Baptista Filho é um funcionário dedicado à eficiência que implementa um sistema de gestão rigoroso na empresa e em casa. Após terceirizar vários serviços domésticos, ele se surpreende ao chegar em casa e encontrar sua esposa Adelaide recebendo um entregador de pizza, que ela "terceirizou" o setor de relações sexuais, já que Baptista Filho não estava "produzindo" nessa área.
2. Baptista Filho, 47, lembra as já
saudosas águas de fonte, insípidas e inodoras. Não
cheira nem fede. Pertence ao escritório como se fosse
um arquivo ou uma caixa de sugestões. Acho que uma
caixa de sugestões é mais elucidativa. Está lá, faz
parte, mas ninguém mexe ou se importa. Tem três
ternos, um cinza, outro cinza e outro cinza. Gravatas e
meias pretas. Barba impecavelmente raspada, três fios
de cabelo alinhados cuidadosamente na testa careca,
baixo,quase gordo, óculos de plástico preto. Não larga
nunca de uma pasta de couro, tipo escolar,
pesadíssima.
Certa vez, chamado à sala do chefe, a
deixara embaixo da mesa. Os colegas a pegaram e com
a escada do porteiro a amarraram no lustre. Baptista
Filho quando voltou, sentou-se e os pés calçados com o
752 preto procuraram a pasta automaticamente.
Empalideceu. Olhou em torno,todos trabalhando, sem
fitá-lo... Suspense. Levantou-se e foi até a porta do
chefe mas titubeou. De repente viu. Lá em cima.
Risinhos disfarçados. Baptista Filho conseguiu ficar
2
3. mais pálido ainda, mediu a altura da pasta com os
olhos e não teve dúvidas: telefonou para os bombeiros!
Susto na telefonista, corre-corre no
escritório.
_Calma Sr. Baptista Filho, calma! Já
vamos tirar para o senhor! Bernadete, cancela a
ligação por favor!
Baptista Filho não disse uma palavra, mas
nunca mais tentaram outra brincadeira...
É interessante, o pessoal do escritório se
trata por Nenê, Zezé, Corintiano, Miss Pig (à revelia),
Mineiro, mas Baptista Filho é como Deus, só existe
com o Filho junto. Nem Baptista, nem Filho, nem
Espírito Santo. Muito menos Tista. É Baptista Filho e
pronto. Ficou. Já em casa, apartamento de dois
quartos, financiado, sem garagem, é chamado pela
esposa de... Baptista Filho! Adelaide trabalhava no
mesmo escritório, daí... ficou.
Adelaide, 40, um ou dois dedos mais alta
que o marido, magra, cabelos castanhos quase loiros.
Segundo pessoal do escritório, classificada como
“comível”, um título que é uma espécie de ameaça – se
não se cuidar, em um prazo mínimo passa a “era
comível”, algo nostálgico, sem volta.
Dez anos de casamento. Sem namoro.
Moradores do mesmo bairro, quase vizinhos, ia e vinha
no mesmo ônibus de Baptista Filho, que morava com a
3
4. mãe viúva. Um ano só se cumprimentando, depois um
ano sentados no mesmo banco, quase sem conversar.
Adelaide é que se aproximou, sentia-se mais segura
com um colega. Quando chegou aos trinta, começou a
ver o gordinho como rechonchudo, o careca como calvo,
o esquisito como respeitador. Aí morreu a mãe – dele.
Não houve mudança significativa em seu
comportamento, mas os ternos começaram a aparecer
um pouco descuidados para o olhar atento de uma
solteirona.
Cansada de rolar sozinha na cama, noite
após noite, convenceu-se que Baptista Filho era o
homem ideal. Decidiu partir para o ataque. Puxando
conversa no ônibus, na volta para casa, colocou a mão
na perna do colega. Baptista Filho ficou roxo,
engasgou, retesou-se no assento mas não disse uma
palavra. Foram assim até o destino.
No dia seguinte Adelaide sentou-se como
sempre ao seu lado, meio constrangida, achando que
havia exagerado. Trocaram a meia dúzia de palavras
protocolares de sempre e eis que observa uma
mudança em Baptista Filho – está agitado, se mexe no
assento, rosto vermelho (olhou para ele de soslaio) e
em movimentos um tanto bruscos, bate sua perna
contra a dela, repetidamente. Algo confusa, coloca
novamente a mão sobre a perna do agitado quarentão.
Pronto, acalmou na hora, aquietou-se! Parece que até
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5. que semicerrou os olhos. E sem nada dizer, Adelaide
com coração disparado e a mão parada, vai assim até o
ponto do escritório...
Tornou-se então praxe obrigatória a mão
na perna, uma espécie de ato sexual para Baptista
Filho, quase uma aberração.
Aí, já com tanta intimidade, Adelaide
resolveu lhe falar. A mão na perna a estava deixando
louca. Ele simplesmente disse: é... - e dois meses após
estavam casados, assim que Baptista Filho completou e
lhe apresentou um relatório de pesquisas de custo em
várias igrejas e cartórios. O problema foi que na lua de
mel o noivo quis continuar respeitador até na cama e
Adelaide, já em desespero de causa, teve que pular
para cima. Surpreendentemente o desempenho, meio
rústico, foi satisfatório e as medidas suficientes. Era
um sábado, é claro, ele não faltaria ao escritório só
para casar.
Passaram o dia arrumando a casa, Baptista
Filho dando as ordens. Logo ela quis mais mais, mas ele
alegou que a semana estava começando e tinha que
estar descansado para o trabalho. E assim acabou
descobrindo que farra, só seria aos sábados e desta
forma foi por dez anos... Bem que no começo tentou
alguns ataques, todos infrutíferos e então acabou se
adaptando, fazendo do suspense de contar os dias
mais um tipo de excitação.
