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Utilizando tópicos frasais
Aluna: Mara Sandra Garcia Morales
• Pesquisar — O que é?
• Desmitificando o Conceito
• O processo de pesquisa está quase sempre cercado de
ritos especiais, cujo acesso é reservado a poucos
iluminados.
• Para tanto, estuda-se metodologia, em particular
técnicas de pesquisa, que ensinam como
gerar, manusear e consumir dados, em contato com a
realidade.
• A desmistificação mais fundamental, porém, está na crítica à
separação artificial entre ensino e pesquisa. Tomada como
marca definitiva da nossa realidade educativa e científica,
muitos estão dispostos a aceitar universidades que apenas
ensinam, como é o caso típico de instituições noturnas, nas
quais os alunos comparecem somente para aprender e pas-sar,
e os professores, quase todos biscateiros de tempo parcial,
somente dão aula.
• No oposto está a soberba do pesquisador exclusivo, que já
considera ensino como atividade menor. Esta dicotomia
evolui facilmente para a cisão entre teoria e prática: o
pesquisador descobre, pensa, sistematiza, conhece. Cabe a
outra figura, sobretudo a “decisores” assumir a
intervenção na realidade. Saber desliga-se de mudar, o
que pode acarretar para a atividade de pesquisa estigmas
muito preocupantes, tais como (Demo, jul. 1987):
• Não se atribui a função de professor a alguém que
não é basicamente pesquisador. Em vista disso, o
termo professor é reservado para nível específico de
amadurecimento acadêmico, geralmente o
catedrático, o titular, que já teria demonstrado
capacidade de criação científica própria.
• Em termos cotidianos, pesquisa não é ato isolado, intermitente,
especial, mas atitude processual de investigação diante do
desconhecido e dos limites que a natureza e a sociedade nos
impõem.
• Pesquisa é processo que deve aparecer em todo trajeto educativo,
como princípio educativo que é, na base de qualquer proposta
emancipatória. Se educar é sobretudo motivar a criatividade do
próprio educando, para que surja o novo mestre, jamais o discípulo,
a atitude de pesquisa é parte intrínseca.
• O caminho emancipatório não pode vir de fora, imposto ou doado, mas será
conquista de dentro, construção própria, para o que é mister lançar mão de
todos os instrumentos de apoio: professor, material didático, equipamentos
físicos, informação. Mas, no fundo, ou é conquista, ou é domesticação.
• Vale, então, rever o conceito de aprendizagem, relacionado ao de
ensinar, sempre restritos os dois a posições receptivo domesticadoras.
• O que conta aí é aprender a criar. Um dos instrumentos essenciais da
criação é a pesquisa. Nisto está o seu valor também educativo, para além da
descoberta científica.
• Como ator social, o pesquisador é fenômeno político, que, na pesquisa, o
traduz sobretudo pelos interesses que mobilizam os confrontos e pelos
interesses aos quais serve. Donde segue: pesquisa é sempre também
fenômeno político, por mais que seja dotada de sofisticação técnica e se
mascare de neutra. Não se reduz a fenômeno político, mas nunca o desfaz
de todo. Por isso vale dizer: sabemos mais o que interessa. O que explica,
em parte, por que conhecemos muito mais como não mudar, já que a
produção de conhecimentos está nas mãos dos privilegiados. O desconforto
pode ser gritante, quando se descobre, por exemplo, que a pesquisa social
sobre pobreza cresceu muito, mas nada tem a ver com a sua debelação.
• Poder realmente importante, efetivo, é aquele que sabe
esconder-se, precisamente para mandar sem ser percebido. Por
vezes usamos o conceito de “ informal”, para denotar aquele
poder que age por trás dos bastidores, exatamente para
determinar com mais força.
• Sobretudo, faz parte do “empirismo” a demissão teórica,
segundo a qual se reduz o que é mais importante ao que é mais
empírico, sacrificando a realidade ao método de captação.
• Todo projeto sério de pesquisa contém em
algum momento discussão do método, pelo
menos no sentido barato de fases a serem
seguidas, possíveis resultados
colimados, autores que se pretende
ler, interpretar, rebater, superar. A
despreocupação metodológica coincide com
baixo nível acadêmico, pois passa ao largo da
discussão sobre modos de
explicar, substituindo-a por expectativas
ingênuas de evidências prévias.
Horizontes múltiplos da pesquisa
Compreendida como capacidade de elaboração
própria, a pesquisa condensa-se numa
multiplicidade de horizontes no contexto
científico (Demo, 1985b). E comum prendê-la
à sua construção empírica. O pesquisador
aparece exclusivizado na condição de
manipulador competente de dados factuais, nas
ciências sociais.
• Mesmo quando colocamos o desafio correto de
que a pesquisa é descoberta da realidade, trata-se
de um conceito estreito de realidade, se a
restringirmos à sua manifestação empírica. A
tendência de reduzir à sua expressão empírica é
facilmente compreensível, porque é a mais
manipulável diante da expectativa metodológica
dominante. E tanto mais tratável
cientificamente, aquilo que é
mensurável, experimentável, observável.
• Assim, o mínimo que podemos dizer é que há horizontes não
empíricos, que fazem parte da realidade. E fundamental que a
ciência os capte, principalmente é essencial que não reduza a
realidade ao tamanho do que consegue captar. Esta critica,
entre outras, motivou o surgimento de metodologias
alternativas, ditas por vezes qualitativas, que, sem dicotomizar
quantidade e qualidade, pretendem trazer à cena da pesquisa a
preocupação com realidade inesgotável no mensurável. Parte
do processo emancipatório é tipicamente qualitativo, no
sentido da qualidade política, feita de utopias e esperanças,
ideologias e compromissos, influências e artes, participação e
democracia. Não cabe mensurar. Nem por isso menos
importante.
Quem dispõe de boa teoria, diante do dado sabe interpretar, ou pelo
menos sabe propor pistas de interpretação possível.
