1. A morte e a morte de Quincas Berro D´Água – Jorge Amado PROF. ALEX ROMERO
Literatura UFPI/2003 – Prof. Alex Romero 1
A morte e a
morte de
Quincas Berro
D´Água
Jorge Amado
I-RESUMO BIOGRÁFICO:
Jorge Amado de Faria nasceu em 1912, em
Ferradas, hoje município de Itabuna, Bahia. Filho de
comerciante sergipano que se tornou produtor de cacau, fez seus estudos em Ilhéus, Salvador e Rio. Nos fins da
década de 20, levou vida de jornalista boêmio, na capital baiana, onde participou de grupos literários e da
efêmera "Academia dos Rebeldes", uma das primeiras manifestações de oposição ao Modernismo, no nordeste.
Em 30, foi para o Rio estudar Direito. Nessa cidade, colaborou em jornais, fez parte de grupos literários e
publicou, em 1931, O País do Carnaval, o que o tornou conhecido. “Sou apenas um baiano romântico e
sensual”.
A notoriedade chegou com os dois romances seguintes: Cacau e Suor, publicados em 33 e 34. Em 1932,
aproximou-se dos grupos políticos de esquerda, apresentado por Rachel de Queiroz. Participou do movimento de
frente popular da Aliança Nacional Libertadora, conhecendo as agruras da prisão, em 36 e 37. Perseguido,
exilou-se em Buenos Aires, Argentina, de 1941 a 1943, período em que publicou a biografia de Carlos Prestes e
escreveu Terras do Sem Fim.
Em 1946, com a redemocratização, elegeu-se deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro. No
ano seguinte, perdeu o mandato, quando o partido foi considerado ilegal. Em 1947, deixou o país por alguns
anos, morando na França e em vários países socialistas da Europa. A partir de 1958, sua produção metódica tem-
lhe permitido viver exclusivamente de literatura. Em 1959, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. É,
sem dúvida, o autor mais popular da literatura brasileira; seus livros foram traduzidos para mais de 40 línguas,
sendo por isso conhecido mundialmente. É o escritor mais amado pelo público e o menos amado pela crítica.
II-OBRA:
Romance
O País do Carnaval (1931); Cacau (1933); Suor (1934); Jubiabá (1935); Mar Morto
(1936); Capitães da Areia (1937); Terras do Sem Fim (1943); São Jorge do Ilhéus (1944);
Seara Vermelha (1946); Os Subterrâneos da Liberdade (1954); Gabriela Cravo e Canela
(1958); Os Pastores da Noite (1964); "As Mortes e o Triunfo de Rosalinda" in Os Dez
Mandamentos (1965); Dona Flor e Seus Dois Maridos (1966); Tenda dos Milagres (1970);
Teresa Batista Cansada de Guerra (1972); Tieta do Agreste (1977); Farda, Fardão e
Camisola (1979); O menino Grapiúna (1982); Tocaia Grande -A Face Obscura (1984); O
Sumiço da Santa (1988); A Descoberta da América pelo Turcos (1994).
Novela
Os Velhos Marinheiros: A Morte e a Morte de Quincas Berro D'água, A Completa Verdade
Sobre as Discutidas Aventuras do Comandante Vasco Moscoso de Aragão, Capitão-de-
Longo-Curso (1961); O Compadre de Ogun (1995).
Teatro
O Amor de Castro Alves (1947) reeditado como O Amor do Soldado.
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Poesia
A Estrada do Mar (1938).
Outras
ABC de Castro Alves (1941); O Cavaleiro da Esperança (1942); O Mundo da Paz (1951); O
Gato Malhado e Andorinha Sinhá (1976); O Milagre dos Pássaros (1997).
Guia
Bahia de Todos os Santos (1945) (guia da cidade de Salvador).
A morte e a morte de Quincas Berro D'Água
1-INTRODUÇÃO:
A obra de Jorge Amado está inserida na segunda fase do Modernismo (o intitulado
“Romance da Seca”). Os autores desta geração priorizaram a problemática ruralista do Nordeste,
evidenciando os contrastes e as explorações sociais sofridas pelos sertanejos.
