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DONA EULÁLIA

Artur Azevedo


Quando cheguei, a casa mortuária estava cheia de gente.


No centro da sala, forrada de preto, havia uma essa entre quatro enormes tochas acesas, e
sobre a essa um caixão, dentro do qual D. Eulália dormia o último sono.


Já tinha passado a hora do saimento.


Faltava apenas o padre.


O padre não aparecia.


O viúvo, comovido, mas calmo, perfeitamente calmo, perguntou a um parente, que pelos modos
tinha se encarregado do enterro:


- Então?.. . esse padre?..


- Já cá devia estar. O Tio Eusébio quer que eu vá buscá-lo?


- É favor, Casuza.


E o parente saiu muito apressado.


Dez minutos depois, o Ensébio aproximou-se de mim e disse-me baixinho:


- E nada de padre! Estava escrito que este dia não passava para mim sem alguma
contrariedade...


***


Justifiquemos esse grito do coração.
O Eusébio não foi um marido feliz; D. Eulália, que tinha muito mau gênio, transformara-lhe a
vida num verdadeiro inferno.


O pobre homem não tinha voz ativa dentro de casa; era repreendido como um fâmulo quando
entrava mais tarde; devia dar contas de um níquel, de um miserável níquel que lhe
desaparecesse do bolso!


Apesar de casado havia já quinze anos, ele não se pudera habituar a essa existência ridícula, e
sentia-se envelhecer prematuramente na alma e no corpo.


Não tinha filhos, - e era melhor assim, porque com certeza, D. Eulália não lhos perdoaria.
Pensava bem: pudesse ela contrariar a natureza, e fecundá-lo-ia, para humilhá-lo ainda mais!


***


Durante os primeiros tempos de regime conjugal, o Eusébio tentou reagir contra o mau gênio de
D. Eulália; num dia, porém, que lhe falou mais alto e lhe bateu o pé, recebeu em troca uma
tremenda bofetada, cujo estalo ressoou em todo o quarteirão. Durante quinze dias a vizinhança
não se ocupou de outra coisa.


O marido que apanha da cara metade está perdido; o que apanha e chora, está
irremessivelmente perdido. O Eusébio apanhou e chorou...


Daquele dia em diante foi-se-lhe toda a autoridade marital: tornou-se em casa um manequim,
um pax vobis, um joão-ninguém.


Era, entretanto, um homem simpático, virtuoso, apreciadíssimo por numerosos amigos e muito
conceituado na repartição de onde tirava o necessário para que nada faltasse a D. Eulália.


***


De todas as maçadas a que estava afeito o nosso Eusébio, nenhuma o ralava tanto como a de
procurar cozinheira, o que lhe acontecia a miúdo, porque, graças ao mau gênio da dona da
casa, a cozinha estava constantemente abandonada.


Como as impertinências de D. Eulália já tinham fama no bairro, e nenhuma criada queria servir
aquela ama, o Eusébio era obrigado a procurar cozinheira muito longe de casa.


O que ele queria era alugá-la, mas bem sabia que, na venda, a recém-chegada seria logo posta
ao corrente de tais impertinências.


***
Um dia o pobre marido foi muito cedo arrancado da cama pela mulher.


- Levante-se, tome banho, vista-se e vá procurar uma cozinheira!


- Quê!... pois a Maria...?


- Acabo de pô-la no olho da rua!


- Por quê?


- Não é da sua conta! Mexa-se!...


- Uma cozinheira que não estava em casa há oito dias!...


- Basta de observações! Quem manda aqui sou eu! Vamos! vista-se! E nada de agências, hem?
olhe que se me traz cozinheira de agência, não passa da porta da rua!


***


Nesse dia o Eusébio teria purgado todos os seus pecados, se os tivera, e se D. Eulália não
fosse já um purgatório bastante.


O pobre-diabo, que morava no Rio Comprido, foi, levado por informações, procurar uma
cozinheira em São Francisco Xavier. Já estava alugada; entretanto, lá lhe disseram que no
Morro do Pinto havia outra, muito boa, que lhe devia servir.


O desgraçado almoçou numa casa de pasto, encheu-se de coragem e subiu o Morro do Pinto.


A cozinheira não estava em casa; tinha ido passar uns dias com uma parenta, na Rua de
Sorocaba, em Botafogo; mas um vizinho aconselhou o Eusébio a que não adiasse a diligência;
a mulher trabalhava primorosamente em forno e fogão, era morigerada e estava morta por achar
emprego.


