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POR UMA GEOPOLÍTICA DA ÁGUA: CONHEÇA O MAPA DOS CONFLITOS

Laboratório de Estudos do Tempo Presente - Instituto de História

Universidade Federal do Rio de Janeiro/Universidade do Brasil

"Os aspectos espetaculares das sucessivas crises do petróleo, com a escassez imediata e o
aumento dos preços, fez com que grande parte da população mundial acreditasse que o
esgotamento das reservas naturais do planeta era parte de uma questão energética, que poderia
ser resolvida através do aporte tecnológico. De forma silenciosa, contudo, uma outra escassez
avançava, sem ser vislumbrada em toda sua ameaça: a falta de água potável."

(Francisco Carlos Teixeira)




Pela própria natureza da Terra, a água doce, potável e de qualidade encontra-se distribuída de
forma bastante desigual. As regiões setentrionais do planeta, embora com grandes rios – Danúbio,
Reno, Volga, Lena – ou na América – o São Lourenço, Mississipi, Missouri – concentram grandes
aglomerações demográficas, que consomem volumes crescentes de água potável. Além disso, a
generalização da agricultura moderna – subsidiada com milhares e milhares de dólares, tanto na
União Europeia, quanto nos EUA – ampliou tremendamente o consumo de água. Muitas vezes, a
riqueza produzida por tal agricultura subsidiada não paga os imensos gastos de armazenamento,
dutos e limpeza investidos no processo de sua própria disponibilização.

Em quase todos os casos, as grandes reservas de água na Europa e nos EUA padecem de
problemas que afetam sua qualidade. Na Europa, hoje, a água é um item de consumo semanal,
constituindo-se item obrigatório nos supermercados. A grande poluição industrial – por exemplo, no
Reno – ou a qualidade – no caso das águas calcárias da França e da Alemanha – obrigaram a
população a aceitar a água como mercadoria vendida em supermercados.

Nos EUA a expansão da agricultura subsidiada consome a maior parte da água potável, além da
poluição que avança sobre grandes reservatórios, como nos Grandes Lagos. Além disso, a
construção de cidades “artificiais”, muitas vezes em pleno deserto – como Las Vegas – implica
numa pressão crescente sobre os reservatórios existentes.
Os grandes reservatórios encontram-se, ao contrário, nas áreas tropicais e subtropicais, quase
sempre em função do regime de chuvas, a existência da floresta tropical úmida (the rain Forest,
dizem os americanos) e aos grandes sistemas hídricos (tais como o Congo, o Amazonas, o
Paraná-Paraguai ou os Grandes Lagos da África Central). Coincide aqui a existência de grandes
reservas hídricas, com populações em expansão, forte conflitos étnicos e religiosos, além de
escassez de recursos para a preservação, já que a maioria dos países da região encontram-se sob
forte monitoramento financeira internacional visando a implantação de gestões neoliberais.

Assim, o pessoal técnico, as estações de tratamento, a reciclagem e a construção de mecanismos
que evitem que o lixo contamine os aquíferos entram, todos, na categoria de obras supérfluas,
condenadas pelas medidas de manutenção de grandes saldos orçamentários.

De qualquer forma, o consumo da água multiplicou-se por seis no século 20, duas vezes a taxa do
crescimento demográfico do planeta. Baseando-se em tais dados, calcula-se que em 2025 cerca
de 3,5 bilhões de pessoas estarão sofrendo com a escassez de água.

Neste sentido, a água tornou-se uma questão de segurança e de defesa do Estado-Nação,
devendo constar do planejamento estratégico de todos os países, em especial daqueles
considerados “fontes hídricas”.

Água: o desenho da crise

Algumas regiões do planeta encontram-se, já hoje, em situação de escassez de água. Enquanto
alguns simplesmente optaram, num primeiro momento, pela sua extrema mercantilização – como
na União Europeia –, outros procuram saídas políticas e científicas.

