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MINAS GERAIS DO SÉCULO XXI




TRANSFORMANDO O PODER PÚBLICO: A BUSCA DA EFICÁCIA

                    VOLUME IX
MINAS GERAIS DO SÉCULO XXI



          VOLUME IX




  TRANSFORMANDO O PODER
 PÚBLICO: A BUSCA DA EFICÁCIA




          Banco de
          Desenvolvimento de
          Minas Gerais




                                               1
                                Apresentação
BANCO DE DESENVOLVIMENTO DE MINAS GERAIS S.A. - BDMG



                 Conselho de Administração
              José Augusto Trópia Reis - Presidente
              Murilo Paulino Badaró - Vice-Presidente
                     Edgard Martins Maneira
                      Elvira Fonseca Garcia
                      Fábio Proença Doyle
                José Pedro Rodrigues de Oliveira




                             Diretoria
                Murilo Paulino Badaró - Presidente
            Francisco José de Oliveira - Vice-Presidente
                         José Lana Raposo
                     Ignácio Gabriel Prata Neto
                 Júlio Onofre Mendes de Oliveira




                   Coordenação do Projeto
          Tadeu Barreto Guimarães - Coordenação Geral
    Marco Antônio Rodrigues da Cunha - Coordenação Executiva
             Marilena Chaves - Coordenação Técnica




     Equipe Técnica do Departamento de Planejamento,
         Programas e Estudos Econômicos – D.PE
                 Bernardo Tavares de Almeida
                    Frederico Mário Marques
                    Gislaine Ângela do Prado
               Juliana Rodrigues de Paula Chiari
              Marco Antônio Rodrigues da Cunha
                         Marilena Chaves
             Tadeu Barreto Guimarães - Gerente
                      Apoio Administrativo
                    Cristiane de Lima Caputo
               Diully Soares Cândido Gonçalves
                    Henrique Naves Pinheiro
                    Hiram Silveira Assunção
                      Marta Maria Campos




                                                                              3
                                                               Apresentação
As idéias expostas nos textos assinados são de responsabilidade dos autores,
                                       não refletindo necessariamente a opinião do BDMG.



                         BANCO DE DESENVOLVIMENTO DE MINAS GERAIS S.A. - BDMG

                                                               Rua da Bahia, 1600, Lourdes
                                                              30160.907 Caixa Postal 1.026
                                                              Belo Horizonte - Minas Gerais
                                                                   Tel : (031) 3219.8000
                                                              http://www.bdmg.mg.gov.br
                                                            e-mail: contatos@bdmg.mg.gov.br


                                                                 Editoração de Textos
                                                            IDM / Técnica Composição e Arte



                                                                   Criação da Capa
                                                              Fernando Fiúza de Filgueiras


                                                              Projeto e Produção Gráfica
                                                              Fernando Fiúza de Filgueiras
                                                                     Otávio Bretas



                                                                  Rona Editora Ltda
                                                                Avenida Mem de Sá, 801
                                                                    Santa Efigênia
                                                            30260-270 Belo Horizonte/ MG
                                                                Telefax: (31) 3283-2123



                                                              Revisão e Normalização
                                                            Dila Bragança de Mendonça
                                                       Elzira Divina Perpétua (Coordenação)
                                                               Marlene de Paula Fraga
                                                        Raquel Beatriz Junqueira Guimarães
                                                             Vicente de Paula Assunção
                                                         Virgínia Novais da Mata Machado



                                         Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais
                                            Minas Gerais do Século XXI / Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais.
                    B213m
                    2002                 Belo Horizonte: Rona Editora, 2002.
                                            10 v. : il. -
                                            Conteúdo: v.1 - O Ponto de Partida. v. 2 - Reinterpretando o Espaço Mineiro.
                                         v. 3 - Infra-Estrutura: sustentando o desenvolvimento. v. 4 - Transformando o
                                         Desenvolvimento na Agropecuária. v. 5 - Consolidando Posições na
                                         Mineração. v. 6 - Integrando a Indústria para o Futuro. v. 7 - Desenvolvimento
                                         Sustentável: apostando no futuro. v. 8 - Investindo em Políticas Sociais. v. 9 -
                                         Transformando o Poder Público: a busca da eficácia. v. Especial – Uma Visão do Novo
                                         Desenvolvimento
                                            1. Condições econômicas – Minas Gerais. 2. Desenvolvimento econômico –
                                         Minas Gerais. I. Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais. II. BDMG. III. Título

                                                                                                        CDU: 338.92(815.1)

                                                   Catalogação na publicação: Biblioteca BDMG



4   Minas Gerais do Século XXI - Volume I - O ponto de partida
VOLUME 9




   TRANSFORMANDO O PODER PÚBLICO:
               A BUSCA DA EFICÁCIA




                                          Coordenação do Projeto
                         Tadeu Barreto Guimarães - Coordenação Geral
             Marco Antônio Rodrigues da Cunha - Coordenação Executiva
                                 Marilena Chaves - Coordenação Técnica



                              Coordenadores Técnicos do Volume
                         Bernardo Tavares de Almeida (D.PE/BDMG)

                                        Luís Aureliano Gama de Andrade
                        (Cientista político, consultor e professor da Faculdade de
                                          Ciências Humanas de Pedro Leopoldo)

                                      Marilena Chaves (D.PE/BDMG)
                              Tadeu Barreto Guimarães (D.PE/BDMG)


                                                                                      5
                                                                       Apresentação
6   Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
SUMÁRIO


     APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................................................ 9



1.   DESENVOLVIMENTO: MISSÃO DE TODOS ..................................................................................................... 13




2.   REFORMULANDO A MÁQUINA PÚBLICA ........................................................................................................ 47




3.   RESGATANDO AS FINANÇAS PÚBLICAS ............................................................................................................ 91




4.   POLÍTICAS PÚBLICAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS PARA
     A REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE (RMBH) ........................................................ 127




5.   O FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO: O PAPEL DAS
     AGÊNCIAS DE FOMENTO E O BDMG .............................................................................................................. 165



     POSFÁCIO .......................................................................................................................................................................... 215




                                                                                                                                                                                               7
                                                                                                                                                                                Apresentação
8   Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Apresentação


       Este volume do Minas Gerais do Século XXI — Transformando o Poder Público: a
busca da eficácia — tem o objetivo de indicar os novos desafios que se impõem ao Estado e os
principais instrumentos para alcançá-los. Propositadamente, este volume encerra esse amplo estudo
sobre Minas Gerais. Parte-se da premissa de que, atualmente, não é suficiente que o Poder Público
Estadual execute bem suas tarefas, mas que execute bem o que deve ser feito. Novo século, novas
Minas Gerais só virão com um Estado eficaz.
      Aqui sintetizado, o papel esperado do Estado foi sendo construído ao longo dos demais
volumes, nos quais se mostrou que a tarefa do Poder Público Estadual perpassa todos os setores
econômicos e sociais e, enfim, tem influência nos resultados dos mercados e na qualidade de vida
das pessoas.
       Registre-se desde já a principal característica deste volume: a coragem. Para mostrar os
desafios, identificar os problemas e indicar soluções nem sempre indolores.
       O volume se inicia pelo papel do Estado no novo desenvolvimento, em bases sustentadas
e sustentáveis. Apresenta, no capítulo 1, o entendimento atual sobre o desenvolvimento e,
principalmente, o papel do governo estadual nessa missão que, ressalte-se, não é só do Estado,
mas de todos os atores sociais que influenciam e são influenciados pelo desenvolvimento. O
Estado, autonomamente, não é capaz de promover o desenvolvimento, tampouco de o reconhecer
claramente. Mas é capaz e fundamental na coordenação e no incentivo aos diversos atores
envolvidos no desenvolvimento: trabalhadores, empresários, classe política e terceiro setor. Não
se apregoa, no trabalho, a participação altruísta da sociedade, mas sim, de uma sociedade
devidamente incentivada pelo Estado. O capítulo 1, Desenvolvimento: missão de todos, tem
como idéia-força a noção de que o desenvolvimento envolve muito mais do que o essencial
crescimento da economia. O objetivo do desenvolvimento é proporcionar qualidade de vida às
pessoas desta e de futuras gerações, por isso deve ser sustentável.
       Ao identificar uma crise de identidade dos estados federados, o estudo apresentado no
Capítulo 1 identifica o papel das unidades federativas, indicando quais as novas tarefas dos governos
estaduais. As políticas sociais e de desenvolvimento regionais, se é que existe tal distinção, têm
como principal articulador o Poder Público Estadual. Nas políticas sociais, destacam-se aquelas
abordadas no volume VIII do Minas Gerais do Século XXI: saúde, educação, segurança pública,
trabalho, pobreza e habitação. Nas políticas de desenvolvimento, por exemplo, indicam-se as funções
do Poder Público Estadual no incentivo às aglomerações produtivas locais, no alinhamento às
políticas nacionais de desenvolvimento e nas políticas para a Região Metropolitana de Belo
Horizonte (RMBH). Em seguida, o trabalho situa as tarefas da classe política, de empresários e
das entidades do terceiro setor no desenvolvimento.
       O capítulo 2 – Reformulando a máquina pública – parte, exatamente, da constatação do
capítulo inicial, de que o Estado, apesar de necessário, não se encontra alinhado com os novos
preceitos do desenvolvimento. Após o estabelecimento de um breve marco conceitual sobre a
administração pública e algumas experiências internacionais, o trabalho descreve as experiências de
reformulação da máquina pública do governo federal e de alguns estados federados. Mostra, em
seguida, que o ambiente econômico atual é distinto daquele observado na década de 1970, quando
a abundância de recursos afrouxava os limites e ampliava as escolhas na atuação do Estado.


                                                                                                           9
                                                                                            Apresentação
No caso de Minas Gerais, a reforma das finanças estaduais implementada no início da
     década de 1970 serve como exemplo de que Minas Gerais pôde ser pioneira na retomada do
     desenvolvimento, e que o equilíbrio das finanças públicas, embora não suficiente, é imprescindível
     ao desenvolvimento. Após sintética radiografia da máquina pública mineira, de seus principais
     componentes, são apresentadas as linhas de ação para transformar a administração pública do
     Estado. Destaca-se a proposta de gestão por programas, que dinamiza a administração pública e
     cria mecanismos de verificação de resultados e incentivos. Mas o fortalecimento do planejamento
     figura, certamente, como uma das principais propostas apresentadas. Planejamento em moldes
     diferentes do observado no passado, pois se propõe claramente a definição das prioridades ou
     metas após a identificação dos recursos existentes, atenuando-se o risco de se criar peças de
     ficção.
            O capítulo 3 – Resgatando as finanças públicas – decorre da conclusão obtida no capítulo
     anterior sobre a necessidade premente de equilibrar as finanças públicas. O capítulo mostra a
     realidade das finanças públicas em Minas Geras e aponta o problema: a previdência dos servidores
     estaduais. O trabalho tem a virtude de desmistificar algumas questões, como o impacto da dívida
     pública no déficit estadual, que, ao contrário do que pensam alguns, não é o nó górdio das finanças
     estaduais. Em outras palavras, a redução nos encargos com a dívida, embora importante, não
     representa solução definitiva.
            Outro apontamento importante do trabalho é com relação à forma de ajuste que vem sendo
     implementada. O engessamento das finanças mineiras, isto é, a impossibilidade de redução nas
     despesas e reordenamento nas receitas têm feito com que o ajuste se dê na conta de custeio. Os
     níveis atuais de gastos com custeio inviabilizam o funcionamento eficaz da máquina pública, nos
     moldes delineados no capítulo 1, em que as funções coordenadora e reguladora do Governo
     Estadual são essenciais.
            A questão previdenciária, em Minas Gerais, no Brasil e em outros estados, permanece na
     pauta como um dos principais problemas, de curto e longo prazos, enfrentados pela administração
     pública. Em Minas, como demonstrado no capítulo, se nenhuma nova medida for tomada, nos
     próximos 10 anos alcançaremos uma situação de insustentabilidade, com prejuízos à eficácia da
     máquina pública e, principalmente, com riscos para os ativos e inativos do Estado. É dever do
     Estado zelar pelo bem-estar dos que contribuíram e ainda contribuem para seu funcionamento,
     mas só um esforço conjunto, com a participação dos servidores, pode equacionar a questão.
            No capítulo 4 – Políticas Públicas do Estado de Minas Gerais para a Região Metropolitana
     de Belo Horizonte – as políticas para a RMBH são analisadas em duas dimensões: local e global. Na
     dimensão local, os principais problemas econômicos e sociais da Região Metropolitana são apontados.
     e propostas para superá-los são sugeridas. É analisada, também, a RMBH como fonte de “insumos” –
     trabalho especializado, serviços de alta tecnologia, etc. – para outras regiões do Estado.
            Do ponto de vista global, a Região Metropolitana é tratada como o portal de Minas para o
     mundo, o locus de atração do Estado, nesse mundo globalizado, de pessoas e instituições dos
     setores tradicionais e, principalmente, dos modernos e emergentes setores.
            O fomento ao desenvolvimento foi identificado como uma importante tarefa do governo
     Estadual. O capítulo 5 – O financiamento do desenvolvimento: o papel das agências de
     fomento e o BDMG – pretende delimitar a atuação do Estado, em particular do BDMG, no
     fomento econômico, indicando as necessidades de ação para a agência mineira nesse novo contexto
     de desenvolvimento. O alinhamento às políticas federais, aos fatores exógenos, e o apoio aos
     setores produtivos essenciais ao desenvolvimento sustentável devem ser os focos das políticas de
     fomento.

10   Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
O trabalho apresentado do capítulo 5 mostra que, além da indústria de transformação,
setor-chave da economia mineira, o sistema de fomento mineiro deve olhar com atenção para o
desenvolvimento tecnológico, a infra-estrutura e o meio ambiente, e as micro e pequenas empresas.
Novos mecanismos são propostos, como as parcerias público-privado e project finance na infra-
estrutura, adoção do “protocolo verde” pelo BDMG no meio ambiente e apoio às micro e pequenas
empresas nas aglomerações locais de maior potencial.
       O BDMG, ao ousar em um trabalho tão amplo sobre Minas Gerais, sobre a Minas Gerais do
Século XXI, não poderia deixar de falar de si, de forma transparente e sem caráter reivindicativo.
Propõe-se, para a agência de fomento mineira, entre outras coisas, uma medida nacionalmente
inovadora na administração pública estadual: o estabelecimento de um contrato de gestão entre o
governo estadual e o BDMG. O contrato de gestão permite que a sociedade, através do governo,
estabeleça metas para o BDMG, fornecendo-lhe os meios. Isso representa um importante mecanismo
de incentivo para o BDMG e, permite que se justifique para sociedade a existência da agência
mineira de fomento.




                                                                                                         11
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12   Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
MINAS GERAIS DO SÉCULO XXI
                      VOLUME IX




   TRANSFORMANDO O PODER
  PÚBLICO: A BUSCA DA EFICÁCIA




                     CAPÍTULO 1
     DESENVOLVIMENTO:
      MISSÃO DE TODOS


            Luís Aureliano Gama de Andrade
        (Cientista Político, Consultor e Professor da Faculdade
               de Ciências Humanas de Pedro Leopoldo)
SUMÁRIO

1.1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................................... 17



1.2. DESENVOLVIMENTO: A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO
     ECONÔMICO CONTEMPORÂNEO ....................................................................................................................... 19
       1.2.1. O pensamento sobre o desenvolvimento no Brasil ............................................................................................... 23




1.3. BRASIL: O NOVO DESENVOLVIMENTO E O NOVO ESTADO ............................................................... 28
       1.3.1. Minas Gerais e o novo desenvolvimento ............................................................................................................... 31
       1.3.2. Por uma nova dinâmica de desenvolvimento em Minas ..................................................................................... 32




1.4. OS ATORES DO DESENVOLVIMENTO ............................................................................................................... 34




1.5. CONCLUSÕES .................................................................................................................................................................... 42




1.6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................................................................... 43
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                                                                                                                     40 anos
      1.1. Introdução

       O Estado não é ente estático, invariante às circunstâncias históricas ou a mudanças na
conjuntura internacional ou nacional. No último quarto de século, o surgimento da crise fiscal
que abalou o chamado Estado de Bem-Estar, o fim da guerra fria e do conflito capitalismo vs.
socialismo e o processo de globalização foram determinantes de profundas alterações por que
vem passando a ordem econômica internacional. No centro dessas transformações encontra-se
o próprio Estado-Nação e seu papel no tocante ao desenvolvimento e ao mercado.
       Não se completou ainda o ciclo dessas mudanças e nem se logrou tampouco a decantação
histórica nos moldes do que ocorreu, por exemplo, em meados dos anos 30 do século passado,
quando, em reação à crise de 29, teve origem no bloco dos países capitalistas um novo Estado,
com tom intervencionista, ênfase no planejamento e com forte atuação social (Schonfield, 1965).
       Nos arranjos federativos, tais mudanças não se cingem ao âmbito da União. Ao contrário,
desdobram-se em todos os planos e entidades que compõem a Federação, determinando a
necessidade de ajustes e acomodações entre os entes federados. No caso brasileiro, estendem-
se, além do Governo Federal, aos estados e municípios.
       Diante desse quadro, e tendo em vista os objetivos e proposições de políticas, é crucial
delimitar com clareza a função do estado-membro na Federação brasileira e seu papel em relação
às políticas públicas associadas ao desenvolvimento econômico e social. Mais especificamente,
em relação ao governo de Minas Gerais, busca-se a resposta para a questão: qual deve ser o seu
papel na promoção do desenvolvimento econômico e social do território mineiro?
      A resposta a essa indagação exige, preliminarmente, o enfrentamento de dupla questão:
como se apresenta hoje a tarefa do desenvolvimento e que forma ou formato deve assumir o
Estado em âmbito nacional para desincumbir-se da parte que lhe toca nessa missão. Missão
que, ressalte-se, não é exclusiva do Estado, mas de todos os atores sociais envolvidos no
desenvolvimento, destacando-se empresários, trabalhadores e organizações não-governamentais.
Esses atores, se devidamente incentivados pelo Estado, podem alinhar-se à nova missão do
desenvolvimento.
       Há quem considere que, após a Constituição de 1988, e com a privatização de empresas
estaduais levada a cabo durante a década de 90, os estados passam hoje por aguda crise de
identidade, emparedados entre a União e os municípios.
      De fato, com a municipalização de diversos serviços públicos e a privatização ou extinção
de empresas estaduais de infra-estrutura e do setor financeiro, os governos estaduais perderam
importantes instrumentos de políticas públicas. Até o início dos anos 90, por exemplo, os bancos
comerciais estaduais constituíam mecanismos que, na prática, permitiam relaxamento da restrição
orçamentária dos estados, com impactos na política monetária nacional. A estabilização da
economia determinou, em alguma medida, o fim dessas instituições e, com efeito, os estados
perderam importantes fontes de recursos. Da mesma forma, a saída de alguns estados de
importantes setores de infra-estrutura determinou o fim de uma época em que as tarifas públicas
não eram alinhadas com os custos, e a oferta de serviços pretensamente respeitava questões de
universalização ou, de fato, pressões políticas, conflitantes com a busca da eficácia.


