1. Ciência & Ensino, vol. 1, número especial, novembro de 2007
DEBATE
EDUCAÇÃO CTSA: OBSTÁCULOS E
POSSIBILIDADES PARA SUA IMPLEMENTAÇÃO
NO CONTEXTO ESCOLAR
Elio Carlos Ricardo
Introdução com a vida diária.
Na esteira dessas preocupações
A sociedade se encontra, bem ou
surgem pesquisas e trabalhos que podem
mal, cada vez mais dependente dos
se enquadrar no que se chama usualmente
avanços científicos e tecnológicos e, se por
de Educação CTSA (Ciência, Tecnologia,
um lado, a ciência e as máquinas estão à
Sociedade e Ambiente). No entanto, há
disposição para os mais variados fins, por
ainda um caminho a ser percorrido na
outro, criam-se novas demandas de
esfera do aprofundamento didático para
energia e matéria prima, e também o
que tais propostas estejam presentes na
homem adquire novos hábitos de vida
sala de aula em condições normais de
diária.
prática educacional e não em períodos de
O mundo moderno é cada vez mais
exceção, quando ocorrem.
artificial, no sentido de intervenção
O presente trabalho busca explorar
humana, e há uma crescente necessidade
algumas dessas questões que se
por conhecimentos científicos e
constituem em verdadeiros obstáculos
tecnológicos para a tomada de decisões
para a implementação da Educação CTSA
comuns, individuais ou coletivas, ainda
no contexto escolar e pretende, com isso,
que nem sempre essa influência seja
encaminhar algumas alternativas para
percebida claramente por todos. Os
diminuir as dificuldades e a distância
jovens, em particular, interagem
entre as propostas e a prática. O ponto de
constantemente com novos hábitos de
partida é a compreensão do movimento
consumo que são reflexos diretos da
CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) em
tecnologia atual. Paradoxalmente, não
sua dimensão sociológica e os
recebem na escola uma formação para a
conseqüentes riscos da sua transposição
ciência e a tecnologia que vá além da
para a educação formal. Isso implica, entre
informação e de relações meramente
outras coisas, uma nova ênfase curricular
ilustrativas ou motivacionais entre esses
e a escolha de saberes que serão
campos de saberes. Mesmo quando há
transformados em conteúdos
inovações, que buscam aproximar os
disciplinares. Outros temas em questão
alunos do funcionamento das coisas e das
são os distintos status atribuídos a cada
questões tecnológicas, ainda ficam
pólo que a sigla designa (Ciência,
ausentes outras dimensões do mundo
Tecnologia, Sociedade e Ambiente),
artificial e da compreensão da sua relação
apontados como obstáculo metodológico,
2. Ciência & Ensino, vol. 1, número especial, novembro de 2007
bem como a pertinência de ampliar as decisões ficariam nas mãos de (supostos)
entidades conceituais sem necessidade. técnicos, os quais atuariam
Finalmente, sugere-se que a ciência e a (supostamente) de forma “neutra” e
tecnologia sejam assumidas como “apolítica”, já que se apóiam unicamente
referências dos saberes escolares e a em aspectos científicos e técnicos,
sociedade e o ambiente sejam tratados excluindo as negociações relativas às
como o cenário de aprendizagem, do qual decisões tomadas e que têm efeitos sobre a
os problemas e questões sociais sociedade. A segunda corrente pretende
significativas surgiriam como temas a mostrar o oposto, ou seja, não é certo que
serem investigados com o suporte dos a ciência e a tecnologia seriam suficientes
saberes científicos e tecnológicos. para decidir, embora seus saberes possam,
e talvez devam, ser considerados, mas sem
a falsa perspectiva de estarem livres de
1. O Movimento CTS
valores. Lacey (1998), por exemplo,
As origens do movimento CTS já salienta que no momento presente a
foram discutidas, com diferentes ênfases, ciência moderna serve a determinados
por Fourez (1995), Santos e Mortimer valores, mais especificamente ao
(2000) e Cruz e Zylbersztajn (2001). neoliberalismo, e não a outros, e coloca em
Entretanto, vale destacar aqui que se trata questão se tal ciência poderia servir a
de um movimento no sentido sociológico valores alternativos.
