1. O NATAL
NA VOZ DO POVO DE
PROENÇA-A-NOVA
inéditos e recolhas do património oral popular
Dezembro 2008
inéditos e recolhas do património oral popular
2. FICHATÉCNICA
Título
ONatal na Voz doPovo deProença-a-NovaII
Inéditoserecolhasdopatrimóniooral popular
Coordenação
João CrisóstomoManso (VereadordoPelouro daEducação)
Autores
Kapulana (Francisco José Simões Cabral); Edusaca (Maria
da Conceição Balau Martins Catarino); Diogo Dias (Maria
Inês Cardoso); Alberta, Maria do Carmo, Ascensão (Maria
da Ascensão Delgado); Maria Giesta (Susana Pereira
Manso); Joskua, Maria (Maria Emília de Jesus Lopes
Marques); Chagall, Vivaldi (José Ribeiro Farinha); Maria
Perpétua (Maria Leonarda Tavares); Joaquinzinho, Sol
Nado, Bibaru(José EmílioSequeira Ribeiro)
Ilustradores
Alfredo Cavalheiro, Francisco José Simões Cabral, Paulo
Santiago SílviaMathys
Colaboradores
Catarina Alves, Carla Gaspar (Câmara Municipal de
Proença-a-Nova / Biblioteca Municipal de Proença-a-Nova);
Prof. Gil, Prof. Jorge Cardoso, Prof. Alfredo Bernardo Serra,
Prof.Helena
Edição
Câmara Municipal deProença-a-Nova
1ª Edição,Dezembro 2009
Tiragem
500exemplares
Impressão
GráficaProencense,Lda.
DepósitoLegal
O NATAL
5. PREFÁCIO
O Natal na Voz do Povo traz-nos pela segunda vez
memórias escritas registadas nos contos e também nos
presenteiacomo sentirpoéticodaquadra natalícia.
Os autores dos contos recuperam histórias,
reavivam sentimentos e, sobretudo, perpetuam na letra
toda a vivência do Natal pelas gentes de Proença-a-Nova,
enfim, falam daquelas coisas boas e simples do Natal que
adoçam a vida.
Nesta edição do Natal na Voz do Povo, confirma-
se em Revelações a magia do Natal e retrata-se o viver
sócio-familiar na humildade dos lares pobres e rurais; há
um particular que vale a pena relevar: enquanto o conto
Marungo nos leva para terras de África onde o pequeno
Muana vive na esperança de um dia realizar o sonho de
ver o mar...e então seria Natal!...nos demais contos
revelam-se agruras da separação da família e enaltecem-se
as alegrias do retorno da paz pela reconciliação dos
familiares desavindos e no regresso para o bucolismo do
natal na aldeia.
Cantar o natal em verso parece trivial e ao
alcance de qualquer um. Porém, eis que mais uma vez
somos surpreendidospeloestro poéticodosproencenses.
Fica provado que pelo verso se pode rezar ao Menino
Jesus e reviver o Natal de outros tempos e da gente sofrida,
a mesma gente que com fé no Natal tem esperança num
mundo melhor.
Porque neste Natal na Voz do Povo ressuma
exponencialmente a capacidade de o Natal fazer
pequenos milagres, recordando o Raulito, façam favor de
seremmaisfelizes,como Natal!
Proença-a-Nova, 21 de Novembro de 2009
Alfredo Bernardo Serra
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA II
9. MARUNGO
Mafambisse, terras de África. O velho e
fumegante Chevrolet aproveita a paragem obrigatória
para finalmente dar descanso ao motor e passageiros. Era
o último da fila de carros que se estendia até à margem do
rio Pungoé que corria, naquela época do ano, agitado e
lamacento. Tinha que se esperar pela vez para fazer a
travessia no batelão. Esta longa espera servia de pretexto
para o convívio entre todos os presentes sobretudo agora,
vésperas de Natal. Trocavam-se novidades e “guloseimas”
sobrantes do farnel da viagem, e os mais novos
aproveitavam para, nas suas brincadeiras, explorar as
redondezas.
Estas cercanias constituíam o “mundo” do
Marungo: Com os pés descalços, enterrados no “matope”
, esforçava-se para estar à altura das tarefas que lhe tinham
sido confiadas nas manobras e condução do batelão que
teimava em flutuar. Para aquele menino negro, que
nunca tinha frequentado a escola, os seus horizontes
eram as terras limítrofes do rio. Ali aprendera tudo o que
sabia. Aprendera que tudo à sua volta se relacionava e
dependia daquele rio. As terras de aluvião e a sua
vegetação característica serviam de refúgio e alimento
tanto às manadas de antílopes e de búfalos, como a
hipopótamos e jacarés. Marungo respeitava, como todos
os indígenas daquela região, o equilíbrio natural daquele
ecossistema. Quando o tempo permitia, gostava de
observar, ao luar, o banho dos hipopótamos e o
espreguiçar dos jacarés. Durante o dia apanhava
“chinguias” , pássaros multicores, que colocava em
gaiolas feitas demiolodecana para venderaos viajantes.
Contudo, o grande sonho deste “muana” era poder, um
dia, no seu batelão, seguir o curso do Pungoé até ao mar
de que já tinha ouvido falar. Seria o viver de aventuras
imaginadas, seria o despertar para novos sentimentos e
vivências...Enfim! SERIANATAL...
Kapulana
Rio deMoçambique
Lama,Lodo
Pequenospássaros
Menino, Rapaz
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA II
11. DEZEMBRO1990
Sempre que se aproxima o Natal, vêem-me à
memória muitas coisas boas e simples, daquelas nos
adoçam a vida. Resolvi partilhar uma delas, porque,
como alguémdisse,não seéfelizsozinho.
Na escola, com os meninos, estávamos em
Dezembro de 1990, a azáfama era grande. Todos queriam
contar a história que tinham trazido de casa. Tinha
proposto aos pais que numa simples folha de papel
contassem aos filhos como era o Natal, quando tinham a
idade deles (5 anos). Depois, devolveriam a história para
sercontada aos amigos.
Foi com muita emoção que as li e recordo, como
se fosse hoje, duas delas, talvez por serem as que melhor
retratavam “o meu Natal”, que era muito feliz e simples;
um chocolate, uma boneca de plástico ou uma roupa
nova proporcionavam-nos uma felicidade imensa! O meu
quarto dos brinquedos era a rua e era partilhado com as
minhas irmãs. Também me lembro de ver passar um
senhor com um burro, a trocar as sardinhas que trazia por
ovos, etambémfizflorescomcascas delaranja.
Partilho-as com muita alegria e com o
conhecimento e consentimento dos autores, a quem
muito agradeço terem-me deixado publicar estes textos,
que são dignos de ficar na memória de todos, quer pela
sua qualidade, quer para que, tal como eu, outros se
possamidentificarcomeles.FelizNatal para todos!
Edusaca.
Era uma vez…há vinte anos atrás. O vento
assobiava, qual navalha que corta as orelhas. Mal a noite
caía, os mais velhos, organizados na taberna,
encapuçados, a garrafita da aguardente bem guardada,
saíam, todos eles capitães. Havia sempre uma carroça, um
telheiro. Era uma semana, noite após noite, a juntar os
troncos, que, em frente à Igreja, iriam aquecer o Menino
Jesus…e o coração de todos. Na véspera de Natal, em
minha casa, cedinho ainda, minha mãe dava voltas à
massa de farinha de trigo com que, horas mais tarde,
quando estivéssemos todos, à volta da lareira, num tacho
enorme de barro, se fariam as filhós. Meu pai, com um
espeto, facesrosadas, iavirando as filhós.Corados pelo
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA II
12. O NATAL
calor do lume, comíamos as primeiras, ainda quentes.
Como eram boas! Entretanto, tocava para a
missa. Como ainda éramos pequenos, íamos para a cama;
mas antes, cada um de nós punha… (meu Deus, com que
carinho), o sapatinho junto à chaminé. Não
conseguíamos dormir com a pressa de saber o que
iríamos ter. No dia de Natal, mal o sol raiava, era ver-nos a
correr à chaminé. Eram dois ou três rebuçados, um lenço
ou umbrinquedodelata…quealegria,quefelicidade!
Hoje, os meus filhos têm melhores brinquedos.
Não haverá talvez a mesma mística, mas espero que
sintam a mesma ansiedade que nós sentíamos…há vinte
anos atrás.
Maria daPiedade
Sabes Carolina, em Santo Estêvão, no Inverno,
faz muito frio e cai neve, por isso não há lá laranjeiras.
Mas, por altura do Natal, costumava passar um
Senhor, a cavalo num burro, com os alforges cheios de
laranjas. Não as vendia porque as pessoas, naquele
tempo, não tinham muito dinheiro, mas tinham batatas,
feijão, castanhas e azeite e então o senhor trocava as
laranjas poressesprodutos.
Ora acontece que o Menino Jesus, que sabe
tudo, bem sabia que eu e os meninos de Santo Estêvão
gostávamos de laranjas e todos os anos ia comprar um
cesto de verga muito cheio e na noite da Consoada,
quando já todos dormiam, ele descia a chaminé e vinha
pôr duas laranjinhas, bem docinhas, no sapatinho que eu
sempre deixava junto à lareira. Ele nunca se esquecia de
pôr lá também duas moedinhas de um tostão para eu ir
comprar rebuçados ou amendoins. No outro dia, muito
cedinho, quando me levantava, ia a correr ver a minha
prenda de Natal. E …oh! Se eu ficava contente! Aquele
cheirinho das laranjas, tão bom! Então pedia ao meu avô
que me as descascasse em forma de flor e punha as cascas
na cantareira da cozinha para a enfeitar e relembrar o dia
deNatal, cada vezqueolhavapara elas.