Jorge Amado popularizou-se em criar tipos sociais, abusando da espacialidade e exotismo da Bahia,
gerando um ambiente propício para que seus personagens possam agir livres, entregues ao universo que os
circunda. É neste universo que esta novela de Amado se desenvolve. Os becos, as ruas, os espaços habitados pela
gente pobre, humilde, feliz e excluída da velha São Salvador são dissecados aos olhos do leitor que necessita de
uma certa malícia, ironia e humor para compactuar com o escritor que lida de forma divertida, dolorida e irônica
com a morte.
Autor dos mais respeitados na literatura brasileira, desde os anos trinta, Jorge Amado tem pontificado
e feito sucesso de crítica e de público. Sua obra explora os mais diferentes aspectos da vida baiana: a posse
violenta da terra, com as conseqüências sociais terríveis, como ocorreu na colonização da zona cacaueira do Sul
da Bahia, está magistralmente imortalizada em Cacau, São Jorge de Ilhéus, Gabriela, Cravo e Canela e Terras do
Sem Fim. Os tipos folclóricos das ladeiras de Salvador estão presentes em Tenda dos Milagres, Capitães da
Areia, Mar Morto. A literatura engajada, comprometida com a ideologia política do Autor faz-se presente em Os
Subterrâneos da Liberdade, O Cavaleiro da Esperança. Os perfis de mulheres extraordinárias que comovem e
seduzem estão em Tieta do Agreste, Dona Flor e seus Dois Maridos, Gabriela e muitos outros...
Primeiro é preciso que se tenha em mente o "descompromisso" do Autor com o registro formal culto,
para se entender melhor o comentário que se faz constantemente sobre seu "estilo". Jorge Amado já se
autoproclamou "um baiano romântico e sensual". É o que a crítica costuma rotular de contador de estórias.
Não segue, intencionalmente, o rigor da técnica de construção literária e nem dá a mínima para as
normas gramaticais e ortográficas. Incorpora, com a maior naturalidade, à língua escrita, termos e expressões
típicas da língua oral e de sua Bahia idolatrada. Não espere o leitor, portanto, defrontar-se com um texto
primoroso, regular, pausterizado. Entretanto, quem se aventurar nos meandros de suas páginas, esteja preparado
para o deguste de um texto saboroso e suculento que transpira a trópico, a calor, a vida. Suas histórias são
tramadas sobre o povo simples e rude, numa língua que esse povo fala e entende.
A morte e a morte de Quincas Berro D'água é, antes de tudo, uma crítica azeda aos comportamentos
burgueses. A par disso, Jorge Amado soube colocar sua imaginação a serviço do humor e da ironia: criou, nas 12
partes da novela, um homem, Quincas, que, mesmo morto, vai ter sua noite de almirante.
2. ENREDO COMENTADO
A novela, dividida em 12 capítulos, retrata a morte do rei dos malandros Quincas Berro
Dágua e toda a magia do ambiente baiano que circunda as histórias fantásticas dos cantadores de
feira, do povo humilde que se utiliza da oralidade, da notícia que ainda se leva de boca em boca.
No primeiro capítulo, o narrador nos antecipa os mistérios e as lacunas que permaneceram sem
explicação na morte de Quincas Berro Dágua. Também ficamos sabendo que Quincas já teria outra morte, o que
aconteceu quando abandonou a família para viver de malandragem. A filha e o genro anteciparam para a
próxima geração que o avô Joaquim, homem respeitável, já havia falecido. Então, Joaquim, ao se transformar em
Quincas, teria a sua primeira morte, ao se desligar da família. Se a morte não foi física, pelo menos foi moral.
Quincas era uma vergonha para a família. Ficamos sabendo também que de fato o personagem seria um
recordista de morte, somando ao todo pelo menos três. E o narrador nos adverte: "Não sei se esse mistério da
morte ( ou das sucessivas mortes) de Quincas Berro Dágua pode ser completamente decifrado. Mas eu o tentarei,
como ele próprio aconselhava, pois o importante é tentar, mesmo o impossível."