Faz parte, assim, da pesquisa teórica:
• a) conhecer a fundo quadros de referência
alternativos, clássicos e modernos, ou os teóricos
relevantes;
• b) atualizar-se na polêmica teórica, sem modismos, para
abastecer-se e desinstalar-se;
• c) elaborar precisão conceitual, atribuindo significado
restrito aos termos básicos de cada teoria;
• d) aceitar o desafio criativo de prepor a realidade à fixação
teórica, para que a prática não se reduza à “prática
teórica”, e para que a teoria se mantenha em seu devido
lugar, como instrumentação interpretativa e condição de
criatividade;
• e) investir na consciência crítica, que se alimenta de
alternativas explicativas, do vaivém entre teoria e
• Não há ciência sem pesquisa; sobretudo, não
há criatividade científica sem pesquisa. Não há
emancipação histórica criativa sem pesquisa,
compreendida como diálogo crítico com a
realidade no seu dia-a-dia e como raiz política
da constituição de espaço próprio, com projeto
próprio de vida (Ladrière, 1978).
• Em metodologia científica, descobrir e criar não
são a mesma coisa. Quando se fala de
descobrir, tem-se em mente postura próxima das
ciências naturais, de estilo nomotético, que as
entende como esforço formal de tratamento da
realidade, para descobrir leis da sua estrutura e
funcionamento. O cientista nada cria, apenas
detecta relações. A lei da gravidade, por
exemplo, é descoberta formidável, mas não
significa intervenção na realidade ou criação de
relações novas.
A pesquisa como diálogo
• Uma definição pertinente de pesquisa poderia ser: diálogo inteligente com a
realidade, tomando-o como processo e atitude, e como integrante do
cotidiano.
De um lado, é mister desmitificar o conceito de diálogo:
a) não é algo sempre solene, coisa de cinema e teatro, ou algo ritual e especial
como é a necessidade de comunicação entre professor e aluno;
b) não é expressão dos consensos, da intelecção fácil e mecânica; é sempre
também confronto, se for comunicação entre atores com idéias próprias e
posições contrárias;
c) não se restringe a conversa, discurso, mas é sobretudo comunicação, com
todos os seus riscos e desafios; não é apenas o fenômeno de indivíduos que
se encontram e defrontam, mas a complexa comunicação de uma sociedade
sempre desigual.
Uma coisa é aprender pela imitação, outra pela pesquisa.
Pesquisar não é somente produzir conhecimento, é
sobretudo aprender em sentido criativo. É possível aprender
escutando aulas, tomando nota, mas aprende-se de verdade
quando se parte para a elaboração própria, motivando o
surgimento do pesquisador, que aprende construindo
(Franchi, 1988).
E isso não redunda apenas em competência técnica e
científica; funda também um passo essencial no processo
emancipatório. Dialogar com a realidade talvez seja a
definição mais apropriada de pesquisa, porque a apanha
como princípio científico e educativo. Quem sabe dialogar
com a realidade de modo crítico e criativo faz da pesquisa
condição de vida, progresso e cidadania.
A pesquisa
como princípio científico
A atual instituição universitária está em decomposição histórica, seja porque se
mantém medieval, sobretudo em termos de impunidade
social, distanciamento elitista e atraso didático, seja porque perdeu a noção
essencial de mérito acadêmico em troca da burocratização funcional, seja
porque é muito pouco produtiva e criativa, custando muito além do que
vale para a sociedade que a sustenta. Todavia, representa instituição
necessária na sociedade, quando menos para cultivar elites intelectuais e
tecnológicas, que não se saberia dispensar, tanto para o processo
produtivo, quanto para o processo político, além de técnico em geral. Neste
sentido, se virar cinzas, terá que delas ressurgir. Mesmo sendo uma das
instituições mais conservadoras, tão falastrona quanto inepta em termos de
mudanças sociais relevantes, terá de recuperar o brilho histórico da
vanguarda criativa, em termos de competência e mérito. Não
desaparece, mas apodrece, para ressurgir.
A questão curricular
Tomemos aqui, de partida, currículo na noção
corrente de proposta de ensino/aprendizagem, na
qual se define, grosso modo, o que e como
estudar. Na grade curricular aparecem as matérias
ordenadas dentro de algum princípio didático e de
certa concatenação entre elas. Cumprido esse
trajeto, chega-se ao diploma e considera-se o
aluno detentor de nível superior. Quanto ao
professor é preciso que, no decorrer dos
semestres, ministre as respectivas aulas e proceda
à avaliação da aprendizagem.
Do lado do professor temos a visão empobrecida do ministrador de
aulas, ainda em grande parte pessoas que detêm apenas graduação, sem
experiência comprovada no campo científico. Fruto do mero
aprender, naturalmente decaem no mero ensinar. Esta caricatura se adensa
mais ainda no professor biscateiro, marcado por condições negativas de
toda ordem:
a) em seu campo de graduação é chamado a dar qualquer matéria, como se
possuísse versatilidade perfeita, não faltando casos em que é chamado a
desbordar o seu campo: há administradores que ensinam
economia, advogados que ensinam sociologia, educadores que ensi-nam
filosofia;
b) entende-se como simples repassador de conhecimento alheio, que um dia
estudou e aprendeu e, em decorrência, imagina poder transmitir aos
outros, de cópia em cópia;
c) embora possa sempre existir a “picaretagem”, predomina a luta pela
sobrevivência, que não deixa sequer tempo para pensar em qualidade
formal e mérito acadêmico conquistado.
É preciso insistir que tal postura redefine a função do
professor e a função do aluno. O professor é sobretudo
motivador, alguém a serviço da emancipação do
aluno, nunca é a medida do que o aluno deve estudar. O
aluno é a nova geração do professor, o futuro
mestre, não o lacaio que precisa de cabresto. Em vez do
pacote didático e curricular como medida do ensino e
da aprendizagem, é preciso criar condições de
criatividade, via pesquisa, para construir
soluções, principalmente diante de problemas novos. A
única coisa que vale a pena aprender é a criar, o que já
muda a noção de aprender. O professor que apenas
ensina imbeciliza o aluno. Nunca foi deveras professor.
A questão da avaliação
A avaliação pode não respeitar o ritmo de cada um em seu
desenvolvimento intelectual e social, partindo para
comparações externas e de cima para baixo. No oposto está
a “promoção automática”, através da qual todos passam de
ano, adequando-se os parâmetros de exigência ao aluno, não
o contrário (Saul, 1988). Persistem polêmicas fortes sobre
avaliação, e mesmo repulsa, havendo boas razões para tal
atitude, sobretudo em sentido educativo, se lembrarmos que
a construção da emancipação é algo de dentro para
fora, cujo ritmo não pode ser predeterminado nem imposto.
