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O berço vazio
História de Maria Rosa Monteiro,
 mãe de Honestino Guimarães




                       Patrícia Cabri
In memoriam, ao meu amado avô Altamir Parreira de Brito.

   Dedico este livro aos que tiveram coragem e lutaram.
      Especialmente às mulheres que sempre estiveram
                        presentes nas nossas conquistas.
                   Dedico também aos meus professores.
Só vos peço uma coisa: se sobreviverdes a esta época,
    não vos esqueçais! Não vos esqueçais nem dos bons,
     nem dos maus. Juntai com paciência as testemunhas
 daqueles que tombaram por eles e por vós. Um belo dia,
 hoje será o passado, e falarão numa grande época e nos
     heróis anônimos que criaram a História. Gostaria que
 todo mundo soubesse que não há heróis anônimos. Eles
   eram pessoas, e tinham nomes, tinham rostos, desejos
 e esperanças, e a dor do último entre os últimos não era
   menor do que a dor do primeiro, cujo nome há de ficar.


Testamento sob a Forca. De: Júlio Fuchik Ed. Brasil Debates, 1980
• Agradecimentos •

    Agradeço a minha mãe por sempre caminhar ao meu lado, e por
isto tornar esta realização possível. A minha avó por sempre me
dizer e convencer que sou capaz de superar minhas limitações. Ao
meu irmão por me fazer rir e as vezes me distrair.
   A minha orientadora Prof. Dra Elen Geraldes, pessoa iluminada,
que não me abandonou em nenhum momento, e acreditou neste
projeto, muitas vezes, mais do que eu.
  A Dona Rosa, Mãe de Honestino, que gentilmente me recebeu e
deu seu livro.
   Aos meus amigos. Em especial: Karol Militão, grande amiga, pelo
apoio que me deu, com nossas conversas sobre o tudo e o nada
garantiu minha sanidade; Luciana Alves pela força e companheiris-
mo muito importantes nesta hora; Diego Oliveira, que me contagiou
com sua paixão pelo cinema, o que deve ter influenciado na narrati-
va deste livro, e pelas vezes em que escutou pacientemente minhas
maiores inseguranças; Angelina Guedes, não sei como no meio de
toda correria revisou este texto do dia para noite; Magê, que tam-
bém revisou o texto na versão final; Xan que revirou mundos e fun-
dos para descobrir detalhes preciosos para contar esta história.
   Enfim, a todos aqueles que estiveram comigo, lembravam do
tema e sempre chegavam com uma indicação de matéria ou livro,
e deram dicas.
  Agradeço aqueles que acreditaram em mim.
• Sumário •




Introdução	    	       	     	       	   	   	   11
O Passageiro 	 	       	     	       	   	   	   15
Quase sem querer 	     	     	       	   	   	   19
Canção do Senhor da Guerra 	 	       	   	   	   23
O Descobrimento do Brasil 	 	        	   	   	   26
Veraneio Vascaína 	    	     	       	   	   	   29
Proteção 	     	       	     	       	   	   	   34
Brasil: Ame-o ou Deixe-o 	   	       	   	   	   31
Bibliografia 							                             37
• Introdução •
   Caro Leitor,

    Peço, por gentileza, que tome muito cuidado com o exemplar que se en-
contra neste momento em suas mãos. Não sei ao certo se você é daqueles
que enlouquecem com uma pequena dobra nas páginas ou se tanto faz o
estado físico do livro, desde que ainda esteja legível. Porém este pedido
inicial tem mais a ver com o conteúdo que encontrará aqui.
    Sim, de fato este é meu primeiríssimo livro, um bom motivo para você
ter carinho por ele. Segundo... Bem, uma vez li que todo livro em que se
conta uma história deveria ter uma parte dedicada a descrever como foi o
processo de trabalho, e talvez este chame (ou não) um pouco a atenção.
   Curiosa que sou, sempre que leio um livro leio tudo, em busca de enten-
der como aquele autor/autora construiu aquela história. Mas raras vezes
obtenho esta explicação. Normalmente tenho de pesquisar para matar mi-
nha curiosidade.
   Para escrever este trabalho final, muitas vezes tive de parar e pegar
uma xícara de café, respirar fundo, e continuar montando este quebra-ca-
beça de muitas peças.
   Lembro até hoje quando, depois das férias de julho, peguei meu projeto
sobre a “Invasão da Polícia Militar na Universidade de Brasília em 1968”.
Olhei e pensei: “Não é ainda isso que quero para meu trabalho de con-
clusão de curso”. Simplesmente não me reconheci naquele trabalho, era
como se faltasse um detalhe mínimo, porém decisivo, que colocasse a mi-
nha marca. O que seria?
   Comecei tudo de novo: pesquisar, ler, correr atrás de professores, pro-
curar uma direção para saber o que faltava. Foi então que lembrei de uma
série de reportagens chamada “Elas contam os 40”, exibida em abril de
2005, pelo Jornal da Globo, da Rede Globo de Televisão.
   A série, feita pela produtora Patrícia Carvalho, o cinegrafista Dennis
Leutz e a jornalista Ana Paula Padrão, entrevistou 22 mulheres, de dife-
rentes idades e profissões, escolhidas para que representassem a sua
geração. Suas histórias de vida misturavam-se com a das últimas quatro
décadas no Brasil. Elas não eram meras testemunhas, mas protagonistas,
participantes dos movimentos e transformações do seu tempo.
  Isto me chamou a atenção porque são raros os momentos em que ve-
mos as mulheres como personagens da história. Basta abrir qualquer livro
                                  11
de história geral e procurar. Os homens dominam o espaço público, político
e social, como se as mulheres não fizessem parte deste universo fossem,
meras coadjuvantes.
   Contando isso para uma professora, ela me provoca: “Então escreva
um livro-reportagem sobre a participação feminina, mulher!”, exatamente
assim, direta e simples. Foi como ver um clarão na absoluta escuridão.
Descobri o que faltava no meu trabalho: a minha identidade, a representa-
ção que talvez sempre busquei, mas com a confusão de idéias precisava
de uma ajudinha para encontrar.
   Assim, tive mais alguns meses de muito trabalho até construir o proje-
to atual, sobre a participação feminina na Ditadura Militar. Dificuldades?
Muitas, afinal temos uma vasta bibliografia sobre Ditadura Militar Brasileira,
porém, encontrei apenas um livro, no Rio Grande do Sul, que trata direta-
mente da participação feminina durante este período. Sinal que este tra-
balho não é em vão.
   A Ditadura Militar Brasileira sempre foi um assunto que me fascinou,
pelos movimentos sociais e culturais que aconteceram neste período em
todo mundo. Para começar, o feminismo.
    Muitos consideram o feminismo como a grande revolução do século XX
porque as mulheres neste momento viraram o mundo de cabeça para bai-
xo. Simplesmente desistiram do seu papel secundário e exigiram ser vistas
e escutadas, muitas trocaram a segurança do lar pelo questionamento e
a luta por seus direitos. O livro “1968. O ano que não acabou”, de Zuenir
Ventura, conta bem as transformações no fim dos anos 60.
   Isto me lembra de uma entrevista com o cineasta Bernardo Bertolucci,
no DVD do filme “Os Sonhadores”, sobre o que se passava no mundo no
ano de 1968:
     “Não quero dizer que 68 foi um momento mágico, mas quase isso.
O fato de estarmos, usemos a palavra “sonhando juntos”, cinema, po-
lítica, música, jazz, rock´n roll. O sexo e a descoberta de como estas
coisas poderiam se unir e interagir umas com as outras, como pode-
riam combinar em um tipo de harmonia que não vejo mais (...) Acho que
houve mudanças importantes na sociedade principalmente quanto à
posição da mulher. Há um tipo de lembrança ruim. E acho que isso as
pessoas que participaram dos movimentos de 68, de modo geral, não
contaram aos seus filhos a história daquele ano. Há um tipo de buraco
negro para os jovens de hoje, eu acho que depende um pouco dos pais,
que não gostam de falar daquela época”.
   Nesta seqüência de fatos, revoluções, manifestos, reivindicações, en-

                                       12
contrei uma figura que chamou minha atenção e, inclusive, serviu de ins-
piração: Zuleika Angel Jones, mais conhecida como Zuzu Angel. Estilista
brasileira que usou a moda como protesto contra a Ditadura Militar após o
desaparecimento de seu filho Stuart Angel.
    Por sorte em 2006 o filme Zuzu Angel foi lançado, e por mais sorte es-
tive presente em sua avánt premiere. Tenho de confessar que no período
em que estive mergulhada nesta pesquisa, a oportunidade de presenciar
este lançamento foi um dos momentos mais incríveis.
   Para começar, tudo aconteceu no Senado Federal, com a presença do
vice-presidente do Brasil, José de Alencar, dos presidentes da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal. Há pelo menos vinte anos isto seria inima-
ginável! Sinal da mudança dos tempos? Risos.
    Por muitos momentos recorri à história de Zuzu para compreender a
luta e o papel de uma mãe, envolvida no movimento estudantil por amor
ao seu filho, numa tentativa de lhe proteger a vida.
    Todas as informações que você encontrar aqui foram embasadas em
relatos, entrevistas, matérias, livros (especialmente o que Dona Rosa es-
creveu), enfim, tudo que se pode encontrar em pouco mais de dois anos
de pesquisa, o que parece uma eternidade, quando se tem 23 anos, como
eu.
   No mais, talvez os nomes dos capítulos lhe pareçam familiares. Uma
homenagem que resolvi fazer à produção musical de Brasília. Afinal, eu
escrevo de algum lugar do espaço, do tempo, da história.
   Por isto, Caro Leitor, entrego em suas mãos com todo cuidado esta
história.
                                                              Boa leitura.




                                  13
• O Passageiro •

   A cidade de Brasília foi construída a partir do sonho de Dom Bosco, con-
cretizado por Juscelino Kubitscheck em 1960. Desde o início paira sobre
a cidade o estigma de ser a “terra prometida”. Não é preciso andar muito
para encontrar pessoas ou famílias que vieram para cá com a esperança
de uma vida melhor.
    Brasília tem algumas peculiaridades. É basicamente dividida em seto-
res: Setor de Indústrias e Abastecimento, Setor Hoteleiro Sul, Setor Hoteleiro
Norte, Setor de Administração Sul, Setor de Indústrias Gráficas, Setor de
Oficinas, de motéis e por aí vai, tudo devidamente “setorizado”.
    Também não temos bairros e sim cidades satélites. Para um nativo expli-
car isto para pessoas de outros estados é uma tarefa árdua e complicada,
principalmente quando temos que fazer isto por telefone. Porque a questão
é que assim foi convencionado, estudamos isto no ensino fundamental e
não lembramos exatamente do que venha a ser uma satélite, talvez por
isto nossas cidades satélites sejam objetos de estudos de universidades
locais até hoje.
    É verdade que o Plano Piloto tem o formato de um avião. Dizem que se
olhar a cidade por cima, você consegue ver as Asas Sul e Norte. No mapa
isto fica bem claro.
    Temos poucas praças em Brasília, mas hoje temos muitos jardins. Ficam
lindos na primavera. Cruzar de carro a Asa Sul e ir para Asa Norte é uma
boa oportunidade de conhecer nossos jardins, normalmente localizados
nos canteiros centrais ou nos balões.
   Outra coisa que para as pessoas que não são daqui chega a ser emo-
cionante e vertiginoso é fazer as tais “tesourinhas”. A primeira vez ninguém
esquece. Tesourinha é uma espécie de retorno, só que com uma curva bem
mais acentuada e em dois níveis. Dizem que é melhor que montanha russa,
mas depois de se acostumar não chega a ser tão especial.
   A arquitetura da cidade transita entre o mais moderno e o nem tanto. O
Congresso Nacional tem o formato de um “H” com uma bacia para cima e
outra para baixo. A Catedral às vezes à primeira vista desafia algumas leis
da física. Por outro lado alguns prédios são o que poderia ser o moderno
nos anos 70.
   As distâncias aqui são relativas. Se você não é da cidade duvide se te
disserem que algo “é perto”. Em alguns casos chega a ser uma aventura

