma escolha direta do Arcebispo de Aparecida?<br />Dia 16 de maio do ano seguinte parecia tudo combinado no mesmo dia em que ela foi quebrada eu fui procurada pelo novo reitor do santuário dizendo: nós queremos falar em segredo com você e não queremos que ninguém saiba, estão dizendo que você fez uma imagem falsa porque o padre anterior mandou tirar uma fôrma que manchou toda a santa e ele pintou a santa com tinta automotiva, de fato tinha um milímetro de tinta em cima dela parecia uma imagem de gesso pintada e eu não divulguei isso agora estou falando porque as coisas já passaram, enfim comecei a tirar toda aquela tinta e foi parecendo até os restauros, às rachaduras, porque aparece mesmo, ela não tem pintura é uma patina e qualquer coisa pode tira - lá. Tudo permaneceu em silencio sem divulgação. Eu não cobrei nada para restaurar esta imagem e eles perguntaram quanto você quer e apenas respondi: nada, continuo não querendo nada de Nossa Senhora, deixe que ela sabe do que preciso, o único pagamento que quero é que este padre não chegue perto desta imagem porque é um restauro se quebrar ela não pode mais ser restaurada, fiquei 10 anos sem ir em Aparecida, para mim acabou encerrou o ciclo. O padre insistiu, parecia Deus falando Anteriormente um dos padres telefonou para mim dizendo eu estou precisando fazer uma forma eles queriam reproduzir para vender porque as pessoas pedem, nãos aqueles santeiros horríveis eu tenho profissionais que fazem essas coisas, mas nunca mais procurou e eu encerrei o assunto mas quando eu fui não sei se é a luz mas ela parece estar manchada eu comentei com o padre reitor da época o padre Jardir, falei olha acho que tem um problema nessa imagem parecia pele de onça toda pintada eu falei ai meu Deus o que vocês fizeram com essa imagem? não pode dar para qualquer freirinha pegar um escova de dente e aparecer na rede vida escovando a santa, e eu pensei vou propor para estes padres que enquanto eu viver e tiver bem eu vou dar uma assistência gratuita a imagem ate o fim da minha vida, eles acharam muito bom e o arcebispo da época dom Geraldo assinou um documento agora tem uma estrutura lá e eles entenderam que não pode trata um objeto de arte e um objeto de culto de qualquer maneira pq não é nossa senhora de barro que faz milagre é uma outra coisa muito mais superior muito mais profundo todo ano eu vou tem algum ano que muda o sistema o chefe ai eles esquecem de chamar eles também  seguem orientações técnica boa ninguém esta mechendo fora de hora fizeram muito bem no sentido de ter chamado o artesão e ele fez a mão não precisou mexer ele copiou olhando sem fazer força nada.<br />Nossa senhora Aparecida é conhecida como a mãe do Brasil, dentre a religião católica, e muitos dos restauradores que solicitaram o serviço utilizavam o fato se serem católicos para tentarem ganhar o trabalho, qual sua posição religiosa nesse período? <br />Vou dizer o que acontece, eu nasci católica, eu estudei em colégio de freiras e até mais ou menos a pré adolescência eu era católica, frequentava a igreja, comungava todo domingo. Vocês nem vão entender porque era uma época de grande repressão a sociedade era repressiva a religião era repressiva, na pré adolescência eu me revoltei contra a igreja. Porque estudo no colégio de freira não e uma coisa amigável Os padres eram todos retirados e as freiras eram pior ainda, como mulheres elas eram mais preconceituosas para mim elas tinham uma cabeça muito quadrada, nos tínhamos aula de religião todos os dias e no ginásio tinha aula de ciências, nós estávamos aprendendo a historia de adão e Eva, e na aula de ciências aprendia que existia a idade da pedra eu perguntei “Adão e Eva veio depois ou antes da idade da pedra?” Me massacraram não só as freiras mas as alunas também, quando chequei na adolescência falei não quero mais saber não só por esses fatos mas por muitos fatos e deixei não só a religião católica como qualquer outra religião e comecei a seguir minha vida, estudar nos ateliês, até que chegou este trabalho para mim fazer.<br />A senhora acredita que os responsáveis pela administração da Basílica Aparecida tratavam a imagem sem o cuidado que uma peça histórica como ela merece? Pois a imagem já estava restaurada e ai de novo um acidente?<br /> “De novo. Ali era uma festa, então novamente retiraram a imagem e mandaram não sei para quem, porque isso você nunca fica sabendo.”<br />
Pof acabou