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6. A pedido de Baptista Filho saiu do
emprego para cuidar da casa e evitar as piadinhas no
escritório que o incomodavam, além de ter medo que
Adelaide fosse indiscreta com as colegas. Não queria
ser assediado como um objeto sexual, sempre evitara
essas coisas. Queria era produzir, trabalhar para o Dr.
Irineu, o patrão. Sua meta, eficiência crescente até
uma aposentadoria honrada...
Ela, sozinha em casa, sem filhos – ele
fizera uma planilha de custos e concluíra ser
incompatível com seus ganhos – se divertia ouvindo as
histórias das vizinhas, mais ou menos de sua faixa
etária, ávidas consumidoras de entregadores de pizza,
carteiros, eletricistas e tudo que aparecesse na porta
ou pudesse ser chamado pelo telefone, enquanto seus
insonsos maridos trabalhavam. Mas Adelaide se
mantinha firme, afinal antes tinha nada, agora,uma vez
por semana era uma quantidade enorme...
E ia tudo na santa paz... até a famosa
implantação do ISTO 8000, o ápice da carreira de
Baptista Filho.
Dr. Irineu o chamara, juntos assistiram
um vídeo sobre o processo de implantação e com os
olhos brilhando recebeu um calhamaço de blocos de
relatórios e apostilas, com a missão: implante-se!
Tudo o que Baptista Filho sonhara estava
alí, a ordem, a disciplina, a eficiência a serviço da
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7. produção. Iria finalmente acabar com a farra no
escritório, tinha poder até para demitir e terceirizar
serviços em prol de resultados.
_ Confio no senhor, seu Baptista (Dr.
Irineu era o único que o chamava assim, uma espécie
de distinção) seja impessoal, é uma empresa, não uma
família, não hesite em cortar funcionários se isso
reduzir custos, terceirizar serviços se isso se traduzir
em eficiência a baixo preço! Um discurso. Baptista
Filho quase chorou. Em verdade chorou sim, abraçado
aos calhamaços, depois que todos saíram. Permaneceu
no escritório por quase duas horas, esquecendo até de
avisar a aflita Adelaide, isso nunca acontecera antes.
Depois, em casa, discorreu sobre a implantação do
ISTO 8000, métodos de eficiência na empresa até
quase meia noite. Adelaide quase desmaiou, de sono e
de tédio.
Apesar de ter dormido tarde Baptista
Filho acordou mais cedo e foi abrir o escritório para
adiantar alguns detalhes antes do expediente.
O terror, a inquisição, tomaram de
assalto a antes pacata e feliz firma. E no casamento,
quem era apenas um insonso (sábados à parte),
transformou-se num chato especializado, só suportado
pelo aparte acima. Na firma, vó Dita e suas faxineiras
foram as primeiras a serem demitidas. Terceirizou o
serviço, um bando de estranhos mudos em uniformes
7
8. brancos invadiam as salas e em minutos estava tudo em
ordem pela metade do preço, sem conversas ou
cafezinhos. Sem encargos sociais.
Um sucesso. Toda a secção de apoio que custasse
muito ou produzisse pouco foi sendo eliminada e
terceirizada. Criou-se a competição entre
funcionários. Acabaram-se as brincadeiras. Todos
tinham que tentar ser melhor que o colega ao lado.
Instalou-se a desconfiança. Mas o resultado financeiro
começou a aparecer e Baptista Filho exultava.
Em casa cortou a ida ao cinema às
quarta-feiras – o total dos gastos era de 25 reais e o
filme na televisão era de custo quase zero. Dos 25
reais, tirou 20 e terceirizou a passagem de roupas,
uma vez por semana, sendo Adelaide dispensada deste
serviço por baixo desempenho – os colarinhos nunca
ficavam bons. E Baptista Filho queria tornar eficiente
até mesmo o modo de Adelaide comer, media a
distância do prato ao queixo, tentava explicar que se a
cabeça descesse 1/3, a colher só teria que subir 2/3
do trajeto e isso feito em conjunto resultaria em
eficiência...
Adelaide concordava, submissa,
pensando nas noites de sábado. E aí então, chegaram
ao fatídico incidente...
Sabadão. Banho tomado, perfumada,
uma semana de devaneios eróticos, até mesmo com o
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9. ISTO 8000 – Adelaide era um fenômeno, se excitou
com a palavra implantação ! Foi se chegando ao
rechonchudo, que absorto, fazia contas de cabeça.
Começou a se esfregar nele, sua mão
foi descendo, descendo...
Baptista Filho:
_ Você está agitada, sem método não
vai conseguir dormir, Adelaide! Procure ficar quieta,
na posição correta, respiração compassada. Tudo é
método! Porque com ISTO 8000... Adelaide retirou a
mão, ficou quieta mas não dormiu um só minuto a noite
inteira. Domingo chocho, ou seja,normal. Adelaide já
refeita, parecendo até mais leve, sorrindo.
Segunda-feira. Ao anoitecer,Baptista
Filho volta para casa,atrasado só meia hora. Abre a
porta e vê, sobre a mesa, uma caixa de pizza e um
capacete. Ignora o capacete – por falta de método o
entregador deve ter esquecido. Seu espanto é a pizza.
Fizera os cálculos várias vezes e demonstrara à
Adelaide que ficava muito mais em conta fazer em
casa, cerca de 70%,um absurdo!
_ Adelaide!
Abre a porta do quarto de supetão.
_ Adê, Adê, Adelaide, quê, quê, quê é
isso?!!
Isso, Baptista Filho, é eficiência, você
não estava produzindo neste setor e eu terceirizei!
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10. E para o entregador de pizza,
morenão de 22 anos que havia parado sem saber o que
fazer:
_ Implanta! Implanta!!
fim...
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