                                    15
percorrer certos trechos. Não sei se faz parte do planejamento da cidade,
mas aqui sempre é útil ter um carro, raramente as coisas são próximas às
outras.
   Brasília ficou conhecida como a capital do rock. Tudo porque no fim dos
anos 70, início dos 80, várias bandas surgiram na cidade, uma em especial
“Aborto Elétrico” (o nome é uma referência aos cassetetes elétricos usados
pela polícia contra as grávidas durante a Ditadura). Foi progenitora de ban-
das como Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude.
   Agora que você conhece o ambiente em que esta história se passa
vamos voltar um pouco no tempo. Estamos no ano de 1968, dia 29 de
agosto.
   As pessoas que naquele dia precisassem ir à Asa Norte eram impedi-
das. O exército havia tomado todas as vias de acesso com um arsenal de
guerra.
    Uma equipe de Minas Gerais veio reforçar o grupo que naquele dia inva-
dira a Universidade de Brasília (UnB), localizada no final da Asa Norte, com o
objetivo de prender pessoas que faziam campanha contra o Regime Militar.
   O campus universitário estava todo cercado. Alguns soldados se ocupa-
vam de entrar e desocupar os alojamentos dos alunos. Outros perseguiam
estudantes. Houve tiroteio.
    Num outro ponto da cidade um telefone toca. É o aviso para esta mulher
de que tinham prendido seu filho. Ela morava em frente à Universidade,
veio dirigindo como louca. Quando chegou e ouviu o tiroteio, começou a gri-
tar com a possibilidade de que um daqueles tiros atingisse seu filho. Como
saber se estava ainda vivo?
   Alguns colegas viram o momento em que três homens perseguiram e
prenderam Honestino Guimarães. Tiveram a impressão de que ele deixou
os óculos caírem, mesmo assim ele resistiu como pode, mas foi levado
num camburão.
   As perseguições continuaram por toda universidade. Um estudante saiu
da sala de aula para entender o que estava acontecendo. Foi baleado na
cabeça, carregaram-no para dentro de uma sala de aula na tentativa de
socorrê-lo. Soldados invadiram a sala, prenderam os que ali estavam e en-
caminharam o estudante para o hospital.
   Dentre as pessoas retidas naquele dia, estavam muitos filhos de depu-
tados. Seus pais foram até o campus tentar liberá-los, tentativa em vão,
parece que ninguém saía impune.
    Honestino ficou preso por dois meses. Todos os dias sua mãe vinha
visitá-lo, inclusive em horários especiais, para não prejudicar sua rotina de
                                       16
trabalho, privilégio dado porque ela foi diretora da escola onde o filho do
Comandante do Quartel estudava. Ela sempre levou muito a sério sua vida
profissional, soube separar seus papéis de mãe, educadora e profissional.
   Foi uma verdadeira luta conseguir a liberdade condicional por meio de
habeas corpus para Honestino. No dia em que ele foi solto, próximo ao
quartel vários companheiros de luta o aguardavam em seus carros. Foi
um verdadeiro desfile, uma carreata com aqueles que incomodavam as
autoridades.
   Quatro dias depois da invasão da UnB, o Deputado Márcio Moreira Alves
tomou a palavra na Câmara dos Deputados para condenar esta invasão.
Ele perguntou: “Quando o Exército não será um valhacouto de torturado-
res?”. Também fez acusações, respaldado na autoridade que conquistou
denunciando casos de tortura ocorridos no governo Castello Branco e aco-
bertados pelos comandantes militares. Referiu-se às comemorações da
Semana da Pátria e sugeriu um boicote às paradas. “Esse boicote, pode
passar também (...) às moças, às namoradas, àquelas que dançam com os
cadetes e freqüentam os jovens oficiais”.
   Dias depois o pai de Honestino ouvia a rádio lá pelas dez da noite vol-
tando do trabalho para casa. Soube que o General Artur da Costa e Silva
decretou o Ato Institucional nº 5 (o AI-5), que dava recesso para o Congresso
Nacional, instituía a livre intervenção do governo nos estados e municípios,
suspendia direitos políticos de qualquer cidadão por dez anos e o direito a
habeas corpus e preconizava o confisco de bens ilícitos.
    Assim que Honestino ficou sabendo, comunicou-se com seu irmão
Norton, avisando que iria “se mandar” antes da lei ser publicada. Começam
aí seus cinco anos de clandestinidade.
   Já era do conhecimento de toda sua família que estavam sendo vigia-
dos. No dia seguinte, a mãe de Honestino saiu com o marido para traba-
lhar, deixando o filho Norton e duas primas menores. Pouco tempo depois
militares invadiram a casa.
    Tiraram o filho dela da cama e adentraram pela casa à força. Tentaram
arrombar a porta do quarto de Honestino, certos de que o encontrariam.
Norton tentou resistir, mesmo sabendo o porquê da porta estar trancada
ligou para mãe, para que esta explicasse aos soldados a razão. O que não
adiantou. Pouco tempo depois a mãe recebeu mais um telefonema, desta
vez das sobrinhas, que avisavam da prisão do irmão de Honestino.
   Foram três dias na tentativa de encontrá-lo, a busca contou com a co-
laboração de amigos e de organizações, como a Maçonaria. Neste meio
tempo, receberam um telefonema do quartel onde Norton estava para ir
buscá-lo.
                                  17
Quando o pai de Honestino chegou em casa, estava tão alegre que
abraçou e beijou o filho. Finalmente puderam dormir em paz.
   Apesar de toda a aflição e da possibilidade da casa ser novamente invadi-
da, voltaram a seguir a rotina. Foi um dia de muito trabalho. No fim da tarde,
o pai de Honestino veio buscar a esposa para que fossem ver juntos a loja
que estavam montando e seria inaugurada uma semana antes do Natal.
   Já em casa, a mãe de Honestino começou a se preocupar com a de-
mora do marido chegar. Era norma da família sempre informar possíveis
eventualidades, mas o telefone não tocava. Ela ia de uma janela à outra na
esperança de ver o marido de volta, era impossível afastar os maus pensa-
mentos. Até que finalmente batem à porta, são dois desconhecidos:
      - Aqui mora o Sr. Monteiro?
      - Sim.
      - É que vimos um acidente com ele e achamos que a senhora deveria
      estar preocupada... Foi grave.
      - Onde foi? Foi ele quem mandou avisar?
      - Não, passamos e vimos. Ele não estava mais lá. Levaram-no para o
      HDB (Hospital Distrital de Brasília).
      - Obrigada, vou já para lá.
   O filho, que havia ficado três dias retido, dormia. Foi acordado para que
acompanhasse a mãe até o hospital. Ela nunca mais viu os estranhos.
    Chegando lá, choque. Seu marido veio a falecer com 43 anos de idade.
Durante o velório, vários policiais estavam à paisana, aguardavam o mo-
mento em que Honestino aparecesse para prendê-lo. Sabendo disto sua
mãe implorou que os familiares o segurassem onde ele estava. Ele queria
voltar para Brasília a todo custo.
    Para ela foi um dos momentos mais duros que enfrentou sozinha. Um
filho vivendo na clandestinidade, outro foi preso e o marido morto. Tudo
isso naquela família feliz que se reunia para noitadas de gamão ou xadrez.
Tudo acabou.




                                       18
• Quase sem querer •
    Foram cerca de cinco telefonemas até marcar este encontro. Inicialmente
o grande desafio era localizá-la. A única lembrança que tinha era uma
remota imagem feminina ao lado de um retrato ampliado de Honestino
Guimarães, no documentário Barra 68. Nem tinha a certeza de que se
tratava realmente dela.
    As tentativas foram muitas. Entre elas, procurar na assessoria de imprensa
da UnB, já que no site da Universidade havia uma entrevista com ela, num es-
pecial sobre os 31 anos de desaparecimento de seu filho. Busca em vão. Não
tinham sequer o telefone da jornalista que fez a entrevista.
   Lista telefônica, última esperança, afinal com a velocidade da informa-
ção este meio se tornou obsoleto. Puro engano, lá estava ela: Maria Rosa
Leite Monteiro. Com endereço e tudo que fosse necessário.
   Dias se passaram entre a insegurança de ser ela ou não, entre não
saber como falar, o que falar, entre o medo característico da mínima expe-
riência “jornalística”. 3, 2, 1... Antes agora do que nunca:
      - Bom dia! Esta é a casa da Dona Maria Rosa Leite? Mãe do
      Honestino?
      - É.
      - Ela está?
      - Sim.
      (Silêncio)
      - Alô?
      - Dona Maria Rosa?
      - Sou eu.
      - Mãe do Honestino?
      - Sim.
   Naquele momento era como se o mundo absolutamente parasse. Era
ela. Disse que era uma estudante de jornalismo (quanta credibilidade) e
estava fazendo um trabalho sobre Ditadura Militar, se havia a possibilidade
de uma entrevista.
      - Estou me mudando. Você me ligou num momento em que estou ali
      separando as coisas. Você pode me ligar amanhã?
   A ligação foi feita, mas ela não estava em casa. Mais tarde ela atendeu

                                    19
e disse que precisava arrumar espaço no meio da mudança. Outra ligação,
mais insistência, ela cedeu, entrevista sábado de manhã, às oito.
    Ela mora no Guará, cidade satélite de Brasília, para quem não vive lá,
é meio confuso encontrar o endereço. Durante todo o trajeto imaginava
como seria esta mulher. No filme não tinha certeza se era ela, jamais tinha
visto sequer uma fotografia.
   Cheguei numa rua com construções bem modestas e aparentemente
confortáveis. Ela morava numa casa de dois andares, com janelas grandes
e um bom espaço na frente, com uma escada coberta com toldo que desce
na lateral esquerda.
   Ao tocar a campainha, ela avisou que iria descer para abrir o portão.
Os pés calçados em chinelos azuis foram a primeira visão, eles desciam
devagar, mas com muita firmeza, a escada lateral. O portão abriu e ela me
convidou a entrar.
   A escada é a entrada para sua sala. Fotos da família e quadros pin-
tados estão pendurados na parede. Completam a decoração do espaço
aconchegante.
   Dona Rosa tem o cabelo branco e olhos azuis. Olhos que impressionam,
não por serem azuis, mas pela vivacidade e confiança que transmitem.
    Está de mudança e se preocupa com o conforto da visita. Ela tem se
ocupado nos últimos dias em separar e encaixotar os livros, alguns para
doação, talvez uma biblioteca pública, outros de valor inestimável que par-
tirão para a nova casa.
      - Eu estou aqui arrumando esta mudança, vendi esta casa, estou me
      mudando daqui. Então é muito difícil. Você me pegou nuns dias de
      retorno, só de pegar, folhear estes livros, eu retorno...
   É possível que ainda demore pouco mais de um ano para ela se mudar
em definitivo para o apartamento, que ainda está em construção, mesmo
assim ela prefere organizar suas coisas. Separar, guardar tudo em caixas.
“É muita coisa”, ela diz. Livros, fotografias, quadros, lembranças.
   Dona Rosa, como prefere ser chamada, nasceu na cidade de Itaberaí,
no dia 16 de Junho de 1928 (ano de nascimento de Che Guevara). É a dé-
cima primeira filha de uma família alagoana.
   Itaberaí fica há 90 km de Goiânia, hoje tem mais de 29 mil habitantes.
Seu primeiro nome foi Curralinho. A cidade foi construída às margens do
Rio das Pedras. A entrada da cidade dá acesso à praça principal que fica
próxima à casa onde moravam os pais de Dona Rosa e Monteiro.
   Estudou no Colégio Coração Imaculado de Maria. Formou-se aos

                                     20
16 anos no curso “normal”, denominação antiga do magistério porque
era comum que as moças o fizessem. No ano seguinte casou-se com
Benedito Monteiro Guimarães, inspetor escolar, que ela prefere chamar de
“Monteiro”. Ele com 21 e ela com 17 anos.
    Um ano depois do casamento, nasceu seu primeiro, dos três filhos natu-
rais, Honestino Guimarães, que recebeu esse nome em homenagem a um
tio-avô de Monteiro. Era muito levado, “onde tinha uma confusão ele esta-
va no meio”. Gostava de estudar, aprendeu a ler com seis anos de idade.
      - Alegre, gostava de estudar demais. O negócio dele era ler. Quando
      ele era pequenino eu lia para ele. A gente tinha aquela coleção
      “Monteiro Lobato”. Eu lia e ele só queria ouvir a leitura.
    Dona Rosa e Monteiro eram donos do Bar Umuarama, considerado pon-
to chique de Itaberaí. Um estabelecimento de construção simples, porém
muito bonita, diferente das demais casas da cidade. Tinha o único serviço
“a la carte” da região.
   O restaurante ficava de frente para a praça principal, onde também se
localizava o único cinema da cidade, que no momento era de propriedade
de Monteiro e seu irmão. Dona Rosa e os três filhos cuidavam do bar e do
cinema. Os meninos tinham também uma banca de engraxate e vendiam
balas no cinema. Monteiro se dedicava também ao trabalho no cartório.
Era tabelião do 2º Ofício. Não era rico, mas a mesa era sempre farta, as
comidas eram preparadas com todo carinho por Dona Rosa.
    A personalidade de Monteiro e Dona Maria Rosa eram diferentes das “do
povo daquela época”, segundo Caramurú um amigo da família. Davam para
os filhos tudo o que queriam, mas também eram rígidos e exigentes, faziam
questão de que todos participassem de todas as atividades do lar. Foram
educados para buscar sua independência. Este amigo conta que nunca viu
Dona Rosa de cara fechada, e que Monteiro era um homem brincalhão.
    Em 1955, o presidente Juscelino Kubitschek afirmou, num comício, que
iria transferir a capital. Eleito, esta passou ser a meta de seu governo, um
plano de desenvolvimento e modernização do país. A idéia era trazer a ca-
pital para o coração do país, para que fosse o centro, o ponto de encontro,
de todos os povos do Brasil.
   “Todos queriam morar na capital”. Seu Monteiro foi conhecer a nova
cidade, lá permaneceu por uns dois meses e voltou com a mudança já pre-
parada. Em dezembro de 1960 a família deixou tudo para trás. Foram para
a nova capital cheios de esperança.
      - Brasília era uma terra que “prometia muito, principalmente na área
      da educação”.

                                   21
Dois irmãos da Dona Rosa já moravam na cidade, Orion e Jurandir.
   A capital ainda estava em construção quando chegaram. Honestino foi
estudar no colégio Elefante Branco e seus irmãos, Norton e Luiz Carlos, fo-
ram matriculados no Caseb. Monteiro foi trabalhar no Núcleo Bandeirante,
na época o centro comercial da cidade.
    Dona Rosa, que ainda não tinha emprego fixo, ficava sozinha em casa
na W3 Norte. Assim que pode começou a dar aulas particulares para pre-
parar alunos para os exames de admissão ao ginásio. O que deu muito
dinheiro, porque a procura era muita e havia pouca oferta de cursos do
tipo na época.
   Ela gostou da cidade desde o primeiro momento. Terra e escavações
logo viravam belos edifícios. Ela não entendia o que iria ser a cidade, po-
rém sonhava em sintonia com JK.




                                     22
• Canção do Senhor da Guerra •
    Aquela era uma guerra silenciosa, começou de forma discreta. Muitos
interesses estavam envolvidos.
   A partir de 1964 uma onda de ditaduras militares tomou conta da
América Latina. Começou pelo Brasil, depois veio o Peru em 68, com o
general Omar Herrera que tomou o poder no Panamá, depois veio a Bolívia
com o general Juan Torres, em 73 a ditadura chega ao Chile com Augusto
Pinochet e em 76 na Argentina e no Uruguai.
  Dois fatores foram decisivos para esta onda: a Guerra Fria e a Revolução
Cubana.
   O mundo pós Segunda Guerra Mundial se dividiu, quem não estava com
os Estados Unidos, potência que levantava a bandeira de que o capitalis-
mo e a democracia eram chaves para a liberdade, estava com a União
Soviética, que via a solução para os problemas sociais no socialismo.
   Foi uma disputa tensa, ganhava quem tivesse mais armas. Ao mesmo
tempo vieram a conquista espacial, muitas inovações tecnológicas e o
avanço nas telecomunicações.
    Os Estados Unidos avançavam como superpotência enquanto a União
Soviética era a força da resistência. Idéias marxistas começaram a se es-
palhar pela América Latina, foram o pilar em que as lutas contra o império
americano se sustentavam. Era como se essas idéias fossem a solução
para o fim das injustiças e desigualdades sociais, agravadas com o aumen-
to populacional que veio depois da Segunda Guerra Mundial.
   Para os revolucionários não adiantava somente derrubar o governo, era
preciso uma nova estrutura social. Che Guevara era o símbolo da resis-
tência, da luta contra o imperialismo norte-americano. Ele e Fidel Castro,
foram figuras importantes na Revolução Cubana em 1959, que derrubou o
governo de Fulgêncio Batista.
    Os Estados Unidos tentaram de várias formas derrubar o novo governo.
Vencidos, optaram por excluir Cuba do sistema interamericano e bloqueá-
la economicamente.
   Diante desta situação, Cuba pediu ajuda para a União Soviética e se
declarou socialista. Como resposta, os EUA lançaram o programa “Aliança
para o Progresso,” em toda a América Latina, oficialmente para promover a
industrialização e reformas sociais, mas na prática um efetivo mecanismo
de controle do continente.