                                                                                                                    17
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A despeito das análises das vantagens e desvantagens para o bem-estar social de empresas
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40 anos




          públicas vis-à-vis a empresas privadas, o que importa é que o ambiente parece estar definido, isto é,
          não existe atualmente o espaço para o Estado empresário observado no passado, seja por uma
          opção político-ideológica, seja por restrições fiscais.
                 Nesse novo ambiente, é preciso redefinir, de fato e não de jure, o papel das unidades
          federativas, partindo do que cada ente da Federação pode e deve fazer para induzir o
          desenvolvimento econômico e social. Com base no que se pode esperar da União, dos estados e
          dos municípios no tocante ao desenvolvimento é que se deve cogitar a reformulação da máquina
          pública estadual, com o estabelecimento do arcabouço institucional e das medidas gerenciais que
          a alinhem com a divisão de trabalho nos demais entes da Federação. A manutenção do aparato
          público estadual não articulado com os novos desafios do Estado representa um entrave ao
          desenvolvimento.
                 Na seção seguinte, busca-se delinear a evolução do pensamento sobre desenvolvimento,
          seus principais determinantes e o papel do Estado, em sentido amplo. A seção 1.3 mostra
          qual o papel das unidades federativas nesse modelo de desenvolvimento, e especifica os
          instr umentos desejáveis para o alinhamento da máquina pública estadual ao novo
          desenvolvimento. A seção 1.4 mostra os papéis das classes políticas, de empresários e do setor
          não-governamental no desenvolvimento. E a seção final tenta brevemente sintetizar as conclusões.




     18   Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
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                                                                                                                                              40 anos
         1.2. Desenvolvimento: a evolução do
              pensamento econômico contemporâneo
        Mudanças nas conjunturas nacional e internacional vêm determinando a necessidade de
pensar novos modelos, tanto para o desenvolvimento quanto para o Estado. No tocante aos
modelos de desenvolvimento, a primeira observação é de que, aplicados indistintamente a diferentes
países, têm grande probabilidade de fracasso. O que serve para um, possivelmente não serve para
os outros, pois não há um caminho único para o progresso. A história, as normas sociais, as
instituições, o ambiente econômico, político e sociocultural de um país, condicionam e determinam
a trajetória de seu crescimento (Hoff e Stiglitz, 2001).
       A primeira geração do pensamento sobre o desenvolvimento, gestada na década de 50,
considerava o crescimento da riqueza per capita do país como o principal indicador e meta para
alcançar o desenvolvimento. Essa geração enfatizava a acumulação do capital físico como principal
fonte de crescimento econômico. A idéia de que o crescimento da economia deveria suplantar o
crescimento populacional para gerar um aumento na riqueza per capita é a base dos modelos de
desenvolvimento da década de 501 .
        Acreditava-se, à época, que a taxa de poupança e o investimento associado em capital
físico eram os principais determinantes do crescimento econômico. Países com taxas mais altas de
poupança cresceriam mais, e a desigual distribuição de renda, sob algumas condições, seria benéfica
ao crescimento (Lewis, 1954). A idéia de que os capitalistas poupam mais do que os trabalhadores
e de que, em função disso, maior parcela da renda nas mãos dos primeiros significa maior
crescimento chegou a ser aceita por algum tempo.
       Em relação ao papel do Estado, essa primeira geração do pensamento sobre o
desenvolvimento, ainda sob os efeitos do rápido crescimento proporcionado pela reconstrução do
capital físico do Plano Marshall na Europa, apostava na intervenção do Estado através da
programação e do planejamento. Para os países em desenvolvimento, a receita era mais severa em
relação à intervenção estatal. Presumia-se, para aqueles países, entre outras “falhas de mercado”,
uma ausência de capacidade empreendedora e um sistema de preços não confiável. A “receita”
proposta incluía mudanças estruturais, tendo o Estado como principal agente nesse processo.
Surgem daí as políticas industriais, de substituição de importação e de alocação de recursos –
externos ou não –, coordenadas e implementadas pelo Estado através do planejamento.
      Note-se que essa conformação do Estado negligenciava o papel de outros atores sociais
nas políticas de desenvolvimento, isto é, cabia ao Estado definir a alocação de recursos, o rumo
da economia. Pode-se afirmar que a primeira geração do pensamento sobre o desenvolvimento
colocava este como uma “missão do Estado”.
       Embora a racionalidade econômica para a intervenção do Estado na economia fosse
supostamente a presença de falhas de mercado, houve uma constatação de que muitas vezes as
falhas de governo predominavam. Essas falhas de governo estariam associadas à oferta e demanda
por intervenção do Estado, isto é, a grupos de interesse que demandam políticas favoráveis e
àqueles que obtêm políticas favoráveis. As constatações de que nem sempre o bem-estar social


    Os principais modelos da década de 50 são o de Harrod-Domar, o modelo de estágios de desenvolvimento de Rostow, o dual de
1

    Lewis, o de crescimento balanceado de Nukes, o big push de Rosenstein-Rodans e a hipótese sobre termos de troca e substituição
    de importações de Prebisch-Myrdal-Singer.



                                                                                                                                             19
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era a principal preocupação dos governos e de que a acumulação de capital físico não
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          necessariamente determina o crescimento econômico deram origem à segunda geração do
          pensamento sobre o desenvolvimento.
                 A segunda geração do pensamento sobre o desenvolvimento tem sua versão inicial no modelo
          neoclássico de crescimento (Solow, 1957). Esse modelo prediz que o país crescerá, no equilíbrio
          estacionário, a uma taxa igual à taxa de mudança tecnológica, dada uma taxa de poupança. Se a
          taxa de poupança for crescente, o país crescerá a taxas crescentes no curto prazo. Isso explicaria o
          caminho de alto crescimento, alta taxa de poupança, do Leste Asiático. Pode-se ter, portanto,
          múltiplos caminhos de transição que convergem em uma taxa de crescimento para um país.
                  Se um país, como é o caso dos menos desenvolvidos, é caracterizado por baixo volume de
          capital, a hipótese de uma única função de produção para todos os países com retornos decrescentes
          sobre o capital faria com que este recebesse um fluxo externo de capital daqueles em que os
          retornos já estão em patamares menores; ou seja, países desenvolvidos remeteriam recursos para
          países menos desenvolvidos. Esta última afirmativa não foi sustentada por constatações empíricas,
          o que vislumbrou o relaxamento de algumas premissas neoclássicas.
                 A segunda geração do pensamento sobre o desenvolvimento, paradigma dominante da
          década de 70 até o início da última década, também enfatizou o papel do capital humano na
          determinação do crescimento econômico. Ao contrário da primeira geração, esta concluiu que
          mais importante do que o nível de capital é a aplicação do capital, isto é, o modo como o capital
          é alocado. A fonte de crescimento, determinada pelo progresso tecnológico, seria proveniente de
          diferentes forças:
                         I.   aumento da qualidade da força de trabalho através da educação e treinamento;
                        II.   realocação de recursos para “usos” de alta produtividade;
                       III.   aproveitamento das economias e escala;
                       IV.    novas técnicas de gestão dos negócios. (Méier, 2001)

                 Essas hipóteses explicariam a diferença, muitas vezes imutável, no desenvolvimento entre
          países, pois, supostamente, os países desenvolvidos teriam maior estoque de capital humano e
          aproveitar-se-iam melhor das economias de escala.
                 O receituário dessa segunda geração para os países em desenvolvimento privilegiava as
          forças de mercado, preços e incentivos. As políticas governamentais associadas não deveriam
          distorcer os resultados do mercado. O Estado não mais era visto como um ente benevolente
          maximizador do bem-estar social, mas, sim, composto por agentes auto-interessados maximizadores
          do bem-estar individual que raramente coincidia com o bem-estar social.
                Surge então a idéia do governo minimalista, que deveria intervir somente nas falhas de
          mercado reconhecidas por essa segunda geração do pensamento sobre o desenvolvimento.
          Basicamente, educação, saúde e outras políticas sociais deveriam ser alvos de intervenção dos
          governos. O receituário universal, para ser aplicado em todos os países em desenvolvimento,
          recomendava as seguintes estratégias:
                         I.   liberalização comercial e financeira;
                        II.   promoção das exportações;
                       III.   privatização de empresas estatais;
                       IV.    programas de estabilização com disciplina fiscal e monetária;
                        V.    reforma tributária e desregulação dos mercados para diminuir as distorções nos preços
                              e incentivos.


     20   Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Esse receituário deu origem ao célebre Consenso de Washington, ápice do pensamento




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neoliberal, corrente “ideológica” associada ao Estado minimalista que guiou por algum tempo as
orientações do FMI e do Banco Mundial. Na ideologia neoliberal, o desenvolvimento, com efeito,
era uma “missão do mercado”.
       A experiência mostrou que uma receita única para todos os países, em geral, não resultava
nos resultados esperados. Surgiram, no início da década de 90, hipóteses para explicar as diferenças
no desenvolvimento entre países, denominadas por Méier (2001) de “novas falhas de mercado” e
“falhas institucionais”.
      As novas falhas de mercado são o reconhecimento da existência de informação imperfeita,
mercados e contratos incompletos e custos de transação. Além das falhas de mercado já
reconhecidas – principalmente as externalidades e as falhas na competição – as novas falhas de
mercado determinam novos mecanismos corretivos no ferramental do Estado. O setor financeiro
e a agricultura, em alguma medida negligenciados pela primeira geração do pensamento sobre
desenvolvimento, foram reconhecidos como fundamentais para o crescimento e o desenvolvimento
dos países.
       No setor financeiro, por exemplo, a taxa de poupança, embora seja um importante
determinante do crescimento dos países, não determina automaticamente o investimento, pois
existem imperfeições no mercado de crédito. O papel do Estado, nesse caso, é garantir que os
custos de transação e os riscos dos poupadores sejam baixos, o que implica alto retorno. Contudo,
recentes desenvolvimentos das teorias de crescimento mostram que uma melhor distribuição de
renda, ao contrário do que se pensava na década de 50, pode ter efeitos positivos no crescimento
econômico, (Hoff e Stiglitz, 2001).
       O acesso ao crédito depende dos bens e propriedades que o tomador pode oferecer, ao
agente de crédito, em garantia da operação. Países com distribuição muito desigual da renda têm
mercados de crédito ineficientes e, como crédito tem um papel fundamental na geração de
investimentos, o crescimento econômico acaba sento prejudicado. Isso porque indivíduos com
boas oportunidades de negócios, mas sem riqueza para dar como penhor, não têm acesso ao
mercado de crédito. Importa notar que o efeito de exclusão do acesso ao crédito, determinado
pela má distribuição de renda, tende a se reproduzir no tempo. Os recentes programas de
microcrédito tentam remediar essa imperfeição no mercado de crédito, criando um efeito catalítico
sobre o crescimento econômico.
        É a terceira geração ou nova geração do pensamento sobre o desenvolvimento que reconhece
a existência das falhas institucionais como gargalos para o desenvolvimento. Mas o principal avanço
dessa nova geração é, na definição de desenvolvimento, seus indicadores e metas.
       O crescimento da riqueza — da riqueza per capita —, os indicadores não monetários de
desenvolvimento — como o Índice de Desenvolvimento Humano —, a redução da pobreza e o
estoque de capital humano compõem as metas de desenvolvimento presentes na primeira e,
principalmente, na segunda geração do pensamento sobre desenvolvimento. A nova geração mostra
que o desenvolvimento é um processo não-linear, multifacetado, com diversos caminhos e
determinantes. Não existe um critério único para mensurar o desenvolvimento e nem uma receita
universal para alcançá-lo. O desenvolvimento depende da história (condições iniciais do país),
dos aspectos socioculturais e políticos e das instituições formais e informais (Adelman, 2001).
       Embora não exista um único critério para mensurar o desenvolvimento, Amartya Sen (1999)
destaca que a liberdade é o objetivo primário do desenvolvimento e o principal meio de alcançá-
lo. Segundo Sen, o desenvolvimento não pode estar desconectado da vida que as pessoas vivem e


                                                                                                                       21
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da verdadeira liberdade de que elas desfrutam. E o desenvolvimento como liberdade implica
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          diferentes tipos de liberdades interconectadas: liberdade política, oportunidades sociais, e liberdade
          transacional e de mercado.
                 A liberdade política determina o desenvolvimento, pois o bem-estar social depende da
          liberdade política, liberdade para que todos os atores sociais possam se sentir representados de alguma
          forma. Países com liberdade política relativa, historicamente, não observaram grandes fomes com
          grande aumento da mortalidade nas classes mais pobres, mesmo em épocas de depressão econômica
          (Sen, 1999). A democracia funciona como uma proteção às classes mais vulneráveis. Uma queda na
          riqueza de um país (demonstrada pelo PIB) não implica, necessariamente, piora no seu desenvolvimento:
          quando este goza de relativa liberdade política, uma queda na riqueza não gera miséria, grandes fomes,
          aumento da mortalidade; isso mostra que a riqueza não é perversamente distribuída.
                  As oportunidades sociais também determinam o desenvolvimento. Entenda-se por
          oportunidades sociais o acesso das pessoas à educação, boas condições de saúde e incentivo às
          iniciativas. A educação aumenta a capacidade humana e, além de seus impactos positivos sobre o
          crescimento econômico, substitui em certa medida a necessidade de mecanismos coercivos do
          Estado. Boas condições de saúde melhoram a vida das pessoas e exercem forte efeito na
          produtividade dos trabalhadores. E, por fim, o incentivo às iniciativas, proporcionado
          principalmente pelo acesso ao crédito e políticas de emprego, promove a inclusão social e o
          crescimento econômico sustentado. Obviamente os tipos de oportunidades sociais aqui ilustrados
          e outros existentes estão inter-relacionados, e precisam ser tratados em conjunto.
                 A liberdade de mercado e transacional também figura como um importante determinante
          do desenvolvimento. O livre acesso das pessoas aos mercados e os baixos custos de transação
          melhoram as condições de vida, a eficiência econômica, geram crescimento econômico e, sob
          certas condições, eqüidade. Isso não significa que o livre mercado seja sempre socialmente
          desejável. Em alguns casos, como nas falhas na competição, o mercado não aloca eficientemente
          os recursos, sendo necessária a regulação do Estado.
                 Se, como quer Amartya Sen, os diferentes e interconectados tipos de liberdade conduzem
          ao desenvolvimento econômico, a questão agora é saber de que forma se pode alcançar essa
          liberdade e qual o papel do Estado em promovê-la.
                  A nova geração do pensamento sobre o desenvolvimento enfatiza o capital social, além do
          físico e do humano, como geradores do desenvolvimento. O capital social é definido por Collier
          (1998) como “a coerência interna social e cultural da sociedade, as normas e valores que guiam as
          interações entre os indivíduos, e as instituições em que elas estão inseridas”. Por exemplo, o
          capital social do governo incorpora os benefícios da lei, ordem, direitos de propriedade, educação
          e saúde. Como o capital social reduz os custos transacionais e informacionais, ele é uma fonte de
          crescimento econômico, pois torna o capital físico e o capital humano mais produtivos. Note-se,
          enfim, que o capital social depende do desenvolvimento do país e ao mesmo tempo o determina.
                A nova geração do pensamento sobre o desenvolvimento não advoga nem o Estado
          minimalista nem o Estado empresário. O papel do Estado é proporcionar um ambiente adequado
          ao desenvolvimento econômico, através de sua Constituição, leis, instituições e regulação. A forma
          e o grau de intervenção do Estado, ao contrário do que apregoa o Consenso de Washington,
          dependem do ambiente de cada país.
                 A seguir são apresentadas breves notas sobre a evolução do pensamento sobre
          desenvolvimento, os desafios e caminhos para o desenvolvimento no Brasil. A partir daí, pode-se
          delinear o Estado de que precisamos para alcançarmos um novo desenvolvimento.


     22   Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
1.2.1. O pensamento sobre o desenvolvimento no Brasil




                                                                                                                         BDMG
                                                                                                                         40 anos
       Seguindo a evolução mundial, desde meados do século passado, o desenvolvimento figura
com destaque na agenda política nacional. Três grandes correntes de idéias formaram-se em torno
da matéria, conforme apontado por Bielschowsky (2000). A primeira, liderada por Eugenio Gudin
e Octavio Bulhões, era de feição tipicamente neoliberal. A segunda, que abrangia os chamados
“desenvolvimentistas”, apresentava caráter heterogêneo. Dela participavam grupos distintos: os
desenvolvimentistas do setor privado e os do setor público, estes últimos divididos entre os
economistas “não nacionalistas” e os “nacionalistas” “. A terceira corrente era constituída pelos
socialistas.
       A questão chave que estruturou o debate entre essas correntes e em torno da qual se
nuclearam suas posições referia-se ao papel da industrialização. Os neoliberais não se opunham
diretamente ao processo de industrialização, mas consideravam o equilíbrio monetário e financeiro
condição essencial para a promoção do desenvolvimento do País. Consonante com essa premissa,
advogavam a redução da intervenção do Estado, e eram visceralmente contrários a políticas
públicas para apoiar a industrialização, embora não vetassem medidas governamentais para sanar
as “imperfeições do Mercado” ou para lidar com as fases de depressão da economia (Bielschowsky,
2000, p.37).
       Os desenvolvimentistas opunham-se radicalmente a essa posição, especialmente a corrente
ligada aos setores empresariais. Segundo Roberto Simonsen (Bielschowsky, 2000, p.83), esses
defendiam incondicionalmente a industrialização porque seria esse o processo que fornecia as
bases para o “progresso da civilização”.


      O legado do desenvolvimentismo
       Em meados dos anos 50, a corrente dos desenvolvimentistas havia-se tornado hegemônica
no País. Desde então, as políticas adotadas pelo Estado brasileiro para descontar o atraso e promover
a expansão da economia foram moldadas a partir das premissas dos desenvolvimentistas. Ora
prevaleceu uma de suas divisões, ora outra, mas a tônica da política foi marcada fundamentalmente
pela crença de que a tarefa do desenvolvimento deveria ser liderada pelo Estado, e não deixada às
forças espontâneas do mercado.
     Forçoso reconhecer que, apesar das diferenças entre as correntes desenvolvimentistas, havia
um núcleo de pontos convergentes, quais sejam:
          I. a necessidade do planejamento;
         II. a defesa da intervenção estatal no desenvolvimento deveria ser liderada pelo Estado
             e não deixada às forças espontâneas do mercado, seja por meio de inversões em
             infra-estrutura, seja por meio de investimentos diretamente produtivos em setores
             estratégicos, para suprir a insuficiência do capital nacional ou por subsídios;
        III. a participação do capital estrangeiro no processo;
        IV. a subordinação da política cambial e monetária à de desenvolvimento.


       Guardadas as distinções de estilo e escopo, tanto nos anos da presidência Kubitscheck
(e mesmo um pouco antes) quanto no período do “milagre brasileiro”, a política econômica
foi guiada por essas diretrizes. Construiu-se, não por acaso, no âmbito federal e também no
dos Estados, um arcabouço público derivado diretamente do modelo desenvolvimentista.


                                                                                                                        23
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A criação do BNDE, replicada nos Estados, das estatais federais e estaduais, bem como a
BDMG
40 anos




          incorporação do planejamento ao aparato público, representaram, de fato, a fundação de uma
          “institucionalidade econômica do desenvolvimento”, bem diversa da arquitetura de mercado cum
          regulação do Estado, prevalecente nos países desenvolvidos do mundo capitalista.
                  A exceção a essa tendência deu-se durante o governo Castelo Branco, quando, com a
          instituição do Banco Central, a reforma fiscal e as medidas para fortalecer o mercado de capitais
          no País, foram lançadas as bases institucionais para a atuação do Estado em outros moldes.