Abalou o Eusébio para Botafogo, e encontrou, efetivamente, a mulher na Rua de Sorocaba, em
casa da parenta, pronta já para sair. Por pouco mais, a viagem teria sido baldada.


Era uma mulata quarentona, muito limpa, de um aspecto simpático e humilde, que à primeira
vista inspirava certa confiança.


Ela, pelo seu lado, simpatizou com o Eusébio, a julgar pela prontidão com que se ajustaram.
- Bem; amanhã lá estarei, meu patrão.


- Amanhã, não: há de ser hoje, porque se entro em casa sem cozinheira, minha mulher...


O Eusébio interrompeu-se - ia deitando tudo a perder, - e emendou:


... minha mulher, que é muito boa senhora, mas nem sempre acredita no que eu digo, há de
supor que me remanchei.


- Nesse caso, meu patrão, é preciso que eu vá primeiramente ao Morro do Pinto.


- Pois vamos ao Morro do Pinto... respondeu resignado o resignado Eusébio.


***


Era quase noite fechada, quando o infeliz marido, fatigadíssimo, doente, sem jantar, entrou em
casa acompanhado da mulata.


D. Eulália recebeu-o com duas pedras na mão:


- Onde esteve o senhor metido até estas horas? oh! que coisa ruim... que homem insuportável...
Só a minha paciência!...


- A senhora não calcula como me custou encontrar esta mulher, mas, enfim... parece que desta
vez ficamos bem servidos.


- Pois sim, resmungou D. Eulália, - vão ver que é alguma vagabunda!


E, voltando-se para a mulata, disse-lhe com a sua habitual arrogância:


- Chegue-se mais! Não gosto de gritar e quero que me ouçam!


A cozinheira aproximou-se com um sorriso humilde de subalterna.


- Como se chama? perguntou D. Eulália.


- Eulália.
- Eulália?!


- Eulália, sim, senhora!


- Eulália?! Rua! Rua!


E voltando-se para o marido:


- Pois o senhor tem a pouca vergonha de trazer para casa uma cozinheira com o mesmo nome
que eu? Que desaforo!...


- Mas, senhora.


- Cale-se! Não seja burro!


***


Creio que o Eusébio está justificado: a morte de D. Eulália não poderia contrariá-lo.


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A morte de D. Eulália alivia o sofrimento de Eusébio