Exemplo disso é a comparação forçada de identidades
cultu-rais, que não são superiores ou inferiores, a não ser
que as sujeitemos a parâmetros externos prévios de
comparação.
A avaliação apenas formal é fuga, porque atesta que não sabemos
avaliar conteúdos, mas, se bem-feita, já repre-senta cuidado
providencial, que resgata a noção de pesquisa como descoberta
científica. Ressalta no mínimo o lado também fundamental da
competência técnica e instrumental.
Aplicamos, por exemplo, a uma tese de mestrado apenas critérios
formais de validação, por vezes somente rituais, deixando de
lado a pergunta sobre a sua relevância política como proposta
de atuação histórica. Em muitos casos, essa questão é coibida,
porque taxada de anticientífica, em nome
da neutralidade. Não há, porém, neutralidade mais engajada que
essa, o que recoloca a importância da avaliação no pleno
sentido da pesquisa como princípio científico e educativo.
A pesquisa
como princípio educativo
Nesta parte buscamos questionar o espaço educativo da
pesquisa, que vamos restringir ao ambiente da escola e da
atuação do professor de educação básica. Essa restrição é
apenas útil para concretizar melhor a discussão, mas não
insinuamos que a pesquisa como princípio educativo se
esgote nesse horizonte. Por outra parte, também na escola
deve emergir o desafio da ciência, até porque, em nome da
pesquisa, todo “professor” deve ser cientista. Esta colocação
basta para revelar a distância entre o exercício do magistério
básico e o ambiente de produção científica. Um professor de
1º grau teria o maior constrangimento em ver-se colocado
como cientista ou pesquisador, porque foi domesticado na
universidade a aprender imitativamente e a atuar na escola
como mero instrutor.
Educação, pesquisa e emancipação
Emancipação é o processo histórico de conquista
e exercício da qualidade de ator consciente e
produtivo. Trata- se da formação do sujeito
capaz de se definir e de ocupar espaço
próprio, recusando ser reduzido a objeto
(Demo, 1988b e 1988c). É fenômeno teórico e
prático ao mesmo tempo.
A escola — que não faz milagres — pode fungir papel
estratégico como instrumento público de equalização de opor-
tunidades, à medida que se torna espaço privilegiado popu-
lar, universalizante no 1º grau, para concepção e exercício
da cidadania. Este tipo de educação é das poucas ofertas pú-
blicas capazes de atingir o universo social na respectiva idade
e nisso guarda potencialidade central. Essa chance, para ser
mais congruente em termos de direitos sociais, deveria ser
universalizada a partir da pré-escola (0 a 6 anos de idade),
no contexto de uma política social da infância, preventiva,
emancipatória, redistributiva e equalizadora (Demo, 1989b).
Limitações do apenas ensinar
No “ensinar” cabe menos o desafio da emancipação com
base em pesquisa do que a imposição domesticadora que
leva a reproduzir discípulos. Os “professores” se dizem “en­
sinadores”, porque na universidade foram obrigados a ape-
nas aprender. De modo geral, um “professor” de educação
básica não sabe elaborar com mão própria, muito menos
“dar conta de um tema” com desenvoltura. Além de dispor
de acanhada qualidade formal, decai logo na desatualização,
a par dos desestímulos que o cercam, sobretudo condições
profissionais adversas (Mello, 1986; Novaes, 1987).
Na luta pela valorização do profissional deve entrar com
ênfase o compromisso com a pesquisa, no quadro da coerên-
cia emancipatória, que é sempre o núcleo mais digno da
educação. O “professor” (com aspas), para tomar-se PROFES-
SOR (sem aspas e com maiúsculas), carece de investir-se da
atitude do pesquisador e, para tanto, perseguir estratégias
adequadas. Sobretudo, deve fazer parte da sua condição
profissional sem mais, para desfazer o fardo do reles
“ensinador”.
Na concepção de Paulo Freire, é fundamental a distinção entre alfabetizar como
reprodução da escrita e da leitura, e alfabetizar como ler criticamente a
realidade. A “aula” apenas conduz à reprodução, chegando ao extremo de
coibir a criação, quando o instrutor descarta o questionamento por parte do
aluno. O professor de verdade motiva o aluno a dominar a escrita e a leitura
como instrumentação formal e política do processo de formação do sujeito
social emancipado.
Limitações do apenas aprender
A escola continua curral formal, onde o gado é tratado.
Aluno, como discípulo, é gado. Numa analogia forte, é como
penico, que tudo aceita sem reclamar, e acha que não passa
disso. O conluio perfeito dessa imbecilização está na coin-
cidência entre aula, prova e cola. São a mesma coisa. Tudo
é cópia. O “professor” que vive de aula e prova, pratica e
impõe a cópia dos outros. O aluno, coagido, responde na
mesma moeda: decora e cola. Nada é mais bem decorado do
que cola.
O intuito não é nem acabar simplesmente com a
prova, nem elogiar a cola. Cabe a prova, em
seu devido lugar, para aferir conjunturalmente
aprendizagens, além de ser expediente por
vezes inevitável por excesso de alunos ou por
exigências formais. Entretanto, prova somente
avalia a aprendizagem; não combina com a
pesquisa. Onde cabe a aprendizagem, cabe a
prova.
Decorar, apenas, é fatal, porque destrói o
desafio essencial de criar soluções. Para quem
só decora (cola), na prova — se der “um branco”
— o único recurso é colar. Não se sabe
deduzir, induzir, inferir, estabelecer
relações, reconstruir contextos. Resta copiar. A
cópia perfeita é a cola, como xerox. Tal condição
reduz o aluno ao “mero aprender”, obstruindo
passos da criatividade própria, que pedem
alternativas tais como:
a) a meta é o novo mestre, que aprende a aprender; sua marca é saber criar
soluções, construir alternativas no diálogo produtivo com a realidade;
b) essencial é motivar a elaboração própria, dentro dos respectivos
contextos, ou seja, de modo aproximativo, crescente, atrativo, passando
pela pesquisa como método essencial;
c) é mister fomentar o trabalho fora do ambiente da aula, em contato com
biblioteca, material escrito em geral, na discussão conjunta e
participativa, que permita o desafio de encontrar e produzir soluções, pelo
menos de sínteses pessoais;
d) é relevante a insistência na aplicabilidade dos conhecimentos, por onde
entra um primeiro raio de prática, buscando exercícios que evidenciem
isso; é precisar cotidianizar o saber, para evitar que a escola, de tão
formal, se segregue da realidade diária;
e) é fundamental, o contato com material didático que motive o espírito
questionador em geral e o diálogo persistente com a realidade, ao
contrário de meros “manuais”, “apostilas”, receitas empobrecidas feitas
para empobrecer.