                                  23
O fracasso do plano somado com a morte do presidente John Kennedy
mudou a política dos Estados Unidos para a América Latina.
    Voltando alguns anos, no Brasil, o vice-presidente João Goulart foi in-
dicado para substituir Jânio Quadros, que havia renunciado ao cargo de
presidente após Carlos Lacerda, governador do estado da Guanabara, de-
nunciar seu plano de golpe. Jânio anunciou sua renúncia, certo de que o
Congresso não aceitaria que um ativista do movimento trabalhista, como
João Goulart, assumisse o governo. O país estava dividido, de um lado era
importante a independência dos Estados Unidos, de outro era defendida a
abertura da entrada do capital estrangeiro. Houve uma tentativa de golpe
que falhou pela divisão de opiniões nas forças armadas. A população de-
fendia que a Constituição fosse obedecida, quem assumiria o governo na
falta do presidente era o vice.
    Se não bastasse isto, Jango (apelido de João Goulart) herdou sérias
dívidas, fora os gastos com a crise militar, foi necessário pedir ajuda para
o FMI. Ele começou a ser acusado pela Igreja Católica, e a imprensa re-
forçava, de envolvimento com o movimento comunista. O que era sério,
afinal nesta época era promovida uma verdadeira caça aos comunistas no
Estados Unidos. A opinião pública ficou dividida e os militares começaram
a armar o golpe. Na tentativa de permanecer no governo, Goulart tendeu
para um governo de centro-direita, o que não convenceu.
   O presidente Kennedy mandou agentes para convencer os militares
de que era necessária uma ação contra o governo. O interesse americano
não era em vão, eles consideravam o Brasil como peça-chave na América
Latina: para onde o país fosse os outros seguiriam.
   No dia 13 de março de 64, um movimento conhecido como “Marcha da
Família com Deus pela Liberdade” reuniu cerca de 200 mil pessoas, pedin-
do a saída de Jango. A ala conservadora do Congresso ameaçava bloquear
os projetos de reforma mandados pelo governo.
   João Goulart duvidava da força do golpe, acreditava na proteção de um
“dispositivo militar” esquematizado pelo seu chefe de Gabinete Militar, o
general Argemiro de Assis Brasil. O dispositivo assegurava uma lealdade,
nunca antes vista, nos quartéis, para segurar qualquer tentativa de golpe.
Mas de outro lado, os militares se organizavam para tomar o governo a
qualquer momento, tinham apoio americano e pessoas certas para que o
golpe desta vez funcionasse.
   Assim, no dia 31 de Março de 1964, começou o Regime Militar. O briga-
deiro Correia de Melo e o almirante Augusto Rademaker publicaram o pri-
meiro Ato Institucional que estabelecia eleições indiretas para presidente
da república e dava aos comandantes o poder de decretar estado de sítio,
                                      24
suspender garantias constitucionais e tirar direitos políticos de quem quer
que fosse por 10 anos.
   Em abril o Marechal Castelo Branco, chefe do exército e coordenador
da trama contra João Goulart, é eleito presidente. Como primeiras medidas
anulou os atos do governo Jango e reprimiu os possíveis opositores; im-
plantou o bipartidarismo; suspendeu os direitos políticos de 375 pessoas,
dentre elas Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart; demitiu
10 mil funcionários públicos, instaurou cinco mil investigações contra 40
mil pessoas e rompeu qualquer relação com Cuba. Começa oficialmente a
Ditadura Militar.




                                   25
• O Descobrimento do Brasil •

    Dona Rosa morou numa fazenda quando menina. Seu pai era comunis-
ta. Ele gostava de acompanhar tudo, recebia jornais de São Paulo que de-
moravam até quinze dias para chegar, às vezes lia para os filhos. Ela ficava
no quarto ao lado ouvindo as notícias que o pai ouvia alto pelo rádio.
    Ela acompanhava de forma passiva o envolvimento do filho mais velho,
Honestino, com a política. Quando veio para Brasília não tinha nenhum ou-
tro interesse além do estudo dos filhos. Era o estudo deles que realmente
importava.
   Passou no concurso público da Fundação Educacional do Distrito
Federal e em 1961 dava aula para alunos do primeiro grau. Depois de dois
anos passou a ser Diretora, cargo que exerceu por mais de trinta anos.
    Os filhos foram crescendo em Brasília. Quando menos se viu lá estava
ela, apreensiva, vendo o resultado do vestibular de Honestino. Começou a
ver o resultado a partir do último nome da lista, à medida que ia se apro-
ximando do início aumentava seu nervosismo, o nome dele não aparecia.
Quando chegou no primeiro nome lá estava: Honestino Guimarães, primei-
ro lugar na Universidade de Brasília em Geologia. Levou um susto.
   Levou outro susto parecido quando foi chamada à escola onde ele cur-
sava a 4º série do primário, e lá ficou sabendo que o resultado do teste
de QI dele deu “inteligência-médio superior”. Desde muito pequeno ela o
via como uma enciclopédia ambulante, Honestino transmitia tudo o que
aprendia.
    Como dizer quando começou a relação dele com a política? É realmente
difícil. Na cidade de Itaberaí a política era forte, a disputa era entre dois
coronéis poderosos. Honestino acompanhava tudo desde muito pequeno,
“nasceu político”. Acompanhava e até brigava por seus candidatos. Queria
saber quem era o prefeito, o governador, o presidente. Assistia aos comí-
cios e assim começou a dizer que um dia seria presidente do Brasil.
    Ele cresceu entre a política da cidade onde nasceu e seus compromis-
sos de criança. O pai era seu companheiro, mas era também muito exigen-
te, porque sempre onde tinha uma briga Honestino estava no meio.
   A família estava reunida para comemorar o vigésimo primeiro aniversário
de Honestino. Antes de servir o jantar ficaram sabendo pela TV que o estudante
Édson Luiz foi morto no restaurante universitário Calabouço, no Rio de Janeiro.
Honestino saiu imediatamente de casa, revoltado, foi direto para a UnB.

                                       26
São várias as versões da invasão do Calabouço. Uma delas afirma que
os estudantes estavam jantando, outra afirma que acontecia uma manifes-
tação pelo mau funcionamento do restaurante, pelas condições precárias
de higiene.
   Mas em ambas as versões, os soldados entraram atirando enquanto
o tenente Alcindo Costa gritava pelo mega-fone “parem de atirar, eu não
dei ordem para ninguém atirar”, pouco depois o mesmo tenente sacou o
revólver e deu o tiro que acertaria o peito de Édson.
   Os estudantes tentaram socorrê-lo, levaram-no para Santa Casa de
Misericórdia, onde chegou sem vida. Eles impediram que os soldados se
aproximassem do corpo, ergueram-no e o levaram até a sede da Assembléia
Legislativa, queriam mostrar o que o Regime havia feito.
   Chegando lá as autoridades informaram que era necessário levar o cor-
po para autópsia, os estudantes acharam que aquela era uma manobra
para sumir com ele e assim nada poderia ser provado. Por sorte, um dos
estudantes lembrou de um fato histórico: o corpo de Getúlio Vargas não
precisou ser removido para autópsia.
   No dia seguinte uma estranha cena era vista pelas ruas do Rio de
Janeiro. Com o Regime Militar, qualquer grande aglomeração de pessoas
era rapidamente dispersada, mas neste caso a única coisa que fizeram
para reprimir foi desligar as luzes dos postes que ficavam no trajeto até o
cemitério, o que de fato não foi um problema. As pessoas que participavam
do cortejo fúnebre improvisaram velas. À medida que caminhava o movi-
mento tinha mais adeptos. Foram mais de 12 mil pessoas ali reunidas.
Uma faixa improvisada dizia: “Podia ser o seu filho”.
    Voltando a Brasília... Não se sabe ao certo se estes detalhes vieram ao
conhecimento de Honestino, mas ele sentiu que algo tinha de ser feito.
Assim que chegou na UnB, avisou a todos que encontrava pelo caminho do
que tinha acontecido no restaurante universitário carioca. Conseguiu reu-
nir mais de quinhentos estudantes e juntos resolveram fundar uma praça
em homenagem a Édson Luiz.
   Pouco tempo depois aconteceu a primeira prisão de Honestino.
   Era comum ter em casa muitos jovens para estudar, ver futebol, ou con-
versar. Naquele dia a casa estava cheia de garotos. Alguns primos esta-
vam hospedados lá para prestar vestibular. A sala de estudos estava cheia.
Dona Rosa e seu marido, Monteiro, foram dormir um pouco mais cedo.
Assim que puderam, Honestino e os amigos saíram para comemorar a
aprovação dos primos no vestibular. No dia seguinte, ela sentiu o filho um
pouco mais preocupado no café da manhã.

                                   27
Bateram na porta e ele foi atender e não voltou. O que era comum,
afinal era a hora dele sair para a faculdade. Só à tarde Dona Rosa teve o
conhecimento de sua prisão e dos primos. Policiais civis vieram a sua casa
e fizeram uma busca, colocaram tudo de ponta cabeça, procurando o que
não se sabia, só se sabe que não encontraram.
   Dona Rosa foi para Taguatinga pedir ajuda a um sobrinho que era advo-
gado. A família ficou muito abalada com as prisões. Os primos de Honestino
foram presos em flagrante por participarem de pichação nas ruas. Como
não conheciam bem a cidade, não conseguiram fugir.
   Esta prisão foi amplamente divulgada nos jornais. Faziam questão que
ela se tornasse pública, para que as pessoas se sentissem acuadas dian-
te daquela demonstração de força militar. A partir dessa primeira prisão,
Honestino passou a ser considerado um importante líder estudantil.




                                     28
• Veraneio Vascaína •
   Honestino sempre era vigiado, procurado ou detido, bastava que qual-
quer manifestação, qualquer ato contra o Regime Militar acontecesse. Dona
Rosa conversava muito com o filho, tentava entender o motivo dele estar
envolvido com o movimento. Os argumentos eram fortes, aquela luta era
necessária. Muitas vezes acompanhava o filho nas manifestações, nunca
entendeu por que não era presa, mas na realidade sabia que fazia aquilo
porque ele era uma das coisas mais preciosas que tinha.
    Com toda repressão, ele resolveu não morar com os pais. Depois da
segunda prisão, quando achava que a poeira tinha abaixado, foi visitá-los,
afinal fazia muito tempo que não os via.
    Antes de terminar o jantar foram avisados que o bloco estava sendo
vigiado, foi preciso que alguém descesse para despistar os agentes e
Honestino fugiu pelo mato.
    Era caçado como bandido, foi perseguido por toda noite, dispararam
tiros, ele acabou conseguindo chegar na casa de um tio. Depois de ter
passado a madrugada esperando por notícias, Dona Rosa recebeu um te-
lefonema dele pela manhã avisando que estava bem.
    Mesmo no meio de tudo o que acontecia, Honestino decidiu se casar no
segundo semestre de 1968, ano em que também terminaria a faculdade.
A notícia correu por toda imprensa e começou a perseguição em torno da
casa dos pais, carros eram vigiados e revistados. Assim, o casal resolveu
fazer uma cerimônia bem discreta numa igrejinha da Asa Norte. A noiva,
Isaura, se vestiu na sacristia, foi uma cerimônia bonita. Judicialmente tudo
foi formalizado por uma procuração que ele passou para o pai.
    Depois da morte do pai, Honestino partiu para a clandestinidade. Foram
seis meses sem que sua mãe recebesse qualquer notícia, até que final-
mente chegou uma carta. Os contatos eram por cartas, telefonemas ou
recados. Foi assim que Dona Rosa ficou sabendo que Isa estava grávida.
Ficou feliz mas ao mesmo tempo pensava em como aquela criança cresce-
ria no meio de tudo aquilo. Mais ou menos naquela época ela adotou Mary,
uma criança que trouxe novamente alegria para a casa.
   Depois do nascimento de Juliana, ela foi até São Paulo conhecer a neta.
Lá se hospedou na casa de uns amigos onde ficou um mês com o filho e a
nora. Mais ou menos neste período eles se mudaram para uma casa simples,
com três cômodos, sem móveis, só Juliana tinha o seu berço. Cada vez que
Honestino saía, Isaura ficava aflita, esperando, sem ter certeza, a sua volta.

                                    29
Muitos amigos e parentes foram se afastando à medida que aumentava
a repressão. Era como se quem ficasse contra os militantes tivesse uma
doença fatal e contagiosa, o que dificultava os encontros entre a mãe e o
filho, que se davam de forma esporádica, mas ela sempre dava um jeito.
   Uma vez ela foi a São Paulo visitar os pais de um amigo que havia fale-
cido num acidente, queria também encontrar Honestino, já que fazia muito
tempo que não tinha notícias suas. Não fazia idéia de onde procurá-lo, ela
sabia de um amigo dele que morava na cidade, mas também desconhecia
onde ele estava. Juntos, foram perguntando para um e para outro, até en-
contrarem alguém que sabia onde ele estava.
   Chegaram numa casa de chá. Dona Rosa sentou numa mesa, de cos-
tas para a porta de entrada. Passado um tempo, sem que esperasse, foi
abraçada por trás, levou um susto, mas foi afagada de um jeito que só
Honestino sabia fazer. Foi uma grande felicidade.
    Assim eles levavam a vida, graças ao companheirismo das famílias e
amigos conseguiam passar algum tempo juntos. Apesar de entender as
razões do filho para se envolver na militância contra o Regime Militar, al-
gumas vezes Dona Rosa propôs que ele saísse do país, mas ele sempre
dizia que estaria mais morto se estivesse no exterior sem fazer nada pelo
Brasil.
    Ela também se preocupava com a situação de Isaura, não sabia se
agüentaria se estivesse no seu lugar, vivendo uma vida instável com uma
filha pequena para cuidar. Assim foi a última vez que esteve em São Paulo.
Na viagem de volta seu ônibus se envolveu num acidente e ela quase per-
deu a vida.
    Dois meses depois ficou sabendo que Honestino iria se separar e que-
ria saber se ela poderia ficar com a neta por um tempo, até que Isaura se
estabelecesse.
    O cuidado de Honestino com a filha era tamanho que se arriscou levan-
do-a até a avó em Goiânia. Foi um pouco complicado para ela cuidar de
duas crianças e ao mesmo tempo conciliar o trabalho e os estudos univer-
sitários à noite. Mas também foi um período que curtiu muito.
    Quando Juliana completou dois anos, ela preparou uma festa, foi quan-
do ficou sabendo que Isaura tinha um novo companheiro e iria buscar a
filha. Dona Rosa teve dificuldades de aceitar que a neta teria um novo pai,
mas a posição de Honestino, que se referia a Gusto, o companheiro de
Isaura, como uma pessoa maravilhosa, a fez repensar e tomar uma outra
posição.