BomNatal para tieteusamiguinhos.
DEZEMBRO
1990
13. REVELAÇÕES
A noite prematura de Dezembro já caía quando
chegaram a casa. Fazia tanto frio que o ar gelado parecia
entrar pelas aberturas do casaco e procurar abrigo junto
do seu corpo. O pai parou o tractor debaixo do telheiro e
ajudou-o a saltardoatrelado.
- Olhasó quemchegou…
Virou-se na direcção em que apontava o dedo do
pai. Sentiu uma ponta de curiosidade, mas tentou ignorá-
la. Lembrou-se das recomendações da mãe para nas férias
ser simpático com o primo, o desajeitado e medroso
primo que tinha pavor de tudo o que mexia e se recusava a
acompanhá-lo pelos campos. Com tanto rapaz
interessante no mundo, tinha de lhe calhar na rifa o
primomaisbetinhoquejáseviu?
Michel fazia três vezes por ano a viagem que
separava a sua casa, em Zurique, da aldeia dos tios e avós.
Três vezes ao ano ouvia a mesma ladainha: “Devias sentir-
te feliz por teres a companhia do primo. Afinal, passas o
tempo tão sozinho, quando não estás na escola…” A
verdade é que já se tinha habituado à falta de crianças na
aldeia. E este ano até tinha pela primeira vez uma mana a
encher a casa de sons e gritos alegres. Sentia que não lhe
faltavanada.
Nunca era antipático para Michel, nada disso.
Apenas achava um tédio as brincadeiras preferidas do
primo, que resistia cada vez que tentava arrastá-lo para a
rua e era capaz de ficar uma manhã inteira a jogar
playstation. Há dois anos os tios tinham-lhe trazido uma
portátil, para brincarem juntos. E até tinha de confessar
que em dias de chuva sabia bem acordar e continuar
enfiado na cama, ouvindo a chuva bater na janela
enquanto jogava. O problema é que o primo nunca se
cansava daquilo. Ou quase nunca. Não sabia andar de
bicicleta, não se aproximava do pátio onde as cabras
passavam parte dos dias, tinha medo de subir a árvores e
nem na capoeira das galinhas entrava, para o ajudar a ir
buscar os ovos.Umaseca.
Antes de abrir a porta já se ouvia a algazarra lá
dentro. O pai empurrou-o levemente em direcção aos
tios, para os cumprimentar. Depois ficou a olhar para
Michel,queainda porcimatinhacomeçadoa usar óculos
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA II
14. O NATAL
e com eles parecia ficar com uma expressão demasiado
crescida para alguém de nove anos. Apeteceu-lhe fazer
uma careta, mas em vez disso esticou-lhe uma mão em
jeito decumprimento.
- Estás mesmo crescido, Manel. Acho que
passasteà frentedoMichel…
A tia sorria e como sempre parecia-lhe uma cópia
da mãe, uma cópia retocada com maquilhagem e
melhorada com roupas de corte delicado. Ninguém se
vestia com a elegância da tia e sentia-se sempre
deslumbrado quando olhava para ela. Parecia uma actriz,
daquelasqueseviamnas capas dasrevistas.
Amãefez-lheuma festa na cabeça.
- Ajudastemuito o pai?
- Trazemos millitros deazeitedolagar!
Todos se riram, menos Michel. Os primos
olharam-se de soslaio, mas não falaram. Ficaram alguns
minutos a estudar-se mutuamente, a identificar as
pequenas mudanças inscritas por quatro meses de
ausência. Só depois de ajudar a levar os sacos para os
quartos e mostrar ao primo como a tartaruga tinha
crescido Manuel começou a sentir uma ponta de
entusiasmo. Tanto que lhe revelou o seu segredo. Falou-
lhe da Malhadinha e da sua barriga redonda, de onde em
breve sairiam cabritos ensanguentados. Michel fez um ar
enjoadoefoi inútila tentativadeo animar:
- Vou espreitá-la várias vezes ao dia e tenho a
certeza que serei o primeiro a ver os filhotes saírem da
barriga.
O primo encolheu os ombros, como quem diz
‘tanto faz’. Lá estava o Manel a falar dos animais, algo que
não lhe interessava nada. Aliás, ali havia muito poucas
coisas que lhe acordassem o entusiasmo. Com tanta
cidade magnífica no mundo, por que raio a sua mãe teria
nascido numa aldeia tão insignificante? Quando
crescesse nunca mais passaria o Natal naquele fim de
mundo, nunca.
Rodou distraidamente o globo que o primo
tinha sobre a secretária. Percorreu a América do Norte,
desceu ao longo dos estados brasileiros, navegou ao
encontro da costa africana e regressou à Europa.
Continuou a sua viagem quase sem descobertas e parou
aa
REVELAÇÕES
15. finalmente o dedo sobre minúsculas letras quase
indecifráveis.
- Aquiestá Zurique,vês?
Pela milésima vez explicou como Zurique era
uma cidade movimentada e interessante e descreveu o
seu país de montanhas e lagos com a perfeição de um
postal. Pela milésima vez Manuel acabou a chamá-lo
mentalmente pretensioso – uma palavra difícil quando se
tem apenas oito anos, tem de se admitir. A conversa
terminou com uma nuvem amuada a pairar sobre os dois.
Viu o primo sair do quarto sem dizer uma palavra e não se
importou.
Os dias seguintes suavizaram-lhes os humores.
Andaram juntos no atrelado do tractor e Michel divertiu-
se com o vento a bater-lhe na cara. Começou a mostrar-se
menos renitente em acompanhar o primo nas suas
aventuras e até aceitou fazer uma nova tentativa para
aprendera andar debicicleta.
Mesmo assim Manuel demorou três dias a
convencer o primo a ir espreitar a Malhadinha. Foi atrás
de si sempre a resmungar porque os pés se enterravam no
mato enlameado e o cheiro era “insuportável”. Michel
não passou da porta entreaberta, por isso Manuel não
pôde perceber a admiração no seu olhar enquanto ele o
via conversar com a cabra deitada num canto do curral.
Malhadinha parecia deformada, enorme na sua espera,
mas olhava o amigo tranquila, como se entendesse cada
uma dassuas palavras deconforto.
Nessa noite, quando ia à cozinha beber água,
Manuel ouviu sem querer uma conversa dos pais e tios.
Quer dizer, tinha de confessar que as primeiras palavras
lhe chegaram soltas e casuais, mas depois o ouvido colou-
se às revelações surpreendentes. Seria difícil censurá-lo: a
tia contava à mãe que se estavam a preparar para, no final
do ano lectivo, regressarem a Portugal. O tio tinha já
emprego assegurado numa multinacional, em Lisboa.
Estariammaisperto dafamília.Mais perto daterra.
Estranho, pensou, na Suíça certamente também
havia terra. Afinal não seria tão magnífica como Michel
fazia crer, ou os tios não quereriam trocá-la por solo
português. Seja como for, o primo ficaria desolado. E
viriamaisvezesà aldeia,desgosto supremocertamente.O
REVELAÇÕES
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA II
16. O NATAL
mundo a separá-los encurtava-se. Ficou alguns minutos
inquieto, a pensar na novidade, mas depressa a
tranquilidadedainfância abriua porta ao sono.
O dia seguinte amanheceu morno e cheio de sol,
quase se poderia dizer primaveril. Não parecia véspera de
Natal. Sentou-se à mesa para o pequeno-almoço e fixou
demoradamente o primo. O segredo queimava-o.
Chamou-o para andarem de skate e estranhou o
entusiasmo de Michel. Desceram divertidos a ladeira,
uma vez e outra, e a certa altura percebeu que no riso do
primo havia música. Nunca se tinham rido assim um com
o outro e descobriam ter muitos territórios
desconhecidosa desvendar.
Quando se sentiram demasiado exaustos para
continuar, deitaram-se de costas a ver as nuvens no céu.
Viram uma que parecia o Pai Natal. Fizeram a lista de
presentesqueesperavamumdiareceber.
- Se eu pudesse pedia ao Pai Natal que os meus
paismudassemdeideiasenão viéssemospara Lisboa.
O súbito pedido deveria apanhá-lo de surpresa,
mas Manuel só se admirou por afinal o primo já saber dos
planos de mudança. Michel confessou-lhe os medos de
um mundo novo e pela primeira vez ouviram-se como
quem descobre de repente que está a crescer. Sentiram-se
os dois pequeninos sob a imensidão do céu azul matizado
de branco e pensaram nos misteriosos caminhos da vida
quenão entendiam.
- Poderás vir ter connosco mais vezes, aos fins-de-
semana. Eu vou ajudar-te a gostar de Portugal e em pouco
tempo já nem vais pensar na Suíça. Se calhar vais passar a
chamar-teMiguel,não achasbemmaisbonito?
Parecia simples e de repente o futuro já não desarrumava
as certezasdeMichel.
Depois de almoço já parecia outro, quando
começaram a preparar as filhós. Pediu para ajudar a tia a
envolver vigorosamente ovos, açúcar, um fio de
aguardente, raspa de laranja, farinha que foi engrossando
a pastosa mistura. Claro que se cansou em poucos
minutos. A tia sorriu-lhe e continuou. As mãos dela eram
fortes sem deixarem de ser macias e pareciam ter a doçura
do mundo por inteiro dentro delas. Quando as filhós
ficaram amassadas e aconchegadas sob uma manta cujo
aa
REVELAÇÕES
17. calor as ajudaria a crescer, a tia deixou-o chupar os fios de
massacolados entreos seusdedos.