As regiões mais críticas hoje são China Popular, Índia, México e Chifre da África e confrontantes.
Em tais regiões, os lençóis freáticos têm registrado uma queda de 1 metro por ano, acima da taxa
natural de reposição, apontando para uma grave crise no horizonte de 20/25 anos. Em outras
regiões, onde a água existe, mas em pequena quantidade, a questão reside na sua divisão, no seu
acesso e garantia de fluxo constante.

Aqui as localidades mais atingidas são o Oriente Médio, Norte da África e mais uma vez o México.
Algumas outras regiões, bastante ricas, expandiram sua população por cima da capacidade de
abastecimento, produzindo poluição e escassez, como no caso de Taiwan, o cinturão renano
europeu, a Austrália e as áreas centrais do Meio-oeste americano. Por fim, outras regiões possuem
grandes aquíferos, contudo a ausência de obras de infraestrutura afeta sua distribuição e sua
qualidade, como no Brasil, Indonésia ou Nigéria.

Uma questão paralela junta-se ao problema da escassez: de água de boa qualidade supõe
energia, uso extenso de energia. As estações de filtragem e tratamento são grandes consumidoras
de energia; as usinas de dessalinização – em Israel e no Golfo Pérsico – são caras e consumidoras
de energia em alta escala; os dutos e sua adução, distribuindo água de regiões abundantes para
regiões de escassez (como é o caso do Brasil), implicam em grandes gastos de energia.

Mesmo a purificação da água via vapor é, evidentemente, dependente do consumo de energia. Em
alguns casos, a destruição de redes de transmissão de energia ou de estações de energia, como
na Croácia entre 1991 e 1994, e no Iraque, em 1991 e atualmente, paralisou o fornecimento de
água potável, levando a grandes explosões de pandemias, com elevadíssimas taxas de
mortalidade infantil.
Assim, muitos países passaram a investir em energia nuclear, visando baratear o acesso à água de
boa qualidade, como é o caso do Irã, Brasil ou Finlândia.

A Guerra da Água

Em alguns casos o acesso à água acabou por levar a conflitos abertos, outras vezes encontrava-se
como elemento embutido em estratégias de Estados ao fazerem guerra aos seus vizinhos. O caso
clássico é de Israel, onde a agricultura no deserto – fator fundamental de enraizamento de uma
população desacostumada ao seu próprio país – implicava na multiplicação de colônias agrícolas,
onde o padrão de vida (e logo o consumo de água) era mais elevado do que na maioria dos
vizinhos. Assim, a garantia de controle dos aquíferos – no Sul do Líbano, na bacia do Jordão –
impunha-se como objetivo estratégico.

Porém, este não é o caso mais grave. Existem hoje no mundo cerca de 200 sistemas fluviais que
cruzam a fronteira de dois ou mais países, além de 13 grandes rios que banham 4 ou mais países,
compartilhados por 100 diferentes nações. As chances de conflito na gestão de tais recursos são
bastante elevadas. Muitos desses sistemas são utilizados até a sua exaustão, e muitos já não
atendem mais às necessidades dos consumidores da ponta final. O rio Amarelo, na China, o
Ganges, na Índia, o Nilo, na África, e o São Francisco, no Brasil, estão notoriamente abaixo de
suas marcas históricas e o aumento do consumo pode exauri-los em um espaço de 10 anos.

No Norte da África, a escassez de água cria duas formas distintas de tensões:

- tensões internacionais entre Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia pelo uso de reservas e do lençol
freático, tendo na Tunísia seu epicentro;

- tensões internas entre setores sociais e econômicos em disputa pela água.

O setor hoteleiro – bastante desenvolvido pela Tunísia e Marrocos – é acusado de oferecer água
em abundância aos turistas, enquanto a massa da população sofre a penúria. Enquanto isso,
acusam a agricultura marroquina, tunisiana e argelina de gastar água numa atividade de baixíssima
remuneração.

Ainda no Norte da África, Egito, Sudão e Abissínia discutem o regime do Nilo e as formas de
aproveitamento, gerando crises cíclicas de relacionamento.