do termo, como ressalta Fourez. Ou seja, Nesse sentido, o movimento CTS se
refere-se a uma conjunção de opiniões insere em um contexto bem mais amplo
com algumas características comuns e que que a escola. Mesmo a designação
correspondem a mudanças que ocorrem Educação CTSA ainda comporta
na sociedade, que passam a questionar as elementos que transcendem a educação
relações entre as instituições que a sigla formal, isto é, aquela que se dá em uma
designa. Assim, podem-se distinguir relação didática, em um espaço e um
inicialmente duas correntes de tempo definidos pela escola. Veja-se, por
pensamento: a tradição segundo a qual os exemplo, o papel da mídia na tomada de
saberes da ciência e da tecnologia levam a decisões de ordem política que envolve os
humanidade a um futuro melhor; e uma mais variados temas e exerce forte
outra corrente para a qual a ciência e a influência na opinião pública. Acrescente-
tecnologia não teriam um fim em si se a isso um paradoxo: ao mesmo tempo
mesmas, mas estariam orientadas para a em que as disciplinas científicas parecem
ação a partir de uma análise da sociedade não ter uma boa aceitação entre os alunos,
em seus componentes históricos, sociais, a ciência desfruta de grande prestígio na
políticos e econômicos. sociedade, o que leva a supor que tal efeito
A primeira, conforme Fourez, não é produzido pela escola, pois esta não
configura um risco social, pois “se admite é a única fonte promotora de uma cultura
cada vez mais que sem cultura científica e científica1.
tecnológica os sistemas democráticos se As diversas formas de comunicação a
tornam cada vez mais vulneráveis à
tecnocracia” (1997, p.23). Nesse caso, as 1
Vogt e Polino (2003) apresentam dados interessantes a
esse respeito.
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respeito da ciência e da tecnologia representações do campo de chegada e,
contribuem para a construção de uma igualmente, levar a ilusões conceituais e
percepção pública da ciência e isso não operacionais. Tardif (2002) e Perrenoud
ocorre somente com os alunos, mas (2002) mostraram bastante bem a
também com os professores, uma vez que influência das representações nas práticas
todos estão suscetíveis a criar suas docentes, as quais assumem muitas vezes
representações sociais acerca do status de verdade e se transformam em
empreendimento científico e tecnológico. obstáculos a mudanças.
Tais representações interferem nas Assumindo-se como princípio que
escolhas didáticas e a relevância social da uma Educação CTSA implica uma
ciência e da tecnologia supostamente mudança de ênfase curricular e se destina
justificaria o ensino destas na escola com a outra formação, conforme será discutido
uma finalidade em si mesma, como se mais adiante, os obstáculos acima ganham
fosse óbvia e natural, o que é discutível. Os proporções ainda maiores, uma vez que se
meios não formais de divulgação e exige uma reorientação nos saberes
educação científica e tecnológica ensinados e nas práticas docentes. Em
assumem, de certo modo, um vazio relação a essas últimas, observa-se
deixado pela escola, que é o de dar acesso freqüentemente que os professores têm
aos avanços dessas áreas de saberes às certa dificuldade em abstrair suas
pessoas, uma vez que estas vivenciam em experiências e os saberes práticos
seu cotidiano2 a tomada de decisões e produzidos são discursivos e refletem
debates atuais que envolvem aspectos “muito mais consciência no trabalho do
científicos e tecnológicos. Poder-se-ia que consciência sobre o trabalho” (Tardif,
dizer que há uma demanda subjacente por 2002, p.110). Ou seja, estão impregnados
uma alfabetização científica e tecnológica3. da história de vida dos professores, com
Entretanto, as discussões características individuais e sociais, e, por
precedentes podem indicar um primeiro não apresentarem um caráter analítico,
obstáculo para a implementação da não são reflexivos. Ao mesmo tempo, tais
Educação CTSA na escola, a saber, a saberes práticos tornam-se parâmetros
transposição de objetivos e expectativas de para escolhas didáticas4, cujas ações
um movimento social para a sala de aula. acabam tendo relativa validação na
Há pelo menos dois riscos imediatos: o atividade diária, pois de certa forma o
primeiro consiste em transpor a metáfora, professor sobrevive em seu meio
os termos, ou apenas a sigla CTS ou CTSA, profissional. Podem surgir
esquecendo-se de suas origens e questionamentos por parte dos docentes,
negligenciando algumas de suas freqüentemente pessoais, em relação a
características, que podem não se suas práticas a partir da sensibilidade
operacionalizar em novos contextos. O adquirida ao longo do exercício
segundo risco é que essa transferência profissional, mas sem instrumentos de
possa ser contaminada pelas análise pertinentes não serão suficientes
2
para mudanças substanciais. Vale
Cotidiano aqui é entendido para além da proximidade
4
física. Inclui, por exemplo, os meios de comunicação. Didática, no presente trabalho, é entendida em suas
3
Metáfora utilizada aqui no sentido atribuído por dimensões epistemológicas, psicológicas e
Fourez (1997). praxiológicas.