O boletim sempre revela “notas” também referidas a
comportamento, por vezes cultivando moralismos baratos,
envoltos em disciplinas quadradas. A imagem mais viva disso
é a “moral e cívica”, vendida como estratégia de domesti-
cação ideológica da juventude. Se admitimos que educação
é política, no seu âmago, sempre se defronta com questões
de moral e cívica. Assim, não se trata de denegrir ou su-
primir., mas de resgatar a sua função emancipatória. A escola
do “bom menino” não está longe do “bom prisioneiro”, que
prefere ou foi obrigado ao conformismo, desistindo da luta
por espaço próprio.
A influência da escola sobre a criança é cada vez
mais “formal” e, neste sentido, vazia, pela
artificialidade da sua organização distanciada da
sociedade diária ou pela concorrência
avassaladora com os meios de comunicação. Por
exemplo, moral e cívica na prática são os
desenhos animados importados, exibidos nos
programas infantis na televisão. O que o
professor faz na escola, neste sentido, pode ser
irrelevante ou inócuo.
Prática de pesquisa & educação
Referimos aqui experiência inicial do Instituto Superior de Educação do Pará
(ISEP), inaugurado a 5 de março de 1990, em Belém, sob iniciativa da
secretária de Educação do Estado, prof-. Therezinha Gueiros, no contexto da
“filosofia” deste livro. Durante o ano de 1989, um grupo de
trabalho, coordenado pela prof3 Ivone Tupiassu, construiu a proposta de uma
faculdade alternativa para profissionais do pré-escolar até a 4- série do le
grau, em habilitação única, tendo como parâmetro de funcionamento, além da
proposta constitucional de formação integral e integrada do desenvolvimento
da criança (0 a 10 anos), a didática da pesquisa e da prática:
a) união indissolúvel de teoria & prática, de ensino
& pesquisa, e insistência na extensão intrínseca;
b) elaboração própria como critério de avaliação no
professor, que será orientador, e no aluno, que
será novo mestre;
c) união de saber & mudar, no contexto da
qualidade formal e política, sem aula e sem prova.
Nessa referência, acentuaremos a construção da
prática, como tentativa primeira de oferecer a 100
alunos — obtidos dentre 1 400 candidatos — a
chance de aprender a aprender.
Construindo a prática
É difícil embutir no currículo a prática, a começar pelos vícios
históricos dos “estágios” e da “extensão”. Os estágios são
concessões à prática, com presença curricular residual, mal
organizados, sem acompanhamento de qualidade por parte do
curso e por parte dos responsáveis no local do estágio. Na
maioria dos casos mantém-se como exigência formal, resvalando
para a exploração de mão-de-obra especializada barata. Órgãos
públicos há que entregam aos estagiários as atividades de campo,
liberando os técnicos que permanecem teorizando.
Não se trata de buscar limites estritos em meio a realidade tão fluida e
escorregadia, como são os posicionamentos políticos. A coerência,
entretanto, deve ser estringente, para não deixar dúvidas, nem na teoria,
nem na prática, evitando o truque comum do intelectual esperto que
sabe embrulhar num pacote brilhante e crítico uma postura retrógrada.
Há reformadores que apenas maquiam o sistema; não empurram a
história para a frente e, neste sentido, seriam melhor alcunhados de
conservadores. Há conservadores que insistem de modo efetivo em
liberdades humanas — há liberalismos que fazem isso — que melhor
seria classificá-los como reformistas. E há transformadores que não
transformam nada, usando o discurso radical apenas para tergiversar.
Pinceladas de um currículo
. O trajeto curricular de 8 semestres começa por um
ano dedicado à fundam entação teórica e metodológica, como
instrumentação imediata da elaboração própria. O aluno
precisa apropriar-se de condições para se confrontar com as
várias concepções de educação e de ciência, a par do domínio
da língua portuguesa e sua didática, completando-se com
didática e prática. Esta é definida como inicial, delimitada
no esforço organizado de conhecimento in loco do sistema
de ensino e como confronto com práticas relevantes.
A iniciativa do aluno é o maior patrimônio didático, sem o que de
pouco adiantaria a competência do professor. Tal iniciativa não deve
voltar-se apenas a estudar, mas igualmente ao questionamento social da
ciência e da sociedade, de onde surge o manancial sempre decantado
das lideranças novas de origem universitária. Para além do que a lei já
prevê, a prática discente pode corresponder a essa expectativa histórica
de cultivo de lideranças alternativas. A iniciativa pode descambar por
caminhos de unilateralização às expensas da qualidade formal, quando
se toma participação política como partidarização, desrespeito ao
mérito acadêmico, “democratismo” que substitui competência por
aclamação, truque preocupado com “jeitinhos” para chegar ao diploma
com o menor esforço possível. Não cabe ao aluno decidir o
currículo, embora deva discuti-lo pertinazmente. Cabe ao aluno avaliar
o professor, bem como o próprio curso, sem desvirtuar o espírito da
proposta, no sentido de aprofundar a oportunidade da pesquisa, da
elaboração própria, da prática emancipatória.
Faz parte da “rotina” o tempo integral, para professor e
aluno. Em região pobre, esta exigência é, ao mesmo tempo,
compreensível e problemática. Do ponto de vista da criança
a ser atendida, é direito dela o melhor profissional possível.
Mas poucos podem estudar o dia todo. Nesse contexto, é
mister reconhecer que tal proposta não pode ser exclusiva,
embora deva ter chance de existir, como fermento da melhor
qualidade viável. Cabe ao Estado comparecer com apoios
operacionais aos alunos pobres, tendo em vista que a pobreza
da população não é gerada pelo instituto, nem pode ser
critério acadêmico.
Espera-se um “profissional recriado”, muito diferente dos
vigentes, capaz de construir um projeto próprio educativo
e assistencial, ao mesmo tempo competente cientificamen-
te e participativo politicamente. Agentes lídimos de mudança,
com base no saber e na cidadania. Como contrapeso às exi-
gências extremas de trabalho produtivo integral, o ISEP
assumiu compromisso de atuar, sem isolamento, com os
“recursos humanos” locais, tais quais são, evitando-se de-
pendências. Por isso o conceito de pesquisa se ajusta a tal
expectativa, começando no pré-escolar, como princípio
científico e educativo.