No Oriente Médio – além do caso de Israel – a Turquia ameaça o controle das fontes do Eufrates,
colocando a Síria e o Iraque em clara situação de dependência e alto risco.

Na América do Norte, o aproveitamento do Rio Bravo (ou Grande), na fronteira dos EUA com o
México é uma fonte constante de atritos, com os desvios crescentes para a irrigação e o
abastecimento das cidades e da agricultura norte-americanas.

Na Ásia Central, o controle do Tibet/Pamir, de onde provêm as fontes dos rios que correm para a
China, Paquistão e Índia agudizam os conflitos na Cachemira, Nepal e Tibet.

Na África do Sul, a situação da Namíbia é crítica, enquanto todo o Sahel (a franja entre o Shara e a
savana semi-árida africana) ameaça alguns milhões de pessoas com a fome. Ali, Chad, Mali, Niger
e Líbia enfrentam-se constantemente, visando o controle de lagos e oásis do deserto.
A irrupção das crises

Esta geopolítica da escassez da água pode levar muito rapidamente a agudização do quadro,
desembocando em graves conflitos inter-estatais. Devemos ter claro em mente que a questão da
água não se encontra divorciada da chamada “questão ecológica”, e muitas das medidas
referentes à preservação ambiental são de caráter preservacionista também em relação à água e
de suas reservas. Assim, uma“guerra da água” seria também uma “guerra pela ecologia”.

Os cenários mais claros de crise apontam para as seguintes situação de crise envolvendo a
questão do multi-uso das reservas: a região do Nilo; o ace sso às águas do Eufrates; o controle dos
mananciais na Ásia Central; o controle da terras altas chuvosas em Ruanda e na Somália; o
controle das terras chuvosas no Quênia e Zimbábue; o controle de lagos e oásis no Sahel; a
disputa pela Planície de Poljie, entre Croácia e Sérvia.

Estes são os pontos mais críticos numa geopolítica atual da água. Entretanto, a continuidade do
efeito estufa e uma possibilidade de fracasso dos mecanismos preservacionistas em escala
mundial poderão acirrar a questão.




Assim, os países considerados “reservas hídricas” não estariam a salvo de expedições
visando a internacionalização de seus recursos, que seriam declarados “bens coletivos da
humanidade”.

* Francisco Teixeira é professor titular de História da Universidade Federal do Rio de
Janeiro.

http://brasileducom.blogspot.com.br/2012/03/por-uma-geopolitica-da-agua-conheca-o.html
O REI DOS RIOS

Tudo indica que o Amazonas é o rio mais longo do planeta, e não o rio Nilo. Com base em imagens
de satélite e em pesquisa de campo na Cordilheira dos Andes, os cientistas do INPE concluíram
que o rio sul-americano é 592 quilômetros maior do que se supunha.

O grupo aplicou os mesmos critérios ao Nilo e descobriu que ele também estava subdimensionado.
No seu caso, em 202 quilômetros. A diferença entre ambos passou a ser de 140 quilômetros - em
favor do Amazonas.

Leonardo Coutinho, Revista Veja - 09 de julho de 2008

Observe as ilustrações a seguir, relacionadas a esses rios:




                                Revista Veja - 09 de julho de 2008
A CENTRALIDADE DA ÁGUA NA DISPUTA GLOBAL POR RECURSOS ESTRATÉGICOS

Mônica Bruckman

Duas visões contrapostas estão em choque na disputa global pela água. A primeira, baseada na
lógica da mercantilização deste recurso, que pretende convertê-lo em uma commodity, sujeita a
uma política de preços cada vez mais dominada pelo processo de financeirização e o chamado
“mercado de futuro”. Esta visão encontra no Conselho Mundial da Água, composto por
representantes das principais empresas privadas de água que dominam 75% do mercado mundial,
seu espaço de articulação mais dinâmico.