Quase à hora de jantar, Manel reapareceu depois
de uma longa ausência e veio chamá-lo discretamente. “Já
chegou a hora…” Esbugalhou os olhos e sentiu-se colado
ao chão, receoso do que iria ver. O primo acendera uma
lanterna e tinha-a prendido no canto do curral. Os olhos
demoraram ainda alguns segundos a habituar-se à
claridade amarelada do espaço acanhado. Depois viu.
Um minúsculo monte de pêlo ensanguentado aninhava-
se junto à Malhadinha. Não conseguia adivinhar-lhes a
cor, maso primoassegurou queera branquinho.
- Vêso outro a aparecer?Vaispodervê-loa nascer.
O mundo cabia ali, no mistério daquele pequeno corpo a
escorregar para o chão. Malhadinha lambeu-o
demoradamente enquanto os dois primos apreciavam
cada momento. Quando já se aproximavam para ver
melhor os dois recém-nascidos, a mãe cansada voltou a
agitar-se de novo. Só perceberam o que estava a acontecer
quando uma mancha acastanhada começou a fazer-se
ouvir. Apontaram a lanterna naquela direcção e riram
descontroladamente, fascinados com o terceiro
nascimento.
Esqueceram-se que já estavam com as roupas
vestidas de lavado para o serão e ajoelharam-se junto aos
três filhotes. O silêncio instalou-se no curral. A alegria
não precisava de ser dita para ser partilhada. De quando
em vez a cabra balia baixinho, como se confessasse as
doresdoparto.
Nessa altura ouviram-se os sinos a chamar para a
missa do galo. Os pais deviam procurá-los para jantar,
mas os dois estavam esquecidos do tempo, atentos ao
cuidado que Malhadinha punha em cada toque nos
filhos. Manuel tinha um sorriso de orelha a orelha e
explicava como sabia bem pegar-lhes ao colo enquanto
eram pequeninos e consentiam ser acarinhados. Michel
agarrou o braço do primo e trocou com ele um olhar
cúmplice, como se agradecesse sem palavras tê-lo deixado
partilhar aquele momento. Mas só muitos anos mais
tarde descobriria a imensidão do mundo que aquelas
fériasdeNatal lhedesvendaram.
Diogo Dias
REVELAÇÕES
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA II
19. OMENINOJESUSEASDUASMENINAS
Era uma vez duas meninas, a Francisca e a Marta.
Frequentavam a mesma Escola e eram as maiores amigas.
Gostavam muito da sua Escola e principalmente da
Senhora Professora, A Sra. D. Dina, a “minha Senhora”,
como elasdiziam.
A Escola fechava pelas cinco horas da tarde.
Ouvia-se a campainha e todos saíam a correr. Porém, a
Francisca e a Marta levantavam-se mais devagar, pois
tinham de levar, além da bolsinha dos livros, outra que
continha alguma coisa. E continha, eram coisas
diferentes, desde a alimentação, até pedacinhos de
tecido,lápisdecor...
Agora na rua, dirigiam-se sempre na mesma
direcção. Sim, elas nunca deixavam de visitar a
amiguinha, a senhora Antónia, que vivia no centro da
vila, sozinha e com poucos haveres. Era uma senhora de
bastanteidadeeera quasecega.
- Está lá, senhora Antónia?
- Sim, meninas, hoje até já receava que não
viessem…
Pobre senhora! Eram estes momentos a única
alegriadosseuslongos esolitáriosdias.
Em poucos minutos, as duas meninas acendiam
a lareira, que só desaparecia totalmente no Verão. Nos
dias e noites frias, como era bom para a senhora Antónia
este calorzinho! E então agora que se aproximava o Natal.
Que frio! Como era bom este conforto que vinha da
fogueira que a Francisca e a Marta tinham atiçado com
nova lenha que, por vezes, até traziam. É que: “ande o frio
por onde andar, ao Natal vem parar”. E nesta Quadra até
era mais fácil às duas meninas arranjar mais alguns
mimos dos que costumavam trazer. Pudera, o Menino
Jesus até levava as pessoas aos bons cozinhados, em
especial às filhós e às broinhas de mel. Que bem que
cheiravam por toda a vila e a senhora Antónia era uma
privilegiada, pois recebia-os da família da Marta e da
famíliadaFrancisca.
Estavam agora as três sentadas à lareira, rindo,
cantando e ouvindo as lindas histórias e cantares da
senhora Antónia:
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA II
20. O NATAL
“Ó meu Menino Jesus,
Ó meu Menino tão belo,
Só Tu quiseste nascer,
Na noite do caramelo”
- Caramelo?! –Repetiua Marta.
- Sim,sim,meninas,caramelo égelo!
- Realmente! -- Replicou a Francisca – Eu julgava
queera umrebuçado…
- Sim, as palavras morrem e transformam-se em
sentidosdiferentes- respondeua senhora Antónia.
- Ó Marta, toda a gente tem um presépio e a
senhora Antónia não tem!
- Pois,nós podíamosfazer-lheum…
- Mas como, Marta? Vou pensar…
Após alguns minutos de silêncio, a Francisca
levantou-se edisse:
-Vamos, Marta, vamos procurar pedrinhas que se
aproximem no seu aspecto às figuras do Presépio.
Pintamo-las com lápis de cor. Eu pinto-as e tu, Marta,
fazes os mantos de Nossa Senhora e de S. José. Não te
esqueças de fazer uma mantinha para tapar o Menino
Jesus! Coitadinho, está sempre sem roupa e, certamente,
comfrio.
- Está bem, Francisca, eu até tenho lá uns
bocadinhos de tule do véu da Graça e outro pedacito das
calças castanhas domeuirmãoJoão.
A senhora Antónia sorria e pensava: “onde se viu
umpresépiodepedras…”
- Francisca, o meu irmão trouxe tanto musgo
para o nosso Presépioqueeupossotrazer algum.
No dia seguinte, o Presépio estava pronto e
lindo. Que pena, a nossa amiga não o poder ver,
lamentaram as duasmeninas.
- Só falta a cabaninha… euma estrela.
- Vamos fazê-lasdepaus…
- Marta, tem de ser rapidamente. Amanhã já é
aaa
O MENINO
JESUS E AS
DUAS
MENINAS
21. véspera de Natal. Olhe senhora Antónia, a gente vem cá
antesdaMissadoGalo.
- Está bem,meninas.
E as horas passaram depressa. Estava uma linda
noite,aquelanoitedeNatal.
- BoasFestas!
- BoasFestas!
- Que o Menino Jesus lhes pague por tudo,
meninas! - Respondeu a Senhora Antónia, que se aquecia
junto à lareira e tinha em frente um lindo presépio de
pedras.
- Que lindo, que lindo! Marta, repara nos olhos
doMenino Jesus,estão a mexer…
- Poisestão, Francisca, estão…
E, num ápice, duas luzes brilhantes como o sol
saíram da carinha do Menino Jesus. As duas meninas
ficaram petrificadas e a senhora Antónia caiu de joelhos,
deixando cairtambémo terçoquetinhaestado a rezar.
- Meninas! Meninas! Eu vejo-as, eu vejo tudo, só
não vejoo nosso presépio…
Realmente, agora só havia para admirar a
recuperação davista daSenhora Antónia.
As três abraçaram-se e não disseram palavra e as
meninas, em grande alegria, correram para a Missa do
Galo e, muito baixinho, repetiam: “ela vê, ela já vê!” e
ambas tinham no coração o seu Menino Jesus que estava
tambémnos olhosdaboa senhora Antónia.
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA II
O MENINO
JESUS E AS
DUAS
MENINAS
23. OPRIMEIRONATALLONGEDAFAMÍLIA
À memória de meu pai, que, sem ir à escola,
aprendeu a ler e a escrever já adulto e que, sem mestre,
aprendeu a arte de carpinteiro e marceneiro, de que foi
mestre.
Miúdo ainda, Manuel tinha fama de resolver o
que a outros escapava. Determinado, não fugia a
dificuldades, onde via desafios a vencer. Dizia-se que,
com tais dotes, teria colhido a flor do feto-real, feito um
pacto com o diabo. Adiante, histórias para um filme, não
para a do seu primeiro Natal longe da família, aos
dezassete anos, na oportunidade que o fez passar,
digamos,derapaz a homem,deaprendiza mestre.
Ao ouvi-lo contar o feliz capítulo da juventude,
compus este trabalho, cruzamento de duas histórias
tecidas pelo acaso: do Manuel, que um dia teve de
substituir o mestre, da família Delgado que, desavinda
por causa de partilhas, se reconciliou no Natal de 1950,
no que o jovem teve papel relevante. Seis décadas depois,
lembra episódios marcantes. Os anos esfumaram
detalhes, as imagens vêm desfocadas mas, aquele
período,continua bempresentena sua memória.
Iniciou-se na arte aos onze anos, depois da
Primária, com o mestre marceneiro da Vila, que tinha já
dois principiantes. Como outros varreu a oficina, fez
recados, arrumou a ferramenta, etc. Mas logo deu nas
vistas pela dedicação, vontade de aprender, busca de
perfeição no que fazia. Pela pequena estatura trabalhava
num banco com estrado para alcançar o tampo, onde
aquele metro e meio de gente fixava as peças das cadeiras,
das mesas, das cómodas: serrava, desbastava, aplainava,
lixava, preferindo madeiras de cerejeira e castanho, às de
pinho.