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Pesquisa como diálogo com a realidade

  • 1. Utilizando tópicos frasais Aluna: Mara Sandra Garcia Morales
  • 2. • Pesquisar — O que é? • Desmitificando o Conceito • O processo de pesquisa está quase sempre cercado de ritos especiais, cujo acesso é reservado a poucos iluminados. • Para tanto, estuda-se metodologia, em particular técnicas de pesquisa, que ensinam como gerar, manusear e consumir dados, em contato com a realidade.
  • 3. • A desmistificação mais fundamental, porém, está na crítica à separação artificial entre ensino e pesquisa. Tomada como marca definitiva da nossa realidade educativa e científica, muitos estão dispostos a aceitar universidades que apenas ensinam, como é o caso típico de instituições noturnas, nas quais os alunos comparecem somente para aprender e pas-sar, e os professores, quase todos biscateiros de tempo parcial, somente dão aula.
  • 4. • No oposto está a soberba do pesquisador exclusivo, que já considera ensino como atividade menor. Esta dicotomia evolui facilmente para a cisão entre teoria e prática: o pesquisador descobre, pensa, sistematiza, conhece. Cabe a outra figura, sobretudo a “decisores” assumir a intervenção na realidade. Saber desliga-se de mudar, o que pode acarretar para a atividade de pesquisa estigmas muito preocupantes, tais como (Demo, jul. 1987):
  • 5. • Não se atribui a função de professor a alguém que não é basicamente pesquisador. Em vista disso, o termo professor é reservado para nível específico de amadurecimento acadêmico, geralmente o catedrático, o titular, que já teria demonstrado capacidade de criação científica própria.
  • 6. • Em termos cotidianos, pesquisa não é ato isolado, intermitente, especial, mas atitude processual de investigação diante do desconhecido e dos limites que a natureza e a sociedade nos impõem. • Pesquisa é processo que deve aparecer em todo trajeto educativo, como princípio educativo que é, na base de qualquer proposta emancipatória. Se educar é sobretudo motivar a criatividade do próprio educando, para que surja o novo mestre, jamais o discípulo, a atitude de pesquisa é parte intrínseca.
  • 7. • O caminho emancipatório não pode vir de fora, imposto ou doado, mas será conquista de dentro, construção própria, para o que é mister lançar mão de todos os instrumentos de apoio: professor, material didático, equipamentos físicos, informação. Mas, no fundo, ou é conquista, ou é domesticação. • Vale, então, rever o conceito de aprendizagem, relacionado ao de ensinar, sempre restritos os dois a posições receptivo domesticadoras. • O que conta aí é aprender a criar. Um dos instrumentos essenciais da criação é a pesquisa. Nisto está o seu valor também educativo, para além da descoberta científica.
  • 8. • Como ator social, o pesquisador é fenômeno político, que, na pesquisa, o traduz sobretudo pelos interesses que mobilizam os confrontos e pelos interesses aos quais serve. Donde segue: pesquisa é sempre também fenômeno político, por mais que seja dotada de sofisticação técnica e se mascare de neutra. Não se reduz a fenômeno político, mas nunca o desfaz de todo. Por isso vale dizer: sabemos mais o que interessa. O que explica, em parte, por que conhecemos muito mais como não mudar, já que a produção de conhecimentos está nas mãos dos privilegiados. O desconforto pode ser gritante, quando se descobre, por exemplo, que a pesquisa social sobre pobreza cresceu muito, mas nada tem a ver com a sua debelação.
  • 9. • Poder realmente importante, efetivo, é aquele que sabe esconder-se, precisamente para mandar sem ser percebido. Por vezes usamos o conceito de “ informal”, para denotar aquele poder que age por trás dos bastidores, exatamente para determinar com mais força. • Sobretudo, faz parte do “empirismo” a demissão teórica, segundo a qual se reduz o que é mais importante ao que é mais empírico, sacrificando a realidade ao método de captação.
  • 10. • Todo projeto sério de pesquisa contém em algum momento discussão do método, pelo menos no sentido barato de fases a serem seguidas, possíveis resultados colimados, autores que se pretende ler, interpretar, rebater, superar. A despreocupação metodológica coincide com baixo nível acadêmico, pois passa ao largo da discussão sobre modos de explicar, substituindo-a por expectativas ingênuas de evidências prévias.
  • 11. Horizontes múltiplos da pesquisa Compreendida como capacidade de elaboração própria, a pesquisa condensa-se numa multiplicidade de horizontes no contexto científico (Demo, 1985b). E comum prendê-la à sua construção empírica. O pesquisador aparece exclusivizado na condição de manipulador competente de dados factuais, nas ciências sociais.
  • 12. • Mesmo quando colocamos o desafio correto de que a pesquisa é descoberta da realidade, trata-se de um conceito estreito de realidade, se a restringirmos à sua manifestação empírica. A tendência de reduzir à sua expressão empírica é facilmente compreensível, porque é a mais manipulável diante da expectativa metodológica dominante. E tanto mais tratável cientificamente, aquilo que é mensurável, experimentável, observável.
  • 13. • Assim, o mínimo que podemos dizer é que há horizontes não empíricos, que fazem parte da realidade. E fundamental que a ciência os capte, principalmente é essencial que não reduza a realidade ao tamanho do que consegue captar. Esta critica, entre outras, motivou o surgimento de metodologias alternativas, ditas por vezes qualitativas, que, sem dicotomizar quantidade e qualidade, pretendem trazer à cena da pesquisa a preocupação com realidade inesgotável no mensurável. Parte do processo emancipatório é tipicamente qualitativo, no sentido da qualidade política, feita de utopias e esperanças, ideologias e compromissos, influências e artes, participação e democracia. Não cabe mensurar. Nem por isso menos importante.
