SlideShare une entreprise Scribd logo
1  sur  58
O  LIXO
Encontram-se na área de serviço. Cada um com seu pacote de lixo. É a primeira vez que se falam. - BOM DIA!   -  BOM DIA!
[object Object],?
[object Object],?
  Pois é! Eu ainda não lhe conhecia pessoalmente
-  Desculpe a minha indiscrição, mas tenho visto o seu lixo...
O meu o quê?
- O seu lixo! - Reparei que nunca é muito. Sua família deve ser pequena...
- Na verdade sou só eu.
- Mmmm. Notei também que o senhor usa muito comida em lata .   - É que eu tenho que fazer minha própria comida. E como não sei cozinhar...
Entendo. - A senhora também... - Me chame de você. - Você também perdoe a minha indiscrição, mas tenho visto alguns restos de comida em seu lixo. Champignons, coisas assim...
- É que eu gosto muito de cozinhar. Fazer pratos diferentes.
- Mas, como moro sozinha, às vezes sobra...
- A senhora... Você não tem família?
- Tenho, mas não aqui.
- No
- Como é que você sabe?   -  Vejo uns envelopes no seu lixo. Do Espírito Santo.
- É. Mamãe escreve todas as semanas.
- Ela é professora?   - Isso é incrível! Como foi que você adivinhou?
- Pela letra no envelope. Achei que era letra de professora.
- O senhor não recebe muitas cartas. A julgar pelo seu lixo.
- No outro dia tinha um envelope de telegrama amassado.   - É.
[object Object],- Meu pai. Morreu.   - Sinto muito.
- Ele já estava bem velhinho. Lá no Sul. Há tempos não nos víamos.
Foi por isso que você recomeçou a fumar?
- Como é que você sabe? ,[object Object],[object Object]
- É verdade. Mas consegui parar outra vez.   - Eu, graças a Deus, nunca fumei.
- Eu sei. Mas tenho visto uns vidrinhos de comprimido no seu lixo...
- Tranqüilizantes. Foi uma fase. Já passou.
- Você brigou com o namorado, certo? - Isso você também descobriu no lixo?
- Primeiro o buquê de flores, com o cartãozinho, jogado fora.
- Depois, muito lenço de papel.
- É, chorei bastante, mas já passou.
- Mas hoje ainda tem uns lencinhos... - É que eu estou com um pouco de coriza. - Ah.
- Vejo muita revista de palavras cruzadas no seu lixo.
- É. Sim. Bem. Eu fico muito em casa. Não saio muito. Sabe como é.
- Namorada?
- Não!
- Mas há uns dias tinha uma fotografia de mulher no seu lixo. Até bonitinha.
- Eu estava limpando umas gavetas. Coisa antiga.
- Você não rasgou a fotografia. Isso significa que, no fundo, você quer que ela volte.
- Você já está analisando o meu lixo!
- Não posso negar que o seu lixo me interessou.
- Engraçado. Quando examinei o seu lixo, decidi que gostaria de conhecê-la.  Acho que foi a poesia. - Vi e gostei muito. ,[object Object],[object Object]
- Mas são muito ruins! - Se você achasse eles  ruins mesmo, teria rasgado. Eles só  estavam dobrados. - Se eu soubesse que você ia ler...
- Só não fiquei com eles porque, afinal, estaria roubando
Se bem que, não sei: o lixo da pessoa ainda é propriedade dela?
- Acho que não. Lixo é domínio público. - Você tem razão. Através do lixo, o particular se torna público. O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é comunitário. É a nossa parte mais social. Será isso?
- Bom, aí você já está indo fundo demais no lixo. Acho que...
- Ontem, no seu lixo... - O quê? - Me enganei, ou eram cascas de camarão? - Acertou. Comprei uns camarões graúdos e descasquei. - Eu adoro camarão. - Descasquei, mas ainda não comi
Quem sabe a gente pode...   - Jantar juntos?
É!
- Não quero dar trabalho.
- Trabalho nenhum.
- Vai sujar a sua cozinha?   - Nada. Num instante se limpa tudo e põe os restos fora
- No seu lixo?
- Ou no meu? FIM
Produção Vanesa Vogel Texto Luís Fernando Veríssimo

