1. Na ação declaratória de união estável
pós morte é irrelevante o lapso
temporal de convivência
Resumo: O reconhecimento da união estável independe da fixação de um tempo mínimo para
o reconhecimento de direito dela decorrentes.
Argumento Jurídico: A Constituição da República, em seu artigo 226, §3º, prescreve que a
união estável entre homem e mulher será reconhecida como entidade familiar, para efeito de
proteção do Estado, devendo a lei facilitar a conversão desta em casamento.
A esse respeito, estabelece o artigo 1.723 do Código Civil como requisitos para o
reconhecimento da união estável entre homem e mulher como entidade familiar a convivência
pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família, ao que
se acresce o disposto no artigo 1.724, verbis:
“Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade,
respeito e assistência, e de guarda, assistência e educação dos filhos.”
Sobre o tema, a lição de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA:
“Alguns parâmetros, contudo, se esboçaram. Como se expressara Simão Isaac Benjó, para a
configuração da união estável não basta o simples ‘companheirismo’, mas se requer seja
‘duradoura e notória’ a que não seria estranho o fator psicológico de haver ‘sempre a
possibilidade de contração do vínculo do casamento’.
Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José Ferreira, elimina, da entidade familiar, toda
situação como ‘namoro’ ou um ‘caso’, a que faltam a duração e a estabilidade.
A doutrina e jurisprudência atuais consideram união estável ‘a entidade familiar formada por um
homem e uma mulher, com vida em comum, more uxório, por período que revele estabilidade e
vocação de permanência, com sinais claros, induvidosos de vida familiar, e com o uso em
comum do patrimônio’. Na nova disciplina constitucional, o que se tratara como sociedade
concubinária, produzindo efeitos patrimoniais, com lastro nas regras da sociedade de fato, no
Código Civil de 1916, passara ao patamar da união estável e, como tal, todas as questões
relativas a ela deveriam ser apreciadas nas Varas de Família.
Embora não pareça exigível a convivência sob o mesmo teto, a união estável guarda
aproximação com a posse de estado de casados, o que levou o doutrinador Simão Benjó a
dizer que “a companheira deve ter o trato, o nome e a fama de esposa. Vale dizer: os que
vivem em união estável devem ser tidos como tais perante os amigos e a sociedade, embora a
utilização do nome do companheiro pela mulher, não seja requisito fundamental. Igualmente
não nos preocupamos com o ‘tempo de duração’, que pode ser mais ou menos longo. O que
importa é ser as uniões duradouras, inspiradas no elemento anímico, a gerar a convicção de
que poder marchar para a relação matrimonial” (in Instituições de Direito Civil, vol. V, Rio de
Janeiro: Forense, 2004, pág. 535).
Ao comentar a Lei nº 9.278/96 (que regula o §3º do artigo 226 da CR/88) que, segundo afirma,
não veio substituir por completo o texto da Lei nº 8.971/94 (que regula o direito dos
companheiros a alimentos e à sucessão), o conceituado autor acrescenta:
“O art. 1º da Lei nº 9.278/96 identificou como entidade familiar ‘a convivência duradoura,
pública e contínua de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de
família”.
A questão básica era definir o que era ‘convivência duradoura’, já que o legislador se omitira
quanto à fixação de um tempo mínimo para o reconhecimento de direito dela decorrentes.
2. Para a configuração da união estável há de existir uma duração, a sucessão de fatos e
eventos, a permanência do relacionamento, a continuidade do envolvimento, a convivência
more uxório, a notoriedade, enfim, a soma de fatores subjetivos e objetivos que, do ponto de
vista jurídico, definem a situação. Não sendo a doutrina uniforme quanto ao tempo de
relacionamento estável, tornou-se fundamental a orientação da jurisprudência sobre o assunto.
Outros elementos devem ser considerados como comprovação desse convívio para
caracterizar a intenção de constituir família. A interrupção repentina decorrente da morte de um
dos companheiros não deve descaracterizar este projeto de vida em comum, se os demais
elementos indicam a constância e efetividade do relacionamento.
Sobre a união estável, também leciona RODRIGO DA CUNHA PEREIRA:
“Embora discutíveis, no Direito pátrio e estrangeiro, podemos apontar, como elementos que
integram ou caracterizam a união estável, a durabilidade da relação, a existência de filhos, a
construção patrimonial em comum, affectio societatis, coabitação, fidelidade, notoriedade, a
comunhão de vida, enfim, tudo aquilo que se faça a relação parecer um casamento. É a posse
do estado de casado.
(…) É preciso considerar, entretanto, que o conceito de comunidade ou comunhão de vida tem
sofrido profundas mudanças na contemporaneidade. A tendência parece ser mesmo a de
dispensar a convivência sob o mesmo teto para a caracterização da união estável, exigindo-se,
porém, relações regulares, seguidas, habituais e conhecidas, se não por todo mundo, ao
menos por um pequeno círculo.
No Direito brasileiro, já não se toma o elemento da coabitação como requisito essencial para
caracterizar ou descaracterizar o instituto da união estável, mesmo porque, hoje em dia, já é
comum haver casamentos em que os cônjuges vivem em casas separadas, talvez como uma
fórmula para a durabilidade das relações. A proteção jurídica é da união em que os
companheiros vivem em comum por um tempo prolongado, sob o mesmo tempo ou não, mas
com aparência de casamento” (in Concubinato e União Estável, 6ª ed. rev. atual. e ampl., Belo
Horizonte: Del Rey, 2001, págs. 29).
O Supremo Tribunal Federal já se posicionou através da Súmula nº 382 a respeito do
reconhecimento da união estável, esclarecendo que a vida em comum sob o mesmo teto, more
uxório, não é indispensável à caracterização do concubinato.
Deste modo, tem-se que, configurada a relação como contínua, notória, pautada na fidelidade
dos companheiros, na existência de uma cooperação econômica, através do auxílio mútuo,
inferindo-se o ânimo das partes em manter a estabilidade do convívio, possível o seu
reconhecimento como união estável, ainda que os conviventes residam em locais distintos e do
relacionamento não tenha advindo prole.
Acerca do tema, é o entendimento jurisprudencial:
“DECLARAÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL – FALECIMENTO DO COMPANHEIRO –
POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO – CONVIVÊNCIA DURADOURA, PÚBLICA E
CONTÍNUA – RECURSO PROVIDO. A Constituição Federal de 1988 e o atual Código Civil,
reconhecem e protegem a união estável entre homem e mulher, configurada a convivência
duradoura, pública e contínua e o objetivo de constituição de família. Demonstrada a
possibilidade jurídica do pedido, adequada a pretensão da apelante em ver reconhecido seu
relacionamento com o varão falecido. Assim, merece reparo a sentença que ao caso concreto e
específico, julgou extinto o processo sem o julgamento do mérito com fulcro no art. 267, inciso I
e VI do CPC” (Processo nº 1.0024.01.599986-5/001 (1), Rel. Des. GERALDO AUGUSTO, p.
em 13/08/2004).
“DECLARATÓRIA – UNIÃO ESTÁVEL – PROVA. O pedido de declaração de união estável é
3. pertinente quando o conjunto probatório revela convivência pública, contínua e duradoura e
estabelecida com o objetivo de constituição de família. APELO IMPROVIDO” (Processo nº
1.0024.02.661913-0/001 (1), Rel. Des. NILSON REIS, p. em 01/04/2005).
Portando, para o reconhecimento da união estável, basta a comprovação dos requisitos do
artigo 1723 do Código Civil, não se exigindo, para tanto, a prova de um tempo mínimo de
convivência.