                    Por um desenvolvimento sustentado e sustentável no Brasil
                 O velho desenvolvimento no Brasil, ao lograr vencer as barreiras da industrialização,
          expandiu e modernizou a agricultura e urbanizou o País; deixou, contudo, uma herança de novos
          dilemas, exigências e problemas a superar: em 1999, segundo o IPEADATA, 34,09% da população
          brasileira encontravam-se abaixo da linha da pobreza, e havia 22,6 milhões de indigentes; entre
          1977 e 1999, houve queda na proporção desses contingentes na população total do país, mas o
          número absoluto cresceu: em 1977, o número de pobres era de 40,7 milhões; em 1999, atingiu
          53,11 milhões; os indigentes eram 17,43 milhões em 1977, número que subiu para 22,6 milhões
          em 1999 (IPEADATA). Os piores índices ocorreram na década de 80: em 1988, a indigência
          atingiu 30,56% de toda a população brasileira.
                 É verdade que entre os fins dos anos 70 e 90, quando a economia cresceu, a pobreza e a
          indigência, como proporção da população total, foram reduzidas, mas mesmo nesses períodos o
          número absoluto de pobres e indigentes continuava elevado, enquanto a desigualdade aumentou
          (Barros, Mendonça & Duarte, 1997).
                 Tudo isso encarece a necessidade de uma vigorosa política de combate à pobreza, à parte
          das medidas destinadas a estimular o crescimento econômico. Mas, paralelamente, é preciso mudar
          a ênfase da política de desenvolvimento.
                 Nas fases de expansão da economia brasileira, a prioridade foi concedida ao capital físico.
          Educação e saúde ficaram em plano secundário. Houve, é fato, a exceção, digna de nota, quando
          se disseminou a pós-graduação no Brasil. Mas o ensino fundamental, a cargo então dos estados,
          ficou relegado a segundo plano.
                 A educação, por si só, pelo que representa para as pessoas, já justificaria maior atenção
          por parte dos governos. Contudo, seus efeitos se estendem mais além e são decisivos para o
          próprio desenvolvimento. A educação eleva a produtividade dos indivíduos, causa impactos
          positivos no crescimento do PIB, aumenta os salários e contribui para a diminuição da pobreza.
          Promove, além disso, a mobilidade social e concorre para maior igualdade social2 , sem contar
          seus efeitos positivos para a cidadania e para o processo político, de mais difícil mensuração.
          Estima-se que um ano a mais na escolaridade média da população brasileira elevaria a taxa de
          crescimento da renda per capita em 0,35 ponto percentual (Barros, Henriques & Mendonça,
          2002, p.2).
                 Lamentavelmente, segundo estudos recentes, “o Brasil apresenta um atraso, em termos de
          educação, de cerca de uma década em relação a um país típico com padrão de desenvolvimento
          similar ao nosso” (Barros, Henriques & Mendonça, 2002, p.16).


              Sobre a relação entre educação e desigualdade de renda, ver Barros, Henriques, & Mendonça, 2002.
          2




     24   Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Inegáveis progressos têm ocorrido, nos últimos anos, na área educacional, depois que se




                                                                                                                         BDMG
                                                                                                                         40 anos
instituiu a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação e o Fundef, contudo isso não tem sido
suficiente para compensar a defasagem do setor. Ínfima parcela das crianças em idade escolar
encontra-se fora da escola, mas a qualidade da educação no ensino fundamental é ainda um
problema. Adicionalmente, o segundo grau e o ensino técnico precisam ser significativamente
incrementados.
       Encontrar meios para financiar a educação, incrementá-la, aumentar os anos de escolaridade
da população e elevar a qualidade do ensino e da aprendizagem são, talvez, os maiores desafios
que confrontam o desenvolvimento do País. Com os novos requerimentos de conhecimento exigidos
pela transformação tecnológica dos nossos dias, saber ler, escrever e contar não é suficiente. À
política educacional é preciso propor metas mais ousadas.
       Ignorar o nexo causal entre educação e desenvolvimento foi, sem dúvida, o maior equívoco
das políticas de desenvolvimento postas em prática no Brasil. Perseverar nesse erro agora significaria
comprometer definitivamente o futuro do País.
       Ao lado da educação, a saúde é o outro pilar do novo desenvolvimento. Por um longo
tempo as questões sanitárias foram tratadas de forma residual entre nós. Ignorou-se sua contribuição
para o desenvolvimento. Um direito social instituído pela Constituição de 1988, a saúde traz
ganhos para a produtividade da educação, eleva a renda nacional, ao diminuir os dias perdidos de
trabalho, e concorre para a redução da pobreza (Macroeconomics, 2001). A saúde está ligada à educação,
saneamento, alimentação, enfim, às condições de vida. Mas enquanto não é possível sanar os
problemas com os determinantes da saúde, é preciso remediá-los.
       A criação do SUS, no bojo da nova Carta Constitucional, representou um avanço, mas
também trouxe novos dilemas. Com o novo sistema, as responsabilidades dos entes federativos
pela política foram melhor definidas, cabendo à União a provisão dos recursos, e, aos municípios,
a prestação de serviços. Os estados, entretanto, ficaram emparedados e difusos, competindo-lhes
complementar a atuação do poder público municipal e algumas outras funções.
      O SUS paga ainda o preço da juventude, magnificado pela grandeza dos números e a
complexidade dos problemas. Se trouxe ganhos, como os decorrentes da descentralização, a
separação entre provisão e produção dos bens de saúde, entre outros, carece de reformulações e
melhor aproveitamento de suas potencialidades.
       Outra área, que também deve integrar a linha de frente das políticas de desenvolvimento
do País, é a da proteção ao meio ambiente. Embora tenha havido avanços desde meados dos anos
70, quando o tema veio à baila em encontro da ONU em Estocolmo e entrou na agenda dos
países, entre nós a política ambiental tem-se dado em bases fragmentárias, marcada pela oscilação
na prioridade que lhe concedem os governos.
      Conflitos de várias ordens, entre agentes produtivos que competem pelo uso de um
determinado recurso, entre produtores e consumidores, entre habitantes das diferentes localidades
onde se dá a produção e os depósitos dos resíduos, entre os que querem produzir e os que querem
conservar, tornam inviável a solução dos problemas ambientais só via mercado.
       Ademais, no âmago da questão está o dilema do quanto e de como extrair as riquezas
naturais para propiciar a satisfação atual das necessidades dos indivíduos, sem comprometer os
processos de regeneração da natureza e sem prejudicar as gerações futuras. Em vista dessas
razões, é inevitável a regulação do Estado3 .

    Ver a detalhada análise sobre o assunto, vol. VII.
3




                                                                                                                        25
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Mecanismos institucionais e leis existem tanto no nível federal quanto no da Unidade da
BDMG
40 anos




          Federação4 . Licenciar atividades produtivas, fiscalizar e monitorar a qualidade das águas ou a
          extração de minerais, funções básicas para a proteção do meio ambiente e que hoje se encontram
          sob a jurisdição estadual, exigem estudos e pessoal altamente qualificado. A lentidão na elaboração
          de pareceres e respostas às solicitações de licenciamento ambiental acarretam danos à produção e
          desgastam os órgãos e a própria política ambiental.
                Urge tratar a proteção ao meio ambiente não como uma dimensão residual, mas, ao contrário,
          como uma categoria essencial do desenvolvimento, como proposto na noção de desenvolvimento
          sustentável5 .
                 A discussão sobre o desenvolvimento ficaria incompleta se não enfrentasse a questão de
          como combinar restrições, recursos e valores, ou seja, a estratégia, ou como articular Estado,
          setor privado e os demais stakeholders para a consecução dos objetivos visados, isto é, a questão
          institucional do desenvolvimento. Nesse aspecto, cabe assinalar novamente a relevância do
          estabelecimento de mecanismos regulatórios e institucionais que gerem os incentivos corretos
          para os agentes.
                 Em passado recente, nas experiências desse processo, no Brasil, era o Estado, em sentido
          amplo, quem ditava os rumos, estabelecia os objetivos e escolhia os meios. Cabia-lhe também
          papel não pequeno na implementação das políticas, na aplicação dos investimentos e até na criação
          e a gestão de empresas. Na realidade, o desenvolvimento foi tipicamente uma política de cima
          para baixo, decidida por uma elite tecnocrática à qual se associava uma parte da classe política e
          segmentos do setor empresarial.
                A mudança política do país, com a redemocratização, a crise fiscal e financeira e o próprio
          contexto atual do desenvolvimento estão a exigir nova moldura institucional para esse processo.
          O Estado, embora continue a ser ator decisivo, não é mais hegemônico. Pode muito, mas não
          pode tudo.
                 O Brasil conta hoje com uma numerosa e dinâmica classe empresarial, e as decisões políticas
          dão-se dentro de um marco democrático, que requer negociação e acomodação dos interesses em
          conflito. A margem de ação do poder público acha-se limitada tanto pelas circunstâncias da crise
          por que passa a economia quanto pelas mudanças no quadro internacional.
                O novo desenvolvimento, em bases sustentadas e sustentáveis, é missão de todos, e não
          apenas do Estado. O QUADRO 1 compara os papéis do Estado no “velho” e no novo
          desenvolvimento.




              Ver, a propósito do assunto, Meio Ambiente e Desenvolvimento, neste Estudo.
          4

              Neste Estudo, no capítulo referente ao meio ambiente (volume VII), são apresentadas diferentes concepções do desenvolvimento
          5

              sustentável. Ver também a Agenda 21, documento do governo brasileiro a ser apresentado em reunião da Eco3, a se realizar em
              2003 em Joanesburgo, que se encontra disponível no site do Ministério do Meio Ambiente.



     26   Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
QUADRO 1




                                                                                                                             BDMG
                                                                                                                             40 anos
                               O quot;VELHOquot; E O NOVO DESENVOLVIMENTO

                                 VELHO DESENVOLVIMENTO
                                                                             NOVO DESENVOLVIMENTO
                      Período Kubistcheck           Milagre Brasileiro
Papel do Estado      Hegemônico.                Hegemônico.                Regulador, garantidor da
                                                                           estabilidade, articulador e
                                                                           mobilizador da sociedade
                                                                           organizada.
Planejamento do      De cima para baixo, com De cima para baixo.           Horizontal e participativo.
desenvolvimento      mobilização política a
                     posteriori.
Eixos da ação      Capital físico.              Capital físico, apoio à    Estabilidade, capital humano
desenvolvimentista                              indústria de base,         e capital social.
                                                Estado-empresário.
Instrumentos de      Investimentos públicos.    Investimentos públicos,    Regulação, privatizações,
política                                        reservas de mercado,       concessões, alianças e parceria
                                                investimentos produtivos   com os setores organizados da
                                                com controle integral      sociedade.
                                                do Estado.
Financiamento do     Poupança pública         Poupança do Estado       Poupança pública (limitada),
desenvolvimento      (abundante),             (abundante),             investimentos privados.
                     investimento estrangeiro poupança privada
                     (abundante).             compulsória (abundante),
                                              capital externo,
                                              (abundante).
Atores do            Técnicos e políticos.      Técnicos e organizações    Técnicos, políticos, empresários
desenvolvimento                                 de grupos empresariais.    e organizações estruturadas da
                                                                           sociedade.




                                                                                                                            27
                                                                            Capítulo 1 - Desenvolvimento: missão de todos
1.3. Brasil: o novo desenvolvimento e o novo
BDMG
40 anos




                         Estado

                 Desde o princípio dos anos 90, em resposta às transformações no quadro externo e interno
          do país, vêm ocorrendo mudanças na organização e no modo de atuação do aparato do Estado
          brasileiro, com reflexos diretos sobre o estilo e o modelo de desenvolvimento.
                 A crise fiscal e financeira por que vem passando o País praticamente inviabilizou a estratégia
          levada a cabo na era desenvolvimentista da presidência Kubitscheck e no período do “milagre”.
          Desde meados dos anos 80, o poder público não conta com folga de recursos e nem pode recorrer
          à clássica solução da poupança compulsória, porque a carga tributária já se encontra em patamar
          muito elevado (Giambiagi, 2002).
                 Paralelamente, a inserção crescente do Brasil no quadro da economia globalizada impõe
          modificações e restrições às políticas de desenvolvimento que limitam a possibilidade de o Estado
          lançar mão de instrumentos clássicos de financiamento do desenvolvimento, como, por exemplo,
          os subsídios. Acordos internacionais, como os estabelecidos com a participação na Organização
          Mundial do Comércio, reduzem cada vez mais o uso desses mecanismos.
                 De fato, o modelo do Estado empresário, ápice da filosofia desenvolvimentista, não tem
          mais lugar no cenário atual do País e do mundo. Ainda que se possa tentar justificá-lo no passado,
          pelas peculiaridades do desenvolvimento tardio ou periférico, pelas limitações do capital nacional,
          os baixos fluxos de capital internacional ou pela pequena atratividade do Brasil para os investidores
          estrangeiros, hoje tal arranjo não mais se sustenta.
                 A visão predominante considera que o espaço de atuação do Estado, em sentido amplo, é
          determinado principalmente pela presença de falhas de mercado, situações em que o mercado
          fracassa em alocar eficientemente os recursos. As falhas de mercado são muitas – externalidades,
          falhas na competição, informação imperfeita, mercados e contratos incompletos – e, com efeito,
          existe um grande espaço para a atuação do Estado, seja através de mecanismos regulatórios com
          possibilidade de imposição de taxa, subsídios e outros controles, seja, em alguns casos, através da
          provisão pública de bens e serviços6 .
                 Dessa análise constata-se que visões maniqueístas, que tentam colocar, de um lado, o
          Estado empresário, e, de outro, o Estado minimalista, não incorporam os preceitos básicos da
          teoria econômica (Rodrik, 2002). O Estado pode e deve atuar quando há falhas de mercado;
          contudo, muitas vezes, é difícil identificar essas falhas e determinar quais são as melhores formas
          de intervenção do Estado na economia. Esse é o maior desafio que enfrentamos.
                 O modelo do Estado empresário brasileiro exauriu-se no início da década de 90. Os ganhos
          que dele poderiam advir são mais que sobrepesados pelas desvantagens que acarretam na atualidade
          ou carregam para o futuro, tanto em termos econômicos quanto sociais. Isso não quer dizer que o
          Estado deva abdicar de exercer papel ativo na busca do desenvolvimento. Ao contrário, as carências
          da economia brasileira e o déficit social do País não foram eliminados, e o mercado, superior na
          alocação de recursos em muitos casos, não saberia nem teria como responder a esses desafios
          sozinho. Por outro lado, a globalização, com suas exigências de abertura do comércio e dos fluxos
          de capitais e de informação, somada à intensa revolução de base científico-tecnológica, sepultou
          de vez a quimera do desenvolvimento autárquico.

              Laffont e Tirole (1993) discutem as vantagens e desvantagens da provisão pública vis-à-vis à provisão privada regulada. O
          6

              principal resultado mostra que só uma análise caso a caso pode concluir em direção a uma ou outra forma de provisão.



     28   Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
O País não encontrou ainda o molde certo para sua inserção na nova ordem econômica




                                                                                                                        BDMG
                                                                                                                        40 anos
internacional. Não somos mais a nação rural e agrária dos anos 40, que tinha no café o item
principal de sua pauta de exportações. Temos uma base industrial sólida e diversificada, que, nos
últimos anos, à medida que se dava a abertura comercial, tornou-se competitiva, mesmo não
contando com subsídios e tratamento governamental privilegiado. A própria agricultura expandiu-
se e modernizou-se, e apresenta hoje elevado nível de competitividade. Mas isso não significa a
viabilidade de um projeto de desenvolvimento autônomo e fechado.
       Frente às circunstâncias históricas atuais, agravadas pela debilidade da economia brasileira,
e considerando o estágio de crescimento alcançado no País e as exigências de participação e
legitimidade políticas criadas com a consolidação da democracia entre nós, a missão do
desenvolvimento exige um Estado eficiente e organizado em bases novas. Cabe-lhe, antes de mais
nada, propiciar as condições e o ambiente para que floresçam os investimentos e o progresso. Tais
exigências tornam imperiosa a estabilidade, não apenas a econômica e financeira, que requer a
administração prudente dos recursos públicos, mas a estabilidade em seu sentido amplo, com a
institucionalização de regras críveis, para que se alcance a previsibilidade de negócios, o que
permitiria, assim, decisões com horizonte de tempo mais largo.
       Avulta nesse quadro o papel institucional e regulador que o Estado deve assumir entre nós.
Mercado e Estado não são antípodas. Aquele precisa das garantias deste para operar. Só a confiança
entre as partes não assegura o cumprimento dos contratos. A interação dos agentes econômicos
seria caótica, se não houvesse leis, marcos institucionais e credibilidade para mediá-la. Tudo isso
só se conquista a longo prazo, pois leva tempo para os agentes crerem que os governos não
romperão ou não revisarão unilateralmente contratos frente a contingências ou pressões políticas
inesperadas. Se, como se acredita atualmente, as instituições e a regulação determinam o
desenvolvimento econômico, o desenho dessas instituições pode ser benéfico ou prejudicial ao
desenvolvimento.
       A regulação pública não é, pois, invasão descabida dos mercados. Na realidade, é condição
sine qua non para que os mercados existam, sejam completos e funcionem efetivamente. Códigos
de consumidores ou legislações sobre sociedades anônimas que incentivem o disclosering são
instrumentos indispensáveis para fazer valer o que foi pactuado, para proteger as relações entre os
agentes econômicos e impedir que prevaleça a lei do mais forte. Contudo, mais uma vez, não
bastam leis, marcos institucionais ou boas intenções, já que os mercados respondem a incentivos.
Incentivos, de fato, são determinantes desse novo ambiente, pois representam a resposta de todos
os agentes a uma ação governamental.
      Com efeito, incentivos podem ser ou não bem-sucedidos na promoção do desenvolvimento.
O estabelecimento de instituições e o desenho de contratos, incluindo contrato implícitos entre o
governo e a sociedade, são condições necessárias para colocar o País na rota do desenvolvimento.
       Complementarmente, o que costuma ser denominado atualmente de capital social – normas,
redes de informação, mecanismos de reputação, sanções sociais e todos os outros contratos
estabelecidos informalmente pela sociedade – têm importantes efeitos sobre o desenvolvimento
econômico e social. O capital social, claramente, depende da história do País, mas pode ser
desenvolvido através de políticas que aumentem o conhecimento da sociedade. Por exemplo, a
violência urbana, que gera efeitos indesejáveis no desenvolvimento, pode ter como um dos
determinantes a ausência de capital social. O enforcement – “fazer cumprir” – das leis depende do
capital social associado, ou seja, dos contratos implícitos que a sociedade estabelece.
      A função das instituições, da regulação e do capital social é solucionar os problemas de
coordenação que propiciam mercados incompletos. As justificativas para a correção das falhas de