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O capitulo II vemos o perfil de Joaquim Soares da Cunha, segundo a família: de boa família, exemplar
funcionário da Mesa de Rendas Estadual, ouvido com respeito, todo burguês, jamais visto em botequim. Este é o
Quincas que existia, quando resolveram decretá-lo morto para a sociedade. Quando a filha Vanda ou o genro
Leonardo sabiam alguma notícia de Quincas através de vizinhos ou terceiros era como se um morto se levantasse
do túmulo. Neste capítulo, também a família fica sabendo através de um santeiro que Quincas estava espichado,
morto em uma pocilga miserável. A família suspirou com alívio, poderia falar do Joaquim exemplar: bom pai,
bom esposo. Fora encontrado por uma nega vendedora de mingau. Encontrou-o com o dedão do pé direito fora
da meia rasgada e de sapato roto no chão. O santeiro espanta-se ao ver onde a família de Quincas morava e
pergunta o motivo dele se encontrar naquela miséria: se foi traição da mulher. O genro retruca que a sogra, a
Dona Otacília, era uma santa. Porém, na fotografia de Otacília, o santeiro vê um osso duro de roer. A família
começa a tomar as providências para o velório.
No capítulo III, a filha Vanda chega à pocilga, e recorda do quanto tentara trazê-lo de volta em vão. O
defunto "era um morto pouco apresentável, cadáver de vagabundo falecido ao azar, sem decência na morte, sem
respeito, rindo-se cinicamente, rindo-se dela (...) Cadáver para necrotério, para ir no rabecão da polícia servir
depois aos alunos da Faculdade de Medicina(...) Era o cadáver de Quincas Berro Dágua, cachaceiro, debochado
e jogador, sem família, sem lar, sem flores e sem rezas. Não era Joaquim Soares da Cunha, correto funcionário
da Mesa de rendas Estadual(...)", aposentado, bom esposo. Vanda indaga-se como pode um homem, aos
cinqüenta anos, abandonar tudo e começar nesta idade "a vagabundear pelas ruas, beber nos botequins baratos,
freqüentar o meretrício, viver sujo e barbado, morar em infame pocilga, dormir em um catre miserável?" Por
mais que tentasse não conseguiria compreender. Loucura de hospício não era. Assim, nem Quincas havia dado o
último suspiro, a família já o iria transformar em Joaquim Soares da Cunha.
No capítulo IV, a família vê-se às voltas com a vergonha e como evitá-la. Para isso, qual seria a melhor
forma de se livrar do defunto? Neste capítulo também tem a chegada do médico para o óbito. E o médico
conclui: "- Ele está rindo, hein! Cara de debochado. Vanda fechou os olhos, apertou as mãos, o rosto vermelho
de vergonha."
No capítulo V, a família entrega o corpo para uma funerária, tentando gastar o mínimo possível:
compram tudo novo, menos a cueca, pois é desnecessária. Em um almoço de família, comendo uma peixada,
Vanda, Leonardo, o irmão de Quincas, Eduardo, e a gordíssima tia Marocas, encontravam um solução para se
livrar do incômodo da forma mais barata, rápida e discreta possível. Decidiram velá-lo na pocilga mesmo e
diriam que ele morreu no interior. Convidariam para a missa de sétimo dia.
O capítulo VI está às voltas com as soluções práticas da família para resolver o problema. Iriam velar o
defunto só os quatro familiares, revezando-se em turnos. E lá estava Quincas na esquife, severo e nobre. "Duas
velas enormes (...) lançavam uma chama débil, pois a luz da Bahia entrava pela janela (...) Tanta luz do sol, tanta
alegre claridade, pareceram a Vanda uma desconsideração para com a morte, faziam as velas inúteis, tiravam-lhe
o brilho augusto. Vanda, velando o pai, começa a restaurar o homem bom da infância ." Neste capítulo também
somos informados como Quincas abandonou tudo: "A verdade é que Joaquim só começara a contar em suas
vidas quando, naquele dia absurdo, depois de ter tachado Leonardo de 'bestalhão', fitou a ela e a Otacília e
soltou-lhes na cara, inesperadamente: - Jararacas!