                                     30
• Proteção •

   Neste ponto da história, Dona Rosa, que está sentada no sofá cor
de rosa à sua frente, olha para você e diz que escreveu um livro sobre
Honestino. Diz que com a mudança não se lembra exatamente onde está,
mas que lembra ter alguns exemplares.
   Depois de alguns minutos ela volta, fica em silêncio e começa a falar:
      - Então... Quando eu fiz este livro, porque eu tinha que fazer, é um
      registro... Porque eu sabia que chegaria uma hora que eu não pode-
      ria agüentar mais. Então eu tô aqui arrumando esta mudança, vendi
      esta casa, e eu estou me mudando daqui, então é muito difícil...
    Ela lhe mostra a estrutura do livro, folheia, mostra cartinhas que ele
tinha escrito quando criança, fotos de família, ele com o pai, ele com os
irmãos, uma foto dele com a filha. Por fim, procura pelo atestado de óbito
dele emitido em 12 de março de 1996, que também está no livro.
   Bem, chegou a hora de você conhecer o fim da história.
   No início do ano de 1973, Dona Rosa foi para o Rio de Janeiro, onde
se hospedou com Gusto, Isaura e a Ju, que moravam em Botafogo, e lá se
encontrou com Honestino.
    Depois de passar o dia com eles, à noite ela e o filho saíram para con-
versar e encontrar uns amigos. Ele contou para a mãe que as ameaças
de morte tinham se intensificado e por isto tinha escrito o “Mandado de
Segurança”, ainda inacabado, que seria distribuído em lugares e mãos es-
tratégicas. Ele leu para mãe:


                        MANDADO DE SEGURANÇA POPULAR


            1. Apresentação
            Por diversas vezes, fui ameaçado de morte pelos chamados
         serviços de Segurança Militares, desde pelo menos 1971. Através
         de diversos fones de vários estados, chegou a mim esta ameaça
         para quando eu fosse apanhado.
            A minha situação não é única. O passado recente da História
         de nossa terra infelizmente está repleto desses crimes, de vários
         exemplos de tiroteios simulados e de “atropelamentos” de pes-

                                   31
soas após terem sido presas pelos órgãos de repressão política.
         Além disso, esta ameaça pesa concretamente sobre várias ou-
         tras pessoas que, como eu, são consideradas perigosas.
            Acredito firmemente que estes dias de violência fascista serão
         superados pela luta democrática de nosso povo e em especial dos
         trabalhadores, do operariado. Ao mesmo tempo não me iludo em
         relação ao teor da violência erigida em Estado Policial-Militar.
             Por isto lanço mão deste texto-denúncia, um verdadeiro
         “Mandado de Segurança” em relação às ameaças sofridas. Esta
         denúncia à consciência democrática dentro e fora do país é a
         única arma de que me disponho, mas não deixarei de lutar, es-
         teja onde estiver, por uma democracia efetiva para a maioria de
         nosso povo.
    No documento, ele conta que desde 1964, quando entrou na
Universidade de Brasília, começou a se manifestar contra o golpe militar,
primeiro por causa de sua consciência política, que vinha desde sua infân-
cia, depois por ver uma nova concepção de ensino, em fase experimental,
pautada pela preocupação com os reais problemas do país e pelo diálogo
verdadeiro entre aluno e professor, vir a ser destruída com a demissão
coletiva de vários professores. Assim começaram suas manifestações de
estudantes.
    Ele fala também de suas prisões, da vida clandestina que levava há
cinco anos, dos processos, da perseguição de que era objeto. Que não se
entregava por não considerar legítimos os tribunais militares. Esta “jus-
tiça” que criou tribunais militares, fazia julgamentos onde a participação
da imprensa era impossibilitada, e exercia pressão sobre os advogados,
vários deles perseguidos. Equiparava os tribunais brasileiros com os tribu-
nais nazistas. Ele denunciou também as prisões e confissões arrancadas
de forma cruel pela tortura, e das mortes conseqüentes por esta forma de
manter a ordem.
    Ele acreditava que a justiça era a consciência popular e democrática,
na força da atuação do povo, especialmente dos trabalhadores. E não se
intimidava diante da perseguição que sofria, se defendeu do título que re-
cebeu de “terrorista” pois com a vivência que tinha, sabia que ações arma-
das, assaltos, atentados e seqüestros somente revelavam um radicalismo
que não levava a nada. Ele disse que os verdadeiros “terroristas” estavam
no poder, porque estes usavam o terror para ali se manter.
   Assim, Dona Rosa recebeu aquele ato como uma preparação do que
estava por vir, Honestino também se preparava. Ela passou mais dez dias
com ele, passeavam pelo Jardim Botânico e combinaram a forma como ela
                                     32
reagiria e como seria informada de qualquer coisa, dentro do menor tempo
possível. Ela se despediu com um abraço.
   Em julho daquele mesmo ano, Norton foi ao Rio de Janeiro entregar um
passaporte falso para que o irmão deixasse o país. Lá mesmo, no meio da
praia onde o encontro tinha sido marcado, Honestino disse que não iria
porque seu povo era este, que ele iria lutar até o fim. Norton argumentou
dizendo que iriam matá-lo, mas seu irmão perguntou:
      - Você sabe por que um relógio funciona? Porque tem uma mola no
      meio que faz assim...
   E com a mão imitou o movimento do balancim dos relógios. Foi a última
vez que Norton viu seu irmão.




                                  33
• Brasil: Ame-o ou Deixe-o •

   Três meses depois, Honestino foi ao encontro de um companheiro. Todos
os seus passos eram controlados pelo sério esquema de segurança do gru-
po a que pertencia e seu desaparecimento foi rapidamente constatado.
    Ao que tudo indica este amigo que ele foi encontrar pode tê-lo conduzido
para uma emboscada. Naquele momento o cerco da repressão estava mais
rígido, Honestino estava virando presa fácil, muitas denúncias foram feitas,
todos que tinham qualquer ligação com ele podiam ser alvo de ameaças.
   Como combinado na última vez que Dona Rosa viu seu filho, recebeu
um telegrama e alguns telefonemas com o código: “Seu filho foi internado
no Rio”, isto é, ele tinha sido preso no Rio de Janeiro.
   Por onde começar? Ela contratou uma advogada para tentar o habeas
corpus, pedido rapidamente negado. Então resolveu ir imediatamente para
o Rio, para procurar pistas. Visitou todos os quartéis, perguntou a vários
comandantes, mas ninguém sabia de nada.
   Achou melhor procurar apoio na Comissão dos Direitos Humanos, na
CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), Maçonaria. Contratou um
novo advogado, mas a causa foi entregue para Dra. Dyrce, que conhecendo
presídios de Brasília e São Paulo orientou Dona Rosa, que não perdia um
minuto a esperança. Fez muitas viagens de Brasília para o Rio de Janeiro ou
a São Paulo, todas feitas graças à colaboração de parentes e amigos.
    Depois de tentar por todos os lados seguir qualquer pista que encon-
trasse, e seguir cada orientação de amigos e advogados, conseguiu um
laborioso contato com um General Comandante do 1° Exército de Brasília,
foi encontrá-lo na Esplanada dos Ministérios.
       - Bom dia! Quero falar com o General.
      - Mas a senhora não pode falar com o General. Mas nós podemos
      lhe atender com toda presteza.
      - Agradecida. Sei que poderia contar com sua diligência, porém sou
      mãe do Honestino e quero falar com o General.
      - O que a senhora gostaria de falar com o General? Pode falar conos-
      co e nós levaremos o caso a ele.
      - Por que não posso eu mesma falar? Por acaso ele não é um ser
      humano como eu? Não está a serviço do povo? Portanto, ao meu
      serviço? Quero falar-lhe diretamente. Caso não possa, irei aos jor-
      nais e pela imprensa falarei.
                                      34
Patentes e mais patentes vinham, fizeram de tudo para que ela desis-
tisse da idéia. Mas ela foi até o fim. Ela acreditava que Honestino estava
em Brasília.
   Chegando ao gabinete luxuoso do General e aproveitando que estavam
perto do Natal, foi direto ao assunto e pediu para visitar seu filho. Ele orde-
nou que trouxessem documentos, que foram rapidamente analisados. Ela
notou que alguns eram bem recentes, o que reforçava a constatação de
que ele estaria na cidade.
   Saiu de lá, e logo depois recebeu permissão para visitá-lo e levar os
familiares que quisesse.
   Ela queria levar tudo que poderia estar fazendo falta para ele. Dividiu
a tarefa dos preparativos com vários familiares, todos queriam participar.
Até que chegou o dia.
   A cada chamada para visita, vinha uma expectativa angustiante porque
nunca chegava a sua vez. Depois de muito tempo, ela resolveu questionar
o motivo da demora:
      - Ele não está aqui.
      - Por favor, verifique, é muito importante.
   O Oficial foi prestativo e verificou. Honestino não estava lá, nem sabia
onde ele estava.
    Ela saiu de lá com o filho Luiz, foram dar uma volta no Lago Paranoá,
numa tentativa de encontrar um lugar onde coubesse a dor que ela sentia.
Ela se acolheu no cenário que encontrou: o céu estava colorido, típico dos
fins de tarde em Brasília, e as águas, calmas. Se sentiu pequena, incapaz...
Voltaram para o início, sem caminhos para perseguir. Mas tinha que encon-
trar o filho a qualquer custo.
   No início do ano que se seguiu, começou a tomar força um boato vindo
de São Paulo de que Honestino teria morrido. Ela começou a ser muito visi-
tada, porém era firme, não aceitava aquele comentário, precisava acreditar
no filho vivo para que sobrevivesse. Recomeçou a busca.
   Voltou ao ponto de partida, mas sentiu que as portas gradativamente
estavam se fechando. Todos a recebiam com muito carinho, foi recebida
por Dom Evaristo (Cardeal Arcebispo de São Paulo), defensores dos Direitos
Humanos, a Ordem dos Advogados do Brasil. Procurou qualquer pessoa
que pudesse ajudá-la, ia para qualquer cidade que tivesse uma chance.
   Então foi realizada em Brasília uma reunião organizada por Dom Evaristo
com o General Golbery, homem forte do governo e familiares dos desapa-
recidos. Foi feito um círculo, e um por um os parentes eram ouvidos. Todos
                                    35
queriam saber se os desaparecidos estavam vivos ou mortos.
   Ela se lembra que o General, com os olhos rasos de lágrimas, pediu o
endereço dela e prometeu, diante de todos, que procuraria uma resposta e
a buscaria em casa. Foi a última vez que ela o viu. A partir dali só silêncio.
   Amigo Leitor, não tenho certeza de suas convicções políticas ou religio-
sas, mas os fatos que seguem têm a ver com a fé de Dona Rosa. Foi dessa
forma que sua busca chegou ao fim.
    Ela é espírita, e tentava encontrar abrigo nas suas preces. Ela partici-
pava de um grupo mediúnico que fazia um trabalho chamado “desdobra-
mento”, é quando o espírito se afasta do corpo, para visitar outros lugares
e fazer orações pelos que precisam.
   Uma vez estava em oração, se preparando, e sentiu que iria fazer um
trabalho importante. Ela foi conduzida até um lugar onde encontrou um
corredor comprido com pequenos compartimentos, como se fossem celas,
ela entrava, fazia a prece, e à medida que caminhava ia encontrando al-
guns companheiros de Honestino.
   Quando chegou à última cela ela o encontrou, ele estava encolhido no
canto, como se dormindo. Ela fez o mesmo trabalho, e Honestino desper-
tou como se estivesse num sono profundo, abriu os olhos, sorriu e abraçou
a mãe.
   Tudo aconteceu em poucos segundos, porém, quando ela retornou,
chorou compulsivamente, mas consolada. Seu filho estava bem. O berço
não estava mais vazio.




                                       36
• Bibliografia •

AVENTURAS DA HISTÓRIA: SÉRIE DOSSIÊ BRASIL – DITA-
DURA MILITAR: Editora Abril, abril de 2005, São Paulo, SP

BARRA 68 SEM PERDER A TERNURA Direção: Vladimir de
Carvalho

CÁRCERES, Florival História da América, 2ª Edição - Editora
Moderna, São Paulo, 1992

CAROS AMIGOS: ESPECIAL. São Paulo, SP: Editora Casa Ama-
rela, número 19, março de 2004

CARTA CAPITAL, São Paulo, SP: Editora Confiança, número 389,
19 de abril de 2006

CASTRO Gustavo, Alex Galeano Jornalismo e Literatura: A
Sedução da Palavra. Escrituras Editora, São Paulo, 2002

CHASTEEN, John Charles América Latina: Uma história de
Sangue e fogo. Tradução de Ivo Korytwsk. – Editora Campus, Rio
de Janeiro, 2001

FUCHIK, Júlio Silva Testamento sob a forca. Ed. Brasil Debates.
Disponível em  http://www.torturanuncamais.org.br/mtnm_tes/tes.
htm Acesso em 17 de novembro de 2006

GASPARI, Élio. A Ditadura Derrotada. Companhia das Letras, São
Paulo, 2003

GASPARI, Élio. A Ditadura Escancarada. Companhia das Letras,
São Paulo, 2002

GASPARI, Élio. A Ditadura Envergonhada. Companhia das Le-
tras, São Paulo, 2002
                             37
LAURETIS, Teresa de. “A tecnologia do gênero”. In: HOLLAN-
DA, Heloísa Buarque de (org.). Tendências e impasses: o feminismo
como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, p. 206-242

LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas Ampliadas: o livro reportagem como
extensão do jornalismo e da literatura. Manole, Barueri-SP, 2004

MONTEIRO, Maria Rosa Leite. Honestino: O bom da amizade é a
não cobrança. Da Anta Casa Editora, Brasília-DF, 1998

OS SONHADORES. Direção: Bernardo Bertolucci Título original:
The Dreamers. França: Fox Searchlight Pictures, 2004

SILVA Gustavo de Castro e. O que é jornalismo literatura. INSTI-
TUTO HERMEUM, Brasília. Disponível em  http://www.instituto-
hermeum.com.br/text_01.asp Acesso em 3 de junho de 2005

SILVA, Hélio 1964 Vinte anos de golpe militar, LPM Editoras,
Porto Alegre, 1985

SCHWANTES, Cíntia, Espelho de Vênus, Disponível em: http://
www.amulhernaliteratura.ufsc.br/artigo_cintia.htm Acesso em: 7
de junho de 2006

TALESE, Gay Fama  Anonimato; Tradução: Luciano Ferreira
Machado, 2ª Edição – Companhia das Letras, São Paulo, 2004.