                                                                                                                       29
                                                                       Capítulo 1 - Desenvolvimento: missão de todos
coordenação baseiam-se em questões centrais do desenvolvimento econômico, como inovação,
BDMG
40 anos




          transparência nos negócios, investimento, treinamento da força de trabalho e poupança, que
          proporcionam externalidades positivas aproveitáveis através da intervenção do Estado (Hoff e
          Stiglitz, 2001). Esses pontos, a ser desenvolvidos na seção 1.4 - Minas Gerais e o novo
          desenvolvimento, sinalizam que existem variáveis sobre o controle das unidades federativas.
                 Portanto, Estado regulador não é sinônimo de Estado fraco. Ao contrário, para exercitar
          esse papel, o poder público precisa de organização, conhecimento, marco legal, meios materiais e
          recursos humanos. Em outras palavras, precisa contar com instituições efetivas e críveis. Ou
          melhor, ele próprio precisa ser efetivo. A noção neoclássica de acumulação de capital e a noção
          shumpeteriana de inovação como indutoras do desenvolvimento são incompletas, na medida em
          que não incorporam o papel das instituições e do capital social (Méier, 2001).
                 Entretanto, seria ilusório e ingênuo supor que apenas isso basta para assegurar uma economia
          afluente. O desenvolvimento é concentrador e provoca desequilíbrios que atingem indivíduos, grupos
          e regiões. Corrigir as disparidades de renda inter-regionais e promover a eqüidade são objetivos inerentes
          ao bom governo, sobretudo nas democracias. Estudos e trabalhos recentes sobre o desenvolvimento
          vêem mostrando que a melhor distribuição de renda pode levar a maior crescimento econômico.
                 Outra vertente para a intervenção do Estado refere-se à educação e à saúde. O “velho
          desenvolvimento”, se assim se pode chamar o modelo de crescimento praticado no país, priorizou
          o capital físico e relegou a plano subalterno os gastos com educação e saúde. Estes se justificam
          não só por se tratarem de “bens de mérito”, que a sociedade considera positivos e desejáveis, mas
          também por serem fatores decisivos para o desenvolvimento. A educação comprovadamente
          aumenta a produtividade dos trabalhadores, fonte principal de crescimento da riqueza das nações.
          Mais recentemente, tem-se constatado que a saúde é também um diferencial do desenvolvimento.
                Recentemente, no Brasil, vêem-se formando convergência de idéias e de posições sobre o
          papel do Estado e suas políticas de desenvolvimento. Integram-na os seguintes pontos:
                        I. a alta inflação é um mal a ser evitado;
                       II. a estabilidade é uma necessidade;
                      III. o nível atual da desigualdade social é intolerável;
                      IV.  as disparidades regionais precisam ser diminuídas;
                       V.  privatizações podem ser necessárias;
                     VI.   subsídios indiscriminados são socialmente indesejáveis;
                     VII.  há necessidade de conciliar o crescimento econômico com as exigências da proteção
                           do meio ambiente (desenvolvimento sustentável);
                     VIII. a vulnerabilidade externa da economia brasileira precisa ser drasticamente reduzida;
                      IX. os governos devem gastar com parcimônia e eficiência, dados os objetivos pré-
                           definidos pela sociedade;
                       X. os mecanismos regulatórios devem propiciar um ambiente favorável ao
                           desenvolvimento econômico e social.

                  É contra o pano de fundo dessas considerações que se propõe que o governo de Minas Gerais
          se estruture e formule sua estratégia de desenvolvimento para o Estado. O estágio desse processo
          no País e em Minas, as lições do passado, somadas às circunstâncias internas e externas do presente,
          com suas restrições, indicam a necessidade imperativa de reciclar o papel do Estado. Entretanto,
          falta definir qual é o papel das unidades federativas nessa nova idéia de desenvolvimento. As políticas
          indutoras de desenvolvimento delineadas até aqui são, em grande medida, de incumbência da esfera
          federal do governo. Resta definir o papel das unidades federativas, em particular de Minas Gerais,
          no novo desenvolvimento.

     30   Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
1.3.1. Minas Gerais e o novo desenvolvimento




                                                                                                                         BDMG
                                                                                                                         40 anos
        Com a Constituição de 1988, os estados ficaram espremidos e emparedados entre a União
e os municípios: estes últimos, guindados, pela primeira vez, à condição de entes autônomos da
Federação brasileira. Matérias, como as relativas ao meio ambiente, que pela Carta de 1946 pertenciam
exclusivamente à órbita estadual, passaram a ser compartilhadas com a União e com os municípios.
Por outro lado, os estados perderam autonomia em relação a outras questões que passaram a ser
detalhadas na Constituição Federal, como as pertinentes à organização administrativa. Apesar disso,
o poder público estadual continua a ter um papel de relevo no tocante ao desenvolvimento de seu
território. Cabe a ele proceder de forma própria e independente, mas também supletiva à União,
explorando primeiro as potencialidades que lhe conferem seu papel constitucional e tratando de tirar
partido das brechas e lacunas da atuação do Governo Federal e dos municípios, buscando com isso
encontrar um nicho que lhe seja pertinente para participar desse processo.
       Em princípio, à União compete, primordialmente, propiciar as condições de ambiência
estável para o desenvolvimento, induzir, aglutinar e articular a ação em prol do crescimento em
âmbito nacional, combater a pobreza e a desigualdade social e promover a igualdade de
oportunidades e a redução das disparidade regionais.
       Aos estados incumbe atuar supletiva e complementarmente à União, exercer a regulação
que lhes foi destinada pela Constituição, garantir a segurança pública, desempenhar com eficiência
e efetividade os papéis que lhes são atribuídos na saúde, na educação e na proteção ao meio
ambiente, explorar e potencializar os recursos dormentes ou pouco aproveitados em seu território,
mobilizar e catalisar as forças sociais e regionais em prol do desenvolvimento e reduzir as diferenças
entre as diversas áreas e municípios que integram seu território. Adicionalmente, cabe à unidade
federativa garantir a estabilidade e credibilidade das instituições para assegurar os incentivos ao
investimento.
       Aos municípios, guindados à condição de ente federativo pela Constituição de 1988, foram
destinadas, principalmente, a jurisdição sobre as matérias locais e grande parte da responsabilidade
pela prestação dos serviços públicos básicos.
       Para desincumbir-se das tarefas que lhes tocam em relação ao desenvolvimento, é
indispensável que os governos estaduais se aparelhem para lidar com os seguintes desafios:
          I. aproveitar as oportunidades criadas com as políticas nacionais;
         II. identificar os potenciais de crescimento próprio e desenvolver estratégias para
             potencializá-los;
        III. coordenar e integrar as ações dos municípios para suprir deficiências de escalas na
             produção de bens ou serviços de responsabilidade do escalão municipal de governo,
             para sanar falhas de comunicação e informação na implementação de políticas
             públicas prestadas localmente e para complementar decisões municipais que têm
             alcance regional e apresentam interdependência com relação a iniciativas de outros
             municípios que integram um mesmo espaço articulado;
        IV. criar mecanismos que assegurem o afluxo de capital para região;
         V. garantir um nível de educação básica à população, de modo a permitir a formação
             de mão-de-obra minimamente qualificada.

      A realização desses objetivos requer, por uma parte, que a estrutura organizacional e o
modo de atuação do poder público estadual sejam alinhados com o Governo Federal e, por outro,
que se reconheçam os papéis, os limites e os constrangimentos para a atuação de cada instância
governamental.


                                                                                                                        31
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O arranjo federativo deve basear-se no princípio de que a divisão de trabalho entre os
BDMG
40 anos




          níveis de governo precisa refletir as possibilidades de eficiência de cada um de seus níveis —
          municipal, estadual e federal — e necessita ser conciliada com as aspirações de autonomia e auto-
          governo das populações.
                 Ao Município deve caber, preferentemente, a prestação e execução dos serviços públicos,
          observando-se o preceito da subsidiariedade. Coerente com essa posição, cabe ao governo de
          Minas, a médio e a longo prazo, ampliar a municipalização da saúde, educação e outros serviços
          sob sua responsabilidade e a dos governos locais. À União caberiam, como fiadora da eqüidade e
          da igualdade que deve prevalecer entre os membros da Federação, os papéis ligados ao
          financiamento, à compensação de diferenças regionais de renda e de riquezas e ao estabelecimento
          de normas gerais com respeito a provisão e implementação das políticas públicas.
                 Ao Governo Estadual competiria, ainda, a regulação que lhe for atribuída constitucionalmente
          e a ação supletiva e complementar à União e aos municípios, para assegurar eficiência, efetividade e
          equidade das políticas sociais.
                 Um exemplo claro da necessidade desse papel são as políticas compensatórias de emprego
          e de habitação. Se os municípios decidem implementar políticas complementares à União nessas
          dimensões, o resultado será a imigração desordenada, que vai onerar os mais dinâmicos, produzindo
          efeitos bumerangue, gravosos e contrários à intenção original dessas políticas. A União não teria
          instrumentos para remediar esse problema, pois não dispõe de capacidade de coordenar o universo
          dos municípios. Além disso, as preferências da sociedade local são melhor conhecidas pela classe
          política regional. Esse exemplo ilustra a função fundamental das unidades federativas na correção
          de falhas de coordenação. Tais falhas de coordenação existem em praticamente todas as políticas
          sociais7 e em várias das dimensões relevantes das políticas de desenvolvimento.
                 No caso de políticas sociais, à unidade federativa cabe coordenar a alocação de recursos de
          forma a maximizar o bem-estar social da região. Esta coordenação deve-se dar por meio de marcos
          institucionais e regulatórios e sistemas de incentivos que induzam os municípios a atuarem em
          conformidade com as grandes diretrizes dessas políticas.


                    1.3.2. Por uma nova dinâmica de desenvolvimento em Minas
                 Consonante com os pontos acima expostos, as ações de desenvolvimento do governo de
          Minas devem desdobrar-se em duas grandes frentes. A primeira deverá procurar tirar partido das
          oportunidades exógenas de crescimento econômico, criadas com a retomada do desenvolvimento
          nacional, adaptando as políticas estaduais, mas também procurando influenciar as iniciativas de
          desenvolvimento levadas a cabo pela União. A segunda visa especificamente à promoção do
          desenvolvimento com base nos fatores endógenos. Cabe ao governo do Estado o papel de indutor
          e catalisador dos recursos dormentes e das potencialidades existentes no território mineiro, a
          mobilização e a articulação das forças sociais orientadas para o desenvolvimento e a criação de
          arranjos institucionais locais, regionais e estadual que propiciem a aceleração e a maturação desse
          processo em Minas.
                 Tal opção justifica-se não apenas pela crise por que passa a economia nacional, ou pela
          precariedade das finanças públicas estaduais, mas também pelas oportunidades de aproveitamento
          desse novo filão de crescimento.


              O vol. VIII do Minas Gerais do Século XXI contempla trabalhos sobre Saúde, Habitação, Segurança, Educação Pobreza e Emprego.
          7




     32   Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Uma das oportunidades endógenas para o desenvolvimento de Minas vincula-se à existência,




                                                                                                                                            BDMG
                                                                                                                                            40 anos
no território mineiro, de numerosas aglomerações produtivas, com diferentes graus de dinamismo
e em distintos estágios de consolidação. Cabe ao Governo Estadual apoiá-las e estimulá-las,
reforçando a oferta de capital humano de que precisam, levantando suas carências, inventariando
seus recursos, oferecendo informação e espaço institucional para a integração dos agentes políticos
econômicos locais e das lideranças das organizações comunitárias estruturadas, e mediando e
intermediando a solução dos problemas que podem tolher seu crescimento.
       Nos últimos anos, a economia mundial alcançou nível sem precedentes de articulação e
interdependência. Consumidores e produtores, crescentemente separados geograficamente,
encontram-se cada vez mais próximos. Os fluxos financeiros passaram a se mover em velocidade
instantânea. A produção se globalizou e a competição, agora, é de todos contra todos, ou de
blocos contra blocos, e acirrada. Em conseqüência, mudou a ordem econômica internacional,
provocando crises, mas ensejando também oportunidades.
      No plano das empresas teve lugar processo semelhante. A organização vertical da produção
cedeu lugar à terceirização e a formação de cadeias produtivas. A grande empresa volta-se cada
vez mais para o seu core business, e a questão da eficiência e da inovação tecnológica não se põe
apenas para ela, mas para toda sua cadeia de produção, com diferentes fornecedores e empresas.
Sobrevive nessa etapa nova da organização econômica mundial quem detiver vantagens
competitivas.
        Diante desse quadro, o objetivo do desenvolvimento de Minas deve ser o aumento da
competitividade de sua plataforma econômica; o alvo, as cadeias produtivas e as aglomerações de
base territorial; e o instrumento principal, a mobilização dos atores organizados nas comunidades
locais e regionais. O objetivo maior deve ser o de transformar as vantagens comparativas de
Minas Gerais em vantagens competitivas reais e duradouras, com impacto além de suas fronteiras
físicas dentro do Estado8 .
       Isso não quer dizer que o governo de Minas deva deixar de fazer investimentos em capital
social básico que se afigurarem necessários para o progresso do Estado. Deve buscar fazê-lo
preferentemente por meio de parcerias, ou delegando a tarefa através de concessões, ficando a
seu cargo apenas nos casos em que, por razões de escala, não houver economicidade para
capitais privados.
       A nova dinâmica do desenvolvimento mineiro reclama a contrapartida de mudanças no
aparato público mineiro. Para responder à nova exigência, é preciso reestruturar a máquina
governamental de Minas, fortalecendo o planejamento — não o planejamento compreensivo e
com pretensões oniscientes e onipotentes, mas o planejamento adaptativo ou um muddling through
articulado e deliberado —, redesenhando suas instituições e organizações e aprendendo a operar
em moldes participativos, e não por decreto ou por um fiat governamental.
       A nova dinâmica do desenvolvimento de Minas requer, além de um estilo novo de atuação
do Estado, a inclusão ativa a esse processo da classe política, dos empresários, do poder público
municipal, das lideranças organizadas das comunidades e das organizações não-governamentais.
Tais mudanças respondem a necessidades trazidas pela redemocratização do País e pelas exigências
da construção-consolidação da ordem democrática entre nós. Dentre essas exigências novas estão
a transparência, o controle social do Estado e a participação. Na ambiência do desenvolvimento
democrático, os mecanismos da ação do Estado precisam ser porosos e aptos a abrigar os reclamos
dos protagonistas desse processo.

    As idéias aqui expostas beneficiaram-se de sugestões discutidas com William Penido e Glaucia Penido.
8




                                                                                                                                           33
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BDMG
40 anos




                    1.4. Os atores do desenvolvimento

                    A Classe Política e o Desenvolvimento de Minas
                 A imagem do político mineiro é em geral marcada por traços e chavões que o retratam como
          avesso à inovação, fortemente orientado pela tradição e pouco empreendedor. Embora sejam-lhe
          atribuídas também virtudes e habilidades de negociação e conciliação, a representação que dele se
          faz é, no conjunto, negativa.
                Avaliar a qualidade da classe política é sempre tarefa árdua e de difícil mensuração.
          Freqüentemente, em lugar de resultado abalizado pela pesquisa científica, lida-se com estereótipos9 .
                 Contrastam com essa imagem e a desautorizam a trajetória de governantes de Minas que,
          mais cedo do que os políticos de outros Estados, deram mostras de interessar-se pelas questões do
          desenvolvimento mineiro. Para registrar esse contraponto, basta lembrar que o primeiro sítio planejado
          e destinado a sediar indústrias, a Cidade Industrial de Contagem, foi obra de um governador mineiro,
          Benedito Valadares.
                 Minas é o Estado com mais a longa e forte tradição de planejamento entre seus pares na
          Federação. Belo Horizonte foi a primeira de uma série de capitais planejadas no País. Ainda no
          começo do século XX, o governador João Pinheiro promovia feiras e tomava medidas para propiciar
          o progresso de Minas. Em 1941, deu-se a criação da Cidade Industrial; em 1947, o governo do
          Estado lançava o Plano de Recuperação e Fomento da Produção, com o deliberado intento de contrapor-se
          à perda de substância da economia mineira, descrita como “uma economia colonial que exporta e
          vende matérias-primas a baixos preços e compra e importa, em troca, manufaturas de maior
          valor”(Minas Gerais, p.26). Em 1950, o governo mineiro lançou o Plano de Eletrificação de Minas
          Gerais, que teria como desdobramento a criação da Cemig.
                Nos anos 60, o BDMG, então uma jovem instituição, realizou o Diagnóstico da Economia Mineira,
          que expôs o atraso da economia do Estado e abriu caminho para a vigorosa recuperação nos anos
          seguintes.
                 João Pinheiro, Milton Campos, Juscelino Kubistcheck, Israel Pinheiro e Rondon Pacheco
          marcaram suas administrações à frente do governo de Minas por atuações fortemente orientadas
          para o terreno do desenvolvimento da economia.
                 Não há razões para supor que a classe política mineira não venha a reconhecer a necessidade de
          engajar-se decisivamente em ações para a promoção do desenvolvimento e a melhoria da qualidade de
          vida dos mineiros, nos moldes que agora se propõe. Resta saber como fazê-lo. Diferentemente das
          vezes anteriores, quando o esforço desenvolvimentista foi liderado pelo Executivo, hoje é imprescindível
          contar com o Legislativo estadual e as lideranças políticas municipais para esse empreendimento.
                Um primeiro ponto a superar é a limitação que a Constituição de 1988 impôs à atuação das
          assembléias legislativas estaduais. A nova Carta estipulou competências residuais para os legislativos
          dos Estados. Cabe-lhes tomar iniciativas apenas sobre matérias que não fazem parte das atribuições
          da União e do Município. É-lhes permitido, em caráter complementar, legislar sobre outras questões,
          mas subordinados a orientações e princípios gerais estabelecidos por lei federal.

