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Krugman, Paul - Como Entender Tudo Errado (FSP, 15.09.2014)
1. Como entender tudo errado
15/09/2014 13h58
Na semana passada, participei de uma conferência organizada pela Rethinking
Economics, uma organização dirigida por estudantes cujo objetivo é repensar a
economia. E os deuses do dinheiro bem sabem que a economia precisa ser repensada,
depois de uma crise desastrosa - crise que não foi prevista e nem prevenida.
Parece-me, porém, que é importante perceber que o enorme fracasso intelectual dos
últimos anos aconteceu em diversos níveis. É evidente que a Economia, como
disciplina, sofreu sérios desvios de rota nos anos - na verdade décadas - que
precederam a crise. Mas as falhas da Economia foram em muitos casos agravadas
pelos pecados dos economistas, que com frequência exagerada permitiram que suas
preferências partidárias ou busca pelo engrandecimento pessoal superassem o
profissionalismo.
Por fim, mas não menos importante, as autoridades econômicas sistematicamente
escolheram ouvir apenas aquilo que desejavam ouvir. E é esse fracasso em múltiplos
níveis - e não só a inadequação da Economia - que responde pelo terrível desempenho
das economias do Ocidente de 2008 em diante.
Em que sentido a Economia perdeu o rumo? Pouca gente previu a crise de 2008, mas
isso talvez possa ser desculpado, em um mundo complicado. O mais preocupante era
a convicção generalizada, entre os economistas, de que uma crise como essa não
aconteceria. O embasamento dessa complacência era o domínio de uma visão
idealizada do capitalismo, sob a qual as pessoas são sempre racionais e os mercados
sempre se comportam perfeitamente.
É fato que modelos idealizados têm papel útil a desempenhar na Economia (e em
qualquer outra disciplina), como forma de clarear o pensamento. Mas começando nos
anos 80, se tornou mais e mais difícil publicar qualquer coisa que questionasse esses
modelos idealizados, nas grandes revistas acadêmicas.
Os economistas que tentavam levar em conta as imperfeições da realidade encaravam
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2. aquilo que Kenneth Rogoff, de Harvard, que dificilmente pode ser considerado uma
figura radical (e com o qual já tive desentendimentos), define como "a nova repressão
neoclássica". E seria desnecessário dizer que simplesmente desconsiderar a
irracionalidade e as falhas do mercado significava presumir a inexistência de qualquer
possibilidade de uma catástrofe como a que o mundo sofreu seis anos atrás.
Ainda assim, muitos praticantes da Economia aplicada mantiveram visão mais realista
do mundo, e os manuais de macroeconomia, embora não previssem a crise, fizeram
bom trabalho em prever como as coisas transcorreriam depois dela. Baixas taxas de
juros diante de grandes deficit orçamentários, inflação baixa diante de uma base
monetária em rápido crescimento, e acentuada contração econômica nos países que
impusessem austeridade fiscal: tudo isso surgiu como surpresa para os apresentadores
do noticiário econômico na TV, mas era exatamente o que os modelos básicos previam
para as condições prevalecentes depois da crise.
Mas embora os modelos econômicos não tenham se saído tão mal depois da crise,
muitos economistas influentes se saíram mal - recusando-se a admitir erros, permitindo
que o partidarismo escancarado se sobrepusesse à análise, ou ambos. "Ei, eu aleguei
que uma nova depressão não era possível, mas não estava errado; tudo isso está
acontecendo porque as empresas estão reagindo ao futuro fracasso de Obama".
Seria possível alegar que é apenas a natureza humana, e que é verdade que embora
os delitos intelectuais mais chocantes tenham vindo dos economistas conservadores,
alguns economistas da esquerda também pareciam mais interessados em defender seu
território e atacar rivais do que em compreender a questão corretamente. Ainda assim,
esse mau comportamento é causa de choque, especialmente para aqueles que
imaginavam que estivéssemos envolvidos em um verdadeiro diálogo.
Mas será que teria feito diferença que os economistas se comportassem melhor? Ou as
pessoas que detêm o poder teriam feito exatamente o que fizeram não importa o que os
economistas dissessem?
Se você imagina que as autoridades econômicas passaram os últimos cinco ou seis
anos agrilhoadas à ortodoxia econômica, está redondamente enganado. Pelo contrário:
figuras importantes se provaram altamente receptivas a ideias econômicas inovadoras e
heterodoxas - ideias que também estão erradas, mas que ofereciam desculpas para
que as autoridades fizessem aquilo que desejavam, de qualquer jeito.
A grande maioria dos economistas cuja preocupação é a política econômica acredita
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3. que aumentar os gastos do governo em uma economia deprimida cria empregos, e que
cortá-los destrói empregos - mas os líderes europeus e os republicanos nos Estados
Unidos decidiram acreditar no punhado de economistas que afirmavam o contrário.
Nem a teoria econômica e nem a História justificam pânico quanto ao nível atual das
dívidas governamentais, mas os políticos decidiram entrar em pânico mesmo assim,
citando pesquisas não revisadas (e, na realidade, improcedentes) como justificativa.
Não estou afirmando que a Economia esteja em grande forma, ou que suas falhas não
importam. Não está, e as falhas importam, e defendo repensar e reformar a disciplina.
O grande problema da política econômica, porém, não é que a Economia convencional
não nos diga o que fazer. Na verdade, o mundo estaria em forma muito melhor se a
política do mundo real tivesse refletido as lições básicas da Economia. Se estragamos
tudo - e estragamos -, a falha não está nos nossos manuais de Economia, mas em nós.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Endereço da página:
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/paulkrugman/2014/09/1516224-como-entender-tudo-errado.shtml
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