O Segundo Fórum Mundial da Água, realizado em 2000 declarou, no documento final da reunião,
que a água não é mais um “direito inalienável”, mas uma “necessidade humana”. Esta declaração
pretende justificar, do ponto de vista ético, o processo em curso de desregulamentação e
privatização deste recurso natural. A última reunião realizada com o nome de IV Fórum Mundial da
Água, em março de 2009, em Istambul, ratifica esta caracterização da água. Um aliado importante
do Conselho Mundial da Água foi o Banco Mundial, principal impulsor das empresas mistas,
público-privadas, para a gestão local da água.

A outra visão se reafirma na consideração da água como direito humano inalienável. Esta
perspectiva é defendida por um amplo conjunto de movimentos sociais, ativistas e intelectuais
articulados em um movimento global pela defesa da água, que propõe a criação de espaços
democráticos e transparentes para a discussão desta problemática a nível planetário. Este
movimento, que não reconhece a legitimidade do Fórum Mundial da Água, elaborou uma
declaração alternativa à reunião de Istambul, reivindicando a criação de um espaço de debate
global da água nos marcos da ONU, reafirmando a necessidade da gestão pública deste recurso e
sua condição de direito humano inalienável [1].

A Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, em julho de 2010, a proposta apresentada pela
Bolívia, e apoiada por outros 33 Estados, de declarar o acesso à água potável como um direito
humano. Como previsto, os governos dos Estados Unidos, Canadá, Austrália e o Reino Unido se
opuseram a esta resolução, fazendo que perdesse peso político e viabilidade prática, na opinião de
Maude Barlow, ex-assessora sobre água do presidente da Assembleia Geral da ONU [2]. Estes
quatro países, e suas forças políticas mais conservadoras, aparecem como o grande obstáculo. O
perigo para os operadores da água é grande, certamente, um reconhecimento da água e do
saneamento como direito humano limitaria os direitos das grandes corporações sobre os recursos
hídricos, direitos consagrados pelos acordos multilaterais de comércio e investimento.

Os governos da América Latina estão avançando no reconhecimento da água como direito
inalienável e na afirmação da soberania e gestão pública destes recursos. A Constituição Política
do Estado Plurinacional da Bolívia reconhece, em seu artigo 371, que o “a água constitui um direito
fundamentalíssimo para a vida, no marco da soberania do povo”, estabelece também que “o
Estado promoverá o uso e aceso à água sobre a base de princípios de solidariedade,
complementaridade, reciprocidade, equidade, diversidade e sustentabilidade”.
Certamente, a disputa pela apropriação e o controle da água no planeta adquire dimensões que
extrapolam unicamente os interesses mercantilistas das empresas transnacionais, colocando-se
como um elemento fundamental na geopolítica mundial. Está claro que o planeta necessita
urgentemente de uma política global para reverter a tendência do complexo processo de desordem
ecológico que, ao mesmo tempo em que acelera a dinâmica de desertificação em algumas regiões,
incrementa os fenômenos de inundação produto de chuvas torrenciais em outras. As
consequências devastadoras que a degradação do meio ambiente está provocando e a gravidade
da situação global que tende a se aprofundar colocam em discussão a própria noção de
desenvolvimento e de civilização.

Os aquíferos e a preservação de ecossistemas

Há muito tempo as investigações hidrológicas dos ciclos globais da água vem demonstrando que
99% da água doce acessível do planeta se encontram nos aquíferos de água doce, visíveis nos
rios, lagos e capas congeladas de gelo. Estas águas constituem sistemas hídricos dinâmicos e
desenvolvem seus próprios mecanismos de reposição que dependem, fundamentalmente, das
chuvas. Parte deste caudal se infiltra nas rochas subjacentes e se deposita debaixo da superfície,
no que se conhece como aquíferos. Os aquíferos recebem reposição das chuvas, portanto são, em
sua maioria, renováveis.

Dependendo do tamanho e as condições climáticas da localização dos aquíferos, o período de
renovação oscila entre dias e semanas (nas rochas cársticas), ou entre anos e milhares de anos
tratando-se de grandes bacias sedimentares. Em regiões onde a reposição é muito limitada (como
nas regiões áridas e hiperáridas) o recurso da água subterrânea pode ser considerado como "não
renovável" [3].