Contenu connexe

Tendances

Mesmo K Doa
Mesmo K DoaMesmo K Doa
Mesmo K DoaAN7ONYO
 
Amor rosas e_espinhos
Amor rosas e_espinhosAmor rosas e_espinhos
Amor rosas e_espinhosNilce Bravo
 
Sobre O Amor, Rosas E Espinhos
Sobre O Amor, Rosas E EspinhosSobre O Amor, Rosas E Espinhos
Sobre O Amor, Rosas E EspinhosJNR
 
Amor Rosas Espinhos
Amor Rosas EspinhosAmor Rosas Espinhos
Amor Rosas Espinhosguest37a94b
 
Sobre O Amor, Rosas E Espinhos
Sobre O Amor, Rosas E EspinhosSobre O Amor, Rosas E Espinhos
Sobre O Amor, Rosas E EspinhosJNR
 

Tendances (14)

Mesmo Que Doa
Mesmo Que DoaMesmo Que Doa
Mesmo Que Doa
 
Mesmo K Doa
Mesmo K DoaMesmo K Doa
Mesmo K Doa
 
Mesmo K Doa
Mesmo K DoaMesmo K Doa
Mesmo K Doa
 
Mesmo Que Doa
Mesmo Que DoaMesmo Que Doa
Mesmo Que Doa
 
Mesmo Que Doa
Mesmo Que DoaMesmo Que Doa
Mesmo Que Doa
 
Delirios de poeta
Delirios de poetaDelirios de poeta
Delirios de poeta
 
Almas que se encontram
Almas que se encontramAlmas que se encontram
Almas que se encontram
 
Amor rosas e_espinhos
Amor rosas e_espinhosAmor rosas e_espinhos
Amor rosas e_espinhos
 
SOBRE o AMOR ROSAS e ESPINHOS
SOBRE o AMOR ROSAS e ESPINHOSSOBRE o AMOR ROSAS e ESPINHOS
SOBRE o AMOR ROSAS e ESPINHOS
 
Sobre O Amor, Rosas E Espinhos
Sobre O Amor, Rosas E EspinhosSobre O Amor, Rosas E Espinhos
Sobre O Amor, Rosas E Espinhos
 
Amor Rosas Espinhos
Amor Rosas EspinhosAmor Rosas Espinhos
Amor Rosas Espinhos
 
Sobre O Amor, Rosas E Espinhos
Sobre O Amor, Rosas E EspinhosSobre O Amor, Rosas E Espinhos
Sobre O Amor, Rosas E Espinhos
 
Sobre o amor rosas - espinhos
Sobre o amor   rosas - espinhosSobre o amor   rosas - espinhos
Sobre o amor rosas - espinhos
 
Sobre amor rosas e espinhos
Sobre amor rosas e espinhosSobre amor rosas e espinhos
Sobre amor rosas e espinhos
 

Similaire à Descobertas no Lixo

Similaire à Descobertas no Lixo (20)

Lp 8ano
Lp 8anoLp 8ano
Lp 8ano
 
Crônica o lixo
Crônica o lixoCrônica o lixo
Crônica o lixo
 
Vozes verbais 7a_serie
Vozes verbais 7a_serieVozes verbais 7a_serie
Vozes verbais 7a_serie
 
Proposta extra 2
Proposta extra 2Proposta extra 2
Proposta extra 2
 
Crônicas de Luis Fernando Veríssimo e Fernando Sabino
Crônicas de Luis Fernando Veríssimo e Fernando SabinoCrônicas de Luis Fernando Veríssimo e Fernando Sabino
Crônicas de Luis Fernando Veríssimo e Fernando Sabino
 