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destacar, no entanto, que a estrutura 2. Ciência e Tecnologia
escolar atual obriga, tanto os professores
A Educação CTSA transposta para o
como os alunos, a rotinizar suas ações,
contexto escolar implica novas referências
conforme ressalta Perrenoud (1999).
de saberes e práticas. Historicamente as
Em relação aos saberes a ensinar em
disciplinas científicas do currículo escolar
uma perspectiva de Educação CTSA, as
(biologia, física, química) estariam mais
questões que se colocam não são menos
propensas a integrar os objetivos
complexas. O que ensinar? A ponte entre
formadores desse movimento. Todavia,
os saberes presentes nos programas
seus programas preservam conteúdos
escolares e os objetivos de formação
oriundos unicamente, ou
impostos por essa nova orientação
predominantemente, da ciência
curricular não é simples de fazer. Dito de
correspondente. Assim, os saberes da
outro modo: quais saberes oriundos da
física escolar provêm da ciência física e
ciência, da tecnologia, da sociedade, do
assim por diante7. É verdade que existem
ambiente seriam transpostos, e como o
iniciativas para articular mais de uma
seriam, para a sala de aula?
área, mas ainda se encontram em estágios
Os saberes ensinados passam por um
rudimentares.
processo de didatização e sofrem, por
Quando se pensa em Educação CTSA
conseguinte, transformações e são
na escola, uma via natural é integrar a
exilados de suas origens e deslocados de
tecnologia aos programas e conteúdos,
seu contexto histórico. Chevallard (1991)
uma vez que aparentemente sua
já evidenciou algumas transformações por
justificativa é facilitada. Ao ser
que passam os saberes de referência até
questionado pelos alunos a respeito do
chegarem à sala de aula, o que ele chama
porquê se aprender física, é comum se
de transposição didática5. Trata-se de uma
fazer referência ao mundo tecnológico
denúncia, no sentido de que os saberes
atual. No entanto, é permitido duvidar que
ensinados não são os mesmos daqueles
a ciência ensinada na escola tenha alguma
das instâncias produtoras dos saberes e,
relação substancial com tal mundo, para
portanto, não desfrutam das mesmas
além de ilustração ou motivação.
legitimações e justificativas
Uma nova questão aparece: na
epistemológicas e culturais . Um outro
6
Educação CTSA, a ciência, a tecnologia, a
obstáculo se impõe, o qual pode ser
sociedade e o ambiente são entendidos
expresso na forma de pergunta: quais
como instâncias produtoras de saberes, os
saberes devem/podem ser transpostos ou
quais poderiam/deveriam ser transpostos
transferidos para a sala de aula em uma
para a educação formal? Ou a ciência e a
Educação CTSA? A compreensão dos
tecnologia seriam referências dos saberes
objetos de estudo envolvidos pode indicar
escolares e a sociedade e o ambiente
caminhos.
seriam fontes de temas ou problemas
7
Chevallard (1991) já mostrou que essa relação não é de
5
A origem desse termo é atribuída a Michel Verret superposição, pois a física escolar seria um novo saber,
(Chevallard, 1991). uma variante local do texto do saber ditatizado. Críticas
6
Objeções à adequação do modelo teórico de à visão predominantemente sociológica de Yves
Chevallard para outras disciplinas escolares, além da Chevallard a esse respeito podem ser encontradas em
matemática, encontram-se em Michel Caillot (1996). Ricardo (2005).