  • 14. Quem dispõe de boa teoria, diante do dado sabe interpretar, ou pelo menos sabe propor pistas de interpretação possível. Faz parte, assim, da pesquisa teórica: • a) conhecer a fundo quadros de referência alternativos, clássicos e modernos, ou os teóricos relevantes; • b) atualizar-se na polêmica teórica, sem modismos, para abastecer-se e desinstalar-se; • c) elaborar precisão conceitual, atribuindo significado restrito aos termos básicos de cada teoria; • d) aceitar o desafio criativo de prepor a realidade à fixação teórica, para que a prática não se reduza à “prática teórica”, e para que a teoria se mantenha em seu devido lugar, como instrumentação interpretativa e condição de criatividade; • e) investir na consciência crítica, que se alimenta de alternativas explicativas, do vaivém entre teoria e
  • 15. • Não há ciência sem pesquisa; sobretudo, não há criatividade científica sem pesquisa. Não há emancipação histórica criativa sem pesquisa, compreendida como diálogo crítico com a realidade no seu dia-a-dia e como raiz política da constituição de espaço próprio, com projeto próprio de vida (Ladrière, 1978).
  • 16. • Em metodologia científica, descobrir e criar não são a mesma coisa. Quando se fala de descobrir, tem-se em mente postura próxima das ciências naturais, de estilo nomotético, que as entende como esforço formal de tratamento da realidade, para descobrir leis da sua estrutura e funcionamento. O cientista nada cria, apenas detecta relações. A lei da gravidade, por exemplo, é descoberta formidável, mas não significa intervenção na realidade ou criação de relações novas.
  • 17. A pesquisa como diálogo • Uma definição pertinente de pesquisa poderia ser: diálogo inteligente com a realidade, tomando-o como processo e atitude, e como integrante do cotidiano. De um lado, é mister desmitificar o conceito de diálogo: a) não é algo sempre solene, coisa de cinema e teatro, ou algo ritual e especial como é a necessidade de comunicação entre professor e aluno; b) não é expressão dos consensos, da intelecção fácil e mecânica; é sempre também confronto, se for comunicação entre atores com idéias próprias e posições contrárias; c) não se restringe a conversa, discurso, mas é sobretudo comunicação, com todos os seus riscos e desafios; não é apenas o fenômeno de indivíduos que se encontram e defrontam, mas a complexa comunicação de uma sociedade sempre desigual.
  • 18. Uma coisa é aprender pela imitação, outra pela pesquisa. Pesquisar não é somente produzir conhecimento, é sobretudo aprender em sentido criativo. É possível aprender escutando aulas, tomando nota, mas aprende-se de verdade quando se parte para a elaboração própria, motivando o surgimento do pesquisador, que aprende construindo (Franchi, 1988). E isso não redunda apenas em competência técnica e científica; funda também um passo essencial no processo emancipatório. Dialogar com a realidade talvez seja a definição mais apropriada de pesquisa, porque a apanha como princípio científico e educativo. Quem sabe dialogar com a realidade de modo crítico e criativo faz da pesquisa condição de vida, progresso e cidadania.
  • 19. A pesquisa como princípio científico A atual instituição universitária está em decomposição histórica, seja porque se mantém medieval, sobretudo em termos de impunidade social, distanciamento elitista e atraso didático, seja porque perdeu a noção essencial de mérito acadêmico em troca da burocratização funcional, seja porque é muito pouco produtiva e criativa, custando muito além do que vale para a sociedade que a sustenta. Todavia, representa instituição necessária na sociedade, quando menos para cultivar elites intelectuais e tecnológicas, que não se saberia dispensar, tanto para o processo produtivo, quanto para o processo político, além de técnico em geral. Neste sentido, se virar cinzas, terá que delas ressurgir. Mesmo sendo uma das instituições mais conservadoras, tão falastrona quanto inepta em termos de mudanças sociais relevantes, terá de recuperar o brilho histórico da vanguarda criativa, em termos de competência e mérito. Não desaparece, mas apodrece, para ressurgir.
  • 20. A questão curricular Tomemos aqui, de partida, currículo na noção corrente de proposta de ensino/aprendizagem, na qual se define, grosso modo, o que e como estudar. Na grade curricular aparecem as matérias ordenadas dentro de algum princípio didático e de certa concatenação entre elas. Cumprido esse trajeto, chega-se ao diploma e considera-se o aluno detentor de nível superior. Quanto ao professor é preciso que, no decorrer dos semestres, ministre as respectivas aulas e proceda à avaliação da aprendizagem.
  • 21. Do lado do professor temos a visão empobrecida do ministrador de aulas, ainda em grande parte pessoas que detêm apenas graduação, sem experiência comprovada no campo científico. Fruto do mero aprender, naturalmente decaem no mero ensinar. Esta caricatura se adensa mais ainda no professor biscateiro, marcado por condições negativas de toda ordem: a) em seu campo de graduação é chamado a dar qualquer matéria, como se possuísse versatilidade perfeita, não faltando casos em que é chamado a desbordar o seu campo: há administradores que ensinam economia, advogados que ensinam sociologia, educadores que ensi-nam filosofia; b) entende-se como simples repassador de conhecimento alheio, que um dia estudou e aprendeu e, em decorrência, imagina poder transmitir aos outros, de cópia em cópia; c) embora possa sempre existir a “picaretagem”, predomina a luta pela sobrevivência, que não deixa sequer tempo para pensar em qualidade formal e mérito acadêmico conquistado.
  • 22. É preciso insistir que tal postura redefine a função do professor e a função do aluno. O professor é sobretudo motivador, alguém a serviço da emancipação do aluno, nunca é a medida do que o aluno deve estudar. O aluno é a nova geração do professor, o futuro mestre, não o lacaio que precisa de cabresto. Em vez do pacote didático e curricular como medida do ensino e da aprendizagem, é preciso criar condições de criatividade, via pesquisa, para construir soluções, principalmente diante de problemas novos. A única coisa que vale a pena aprender é a criar, o que já muda a noção de aprender. O professor que apenas ensina imbeciliza o aluno. Nunca foi deveras professor.
  • 23. A questão da avaliação A avaliação pode não respeitar o ritmo de cada um em seu desenvolvimento intelectual e social, partindo para comparações externas e de cima para baixo. No oposto está a “promoção automática”, através da qual todos passam de ano, adequando-se os parâmetros de exigência ao aluno, não o contrário (Saul, 1988). Persistem polêmicas fortes sobre avaliação, e mesmo repulsa, havendo boas razões para tal atitude, sobretudo em sentido educativo, se lembrarmos que a construção da emancipação é algo de dentro para fora, cujo ritmo não pode ser predeterminado nem imposto. Exemplo disso é a comparação forçada de identidades cultu-rais, que não são superiores ou inferiores, a não ser que as sujeitemos a parâmetros externos prévios de comparação.