  • 1. DONA EULÁLIA Artur Azevedo Quando cheguei, a casa mortuária estava cheia de gente. No centro da sala, forrada de preto, havia uma essa entre quatro enormes tochas acesas, e sobre a essa um caixão, dentro do qual D. Eulália dormia o último sono. Já tinha passado a hora do saimento. Faltava apenas o padre. O padre não aparecia. O viúvo, comovido, mas calmo, perfeitamente calmo, perguntou a um parente, que pelos modos tinha se encarregado do enterro: - Então?.. . esse padre?.. - Já cá devia estar. O Tio Eusébio quer que eu vá buscá-lo? - É favor, Casuza. E o parente saiu muito apressado. Dez minutos depois, o Ensébio aproximou-se de mim e disse-me baixinho: - E nada de padre! Estava escrito que este dia não passava para mim sem alguma contrariedade... *** Justifiquemos esse grito do coração.
  • 2. O Eusébio não foi um marido feliz; D. Eulália, que tinha muito mau gênio, transformara-lhe a vida num verdadeiro inferno. O pobre homem não tinha voz ativa dentro de casa; era repreendido como um fâmulo quando entrava mais tarde; devia dar contas de um níquel, de um miserável níquel que lhe desaparecesse do bolso! Apesar de casado havia já quinze anos, ele não se pudera habituar a essa existência ridícula, e sentia-se envelhecer prematuramente na alma e no corpo. Não tinha filhos, - e era melhor assim, porque com certeza, D. Eulália não lhos perdoaria. Pensava bem: pudesse ela contrariar a natureza, e fecundá-lo-ia, para humilhá-lo ainda mais! *** Durante os primeiros tempos de regime conjugal, o Eusébio tentou reagir contra o mau gênio de D. Eulália; num dia, porém, que lhe falou mais alto e lhe bateu o pé, recebeu em troca uma tremenda bofetada, cujo estalo ressoou em todo o quarteirão. Durante quinze dias a vizinhança não se ocupou de outra coisa. O marido que apanha da cara metade está perdido; o que apanha e chora, está irremessivelmente perdido. O Eusébio apanhou e chorou... Daquele dia em diante foi-se-lhe toda a autoridade marital: tornou-se em casa um manequim, um pax vobis, um joão-ninguém. Era, entretanto, um homem simpático, virtuoso, apreciadíssimo por numerosos amigos e muito conceituado na repartição de onde tirava o necessário para que nada faltasse a D. Eulália. *** De todas as maçadas a que estava afeito o nosso Eusébio, nenhuma o ralava tanto como a de procurar cozinheira, o que lhe acontecia a miúdo, porque, graças ao mau gênio da dona da casa, a cozinha estava constantemente abandonada. Como as impertinências de D. Eulália já tinham fama no bairro, e nenhuma criada queria servir aquela ama, o Eusébio era obrigado a procurar cozinheira muito longe de casa. O que ele queria era alugá-la, mas bem sabia que, na venda, a recém-chegada seria logo posta ao corrente de tais impertinências. ***
  • 3. Um dia o pobre marido foi muito cedo arrancado da cama pela mulher. - Levante-se, tome banho, vista-se e vá procurar uma cozinheira! - Quê!... pois a Maria...? - Acabo de pô-la no olho da rua! - Por quê? - Não é da sua conta! Mexa-se!... - Uma cozinheira que não estava em casa há oito dias!... - Basta de observações! Quem manda aqui sou eu! Vamos! vista-se! E nada de agências, hem? olhe que se me traz cozinheira de agência, não passa da porta da rua! *** Nesse dia o Eusébio teria purgado todos os seus pecados, se os tivera, e se D. Eulália não fosse já um purgatório bastante. O pobre-diabo, que morava no Rio Comprido, foi, levado por informações, procurar uma cozinheira em São Francisco Xavier. Já estava alugada; entretanto, lá lhe disseram que no Morro do Pinto havia outra, muito boa, que lhe devia servir. O desgraçado almoçou numa casa de pasto, encheu-se de coragem e subiu o Morro do Pinto. A cozinheira não estava em casa; tinha ido passar uns dias com uma parenta, na Rua de Sorocaba, em Botafogo; mas um vizinho aconselhou o Eusébio a que não adiasse a diligência; a mulher trabalhava primorosamente em forno e fogão, era morigerada e estava morta por achar emprego. Abalou o Eusébio para Botafogo, e encontrou, efetivamente, a mulher na Rua de Sorocaba, em casa da parenta, pronta já para sair. Por pouco mais, a viagem teria sido baldada. Era uma mulata quarentona, muito limpa, de um aspecto simpático e humilde, que à primeira vista inspirava certa confiança. Ela, pelo seu lado, simpatizou com o Eusébio, a julgar pela prontidão com que se ajustaram.
  • 4. - Bem; amanhã lá estarei, meu patrão. - Amanhã, não: há de ser hoje, porque se entro em casa sem cozinheira, minha mulher... O Eusébio interrompeu-se - ia deitando tudo a perder, - e emendou: ... minha mulher, que é muito boa senhora, mas nem sempre acredita no que eu digo, há de supor que me remanchei. - Nesse caso, meu patrão, é preciso que eu vá primeiramente ao Morro do Pinto. - Pois vamos ao Morro do Pinto... respondeu resignado o resignado Eusébio. *** Era quase noite fechada, quando o infeliz marido, fatigadíssimo, doente, sem jantar, entrou em casa acompanhado da mulata. D. Eulália recebeu-o com duas pedras na mão: - Onde esteve o senhor metido até estas horas? oh! que coisa ruim... que homem insuportável... Só a minha paciência!... - A senhora não calcula como me custou encontrar esta mulher, mas, enfim... parece que desta vez ficamos bem servidos. - Pois sim, resmungou D. Eulália, - vão ver que é alguma vagabunda! E, voltando-se para a mulata, disse-lhe com a sua habitual arrogância: - Chegue-se mais! Não gosto de gritar e quero que me ouçam! A cozinheira aproximou-se com um sorriso humilde de subalterna. - Como se chama? perguntou D. Eulália. - Eulália.
  • 5. - Eulália?! - Eulália, sim, senhora! - Eulália?! Rua! Rua! E voltando-se para o marido: - Pois o senhor tem a pouca vergonha de trazer para casa uma cozinheira com o mesmo nome que eu? Que desaforo!... - Mas, senhora. - Cale-se! Não seja burro! *** Creio que o Eusébio está justificado: a morte de D. Eulália não poderia contrariá-lo. (Contos Fora da Moda)