VENTURA, Zuenir. 1968, o ano que não acabou. Editora Nova
Fronteira, Rio de Janeiro, 1988

VENTURA, Zuenir. Um voluntário da pátria. Companhia das Le-
tras, São Paulo, 2004

WIKIPEDIA, a enciclopédia livre, Edson Luiz de Lima Souto, Dis-
ponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Edson_Lu%C3%ADs_de_
Lima_Souto Acesso em: 7 de junho de 2006

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Livro: Berço Vazio

  • 1. O berço vazio História de Maria Rosa Monteiro, mãe de Honestino Guimarães Patrícia Cabri
  • 2.
  • 3. In memoriam, ao meu amado avô Altamir Parreira de Brito. Dedico este livro aos que tiveram coragem e lutaram. Especialmente às mulheres que sempre estiveram presentes nas nossas conquistas. Dedico também aos meus professores.
  • 4. Só vos peço uma coisa: se sobreviverdes a esta época, não vos esqueçais! Não vos esqueçais nem dos bons, nem dos maus. Juntai com paciência as testemunhas daqueles que tombaram por eles e por vós. Um belo dia, hoje será o passado, e falarão numa grande época e nos heróis anônimos que criaram a História. Gostaria que todo mundo soubesse que não há heróis anônimos. Eles eram pessoas, e tinham nomes, tinham rostos, desejos e esperanças, e a dor do último entre os últimos não era menor do que a dor do primeiro, cujo nome há de ficar. Testamento sob a Forca. De: Júlio Fuchik Ed. Brasil Debates, 1980
  • 5.
  • 6. • Agradecimentos • Agradeço a minha mãe por sempre caminhar ao meu lado, e por isto tornar esta realização possível. A minha avó por sempre me dizer e convencer que sou capaz de superar minhas limitações. Ao meu irmão por me fazer rir e as vezes me distrair. A minha orientadora Prof. Dra Elen Geraldes, pessoa iluminada, que não me abandonou em nenhum momento, e acreditou neste projeto, muitas vezes, mais do que eu. A Dona Rosa, Mãe de Honestino, que gentilmente me recebeu e deu seu livro. Aos meus amigos. Em especial: Karol Militão, grande amiga, pelo apoio que me deu, com nossas conversas sobre o tudo e o nada garantiu minha sanidade; Luciana Alves pela força e companheiris- mo muito importantes nesta hora; Diego Oliveira, que me contagiou com sua paixão pelo cinema, o que deve ter influenciado na narrati- va deste livro, e pelas vezes em que escutou pacientemente minhas maiores inseguranças; Angelina Guedes, não sei como no meio de toda correria revisou este texto do dia para noite; Magê, que tam- bém revisou o texto na versão final; Xan que revirou mundos e fun- dos para descobrir detalhes preciosos para contar esta história. Enfim, a todos aqueles que estiveram comigo, lembravam do tema e sempre chegavam com uma indicação de matéria ou livro, e deram dicas. Agradeço aqueles que acreditaram em mim.
  • 7.
  • 8. • Sumário • Introdução 11 O Passageiro 15 Quase sem querer 19 Canção do Senhor da Guerra 23 O Descobrimento do Brasil 26 Veraneio Vascaína 29 Proteção 34 Brasil: Ame-o ou Deixe-o 31 Bibliografia 37
  • 9.
  • 10. • Introdução • Caro Leitor, Peço, por gentileza, que tome muito cuidado com o exemplar que se en- contra neste momento em suas mãos. Não sei ao certo se você é daqueles que enlouquecem com uma pequena dobra nas páginas ou se tanto faz o estado físico do livro, desde que ainda esteja legível. Porém este pedido inicial tem mais a ver com o conteúdo que encontrará aqui. Sim, de fato este é meu primeiríssimo livro, um bom motivo para você ter carinho por ele. Segundo... Bem, uma vez li que todo livro em que se conta uma história deveria ter uma parte dedicada a descrever como foi o processo de trabalho, e talvez este chame (ou não) um pouco a atenção. Curiosa que sou, sempre que leio um livro leio tudo, em busca de enten- der como aquele autor/autora construiu aquela história. Mas raras vezes obtenho esta explicação. Normalmente tenho de pesquisar para matar mi- nha curiosidade. Para escrever este trabalho final, muitas vezes tive de parar e pegar uma xícara de café, respirar fundo, e continuar montando este quebra-ca- beça de muitas peças. Lembro até hoje quando, depois das férias de julho, peguei meu projeto sobre a “Invasão da Polícia Militar na Universidade de Brasília em 1968”. Olhei e pensei: “Não é ainda isso que quero para meu trabalho de con- clusão de curso”. Simplesmente não me reconheci naquele trabalho, era como se faltasse um detalhe mínimo, porém decisivo, que colocasse a mi- nha marca. O que seria? Comecei tudo de novo: pesquisar, ler, correr atrás de professores, pro- curar uma direção para saber o que faltava. Foi então que lembrei de uma série de reportagens chamada “Elas contam os 40”, exibida em abril de 2005, pelo Jornal da Globo, da Rede Globo de Televisão. A série, feita pela produtora Patrícia Carvalho, o cinegrafista Dennis Leutz e a jornalista Ana Paula Padrão, entrevistou 22 mulheres, de dife- rentes idades e profissões, escolhidas para que representassem a sua geração. Suas histórias de vida misturavam-se com a das últimas quatro décadas no Brasil. Elas não eram meras testemunhas, mas protagonistas, participantes dos movimentos e transformações do seu tempo. Isto me chamou a atenção porque são raros os momentos em que ve- mos as mulheres como personagens da história. Basta abrir qualquer livro 11
  • 11. de história geral e procurar. Os homens dominam o espaço público, político e social, como se as mulheres não fizessem parte deste universo fossem, meras coadjuvantes. Contando isso para uma professora, ela me provoca: “Então escreva um livro-reportagem sobre a participação feminina, mulher!”, exatamente assim, direta e simples. Foi como ver um clarão na absoluta escuridão. Descobri o que faltava no meu trabalho: a minha identidade, a representa- ção que talvez sempre busquei, mas com a confusão de idéias precisava de uma ajudinha para encontrar. Assim, tive mais alguns meses de muito trabalho até construir o proje- to atual, sobre a participação feminina na Ditadura Militar. Dificuldades? Muitas, afinal temos uma vasta bibliografia sobre Ditadura Militar Brasileira, porém, encontrei apenas um livro, no Rio Grande do Sul, que trata direta- mente da participação feminina durante este período. Sinal que este tra- balho não é em vão. A Ditadura Militar Brasileira sempre foi um assunto que me fascinou, pelos movimentos sociais e culturais que aconteceram neste período em todo mundo. Para começar, o feminismo. Muitos consideram o feminismo como a grande revolução do século XX porque as mulheres neste momento viraram o mundo de cabeça para bai- xo. Simplesmente desistiram do seu papel secundário e exigiram ser vistas e escutadas, muitas trocaram a segurança do lar pelo questionamento e a luta por seus direitos. O livro “1968. O ano que não acabou”, de Zuenir Ventura, conta bem as transformações no fim dos anos 60. Isto me lembra de uma entrevista com o cineasta Bernardo Bertolucci, no DVD do filme “Os Sonhadores”, sobre o que se passava no mundo no ano de 1968: “Não quero dizer que 68 foi um momento mágico, mas quase isso. O fato de estarmos, usemos a palavra “sonhando juntos”, cinema, po- lítica, música, jazz, rock´n roll. O sexo e a descoberta de como estas coisas poderiam se unir e interagir umas com as outras, como pode- riam combinar em um tipo de harmonia que não vejo mais (...) Acho que houve mudanças importantes na sociedade principalmente quanto à posição da mulher. Há um tipo de lembrança ruim. E acho que isso as pessoas que participaram dos movimentos de 68, de modo geral, não contaram aos seus filhos a história daquele ano. Há um tipo de buraco negro para os jovens de hoje, eu acho que depende um pouco dos pais, que não gostam de falar daquela época”. Nesta seqüência de fatos, revoluções, manifestos, reivindicações, en- 12
  • 12. contrei uma figura que chamou minha atenção e, inclusive, serviu de ins- piração: Zuleika Angel Jones, mais conhecida como Zuzu Angel. Estilista brasileira que usou a moda como protesto contra a Ditadura Militar após o desaparecimento de seu filho Stuart Angel. Por sorte em 2006 o filme Zuzu Angel foi lançado, e por mais sorte es- tive presente em sua avánt premiere. Tenho de confessar que no período em que estive mergulhada nesta pesquisa, a oportunidade de presenciar este lançamento foi um dos momentos mais incríveis. Para começar, tudo aconteceu no Senado Federal, com a presença do vice-presidente do Brasil, José de Alencar, dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Há pelo menos vinte anos isto seria inima- ginável! Sinal da mudança dos tempos? Risos. Por muitos momentos recorri à história de Zuzu para compreender a luta e o papel de uma mãe, envolvida no movimento estudantil por amor ao seu filho, numa tentativa de lhe proteger a vida. Todas as informações que você encontrar aqui foram embasadas em relatos, entrevistas, matérias, livros (especialmente o que Dona Rosa es- creveu), enfim, tudo que se pode encontrar em pouco mais de dois anos de pesquisa, o que parece uma eternidade, quando se tem 23 anos, como eu. No mais, talvez os nomes dos capítulos lhe pareçam familiares. Uma homenagem que resolvi fazer à produção musical de Brasília. Afinal, eu escrevo de algum lugar do espaço, do tempo, da história. Por isto, Caro Leitor, entrego em suas mãos com todo cuidado esta história. Boa leitura. 13
  • 13.
  • 14. • O Passageiro • A cidade de Brasília foi construída a partir do sonho de Dom Bosco, con- cretizado por Juscelino Kubitscheck em 1960. Desde o início paira sobre a cidade o estigma de ser a “terra prometida”. Não é preciso andar muito para encontrar pessoas ou famílias que vieram para cá com a esperança de uma vida melhor. Brasília tem algumas peculiaridades. É basicamente dividida em seto- res: Setor de Indústrias e Abastecimento, Setor Hoteleiro Sul, Setor Hoteleiro Norte, Setor de Administração Sul, Setor de Indústrias Gráficas, Setor de Oficinas, de motéis e por aí vai, tudo devidamente “setorizado”. Também não temos bairros e sim cidades satélites. Para um nativo expli- car isto para pessoas de outros estados é uma tarefa árdua e complicada, principalmente quando temos que fazer isto por telefone. Porque a questão é que assim foi convencionado, estudamos isto no ensino fundamental e não lembramos exatamente do que venha a ser uma satélite, talvez por isto nossas cidades satélites sejam objetos de estudos de universidades locais até hoje. É verdade que o Plano Piloto tem o formato de um avião. Dizem que se olhar a cidade por cima, você consegue ver as Asas Sul e Norte. No mapa isto fica bem claro. Temos poucas praças em Brasília, mas hoje temos muitos jardins. Ficam lindos na primavera. Cruzar de carro a Asa Sul e ir para Asa Norte é uma boa oportunidade de conhecer nossos jardins, normalmente localizados nos canteiros centrais ou nos balões. Outra coisa que para as pessoas que não são daqui chega a ser emo- cionante e vertiginoso é fazer as tais “tesourinhas”. A primeira vez ninguém esquece. Tesourinha é uma espécie de retorno, só que com uma curva bem mais acentuada e em dois níveis. Dizem que é melhor que montanha russa, mas depois de se acostumar não chega a ser tão especial. A arquitetura da cidade transita entre o mais moderno e o nem tanto. O Congresso Nacional tem o formato de um “H” com uma bacia para cima e outra para baixo. A Catedral às vezes à primeira vista desafia algumas leis da física. Por outro lado alguns prédios são o que poderia ser o moderno nos anos 70. As distâncias aqui são relativas. Se você não é da cidade duvide se te disserem que algo “é perto”. Em alguns casos chega a ser uma aventura 15
  • 15. percorrer certos trechos. Não sei se faz parte do planejamento da cidade, mas aqui sempre é útil ter um carro, raramente as coisas são próximas às outras. Brasília ficou conhecida como a capital do rock. Tudo porque no fim dos anos 70, início dos 80, várias bandas surgiram na cidade, uma em especial “Aborto Elétrico” (o nome é uma referência aos cassetetes elétricos usados pela polícia contra as grávidas durante a Ditadura). Foi progenitora de ban- das como Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude. Agora que você conhece o ambiente em que esta história se passa vamos voltar um pouco no tempo. Estamos no ano de 1968, dia 29 de agosto. As pessoas que naquele dia precisassem ir à Asa Norte eram impedi- das. O exército havia tomado todas as vias de acesso com um arsenal de guerra. Uma equipe de Minas Gerais veio reforçar o grupo que naquele dia inva- dira a Universidade de Brasília (UnB), localizada no final da Asa Norte, com o objetivo de prender pessoas que faziam campanha contra o Regime Militar. O campus universitário estava todo cercado. Alguns soldados se ocupa- vam de entrar e desocupar os alojamentos dos alunos. Outros perseguiam estudantes. Houve tiroteio. Num outro ponto da cidade um telefone toca. É o aviso para esta mulher de que tinham prendido seu filho. Ela morava em frente à Universidade, veio dirigindo como louca. Quando chegou e ouviu o tiroteio, começou a gri- tar com a possibilidade de que um daqueles tiros atingisse seu filho. Como saber se estava ainda vivo? Alguns colegas viram o momento em que três homens perseguiram e prenderam Honestino Guimarães. Tiveram a impressão de que ele deixou os óculos caírem, mesmo assim ele resistiu como pode, mas foi levado num camburão. As perseguições continuaram por toda universidade. Um estudante saiu da sala de aula para entender o que estava acontecendo. Foi baleado na cabeça, carregaram-no para dentro de uma sala de aula na tentativa de socorrê-lo. Soldados invadiram a sala, prenderam os que ali estavam e en- caminharam o estudante para o hospital. Dentre as pessoas retidas naquele dia, estavam muitos filhos de depu- tados. Seus pais foram até o campus tentar liberá-los, tentativa em vão, parece que ninguém saía impune. Honestino ficou preso por dois meses. Todos os dias sua mãe vinha visitá-lo, inclusive em horários especiais, para não prejudicar sua rotina de 16