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relacionados com aquelas? Respostas para Uma primeira hipótese para tal
tais perguntas não são tão simples como distinção é “o lugar diferente que ocupam
possam parecer e isso representa mais um a física e a química na esfera dos saberes e
obstáculo para a implementação da das práticas sociais” (Caillot, 1996, p.30).
Educação CTSA na escola. Para evidenciar A física, segundo Caillot, teria como
isso, vale ressaltar que nem mesmo o objetivo principal o ensino de uma cultura
status atribuído à ciência e à tecnologia é científica, enquanto que a química concilia
equivalente. melhor a ciência e a tecnologia. Para o
É comum atribuir à tecnologia um autor, é possível distinguir duas razões
status inferior em relação às ciências, para tais abordagens: a primeira é de
como se aquela fosse apenas uma ordem epistemológica. Ou seja, o ensino
aplicação destas. Fourez (2003), chama a da física tem como referência as práticas
atenção para esse fato ao afirmar que do físico, voltadas para a epistéme, e
reduzir a tecnologia a uma ciência coloca a pesquisa científica no centro da
aplicada é uma ideologia dominante em produção do saber físico. Desse modo, a
nossa sociedade. Ressalta ainda que as tecnologia não teria o mesmo status que a
implicações sociais, econômicas e física e não seria considerada como uma
culturais são desconsideradas na referência dos conteúdos escolares. A
construção da tecnologia quando química está mais voltada para a technê e
entendida dessa maneira. Seria como se a considera tanto a pesquisa científica como
tecnologia se seguisse automaticamente a tecnológica como fontes de produção de
depois de elaborados e compreendidos os saberes e possíveis referências dos saberes
modelos e teorias científicas. Essa a ensinar. A segunda razão é de ordem
simplificação poderia levar a um econômica. A ciência química tem uma
enfraquecimento do estudo crítico da indústria química correspondente, a qual
tecnologia, assumindo-se a utilidade e a pode influenciar a elaboração dos
aplicabilidade como boas por si mesmas. programas de formação dos químicos e
Em uma pesquisa realizada com fazer incorporar as concepções do mundo
professores de biologia, física, matemática do trabalho, com implicações no ensino da
e química do ensino médio, Ricardo et al. química. Isso não ocorre com a mesma
(2007) mostraram que há uma intensidade na formação do físico.
compreensão simplificada da tecnologia Se entre disciplinas mais próximas
como objeto de ensino, reduzindo-se ao do ponto de vista epistemológico as
mero uso de recursos audiovisuais e concepções entre a ciência e a tecnologia
instrucionais, computadores ou notícias a são distintas, é razoável supor que entre as
respeito de aplicações da ciência. Caillot demais as diferenças tendem a aumentar.
(1996), ao estudar as diferentes Nesse sentido, torna-se pertinente discutir
concepções de currículo orientado por a tecnologia sob uma perspectiva
competências, para as disciplinas de física epistemológica, a fim de proporcionar um
e química na França, aponta que há um melhor entendimento dos objetos da
tratamento distinto da tecnologia por tecnologia e da origem dos seus saberes
estas disciplinas, as quais historicamente para que estes também possam ser
são entendidas como próximas. tomados como um saber de referência.
6. Ciência & Ensino, vol. 1, número especial, novembro de 2007
Todavia, ainda que alguns filósofos planificação e da realização de
contemporâneos (Bunge, 1985; Cupani, determinado artefato, ajustes,
2004; Simon, 2004) defendam uma manutenção, testes e monitoramentos à
identidade própria para a tecnologia, não luz dos saberes científicos. Para Bunge
se pode esperar uma distinção clara das (1985) e Simon (2004), trata-se do estudo
classes de objetos da ciência e da científico do artificial, em contraste com o
tecnologia, pois existem intersecções empreendimento científico que se ocupa
difíceis de serem eliminadas e que se do estudo das coisas naturais.