Gostava do intenso odor da madeira a ser
aparada com a enxó, a projectar lascas retorcidas e das
odorosas serpentinas de cores e cheiros diversos expelidas
pela plaina e pela garlopa, deslizando sobre as peças. Dava
atenção a detalhes de móveis de estilo que vinham a
restaurar, como os entalhados que imitava nos móveis
novos. O mestre controlava-lhe os excessos mas ajudava-o
a adaptar goivas e formões para esculpir na madeira os
“floreados”emalmofadas, gavetas ecostas dascadeiras.
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA II
24. O NATAL
Não perdia ocasião de saciar a sede de saber. Lia, à socapa,
livros da colecção “Biblioteca Inst. Profissional” da
Bertrand, que o mestre pedia de Lisboa, onde bebeu
muito doquesabia.
Evoluiu e, às vezes, substituía o mestre nas
deslocações aos clientes. Colhia os frutos do seu
empenho, chegava o momento-chave da sua profissão:
pelo mérito, o mestre abria-lhe as portas do futuro, com
confiança eresponsabilidade.
Numa bela manhã de Novembro, parou frente à
oficina a carroça do Sr. tenente Delgado, puxada por uma
mula castanha, conduzida pelo caseiro. O tenente apeou-
se, dirigiu-se ao mestre e pediu-lhe uns minutos de
atenção. Até então, mal o conhecíamos. Víamo-lo passar,
montado numa égua ruça, a caminho de Proença para
receber, dizia-se, a pensão de reformado da Marinha, e
que morava a mais de cinco léguas, lá para os lados de
Oleiros…
Ao mestre disse: -“Amigo, preciso da sua ajuda
para obras de restauro, antes do Natal, na casa da Feiteira,
onde tenciono agora passar mais tempo.”Antes que o
mestre esboçasse um não, segurou-lhe o braço, falou do
estado dacasa eexplicouas razões daurgência.
-“Deve ter ouvido falar, desde as partilhas a
família anda desavinda. Há anos que não vejo meus
irmãos, mal conheço os sobrinhos… Não me sinto
culpado mas, como mais velho, tenho feito um esforço no
sentido da reconciliação. E houve, há poucos dias, a
promessa de que, alguns viriam passar connosco o
Natal.”
Sensível às razões do cliente, o mestre buscava
uma solução razoável para ambos. O tenente, entretanto,
voltava à carga: -“Não se preocupe com comida e
dormida, apenas com a ferramenta e materiais e tenho
madeira boa para o que precisar. Ah, pago bem,” e
acenava com uma “quinhentola”- nota de quinhentos
escudos - que, na altura, removia obstáculos e não
abundava nas mãos do comum dos mortais. O mestre
não gostou dogesto ostensivo eo clientelogo emendou:
-“Esta, fica como adiantamento para primeiras
despesas.”
O mestre ia ajudá-lo e aproveitar a ocasião para
aa
O PRIMEIRO
NATAL
LONGE DA
FAMÍLIA
25. ganhar mais alguma coisa. Não faltaria, porém, aos seus
compromissos e, perante a ansiedade do cliente, disse:
–“Sr. tenente, resolveremos a situação que me
tocou bastante, mas não poderei faltar a outros. A
solução será fazer avançar já o meu ajudante Manuel - não
o tratou por aprendiz - que, sendo jovem, é competente,
para o efeito atémaisminucioso doqueeu.”
- De imediato, tratava-se de dar um jeito nas salas
e nos móveis. -“O resto, acerta-se depois do Natal, com ele
ou comigo, severá.Não háalternativa.”
O veredicto deixou corado o rapaz e perplexo o
cliente,queduvidavaestaro moço à altura.
Mas, perante exemplos de trabalhos feitos por
ele, lá se convenceu. Como tinha transporte, acertaram
que partiria com ele nessa tarde. Enquanto o tenente foi
pelas lojas, às compras, Manuel juntava as suas coisas. A
promoção trazia-lhe um misto de contentamento e
receio. Com visível nervosismo, reuniu ferramentas, sob
o olharatento domestre,antesdedespedir-sedafamília.
Fez um rol dos materiais de que iria precisar, que
ia pondo na caixa: verniz, cera, goma-laca, álcool,
anilinas, “pau-campeche”, lixas de vários grãos,
preguinhos, grude, gesso, etc. E, com a emoção a dominá-
lo, foi à aldeia buscar a roupa e dizer adeus à família. Era a
primeiravezquepassariao Natal longedosseus.
Viagem dura, contudo, sem percalços, sobre a
carroça puxada pela mula que, mesmo de noite, sabia o
caminho de cor. Partiram com o sol a dar na encosta da
serra que iriam enfrentar. À medida que se embrenhavam
no pinhal, escureceu, levantou-se forte ventania e a chuva
não tardou. Temeram o pior, quando a besta escorregava
e a carroça, aos solavancos nos carreiros lamacentos,
ameaçavatombar.
A destreza do Sr. João permitiu que, apesar do
desconforto, fossem furando o negrume e chegassem a
porto salvo, demadrugada.
Exaustos, estacionaram no largo frente ao
edifício. No alpendre do grande casarão, a luz do
“petromax” dava forma às silhuetas que se aprestavam a
recebê-los e a recolher as bagagens que o Sr. João
descarregava. À volta, escuridão e silêncio, sem uma
estrela na grande cúpula! Manuel seguia o anfitrião, que
aa
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA II
O PRIMEIRO
NATAL
LONGE DA
FAMÍLIA
26. O NATAL
lhe apresentou primeiro a esposa, D. Margarida, depois a
afilhada, Isabel Maria e sua mãe, a Sra. Ana e uma miúda,
a Maria do Carmo. Acabavam as aflições da espera,
sentiam-seagora aliviadas.
Arrumada a carroça, o Sr. João tratou da mula,
enquanto as senhoras guardavam as compras e D.
Margarida preparava cama para o Manuel. Da cozinha
chegavam deliciosos odores com a música, agradável nas
circunstâncias, do tilintar de talheres, lembrando os dias
festivos da aldeia, prometendo reparar o desgaste da
viagem. Então, já o pensamento do jovem esvoaçava por
outras esferas: pensava na família, fixava-se, com a
ansiedade que só o início do trabalho acalmaria, naquilo
quealio trouxera.
De manhã fez, com o patrão, o balanço possível
do mais urgente. Nas salas viam-se cadeiras descoladas,
mesas desconjuntadas, buracos no soalho. Antes de
limpar os móveis, havia que repará-los, refazer partes do
rodapé, do corrimão da escada que dava para o sótão,
remendar o soalho. Na cabana viram a madeira com que
podiam contar e, mãos à obra: cortar aqui, acertar ali,
encaixar acolá; colar, raspar, lixar e, depois de reposto um
pedaço, embutida uma peça, aproximar a tonalidade da
madeira nova da existente onde se inseria, com ajuda do
pau-campecheeminfusão.
O trabalho de base avançava, para espanto de
quem via Manuel como um miúdo. Acabamentos, só
depois. Empenhado nas tarefas, até se esquecia de comer
e descansar e só à noite sofria com a falta da família. Era a
D. Margarida quem, amiúde, o obrigava a sentar-se à
mesa, porque havia sempre mais um retoque, uma
afinação. Com uma “boneca” de pano macio embebida
em goma-laca, devolvia às madeiras a cor e brilho
naturais. Andava contente porque, à sua medida,
contribuiria para o êxito do reencontro da família
Delgado,não deixando malo mestrequeneleconfiara.
Na sala de jantar restaurou o corrimão da escada,
transformou os inestéticos vazios sob a mesma em úteis
armários, melhorando a zona. Ia limpar o relógio de
parede antigo de madeira exótica, muito belo, com
alçado principal de duas portas com vitral e figuras
agarrando uma esfera, quando reparou que a uma faltava
a
O PRIMEIRO
NATAL
LONGE DA
FAMÍLIA
27. um braço e a mão, a encimar o pórtico. Observou bem a
figura simétrica da outra porta, aventurou-se a refazer o
alçado da valiosa peça. Fez um esboço, escolheu um
pedaço de cerejeira preta, desbastou até à medida.
Recortou, esculpiu com uma goiva especial e fixou no
sítio. Afinou, lixou, acertou o tom da madeira, poliu e
pronto: à distância, mal se notava o restauro. Um êxito!
D.Margaridadizia:
-“Este rapaz consegue milagres! Tanto talento e
energia!” Isto, a poucos dias do Natal, quando começava a
azáfama dos preparativos da festa onde, havia anos, não
aconteciaNatal.
Dos forasteiros não havia notícias. Crescia a
ansiedade com o encurtar do tempo. Não era fácil chegar
ali nem comunicar com alguém. Por qualquer via, o
acesso era sempre obstáculo, pior no Inverno, com o frio e
a neve a isolar ainda mais a Feiteira. O Sr. tenente tinha
ido a Oleiros tentar enviar um telegrama, sem êxito. Mas
deixou em alerta os primos: caso a família chegasse,
entretanto, tinhammeiosdeos transportarà Quinta.
Com o mais urgente feito, Manuel ia dando uma
olhadela pelos livros e revistas da estante, do tempo das
viagens do patrão, inconformado com a falta de estudos
que o impedia de entrar naqueles mundos distantes. As
imagens que exibiam as reportagens que não entendia
projectavam-no, como num sonho, por longínquas
paragens, maslogo retornavaà sua enormefrustração!