  • 16. trabalho, privilégio dado porque ela foi diretora da escola onde o filho do Comandante do Quartel estudava. Ela sempre levou muito a sério sua vida profissional, soube separar seus papéis de mãe, educadora e profissional. Foi uma verdadeira luta conseguir a liberdade condicional por meio de habeas corpus para Honestino. No dia em que ele foi solto, próximo ao quartel vários companheiros de luta o aguardavam em seus carros. Foi um verdadeiro desfile, uma carreata com aqueles que incomodavam as autoridades. Quatro dias depois da invasão da UnB, o Deputado Márcio Moreira Alves tomou a palavra na Câmara dos Deputados para condenar esta invasão. Ele perguntou: “Quando o Exército não será um valhacouto de torturado- res?”. Também fez acusações, respaldado na autoridade que conquistou denunciando casos de tortura ocorridos no governo Castello Branco e aco- bertados pelos comandantes militares. Referiu-se às comemorações da Semana da Pátria e sugeriu um boicote às paradas. “Esse boicote, pode passar também (...) às moças, às namoradas, àquelas que dançam com os cadetes e freqüentam os jovens oficiais”. Dias depois o pai de Honestino ouvia a rádio lá pelas dez da noite vol- tando do trabalho para casa. Soube que o General Artur da Costa e Silva decretou o Ato Institucional nº 5 (o AI-5), que dava recesso para o Congresso Nacional, instituía a livre intervenção do governo nos estados e municípios, suspendia direitos políticos de qualquer cidadão por dez anos e o direito a habeas corpus e preconizava o confisco de bens ilícitos. Assim que Honestino ficou sabendo, comunicou-se com seu irmão Norton, avisando que iria “se mandar” antes da lei ser publicada. Começam aí seus cinco anos de clandestinidade. Já era do conhecimento de toda sua família que estavam sendo vigia- dos. No dia seguinte, a mãe de Honestino saiu com o marido para traba- lhar, deixando o filho Norton e duas primas menores. Pouco tempo depois militares invadiram a casa. Tiraram o filho dela da cama e adentraram pela casa à força. Tentaram arrombar a porta do quarto de Honestino, certos de que o encontrariam. Norton tentou resistir, mesmo sabendo o porquê da porta estar trancada ligou para mãe, para que esta explicasse aos soldados a razão. O que não adiantou. Pouco tempo depois a mãe recebeu mais um telefonema, desta vez das sobrinhas, que avisavam da prisão do irmão de Honestino. Foram três dias na tentativa de encontrá-lo, a busca contou com a co- laboração de amigos e de organizações, como a Maçonaria. Neste meio tempo, receberam um telefonema do quartel onde Norton estava para ir buscá-lo. 17
  • 17. Quando o pai de Honestino chegou em casa, estava tão alegre que abraçou e beijou o filho. Finalmente puderam dormir em paz. Apesar de toda a aflição e da possibilidade da casa ser novamente invadi- da, voltaram a seguir a rotina. Foi um dia de muito trabalho. No fim da tarde, o pai de Honestino veio buscar a esposa para que fossem ver juntos a loja que estavam montando e seria inaugurada uma semana antes do Natal. Já em casa, a mãe de Honestino começou a se preocupar com a de- mora do marido chegar. Era norma da família sempre informar possíveis eventualidades, mas o telefone não tocava. Ela ia de uma janela à outra na esperança de ver o marido de volta, era impossível afastar os maus pensa- mentos. Até que finalmente batem à porta, são dois desconhecidos: - Aqui mora o Sr. Monteiro? - Sim. - É que vimos um acidente com ele e achamos que a senhora deveria estar preocupada... Foi grave. - Onde foi? Foi ele quem mandou avisar? - Não, passamos e vimos. Ele não estava mais lá. Levaram-no para o HDB (Hospital Distrital de Brasília). - Obrigada, vou já para lá. O filho, que havia ficado três dias retido, dormia. Foi acordado para que acompanhasse a mãe até o hospital. Ela nunca mais viu os estranhos. Chegando lá, choque. Seu marido veio a falecer com 43 anos de idade. Durante o velório, vários policiais estavam à paisana, aguardavam o mo- mento em que Honestino aparecesse para prendê-lo. Sabendo disto sua mãe implorou que os familiares o segurassem onde ele estava. Ele queria voltar para Brasília a todo custo. Para ela foi um dos momentos mais duros que enfrentou sozinha. Um filho vivendo na clandestinidade, outro foi preso e o marido morto. Tudo isso naquela família feliz que se reunia para noitadas de gamão ou xadrez. Tudo acabou. 18
  • 18. • Quase sem querer • Foram cerca de cinco telefonemas até marcar este encontro. Inicialmente o grande desafio era localizá-la. A única lembrança que tinha era uma remota imagem feminina ao lado de um retrato ampliado de Honestino Guimarães, no documentário Barra 68. Nem tinha a certeza de que se tratava realmente dela. As tentativas foram muitas. Entre elas, procurar na assessoria de imprensa da UnB, já que no site da Universidade havia uma entrevista com ela, num es- pecial sobre os 31 anos de desaparecimento de seu filho. Busca em vão. Não tinham sequer o telefone da jornalista que fez a entrevista. Lista telefônica, última esperança, afinal com a velocidade da informa- ção este meio se tornou obsoleto. Puro engano, lá estava ela: Maria Rosa Leite Monteiro. Com endereço e tudo que fosse necessário. Dias se passaram entre a insegurança de ser ela ou não, entre não saber como falar, o que falar, entre o medo característico da mínima expe- riência “jornalística”. 3, 2, 1... Antes agora do que nunca: - Bom dia! Esta é a casa da Dona Maria Rosa Leite? Mãe do Honestino? - É. - Ela está? - Sim. (Silêncio) - Alô? - Dona Maria Rosa? - Sou eu. - Mãe do Honestino? - Sim. Naquele momento era como se o mundo absolutamente parasse. Era ela. Disse que era uma estudante de jornalismo (quanta credibilidade) e estava fazendo um trabalho sobre Ditadura Militar, se havia a possibilidade de uma entrevista. - Estou me mudando. Você me ligou num momento em que estou ali separando as coisas. Você pode me ligar amanhã? A ligação foi feita, mas ela não estava em casa. Mais tarde ela atendeu 19
  • 19. e disse que precisava arrumar espaço no meio da mudança. Outra ligação, mais insistência, ela cedeu, entrevista sábado de manhã, às oito. Ela mora no Guará, cidade satélite de Brasília, para quem não vive lá, é meio confuso encontrar o endereço. Durante todo o trajeto imaginava como seria esta mulher. No filme não tinha certeza se era ela, jamais tinha visto sequer uma fotografia. Cheguei numa rua com construções bem modestas e aparentemente confortáveis. Ela morava numa casa de dois andares, com janelas grandes e um bom espaço na frente, com uma escada coberta com toldo que desce na lateral esquerda. Ao tocar a campainha, ela avisou que iria descer para abrir o portão. Os pés calçados em chinelos azuis foram a primeira visão, eles desciam devagar, mas com muita firmeza, a escada lateral. O portão abriu e ela me convidou a entrar. A escada é a entrada para sua sala. Fotos da família e quadros pin- tados estão pendurados na parede. Completam a decoração do espaço aconchegante. Dona Rosa tem o cabelo branco e olhos azuis. Olhos que impressionam, não por serem azuis, mas pela vivacidade e confiança que transmitem. Está de mudança e se preocupa com o conforto da visita. Ela tem se ocupado nos últimos dias em separar e encaixotar os livros, alguns para doação, talvez uma biblioteca pública, outros de valor inestimável que par- tirão para a nova casa. - Eu estou aqui arrumando esta mudança, vendi esta casa, estou me mudando daqui. Então é muito difícil. Você me pegou nuns dias de retorno, só de pegar, folhear estes livros, eu retorno... É possível que ainda demore pouco mais de um ano para ela se mudar em definitivo para o apartamento, que ainda está em construção, mesmo assim ela prefere organizar suas coisas. Separar, guardar tudo em caixas. “É muita coisa”, ela diz. Livros, fotografias, quadros, lembranças. Dona Rosa, como prefere ser chamada, nasceu na cidade de Itaberaí, no dia 16 de Junho de 1928 (ano de nascimento de Che Guevara). É a dé- cima primeira filha de uma família alagoana. Itaberaí fica há 90 km de Goiânia, hoje tem mais de 29 mil habitantes. Seu primeiro nome foi Curralinho. A cidade foi construída às margens do Rio das Pedras. A entrada da cidade dá acesso à praça principal que fica próxima à casa onde moravam os pais de Dona Rosa e Monteiro. Estudou no Colégio Coração Imaculado de Maria. Formou-se aos 20
  • 20. 16 anos no curso “normal”, denominação antiga do magistério porque era comum que as moças o fizessem. No ano seguinte casou-se com Benedito Monteiro Guimarães, inspetor escolar, que ela prefere chamar de “Monteiro”. Ele com 21 e ela com 17 anos. Um ano depois do casamento, nasceu seu primeiro, dos três filhos natu- rais, Honestino Guimarães, que recebeu esse nome em homenagem a um tio-avô de Monteiro. Era muito levado, “onde tinha uma confusão ele esta- va no meio”. Gostava de estudar, aprendeu a ler com seis anos de idade. - Alegre, gostava de estudar demais. O negócio dele era ler. Quando ele era pequenino eu lia para ele. A gente tinha aquela coleção “Monteiro Lobato”. Eu lia e ele só queria ouvir a leitura. Dona Rosa e Monteiro eram donos do Bar Umuarama, considerado pon- to chique de Itaberaí. Um estabelecimento de construção simples, porém muito bonita, diferente das demais casas da cidade. Tinha o único serviço “a la carte” da região. O restaurante ficava de frente para a praça principal, onde também se localizava o único cinema da cidade, que no momento era de propriedade de Monteiro e seu irmão. Dona Rosa e os três filhos cuidavam do bar e do cinema. Os meninos tinham também uma banca de engraxate e vendiam balas no cinema. Monteiro se dedicava também ao trabalho no cartório. Era tabelião do 2º Ofício. Não era rico, mas a mesa era sempre farta, as comidas eram preparadas com todo carinho por Dona Rosa. A personalidade de Monteiro e Dona Maria Rosa eram diferentes das “do povo daquela época”, segundo Caramurú um amigo da família. Davam para os filhos tudo o que queriam, mas também eram rígidos e exigentes, faziam questão de que todos participassem de todas as atividades do lar. Foram educados para buscar sua independência. Este amigo conta que nunca viu Dona Rosa de cara fechada, e que Monteiro era um homem brincalhão. Em 1955, o presidente Juscelino Kubitschek afirmou, num comício, que iria transferir a capital. Eleito, esta passou ser a meta de seu governo, um plano de desenvolvimento e modernização do país. A idéia era trazer a ca- pital para o coração do país, para que fosse o centro, o ponto de encontro, de todos os povos do Brasil. “Todos queriam morar na capital”. Seu Monteiro foi conhecer a nova cidade, lá permaneceu por uns dois meses e voltou com a mudança já pre- parada. Em dezembro de 1960 a família deixou tudo para trás. Foram para a nova capital cheios de esperança. - Brasília era uma terra que “prometia muito, principalmente na área da educação”. 21
  • 21. Dois irmãos da Dona Rosa já moravam na cidade, Orion e Jurandir. A capital ainda estava em construção quando chegaram. Honestino foi estudar no colégio Elefante Branco e seus irmãos, Norton e Luiz Carlos, fo- ram matriculados no Caseb. Monteiro foi trabalhar no Núcleo Bandeirante, na época o centro comercial da cidade. Dona Rosa, que ainda não tinha emprego fixo, ficava sozinha em casa na W3 Norte. Assim que pode começou a dar aulas particulares para pre- parar alunos para os exames de admissão ao ginásio. O que deu muito dinheiro, porque a procura era muita e havia pouca oferta de cursos do tipo na época. Ela gostou da cidade desde o primeiro momento. Terra e escavações logo viravam belos edifícios. Ela não entendia o que iria ser a cidade, po- rém sonhava em sintonia com JK. 22
  • 22. • Canção do Senhor da Guerra • Aquela era uma guerra silenciosa, começou de forma discreta. Muitos interesses estavam envolvidos. A partir de 1964 uma onda de ditaduras militares tomou conta da América Latina. Começou pelo Brasil, depois veio o Peru em 68, com o general Omar Herrera que tomou o poder no Panamá, depois veio a Bolívia com o general Juan Torres, em 73 a ditadura chega ao Chile com Augusto Pinochet e em 76 na Argentina e no Uruguai. Dois fatores foram decisivos para esta onda: a Guerra Fria e a Revolução Cubana. O mundo pós Segunda Guerra Mundial se dividiu, quem não estava com os Estados Unidos, potência que levantava a bandeira de que o capitalis- mo e a democracia eram chaves para a liberdade, estava com a União Soviética, que via a solução para os problemas sociais no socialismo. Foi uma disputa tensa, ganhava quem tivesse mais armas. Ao mesmo tempo vieram a conquista espacial, muitas inovações tecnológicas e o avanço nas telecomunicações. Os Estados Unidos avançavam como superpotência enquanto a União Soviética era a força da resistência. Idéias marxistas começaram a se es- palhar pela América Latina, foram o pilar em que as lutas contra o império americano se sustentavam. Era como se essas idéias fossem a solução para o fim das injustiças e desigualdades sociais, agravadas com o aumen- to populacional que veio depois da Segunda Guerra Mundial. Para os revolucionários não adiantava somente derrubar o governo, era preciso uma nova estrutura social. Che Guevara era o símbolo da resis- tência, da luta contra o imperialismo norte-americano. Ele e Fidel Castro, foram figuras importantes na Revolução Cubana em 1959, que derrubou o governo de Fulgêncio Batista. Os Estados Unidos tentaram de várias formas derrubar o novo governo. Vencidos, optaram por excluir Cuba do sistema interamericano e bloqueá- la economicamente. Diante desta situação, Cuba pediu ajuda para a União Soviética e se declarou socialista. Como resposta, os EUA lançaram o programa “Aliança para o Progresso,” em toda a América Latina, oficialmente para promover a industrialização e reformas sociais, mas na prática um efetivo mecanismo de controle do continente. 23