tornaram mais complexas com os avanços Foi a partir do Renascimento, com a
científicos e tecnológicos. No entanto, isso ascensão das ciências exatas, que passou a
não exclui a necessidade de uma haver uma aproximação entre estas e a
epistemologia peculiar aos objetos técnica, buscando-se o domínio da
tecnológicos, uma vez que sua abordagem existência humana, o que não implica
como tema filosófico é ainda incipiente se somente o domínio da natureza, mas
comparada, por exemplo, à ciência. também do homem sobre os outros
Mesmo uma definição para a tecnologia, homens. Além disso, a vida do homem
ou uma diferença entre técnica e moderno não coincide mais com suas
tecnologia, não parece simples, conforme necessidades orgânicas. Veja-se, por
alerta Utges (1996)8. Nessa mesma exemplo, o sucesso de vendas de artefatos
direção, Cupani (2004) destaca que há supérfluos! Assim, a tecnocracia, da qual
diferentes estilos de pensamento se falou anteriormente, pode ser derivada
envolvidos nesse empreendimento da concepção de que a tecnologia é a
filosófico. Engenheiros, físicos e prática racional por excelência. Desse
humanistas, por exemplo, terão modo, a racionalidade como instrumento
representações diferentes acerca da de crítica seria mitigada ou até
tecnologia. neutralizada. Talvez, um ponto de partida
Para os propósitos deste artigo, para distinguir a ciência e a tecnologia seja
pode-se considerar que a técnica designa a intencionalidade que orienta suas
atividades artesanais que recorrem a atividades. A tecnologia está associada à
saberes vulgares e/ou pré-científicos e à utilidade e à funcionalidade, enquanto que
tecnologia caberiam as atividades as pretensões das ciências são menos
relacionadas às práticas industriais e/ou imediatas. Uma alternativa seria entender
que se servem dos saberes científicos. a ciência aplicada como uma ponte entre a
Técnica e tecnologia não precisam ser ciência básica e a tecnologia, pois os
necessariamente coisas artificiais, podem resultados da ciência aplicada, embora
ser estados ou mudanças artificiais tenham uma utilização direta na
também. Ambas concebem um artefato e tecnologia, são saberes e não artefatos.
buscam meios para produzi-lo, supondo
conhecimentos e saberes já disponíveis ou
3. Obstáculos Metodológicos
novos e têm algum valor social (Cupani,
2004). A tecnologia envolve, além da Foi dito anteriormente que a
Educação CTSA implica uma nova ênfase
8
Maiores discussões a esse respeito podem ser curricular e se refere a uma outra
encontradas em Ricardo et al. (2007).
7. Ciência & Ensino, vol. 1, número especial, novembro de 2007
formação, distinta da atual. Assim sendo, para o Ensino Médio (Brasil, 2002),
haverá necessidade de uma reorientação ganharia aqui importância fundamental,
tanto nos saberes a ensinar como nas desde que não seja reduzida ao cotidiano
estratégias metodológicas adotadas. Mas, fisicamente próximo do aluno. A
ainda terá lugar uma concepção contextualização se constrói em uma etapa
educacional que apoiará tais escolhas e posterior a um processo de
práticas. Nesse caso, o par metodologia – problematização da realidade vivida pelos
conteúdo não poderá ser pensado alunos e da elaboração de modelos e
separadamente, nem mesmo como uma teorizações apoiadas nos saberes
relação subordinada, ou seja, escolhidos os científicos e tecnológicos. Por essa razão
conteúdos, o passo seguinte seria escolher foi dito anteriormente que tais saberes
as metodologias. Pode ocorrer o contrário, devem ser considerados nas tomadas de
uma opção metodológica levaria a decisões e elaboração de hipóteses
diferentes conteúdos. A própria referentes aos problemas em estudo. Esses
metodologia pode ser entendida como um saberes são ferramentas importantes para
conteúdo, conforme se verá na seqüência. a análise e a crítica. Um exemplo pode
Quando se depara com desafios ilustrar: a lei ambiental brasileira prevê
como esses propostos pela Educação audiências públicas para a exposição de
CTSA, as questões que se mostram relatórios a respeito de impactos
imediatamente são: o que ensinar? Como ambientais quando se pretende realizar
ensinar? Quando ensinar? Para elaborar alguma obra que possa afetar o ambiente,
alguma resposta a essas questões, é como uma estrada, uma usina, uma
preciso inicialmente retomar o problema hidrelétrica. Os membros da comunidade