Os aquíferos e as águas subterrâneas que os conformam, fazem parte de um ciclo hidrológico cujo
funcionamento determina uma complexa inter-relação com o meio ambiente. As águas
subterrâneas são um elemento chave para muitos processos geológicos e hidroquímicos, e tem
também uma função relevante na reserva ecológica, já que mantém o caudal dos rios e são a base
dos lagos e dos pântanos, impactando definitivamente nos habitat aquáticos que se encontram
neles. Portanto, os sistemas aquíferos além de serem reservas importantes de água doce, são
fundamentais para a preservação dos ecossistemas.

A identificação dos sistemas aquíferos é um requisito básico para qualquer política de
sustentabilidade e gestão de recursos hídricos que permitam que o sistema continue funcionando
e, do ponto de vista de nossas investigações, é imprescindível para uma análise geopolítica que
procure pôr em evidência elementos estratégicos na disputa pelo controle e apropriação da água.

As grandes reservas hídricas como a bacia do Congo, Amazonas, o aquífero Guarani ou os
grandes lagos de África central coincidem com a existência de grandes populações em expansão e
fortes conflitos étnicos e religiosos. Além disso, grande parte dos países desta região se encontram
fortemente pressionados pelo sistema financeiro internacional que tenta implantar uma gestão
neoliberal dos recursos hídricos através de seu pessoal técnico para os quais as estações de
tratamento de água, reciclagem e construção de mecanismos que evitem a contaminação dos
aquíferos são gastos supérfluos [4].
Trata-se de um processo violento de expropriação e privatização do recurso natural mais
importante para a vida. Apesar da centralidade da água potável para consumo humano, é
necessário assinalar também a importância vital deste recurso para a agricultura, que afeta
diretamente a soberania alimentar e para o processo industrial em seu conjunto.

Os maiores aquíferos da Europa se encontram na região euro-asiática, destacando-se, por sua
dimensão, a bacia Russa, mais próxima à região polar. A Europa ocidental se vê reduzida a um
único aquífero de médio porte, na bacia de Paris. Em quase todos os casos, as reservas de água
da Europa padecem de problemas que afetam sua qualidade, o que ampliou drasticamente o
consumo de água engarrafada, que se converteu em um item obrigatório na cesta de consumo
familiar [5]. A Europa registra, proporcionalmente, a maior taxa mundial de extração de água para
consumo humano: do total de água que se extrai, mais de 50% é utilizada pelos municípios,
aproximadamente 40% se destina à agricultura e o resto é consumido pelo setor industrial.

A Ásia depende dos grandes aquíferos do norte de China e a Sibéria, mais próxima da região
polar. Um dos casos mais graves é o da Índia, que junto com os Estados Unidos, tem uma das
taxas mais altas de extração de água subterrânea do mundo.

A América do Sul possui três grandes aquíferos: a Bacia do Amazonas, a Bacia do Maranhão e o
sistema aquífero Guarani, que mais parece um “mar subterrâneo” de água doce que se estende
por quatro países do cone sul: Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai. Pelo volume das reservas
destes aquíferos e pela capacidade de reposição de água destes sistemas, a América do Sul
representa a principal reserva de água doce do planeta.

As regiões mais críticas, por ter uma reposição limitada de água (menos de 5 milímetros de chuva
por ano), são: o norte de África, na região desértica do Saara; a Índia; a Ásia central; grande parte
da Austrália; a estreita faixa desértica que vai da costa peruana até o deserto de Atacama no Chile
e a região norte do México e grande parte da região centro-oeste dos Estados Unidos. Nestas
regiões, pode-se considerar a água como recurso não renovável. A África sub-saariana, o sudeste
asiático, a Europa, os Bálcãs, a região norte da Ásia e a região nor-ocidental da América do Norte
registram níveis moderados de reposição de água, entre 50 e 100 mm por ano.