As moças pronto
As moças prontoAs moças pronto
As moças pronto
 
Leonardo da Vinci de Rita Vilela
Leonardo da Vinci de Rita VilelaLeonardo da Vinci de Rita Vilela
Leonardo da Vinci de Rita Vilela
 
Uma historia indiana
Uma historia indianaUma historia indiana
Uma historia indiana
 
MINHA IRMÃ BUNDEIRA
MINHA IRMÃ BUNDEIRAMINHA IRMÃ BUNDEIRA
MINHA IRMÃ BUNDEIRA
 
Oficinas de escrita
Oficinas de escritaOficinas de escrita
Oficinas de escrita
 
Pronome 2008
Pronome 2008Pronome 2008
Pronome 2008
 
Poema indiano
Poema indianoPoema indiano
Poema indiano
 
Sophie kinsella fiquei com o seu número
Sophie kinsella   fiquei com o seu númeroSophie kinsella   fiquei com o seu número
Sophie kinsella fiquei com o seu número
 
Meditar
MeditarMeditar
Meditar
 
Colunista convidado (7)
Colunista convidado (7)Colunista convidado (7)
Colunista convidado (7)
 
Skins the novel
Skins   the novelSkins   the novel
Skins the novel
 
Dias de verão a4
Dias de verão a4Dias de verão a4
Dias de verão a4
 
O peixe e a peixinha
O peixe e a peixinhaO peixe e a peixinha
O peixe e a peixinha
 
A moreninha de_joaquim_manuel_de_macedo
A moreninha de_joaquim_manuel_de_macedoA moreninha de_joaquim_manuel_de_macedo
A moreninha de_joaquim_manuel_de_macedo
 
Baile do interior - Livro de contos.
Baile do interior - Livro de contos.Baile do interior - Livro de contos.
Baile do interior - Livro de contos.
 

Dernier

19 de abril - Dia dos povos indigenas brasileiros
19 de abril - Dia dos povos indigenas brasileiros19 de abril - Dia dos povos indigenas brasileiros
19 de abril - Dia dos povos indigenas brasileirosMary Alvarenga
 
PRIMEIRO---RCP - DEA - BLS estudos - basico
PRIMEIRO---RCP - DEA - BLS estudos - basicoPRIMEIRO---RCP - DEA - BLS estudos - basico
PRIMEIRO---RCP - DEA - BLS estudos - basicoSilvaDias3
 
Slide de exemplo sobre o Sítio do Pica Pau Amarelo.pptx
Slide de exemplo sobre o Sítio do Pica Pau Amarelo.pptxSlide de exemplo sobre o Sítio do Pica Pau Amarelo.pptx
Slide de exemplo sobre o Sítio do Pica Pau Amarelo.pptxconcelhovdragons
 
DIGNITAS INFINITA - DIGNIDADE HUMANA -Declaração do Dicastério para a Doutrin...
DIGNITAS INFINITA - DIGNIDADE HUMANA -Declaração do Dicastério para a Doutrin...DIGNITAS INFINITA - DIGNIDADE HUMANA -Declaração do Dicastério para a Doutrin...
DIGNITAS INFINITA - DIGNIDADE HUMANA -Declaração do Dicastério para a Doutrin...Martin M Flynn
 
Slides Lição 2, Central Gospel, A Volta Do Senhor Jesus , 1Tr24.pptx
Slides Lição 2, Central Gospel, A Volta Do Senhor Jesus , 1Tr24.pptxSlides Lição 2, Central Gospel, A Volta Do Senhor Jesus , 1Tr24.pptx
Slides Lição 2, Central Gospel, A Volta Do Senhor Jesus , 1Tr24.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
Slides Lição 3, Betel, Ordenança para congregar e prestar culto racional, 2Tr...
Slides Lição 3, Betel, Ordenança para congregar e prestar culto racional, 2Tr...Slides Lição 3, Betel, Ordenança para congregar e prestar culto racional, 2Tr...
Slides Lição 3, Betel, Ordenança para congregar e prestar culto racional, 2Tr...LuizHenriquedeAlmeid6
 