  • 24. A avaliação apenas formal é fuga, porque atesta que não sabemos avaliar conteúdos, mas, se bem-feita, já repre-senta cuidado providencial, que resgata a noção de pesquisa como descoberta científica. Ressalta no mínimo o lado também fundamental da competência técnica e instrumental. Aplicamos, por exemplo, a uma tese de mestrado apenas critérios formais de validação, por vezes somente rituais, deixando de lado a pergunta sobre a sua relevância política como proposta de atuação histórica. Em muitos casos, essa questão é coibida, porque taxada de anticientífica, em nome da neutralidade. Não há, porém, neutralidade mais engajada que essa, o que recoloca a importância da avaliação no pleno sentido da pesquisa como princípio científico e educativo.
  • 25. A pesquisa como princípio educativo Nesta parte buscamos questionar o espaço educativo da pesquisa, que vamos restringir ao ambiente da escola e da atuação do professor de educação básica. Essa restrição é apenas útil para concretizar melhor a discussão, mas não insinuamos que a pesquisa como princípio educativo se esgote nesse horizonte. Por outra parte, também na escola deve emergir o desafio da ciência, até porque, em nome da pesquisa, todo “professor” deve ser cientista. Esta colocação basta para revelar a distância entre o exercício do magistério básico e o ambiente de produção científica. Um professor de 1º grau teria o maior constrangimento em ver-se colocado como cientista ou pesquisador, porque foi domesticado na universidade a aprender imitativamente e a atuar na escola como mero instrutor.
  • 26. Educação, pesquisa e emancipação Emancipação é o processo histórico de conquista e exercício da qualidade de ator consciente e produtivo. Trata- se da formação do sujeito capaz de se definir e de ocupar espaço próprio, recusando ser reduzido a objeto (Demo, 1988b e 1988c). É fenômeno teórico e prático ao mesmo tempo.
  • 27. A escola — que não faz milagres — pode fungir papel estratégico como instrumento público de equalização de opor- tunidades, à medida que se torna espaço privilegiado popu- lar, universalizante no 1º grau, para concepção e exercício da cidadania. Este tipo de educação é das poucas ofertas pú- blicas capazes de atingir o universo social na respectiva idade e nisso guarda potencialidade central. Essa chance, para ser mais congruente em termos de direitos sociais, deveria ser universalizada a partir da pré-escola (0 a 6 anos de idade), no contexto de uma política social da infância, preventiva, emancipatória, redistributiva e equalizadora (Demo, 1989b).
  • 28. Limitações do apenas ensinar No “ensinar” cabe menos o desafio da emancipação com base em pesquisa do que a imposição domesticadora que leva a reproduzir discípulos. Os “professores” se dizem “en­ sinadores”, porque na universidade foram obrigados a ape- nas aprender. De modo geral, um “professor” de educação básica não sabe elaborar com mão própria, muito menos “dar conta de um tema” com desenvoltura. Além de dispor de acanhada qualidade formal, decai logo na desatualização, a par dos desestímulos que o cercam, sobretudo condições profissionais adversas (Mello, 1986; Novaes, 1987).
  • 29. Na luta pela valorização do profissional deve entrar com ênfase o compromisso com a pesquisa, no quadro da coerên- cia emancipatória, que é sempre o núcleo mais digno da educação. O “professor” (com aspas), para tomar-se PROFES- SOR (sem aspas e com maiúsculas), carece de investir-se da atitude do pesquisador e, para tanto, perseguir estratégias adequadas. Sobretudo, deve fazer parte da sua condição profissional sem mais, para desfazer o fardo do reles “ensinador”. Na concepção de Paulo Freire, é fundamental a distinção entre alfabetizar como reprodução da escrita e da leitura, e alfabetizar como ler criticamente a realidade. A “aula” apenas conduz à reprodução, chegando ao extremo de coibir a criação, quando o instrutor descarta o questionamento por parte do aluno. O professor de verdade motiva o aluno a dominar a escrita e a leitura como instrumentação formal e política do processo de formação do sujeito social emancipado.
  • 30. Limitações do apenas aprender A escola continua curral formal, onde o gado é tratado. Aluno, como discípulo, é gado. Numa analogia forte, é como penico, que tudo aceita sem reclamar, e acha que não passa disso. O conluio perfeito dessa imbecilização está na coin- cidência entre aula, prova e cola. São a mesma coisa. Tudo é cópia. O “professor” que vive de aula e prova, pratica e impõe a cópia dos outros. O aluno, coagido, responde na mesma moeda: decora e cola. Nada é mais bem decorado do que cola.
  • 31. O intuito não é nem acabar simplesmente com a prova, nem elogiar a cola. Cabe a prova, em seu devido lugar, para aferir conjunturalmente aprendizagens, além de ser expediente por vezes inevitável por excesso de alunos ou por exigências formais. Entretanto, prova somente avalia a aprendizagem; não combina com a pesquisa. Onde cabe a aprendizagem, cabe a prova.
  • 32. Decorar, apenas, é fatal, porque destrói o desafio essencial de criar soluções. Para quem só decora (cola), na prova — se der “um branco” — o único recurso é colar. Não se sabe deduzir, induzir, inferir, estabelecer relações, reconstruir contextos. Resta copiar. A cópia perfeita é a cola, como xerox. Tal condição reduz o aluno ao “mero aprender”, obstruindo passos da criatividade própria, que pedem alternativas tais como:
  • 33. a) a meta é o novo mestre, que aprende a aprender; sua marca é saber criar soluções, construir alternativas no diálogo produtivo com a realidade; b) essencial é motivar a elaboração própria, dentro dos respectivos contextos, ou seja, de modo aproximativo, crescente, atrativo, passando pela pesquisa como método essencial; c) é mister fomentar o trabalho fora do ambiente da aula, em contato com biblioteca, material escrito em geral, na discussão conjunta e participativa, que permita o desafio de encontrar e produzir soluções, pelo menos de sínteses pessoais; d) é relevante a insistência na aplicabilidade dos conhecimentos, por onde entra um primeiro raio de prática, buscando exercícios que evidenciem isso; é precisar cotidianizar o saber, para evitar que a escola, de tão formal, se segregue da realidade diária; e) é fundamental, o contato com material didático que motive o espírito questionador em geral e o diálogo persistente com a realidade, ao contrário de meros “manuais”, “apostilas”, receitas empobrecidas feitas para empobrecer.