E, com a maior tranqüilidade desse mundo, como se estivesse a realizar o menor e mais banal dos atos,
foi-se embora e não voltou." Contava Quincas com cinqüenta anos, perambulou pela felicidade durante dez anos.
No silêncio fúnebre, Vanda ouvia o pai dizer jararaca, ela empalideceu. A tia chega. O defunto alegra-se com a
brisa do mar que entra e apaga as velas, sorrindo e ajeitando-se melhor no caixão.
O capítulo VII esta todos às voltas com a tristeza causada em todos os miseráveis da cidade. Passamos a
conhecer o Quincas Berro D’água e o quanto era querido. Os amigos estavam inconformados por ter morrido em
terra, um homem que se dizia velho marinheiro, mesmo sem nunca tê-lo sido. Era herança que herdara de
família, dizia. Seu corpo, por sua vontade, pertencia ao mar. Também neste capítulo somos informados do
apelido Berro D’água, agregado a Quincas. O espanhol o enganou e ofereceu-lhe água, em lugar de cachaça. Ao
perceber o engodo, Quincas deu um berro fenomenal "- Äguuuuua!", chamando a atenção de meio mundo, sendo
ouvido até no elevador Lacerda. A partir de então, transformou-se em Quincas Berro D’água. Todos sofriam a
morte de Quincas. O povo estava de luto. Começa a aparecer as bondades do velho e bom malandro Quincas
Berro D’água.
No capítulo VIII, conhecemos os quatro melhores amigos de Quincas: Curió, Negro Pastinha, Cabo
Martim e Pé-de-vento. Também estes personagens são caracterizados. O capitulo XIX faz-se pelo
enfrentamento dos amigos da malandragem, citados no capítulo anterior e a família de Quincas.
No capítulo X, continua o velório e os quatro amigos em voz baixa disputam o amor da amante de
Quincas, a Quitéria do Olho Arregalado. Agora, era turno do irmão de Quincas, o Eduardo, que iria passar a
noite, mas decide deixar o irmão com os amigos e ir descansar um pouco. Aí os amigos eram os verdadeiros
donos do defunto. Organizaram um velório decente, com cachaça, salame. Tentaram rezar, começaram a beber e
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dar bebida ao defunto que sorria e devolvia um pouco da cachaça, lambuzando o paletó. Os amigos tiraram as
roupas artificiais de Quincas e colocaram os velhos trapos e o defunto ficou deles. Levaram cada um uma peça
para si, pois defunto não precisa dessas coisas. E saíram agora com o defunto vivo para a peixada no saveiro:
"Curió e Pé-de-vento saíram na frente. Quincas, satisfeito da vida, num passo de dança, ia entre Negro Pastinha e
Cabo Martim de braço dado.
No capítulo XI, a cidade neste dia está de luto e quieta. Nem as prostitutas abriram para o ofício. Os
amigos e Quincas saíram acordando todo mundo para a peixada, pois era aniversário do Quincas. Fizeram o que
faziam todas as noites: farra, bebedeira, confusão... Até chegarem ao saveiro e saírem para a peixada no mar. Em
alto mar, Quitéria do Olho Arregalado e Quincas não comiam. Quincas olhava o céu, ouvindo Maria Clara
cantar. De repente, o anúncio de tempestade, mas não respeitaram, retardaram a volta, aproveitando mais o
momento. A tempestade chegou e ninguém sabe como Quincas pôs-se de pé e "no meio do ruído, do mar em
fúria, do saveiro em perigo, à luz dos raios, viram Quincas atirar-se e ouviram sua frase derradeira.
Penetrava o saveiro nas águas calmas do quebra-mar, mas Quincas ficara na tempestade, envolto num
lençol de ondas e espuma, por sua própria vontade.
"No capítulo XII, sabemos que o caixão encontra-se na loja de Eduardo, esperando um defunto de
segunda mão. "Quanto à frase derradeira há versões variadas." Afinal, quem poderia ouvir direito no meio de
tamanho temporal? "Segundo um trovador do Mercado, passou-se assim:
No meio da confusão ouviu-se Quincas dizer:
”Me enterro como entender
na hora que resolver.