Slides Lição 4, CPAD, Como se Conduzir na Caminhada, 2Tr24.pptx
Slides Lição 4, CPAD, Como se Conduzir na Caminhada, 2Tr24.pptxSlides Lição 4, CPAD, Como se Conduzir na Caminhada, 2Tr24.pptx
Slides Lição 4, CPAD, Como se Conduzir na Caminhada, 2Tr24.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
PLANEJAMENTO anual do 3ANO fundamental 1 MG.pdf
PLANEJAMENTO anual do  3ANO fundamental 1 MG.pdfPLANEJAMENTO anual do  3ANO fundamental 1 MG.pdf
PLANEJAMENTO anual do 3ANO fundamental 1 MG.pdfProfGleide
 
O guia definitivo para conquistar a aprovação em concurso público.pdf
O guia definitivo para conquistar a aprovação em concurso público.pdfO guia definitivo para conquistar a aprovação em concurso público.pdf
O guia definitivo para conquistar a aprovação em concurso público.pdfErasmo Portavoz
 
A Inteligência Artificial na Educação e a Inclusão Linguística
A Inteligência Artificial na Educação e a Inclusão LinguísticaA Inteligência Artificial na Educação e a Inclusão Linguística
A Inteligência Artificial na Educação e a Inclusão LinguísticaFernanda Ledesma
 
Linguagem verbal , não verbal e mista.pdf
Linguagem verbal , não verbal e mista.pdfLinguagem verbal , não verbal e mista.pdf
Linguagem verbal , não verbal e mista.pdfLaseVasconcelos1
 
Guia completo da Previdênci a - Reforma .pdf
Guia completo da Previdênci a - Reforma .pdfGuia completo da Previdênci a - Reforma .pdf
Guia completo da Previdênci a - Reforma .pdfEyshilaKelly1
 
ÁREA DE FIGURAS PLANAS - DESCRITOR DE MATEMATICA D12 ENSINO MEDIO.pptx
ÁREA DE FIGURAS PLANAS - DESCRITOR DE MATEMATICA D12 ENSINO MEDIO.pptxÁREA DE FIGURAS PLANAS - DESCRITOR DE MATEMATICA D12 ENSINO MEDIO.pptx
ÁREA DE FIGURAS PLANAS - DESCRITOR DE MATEMATICA D12 ENSINO MEDIO.pptxDeyvidBriel
 
QUARTA - 1EM SOCIOLOGIA - Aprender a pesquisar.pptx
QUARTA - 1EM SOCIOLOGIA - Aprender a pesquisar.pptxQUARTA - 1EM SOCIOLOGIA - Aprender a pesquisar.pptx
QUARTA - 1EM SOCIOLOGIA - Aprender a pesquisar.pptxIsabellaGomes58
 
Dança Contemporânea na arte da dança primeira parte
Dança Contemporânea na arte da dança primeira parteDança Contemporânea na arte da dança primeira parte
Dança Contemporânea na arte da dança primeira partecoletivoddois
 
Bingo da potenciação e radiciação de números inteiros
Bingo da potenciação e radiciação de números inteirosBingo da potenciação e radiciação de números inteiros
Bingo da potenciação e radiciação de números inteirosAntnyoAllysson
 
PRÉ-MODERNISMO - GUERRA DE CANUDOS E OS SERTÕES
PRÉ-MODERNISMO - GUERRA DE CANUDOS E OS SERTÕESPRÉ-MODERNISMO - GUERRA DE CANUDOS E OS SERTÕES
PRÉ-MODERNISMO - GUERRA DE CANUDOS E OS SERTÕESpatriciasofiacunha18
 