  • 23. O fracasso do plano somado com a morte do presidente John Kennedy mudou a política dos Estados Unidos para a América Latina. Voltando alguns anos, no Brasil, o vice-presidente João Goulart foi in- dicado para substituir Jânio Quadros, que havia renunciado ao cargo de presidente após Carlos Lacerda, governador do estado da Guanabara, de- nunciar seu plano de golpe. Jânio anunciou sua renúncia, certo de que o Congresso não aceitaria que um ativista do movimento trabalhista, como João Goulart, assumisse o governo. O país estava dividido, de um lado era importante a independência dos Estados Unidos, de outro era defendida a abertura da entrada do capital estrangeiro. Houve uma tentativa de golpe que falhou pela divisão de opiniões nas forças armadas. A população de- fendia que a Constituição fosse obedecida, quem assumiria o governo na falta do presidente era o vice. Se não bastasse isto, Jango (apelido de João Goulart) herdou sérias dívidas, fora os gastos com a crise militar, foi necessário pedir ajuda para o FMI. Ele começou a ser acusado pela Igreja Católica, e a imprensa re- forçava, de envolvimento com o movimento comunista. O que era sério, afinal nesta época era promovida uma verdadeira caça aos comunistas no Estados Unidos. A opinião pública ficou dividida e os militares começaram a armar o golpe. Na tentativa de permanecer no governo, Goulart tendeu para um governo de centro-direita, o que não convenceu. O presidente Kennedy mandou agentes para convencer os militares de que era necessária uma ação contra o governo. O interesse americano não era em vão, eles consideravam o Brasil como peça-chave na América Latina: para onde o país fosse os outros seguiriam. No dia 13 de março de 64, um movimento conhecido como “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” reuniu cerca de 200 mil pessoas, pedin- do a saída de Jango. A ala conservadora do Congresso ameaçava bloquear os projetos de reforma mandados pelo governo. João Goulart duvidava da força do golpe, acreditava na proteção de um “dispositivo militar” esquematizado pelo seu chefe de Gabinete Militar, o general Argemiro de Assis Brasil. O dispositivo assegurava uma lealdade, nunca antes vista, nos quartéis, para segurar qualquer tentativa de golpe. Mas de outro lado, os militares se organizavam para tomar o governo a qualquer momento, tinham apoio americano e pessoas certas para que o golpe desta vez funcionasse. Assim, no dia 31 de Março de 1964, começou o Regime Militar. O briga- deiro Correia de Melo e o almirante Augusto Rademaker publicaram o pri- meiro Ato Institucional que estabelecia eleições indiretas para presidente da república e dava aos comandantes o poder de decretar estado de sítio, 24
  • 24. suspender garantias constitucionais e tirar direitos políticos de quem quer que fosse por 10 anos. Em abril o Marechal Castelo Branco, chefe do exército e coordenador da trama contra João Goulart, é eleito presidente. Como primeiras medidas anulou os atos do governo Jango e reprimiu os possíveis opositores; im- plantou o bipartidarismo; suspendeu os direitos políticos de 375 pessoas, dentre elas Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart; demitiu 10 mil funcionários públicos, instaurou cinco mil investigações contra 40 mil pessoas e rompeu qualquer relação com Cuba. Começa oficialmente a Ditadura Militar. 25
  • 25. • O Descobrimento do Brasil • Dona Rosa morou numa fazenda quando menina. Seu pai era comunis- ta. Ele gostava de acompanhar tudo, recebia jornais de São Paulo que de- moravam até quinze dias para chegar, às vezes lia para os filhos. Ela ficava no quarto ao lado ouvindo as notícias que o pai ouvia alto pelo rádio. Ela acompanhava de forma passiva o envolvimento do filho mais velho, Honestino, com a política. Quando veio para Brasília não tinha nenhum ou- tro interesse além do estudo dos filhos. Era o estudo deles que realmente importava. Passou no concurso público da Fundação Educacional do Distrito Federal e em 1961 dava aula para alunos do primeiro grau. Depois de dois anos passou a ser Diretora, cargo que exerceu por mais de trinta anos. Os filhos foram crescendo em Brasília. Quando menos se viu lá estava ela, apreensiva, vendo o resultado do vestibular de Honestino. Começou a ver o resultado a partir do último nome da lista, à medida que ia se apro- ximando do início aumentava seu nervosismo, o nome dele não aparecia. Quando chegou no primeiro nome lá estava: Honestino Guimarães, primei- ro lugar na Universidade de Brasília em Geologia. Levou um susto. Levou outro susto parecido quando foi chamada à escola onde ele cur- sava a 4º série do primário, e lá ficou sabendo que o resultado do teste de QI dele deu “inteligência-médio superior”. Desde muito pequeno ela o via como uma enciclopédia ambulante, Honestino transmitia tudo o que aprendia. Como dizer quando começou a relação dele com a política? É realmente difícil. Na cidade de Itaberaí a política era forte, a disputa era entre dois coronéis poderosos. Honestino acompanhava tudo desde muito pequeno, “nasceu político”. Acompanhava e até brigava por seus candidatos. Queria saber quem era o prefeito, o governador, o presidente. Assistia aos comí- cios e assim começou a dizer que um dia seria presidente do Brasil. Ele cresceu entre a política da cidade onde nasceu e seus compromis- sos de criança. O pai era seu companheiro, mas era também muito exigen- te, porque sempre onde tinha uma briga Honestino estava no meio. A família estava reunida para comemorar o vigésimo primeiro aniversário de Honestino. Antes de servir o jantar ficaram sabendo pela TV que o estudante Édson Luiz foi morto no restaurante universitário Calabouço, no Rio de Janeiro. Honestino saiu imediatamente de casa, revoltado, foi direto para a UnB. 26
  • 26. São várias as versões da invasão do Calabouço. Uma delas afirma que os estudantes estavam jantando, outra afirma que acontecia uma manifes- tação pelo mau funcionamento do restaurante, pelas condições precárias de higiene. Mas em ambas as versões, os soldados entraram atirando enquanto o tenente Alcindo Costa gritava pelo mega-fone “parem de atirar, eu não dei ordem para ninguém atirar”, pouco depois o mesmo tenente sacou o revólver e deu o tiro que acertaria o peito de Édson. Os estudantes tentaram socorrê-lo, levaram-no para Santa Casa de Misericórdia, onde chegou sem vida. Eles impediram que os soldados se aproximassem do corpo, ergueram-no e o levaram até a sede da Assembléia Legislativa, queriam mostrar o que o Regime havia feito. Chegando lá as autoridades informaram que era necessário levar o cor- po para autópsia, os estudantes acharam que aquela era uma manobra para sumir com ele e assim nada poderia ser provado. Por sorte, um dos estudantes lembrou de um fato histórico: o corpo de Getúlio Vargas não precisou ser removido para autópsia. No dia seguinte uma estranha cena era vista pelas ruas do Rio de Janeiro. Com o Regime Militar, qualquer grande aglomeração de pessoas era rapidamente dispersada, mas neste caso a única coisa que fizeram para reprimir foi desligar as luzes dos postes que ficavam no trajeto até o cemitério, o que de fato não foi um problema. As pessoas que participavam do cortejo fúnebre improvisaram velas. À medida que caminhava o movi- mento tinha mais adeptos. Foram mais de 12 mil pessoas ali reunidas. Uma faixa improvisada dizia: “Podia ser o seu filho”. Voltando a Brasília... Não se sabe ao certo se estes detalhes vieram ao conhecimento de Honestino, mas ele sentiu que algo tinha de ser feito. Assim que chegou na UnB, avisou a todos que encontrava pelo caminho do que tinha acontecido no restaurante universitário carioca. Conseguiu reu- nir mais de quinhentos estudantes e juntos resolveram fundar uma praça em homenagem a Édson Luiz. Pouco tempo depois aconteceu a primeira prisão de Honestino. Era comum ter em casa muitos jovens para estudar, ver futebol, ou con- versar. Naquele dia a casa estava cheia de garotos. Alguns primos esta- vam hospedados lá para prestar vestibular. A sala de estudos estava cheia. Dona Rosa e seu marido, Monteiro, foram dormir um pouco mais cedo. Assim que puderam, Honestino e os amigos saíram para comemorar a aprovação dos primos no vestibular. No dia seguinte, ela sentiu o filho um pouco mais preocupado no café da manhã. 27
  • 27. Bateram na porta e ele foi atender e não voltou. O que era comum, afinal era a hora dele sair para a faculdade. Só à tarde Dona Rosa teve o conhecimento de sua prisão e dos primos. Policiais civis vieram a sua casa e fizeram uma busca, colocaram tudo de ponta cabeça, procurando o que não se sabia, só se sabe que não encontraram. Dona Rosa foi para Taguatinga pedir ajuda a um sobrinho que era advo- gado. A família ficou muito abalada com as prisões. Os primos de Honestino foram presos em flagrante por participarem de pichação nas ruas. Como não conheciam bem a cidade, não conseguiram fugir. Esta prisão foi amplamente divulgada nos jornais. Faziam questão que ela se tornasse pública, para que as pessoas se sentissem acuadas dian- te daquela demonstração de força militar. A partir dessa primeira prisão, Honestino passou a ser considerado um importante líder estudantil. 28
  • 28. • Veraneio Vascaína • Honestino sempre era vigiado, procurado ou detido, bastava que qual- quer manifestação, qualquer ato contra o Regime Militar acontecesse. Dona Rosa conversava muito com o filho, tentava entender o motivo dele estar envolvido com o movimento. Os argumentos eram fortes, aquela luta era necessária. Muitas vezes acompanhava o filho nas manifestações, nunca entendeu por que não era presa, mas na realidade sabia que fazia aquilo porque ele era uma das coisas mais preciosas que tinha. Com toda repressão, ele resolveu não morar com os pais. Depois da segunda prisão, quando achava que a poeira tinha abaixado, foi visitá-los, afinal fazia muito tempo que não os via. Antes de terminar o jantar foram avisados que o bloco estava sendo vigiado, foi preciso que alguém descesse para despistar os agentes e Honestino fugiu pelo mato. Era caçado como bandido, foi perseguido por toda noite, dispararam tiros, ele acabou conseguindo chegar na casa de um tio. Depois de ter passado a madrugada esperando por notícias, Dona Rosa recebeu um te- lefonema dele pela manhã avisando que estava bem. Mesmo no meio de tudo o que acontecia, Honestino decidiu se casar no segundo semestre de 1968, ano em que também terminaria a faculdade. A notícia correu por toda imprensa e começou a perseguição em torno da casa dos pais, carros eram vigiados e revistados. Assim, o casal resolveu fazer uma cerimônia bem discreta numa igrejinha da Asa Norte. A noiva, Isaura, se vestiu na sacristia, foi uma cerimônia bonita. Judicialmente tudo foi formalizado por uma procuração que ele passou para o pai. Depois da morte do pai, Honestino partiu para a clandestinidade. Foram seis meses sem que sua mãe recebesse qualquer notícia, até que final- mente chegou uma carta. Os contatos eram por cartas, telefonemas ou recados. Foi assim que Dona Rosa ficou sabendo que Isa estava grávida. Ficou feliz mas ao mesmo tempo pensava em como aquela criança cresce- ria no meio de tudo aquilo. Mais ou menos naquela época ela adotou Mary, uma criança que trouxe novamente alegria para a casa. Depois do nascimento de Juliana, ela foi até São Paulo conhecer a neta. Lá se hospedou na casa de uns amigos onde ficou um mês com o filho e a nora. Mais ou menos neste período eles se mudaram para uma casa simples, com três cômodos, sem móveis, só Juliana tinha o seu berço. Cada vez que Honestino saía, Isaura ficava aflita, esperando, sem ter certeza, a sua volta. 29
  • 29. Muitos amigos e parentes foram se afastando à medida que aumentava a repressão. Era como se quem ficasse contra os militantes tivesse uma doença fatal e contagiosa, o que dificultava os encontros entre a mãe e o filho, que se davam de forma esporádica, mas ela sempre dava um jeito. Uma vez ela foi a São Paulo visitar os pais de um amigo que havia fale- cido num acidente, queria também encontrar Honestino, já que fazia muito tempo que não tinha notícias suas. Não fazia idéia de onde procurá-lo, ela sabia de um amigo dele que morava na cidade, mas também desconhecia onde ele estava. Juntos, foram perguntando para um e para outro, até en- contrarem alguém que sabia onde ele estava. Chegaram numa casa de chá. Dona Rosa sentou numa mesa, de cos- tas para a porta de entrada. Passado um tempo, sem que esperasse, foi abraçada por trás, levou um susto, mas foi afagada de um jeito que só Honestino sabia fazer. Foi uma grande felicidade. Assim eles levavam a vida, graças ao companheirismo das famílias e amigos conseguiam passar algum tempo juntos. Apesar de entender as razões do filho para se envolver na militância contra o Regime Militar, al- gumas vezes Dona Rosa propôs que ele saísse do país, mas ele sempre dizia que estaria mais morto se estivesse no exterior sem fazer nada pelo Brasil. Ela também se preocupava com a situação de Isaura, não sabia se agüentaria se estivesse no seu lugar, vivendo uma vida instável com uma filha pequena para cuidar. Assim foi a última vez que esteve em São Paulo. Na viagem de volta seu ônibus se envolveu num acidente e ela quase per- deu a vida. Dois meses depois ficou sabendo que Honestino iria se separar e que- ria saber se ela poderia ficar com a neta por um tempo, até que Isaura se estabelecesse. O cuidado de Honestino com a filha era tamanho que se arriscou levan- do-a até a avó em Goiânia. Foi um pouco complicado para ela cuidar de duas crianças e ao mesmo tempo conciliar o trabalho e os estudos univer- sitários à noite. Mas também foi um período que curtiu muito. Quando Juliana completou dois anos, ela preparou uma festa, foi quan- do ficou sabendo que Isaura tinha um novo companheiro e iria buscar a filha. Dona Rosa teve dificuldades de aceitar que a neta teria um novo pai, mas a posição de Honestino, que se referia a Gusto, o companheiro de Isaura, como uma pessoa maravilhosa, a fez repensar e tomar uma outra posição. 30