              A Ciência Política dispõe de métodos e técnicas para fazê-lo, mas eles não existem quando se trata da classe política mineira.
          9




     34   Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Entretanto, apesar desse desequilíbrio do arranjo federalista, sobram espaços para o poder




                                                                                                                         BDMG
                                                                                                                         40 anos
legislativo dos Estados atuarem, e a Assembléia de Minas pode e deve fazer muito pelo
desenvolvimento mineiro. Antigamente conhecida como “lei de meios”, o orçamento é peça de
elaboração conjunta do Executivo e Legislativo estaduais. É nele que estão contidas as provisões
de recursos financeiros para as atividades do poder público.
       A feitura do orçamento estadual deve alinhar-se ao esforço desenvolvimentista. Mas o
papel do Legislativo não deve ficar adstrito ao exame e à aprovação da proposta orçamentária do
Executivo, legitimando-a ou não. Compete-lhe ir além e acompanhar e avaliar a execução dos
programas nela contidos, verificando se os efeitos que deles se esperavam foram alcançados,
ouvindo autoridades responsáveis por sua execução e os públicos-alvo supostamente por eles
beneficiados, para verificar o acerto das medidas, os desvios de rotas e os erros porventura
cometidos tanto em sua concepção quanto em sua implementação.
       A intervenção na realidade social e econômica, através de políticas, programas e projetos,
é tarefa complexa e sujeita a incertezas de várias ordens. Boa parte dos problemas atacados é
pouco conhecida, e a teoria, argumento ou idéia subjacente às medidas públicas para saná-los têm
caráter quase experimental. A avaliação dos programas, ao apontar os erros e ao identificar os
acertos, concorre decisivamente para a aprendizagem requerida para melhorar a ação do Estado.
       Não é só por esse ângulo que a tarefa do Legislativo de avaliar as políticas públicas estaduais
se faz necessária e possível. A implementação de políticas não é um processo automático. Decisões
tomadas em instâncias mais altas da burocracia são interpretadas e podem ser distorcidas; e,
quando há a intervenção de diversos agentes, é necessária a coordenação, o que pode retardar o
processo e alterá-lo. O trabalho do Legislativo, monitorando e acompanhando de perto as ações
do Executivo, é fundamental para identificar falhas de execução, problemas não antecipados e
conflitos de interesses que porventura se manifestem no curso da implementação de políticas.
       Entretanto, não apenas por isso se postula a participação da classe política no
desenvolvimento mineiro. A estratégia que se preconiza para esse processo em Minas, com ênfase
em ações integradas e prioridade concedida para as aglomerações de atividades produtivas, supõe
a mobilização do capital social das comunidades locais, a mobilização de suas lideranças formais
e informais e das organizações não-governamentais com atuação na região. Os representantes
políticos dessas comunidades no parlamento estadual não poderiam ficar ausentes.
       A atuação do Estado, nos moldes acima delineados, implica de fato a criação de novas
instâncias públicas de decisão. Excluir, ou não contar com a presença ativa de parlamentares
junto a essas arenas novas de deliberação política, poderia levá-las a colidir ou a entrar em conflito
com as instituições formalmente encarregadas da representação da vontade popular no Estado.
       Sabe-se que, apesar da inexistência da representação por distritos e embora a legislação
eleitoral propicie a escolha de representantes votados em todo o território estadual, grande parte
do corpo de legisladores estaduais de fato representa regiões e sub-regiões do Estado. Em outras
palavras, os deputados, tanto federais quanto estaduais, são, na sua maioria, também deputados
distritais. Não bastassem ao deputado outras qualificações advindas de seu papel como
representante político da população, essa, por si só, já o torna um interessado nas questões locais,
com direito a assento nas novas instâncias de deliberação que vierem a ser criadas para a mobilização
das comunidades em prol do desenvolvimento de Minas.
       Colocados frente a frente com as lideranças locais e as entidades das comunidades que
representam, os parlamentares teriam todas as razões para se comprometerem com o que for
decidido e se empenharem com o encaminhamento da solução junto a outras instâncias, inclusive
e principalmente, a Assembléia Legislativa de Minas.


                                                                                                                        35
                                                                        Capítulo 1 - Desenvolvimento: missão de todos
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Transformando o poder público