637743470-Mapa-Mental-Portugue-s-1.pdf 4 ano
637743470-Mapa-Mental-Portugue-s-1.pdf 4 ano637743470-Mapa-Mental-Portugue-s-1.pdf 4 ano
637743470-Mapa-Mental-Portugue-s-1.pdf 4 anoAdelmaTorres2
 
Mesoamérica.Astecas,inca,maias , olmecas
Mesoamérica.Astecas,inca,maias , olmecasMesoamérica.Astecas,inca,maias , olmecas
Mesoamérica.Astecas,inca,maias , olmecasRicardo Diniz campos
 
HORA DO CONTO3_BECRE D. CARLOS I_2023_2024
HORA DO CONTO3_BECRE D. CARLOS I_2023_2024HORA DO CONTO3_BECRE D. CARLOS I_2023_2024
HORA DO CONTO3_BECRE D. CARLOS I_2023_2024Sandra Pratas
 

Dernier (20)

19 de abril - Dia dos povos indigenas brasileiros
19 de abril - Dia dos povos indigenas brasileiros19 de abril - Dia dos povos indigenas brasileiros
19 de abril - Dia dos povos indigenas brasileiros
 
PRIMEIRO---RCP - DEA - BLS estudos - basico
PRIMEIRO---RCP - DEA - BLS estudos - basicoPRIMEIRO---RCP - DEA - BLS estudos - basico
PRIMEIRO---RCP - DEA - BLS estudos - basico
 
Slide de exemplo sobre o Sítio do Pica Pau Amarelo.pptx
Slide de exemplo sobre o Sítio do Pica Pau Amarelo.pptxSlide de exemplo sobre o Sítio do Pica Pau Amarelo.pptx
Slide de exemplo sobre o Sítio do Pica Pau Amarelo.pptx
 
DIGNITAS INFINITA - DIGNIDADE HUMANA -Declaração do Dicastério para a Doutrin...
DIGNITAS INFINITA - DIGNIDADE HUMANA -Declaração do Dicastério para a Doutrin...DIGNITAS INFINITA - DIGNIDADE HUMANA -Declaração do Dicastério para a Doutrin...
DIGNITAS INFINITA - DIGNIDADE HUMANA -Declaração do Dicastério para a Doutrin...
 
Slides Lição 2, Central Gospel, A Volta Do Senhor Jesus , 1Tr24.pptx
Slides Lição 2, Central Gospel, A Volta Do Senhor Jesus , 1Tr24.pptxSlides Lição 2, Central Gospel, A Volta Do Senhor Jesus , 1Tr24.pptx
Slides Lição 2, Central Gospel, A Volta Do Senhor Jesus , 1Tr24.pptx
 
Slides Lição 3, Betel, Ordenança para congregar e prestar culto racional, 2Tr...
Slides Lição 3, Betel, Ordenança para congregar e prestar culto racional, 2Tr...Slides Lição 3, Betel, Ordenança para congregar e prestar culto racional, 2Tr...
Slides Lição 3, Betel, Ordenança para congregar e prestar culto racional, 2Tr...
 
Slides Lição 4, CPAD, Como se Conduzir na Caminhada, 2Tr24.pptx
Slides Lição 4, CPAD, Como se Conduzir na Caminhada, 2Tr24.pptxSlides Lição 4, CPAD, Como se Conduzir na Caminhada, 2Tr24.pptx
Slides Lição 4, CPAD, Como se Conduzir na Caminhada, 2Tr24.pptx
 
PLANEJAMENTO anual do 3ANO fundamental 1 MG.pdf
PLANEJAMENTO anual do  3ANO fundamental 1 MG.pdfPLANEJAMENTO anual do  3ANO fundamental 1 MG.pdf
PLANEJAMENTO anual do 3ANO fundamental 1 MG.pdf
 
O guia definitivo para conquistar a aprovação em concurso público.pdf
O guia definitivo para conquistar a aprovação em concurso público.pdfO guia definitivo para conquistar a aprovação em concurso público.pdf
O guia definitivo para conquistar a aprovação em concurso público.pdf
 