Fez ainda um presépio, recortando figuras de cartão a que
deu cor, montando a improvisada representação da
Natividade ao pé da lareira, iluminada por uma
lamparina, que deixou feliz D. Margarida. Mas a
ansiedade ia tomando conta de todos. Dois dias antes do
Natal, o tenente Delgado mandou o Sr. João aos primos
de Oleiros, por notícias. Só a D. Margarida continuava
optimista! -“Vão ver que, não tarda, teremos a casa cheia,
tudoacabará bem.”
À lareira, enquanto esperava o caseiro, o Sr.
tenente foi buscar a velha concertina, desencantada a um
canto. Animado por todos, tocou velhas modas,
acompanhado pela desafinação dos presentes. Afinal,
esta alegria contida e tímida, precedia as boas novas
trazidas de Oleiros: viriam os dois irmãos, as cunhadas e
aa
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA II
O PRIMEIRO
NATAL
LONGE DA
FAMÍLIA
28. O NATAL
um neto do irmão mais novo, o Ricardo, e ficariam dois
ou trêsdias.
Outros viriam talvez no Verão. E está
combinado, iremos recebê-los, com os primos a dar a sua
ajuda.
A explosão de alegria ecoou pela casa! Sabiam
agora quem vinha, preparariam os quartos, fariam sair
dos baús as alvas roupas de cama e as belas toalhas de
linho bordadas para enfeitar as mesas. Avançariam com
as filhós, os bolos e outros manjares. No dia seguinte, o
caseiro e o patrão mataram uma cabra, um cabrito, dois
vistosos galos e um enorme ganso. Prepararam a carne
para a chanfana e para os maranhos e entregaram as aves
na cozinhapara seremlimpas.
Vivia-se já o acontecimento. Saíam dos armários
e das gavetas artefactos que, havia muito, não viam a luz;
apareciam as compotas e os licores caseiros, exibiam-se
vinhos e outras bebidas da recheada garrafeira. Todos
rejubilavam a antecipar o momento, há tanto esperado,
da reconciliação! E que melhor ocasião do que a Festa do
Natal e da Família? Os anfitriões regozijavam-se também
por terem criado, ali, com os vários melhoramentos,
condições de acolhimento e conforto impensáveis, anos
atrás.
Na véspera de Natal, partiram para Oleiros, o
tenente e o caseiro, para receberem a família e trazê-la de
volta ao berço natal. O frente-a-frente em Oleiros, depois
de anos de costas voltadas, foi comovente. Muito mais foi
a chegada deles à velha casa onde, havia tempo, não
entravam. Manuel conta que não tem nem existem
palavras capazes de exprimir o que viu naquele
reencontro. O choro e o riso misturavam-se; abraçados
num enorme novelo, os corpos, de soluço em soluço,
beijavam-se, choravam, riam! Depois, pacificados,
desfiaram, em tom ternurento, as passagens mais
significativasdassuas vidasparalelas.
Consoada inolvidável! Tinham muito que
contar. Num gesto de boa vontade, todos aludiam a
factos passados e faziam-no amistosamente, evitando
constrangimentos. -“O que lá vailá vai,”- diziam.Falavam
dos filhos, dos netos, da saúde... O tenente, que não
tinha filhos, via a afilhada Isabel Maria como se fosse sua
a
O PRIMEIRO
NATAL
LONGE DA
FAMÍLIA
29. filha. Com eles desde pequena, em Lisboa, só era pena
não ter cabeça para as letras, não indo além do terceiro
ano. Preferiu seguir os lavores com a madrinha. O serão
entrou pela madrugada, numa avalancha de palavras que
ninguém conseguia estancar, tal a torrente de ideias e
novidadesquealisecruzavam.
Vieram os brindes, a troca de presentes entre
todos. Até o Manuel recebeu, com espanto seu, uma
camisola de lã feita pela D. Margarida e, do patrão, algum
dinheiro, como semanada. O jovem nunca vira tanto
dinheiro, vivia momentos que o faziam levitar nas alturas.
Do tenente ouviu: -“Este é teu, não entra nas contas do
mestre e ficas sem fazer nada até ao Ano Novo, a não ser
dar alguma ajuda à patroa.” À sugestão do Manuel de
poder ir ver a família respondeu o patrão: -“Não te sentes
bem aqui? Tenho trabalho para ti depois do Ano Novo,
não te deixamos ir tão cedo. Falei com o mestre, sei que
está tudobemcomos teusequetesaúdam.”
***
O feliz reencontro parecia milagre, vivia-se ali
uma bela epifania! Ninguém ligava ao que o tenente, por
várias vezes, quis propor: -“uma revisão das partilhas a
reparar, se fosse caso disso, alguma injustiça.”- Mas
ninguém ouvia. -“Que não era altura de falar disso,” -
diziam. Na manhã de Natal, luminosa e fria, com a geada
e a neve a dar voz aos passos, foram pela quinta, atrás de
memórias, as esposas a observá-los com gosto, sem
interferir: -“pareciam crianças, a recordar jogos e corridas,
busca de ninhos, trepar às árvores e, às vezes, o uivo dos
lobos a ecoar na neve!” -Em cada canto, as marcas
esbatidas da sua meninice. Manuel ouvia-os, quando o
irrequieto Ricardo, que o adoptara como parceiro de
brincadeiras, lhedavatréguas.
Viram a casa dos empregados e as instalações
anexas que, dantes, no tempo dos trabalhos sazonais,
eram um formigueiro de gente vinda de fora: o celeiro
com as arcas do grão, as talhas do azeite, a salgadeira; os
palheiros, a cabana da carroça e das alfaias agrícolas; os
estábulos, as capoeiras e, ao lado, a adega com a lagariça e
pipos fora de uso; acima o moinho na ribeira, ladeada de
salgueiros e choupos, limite da propriedade a Sul. Na
adega o sítio do alambique e, a propósito, o tenente
aaaaaa
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA II
O PRIMEIRO
NATAL
LONGE DA
FAMÍLIA
30. O NATAL
perguntou se ainda se lembravam do Chico maluco, que
destilava o medronho. -“Pela tarde estava já toldado de
tanto ir provando e uma vez trambolhou na ribeira. O
nosso pai - que Deus haja! - foi ajudá-lo e o Chico, a
cambalear, dizia: -“ escorropichei só um copito, patrão.”
Quiseram depois saber se ainda se fazia medronheira.
-“Muito pouca” - disse o tenente, - “limitamo-nos ao que
os caseiros apanham. Basta-me ter umas garrafas para
oferecer aos amigos. Podeis levar também algumas” - Ao
contrário de outros tempos, em que se cultivava milho,
centeio e forragens, se apanhava azeitona, castanha, etc.,
plantavam só o mínimo e suficiente. A terra de cultivo
estava reduzida à faixa junto à ribeira. Os castanheiros
foram-se perdendo, as oliveiras eram poucas e não
compensavacultivaroutros produtos.
Junto à mina, que abastecia a casa e dava para a rega
quando a ribeira ficava por um fio, o ex-libris da
propriedade, o velho castanheiro, que todos conheciam.
Imponente, o enorme tronco esburacado, com cepos
empinados à volta a fazer de bancos e tábuas a servir de
mesa. Lugar aprazível no verão, a sua sombra tem, por
certo, guardados muitos segredos. E lá continuaram a
recuperar partedoseupassado.
Do muito que ouviu e viveu naquele período,
marcante para ele e para a família Delgado, com quem
perdeu depois o contacto, nem de tudo Manuel se
lembra. Ficara lá a trabalhar por algum tempo mais, já
nem sabe quanto, mas não voltou. Com a tropa a levá-lo
para Lisboa, foi esquecendo a Feiteira, nem sabe se hoje
ainda existe. No fundo, talvez prefira recordá-la como a
conserva na memória! A ideia que tem do mítico espaço é
como a que tinha antes de ali chegar: um lugar longínquo
indefinido,alguresna serra…
Como vai longa a história, apesar do muito que
fica por contar, termino já. Mas podemos imaginar com
certeza que, depois da estada do Manuel e da
reconciliação naquele Natal de 1950, a quinta da Feiteira
terá passado a ser mais frequentada pelos membros da
famíliaDelgadoedescendentes.
CHAGALL - Pseudónimo (Conto inédito) - Setembro, 2009
O PRIMEIRO
NATAL
LONGE DA
FAMÍLIA
31. À memória de meus pais
OMIRADOURO
O meu pai era um bom contador de estórias. A
minhamãetambém,mastinhamenostempo.
Sentados à lareira, especialmente, nas longas
noites de Inverno, os mais pequenos ouviam,
atentamente, as palavras mágicas de contos reais ou
fantasiados, que emprestavam àqueles momentos um
sabor único einesquecível.
Uma das estórias que nos contava, com alguma
frequência, era a doSr.João Minas.
Ainda me lembro da Pensão Minas, no Largo da
Igreja Matriz de Proença-a-Nova. O protagonista
pertencera, repetiasempreo meupai,a essafamília.
Começava com o casamento do nosso
conterrâneo com uma senhora rica de Campo Maior. As
descrições eram tão pormenorizadas que tudo levava a
crer que o narrador tinha sido uma testemunha
presencialdacerimónia.
O noivo sentir-se-ia muito feliz no Alentejo, não
fora a saudade da sua terra. Olhava as planuras, em redor,
e suspirava de tristeza. Estava tão distante de Proença-a-
Nova,dospinheiros edasserras!
João Minas nunca julgara que ia sofrer tanto com
a falta dos aromas, do toque do sino da igreja e de muitas
pequenas coisasquesó a lonjura valoriza.