  • 1. MINAS GERAIS DO SÉCULO XXI TRANSFORMANDO O PODER PÚBLICO: A BUSCA DA EFICÁCIA VOLUME IX
  • 2. MINAS GERAIS DO SÉCULO XXI VOLUME IX TRANSFORMANDO O PODER PÚBLICO: A BUSCA DA EFICÁCIA Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais 1 Apresentação
  • 3. BANCO DE DESENVOLVIMENTO DE MINAS GERAIS S.A. - BDMG Conselho de Administração José Augusto Trópia Reis - Presidente Murilo Paulino Badaró - Vice-Presidente Edgard Martins Maneira Elvira Fonseca Garcia Fábio Proença Doyle José Pedro Rodrigues de Oliveira Diretoria Murilo Paulino Badaró - Presidente Francisco José de Oliveira - Vice-Presidente José Lana Raposo Ignácio Gabriel Prata Neto Júlio Onofre Mendes de Oliveira Coordenação do Projeto Tadeu Barreto Guimarães - Coordenação Geral Marco Antônio Rodrigues da Cunha - Coordenação Executiva Marilena Chaves - Coordenação Técnica Equipe Técnica do Departamento de Planejamento, Programas e Estudos Econômicos – D.PE Bernardo Tavares de Almeida Frederico Mário Marques Gislaine Ângela do Prado Juliana Rodrigues de Paula Chiari Marco Antônio Rodrigues da Cunha Marilena Chaves Tadeu Barreto Guimarães - Gerente Apoio Administrativo Cristiane de Lima Caputo Diully Soares Cândido Gonçalves Henrique Naves Pinheiro Hiram Silveira Assunção Marta Maria Campos 3 Apresentação
  • 4. As idéias expostas nos textos assinados são de responsabilidade dos autores, não refletindo necessariamente a opinião do BDMG. BANCO DE DESENVOLVIMENTO DE MINAS GERAIS S.A. - BDMG Rua da Bahia, 1600, Lourdes 30160.907 Caixa Postal 1.026 Belo Horizonte - Minas Gerais Tel : (031) 3219.8000 http://www.bdmg.mg.gov.br e-mail: contatos@bdmg.mg.gov.br Editoração de Textos IDM / Técnica Composição e Arte Criação da Capa Fernando Fiúza de Filgueiras Projeto e Produção Gráfica Fernando Fiúza de Filgueiras Otávio Bretas Rona Editora Ltda Avenida Mem de Sá, 801 Santa Efigênia 30260-270 Belo Horizonte/ MG Telefax: (31) 3283-2123 Revisão e Normalização Dila Bragança de Mendonça Elzira Divina Perpétua (Coordenação) Marlene de Paula Fraga Raquel Beatriz Junqueira Guimarães Vicente de Paula Assunção Virgínia Novais da Mata Machado Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais Minas Gerais do Século XXI / Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais. B213m 2002 Belo Horizonte: Rona Editora, 2002. 10 v. : il. - Conteúdo: v.1 - O Ponto de Partida. v. 2 - Reinterpretando o Espaço Mineiro. v. 3 - Infra-Estrutura: sustentando o desenvolvimento. v. 4 - Transformando o Desenvolvimento na Agropecuária. v. 5 - Consolidando Posições na Mineração. v. 6 - Integrando a Indústria para o Futuro. v. 7 - Desenvolvimento Sustentável: apostando no futuro. v. 8 - Investindo em Políticas Sociais. v. 9 - Transformando o Poder Público: a busca da eficácia. v. Especial – Uma Visão do Novo Desenvolvimento 1. Condições econômicas – Minas Gerais. 2. Desenvolvimento econômico – Minas Gerais. I. Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais. II. BDMG. III. Título CDU: 338.92(815.1) Catalogação na publicação: Biblioteca BDMG 4 Minas Gerais do Século XXI - Volume I - O ponto de partida
  • 5. VOLUME 9 TRANSFORMANDO O PODER PÚBLICO: A BUSCA DA EFICÁCIA Coordenação do Projeto Tadeu Barreto Guimarães - Coordenação Geral Marco Antônio Rodrigues da Cunha - Coordenação Executiva Marilena Chaves - Coordenação Técnica Coordenadores Técnicos do Volume Bernardo Tavares de Almeida (D.PE/BDMG) Luís Aureliano Gama de Andrade (Cientista político, consultor e professor da Faculdade de Ciências Humanas de Pedro Leopoldo) Marilena Chaves (D.PE/BDMG) Tadeu Barreto Guimarães (D.PE/BDMG) 5 Apresentação
  • 6. 6 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
  • 7. SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................................................ 9 1. DESENVOLVIMENTO: MISSÃO DE TODOS ..................................................................................................... 13 2. REFORMULANDO A MÁQUINA PÚBLICA ........................................................................................................ 47 3. RESGATANDO AS FINANÇAS PÚBLICAS ............................................................................................................ 91 4. POLÍTICAS PÚBLICAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS PARA A REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE (RMBH) ........................................................ 127 5. O FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO: O PAPEL DAS AGÊNCIAS DE FOMENTO E O BDMG .............................................................................................................. 165 POSFÁCIO .......................................................................................................................................................................... 215 7 Apresentação
  • 8. 8 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
  • 9. Apresentação Este volume do Minas Gerais do Século XXI — Transformando o Poder Público: a busca da eficácia — tem o objetivo de indicar os novos desafios que se impõem ao Estado e os principais instrumentos para alcançá-los. Propositadamente, este volume encerra esse amplo estudo sobre Minas Gerais. Parte-se da premissa de que, atualmente, não é suficiente que o Poder Público Estadual execute bem suas tarefas, mas que execute bem o que deve ser feito. Novo século, novas Minas Gerais só virão com um Estado eficaz. Aqui sintetizado, o papel esperado do Estado foi sendo construído ao longo dos demais volumes, nos quais se mostrou que a tarefa do Poder Público Estadual perpassa todos os setores econômicos e sociais e, enfim, tem influência nos resultados dos mercados e na qualidade de vida das pessoas. Registre-se desde já a principal característica deste volume: a coragem. Para mostrar os desafios, identificar os problemas e indicar soluções nem sempre indolores. O volume se inicia pelo papel do Estado no novo desenvolvimento, em bases sustentadas e sustentáveis. Apresenta, no capítulo 1, o entendimento atual sobre o desenvolvimento e, principalmente, o papel do governo estadual nessa missão que, ressalte-se, não é só do Estado, mas de todos os atores sociais que influenciam e são influenciados pelo desenvolvimento. O Estado, autonomamente, não é capaz de promover o desenvolvimento, tampouco de o reconhecer claramente. Mas é capaz e fundamental na coordenação e no incentivo aos diversos atores envolvidos no desenvolvimento: trabalhadores, empresários, classe política e terceiro setor. Não se apregoa, no trabalho, a participação altruísta da sociedade, mas sim, de uma sociedade devidamente incentivada pelo Estado. O capítulo 1, Desenvolvimento: missão de todos, tem como idéia-força a noção de que o desenvolvimento envolve muito mais do que o essencial crescimento da economia. O objetivo do desenvolvimento é proporcionar qualidade de vida às pessoas desta e de futuras gerações, por isso deve ser sustentável. Ao identificar uma crise de identidade dos estados federados, o estudo apresentado no Capítulo 1 identifica o papel das unidades federativas, indicando quais as novas tarefas dos governos estaduais. As políticas sociais e de desenvolvimento regionais, se é que existe tal distinção, têm como principal articulador o Poder Público Estadual. Nas políticas sociais, destacam-se aquelas abordadas no volume VIII do Minas Gerais do Século XXI: saúde, educação, segurança pública, trabalho, pobreza e habitação. Nas políticas de desenvolvimento, por exemplo, indicam-se as funções do Poder Público Estadual no incentivo às aglomerações produtivas locais, no alinhamento às políticas nacionais de desenvolvimento e nas políticas para a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Em seguida, o trabalho situa as tarefas da classe política, de empresários e das entidades do terceiro setor no desenvolvimento. O capítulo 2 – Reformulando a máquina pública – parte, exatamente, da constatação do capítulo inicial, de que o Estado, apesar de necessário, não se encontra alinhado com os novos preceitos do desenvolvimento. Após o estabelecimento de um breve marco conceitual sobre a administração pública e algumas experiências internacionais, o trabalho descreve as experiências de reformulação da máquina pública do governo federal e de alguns estados federados. Mostra, em seguida, que o ambiente econômico atual é distinto daquele observado na década de 1970, quando a abundância de recursos afrouxava os limites e ampliava as escolhas na atuação do Estado. 9 Apresentação
  • 10. No caso de Minas Gerais, a reforma das finanças estaduais implementada no início da década de 1970 serve como exemplo de que Minas Gerais pôde ser pioneira na retomada do desenvolvimento, e que o equilíbrio das finanças públicas, embora não suficiente, é imprescindível ao desenvolvimento. Após sintética radiografia da máquina pública mineira, de seus principais componentes, são apresentadas as linhas de ação para transformar a administração pública do Estado. Destaca-se a proposta de gestão por programas, que dinamiza a administração pública e cria mecanismos de verificação de resultados e incentivos. Mas o fortalecimento do planejamento figura, certamente, como uma das principais propostas apresentadas. Planejamento em moldes diferentes do observado no passado, pois se propõe claramente a definição das prioridades ou metas após a identificação dos recursos existentes, atenuando-se o risco de se criar peças de ficção. O capítulo 3 – Resgatando as finanças públicas – decorre da conclusão obtida no capítulo anterior sobre a necessidade premente de equilibrar as finanças públicas. O capítulo mostra a realidade das finanças públicas em Minas Geras e aponta o problema: a previdência dos servidores estaduais. O trabalho tem a virtude de desmistificar algumas questões, como o impacto da dívida pública no déficit estadual, que, ao contrário do que pensam alguns, não é o nó górdio das finanças estaduais. Em outras palavras, a redução nos encargos com a dívida, embora importante, não representa solução definitiva. Outro apontamento importante do trabalho é com relação à forma de ajuste que vem sendo implementada. O engessamento das finanças mineiras, isto é, a impossibilidade de redução nas despesas e reordenamento nas receitas têm feito com que o ajuste se dê na conta de custeio. Os níveis atuais de gastos com custeio inviabilizam o funcionamento eficaz da máquina pública, nos moldes delineados no capítulo 1, em que as funções coordenadora e reguladora do Governo Estadual são essenciais. A questão previdenciária, em Minas Gerais, no Brasil e em outros estados, permanece na pauta como um dos principais problemas, de curto e longo prazos, enfrentados pela administração pública. Em Minas, como demonstrado no capítulo, se nenhuma nova medida for tomada, nos próximos 10 anos alcançaremos uma situação de insustentabilidade, com prejuízos à eficácia da máquina pública e, principalmente, com riscos para os ativos e inativos do Estado. É dever do Estado zelar pelo bem-estar dos que contribuíram e ainda contribuem para seu funcionamento, mas só um esforço conjunto, com a participação dos servidores, pode equacionar a questão. No capítulo 4 – Políticas Públicas do Estado de Minas Gerais para a Região Metropolitana de Belo Horizonte – as políticas para a RMBH são analisadas em duas dimensões: local e global. Na dimensão local, os principais problemas econômicos e sociais da Região Metropolitana são apontados. e propostas para superá-los são sugeridas. É analisada, também, a RMBH como fonte de “insumos” – trabalho especializado, serviços de alta tecnologia, etc. – para outras regiões do Estado. Do ponto de vista global, a Região Metropolitana é tratada como o portal de Minas para o mundo, o locus de atração do Estado, nesse mundo globalizado, de pessoas e instituições dos setores tradicionais e, principalmente, dos modernos e emergentes setores. O fomento ao desenvolvimento foi identificado como uma importante tarefa do governo Estadual. O capítulo 5 – O financiamento do desenvolvimento: o papel das agências de fomento e o BDMG – pretende delimitar a atuação do Estado, em particular do BDMG, no fomento econômico, indicando as necessidades de ação para a agência mineira nesse novo contexto de desenvolvimento. O alinhamento às políticas federais, aos fatores exógenos, e o apoio aos setores produtivos essenciais ao desenvolvimento sustentável devem ser os focos das políticas de fomento. 10 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
  • 11. O trabalho apresentado do capítulo 5 mostra que, além da indústria de transformação, setor-chave da economia mineira, o sistema de fomento mineiro deve olhar com atenção para o desenvolvimento tecnológico, a infra-estrutura e o meio ambiente, e as micro e pequenas empresas. Novos mecanismos são propostos, como as parcerias público-privado e project finance na infra- estrutura, adoção do “protocolo verde” pelo BDMG no meio ambiente e apoio às micro e pequenas empresas nas aglomerações locais de maior potencial. O BDMG, ao ousar em um trabalho tão amplo sobre Minas Gerais, sobre a Minas Gerais do Século XXI, não poderia deixar de falar de si, de forma transparente e sem caráter reivindicativo. Propõe-se, para a agência de fomento mineira, entre outras coisas, uma medida nacionalmente inovadora na administração pública estadual: o estabelecimento de um contrato de gestão entre o governo estadual e o BDMG. O contrato de gestão permite que a sociedade, através do governo, estabeleça metas para o BDMG, fornecendo-lhe os meios. Isso representa um importante mecanismo de incentivo para o BDMG e, permite que se justifique para sociedade a existência da agência mineira de fomento. 11 Apresentação
  • 12. 12 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
  • 13. MINAS GERAIS DO SÉCULO XXI VOLUME IX TRANSFORMANDO O PODER PÚBLICO: A BUSCA DA EFICÁCIA CAPÍTULO 1 DESENVOLVIMENTO: MISSÃO DE TODOS Luís Aureliano Gama de Andrade (Cientista Político, Consultor e Professor da Faculdade de Ciências Humanas de Pedro Leopoldo)
  • 14.
  • 15. SUMÁRIO 1.1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................................... 17 1.2. DESENVOLVIMENTO: A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ECONÔMICO CONTEMPORÂNEO ....................................................................................................................... 19 1.2.1. O pensamento sobre o desenvolvimento no Brasil ............................................................................................... 23 1.3. BRASIL: O NOVO DESENVOLVIMENTO E O NOVO ESTADO ............................................................... 28 1.3.1. Minas Gerais e o novo desenvolvimento ............................................................................................................... 31 1.3.2. Por uma nova dinâmica de desenvolvimento em Minas ..................................................................................... 32 1.4. OS ATORES DO DESENVOLVIMENTO ............................................................................................................... 34 1.5. CONCLUSÕES .................................................................................................................................................................... 42 1.6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................................................................... 43
  • 16.
  • 17. BDMG 40 anos 1.1. Introdução O Estado não é ente estático, invariante às circunstâncias históricas ou a mudanças na conjuntura internacional ou nacional. No último quarto de século, o surgimento da crise fiscal que abalou o chamado Estado de Bem-Estar, o fim da guerra fria e do conflito capitalismo vs. socialismo e o processo de globalização foram determinantes de profundas alterações por que vem passando a ordem econômica internacional. No centro dessas transformações encontra-se o próprio Estado-Nação e seu papel no tocante ao desenvolvimento e ao mercado. Não se completou ainda o ciclo dessas mudanças e nem se logrou tampouco a decantação histórica nos moldes do que ocorreu, por exemplo, em meados dos anos 30 do século passado, quando, em reação à crise de 29, teve origem no bloco dos países capitalistas um novo Estado, com tom intervencionista, ênfase no planejamento e com forte atuação social (Schonfield, 1965). Nos arranjos federativos, tais mudanças não se cingem ao âmbito da União. Ao contrário, desdobram-se em todos os planos e entidades que compõem a Federação, determinando a necessidade de ajustes e acomodações entre os entes federados. No caso brasileiro, estendem- se, além do Governo Federal, aos estados e municípios. Diante desse quadro, e tendo em vista os objetivos e proposições de políticas, é crucial delimitar com clareza a função do estado-membro na Federação brasileira e seu papel em relação às políticas públicas associadas ao desenvolvimento econômico e social. Mais especificamente, em relação ao governo de Minas Gerais, busca-se a resposta para a questão: qual deve ser o seu papel na promoção do desenvolvimento econômico e social do território mineiro? A resposta a essa indagação exige, preliminarmente, o enfrentamento de dupla questão: como se apresenta hoje a tarefa do desenvolvimento e que forma ou formato deve assumir o Estado em âmbito nacional para desincumbir-se da parte que lhe toca nessa missão. Missão que, ressalte-se, não é exclusiva do Estado, mas de todos os atores sociais envolvidos no desenvolvimento, destacando-se empresários, trabalhadores e organizações não-governamentais. Esses atores, se devidamente incentivados pelo Estado, podem alinhar-se à nova missão do desenvolvimento. Há quem considere que, após a Constituição de 1988, e com a privatização de empresas estaduais levada a cabo durante a década de 90, os estados passam hoje por aguda crise de identidade, emparedados entre a União e os municípios. De fato, com a municipalização de diversos serviços públicos e a privatização ou extinção de empresas estaduais de infra-estrutura e do setor financeiro, os governos estaduais perderam importantes instrumentos de políticas públicas. Até o início dos anos 90, por exemplo, os bancos comerciais estaduais constituíam mecanismos que, na prática, permitiam relaxamento da restrição orçamentária dos estados, com impactos na política monetária nacional. A estabilização da economia determinou, em alguma medida, o fim dessas instituições e, com efeito, os estados perderam importantes fontes de recursos. Da mesma forma, a saída de alguns estados de importantes setores de infra-estrutura determinou o fim de uma época em que as tarifas públicas não eram alinhadas com os custos, e a oferta de serviços pretensamente respeitava questões de universalização ou, de fato, pressões políticas, conflitantes com a busca da eficácia. 17 Capítulo 1 - Desenvolvimento: missão de todos
  • 18. A despeito das análises das vantagens e desvantagens para o bem-estar social de empresas BDMG 40 anos públicas vis-à-vis a empresas privadas, o que importa é que o ambiente parece estar definido, isto é, não existe atualmente o espaço para o Estado empresário observado no passado, seja por uma opção político-ideológica, seja por restrições fiscais. Nesse novo ambiente, é preciso redefinir, de fato e não de jure, o papel das unidades federativas, partindo do que cada ente da Federação pode e deve fazer para induzir o desenvolvimento econômico e social. Com base no que se pode esperar da União, dos estados e dos municípios no tocante ao desenvolvimento é que se deve cogitar a reformulação da máquina pública estadual, com o estabelecimento do arcabouço institucional e das medidas gerenciais que a alinhem com a divisão de trabalho nos demais entes da Federação. A manutenção do aparato público estadual não articulado com os novos desafios do Estado representa um entrave ao desenvolvimento. Na seção seguinte, busca-se delinear a evolução do pensamento sobre desenvolvimento, seus principais determinantes e o papel do Estado, em sentido amplo. A seção 1.3 mostra qual o papel das unidades federativas nesse modelo de desenvolvimento, e especifica os instr umentos desejáveis para o alinhamento da máquina pública estadual ao novo desenvolvimento. A seção 1.4 mostra os papéis das classes políticas, de empresários e do setor não-governamental no desenvolvimento. E a seção final tenta brevemente sintetizar as conclusões. 18 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
  • 19. BDMG 40 anos 1.2. Desenvolvimento: a evolução do pensamento econômico contemporâneo Mudanças nas conjunturas nacional e internacional vêm determinando a necessidade de pensar novos modelos, tanto para o desenvolvimento quanto para o Estado. No tocante aos modelos de desenvolvimento, a primeira observação é de que, aplicados indistintamente a diferentes países, têm grande probabilidade de fracasso. O que serve para um, possivelmente não serve para os outros, pois não há um caminho único para o progresso. A história, as normas sociais, as instituições, o ambiente econômico, político e sociocultural de um país, condicionam e determinam a trajetória de seu crescimento (Hoff e Stiglitz, 2001). A primeira geração do pensamento sobre o desenvolvimento, gestada na década de 50, considerava o crescimento da riqueza per capita do país como o principal indicador e meta para alcançar o desenvolvimento. Essa geração enfatizava a acumulação do capital físico como principal fonte de crescimento econômico. A idéia de que o crescimento da economia deveria suplantar o crescimento populacional para gerar um aumento na riqueza per capita é a base dos modelos de desenvolvimento da década de 501 . Acreditava-se, à época, que a taxa de poupança e o investimento associado em capital físico eram os principais determinantes do crescimento econômico. Países com taxas mais altas de poupança cresceriam mais, e a desigual distribuição de renda, sob algumas condições, seria benéfica ao crescimento (Lewis, 1954). A idéia de que os capitalistas poupam mais do que os trabalhadores e de que, em função disso, maior parcela da renda nas mãos dos primeiros significa maior crescimento chegou a ser aceita por algum tempo. Em relação ao papel do Estado, essa primeira geração do pensamento sobre o desenvolvimento, ainda sob os efeitos do rápido crescimento proporcionado pela reconstrução do capital físico do Plano Marshall na Europa, apostava na intervenção do Estado através da programação e do planejamento. Para os países em desenvolvimento, a receita era mais severa em relação à intervenção estatal. Presumia-se, para aqueles países, entre outras “falhas de mercado”, uma ausência de capacidade empreendedora e um sistema de preços não confiável. A “receita” proposta incluía mudanças estruturais, tendo o Estado como principal agente nesse processo. Surgem daí as políticas industriais, de substituição de importação e de alocação de recursos – externos ou não –, coordenadas e implementadas pelo Estado através do planejamento. Note-se que essa conformação do Estado negligenciava o papel de outros atores sociais nas políticas de desenvolvimento, isto é, cabia ao Estado definir a alocação de recursos, o rumo da economia. Pode-se afirmar que a primeira geração do pensamento sobre o desenvolvimento colocava este como uma “missão do Estado”. Embora a racionalidade econômica para a intervenção do Estado na economia fosse supostamente a presença de falhas de mercado, houve uma constatação de que muitas vezes as falhas de governo predominavam. Essas falhas de governo estariam associadas à oferta e demanda por intervenção do Estado, isto é, a grupos de interesse que demandam políticas favoráveis e àqueles que obtêm políticas favoráveis. As constatações de que nem sempre o bem-estar social Os principais modelos da década de 50 são o de Harrod-Domar, o modelo de estágios de desenvolvimento de Rostow, o dual de 1 Lewis, o de crescimento balanceado de Nukes, o big push de Rosenstein-Rodans e a hipótese sobre termos de troca e substituição de importações de Prebisch-Myrdal-Singer. 19 Capítulo 1 - Desenvolvimento: missão de todos
  • 20. era a principal preocupação dos governos e de que a acumulação de capital físico não BDMG 40 anos necessariamente determina o crescimento econômico deram origem à segunda geração do pensamento sobre o desenvolvimento. A segunda geração do pensamento sobre o desenvolvimento tem sua versão inicial no modelo neoclássico de crescimento (Solow, 1957). Esse modelo prediz que o país crescerá, no equilíbrio estacionário, a uma taxa igual à taxa de mudança tecnológica, dada uma taxa de poupança. Se a taxa de poupança for crescente, o país crescerá a taxas crescentes no curto prazo. Isso explicaria o caminho de alto crescimento, alta taxa de poupança, do Leste Asiático. Pode-se ter, portanto, múltiplos caminhos de transição que convergem em uma taxa de crescimento para um país. Se um país, como é o caso dos menos desenvolvidos, é caracterizado por baixo volume de capital, a hipótese de uma única função de produção para todos os países com retornos decrescentes sobre o capital faria com que este recebesse um fluxo externo de capital daqueles em que os retornos já estão em patamares menores; ou seja, países desenvolvidos remeteriam recursos para países menos desenvolvidos. Esta última afirmativa não foi sustentada por constatações empíricas, o que vislumbrou o relaxamento de algumas premissas neoclássicas. A segunda geração do pensamento sobre o desenvolvimento, paradigma dominante da década de 70 até o início da última década, também enfatizou o papel do capital humano na determinação do crescimento econômico. Ao contrário da primeira geração, esta concluiu que mais importante do que o nível de capital é a aplicação do capital, isto é, o modo como o capital é alocado. A fonte de crescimento, determinada pelo progresso tecnológico, seria proveniente de diferentes forças: I. aumento da qualidade da força de trabalho através da educação e treinamento; II. realocação de recursos para “usos” de alta produtividade; III. aproveitamento das economias e escala; IV. novas técnicas de gestão dos negócios. (Méier, 2001) Essas hipóteses explicariam a diferença, muitas vezes imutável, no desenvolvimento entre países, pois, supostamente, os países desenvolvidos teriam maior estoque de capital humano e aproveitar-se-iam melhor das economias de escala. O receituário dessa segunda geração para os países em desenvolvimento privilegiava as forças de mercado, preços e incentivos. As políticas governamentais associadas não deveriam distorcer os resultados do mercado. O Estado não mais era visto como um ente benevolente maximizador do bem-estar social, mas, sim, composto por agentes auto-interessados maximizadores do bem-estar individual que raramente coincidia com o bem-estar social. Surge então a idéia do governo minimalista, que deveria intervir somente nas falhas de mercado reconhecidas por essa segunda geração do pensamento sobre o desenvolvimento. Basicamente, educação, saúde e outras políticas sociais deveriam ser alvos de intervenção dos governos. O receituário universal, para ser aplicado em todos os países em desenvolvimento, recomendava as seguintes estratégias: I. liberalização comercial e financeira; II. promoção das exportações; III. privatização de empresas estatais; IV. programas de estabilização com disciplina fiscal e monetária; V. reforma tributária e desregulação dos mercados para diminuir as distorções nos preços e incentivos. 20 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