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  • 1. “não pode dar para qualquer freirinha pegar uma escova de dente e aparecer na rede vida escovando a santa” (Este texto fica em cima da foto, a foto vou mandar anexo) <br />“Adão e Eva veio antes ou depois da idade da pedra?” Me massacraram não só as freiras, mas as alunas também” (Este é o primeiro que fica em destaque na página do meio)<br />“Vamos passá-la em um moedor de carne e fazer uma nova com um molde” (Este é o segundo que fica em destaque na página do meio)<br />“Pof, acabou”<br />A artista plástica revela detalhes da restauração da imagem-símbolo do catolicismo no Brasil que foi quebrada em 200 pedaços após atentado em 16 de maio de 1978<br />Maria Helena Chartuni, 68 anos, é uma artista contemporânea que recebeu a missão de restaurar a imagem de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. A artista possui uma vasta experiência, seja em suas pinturas que geralmente criticam uma sociedade banalizada, ou em restauro capaz de resgatar todo o valor histórico empregado em uma obra de arte. Maria Helena é assim: uma mulher de fibra, inteligente e decidida, nada nela trai que foi uma futurista para seu tempo e que enfrentou inúmeros preconceitos para ser reconhecida em seu meio. Na entrevista a seguir a ex-restauradora do MASP fala emocionada sobre o trabalho que desenvolveu e ao mesmo tempo critica com exclusividade a antiga organização da Basílica do maior centro de peregrinação do país. <br />A imagem foi quebrada por um jovem protestante, e chocou a sociedade no final da década de 70 devido à facilidade com que ele acessou o objeto e o despedaçou a que você credita o acontecimento do fato? <br /> Na velha Basílica, ela estava para quem quisesse pegar. Deu uma tempestade muito grande em 16 de maio, que não é época de tempestade e acabou a luz no vale do Paraíba inteiro. Ele aproveitou aquele momento e deu um soco no sacrário. Quando ele viu que o guarda se aproximou se assustou e a jogou no chão. A imagem é de terracota e ela tinha uma coroa que a princesa Isabel tinha dado de ouro maciço pesado, e embaixo tinha uma base de pelo menos uns 10 centímetros que não é original, ajudando aquilo a espatifar. Pof, acabou.<br />Foi construída uma nova Basílica de Nossa Senhora Aparecida, uma obra gigantesca diferente do cenário da época, você acredita que pode acontecer novamente um atentado?<br />Devido a uma série de coisas que fizemos hoje ela está protegida, foi construído o nicho dela com vidro antibala, porque eu já tinha dito que precisa conservar porque as pessoas são muito loucas.<br />Foi atribuída a você a incumbência de restaurar a imagem após o atentado, qual foi a sua reação ao ver os pedaços da imagem?<br />Aquilo era uma tragédia e não só para os padres, mas para uma população que acredita naquela imagem como vinda das águas. Começaram a aparecer os restauradores porque as pessoas sabiam que quem fosse restaurar teria muita repercussão, “acho que foi todo mundo menos eu” (risos). Decidiram falar com o dirigente do Museu do Vaticano o brasileiro professor Delclecio Rodrigo de Campos e ele orientou a procurarem o professor Bardi responsável pelo MASP. Ao ser procurado o professor Bardi se prontificou a ir até Aparecida imediatamente eu não podia ir porque tinha que dar uma aula de restauro no museu. Quando ele chegou disse para que eu me preparasse que na segunda feira eles viriam ao museu, perguntei a ele como estava os pedaços da imagem e ele me respondeu: Você vai restaurá-la rapidamente. Na segunda feira o arcebispo Dom Geraldo Morais Pereira e mais três ou quatro padres chegaram com uma caixa de fórmica deste tamanho (demonstrou a dimensão com as mãos), bem embalada e ao abrirem “estava lá todos os pedaços; ai pronto eu esfriei’. “Todo mundo acha que foi uma reação mística, mas não foi de pânico.”<br />Sabemos que foi um trabalho bastante criterioso o restauro da imagem em algum momento achou que não conseguiria?