Num final de tarde, enquanto passeava pela
herdade, teve uma ideia luminosa: construir um
miradouro, tão alto, tão alto, que dele pudesse avistar
Proença-a-Nova.
O meu pai tinha cumprido o serviço militar em
Elvas. Aquele pedaço do Alentejo era-lhe familiar e,
porventura, o sentimento nostálgico.
Esta estória tem-me acompanhado ao longo da
vida, porque os estudos me obrigaram a deixar a minha
terra muito cedo. Tinha apenas nove anos. Nos
momentos de maior tristeza, edificava um belveder, que a
imaginação elevava no espaço azul, de onde os olhos do
coração enxergavam a aldeia pequenina, aninhada numa
encosta soalheira, decorada com pinheiros, uma
aaaaaaaa
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA
32. O NATAL
azinheira grande euma fontejunto denossa casa.
Nesta caminhada de ausências, já pisei muito
pedaço de chão, porém, há uma época do ano em que
regressosempreà minharegião:no Natal.
As memórias e os afectos são intensos. Subo,
degrau a degrau, o miradouro que guardo dentro de
mim.
Onde quer que me encontre, nessa data, tento acender o
sonho e a poesia do Natal. Recrio o calor humano e
também o da lareira, os aromas e os sabores,
especialmente o das filhós. Reproduzo a decoração, no
essencial. Mas não posso trazer de volta muitos dos que
partilharam comigo os momentos mais doces da infância
edajuventude.
Quando era criança acreditava, como quase
todos os da minha geração, que na noite de Natal o
Menino Jesus deixava um presente nos sapatos colocados
junto à lareira.
A boa vontade e a nobreza do amor proporcionaram-me
prendas que, apesar de simples, foram as melhores da
minhavida,pelasurpresaepelofascínio.
Na casa onde nasci havia uma lareira espaçosa
em redor da qual se sentava uma família numerosa,
genuinamentefeliz.
A nossa alegria enchia a casa de risos e de um
calor aconchegante.
Fazíamos um presépio grande. Os lagos eram
espelhos, o verde era de musgo e a neve pedaços de
algodão. A cabana do Menino Jesus tinha um jardim de
violetas perfumadas; as mais belas da Corredoura do
Vale.
Cheirava a filhós. As couves, as batatas e o
bacalhau eram temperados com o azeite novo acabado de
chegardolagar.
Nessa altura não conhecia o Pai Natal. O
encanto era acreditar que o Menino Jesus descia pela
chaminé.
Porém, na Missa do Galo olhava-O deitado na
manjedoura e pensava que, sendo ainda um bebé, não
devia ter poder para me conceder o que Lhe queria pedir.
Mas, ao virar-me para O que estava pregado na cruz e a
escorrersangue, achavaquenão deviaincomodá-lO.
O MIRADOURO
33. Alguém havia de se lembrar de mim. E, na verdade, não
tinharazão dequeixa.
Os meus pais já cá não estão, mas estou-lhes
muito grata por me terem ensinado que o Natal é amor e
por me terem apresentado um Jesus que nos visita na
noitedeNatal.
Por razões de ordem profissional, residi três anos
emCampoMaior.
Um amigo alentejano encarregou-se de me
arranjar casa.
Situava-se no primeiro edifício de uma rua onde,
numa placa de mármore, estava inscrito o nome de João
Minas. Precisamente na parede que viria a ser a do meu
quarto.
O proencense, que quase julgava uma fantasia de
meu pai, afinal tinha sido um homem ilustre, em Campo
Maior.
Fiquei a olhar aquelas letrinhas pretas, até as
lágrimasas encobriremporcompleto.
Com que orgulho dizia a toda a gente que João
Minas era meuconterrâneo!
É quase Natal outra vez. Um dia destes começo a
subir, de novo, os degraus do miradouro. E, bem lá do
cimo, revejo a minha terra. É o presente que ofereço a
mim própria. Ao Menino Jesus não peço nada. Desejo,
apenas, continuar a maravilhar-mecomas surpresas.
Maria Perpétua
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA
O MIRADOURO
35. FLOCOSDENEVE
O ti Francisco nunca teve uma vida fácil. A sorte
nunca foi sua aliada, sempre enfrentara dificuldades:
alegrias contava-as pelos dedos de uma só mão, mas o seu
casamento com a sua Emília e o nascimento do seu
Américovaliam-lheportodasas felicidadesdomundo.
A sua Emília sempre o ajudara, foi a sua muleta,
companheira inseparável; dera-lhe o maior dos tesouros
“o seuAmérico”.
Sempre viveram um pouco isolados naquela
povoação. As lides do campo e os animais tomavam-lhes o
tempo todo; apenas aos domingos iam à povoação, mais
para cumprir o sagrado dever de ir à missa, que para
convivercomos outros.
É que, mesmo nestes dias, havia que cuidar do
gado, quenão sabia quando era domingoou quinta-feira.
A partida do seu Américo para a Suíça tinha sido
um rude golpe, não que não gostasse de o ver partir em
busca de uma vida melhor, mas doía-lhe a presença
constantedasua ausência.
Rara era a noite em que, na cama, uma lágrima
não lhe visitasse o olho e o mesmo acontecia com a sua
Emília, mas nada diziam um ao outro sobre isso. Era o
futuro do rapaz que estava em jogo e o amor que tinham
por ele valia todos os sacrifícios; ali na aldeia nunca teria
futuro.
Apenas da primeira vez ficara três anos sem vir à
terra, mas, quando veio, já trazia carro e no banco havia
um bom pé-de-meia, já que não era de muitos gastos,
sabia bemo valordodinheiro, o queelecustavaa ganhar.
Com que surpresa os pais viram chegar o filho
com uma televisão e um frigorifico novo; bem se
perguntavam para quê, se não tinham luz eléctrica na
casa, mas o “malandro” tinha tudo bem pensado, pois,
passados dois dias, lá vieram os electricistas esticar fios
portoda a casa eligaras luzes.
Agora voltava todos os anos. Não podia vir pelo
natal, pois o patrão da quinta onde trabalhava apenas lhe
dava uns dias no fim do verão, poucos, porque o trabalho
era muito e, ao Américo, isso até convinha, sempre
ganhavamaisuns cobres.
O filho bem queria que eles lá fossem passar um
a
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA
36. O NATAL
natal com ele, os patrões até gostavam de os conhecer,
mas isso não era possível, pois tinham o gado para tratar e
o campopara amanhar.
Voltara este ano, no fim do verão, com a
novidade de que iria casar lá na Suíça. A noiva era uma
sobrinha do patrão; fazia questão que os pais a
conhecessem primeiro, gostava que lhe aprovassem
aquelaunião, como era antigamentena aldeia.
Depois de muita insistência, lá chegaram a um acordo:
iria agora a mãe. Para o ti Francisco aquilo que a sua
Emília decidisse estaria bem feito e, certamente, o
Américotinhaescolhidobem.
Não foi fácil esconder a lágrima rebelde que lhe aflorou
no olho ao vê-lospartir, apenasa muito custo a conteve.
Agora, sozinho na sua casa, recorda a surpresa que teve ao
ver chegar o jipe da GNR à sua porta. O coração bateu-lhe
forte como que pressentindo alguma coisa de ruim; não
se enganou. A notícia não podia ser pior. Já na Suíça, um
acidente roubara a vida à sua Emília e ao Américo, o carro
colidira com um camião cisterna, ardera de tal forma que
carbonizara os corpos; nada restava para além das
imagensregistadaspelascâmaras daauto-estrada.
O mundo desabou sobre si, tudo o que tinha de bom
desaparecera, nada mais lhe importava, não tinha mais
familiares,ficavasó no mundo.
Vieram pessoas da aldeia, tentaram consolá-lo. Mas
como, meu Deus, como pode haver consolo, se perdera
tudo?! A vida, para si, deixava de ter sentido, nem os
corposrestavampara seremadorados.
Nunca mais o Ti Francisco teve alegria, nunca mais se viu
um sorriso naqueles lábios, deitava-se e não dormia;
como queriaestarcomeles!…
Veio o Inverno, as noites maiores eram um tormento que
nunca mais acabava. Quantas noites passou junto à
janela, olhando o caminho que ligava à estrada,
imaginando o carro do seu Américo a chegar com a sua
Emília!
Veio a natal. Recebeu convites para passar a noite mas
não quis, tinha até já recusado a oferta do lar da Junta
para se mudar para lá, acreditava que um dia ainda se lhe
iamjuntaros seusfamiliares.
Na noite de Natal, o frio era tanto que a neve caía com
aaaa
FLOCOS
DE NEVE
37. intensidade. O Ti Francisco, postado à janela,
perscrutava a rua, algo lhe apertava o coração, não sabia o
que era, apenas olhava a rua tentando ver o que não
aparecia.
Sentiu frio, olhou o lume, estava quase apagado.
Levantou-se, foi pôr mais uma cavaca, sentiu um aperto
mais forte no coração; bateram à porta, com toques leves
écerto, masbateram.
Correu a abrir a porta. O coração quase lhe saltava do
peito, não viu ninguém, apenas dois flocos de neve ali
estavamà sua frente,estranho, estavamparados.
Ficou surpreendido quando viu os flocos entrarem para
dentro de casa, sentiu algo estranho, mas não teve medo,
tão pouco o sentiu, quando um dos flocos falou e disse: « -
Não te assustes! somos nós, Francisco!» - era a voz da sua
Emília. Tocou o floco, não era frio, sentiu mesmo o calor
da sua companheira; o floco começou a ganhar a forma
da sua Emília. Tocou o outro e ouviu: «-obrigado, pai!».