  • 21. Esse receituário deu origem ao célebre Consenso de Washington, ápice do pensamento BDMG 40 anos neoliberal, corrente “ideológica” associada ao Estado minimalista que guiou por algum tempo as orientações do FMI e do Banco Mundial. Na ideologia neoliberal, o desenvolvimento, com efeito, era uma “missão do mercado”. A experiência mostrou que uma receita única para todos os países, em geral, não resultava nos resultados esperados. Surgiram, no início da década de 90, hipóteses para explicar as diferenças no desenvolvimento entre países, denominadas por Méier (2001) de “novas falhas de mercado” e “falhas institucionais”. As novas falhas de mercado são o reconhecimento da existência de informação imperfeita, mercados e contratos incompletos e custos de transação. Além das falhas de mercado já reconhecidas – principalmente as externalidades e as falhas na competição – as novas falhas de mercado determinam novos mecanismos corretivos no ferramental do Estado. O setor financeiro e a agricultura, em alguma medida negligenciados pela primeira geração do pensamento sobre desenvolvimento, foram reconhecidos como fundamentais para o crescimento e o desenvolvimento dos países. No setor financeiro, por exemplo, a taxa de poupança, embora seja um importante determinante do crescimento dos países, não determina automaticamente o investimento, pois existem imperfeições no mercado de crédito. O papel do Estado, nesse caso, é garantir que os custos de transação e os riscos dos poupadores sejam baixos, o que implica alto retorno. Contudo, recentes desenvolvimentos das teorias de crescimento mostram que uma melhor distribuição de renda, ao contrário do que se pensava na década de 50, pode ter efeitos positivos no crescimento econômico, (Hoff e Stiglitz, 2001). O acesso ao crédito depende dos bens e propriedades que o tomador pode oferecer, ao agente de crédito, em garantia da operação. Países com distribuição muito desigual da renda têm mercados de crédito ineficientes e, como crédito tem um papel fundamental na geração de investimentos, o crescimento econômico acaba sento prejudicado. Isso porque indivíduos com boas oportunidades de negócios, mas sem riqueza para dar como penhor, não têm acesso ao mercado de crédito. Importa notar que o efeito de exclusão do acesso ao crédito, determinado pela má distribuição de renda, tende a se reproduzir no tempo. Os recentes programas de microcrédito tentam remediar essa imperfeição no mercado de crédito, criando um efeito catalítico sobre o crescimento econômico. É a terceira geração ou nova geração do pensamento sobre o desenvolvimento que reconhece a existência das falhas institucionais como gargalos para o desenvolvimento. Mas o principal avanço dessa nova geração é, na definição de desenvolvimento, seus indicadores e metas. O crescimento da riqueza — da riqueza per capita —, os indicadores não monetários de desenvolvimento — como o Índice de Desenvolvimento Humano —, a redução da pobreza e o estoque de capital humano compõem as metas de desenvolvimento presentes na primeira e, principalmente, na segunda geração do pensamento sobre desenvolvimento. A nova geração mostra que o desenvolvimento é um processo não-linear, multifacetado, com diversos caminhos e determinantes. Não existe um critério único para mensurar o desenvolvimento e nem uma receita universal para alcançá-lo. O desenvolvimento depende da história (condições iniciais do país), dos aspectos socioculturais e políticos e das instituições formais e informais (Adelman, 2001). Embora não exista um único critério para mensurar o desenvolvimento, Amartya Sen (1999) destaca que a liberdade é o objetivo primário do desenvolvimento e o principal meio de alcançá- lo. Segundo Sen, o desenvolvimento não pode estar desconectado da vida que as pessoas vivem e 21 Capítulo 1 - Desenvolvimento: missão de todos
  • 22. da verdadeira liberdade de que elas desfrutam. E o desenvolvimento como liberdade implica BDMG 40 anos diferentes tipos de liberdades interconectadas: liberdade política, oportunidades sociais, e liberdade transacional e de mercado. A liberdade política determina o desenvolvimento, pois o bem-estar social depende da liberdade política, liberdade para que todos os atores sociais possam se sentir representados de alguma forma. Países com liberdade política relativa, historicamente, não observaram grandes fomes com grande aumento da mortalidade nas classes mais pobres, mesmo em épocas de depressão econômica (Sen, 1999). A democracia funciona como uma proteção às classes mais vulneráveis. Uma queda na riqueza de um país (demonstrada pelo PIB) não implica, necessariamente, piora no seu desenvolvimento: quando este goza de relativa liberdade política, uma queda na riqueza não gera miséria, grandes fomes, aumento da mortalidade; isso mostra que a riqueza não é perversamente distribuída. As oportunidades sociais também determinam o desenvolvimento. Entenda-se por oportunidades sociais o acesso das pessoas à educação, boas condições de saúde e incentivo às iniciativas. A educação aumenta a capacidade humana e, além de seus impactos positivos sobre o crescimento econômico, substitui em certa medida a necessidade de mecanismos coercivos do Estado. Boas condições de saúde melhoram a vida das pessoas e exercem forte efeito na produtividade dos trabalhadores. E, por fim, o incentivo às iniciativas, proporcionado principalmente pelo acesso ao crédito e políticas de emprego, promove a inclusão social e o crescimento econômico sustentado. Obviamente os tipos de oportunidades sociais aqui ilustrados e outros existentes estão inter-relacionados, e precisam ser tratados em conjunto. A liberdade de mercado e transacional também figura como um importante determinante do desenvolvimento. O livre acesso das pessoas aos mercados e os baixos custos de transação melhoram as condições de vida, a eficiência econômica, geram crescimento econômico e, sob certas condições, eqüidade. Isso não significa que o livre mercado seja sempre socialmente desejável. Em alguns casos, como nas falhas na competição, o mercado não aloca eficientemente os recursos, sendo necessária a regulação do Estado. Se, como quer Amartya Sen, os diferentes e interconectados tipos de liberdade conduzem ao desenvolvimento econômico, a questão agora é saber de que forma se pode alcançar essa liberdade e qual o papel do Estado em promovê-la. A nova geração do pensamento sobre o desenvolvimento enfatiza o capital social, além do físico e do humano, como geradores do desenvolvimento. O capital social é definido por Collier (1998) como “a coerência interna social e cultural da sociedade, as normas e valores que guiam as interações entre os indivíduos, e as instituições em que elas estão inseridas”. Por exemplo, o capital social do governo incorpora os benefícios da lei, ordem, direitos de propriedade, educação e saúde. Como o capital social reduz os custos transacionais e informacionais, ele é uma fonte de crescimento econômico, pois torna o capital físico e o capital humano mais produtivos. Note-se, enfim, que o capital social depende do desenvolvimento do país e ao mesmo tempo o determina. A nova geração do pensamento sobre o desenvolvimento não advoga nem o Estado minimalista nem o Estado empresário. O papel do Estado é proporcionar um ambiente adequado ao desenvolvimento econômico, através de sua Constituição, leis, instituições e regulação. A forma e o grau de intervenção do Estado, ao contrário do que apregoa o Consenso de Washington, dependem do ambiente de cada país. A seguir são apresentadas breves notas sobre a evolução do pensamento sobre desenvolvimento, os desafios e caminhos para o desenvolvimento no Brasil. A partir daí, pode-se delinear o Estado de que precisamos para alcançarmos um novo desenvolvimento. 22 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
  • 23. 1.2.1. O pensamento sobre o desenvolvimento no Brasil BDMG 40 anos Seguindo a evolução mundial, desde meados do século passado, o desenvolvimento figura com destaque na agenda política nacional. Três grandes correntes de idéias formaram-se em torno da matéria, conforme apontado por Bielschowsky (2000). A primeira, liderada por Eugenio Gudin e Octavio Bulhões, era de feição tipicamente neoliberal. A segunda, que abrangia os chamados “desenvolvimentistas”, apresentava caráter heterogêneo. Dela participavam grupos distintos: os desenvolvimentistas do setor privado e os do setor público, estes últimos divididos entre os economistas “não nacionalistas” e os “nacionalistas” “. A terceira corrente era constituída pelos socialistas. A questão chave que estruturou o debate entre essas correntes e em torno da qual se nuclearam suas posições referia-se ao papel da industrialização. Os neoliberais não se opunham diretamente ao processo de industrialização, mas consideravam o equilíbrio monetário e financeiro condição essencial para a promoção do desenvolvimento do País. Consonante com essa premissa, advogavam a redução da intervenção do Estado, e eram visceralmente contrários a políticas públicas para apoiar a industrialização, embora não vetassem medidas governamentais para sanar as “imperfeições do Mercado” ou para lidar com as fases de depressão da economia (Bielschowsky, 2000, p.37). Os desenvolvimentistas opunham-se radicalmente a essa posição, especialmente a corrente ligada aos setores empresariais. Segundo Roberto Simonsen (Bielschowsky, 2000, p.83), esses defendiam incondicionalmente a industrialização porque seria esse o processo que fornecia as bases para o “progresso da civilização”. O legado do desenvolvimentismo Em meados dos anos 50, a corrente dos desenvolvimentistas havia-se tornado hegemônica no País. Desde então, as políticas adotadas pelo Estado brasileiro para descontar o atraso e promover a expansão da economia foram moldadas a partir das premissas dos desenvolvimentistas. Ora prevaleceu uma de suas divisões, ora outra, mas a tônica da política foi marcada fundamentalmente pela crença de que a tarefa do desenvolvimento deveria ser liderada pelo Estado, e não deixada às forças espontâneas do mercado. Forçoso reconhecer que, apesar das diferenças entre as correntes desenvolvimentistas, havia um núcleo de pontos convergentes, quais sejam: I. a necessidade do planejamento; II. a defesa da intervenção estatal no desenvolvimento deveria ser liderada pelo Estado e não deixada às forças espontâneas do mercado, seja por meio de inversões em infra-estrutura, seja por meio de investimentos diretamente produtivos em setores estratégicos, para suprir a insuficiência do capital nacional ou por subsídios; III. a participação do capital estrangeiro no processo; IV. a subordinação da política cambial e monetária à de desenvolvimento. Guardadas as distinções de estilo e escopo, tanto nos anos da presidência Kubitscheck (e mesmo um pouco antes) quanto no período do “milagre brasileiro”, a política econômica foi guiada por essas diretrizes. Construiu-se, não por acaso, no âmbito federal e também no dos Estados, um arcabouço público derivado diretamente do modelo desenvolvimentista. 23 Capítulo 1 - Desenvolvimento: missão de todos
  • 24. A criação do BNDE, replicada nos Estados, das estatais federais e estaduais, bem como a BDMG 40 anos incorporação do planejamento ao aparato público, representaram, de fato, a fundação de uma “institucionalidade econômica do desenvolvimento”, bem diversa da arquitetura de mercado cum regulação do Estado, prevalecente nos países desenvolvidos do mundo capitalista. A exceção a essa tendência deu-se durante o governo Castelo Branco, quando, com a instituição do Banco Central, a reforma fiscal e as medidas para fortalecer o mercado de capitais no País, foram lançadas as bases institucionais para a atuação do Estado em outros moldes. Por um desenvolvimento sustentado e sustentável no Brasil O velho desenvolvimento no Brasil, ao lograr vencer as barreiras da industrialização, expandiu e modernizou a agricultura e urbanizou o País; deixou, contudo, uma herança de novos dilemas, exigências e problemas a superar: em 1999, segundo o IPEADATA, 34,09% da população brasileira encontravam-se abaixo da linha da pobreza, e havia 22,6 milhões de indigentes; entre 1977 e 1999, houve queda na proporção desses contingentes na população total do país, mas o número absoluto cresceu: em 1977, o número de pobres era de 40,7 milhões; em 1999, atingiu 53,11 milhões; os indigentes eram 17,43 milhões em 1977, número que subiu para 22,6 milhões em 1999 (IPEADATA). Os piores índices ocorreram na década de 80: em 1988, a indigência atingiu 30,56% de toda a população brasileira. É verdade que entre os fins dos anos 70 e 90, quando a economia cresceu, a pobreza e a indigência, como proporção da população total, foram reduzidas, mas mesmo nesses períodos o número absoluto de pobres e indigentes continuava elevado, enquanto a desigualdade aumentou (Barros, Mendonça & Duarte, 1997). Tudo isso encarece a necessidade de uma vigorosa política de combate à pobreza, à parte das medidas destinadas a estimular o crescimento econômico. Mas, paralelamente, é preciso mudar a ênfase da política de desenvolvimento. Nas fases de expansão da economia brasileira, a prioridade foi concedida ao capital físico. Educação e saúde ficaram em plano secundário. Houve, é fato, a exceção, digna de nota, quando se disseminou a pós-graduação no Brasil. Mas o ensino fundamental, a cargo então dos estados, ficou relegado a segundo plano. A educação, por si só, pelo que representa para as pessoas, já justificaria maior atenção por parte dos governos. Contudo, seus efeitos se estendem mais além e são decisivos para o próprio desenvolvimento. A educação eleva a produtividade dos indivíduos, causa impactos positivos no crescimento do PIB, aumenta os salários e contribui para a diminuição da pobreza. Promove, além disso, a mobilidade social e concorre para maior igualdade social2 , sem contar seus efeitos positivos para a cidadania e para o processo político, de mais difícil mensuração. Estima-se que um ano a mais na escolaridade média da população brasileira elevaria a taxa de crescimento da renda per capita em 0,35 ponto percentual (Barros, Henriques & Mendonça, 2002, p.2). Lamentavelmente, segundo estudos recentes, “o Brasil apresenta um atraso, em termos de educação, de cerca de uma década em relação a um país típico com padrão de desenvolvimento similar ao nosso” (Barros, Henriques & Mendonça, 2002, p.16). Sobre a relação entre educação e desigualdade de renda, ver Barros, Henriques, & Mendonça, 2002. 2 24 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
  • 25. Inegáveis progressos têm ocorrido, nos últimos anos, na área educacional, depois que se BDMG 40 anos instituiu a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação e o Fundef, contudo isso não tem sido suficiente para compensar a defasagem do setor. Ínfima parcela das crianças em idade escolar encontra-se fora da escola, mas a qualidade da educação no ensino fundamental é ainda um problema. Adicionalmente, o segundo grau e o ensino técnico precisam ser significativamente incrementados. Encontrar meios para financiar a educação, incrementá-la, aumentar os anos de escolaridade da população e elevar a qualidade do ensino e da aprendizagem são, talvez, os maiores desafios que confrontam o desenvolvimento do País. Com os novos requerimentos de conhecimento exigidos pela transformação tecnológica dos nossos dias, saber ler, escrever e contar não é suficiente. À política educacional é preciso propor metas mais ousadas. Ignorar o nexo causal entre educação e desenvolvimento foi, sem dúvida, o maior equívoco das políticas de desenvolvimento postas em prática no Brasil. Perseverar nesse erro agora significaria comprometer definitivamente o futuro do País. Ao lado da educação, a saúde é o outro pilar do novo desenvolvimento. Por um longo tempo as questões sanitárias foram tratadas de forma residual entre nós. Ignorou-se sua contribuição para o desenvolvimento. Um direito social instituído pela Constituição de 1988, a saúde traz ganhos para a produtividade da educação, eleva a renda nacional, ao diminuir os dias perdidos de trabalho, e concorre para a redução da pobreza (Macroeconomics, 2001). A saúde está ligada à educação, saneamento, alimentação, enfim, às condições de vida. Mas enquanto não é possível sanar os problemas com os determinantes da saúde, é preciso remediá-los. A criação do SUS, no bojo da nova Carta Constitucional, representou um avanço, mas também trouxe novos dilemas. Com o novo sistema, as responsabilidades dos entes federativos pela política foram melhor definidas, cabendo à União a provisão dos recursos, e, aos municípios, a prestação de serviços. Os estados, entretanto, ficaram emparedados e difusos, competindo-lhes complementar a atuação do poder público municipal e algumas outras funções. O SUS paga ainda o preço da juventude, magnificado pela grandeza dos números e a complexidade dos problemas. Se trouxe ganhos, como os decorrentes da descentralização, a separação entre provisão e produção dos bens de saúde, entre outros, carece de reformulações e melhor aproveitamento de suas potencialidades. Outra área, que também deve integrar a linha de frente das políticas de desenvolvimento do País, é a da proteção ao meio ambiente. Embora tenha havido avanços desde meados dos anos 70, quando o tema veio à baila em encontro da ONU em Estocolmo e entrou na agenda dos países, entre nós a política ambiental tem-se dado em bases fragmentárias, marcada pela oscilação na prioridade que lhe concedem os governos. Conflitos de várias ordens, entre agentes produtivos que competem pelo uso de um determinado recurso, entre produtores e consumidores, entre habitantes das diferentes localidades onde se dá a produção e os depósitos dos resíduos, entre os que querem produzir e os que querem conservar, tornam inviável a solução dos problemas ambientais só via mercado. Ademais, no âmago da questão está o dilema do quanto e de como extrair as riquezas naturais para propiciar a satisfação atual das necessidades dos indivíduos, sem comprometer os processos de regeneração da natureza e sem prejudicar as gerações futuras. Em vista dessas razões, é inevitável a regulação do Estado3 . Ver a detalhada análise sobre o assunto, vol. VII. 3 25 Capítulo 1 - Desenvolvimento: missão de todos
  • 26. Mecanismos institucionais e leis existem tanto no nível federal quanto no da Unidade da BDMG 40 anos Federação4 . Licenciar atividades produtivas, fiscalizar e monitorar a qualidade das águas ou a extração de minerais, funções básicas para a proteção do meio ambiente e que hoje se encontram sob a jurisdição estadual, exigem estudos e pessoal altamente qualificado. A lentidão na elaboração de pareceres e respostas às solicitações de licenciamento ambiental acarretam danos à produção e desgastam os órgãos e a própria política ambiental. Urge tratar a proteção ao meio ambiente não como uma dimensão residual, mas, ao contrário, como uma categoria essencial do desenvolvimento, como proposto na noção de desenvolvimento sustentável5 . A discussão sobre o desenvolvimento ficaria incompleta se não enfrentasse a questão de como combinar restrições, recursos e valores, ou seja, a estratégia, ou como articular Estado, setor privado e os demais stakeholders para a consecução dos objetivos visados, isto é, a questão institucional do desenvolvimento. Nesse aspecto, cabe assinalar novamente a relevância do estabelecimento de mecanismos regulatórios e institucionais que gerem os incentivos corretos para os agentes. Em passado recente, nas experiências desse processo, no Brasil, era o Estado, em sentido amplo, quem ditava os rumos, estabelecia os objetivos e escolhia os meios. Cabia-lhe também papel não pequeno na implementação das políticas, na aplicação dos investimentos e até na criação e a gestão de empresas. Na realidade, o desenvolvimento foi tipicamente uma política de cima para baixo, decidida por uma elite tecnocrática à qual se associava uma parte da classe política e segmentos do setor empresarial. A mudança política do país, com a redemocratização, a crise fiscal e financeira e o próprio contexto atual do desenvolvimento estão a exigir nova moldura institucional para esse processo. O Estado, embora continue a ser ator decisivo, não é mais hegemônico. Pode muito, mas não pode tudo. O Brasil conta hoje com uma numerosa e dinâmica classe empresarial, e as decisões políticas dão-se dentro de um marco democrático, que requer negociação e acomodação dos interesses em conflito. A margem de ação do poder público acha-se limitada tanto pelas circunstâncias da crise por que passa a economia quanto pelas mudanças no quadro internacional. O novo desenvolvimento, em bases sustentadas e sustentáveis, é missão de todos, e não apenas do Estado. O QUADRO 1 compara os papéis do Estado no “velho” e no novo desenvolvimento. Ver, a propósito do assunto, Meio Ambiente e Desenvolvimento, neste Estudo. 4 Neste Estudo, no capítulo referente ao meio ambiente (volume VII), são apresentadas diferentes concepções do desenvolvimento 5 sustentável. Ver também a Agenda 21, documento do governo brasileiro a ser apresentado em reunião da Eco3, a se realizar em 2003 em Joanesburgo, que se encontra disponível no site do Ministério do Meio Ambiente. 26 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
  • 27. QUADRO 1 BDMG 40 anos O quot;VELHOquot; E O NOVO DESENVOLVIMENTO VELHO DESENVOLVIMENTO NOVO DESENVOLVIMENTO Período Kubistcheck Milagre Brasileiro Papel do Estado Hegemônico. Hegemônico. Regulador, garantidor da estabilidade, articulador e mobilizador da sociedade organizada. Planejamento do De cima para baixo, com De cima para baixo. Horizontal e participativo. desenvolvimento mobilização política a posteriori. Eixos da ação Capital físico. Capital físico, apoio à Estabilidade, capital humano desenvolvimentista indústria de base, e capital social. Estado-empresário. Instrumentos de Investimentos públicos. Investimentos públicos, Regulação, privatizações, política reservas de mercado, concessões, alianças e parceria investimentos produtivos com os setores organizados da com controle integral sociedade. do Estado. Financiamento do Poupança pública Poupança do Estado Poupança pública (limitada), desenvolvimento (abundante), (abundante), investimentos privados. investimento estrangeiro poupança privada (abundante). compulsória (abundante), capital externo, (abundante). Atores do Técnicos e políticos. Técnicos e organizações Técnicos, políticos, empresários desenvolvimento de grupos empresariais. e organizações estruturadas da sociedade. 27 Capítulo 1 - Desenvolvimento: missão de todos
  • 28. 1.3. Brasil: o novo desenvolvimento e o novo BDMG 40 anos Estado Desde o princípio dos anos 90, em resposta às transformações no quadro externo e interno do país, vêm ocorrendo mudanças na organização e no modo de atuação do aparato do Estado brasileiro, com reflexos diretos sobre o estilo e o modelo de desenvolvimento. A crise fiscal e financeira por que vem passando o País praticamente inviabilizou a estratégia levada a cabo na era desenvolvimentista da presidência Kubitscheck e no período do “milagre”. Desde meados dos anos 80, o poder público não conta com folga de recursos e nem pode recorrer à clássica solução da poupança compulsória, porque a carga tributária já se encontra em patamar muito elevado (Giambiagi, 2002). Paralelamente, a inserção crescente do Brasil no quadro da economia globalizada impõe modificações e restrições às políticas de desenvolvimento que limitam a possibilidade de o Estado lançar mão de instrumentos clássicos de financiamento do desenvolvimento, como, por exemplo, os subsídios. Acordos internacionais, como os estabelecidos com a participação na Organização Mundial do Comércio, reduzem cada vez mais o uso desses mecanismos. De fato, o modelo do Estado empresário, ápice da filosofia desenvolvimentista, não tem mais lugar no cenário atual do País e do mundo. Ainda que se possa tentar justificá-lo no passado, pelas peculiaridades do desenvolvimento tardio ou periférico, pelas limitações do capital nacional, os baixos fluxos de capital internacional ou pela pequena atratividade do Brasil para os investidores estrangeiros, hoje tal arranjo não mais se sustenta. A visão predominante considera que o espaço de atuação do Estado, em sentido amplo, é determinado principalmente pela presença de falhas de mercado, situações em que o mercado fracassa em alocar eficientemente os recursos. As falhas de mercado são muitas – externalidades, falhas na competição, informação imperfeita, mercados e contratos incompletos – e, com efeito, existe um grande espaço para a atuação do Estado, seja através de mecanismos regulatórios com possibilidade de imposição de taxa, subsídios e outros controles, seja, em alguns casos, através da provisão pública de bens e serviços6 . Dessa análise constata-se que visões maniqueístas, que tentam colocar, de um lado, o Estado empresário, e, de outro, o Estado minimalista, não incorporam os preceitos básicos da teoria econômica (Rodrik, 2002). O Estado pode e deve atuar quando há falhas de mercado; contudo, muitas vezes, é difícil identificar essas falhas e determinar quais são as melhores formas de intervenção do Estado na economia. Esse é o maior desafio que enfrentamos. O modelo do Estado empresário brasileiro exauriu-se no início da década de 90. Os ganhos que dele poderiam advir são mais que sobrepesados pelas desvantagens que acarretam na atualidade ou carregam para o futuro, tanto em termos econômicos quanto sociais. Isso não quer dizer que o Estado deva abdicar de exercer papel ativo na busca do desenvolvimento. Ao contrário, as carências da economia brasileira e o déficit social do País não foram eliminados, e o mercado, superior na alocação de recursos em muitos casos, não saberia nem teria como responder a esses desafios sozinho. Por outro lado, a globalização, com suas exigências de abertura do comércio e dos fluxos de capitais e de informação, somada à intensa revolução de base científico-tecnológica, sepultou de vez a quimera do desenvolvimento autárquico. Laffont e Tirole (1993) discutem as vantagens e desvantagens da provisão pública vis-à-vis à provisão privada regulada. O 6 principal resultado mostra que só uma análise caso a caso pode concluir em direção a uma ou outra forma de provisão. 28 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