  • 34. O boletim sempre revela “notas” também referidas a comportamento, por vezes cultivando moralismos baratos, envoltos em disciplinas quadradas. A imagem mais viva disso é a “moral e cívica”, vendida como estratégia de domesti- cação ideológica da juventude. Se admitimos que educação é política, no seu âmago, sempre se defronta com questões de moral e cívica. Assim, não se trata de denegrir ou su- primir., mas de resgatar a sua função emancipatória. A escola do “bom menino” não está longe do “bom prisioneiro”, que prefere ou foi obrigado ao conformismo, desistindo da luta por espaço próprio.
  • 35. A influência da escola sobre a criança é cada vez mais “formal” e, neste sentido, vazia, pela artificialidade da sua organização distanciada da sociedade diária ou pela concorrência avassaladora com os meios de comunicação. Por exemplo, moral e cívica na prática são os desenhos animados importados, exibidos nos programas infantis na televisão. O que o professor faz na escola, neste sentido, pode ser irrelevante ou inócuo.
  • 36. Prática de pesquisa & educação Referimos aqui experiência inicial do Instituto Superior de Educação do Pará (ISEP), inaugurado a 5 de março de 1990, em Belém, sob iniciativa da secretária de Educação do Estado, prof-. Therezinha Gueiros, no contexto da “filosofia” deste livro. Durante o ano de 1989, um grupo de trabalho, coordenado pela prof3 Ivone Tupiassu, construiu a proposta de uma faculdade alternativa para profissionais do pré-escolar até a 4- série do le grau, em habilitação única, tendo como parâmetro de funcionamento, além da proposta constitucional de formação integral e integrada do desenvolvimento da criança (0 a 10 anos), a didática da pesquisa e da prática:
  • 37. a) união indissolúvel de teoria & prática, de ensino & pesquisa, e insistência na extensão intrínseca; b) elaboração própria como critério de avaliação no professor, que será orientador, e no aluno, que será novo mestre; c) união de saber & mudar, no contexto da qualidade formal e política, sem aula e sem prova. Nessa referência, acentuaremos a construção da prática, como tentativa primeira de oferecer a 100 alunos — obtidos dentre 1 400 candidatos — a chance de aprender a aprender.
  • 38. Construindo a prática É difícil embutir no currículo a prática, a começar pelos vícios históricos dos “estágios” e da “extensão”. Os estágios são concessões à prática, com presença curricular residual, mal organizados, sem acompanhamento de qualidade por parte do curso e por parte dos responsáveis no local do estágio. Na maioria dos casos mantém-se como exigência formal, resvalando para a exploração de mão-de-obra especializada barata. Órgãos públicos há que entregam aos estagiários as atividades de campo, liberando os técnicos que permanecem teorizando.
  • 39. Não se trata de buscar limites estritos em meio a realidade tão fluida e escorregadia, como são os posicionamentos políticos. A coerência, entretanto, deve ser estringente, para não deixar dúvidas, nem na teoria, nem na prática, evitando o truque comum do intelectual esperto que sabe embrulhar num pacote brilhante e crítico uma postura retrógrada. Há reformadores que apenas maquiam o sistema; não empurram a história para a frente e, neste sentido, seriam melhor alcunhados de conservadores. Há conservadores que insistem de modo efetivo em liberdades humanas — há liberalismos que fazem isso — que melhor seria classificá-los como reformistas. E há transformadores que não transformam nada, usando o discurso radical apenas para tergiversar.
  • 40. Pinceladas de um currículo . O trajeto curricular de 8 semestres começa por um ano dedicado à fundam entação teórica e metodológica, como instrumentação imediata da elaboração própria. O aluno precisa apropriar-se de condições para se confrontar com as várias concepções de educação e de ciência, a par do domínio da língua portuguesa e sua didática, completando-se com didática e prática. Esta é definida como inicial, delimitada no esforço organizado de conhecimento in loco do sistema de ensino e como confronto com práticas relevantes.
  • 41. A iniciativa do aluno é o maior patrimônio didático, sem o que de pouco adiantaria a competência do professor. Tal iniciativa não deve voltar-se apenas a estudar, mas igualmente ao questionamento social da ciência e da sociedade, de onde surge o manancial sempre decantado das lideranças novas de origem universitária. Para além do que a lei já prevê, a prática discente pode corresponder a essa expectativa histórica de cultivo de lideranças alternativas. A iniciativa pode descambar por caminhos de unilateralização às expensas da qualidade formal, quando se toma participação política como partidarização, desrespeito ao mérito acadêmico, “democratismo” que substitui competência por aclamação, truque preocupado com “jeitinhos” para chegar ao diploma com o menor esforço possível. Não cabe ao aluno decidir o currículo, embora deva discuti-lo pertinazmente. Cabe ao aluno avaliar o professor, bem como o próprio curso, sem desvirtuar o espírito da proposta, no sentido de aprofundar a oportunidade da pesquisa, da elaboração própria, da prática emancipatória.
  • 42. Faz parte da “rotina” o tempo integral, para professor e aluno. Em região pobre, esta exigência é, ao mesmo tempo, compreensível e problemática. Do ponto de vista da criança a ser atendida, é direito dela o melhor profissional possível. Mas poucos podem estudar o dia todo. Nesse contexto, é mister reconhecer que tal proposta não pode ser exclusiva, embora deva ter chance de existir, como fermento da melhor qualidade viável. Cabe ao Estado comparecer com apoios operacionais aos alunos pobres, tendo em vista que a pobreza da população não é gerada pelo instituto, nem pode ser critério acadêmico.
  • 43. Espera-se um “profissional recriado”, muito diferente dos vigentes, capaz de construir um projeto próprio educativo e assistencial, ao mesmo tempo competente cientificamen- te e participativo politicamente. Agentes lídimos de mudança, com base no saber e na cidadania. Como contrapeso às exi- gências extremas de trabalho produtivo integral, o ISEP assumiu compromisso de atuar, sem isolamento, com os “recursos humanos” locais, tais quais são, evitando-se de- pendências. Por isso o conceito de pesquisa se ajusta a tal expectativa, começando no pré-escolar, como princípio científico e educativo.