Não, não era possível,o seuAméricoestavaalitambém.
Abraçaram-se, choravam,riam.
Conversaram, contaram como tudo tinha acontecido,
fora tudo muito rápido, não foi possível evitar a colisão
por causa do gelo, ninguém tivera culpa, mas isso não
interessava, nunca mais se iriam separar, ficariam para
sempre juntos. Todos fizeram essa jura, nada mais seria
capaz deos separar.
Láfora, a nevecontinuavaa cairea noiteestavafria.
Pela manhã, parou a carrinha do centro de dia, vinha
trazer o almoço, hojemelhorado, porserdiadeNatal.
Estranho!... A porta estava aberta. Entraram. O Ti
Francisco jazia no chão, estava branco como a neve e na
cara umsorrisocomo nunca lhetinhamvisto.
Partira, caíra maisumfloco deneve…
“Joaquinzinho”
Nota do autor: nem sempre os contos de natal podem ter um final tido
como feliz, nem todos têm um feliz natal, mas a felicidade também
nem sempre é a mesma coisa para todos, quantas pequenas coisas
tornam felizesa uns, quea outros não?
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA
FLOCOS
DE NEVE
39. SERFELIZ…
Ao Raulito, desde miúdo que se lhe conheciam
aquelas faculdades. Ao pé dele não havia tristeza,
imperavasemprea boa disposição.
O Raul nascera em Lisboa, mas em miúdo vinha
nas férias à terra de familiares, na Beira Baixa. Talvez os
bons ares do pinhal o tivessem ajudado, pois cresceu
saudável,alegreedivertido.
Cedo a veia artística o levou para os palcos, cedo
se distinguiu como o melhor entre os melhores. Porém,
nunca deixou de estar ligado à terra e ser solidário para
com o seu semelhante; foi com este espírito que sempre
colaborou nas festas de natal dos hospitais, dar sem
recebernada dematerial.
Aquicomeçaa ficção, começao nosso “conto”.
Um dia, o pequeno João, o filho do Raul, de
cinco anos, adoece, tinha febres altas, vómitos, tonturas e
uma diarreiaconstante.
Por mais exames que lhe fizessem os médicos
nada conseguiam detectar de anormal, nunca se lhes
deparara um caso assim, nem os exames feitos nos
melhores centros da Europa e dos Estados Unidos foram
capazesdedarresposta a tal doença.
A cada dia que passava, a terrível doença
agravava-se mais e mais. Os médicos aconselharam a que
fosse transferido para casa, pois nada mais a medicina
podiafazer.Restavaesperar pelofim.
Impotente, o pai olhava o filho desesperado, por
vezes questionava: -- ” mas as crianças, Senhor?... Porque
lhesdaistanta dor?...”- Como diziao poeta.
Passava o tempo livre junto à cabeceira da cama
ondeo filhoagonizava,impotentepara o salvar.
Continuava a trabalhar no teatro, fazia rir os
outros, quando a si lhe apetecia chorar. Era com esta
contradição que ia angariando fundos para pagar os
medicamentos dofilho,tinhaquecontinuar a trabalhar.
Saiu de casa com o coração angustiado. Nunca
vira o seu filho tão mal como naquele dia, achou mesmo
estranho que lhe sorrisse quando lhe deu o beijo de
despedida.
Nesse dia tinha o compromisso de actuar no
natal doshospitais,que,porironia dodestino, era, nesse
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA
40. O NATAL
ano, dedicadoàs crianças.
Saiu mais cedo de casa, queria descomprimir,
não podia deixar que os seus problemas se reflectissem na
sua actuação, para mais sendo dedicada às crianças de
queeletanto adorava.
Vagueou pelo jardim, próximo do hospital. À
hora, foi-se aproximando; entrou e cumprimentou os
colegas.Todosfizeram a mesmapergunta:
_ Então, Raul, como vai o Joãozinho? - A todos
respondeu da mesma maneira: -Lá vai, como Deus
deixa…
Todos sabiam que o caso não tinha cura, era
questão detempo, talvezdias,talvezmesesou atéhoras…
Chegou ao camarim e o telemóvel tocou. Sentiu
um aperto no coração ao ver que era de sua casa, atendeu.
Do outro lado veio a notícia que sabia iria chegar, mas
que lhe parecia um pesadelo: o Joãozinho tinha deixado
desofrer, partira para a longa viagem.
Duas lágrimas acudiram-lhe aos olhos, mal teve
tempo de desligar o telemóvel, quando três pancadas na
porta do camarim anunciavam a sua vez de entrar em
cena. Limpou as lágrimas rebeldes, levantou-se e entrou
emcena.
A sala estava repleta de crianças doentes; olhou-
as, levantou os olhos para o céu e começou o espectáculo;
ele que sempre fora bom actor, estava hoje
completamente fora de série; conseguiu pôr todas as
crianças a rira bandeiras despregadas.
Todas estavam felizes. Tinham esquecido as suas
dores e sofrimentos, até os colegas do actor estavam
maravilhados com a alegria que o Raul estava a conseguir
transmitir no seu espectáculo. Ninguém mais sabia da
tragédia quelhetinhaacontecido.
Terminada a sua actuação, as crianças pediram
mais e o Raul deu-lhes mais momentos de alegria e boa
disposição. Quando voltava a preparar-se para sair, as
crianças voltaram a pedir mais e o Raul deu-lhes mais…
No final, pequenos e graúdos, de pé, aplaudiram a mais
alegre e extraordinária actuação que jamais tinham
presenciado.Então o Raul agradeceu esaíu decena.
Os colegas, que assistiram à sua actuação, foram
felicitá-lo à saída de cena. Encontraram-no de mãos na
aaa
SER FELIZ…
41. cara, chorando compulsivamente. Surpresos, indagaram
o que se passava; o Raul contou então a tragédia que tinha
acontecido pouco antes de começar a actuar. Aquela
actuação fora a prenda de natal que já não podia dar ao
seuJoãozinho; fizera-a poreleeporamora ele.
Recebeu dos colegas uma das maiores ovações da
sua vida. Em todos os olhos escorria uma lágrima, mas
também uma enorme admiração pelo homem que
conseguira, apesar da sua dor, transmitir e doar aos
outros uma enorme onda de amor, alegria e esperança; o
verdadeiro espírito natalício.
Sem dizer nada, saiu enrolado no seu
sofrimento.
“Sol nado”
Nota do autor: Qualquer semelhança com personagem real pode não
ser pura coincidência, é no entanto fruto de uma admiração total por
um homem que sempre me fascinou e a quem quis prestar uma
simples homenagem, agora que também ele partiu para a sua mais
longa actuação.
Quantas vezeschorando pordentro, nos fezsorrirporfora?
AdeusRaul Solnado.
Como elegostavadedizer:
Façam favor deserfelizes!
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA
SER FELIZ…
43. OPINHEIROVAIDOSO
Quando as pinhas caem, largando as sementes,
nunca se sabe o que vai acontecer; podem ou não
germinar, depende das condições que encontram, ou até
vira seralimento dealguma ave.
Daquela pinha que caíra junto do tronco do
pinheiro que a criara, nasceram diversas plantas, porém,
só duas conseguiram ultrapassar a primeira e mais difícil
fasedavida.
Lentamente, segundo as leis da natureza, foram
crescendo lado a lado, por sinal bem em frente à casa dos
proprietários do terreno; dali podiam ver a entrada, a
sala, a cozinhaeo quarto dosmiúdos.
Cedo, um dos dois pinheiros se distinguiu pela
sua vaidade. Era vê-lo ao sabor do vento, compondo as
suas finas folhas, para ficar mais atraente, pavoneando-se
diante do irmão, a quem chamava desajeitado e de
horrívelaparência.
Detestava que as aves lhe poisassem em cima,
commedoqueo sujassemenão gostavadeinsectos.
Um dia, viu sair da casa o dono do terreno
acompanhado pelos dois filhos. Chegados junto dos
pinheiros o paidisse-lhes:
-Escolham o pinheiro mais bonito para levarmos
para casa eservirdeárvoredenatal.
Quando ouviu isto, o pinheiro vaidoso todo se
abanou, tentando chamar a atenção dos miúdos. De tal
modo o fez que conseguiu; eles escolheram-no a ele. O pai
voltou a casa, trouxe um machado e zás, cortou o pinheiro
elevou-o para casa.
Apesar de ter sentido uma dor no tronco, o
pinheiro estava todo vaidoso. Ia morar com os donos e
livrar-se do frio, da chuva e do vento forte que lhe
desalinhava a folhas. Nem se despediu da mãe nem do
irmão.
Mal chegou a casa, meteram-lhe o tronco num
vasocomareiaesentiuumagradávelalívionas dores.
Os donos da casa começaram logo e enfeitá-lo com fitas
coloridas e brilhantes, umas figuras reluzentes, bem lá no
alto colocaram-lhe uma estrela dourada; isto sim, era
vida, pensava ele. Olhava pela janela, com desdém para os
outros pinheiros no bosque; coitados, lá estavam, ao frio
a
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA
44. O NATAL
eà chuva,enquanto eleera coroado como umrei.
Ouviu dizer que era Natal. Ficou extasiado
quando viu as luzes coloridas que o enfeitavam a apagar e
acender; imaginou a inveja que estaria a causar aos
outros, que o viam através da janela. Que sorte tivera! No
entanto, achava tudo normal, já que se julgava o mais
belodetodosos pinheiros dobosque.