apontado anteriormente, a saber, a local poderão analisar e levantar questões
ciência, a tecnologia, a sociedade e o em relação a tais projetos se tiverem
ambiente teriam o mesmo status como instrumentos para tal. Não basta a
referência dos saberes escolares? Diante ideologia ambientalista romântica. O
do estado atual das pesquisas em ensino conhecimento técnico nesse caso é vital
de ciências que envolvem, de uma maneira para contrapor dados, elaborar críticas ou
ou de outra, a Educação CTSA, poder-se-ia mesmo aprovar o projeto. Todavia, isso
adotar como ponto de partida que os não consiste em cair na tecnocracia
saberes da ciência e da tecnologia seriam mencionada anteriormente. Nesse caso, os
referências dos saberes escolares e a saberes técnico-científicos servem como
sociedade e o ambiente assumiriam o ferramentas balizadoras, não como o
papel de cenário de aprendizagem, a partir veredicto absoluto. Em face disso, fica
do qual surgiriam problemas e/ou temas a claro que uma Educação CTSA não esvazia
serem investigados e no qual seriam a escola dos saberes teóricos, conceitos e
aplicados os conhecimentos científicos e modelos, nem os dilui em generalidades,
tecnológicos apreendidos, a fim de buscar ao contrário, exigir-se-á maior
uma solução, uma tomada de decisão ou profundidade dos temas escolhidos para
um juízo de valor. estudo.
A idéia de contextualização, tão As disciplinas científicas já têm um
enfatizada nos Parâmetros Curriculares conjunto extenso de conteúdos escolares
8. Ciência & Ensino, vol. 1, número especial, novembro de 2007
consolidados historicamente, ainda que acima está condicionadas aos objetivos
sua abordagem e tratamento possam ser propostos para uma Educação CTSA. Estes
questionados. A tecnologia ainda não tem é que irão definir temas, metodologias e
conteúdos definidos em nível escolar programas. Em síntese: qual formação se
básico. Quais conteúdos oriundos da pretende com a Educação CTSA? Poderia
tecnologia seriam transpostos para os ser a de preparar os jovens para o mundo
programas escolares? Aqui é conveniente do trabalho, ou para utilizarem a ciência e
destacar que não apenas conceitos e a tecnologia de modo consciente. Ou
teorias podem ser entendidos como ainda, para compreenderem os aspectos
saberes a ensinar. sociais e humanistas envolvidos na ciência
Algumas especialidades têm uma e na tecnologia. É possível também aderir
relação de aproximação entre a ciência e a a objetivos mais específicos, como o
tecnologia bem mais óbvia, como a funcionamento de artefatos, máquinas
eletrônica, as telecomunicações, a simples, dispositivos eletrônicos e de
clonagem, o melhoramento genético de comunicação.
sementes, a agroindústria e assim por Ainda não parecem estar
diante. Uma alternativa seria buscar nas suficientemente discutidos e analisados os
engenharias os saberes de referência. No objetivos de uma Educação CTSA e
entanto, conforme destaca Utges (1996), a tampouco são fáceis de serem
tecnologia integra um saber fazer estabelecidos e alcançados. Martinand
(conhecimento sistematizado), os modos (2003) e Lebeaume (1996), com ênfases
de fazer (processos) e as coisas feitas diferentes, fizeram uma retrospectiva
(produtos) e visa a solucionar problemas, histórica e uma análise do ensino da
a fim de transformar o ambiente natural e tecnologia no programa escolar francês e
sócio-cultural. Um ponto forte da identificaram uma grande variedade de
tecnologia nessa integração é seu temas: análise técnica e gráfica,
referencial metodológico, tanto na análise fundamentos técnicos de medidas, ensino
do objeto tecnológico como na elaboração experimental, trabalhos manuais, projetos
do projeto tecnológico. Este último em para a ação, desenho técnico e outros
seus aspectos técnicos, metodológicos e mais. Além disso, Martinand (2003)
organizacionais. Para Utges, a tecnologia destaca que as finalidades dessa disciplina
envolve o “uso racional, organizado, no programa também sofreram variações,
planejado e criativo de recursos materiais” como apoiar orientações e escolhas
(Idem, p.111). Nessa mesma direção, Cajas profissionais, aproximar os alunos do
(2001) ressalta que projetos dessa mundo tecnológico, apropriação de
natureza buscam equilibrar restrições, técnicas de informação (aqui não se trata
avaliar vantagens e desvantagens, prever de informática apenas) ou ainda uma
falhas, mediar confiabilidade e segurança pedagogia de ação.