A Inteligência Artificial na Educação e a Inclusão Linguística
A Inteligência Artificial na Educação e a Inclusão LinguísticaA Inteligência Artificial na Educação e a Inclusão Linguística
A Inteligência Artificial na Educação e a Inclusão Linguística
 
Linguagem verbal , não verbal e mista.pdf
Linguagem verbal , não verbal e mista.pdfLinguagem verbal , não verbal e mista.pdf
Linguagem verbal , não verbal e mista.pdf
 
Guia completo da Previdênci a - Reforma .pdf
Guia completo da Previdênci a - Reforma .pdfGuia completo da Previdênci a - Reforma .pdf
Guia completo da Previdênci a - Reforma .pdf
 
ÁREA DE FIGURAS PLANAS - DESCRITOR DE MATEMATICA D12 ENSINO MEDIO.pptx
ÁREA DE FIGURAS PLANAS - DESCRITOR DE MATEMATICA D12 ENSINO MEDIO.pptxÁREA DE FIGURAS PLANAS - DESCRITOR DE MATEMATICA D12 ENSINO MEDIO.pptx
ÁREA DE FIGURAS PLANAS - DESCRITOR DE MATEMATICA D12 ENSINO MEDIO.pptx
 
QUARTA - 1EM SOCIOLOGIA - Aprender a pesquisar.pptx
QUARTA - 1EM SOCIOLOGIA - Aprender a pesquisar.pptxQUARTA - 1EM SOCIOLOGIA - Aprender a pesquisar.pptx
QUARTA - 1EM SOCIOLOGIA - Aprender a pesquisar.pptx
 
Dança Contemporânea na arte da dança primeira parte
Dança Contemporânea na arte da dança primeira parteDança Contemporânea na arte da dança primeira parte
Dança Contemporânea na arte da dança primeira parte
 
Bingo da potenciação e radiciação de números inteiros
Bingo da potenciação e radiciação de números inteirosBingo da potenciação e radiciação de números inteiros
Bingo da potenciação e radiciação de números inteiros
 
PRÉ-MODERNISMO - GUERRA DE CANUDOS E OS SERTÕES
PRÉ-MODERNISMO - GUERRA DE CANUDOS E OS SERTÕESPRÉ-MODERNISMO - GUERRA DE CANUDOS E OS SERTÕES
PRÉ-MODERNISMO - GUERRA DE CANUDOS E OS SERTÕES
 
637743470-Mapa-Mental-Portugue-s-1.pdf 4 ano
637743470-Mapa-Mental-Portugue-s-1.pdf 4 ano637743470-Mapa-Mental-Portugue-s-1.pdf 4 ano
637743470-Mapa-Mental-Portugue-s-1.pdf 4 ano
 
Mesoamérica.Astecas,inca,maias , olmecas
Mesoamérica.Astecas,inca,maias , olmecasMesoamérica.Astecas,inca,maias , olmecas
Mesoamérica.Astecas,inca,maias , olmecas
 
HORA DO CONTO3_BECRE D. CARLOS I_2023_2024
HORA DO CONTO3_BECRE D. CARLOS I_2023_2024HORA DO CONTO3_BECRE D. CARLOS I_2023_2024
HORA DO CONTO3_BECRE D. CARLOS I_2023_2024
 