Cada dia estava mais vaidoso, mas notava uma
ligeira quebra nas forças. À medida que os dias iam
passando, esta situação parecia até que se agravava; não
dava grande importância ao assunto uma vez que cada dia
pareciacrescero interessepelasua presençanaquelacasa.
Puseram-lhe aos pés uns grandes embrulhos,
penduraram-lhe nos ramos figuras de chocolate
embrulhadas em pratas coloridas. Sentiu-se mais feliz que
nunca, não pudera imaginar ter tanta prenda só para ele;
mirou-se, mais uma vez, no grande espelho da sala, na
parede, à sua frente. Estava lindo de morrer, olhou os
irmãos lá fora. Continuavam, ao frio e à chuva. Como o
deviaminvejar!
A dona da casa, nesse dia, entrava e saía da sala,
ia compondo a mesa, que estava também enfeitada;
quando passava junto dele olhava, ajeitava quase sempre
mais alguma coisa. Pensou que seria um jantar em sua
homenagemeainda ficou maisvaidoso.
Chegou a hora do jantar. Vieram mais
convidados, que se iam sentando à mesa, rindo e
conversando. No ar pairava um odor forte emanado da
comida. O pinheiro não tinha fome, apesar de se sentir
cada vez mais fraco; pensou até que o vapor que saía das
travessasdacomidalhepodiaestragar o penteado.
Quando acabaram de comer, todos se dirigiram
para o pinheiro. Os miúdos agarravam nas figuras de
chocolate arrancando-as com violência. Depois, todos
agarraram nos embrulhos, abriram-nos, deitando os
papéis com desdém para junto do seu tronco. Afinal, as
prendasnão eram para ele.
Por fim, todos saíram, rindo e falando. O
pinheiro ficou só, tinham-lhe apagado as luzes, sentiu um
ligeiro desconforto e olhou pela janela; os seus irmãos
continuavam lá fora, iluminados apenas pela luz da lua
cheia,abanando ao sabor dovento.
O PINHEIRO
VAIDOSO
45. NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA
No outro dia de manhã, os donos da casa vieram,
arrancaram as fitas, tiraram-lhe os enfeites, as luzes…
Sentiu-se elevar no ar e, ao mesmo tempo, muito fraco
acabando poradormecer.
Quando acordou, estava no bosque, junto do
irmão, prostrado no chão. Olhou-o. Lá estava de pé,
abanando ao vento; sentiu a chuva cair, tão fria que
parecia neve. Não se conseguiu levantar, sentiu-se morrer
aos poucos. Afinal tudo não passara de uma felicidade
efémera.
Como invejava agora o irmão! Mas...era demasiado
tarde. Estava arrependido. Descobriu que a vaidade não
compensa,cegara-o.
Eadormeceueternamente...
«Bibaru»
O PINHEIRO
VAIDOSO
49. ONATALNAVOZDOPOVO/ 2009
Avoz dopovo éa chama
Queacendea tradição!
Etoda a gentereclama
Pelafesta daunião!
Agrande preocupação
São as prendaseos manjares
Euma enormesatisfação
Para abraçar familiares!
Mas a verdadeira tradição
Perdeu-sepelocaminho
Atéo melhorcristão
Já esqueceuo seuhino!
Enum rodopioconstante
Opovo anda rezingão!
Esqueceo maisimportante
Falando dacriseemvão!
Umasociedadeexigente
Queexpulsou sua raiz!
Commuito ou pouco écarente
Não consegueserfeliz!
Sehouvessemaishumildade
Ealguma ponderação!
Talvez,viessea bondade
Ao encontro darazão!
Eo Natal teriamaissabor
Comgestos deamizade!
Tudo seriamelhor
Comamorefraternidade!
Vamos festejaro Natal
Edeixara nostalgia!
Comuma esperança real
Para quechegueumnovo dia!
Alberta2009
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA
50. O NATAL
PRECE AO MENINO JESUS
Oh Jesus! Se és meu amigo,
Desculpa-me a ousadia,
Realiza o meu sonho antigo,
Oferece-me esta alegria!
Não quero nenhum presente
Nem outro bem material,
Eu peço para toda a gente
Um santo e feliz natal:
Olhai pelos ignorantes,
Que aguardam compreensão
E também pelos errantes,
Que anseiam perdão;
Pelas crianças carentes
Rogo a vossa compaixão;
E a todos os doentes,
Jesus, dai-lhes a salvação;
Aos velhos que vivem só
Atenuai a solidão,
Eles são os nossos avós,
Precisam da nossa mão;
Aos jovens do meu país,
Que perderam o seu rumo,
Conduz a um futuro feliz,
De valores e de aprumo.
E todos, sem excepção,
Neste mundo desigual,
Peço a restituição
De um permanente Natal!
Ascensão, 2009
51. ONATALDEOUTROSTEMPOS
ONatal na minhaaldeia
Era semostentação!
Àpobreluzdacandeia
Sefazia umgrande serão!
Todos juntos à lareira
Numa grande animação!
Reunidaa famíliainteira
Era uma grande emoção!
Asfilhóseram a tradição!
Obacalhau, não havia!
Como não faltavao pão
Já toda a gentecomia!
Todos tinhammuito pouco
Mas não haviaqueixume!
Aqueletempoera outro!
Avidasemazedume!
Anoiteescura efria
Cheiravaa cedro queimado,
Ocrepitarqueseouvia
Era a fogueira no adro!
Ao rigorera a fogueira
Equantos maisceposmelhor!
Todos ficavamà beira,
Aquecendo-seao esplendor!
Do Natal era a canção
Ealguémtocavao sino!
Tambémnaquelesertão
Seaclamavao Deusmenino!
Maria do Cerro, 2009
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA
52. O NATAL
NATAL DE GENTE SOFRIDA
Natal!...
Tanta gente sem família...
É tanta a solidão,
Tudo continua igual!
Que grande desilusão:
É guerra, ódio, ganância;
Não há paz,
Sinto tanta tristeza
Por ver tanta gente sofrida
Numa guerra já perdida.
Natal!...
Tanta criança triste, a chorar,
Sem roupa, sem brinquedos, sem brincar
Sem um lar, onde possam estar...
Perdidos de fome, famintos de amor,
Jesus!...
Eu quero ter esperança
De um dia sonhar
Com um mundo melhor,
De uma vida com amor
E muito menos dor.
Joskua, 2009
53. NOITEDENATAL
Énoitedenatal!
Muita genteanda semdestino,
Chora desolidão...
Éumdesatino:
Muitas famíliasestão separadas,
Não têmamor, não têmnada;
Andamna rua, desesperadas,
Meu Deus!
Euquero teresperança
Detodos nós termos
Umnatal digno,
Detodos nós termos
Algopara comer,
Denão passara NoitedeNatal só!
Denão chorar desolidão,
Derenascerpara a vida
Comamorepaz,
Porquetodos os dias
Énatal.
Maria, 2009
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA
54. O NATAL
NATAISDAMEMÓRIA(inédito)
Entro nos Nataisdamemória
Evou juntando os fragmentos
Da infância povoada demilhistórias,
Nos filmesprojectadospelamente:
Cheiros, cores,sons harmónicos
Dum tempoantigo ainda bempresente!
Lembro bemNataispassados…
Quanta simplicidadeepureza!
Delirismopopularbemrecheados
Comsua aura demagiaedebeleza…
Quemdera revê-losassimcelebrados,
Quena autenticidadetinhamsua riqueza!
Da tradição escrita eoral
Chegamhistóriasmuito belas,
Quepodemabrirjanelas
Para entendero Natal.
Mas seráqueatravésdelas
Entra a luzessencial?...
Umtempoluminoso desceà aldeia:
ÉDezembro, éNatal, étempodeventura
Aligaros elosdalonga cadeia,
Quevemvencendoo tempoea lonjura!
Mas seráquea sua força ainda semeia
Osfrutos dapazedaternura?...
Andamosemcorrerias
Numa vertigemdeloucos
Vivemosincertos dias
Coma esperança a perder-seaos poucos…
Quempodesonharainda
No “salve-sequempuder”queseinstalou!?
VIVALDI (pseudónimo) -Agosto de 2009
55. REFLEXÕESSOBREONATAL(inédito)
Nos maisdecempovoados
DispersospeloConcelho,
EmProença, na Sobreira,
Nos Montesou na Figueira,
Chegao Natal eregressam
Rituaiscompresépiosefogueiras!
Alvorada esplendorosa
Vairaiando o santo dia,
Repicamos sinosdatorre
Emvibrações dealegria.
Coma memóriaquenão morre,
Hámilénios,emBelém,Jesusnascia!
Natal, fecundamensagem,
Eternasementequegermina,
Umcicloquenão termina
Nesta estreita passagem…
Mas seráqueainda ilumina
Anossa incerta viagem?...
Na lareira, o fogo e,na mesa,o pão…
Mais uma quadra deNatal quesedeseja
Umafesta daFamília,dapaz,derenovação
Da remota chamaquesemantémacesa!
Poderáainda esempreo coração
Suportartão pesadaleveza!?
No silêncioazul dematinaisgeadas,
Denovo como frioo Natal regressa!
Ouvem-sedeNortea Sul novaspromessas
Dequeviveremostodosdemãos dadas…
Mas os quepõemo mundo às avessas
São os actoresdefarsasmalrepresentadas!
VIVALDI (pseudónimo) -Agosto de 2009
NA VOZ DO POVO DE PROENÇA-A-NOVA