  • 30. • Proteção • Neste ponto da história, Dona Rosa, que está sentada no sofá cor de rosa à sua frente, olha para você e diz que escreveu um livro sobre Honestino. Diz que com a mudança não se lembra exatamente onde está, mas que lembra ter alguns exemplares. Depois de alguns minutos ela volta, fica em silêncio e começa a falar: - Então... Quando eu fiz este livro, porque eu tinha que fazer, é um registro... Porque eu sabia que chegaria uma hora que eu não pode- ria agüentar mais. Então eu tô aqui arrumando esta mudança, vendi esta casa, e eu estou me mudando daqui, então é muito difícil... Ela lhe mostra a estrutura do livro, folheia, mostra cartinhas que ele tinha escrito quando criança, fotos de família, ele com o pai, ele com os irmãos, uma foto dele com a filha. Por fim, procura pelo atestado de óbito dele emitido em 12 de março de 1996, que também está no livro. Bem, chegou a hora de você conhecer o fim da história. No início do ano de 1973, Dona Rosa foi para o Rio de Janeiro, onde se hospedou com Gusto, Isaura e a Ju, que moravam em Botafogo, e lá se encontrou com Honestino. Depois de passar o dia com eles, à noite ela e o filho saíram para con- versar e encontrar uns amigos. Ele contou para a mãe que as ameaças de morte tinham se intensificado e por isto tinha escrito o “Mandado de Segurança”, ainda inacabado, que seria distribuído em lugares e mãos es- tratégicas. Ele leu para mãe: MANDADO DE SEGURANÇA POPULAR 1. Apresentação Por diversas vezes, fui ameaçado de morte pelos chamados serviços de Segurança Militares, desde pelo menos 1971. Através de diversos fones de vários estados, chegou a mim esta ameaça para quando eu fosse apanhado. A minha situação não é única. O passado recente da História de nossa terra infelizmente está repleto desses crimes, de vários exemplos de tiroteios simulados e de “atropelamentos” de pes- 31
  • 31. soas após terem sido presas pelos órgãos de repressão política. Além disso, esta ameaça pesa concretamente sobre várias ou- tras pessoas que, como eu, são consideradas perigosas. Acredito firmemente que estes dias de violência fascista serão superados pela luta democrática de nosso povo e em especial dos trabalhadores, do operariado. Ao mesmo tempo não me iludo em relação ao teor da violência erigida em Estado Policial-Militar. Por isto lanço mão deste texto-denúncia, um verdadeiro “Mandado de Segurança” em relação às ameaças sofridas. Esta denúncia à consciência democrática dentro e fora do país é a única arma de que me disponho, mas não deixarei de lutar, es- teja onde estiver, por uma democracia efetiva para a maioria de nosso povo. No documento, ele conta que desde 1964, quando entrou na Universidade de Brasília, começou a se manifestar contra o golpe militar, primeiro por causa de sua consciência política, que vinha desde sua infân- cia, depois por ver uma nova concepção de ensino, em fase experimental, pautada pela preocupação com os reais problemas do país e pelo diálogo verdadeiro entre aluno e professor, vir a ser destruída com a demissão coletiva de vários professores. Assim começaram suas manifestações de estudantes. Ele fala também de suas prisões, da vida clandestina que levava há cinco anos, dos processos, da perseguição de que era objeto. Que não se entregava por não considerar legítimos os tribunais militares. Esta “jus- tiça” que criou tribunais militares, fazia julgamentos onde a participação da imprensa era impossibilitada, e exercia pressão sobre os advogados, vários deles perseguidos. Equiparava os tribunais brasileiros com os tribu- nais nazistas. Ele denunciou também as prisões e confissões arrancadas de forma cruel pela tortura, e das mortes conseqüentes por esta forma de manter a ordem. Ele acreditava que a justiça era a consciência popular e democrática, na força da atuação do povo, especialmente dos trabalhadores. E não se intimidava diante da perseguição que sofria, se defendeu do título que re- cebeu de “terrorista” pois com a vivência que tinha, sabia que ações arma- das, assaltos, atentados e seqüestros somente revelavam um radicalismo que não levava a nada. Ele disse que os verdadeiros “terroristas” estavam no poder, porque estes usavam o terror para ali se manter. Assim, Dona Rosa recebeu aquele ato como uma preparação do que estava por vir, Honestino também se preparava. Ela passou mais dez dias com ele, passeavam pelo Jardim Botânico e combinaram a forma como ela 32
  • 32. reagiria e como seria informada de qualquer coisa, dentro do menor tempo possível. Ela se despediu com um abraço. Em julho daquele mesmo ano, Norton foi ao Rio de Janeiro entregar um passaporte falso para que o irmão deixasse o país. Lá mesmo, no meio da praia onde o encontro tinha sido marcado, Honestino disse que não iria porque seu povo era este, que ele iria lutar até o fim. Norton argumentou dizendo que iriam matá-lo, mas seu irmão perguntou: - Você sabe por que um relógio funciona? Porque tem uma mola no meio que faz assim... E com a mão imitou o movimento do balancim dos relógios. Foi a última vez que Norton viu seu irmão. 33
  • 33. • Brasil: Ame-o ou Deixe-o • Três meses depois, Honestino foi ao encontro de um companheiro. Todos os seus passos eram controlados pelo sério esquema de segurança do gru- po a que pertencia e seu desaparecimento foi rapidamente constatado. Ao que tudo indica este amigo que ele foi encontrar pode tê-lo conduzido para uma emboscada. Naquele momento o cerco da repressão estava mais rígido, Honestino estava virando presa fácil, muitas denúncias foram feitas, todos que tinham qualquer ligação com ele podiam ser alvo de ameaças. Como combinado na última vez que Dona Rosa viu seu filho, recebeu um telegrama e alguns telefonemas com o código: “Seu filho foi internado no Rio”, isto é, ele tinha sido preso no Rio de Janeiro. Por onde começar? Ela contratou uma advogada para tentar o habeas corpus, pedido rapidamente negado. Então resolveu ir imediatamente para o Rio, para procurar pistas. Visitou todos os quartéis, perguntou a vários comandantes, mas ninguém sabia de nada. Achou melhor procurar apoio na Comissão dos Direitos Humanos, na CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), Maçonaria. Contratou um novo advogado, mas a causa foi entregue para Dra. Dyrce, que conhecendo presídios de Brasília e São Paulo orientou Dona Rosa, que não perdia um minuto a esperança. Fez muitas viagens de Brasília para o Rio de Janeiro ou a São Paulo, todas feitas graças à colaboração de parentes e amigos. Depois de tentar por todos os lados seguir qualquer pista que encon- trasse, e seguir cada orientação de amigos e advogados, conseguiu um laborioso contato com um General Comandante do 1° Exército de Brasília, foi encontrá-lo na Esplanada dos Ministérios. - Bom dia! Quero falar com o General. - Mas a senhora não pode falar com o General. Mas nós podemos lhe atender com toda presteza. - Agradecida. Sei que poderia contar com sua diligência, porém sou mãe do Honestino e quero falar com o General. - O que a senhora gostaria de falar com o General? Pode falar conos- co e nós levaremos o caso a ele. - Por que não posso eu mesma falar? Por acaso ele não é um ser humano como eu? Não está a serviço do povo? Portanto, ao meu serviço? Quero falar-lhe diretamente. Caso não possa, irei aos jor- nais e pela imprensa falarei. 34
  • 34. Patentes e mais patentes vinham, fizeram de tudo para que ela desis- tisse da idéia. Mas ela foi até o fim. Ela acreditava que Honestino estava em Brasília. Chegando ao gabinete luxuoso do General e aproveitando que estavam perto do Natal, foi direto ao assunto e pediu para visitar seu filho. Ele orde- nou que trouxessem documentos, que foram rapidamente analisados. Ela notou que alguns eram bem recentes, o que reforçava a constatação de que ele estaria na cidade. Saiu de lá, e logo depois recebeu permissão para visitá-lo e levar os familiares que quisesse. Ela queria levar tudo que poderia estar fazendo falta para ele. Dividiu a tarefa dos preparativos com vários familiares, todos queriam participar. Até que chegou o dia. A cada chamada para visita, vinha uma expectativa angustiante porque nunca chegava a sua vez. Depois de muito tempo, ela resolveu questionar o motivo da demora: - Ele não está aqui. - Por favor, verifique, é muito importante. O Oficial foi prestativo e verificou. Honestino não estava lá, nem sabia onde ele estava. Ela saiu de lá com o filho Luiz, foram dar uma volta no Lago Paranoá, numa tentativa de encontrar um lugar onde coubesse a dor que ela sentia. Ela se acolheu no cenário que encontrou: o céu estava colorido, típico dos fins de tarde em Brasília, e as águas, calmas. Se sentiu pequena, incapaz... Voltaram para o início, sem caminhos para perseguir. Mas tinha que encon- trar o filho a qualquer custo. No início do ano que se seguiu, começou a tomar força um boato vindo de São Paulo de que Honestino teria morrido. Ela começou a ser muito visi- tada, porém era firme, não aceitava aquele comentário, precisava acreditar no filho vivo para que sobrevivesse. Recomeçou a busca. Voltou ao ponto de partida, mas sentiu que as portas gradativamente estavam se fechando. Todos a recebiam com muito carinho, foi recebida por Dom Evaristo (Cardeal Arcebispo de São Paulo), defensores dos Direitos Humanos, a Ordem dos Advogados do Brasil. Procurou qualquer pessoa que pudesse ajudá-la, ia para qualquer cidade que tivesse uma chance. Então foi realizada em Brasília uma reunião organizada por Dom Evaristo com o General Golbery, homem forte do governo e familiares dos desapa- recidos. Foi feito um círculo, e um por um os parentes eram ouvidos. Todos 35
  • 35. queriam saber se os desaparecidos estavam vivos ou mortos. Ela se lembra que o General, com os olhos rasos de lágrimas, pediu o endereço dela e prometeu, diante de todos, que procuraria uma resposta e a buscaria em casa. Foi a última vez que ela o viu. A partir dali só silêncio. Amigo Leitor, não tenho certeza de suas convicções políticas ou religio- sas, mas os fatos que seguem têm a ver com a fé de Dona Rosa. Foi dessa forma que sua busca chegou ao fim. Ela é espírita, e tentava encontrar abrigo nas suas preces. Ela partici- pava de um grupo mediúnico que fazia um trabalho chamado “desdobra- mento”, é quando o espírito se afasta do corpo, para visitar outros lugares e fazer orações pelos que precisam. Uma vez estava em oração, se preparando, e sentiu que iria fazer um trabalho importante. Ela foi conduzida até um lugar onde encontrou um corredor comprido com pequenos compartimentos, como se fossem celas, ela entrava, fazia a prece, e à medida que caminhava ia encontrando al- guns companheiros de Honestino. Quando chegou à última cela ela o encontrou, ele estava encolhido no canto, como se dormindo. Ela fez o mesmo trabalho, e Honestino desper- tou como se estivesse num sono profundo, abriu os olhos, sorriu e abraçou a mãe. Tudo aconteceu em poucos segundos, porém, quando ela retornou, chorou compulsivamente, mas consolada. Seu filho estava bem. O berço não estava mais vazio. 36
  • 36. • Bibliografia • AVENTURAS DA HISTÓRIA: SÉRIE DOSSIÊ BRASIL – DITA- DURA MILITAR: Editora Abril, abril de 2005, São Paulo, SP BARRA 68 SEM PERDER A TERNURA Direção: Vladimir de Carvalho CÁRCERES, Florival História da América, 2ª Edição - Editora Moderna, São Paulo, 1992 CAROS AMIGOS: ESPECIAL. São Paulo, SP: Editora Casa Ama- rela, número 19, março de 2004 CARTA CAPITAL, São Paulo, SP: Editora Confiança, número 389, 19 de abril de 2006 CASTRO Gustavo, Alex Galeano Jornalismo e Literatura: A Sedução da Palavra. Escrituras Editora, São Paulo, 2002 CHASTEEN, John Charles América Latina: Uma história de Sangue e fogo. Tradução de Ivo Korytwsk. – Editora Campus, Rio de Janeiro, 2001 FUCHIK, Júlio Silva Testamento sob a forca. Ed. Brasil Debates. Disponível em http://www.torturanuncamais.org.br/mtnm_tes/tes. htm Acesso em 17 de novembro de 2006 GASPARI, Élio. A Ditadura Derrotada. Companhia das Letras, São Paulo, 2003 GASPARI, Élio. A Ditadura Escancarada. Companhia das Letras, São Paulo, 2002 GASPARI, Élio. A Ditadura Envergonhada. Companhia das Le- tras, São Paulo, 2002 37
  • 37. LAURETIS, Teresa de. “A tecnologia do gênero”. In: HOLLAN- DA, Heloísa Buarque de (org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, p. 206-242 LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas Ampliadas: o livro reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. Manole, Barueri-SP, 2004 MONTEIRO, Maria Rosa Leite. Honestino: O bom da amizade é a não cobrança. Da Anta Casa Editora, Brasília-DF, 1998 OS SONHADORES. Direção: Bernardo Bertolucci Título original: The Dreamers. França: Fox Searchlight Pictures, 2004 SILVA Gustavo de Castro e. O que é jornalismo literatura. INSTI- TUTO HERMEUM, Brasília. Disponível em http://www.instituto- hermeum.com.br/text_01.asp Acesso em 3 de junho de 2005 SILVA, Hélio 1964 Vinte anos de golpe militar, LPM Editoras, Porto Alegre, 1985 SCHWANTES, Cíntia, Espelho de Vênus, Disponível em: http:// www.amulhernaliteratura.ufsc.br/artigo_cintia.htm Acesso em: 7 de junho de 2006 TALESE, Gay Fama Anonimato; Tradução: Luciano Ferreira Machado, 2ª Edição – Companhia das Letras, São Paulo, 2004. VENTURA, Zuenir. 1968, o ano que não acabou. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1988 VENTURA, Zuenir. Um voluntário da pátria. Companhia das Le- tras, São Paulo, 2004 WIKIPEDIA, a enciclopédia livre, Edson Luiz de Lima Souto, Dis- ponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Edson_Lu%C3%ADs_de_ Lima_Souto Acesso em: 7 de junho de 2006 38