Podem guardar seu caixão
Pra melhor ocasião.
Não vou deixar me prender
Em cova rasa no chão.'
E foi impossível saber
O resto de sua oração."
Talvez a frase derradeira possa ser a que abre a obra: "Cada qual cuide de seu enterro, impossível não
há”.(frase derradeira de Quincas Berro D’água segundo Quitéria que estava ao seu lado.)
3 - PERSONAGENS:
Quincas Berro D’água antes era o respeitável Joaquim Soares da Cunha, exemplar funcionário
público; depois de aposentar-se tornou Quincas Berro D’água, cachaceiro, debochado e jogador por
dez anos; a alcunha Berro D’água deu-se ao beber um gole de cachaça e gritar por água;
Vanda “a filha envergonhada”; religiosa;
Leonardo Barreto humilhado genro de Quincas;
Tia Marocas gordíssima; “Saco de peidos”.
Tio Eduardo irmão de Joaquim; deixa o velório e dá dinheiro aos amigos de Quincas.
Quitéria do Olho Arregalado prostituta que mantinha relações com Quincas (Berrito);
Curió, Negro Pastinha, Cabo Martim e Pé-de-Vento amigos íntimos de Quincas; beberam e fumaram
no velório; levaram Quincas para passear na velha Salvador; depois foram para o veleiro onde Quincas
em meio a uma tempestade atirou-se no mar.
4-TEMPO:
Cronológico. A narrativa se dá em 20 horas.
5-ESPAÇO:
A velha Salvador – a cidade baixa - seus bêbados, vagabundos e suas prostitutas.
6-NARRADOR:
3º pessoa – onisciente.
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III- CONSIDERAÇÕES FINAIS:
A Morte e a Morte de Quincas Berro d'Água é uma das melhores narrativas publicadas por
Jorge Amado. Veio a lume em 1958 e conquistou desde logo a admiração de quantos dela se
aproximaram. Nitidamente imbricada no Realismo Mágico, mistura sonho e realidade; loucura e
racionalidade; amor e desamor; ternura e rancor, de forma envolvente e instigante: Joaquim Soares
da Cunha foi funcionário público, pai e marido exemplar até o dia em que se aposentou do serviço público. A
partir daí, jogou tudo para o alto: família, respeitabilidade, conhecidos, amigos, tradição. Caiu na malandragem,
no alcoolismo, na jogatina. Trocou a vida familiar pela convivência com as prostitutas, os bêbados, os
marinheiros, os jogadores e pequenos meliantes e contraventores da ralé de Salvador. Sua sede era saciada com
cachaça e seu descanso era no ombro acolhedor da prostituta. Fez-se respeitado e admirado entre seus novos
companheiros de infortúnio: era o paizinho, sábio e conselheiro, sempre disposto a mais uma farra ou bebedeira.
Sua opção pela bandalha representa o grito terrível do homem dominado e cerceado por preconceitos de
toda sorte e que um dia rompe as amarras e grita por liberdade. Morreu solitariamente sobre uma enxerga
imunda e sua morte detonou todo o processo de reconhecimento/desconhecimento por parte da família real e da
família adotada. Os amigos durante o velório se embriagam e resolvem, bêbados, levar o defunto para um último
"giro" pelo baixo-mundo que habitavam. O passeio passa pelos bordéis e botecos, terminando em um saveiro,
onde há comida e mulheres. Vem uma tempestade e o corpo de Quincas cai ao mar.
Ao renunciar à família, mudar de ambiente e de costumes, Quincas morreu pela primeira vez; na
solidão de seu quartinho imundo, envolvido por farrapos e curtindo a última bebedeira, morreu pela segunda
vez; ao cair ao mar, não deixando qualquer testemunho físico de sua passagem pela vida, morreu pela terceira
vez. A narrativa poderia chamar-se A morte e a morte e a morte de Quincas Berro D'Água, acrescentando-se
uma morte ao protagonista, que ficaria bem de acordo com a progressão da trama.