  • 29. O País não encontrou ainda o molde certo para sua inserção na nova ordem econômica BDMG 40 anos internacional. Não somos mais a nação rural e agrária dos anos 40, que tinha no café o item principal de sua pauta de exportações. Temos uma base industrial sólida e diversificada, que, nos últimos anos, à medida que se dava a abertura comercial, tornou-se competitiva, mesmo não contando com subsídios e tratamento governamental privilegiado. A própria agricultura expandiu- se e modernizou-se, e apresenta hoje elevado nível de competitividade. Mas isso não significa a viabilidade de um projeto de desenvolvimento autônomo e fechado. Frente às circunstâncias históricas atuais, agravadas pela debilidade da economia brasileira, e considerando o estágio de crescimento alcançado no País e as exigências de participação e legitimidade políticas criadas com a consolidação da democracia entre nós, a missão do desenvolvimento exige um Estado eficiente e organizado em bases novas. Cabe-lhe, antes de mais nada, propiciar as condições e o ambiente para que floresçam os investimentos e o progresso. Tais exigências tornam imperiosa a estabilidade, não apenas a econômica e financeira, que requer a administração prudente dos recursos públicos, mas a estabilidade em seu sentido amplo, com a institucionalização de regras críveis, para que se alcance a previsibilidade de negócios, o que permitiria, assim, decisões com horizonte de tempo mais largo. Avulta nesse quadro o papel institucional e regulador que o Estado deve assumir entre nós. Mercado e Estado não são antípodas. Aquele precisa das garantias deste para operar. Só a confiança entre as partes não assegura o cumprimento dos contratos. A interação dos agentes econômicos seria caótica, se não houvesse leis, marcos institucionais e credibilidade para mediá-la. Tudo isso só se conquista a longo prazo, pois leva tempo para os agentes crerem que os governos não romperão ou não revisarão unilateralmente contratos frente a contingências ou pressões políticas inesperadas. Se, como se acredita atualmente, as instituições e a regulação determinam o desenvolvimento econômico, o desenho dessas instituições pode ser benéfico ou prejudicial ao desenvolvimento. A regulação pública não é, pois, invasão descabida dos mercados. Na realidade, é condição sine qua non para que os mercados existam, sejam completos e funcionem efetivamente. Códigos de consumidores ou legislações sobre sociedades anônimas que incentivem o disclosering são instrumentos indispensáveis para fazer valer o que foi pactuado, para proteger as relações entre os agentes econômicos e impedir que prevaleça a lei do mais forte. Contudo, mais uma vez, não bastam leis, marcos institucionais ou boas intenções, já que os mercados respondem a incentivos. Incentivos, de fato, são determinantes desse novo ambiente, pois representam a resposta de todos os agentes a uma ação governamental. Com efeito, incentivos podem ser ou não bem-sucedidos na promoção do desenvolvimento. O estabelecimento de instituições e o desenho de contratos, incluindo contrato implícitos entre o governo e a sociedade, são condições necessárias para colocar o País na rota do desenvolvimento. Complementarmente, o que costuma ser denominado atualmente de capital social – normas, redes de informação, mecanismos de reputação, sanções sociais e todos os outros contratos estabelecidos informalmente pela sociedade – têm importantes efeitos sobre o desenvolvimento econômico e social. O capital social, claramente, depende da história do País, mas pode ser desenvolvido através de políticas que aumentem o conhecimento da sociedade. Por exemplo, a violência urbana, que gera efeitos indesejáveis no desenvolvimento, pode ter como um dos determinantes a ausência de capital social. O enforcement – “fazer cumprir” – das leis depende do capital social associado, ou seja, dos contratos implícitos que a sociedade estabelece. A função das instituições, da regulação e do capital social é solucionar os problemas de coordenação que propiciam mercados incompletos. As justificativas para a correção das falhas de 29 Capítulo 1 - Desenvolvimento: missão de todos
  • 30. coordenação baseiam-se em questões centrais do desenvolvimento econômico, como inovação, BDMG 40 anos transparência nos negócios, investimento, treinamento da força de trabalho e poupança, que proporcionam externalidades positivas aproveitáveis através da intervenção do Estado (Hoff e Stiglitz, 2001). Esses pontos, a ser desenvolvidos na seção 1.4 - Minas Gerais e o novo desenvolvimento, sinalizam que existem variáveis sobre o controle das unidades federativas. Portanto, Estado regulador não é sinônimo de Estado fraco. Ao contrário, para exercitar esse papel, o poder público precisa de organização, conhecimento, marco legal, meios materiais e recursos humanos. Em outras palavras, precisa contar com instituições efetivas e críveis. Ou melhor, ele próprio precisa ser efetivo. A noção neoclássica de acumulação de capital e a noção shumpeteriana de inovação como indutoras do desenvolvimento são incompletas, na medida em que não incorporam o papel das instituições e do capital social (Méier, 2001). Entretanto, seria ilusório e ingênuo supor que apenas isso basta para assegurar uma economia afluente. O desenvolvimento é concentrador e provoca desequilíbrios que atingem indivíduos, grupos e regiões. Corrigir as disparidades de renda inter-regionais e promover a eqüidade são objetivos inerentes ao bom governo, sobretudo nas democracias. Estudos e trabalhos recentes sobre o desenvolvimento vêem mostrando que a melhor distribuição de renda pode levar a maior crescimento econômico. Outra vertente para a intervenção do Estado refere-se à educação e à saúde. O “velho desenvolvimento”, se assim se pode chamar o modelo de crescimento praticado no país, priorizou o capital físico e relegou a plano subalterno os gastos com educação e saúde. Estes se justificam não só por se tratarem de “bens de mérito”, que a sociedade considera positivos e desejáveis, mas também por serem fatores decisivos para o desenvolvimento. A educação comprovadamente aumenta a produtividade dos trabalhadores, fonte principal de crescimento da riqueza das nações. Mais recentemente, tem-se constatado que a saúde é também um diferencial do desenvolvimento. Recentemente, no Brasil, vêem-se formando convergência de idéias e de posições sobre o papel do Estado e suas políticas de desenvolvimento. Integram-na os seguintes pontos: I. a alta inflação é um mal a ser evitado; II. a estabilidade é uma necessidade; III. o nível atual da desigualdade social é intolerável; IV. as disparidades regionais precisam ser diminuídas; V. privatizações podem ser necessárias; VI. subsídios indiscriminados são socialmente indesejáveis; VII. há necessidade de conciliar o crescimento econômico com as exigências da proteção do meio ambiente (desenvolvimento sustentável); VIII. a vulnerabilidade externa da economia brasileira precisa ser drasticamente reduzida; IX. os governos devem gastar com parcimônia e eficiência, dados os objetivos pré- definidos pela sociedade; X. os mecanismos regulatórios devem propiciar um ambiente favorável ao desenvolvimento econômico e social. É contra o pano de fundo dessas considerações que se propõe que o governo de Minas Gerais se estruture e formule sua estratégia de desenvolvimento para o Estado. O estágio desse processo no País e em Minas, as lições do passado, somadas às circunstâncias internas e externas do presente, com suas restrições, indicam a necessidade imperativa de reciclar o papel do Estado. Entretanto, falta definir qual é o papel das unidades federativas nessa nova idéia de desenvolvimento. As políticas indutoras de desenvolvimento delineadas até aqui são, em grande medida, de incumbência da esfera federal do governo. Resta definir o papel das unidades federativas, em particular de Minas Gerais, no novo desenvolvimento. 30 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
  • 31. 1.3.1. Minas Gerais e o novo desenvolvimento BDMG 40 anos Com a Constituição de 1988, os estados ficaram espremidos e emparedados entre a União e os municípios: estes últimos, guindados, pela primeira vez, à condição de entes autônomos da Federação brasileira. Matérias, como as relativas ao meio ambiente, que pela Carta de 1946 pertenciam exclusivamente à órbita estadual, passaram a ser compartilhadas com a União e com os municípios. Por outro lado, os estados perderam autonomia em relação a outras questões que passaram a ser detalhadas na Constituição Federal, como as pertinentes à organização administrativa. Apesar disso, o poder público estadual continua a ter um papel de relevo no tocante ao desenvolvimento de seu território. Cabe a ele proceder de forma própria e independente, mas também supletiva à União, explorando primeiro as potencialidades que lhe conferem seu papel constitucional e tratando de tirar partido das brechas e lacunas da atuação do Governo Federal e dos municípios, buscando com isso encontrar um nicho que lhe seja pertinente para participar desse processo. Em princípio, à União compete, primordialmente, propiciar as condições de ambiência estável para o desenvolvimento, induzir, aglutinar e articular a ação em prol do crescimento em âmbito nacional, combater a pobreza e a desigualdade social e promover a igualdade de oportunidades e a redução das disparidade regionais. Aos estados incumbe atuar supletiva e complementarmente à União, exercer a regulação que lhes foi destinada pela Constituição, garantir a segurança pública, desempenhar com eficiência e efetividade os papéis que lhes são atribuídos na saúde, na educação e na proteção ao meio ambiente, explorar e potencializar os recursos dormentes ou pouco aproveitados em seu território, mobilizar e catalisar as forças sociais e regionais em prol do desenvolvimento e reduzir as diferenças entre as diversas áreas e municípios que integram seu território. Adicionalmente, cabe à unidade federativa garantir a estabilidade e credibilidade das instituições para assegurar os incentivos ao investimento. Aos municípios, guindados à condição de ente federativo pela Constituição de 1988, foram destinadas, principalmente, a jurisdição sobre as matérias locais e grande parte da responsabilidade pela prestação dos serviços públicos básicos. Para desincumbir-se das tarefas que lhes tocam em relação ao desenvolvimento, é indispensável que os governos estaduais se aparelhem para lidar com os seguintes desafios: I. aproveitar as oportunidades criadas com as políticas nacionais; II. identificar os potenciais de crescimento próprio e desenvolver estratégias para potencializá-los; III. coordenar e integrar as ações dos municípios para suprir deficiências de escalas na produção de bens ou serviços de responsabilidade do escalão municipal de governo, para sanar falhas de comunicação e informação na implementação de políticas públicas prestadas localmente e para complementar decisões municipais que têm alcance regional e apresentam interdependência com relação a iniciativas de outros municípios que integram um mesmo espaço articulado; IV. criar mecanismos que assegurem o afluxo de capital para região; V. garantir um nível de educação básica à população, de modo a permitir a formação de mão-de-obra minimamente qualificada. A realização desses objetivos requer, por uma parte, que a estrutura organizacional e o modo de atuação do poder público estadual sejam alinhados com o Governo Federal e, por outro, que se reconheçam os papéis, os limites e os constrangimentos para a atuação de cada instância governamental. 31 Capítulo 1 - Desenvolvimento: missão de todos
  • 32. O arranjo federativo deve basear-se no princípio de que a divisão de trabalho entre os BDMG 40 anos níveis de governo precisa refletir as possibilidades de eficiência de cada um de seus níveis — municipal, estadual e federal — e necessita ser conciliada com as aspirações de autonomia e auto- governo das populações. Ao Município deve caber, preferentemente, a prestação e execução dos serviços públicos, observando-se o preceito da subsidiariedade. Coerente com essa posição, cabe ao governo de Minas, a médio e a longo prazo, ampliar a municipalização da saúde, educação e outros serviços sob sua responsabilidade e a dos governos locais. À União caberiam, como fiadora da eqüidade e da igualdade que deve prevalecer entre os membros da Federação, os papéis ligados ao financiamento, à compensação de diferenças regionais de renda e de riquezas e ao estabelecimento de normas gerais com respeito a provisão e implementação das políticas públicas. Ao Governo Estadual competiria, ainda, a regulação que lhe for atribuída constitucionalmente e a ação supletiva e complementar à União e aos municípios, para assegurar eficiência, efetividade e equidade das políticas sociais. Um exemplo claro da necessidade desse papel são as políticas compensatórias de emprego e de habitação. Se os municípios decidem implementar políticas complementares à União nessas dimensões, o resultado será a imigração desordenada, que vai onerar os mais dinâmicos, produzindo efeitos bumerangue, gravosos e contrários à intenção original dessas políticas. A União não teria instrumentos para remediar esse problema, pois não dispõe de capacidade de coordenar o universo dos municípios. Além disso, as preferências da sociedade local são melhor conhecidas pela classe política regional. Esse exemplo ilustra a função fundamental das unidades federativas na correção de falhas de coordenação. Tais falhas de coordenação existem em praticamente todas as políticas sociais7 e em várias das dimensões relevantes das políticas de desenvolvimento. No caso de políticas sociais, à unidade federativa cabe coordenar a alocação de recursos de forma a maximizar o bem-estar social da região. Esta coordenação deve-se dar por meio de marcos institucionais e regulatórios e sistemas de incentivos que induzam os municípios a atuarem em conformidade com as grandes diretrizes dessas políticas. 1.3.2. Por uma nova dinâmica de desenvolvimento em Minas Consonante com os pontos acima expostos, as ações de desenvolvimento do governo de Minas devem desdobrar-se em duas grandes frentes. A primeira deverá procurar tirar partido das oportunidades exógenas de crescimento econômico, criadas com a retomada do desenvolvimento nacional, adaptando as políticas estaduais, mas também procurando influenciar as iniciativas de desenvolvimento levadas a cabo pela União. A segunda visa especificamente à promoção do desenvolvimento com base nos fatores endógenos. Cabe ao governo do Estado o papel de indutor e catalisador dos recursos dormentes e das potencialidades existentes no território mineiro, a mobilização e a articulação das forças sociais orientadas para o desenvolvimento e a criação de arranjos institucionais locais, regionais e estadual que propiciem a aceleração e a maturação desse processo em Minas. Tal opção justifica-se não apenas pela crise por que passa a economia nacional, ou pela precariedade das finanças públicas estaduais, mas também pelas oportunidades de aproveitamento desse novo filão de crescimento. O vol. VIII do Minas Gerais do Século XXI contempla trabalhos sobre Saúde, Habitação, Segurança, Educação Pobreza e Emprego. 7 32 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
  • 33. Uma das oportunidades endógenas para o desenvolvimento de Minas vincula-se à existência, BDMG 40 anos no território mineiro, de numerosas aglomerações produtivas, com diferentes graus de dinamismo e em distintos estágios de consolidação. Cabe ao Governo Estadual apoiá-las e estimulá-las, reforçando a oferta de capital humano de que precisam, levantando suas carências, inventariando seus recursos, oferecendo informação e espaço institucional para a integração dos agentes políticos econômicos locais e das lideranças das organizações comunitárias estruturadas, e mediando e intermediando a solução dos problemas que podem tolher seu crescimento. Nos últimos anos, a economia mundial alcançou nível sem precedentes de articulação e interdependência. Consumidores e produtores, crescentemente separados geograficamente, encontram-se cada vez mais próximos. Os fluxos financeiros passaram a se mover em velocidade instantânea. A produção se globalizou e a competição, agora, é de todos contra todos, ou de blocos contra blocos, e acirrada. Em conseqüência, mudou a ordem econômica internacional, provocando crises, mas ensejando também oportunidades. No plano das empresas teve lugar processo semelhante. A organização vertical da produção cedeu lugar à terceirização e a formação de cadeias produtivas. A grande empresa volta-se cada vez mais para o seu core business, e a questão da eficiência e da inovação tecnológica não se põe apenas para ela, mas para toda sua cadeia de produção, com diferentes fornecedores e empresas. Sobrevive nessa etapa nova da organização econômica mundial quem detiver vantagens competitivas. Diante desse quadro, o objetivo do desenvolvimento de Minas deve ser o aumento da competitividade de sua plataforma econômica; o alvo, as cadeias produtivas e as aglomerações de base territorial; e o instrumento principal, a mobilização dos atores organizados nas comunidades locais e regionais. O objetivo maior deve ser o de transformar as vantagens comparativas de Minas Gerais em vantagens competitivas reais e duradouras, com impacto além de suas fronteiras físicas dentro do Estado8 . Isso não quer dizer que o governo de Minas deva deixar de fazer investimentos em capital social básico que se afigurarem necessários para o progresso do Estado. Deve buscar fazê-lo preferentemente por meio de parcerias, ou delegando a tarefa através de concessões, ficando a seu cargo apenas nos casos em que, por razões de escala, não houver economicidade para capitais privados. A nova dinâmica do desenvolvimento mineiro reclama a contrapartida de mudanças no aparato público mineiro. Para responder à nova exigência, é preciso reestruturar a máquina governamental de Minas, fortalecendo o planejamento — não o planejamento compreensivo e com pretensões oniscientes e onipotentes, mas o planejamento adaptativo ou um muddling through articulado e deliberado —, redesenhando suas instituições e organizações e aprendendo a operar em moldes participativos, e não por decreto ou por um fiat governamental. A nova dinâmica do desenvolvimento de Minas requer, além de um estilo novo de atuação do Estado, a inclusão ativa a esse processo da classe política, dos empresários, do poder público municipal, das lideranças organizadas das comunidades e das organizações não-governamentais. Tais mudanças respondem a necessidades trazidas pela redemocratização do País e pelas exigências da construção-consolidação da ordem democrática entre nós. Dentre essas exigências novas estão a transparência, o controle social do Estado e a participação. Na ambiência do desenvolvimento democrático, os mecanismos da ação do Estado precisam ser porosos e aptos a abrigar os reclamos dos protagonistas desse processo. As idéias aqui expostas beneficiaram-se de sugestões discutidas com William Penido e Glaucia Penido. 8 33 Capítulo 1 - Desenvolvimento: missão de todos
  • 34. BDMG 40 anos 1.4. Os atores do desenvolvimento A Classe Política e o Desenvolvimento de Minas A imagem do político mineiro é em geral marcada por traços e chavões que o retratam como avesso à inovação, fortemente orientado pela tradição e pouco empreendedor. Embora sejam-lhe atribuídas também virtudes e habilidades de negociação e conciliação, a representação que dele se faz é, no conjunto, negativa. Avaliar a qualidade da classe política é sempre tarefa árdua e de difícil mensuração. Freqüentemente, em lugar de resultado abalizado pela pesquisa científica, lida-se com estereótipos9 . Contrastam com essa imagem e a desautorizam a trajetória de governantes de Minas que, mais cedo do que os políticos de outros Estados, deram mostras de interessar-se pelas questões do desenvolvimento mineiro. Para registrar esse contraponto, basta lembrar que o primeiro sítio planejado e destinado a sediar indústrias, a Cidade Industrial de Contagem, foi obra de um governador mineiro, Benedito Valadares. Minas é o Estado com mais a longa e forte tradição de planejamento entre seus pares na Federação. Belo Horizonte foi a primeira de uma série de capitais planejadas no País. Ainda no começo do século XX, o governador João Pinheiro promovia feiras e tomava medidas para propiciar o progresso de Minas. Em 1941, deu-se a criação da Cidade Industrial; em 1947, o governo do Estado lançava o Plano de Recuperação e Fomento da Produção, com o deliberado intento de contrapor-se à perda de substância da economia mineira, descrita como “uma economia colonial que exporta e vende matérias-primas a baixos preços e compra e importa, em troca, manufaturas de maior valor”(Minas Gerais, p.26). Em 1950, o governo mineiro lançou o Plano de Eletrificação de Minas Gerais, que teria como desdobramento a criação da Cemig. Nos anos 60, o BDMG, então uma jovem instituição, realizou o Diagnóstico da Economia Mineira, que expôs o atraso da economia do Estado e abriu caminho para a vigorosa recuperação nos anos seguintes. João Pinheiro, Milton Campos, Juscelino Kubistcheck, Israel Pinheiro e Rondon Pacheco marcaram suas administrações à frente do governo de Minas por atuações fortemente orientadas para o terreno do desenvolvimento da economia. Não há razões para supor que a classe política mineira não venha a reconhecer a necessidade de engajar-se decisivamente em ações para a promoção do desenvolvimento e a melhoria da qualidade de vida dos mineiros, nos moldes que agora se propõe. Resta saber como fazê-lo. Diferentemente das vezes anteriores, quando o esforço desenvolvimentista foi liderado pelo Executivo, hoje é imprescindível contar com o Legislativo estadual e as lideranças políticas municipais para esse empreendimento. Um primeiro ponto a superar é a limitação que a Constituição de 1988 impôs à atuação das assembléias legislativas estaduais. A nova Carta estipulou competências residuais para os legislativos dos Estados. Cabe-lhes tomar iniciativas apenas sobre matérias que não fazem parte das atribuições da União e do Município. É-lhes permitido, em caráter complementar, legislar sobre outras questões, mas subordinados a orientações e princípios gerais estabelecidos por lei federal. A Ciência Política dispõe de métodos e técnicas para fazê-lo, mas eles não existem quando se trata da classe política mineira. 9 34 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
  • 35. Entretanto, apesar desse desequilíbrio do arranjo federalista, sobram espaços para o poder BDMG 40 anos legislativo dos Estados atuarem, e a Assembléia de Minas pode e deve fazer muito pelo desenvolvimento mineiro. Antigamente conhecida como “lei de meios”, o orçamento é peça de elaboração conjunta do Executivo e Legislativo estaduais. É nele que estão contidas as provisões de recursos financeiros para as atividades do poder público. A feitura do orçamento estadual deve alinhar-se ao esforço desenvolvimentista. Mas o papel do Legislativo não deve ficar adstrito ao exame e à aprovação da proposta orçamentária do Executivo, legitimando-a ou não. Compete-lhe ir além e acompanhar e avaliar a execução dos programas nela contidos, verificando se os efeitos que deles se esperavam foram alcançados, ouvindo autoridades responsáveis por sua execução e os públicos-alvo supostamente por eles beneficiados, para verificar o acerto das medidas, os desvios de rotas e os erros porventura cometidos tanto em sua concepção quanto em sua implementação. A intervenção na realidade social e econômica, através de políticas, programas e projetos, é tarefa complexa e sujeita a incertezas de várias ordens. Boa parte dos problemas atacados é pouco conhecida, e a teoria, argumento ou idéia subjacente às medidas públicas para saná-los têm caráter quase experimental. A avaliação dos programas, ao apontar os erros e ao identificar os acertos, concorre decisivamente para a aprendizagem requerida para melhorar a ação do Estado. Não é só por esse ângulo que a tarefa do Legislativo de avaliar as políticas públicas estaduais se faz necessária e possível. A implementação de políticas não é um processo automático. Decisões tomadas em instâncias mais altas da burocracia são interpretadas e podem ser distorcidas; e, quando há a intervenção de diversos agentes, é necessária a coordenação, o que pode retardar o processo e alterá-lo. O trabalho do Legislativo, monitorando e acompanhando de perto as ações do Executivo, é fundamental para identificar falhas de execução, problemas não antecipados e conflitos de interesses que porventura se manifestem no curso da implementação de políticas. Entretanto, não apenas por isso se postula a participação da classe política no desenvolvimento mineiro. A estratégia que se preconiza para esse processo em Minas, com ênfase em ações integradas e prioridade concedida para as aglomerações de atividades produtivas, supõe a mobilização do capital social das comunidades locais, a mobilização de suas lideranças formais e informais e das organizações não-governamentais com atuação na região. Os representantes políticos dessas comunidades no parlamento estadual não poderiam ficar ausentes. A atuação do Estado, nos moldes acima delineados, implica de fato a criação de novas instâncias públicas de decisão. Excluir, ou não contar com a presença ativa de parlamentares junto a essas arenas novas de deliberação política, poderia levá-las a colidir ou a entrar em conflito com as instituições formalmente encarregadas da representação da vontade popular no Estado. Sabe-se que, apesar da inexistência da representação por distritos e embora a legislação eleitoral propicie a escolha de representantes votados em todo o território estadual, grande parte do corpo de legisladores estaduais de fato representa regiões e sub-regiões do Estado. Em outras palavras, os deputados, tanto federais quanto estaduais, são, na sua maioria, também deputados distritais. Não bastassem ao deputado outras qualificações advindas de seu papel como representante político da população, essa, por si só, já o torna um interessado nas questões locais, com direito a assento nas novas instâncias de deliberação que vierem a ser criadas para a mobilização das comunidades em prol do desenvolvimento de Minas. Colocados frente a frente com as lideranças locais e as entidades das comunidades que representam, os parlamentares teriam todas as razões para se comprometerem com o que for decidido e se empenharem com o encaminhamento da solução junto a outras instâncias, inclusive e principalmente, a Assembléia Legislativa de Minas. 35 Capítulo 1 - Desenvolvimento: missão de todos