com custos e eficácia. Enfim, há uma gama A falta de objetivos claros para a
de saberes e habilidades oriundos da Educação CTSA pode levar a distorções
tecnologia que poderiam compor os entre o que se espera e o que, de fato,
programas escolares. ocorre em inovações curriculares. Cajas
A maior parte das escolhas sugeridas (2001), ao discutir a opção metodológica
9. Ciência & Ensino, vol. 1, número especial, novembro de 2007
dos projetos em uma educação científica e
tecnológica, alerta que “depois que os
estudantes desenvolvem seus projetos
sociais, não está claro que ciência
aprendem e, menos, qual é o
conhecimento tecnológico que resulta
desses projetos” (p.249). Esse mesmo
alerta caberia para a adesão a efeitos de
moda no campo educacional sem o devido
Figura 01
aprofundamento, como
interdisciplinaridade, contextualização, Nesse esquema, os conteúdos
cotidiano, os quais podem conduzir a escolares e os livros didáticos
distorções conceituais e tão somente freqüentemente utilizados acabam
encobrir velhas práticas. Ao contrário, as servindo de obstáculos para a
novas tendências educacionais defendem aproximação do educando com o Mundo,
que no mundo moderno, ou para evocar a o Universo e a Vida, em função de sua
perspectiva histórico-social freiriana, a forma excessivamente artificial. Ou seja,
problematização da situação existencial ao terminar a situação didática na qual o
concreta teria que ser o ponto de partida assunto ou problema foi trabalhado em
para qualquer aprendizagem que tenha sala, acaba também o sentido dos saberes
sentido para os alunos e, também, o ponto envolvidos. Em alguns casos pode haver
de chegada, mas com um novo olhar, de uma tentativa de aproximação, mas não
posse de novos conhecimentos, a fim de vai muito além de ilustrações ou
possibilitar a análise crítica e a mudança, motivações, por isso que a representação
se necessário. acima não é concêntrica. Os livros
As orientações complementares aos didáticos, associados aos pára-didáticos, já
Parâmetros Curriculares, os PCN+ (Brasil, vão um pouco mais além, mas seu uso na
2002), expressam bem a ampliação dos escola ainda é tímido. A Educação CTS ou
objetivos educacionais para além do CTSA e a ACT (Alfabetização Científica e
acúmulo de informações disciplinares Tecnológica) estariam bem mais próximas
estritas na forma de três grandes das três grandes competências e, por
competências: representação e conseguinte, da realidade vivida pelos
comunicação, investigação e compreensão, educandos, professores e escola. Poder-se-
contextualização sócio-cultural (Idem). ia dizer que se inverte o sentido de
Nesse sentido, Ricardo (2005) sintetiza construção do programa escolar em uma
em um esquema (Figura 01)9 a busca pela perspectiva de Educação CTSA, pois
diminuição da distância que há entre o parece que partir do centro do esquema
mundo abstrato das disciplinas científicas acima e chegar ao seu exterior é um
ensinadas na escola e as experiências caminho difícil, uma vez que a forma
cotidianas dos alunos: didatizada dos saberes escolares não
comporta situações muito além das ideais.
O que se pretende é uma via de mão
9 dupla: do exterior é que deveriam surgir
Ricardo, 2005, p.221.