<br />Eu não achei nada senti medo, pânico, a responsabilidade era muito grande, ela estava em 200 pedaços aproveitáveis 165. Não era um restauro comum eu já tinha feito vários restauros, mas o problema não era esse, quando você tem uma peça que está todo mundo na expectativa - todo mundo ali de olho, a responsabilidade aumenta quando você acerta “maravilha” como aconteceu, mas e se você erra? (semblante de pânico)<br />Nossa senhora Aparecida é conhecida como a mãe do Brasil, dentre a religião católica, e muitos dos restauradores que solicitaram o serviço utilizavam o fato se serem católicos para tentar ganhar o trabalho, qual sua posição religiosa nesse período? <br />Vou dizer o que acontece, eu nasci católica, eu estudei em colégio de freiras e até mais ou menos a pré adolescência eu era católica, frequentava a igreja, comungava todo domingo. Vocês nem vão entender porque era uma época de grande repressão a sociedade era repressiva a religião era repressiva, na pré adolescência eu me revoltei contra a igreja. Porque estudo no colégio de freira não e uma coisa amigável. Os padres eram todos retirados e as freiras eram pior ainda como mulheres elas eram mais preconceituosas para mim elas tinham uma cabeça muito quadrada. Nós tínhamos aula de religião todos os dias e no ginásio tinha aula de ciências, estávamos aprendendo a historia de Adão e Eva, e na aula de ciências aprendia que existia a idade da pedra. Eu perguntei “Adão e Eva veio antes ou depois da idade da pedra?” Me massacraram não só as freiras, mas as alunas também. Quando cheguei à adolescência deixei não só a religião católica, mas como qualquer outra religião e comecei a seguir minha vida, estudar nos ateliês, até que chegou este trabalho.<br />Não estando mais ligada ao catolicismo significa que a imagem se tornou menos mística pra você do que grande parte da sociedade a considerava?<br />Quando eu peguei este trabalho não peguei como devota peguei como uma profissional. Não me importa que fosse Nossa Senhora Aparecida ou qualquer outro santo eu tinha que fazer e fazer bem. Desde muito pequena era muito devota de Nossa Senhora. E eu rezei “se a senhora me colocou nesse problema agora a senhora vai me ajudar porque sozinha eu não sei se vou sair disso”, e no dia seguinte comecei o trabalho. Anteriormente tive uma sensação vendo televisão que eu ia participar de uma coisa muito grande e as pessoas me agradeceriam por isso. Quando aconteceu o desastre, pensei, “mas que padre chato, porque ele esta fazendo essa coisa toda, sou eu que vou restaurar”. Isso passou pela minha cabeça também, apaguei por causa da autocensura, claro que na hora não conectei aquilo. Eu comecei a fazer todo um plano de trabalho, minha sala foi isolada nos tínhamos que fotografar o trabalho passo a passo antes, durante e depois. E começamos a fazer, tivemos que dar uma notícia falsa nos jornais dizendo que eles estavam esperando um técnico do Vaticano para vir ate aqui. Foi classificado todos os pedaços a cabeça foi a parte mais difícil então eu pensei “até aqui eu chego, (apontando para o pescoço) desta parte para cima (referindo-se a cabeça) eu não sei, porque era muito complicada e os padres diziam: - Vamos passá-la em um moedor de carne e fazer uma nova com um molde (riso sarcástico), uma coisa absurda. As coisas foram acontecendo, existiam pedaços milimétricos que eu tinha que pegar com a pinça. Aconteceram coisas estranhas porque em dezenas de pedaços eu pegava um e falava deve ser aqui, e era, a coisa tem que encaixar como um quebra cabeça se não você não monta, para montar aquela peça antes de colar definitivamente eu tive que usar uma fita adesiva, montando como um joguinho ate ter certeza de que uma coisa pertence a outra. <br />O restauro durou 41 dias, após o término do processo que foi finalizado com muito sucesso, a imagem foi devolvida a cidade de Aparecida do Norte. Existe algum momento nesses dias que você ficou com a Santa que destacaria?<br />Depois que eu terminei a imagem ela foi entregue em um cortejo lindíssimo em cima de um caminhão de bombeiros, o cortejo começou na Av. 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Porque estudo no colégio de freira não e uma coisa amigável Os padres eram todos retirados e as freiras eram pior ainda, como mulheres elas eram mais preconceituosas para mim elas tinham uma cabeça muito quadrada, nos tínhamos aula de religião todos os dias e no ginásio tinha aula de ciências, nós estávamos aprendendo a historia de adão e Eva, e na aula de ciências aprendia que existia a idade da pedra eu perguntei “Adão e Eva veio depois ou antes da idade da pedra?” Me massacraram não só as freiras mas as alunas também, quando chequei na adolescência falei não quero mais saber não só por esses fatos mas por muitos fatos e deixei não só a religião católica como qualquer outra religião e comecei a seguir minha vida, estudar nos ateliês, até que chegou este trabalho para mim fazer.<br />A senhora acredita que os responsáveis pela administração da Basílica Aparecida tratavam a imagem sem o cuidado que uma peça histórica como ela merece? 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