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ÉTICA E POLÍTICA EM 
MAQUIAVEL
 Diz-se que a partir de Maquiavel a política desvinculou-se da ética. Tal 
afirmação costuma ser fundamentada com os trechos de “O príncipe” em 
que o autor afirma que sua obra não tem compromisso com as coisas como 
elas deveriam ser, mas sim como elas são de fato. 
 Maquiavel não separa a política da ética, apenas mostra que a política 
sempre esteve separada de fato da ética cristã. Ele mesmo diz que trata a 
política como ela é, logo, debruça-se sobre uma realidade que se lhe 
apresenta pronta, não que é criada por ele. 
 Maquiavel percebe que a ética do príncipe nas relações de Estado não é e 
nem poderia ser igual a ética cristã que o indivíduo utiliza para dirigir a si 
mesmo singularmente.
 Para o indivíduo a ética cristã funciona validamente, haja vista que está 
inserido em um sistema de regras que privilegia as condutas positivas e 
desestimula as negativas. O príncipe, contudo, está acima desse sistema, de 
modo que suas ações não serão premiadas ou castigadas segundo regras 
instituídas previamente, mas terão como juízes supremos apenas os 
resultados que delas seguem, de modo que a ética do príncipe deve se 
guiar segundo a persecução desses resultados, que, resumidamente, são a 
tomada e a manutenção segura do poder. 
 A ética não é uma só: há uma ética entre os cristãos; os muçulmanos 
também possuem a sua própria ética; há também uma ética particular entre 
os detentos das penitenciárias; há códigos de éticas específicos para 
determinados grupos profissionais (médicos, advogados, magistrados, etc) 
e assim por diante. 
 Maquiavel, já no início do século XVI, teve a clareza de perceber que a 
ética não é uma só, que a ética dos príncipes era uma que funcionava 
especificamente para aquele grupo de homens, e que seguir uma outra 
ética em detrimento dela, conforme comprovava a história, era garantia de 
desastre para a tomada e a manutenção do poder.
 Assim, vê-se um Maquiavel que não é anti-ético, mas que, em detrimento 
da ética cristã, recomenda a ética que reputa condizente com a condição de 
governante. 
 A política, quando tratada por Maquiavel, resume-se ao conjunto de ações 
que têm como objetivo fundamental a tomada e a manutenção do poder. 
 É crucial destacar, no entanto, que a manutenção e tomada do poder 
perseguidas com ações desvinculadas da ética cristã não são um fim em si 
mesmo e nem um fim alheio ao bem comum dos súditos. O próprio 
Maquiavel esclarece o porquê de o príncipe colocar a tomada e 
manutenção do poder no topo das suas prioridades, ainda que isso aparente 
ser a prática eventual de uma mal isolado. 
 Apesar de o príncipe ter um conjunto de critérios a guiar suas ações, 
caberia a ele saber utilizá-los, ou não, segundo as circunstâncias de cada 
caso concreto.
 CONCLUSÃO 
 Maquiavel faz uma releitura de Aristóteles, pois segundo este, para se 
chegar ao BEM final, deve-se fazer SEMPRE o BEM; já o primeiro, 
afirma que se para chegar ao BEM for necessário fazer o MAL ele pode, 
contanto que ele chegue na felicidade, no BEM final. 
 “Só pode ser feliz um Estado edificado sobre a honestidade.” – Aristóteles 
 “A felicidade consiste em ações perfeitamente conformes à virtude, e 
entendemos por virtude não a virtude relativa, mas a virtude absoluta. 
Entendemos por virtude relativa a que diz respeito às coisas necessárias e 
por virtude absoluta a que tem por finalidade a beleza e a honestidade.” - 
Aristóteles. 
 “E um homem que desejar fazer profissão de bondade, mui natural é que 
se arruíne entre tantos outros que são perversos. Desse modo, é preciso a 
um príncipe, para se conservar, que aprenda a ser mau e que se utilize ou 
deixe de se utilizar disso conforme a necessidade.” –Maquiavel.