10. Ciência & Ensino, vol. 1, número especial, novembro de 2007
os temas, problemas, interesses e projetos. uma justificativa estratégica, pois
Estes iriam buscar nos saberes conforme foi tratado anteriormente,
disciplinares (técnico-científicos) possíveis ocupam distintos status na perspectiva de
respostas, modelos, esquemas, para voltar uma Educação CTSA e entre os
ao exterior já com novos recursos professores10. Todavia, se a relação entre a
cognitivos, a fim de orientar melhor a ciência e a tecnologia for compreendida
análise e a compreensão. Nesse sentido, os segundo as discussões acima, talvez fosse
alunos terão que saber mais e melhor suficiente uma Educação em Ciência e
acerca da ciência e da tecnologia para Tecnologia. De outro modo, haveria uma
tomar decisões e emitir juízo de valor ampliação das entidades conceituais sem
ultrapassando as limitações do senso necessidade, o que pode se transformar
comum. em obstáculo para sua compreensão e
implementação. Poderiam ocorrer desvios
de propósitos do tipo: para chamar a
Considerações Finais
atenção dos aspectos éticos da ciência e da
As discussões precedentes sugerem a tecnologia será proposta uma Educação
necessidade de considerar as tecnologias CTSAE, e assim por diante.
como referências dos saberes escolares O mesmo ocorre com as metáforas
não apenas como o estudo das máquinas da alfabetização científica e tecnológica e
ou equipamentos, mas para compreender do letramento científico e tecnológico. No
o mundo artificial e sua relação com o campo da lingüística há diferenças entre
mundo natural. Isso possibilitaria alfabetização e letramento, mas como
desenvolver nos alunos uma atitude crítica metáfora é possível que o novo termo não
diante da tecnologia moderna e resulte em uma compreensão mais
reconhecer sua estreita articulação com os profunda. Além disso, Paulo Freire
aspectos econômicos, sociais, políticos e ofereceu uma boa compreensão para a
culturais, além do seu potencial alfabetização e que poderia ser estendida
modificador da realidade e de dar para a educação formal11. Os termos em si
respostas a problemas concretos. não carregam as soluções. Ao contrário,
Com a Revolução Industrial, a sua ampliação desnecessária pode
técnica, ou mais propriamente a encobrir deficiências teórico-
tecnologia, assume importância metodológicas.
fundamental e se consolida na Finalmente, cabe encontrar um lugar
modernidade estabelecendo uma nova para a tecnologia, ou a Educação CTSA na
dimensão para o homo sapiens: a de homo escola, pois estas ainda não têm espaços
faber. Isso tem implicações definidos. Na estrutura escolar atual,
antropológicas, uma vez que associa a talvez não seja apropriado criar uma nova
tecnologia a aspectos éticos, sociais e disciplina, mas incorporar os elementos da
políticos. Desse modo, caberia uma última Educação CTS ou CTSA nas disciplinas já
pergunta: é pertinente a sigla CTSA, ou existentes, desde que se assumissem novos
bastaria CT (ciência e tecnologia)? Se o encaminhamentos didáticos. Um bom
objetivo é chamar a atenção para as 10
Ricardo et al. (2007).
instituições que a sigla designa, então há 11
Ver, por exemplo, as discussões feitas por Delizoicov
(2001).
11. Ciência & Ensino, vol. 1, número especial, novembro de 2007
ambiente para tais inovações seria a Parte CUPANI, Alberto. A tecnología como
problema filosófico: três enfoques. Scientiae
Diversificada do Currículo, a qual ainda
Studia. São Paulo, v.2, n.4, p.493-518, 2004.
parece mal entendida ou aproveitada nas
DELIZOICOV, Demetrio. Problemas e
escolas, com disciplinas criadas a partir da
Problematizações. In: PIETROCOLA,
disponibilidade dos professores e não da Maurício (org.). Ensino de Física: conteúdo,
necessidade dos alunos. metodologia e epistemologia numa concepção
O principal objetivo do presente integradora. Florianópolis: Ed. da UFSC,
2001.
trabalho foi encaminhar alguns
questionamentos em relação às FOUREZ, Gerard. El Movimiento Ciencia,
Tecnología e Sociedad (CTS) y la Enseñanza
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movimento CTS, ou CTSA, e, assim, FOUREZ, Gerard. Alfabetización Científica y
interrogar a escola e, mais precisamente, a Tecnológica: acerca de las finalidades de la
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Gómez de Sarría. Buenos Aires: Ediciones
das questões aqui exploradas e as
Colihue, 1997.
dificuldades para encontrar respostas não
FOUREZ, Gerard. Crise no Ensino de
deveriam intimidar a busca de
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