Descobertas no Lixo

  • 2. Encontram-se na área de serviço. Cada um com seu pacote de lixo. É a primeira vez que se falam. - BOM DIA! - BOM DIA!
  • 3.
  • 4.
  • 5. Pois é! Eu ainda não lhe conhecia pessoalmente
  • 6. - Desculpe a minha indiscrição, mas tenho visto o seu lixo...
  • 7. O meu o quê?
  • 8. - O seu lixo! - Reparei que nunca é muito. Sua família deve ser pequena...
  • 9. - Na verdade sou só eu.
  • 10. - Mmmm. Notei também que o senhor usa muito comida em lata . - É que eu tenho que fazer minha própria comida. E como não sei cozinhar...
  • 11. Entendo. - A senhora também... - Me chame de você. - Você também perdoe a minha indiscrição, mas tenho visto alguns restos de comida em seu lixo. Champignons, coisas assim...
  • 12. - É que eu gosto muito de cozinhar. Fazer pratos diferentes.
  • 13. - Mas, como moro sozinha, às vezes sobra...
  • 14. - A senhora... Você não tem família?
  • 15. - Tenho, mas não aqui.
  • 16. - No
  • 17. - Como é que você sabe? - Vejo uns envelopes no seu lixo. Do Espírito Santo.
  • 18. - É. Mamãe escreve todas as semanas.
  • 19. - Ela é professora? - Isso é incrível! Como foi que você adivinhou?
  • 20. - Pela letra no envelope. Achei que era letra de professora.
  • 21. - O senhor não recebe muitas cartas. A julgar pelo seu lixo.
  • 22. - No outro dia tinha um envelope de telegrama amassado. - É.
  • 23.
  • 24. - Ele já estava bem velhinho. Lá no Sul. Há tempos não nos víamos.
  • 25. Foi por isso que você recomeçou a fumar?
  • 26.
  • 27. - É verdade. Mas consegui parar outra vez. - Eu, graças a Deus, nunca fumei.
  • 28. - Eu sei. Mas tenho visto uns vidrinhos de comprimido no seu lixo...
  • 29. - Tranqüilizantes. Foi uma fase. Já passou.
  • 30. - Você brigou com o namorado, certo? - Isso você também descobriu no lixo?
  • 31. - Primeiro o buquê de flores, com o cartãozinho, jogado fora.
  • 32. - Depois, muito lenço de papel.
  • 33. - É, chorei bastante, mas já passou.
  • 34. - Mas hoje ainda tem uns lencinhos... - É que eu estou com um pouco de coriza. - Ah.
  • 35. - Vejo muita revista de palavras cruzadas no seu lixo.
  • 36. - É. Sim. Bem. Eu fico muito em casa. Não saio muito. Sabe como é.
  • 39. - Mas há uns dias tinha uma fotografia de mulher no seu lixo. Até bonitinha.
  • 40. - Eu estava limpando umas gavetas. Coisa antiga.
  • 41. - Você não rasgou a fotografia. Isso significa que, no fundo, você quer que ela volte.
  • 42. - Você já está analisando o meu lixo!
  • 43. - Não posso negar que o seu lixo me interessou.
  • 44.
  • 45. - Mas são muito ruins! - Se você achasse eles ruins mesmo, teria rasgado. Eles só estavam dobrados. - Se eu soubesse que você ia ler...
  • 46. - Só não fiquei com eles porque, afinal, estaria roubando
  • 47. Se bem que, não sei: o lixo da pessoa ainda é propriedade dela?
  • 48. - Acho que não. Lixo é domínio público. - Você tem razão. Através do lixo, o particular se torna público. O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é comunitário. É a nossa parte mais social. Será isso?
  • 49. - Bom, aí você já está indo fundo demais no lixo. Acho que...
  • 50. - Ontem, no seu lixo... - O quê? - Me enganei, ou eram cascas de camarão? - Acertou. Comprei uns camarões graúdos e descasquei. - Eu adoro camarão. - Descasquei, mas ainda não comi
  • 51. Quem sabe a gente pode... - Jantar juntos?
  • 52. É!
  • 53. - Não quero dar trabalho.
  • 55. - Vai sujar a sua cozinha? - Nada. Num instante se limpa tudo e põe os restos fora
  • 56. - No seu lixo?
  • 57. - Ou no meu? FIM
  • 58. Produção Vanesa Vogel Texto Luís Fernando Veríssimo