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  • 1. ÉTICA E POLÍTICA EM MAQUIAVEL
  • 2.  Diz-se que a partir de Maquiavel a política desvinculou-se da ética. Tal afirmação costuma ser fundamentada com os trechos de “O príncipe” em que o autor afirma que sua obra não tem compromisso com as coisas como elas deveriam ser, mas sim como elas são de fato.  Maquiavel não separa a política da ética, apenas mostra que a política sempre esteve separada de fato da ética cristã. Ele mesmo diz que trata a política como ela é, logo, debruça-se sobre uma realidade que se lhe apresenta pronta, não que é criada por ele.  Maquiavel percebe que a ética do príncipe nas relações de Estado não é e nem poderia ser igual a ética cristã que o indivíduo utiliza para dirigir a si mesmo singularmente.
  • 3.  Para o indivíduo a ética cristã funciona validamente, haja vista que está inserido em um sistema de regras que privilegia as condutas positivas e desestimula as negativas. O príncipe, contudo, está acima desse sistema, de modo que suas ações não serão premiadas ou castigadas segundo regras instituídas previamente, mas terão como juízes supremos apenas os resultados que delas seguem, de modo que a ética do príncipe deve se guiar segundo a persecução desses resultados, que, resumidamente, são a tomada e a manutenção segura do poder.  A ética não é uma só: há uma ética entre os cristãos; os muçulmanos também possuem a sua própria ética; há também uma ética particular entre os detentos das penitenciárias; há códigos de éticas específicos para determinados grupos profissionais (médicos, advogados, magistrados, etc) e assim por diante.  Maquiavel, já no início do século XVI, teve a clareza de perceber que a ética não é uma só, que a ética dos príncipes era uma que funcionava especificamente para aquele grupo de homens, e que seguir uma outra ética em detrimento dela, conforme comprovava a história, era garantia de desastre para a tomada e a manutenção do poder.
  • 4.  Assim, vê-se um Maquiavel que não é anti-ético, mas que, em detrimento da ética cristã, recomenda a ética que reputa condizente com a condição de governante.  A política, quando tratada por Maquiavel, resume-se ao conjunto de ações que têm como objetivo fundamental a tomada e a manutenção do poder.  É crucial destacar, no entanto, que a manutenção e tomada do poder perseguidas com ações desvinculadas da ética cristã não são um fim em si mesmo e nem um fim alheio ao bem comum dos súditos. O próprio Maquiavel esclarece o porquê de o príncipe colocar a tomada e manutenção do poder no topo das suas prioridades, ainda que isso aparente ser a prática eventual de uma mal isolado.  Apesar de o príncipe ter um conjunto de critérios a guiar suas ações, caberia a ele saber utilizá-los, ou não, segundo as circunstâncias de cada caso concreto.
  • 5.  CONCLUSÃO  Maquiavel faz uma releitura de Aristóteles, pois segundo este, para se chegar ao BEM final, deve-se fazer SEMPRE o BEM; já o primeiro, afirma que se para chegar ao BEM for necessário fazer o MAL ele pode, contanto que ele chegue na felicidade, no BEM final.  “Só pode ser feliz um Estado edificado sobre a honestidade.” – Aristóteles  “A felicidade consiste em ações perfeitamente conformes à virtude, e entendemos por virtude não a virtude relativa, mas a virtude absoluta. Entendemos por virtude relativa a que diz respeito às coisas necessárias e por virtude absoluta a que tem por finalidade a beleza e a honestidade.” - Aristóteles.  “E um homem que desejar fazer profissão de bondade, mui natural é que se arruíne entre tantos outros que são perversos. Desse modo, é preciso a um príncipe, para se conservar, que aprenda a ser mau e que se utilize ou deixe de se utilizar disso conforme a necessidade.” –Maquiavel.