A região de maior reposição de água do mundo é a América do Sul onde, em quase todo o
território subcontinental, registram-se níveis de reposição de água maiores de 500 mm/ano, o que
constitui o principal fator de abastecimento dos sistemas aquíferos da região. Esta altíssima
capacidade de reposição de águas superficiais e subterrâneas é fundamental, não só para o
abastecimento de água doce, mas também para a manutenção e reprodução dos sistemas
ecológicos e da biodiversidade na região.
Notas


1) Ver: Mabel Faria de Melo. “Água não é mercadoria”. Em: ALAI, 3 de abril de 2009.

2) Ver: Roberto Bissio. El derecho humano al agua. Disponível em http://alainet.org/active/39769

3) Atlas of Transboundary Aquifers. Global maps, regional cooperation and local inventories. Paris:
UNESCO, p. 16.

4) TEIXEIRA, Francisco Carlos. Por uma geopolítica da água. 23 de janeiro de 2011. Disponível em
http://www.tempopresente.org/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=77 ,


5) Ibid.

(*) Ver texto completo em: http://alainet.org/publica/473.phtml da revista “América Latina en
Movimiento”, No 473, correspondente a março de 2012 e que tem como tema "Extractivismo:
contradicciones y conflictividad”.

(**) Monica Bruckmann é socióloga, doutora em ciência política, professora do Departamento de
Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Brasil) e investigadora da Cátedra e
Rede UNESCO/Universidade das Nações Unidas sobre Economia Global e Desenvolvimento
Sustentável - REGGEN.


http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19779


http://alainet.org/active/53475

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Subsídio 4 por uma geopolítica da água

  • 1. POR UMA GEOPOLÍTICA DA ÁGUA: CONHEÇA O MAPA DOS CONFLITOS Laboratório de Estudos do Tempo Presente - Instituto de História Universidade Federal do Rio de Janeiro/Universidade do Brasil "Os aspectos espetaculares das sucessivas crises do petróleo, com a escassez imediata e o aumento dos preços, fez com que grande parte da população mundial acreditasse que o esgotamento das reservas naturais do planeta era parte de uma questão energética, que poderia ser resolvida através do aporte tecnológico. De forma silenciosa, contudo, uma outra escassez avançava, sem ser vislumbrada em toda sua ameaça: a falta de água potável." (Francisco Carlos Teixeira) Pela própria natureza da Terra, a água doce, potável e de qualidade encontra-se distribuída de forma bastante desigual. As regiões setentrionais do planeta, embora com grandes rios – Danúbio, Reno, Volga, Lena – ou na América – o São Lourenço, Mississipi, Missouri – concentram grandes aglomerações demográficas, que consomem volumes crescentes de água potável. Além disso, a generalização da agricultura moderna – subsidiada com milhares e milhares de dólares, tanto na União Europeia, quanto nos EUA – ampliou tremendamente o consumo de água. Muitas vezes, a riqueza produzida por tal agricultura subsidiada não paga os imensos gastos de armazenamento, dutos e limpeza investidos no processo de sua própria disponibilização. Em quase todos os casos, as grandes reservas de água na Europa e nos EUA padecem de problemas que afetam sua qualidade. Na Europa, hoje, a água é um item de consumo semanal, constituindo-se item obrigatório nos supermercados. A grande poluição industrial – por exemplo, no Reno – ou a qualidade – no caso das águas calcárias da França e da Alemanha – obrigaram a população a aceitar a água como mercadoria vendida em supermercados. Nos EUA a expansão da agricultura subsidiada consome a maior parte da água potável, além da poluição que avança sobre grandes reservatórios, como nos Grandes Lagos. Além disso, a construção de cidades “artificiais”, muitas vezes em pleno deserto – como Las Vegas – implica numa pressão crescente sobre os reservatórios existentes.
  • 2. Os grandes reservatórios encontram-se, ao contrário, nas áreas tropicais e subtropicais, quase sempre em função do regime de chuvas, a existência da floresta tropical úmida (the rain Forest, dizem os americanos) e aos grandes sistemas hídricos (tais como o Congo, o Amazonas, o Paraná-Paraguai ou os Grandes Lagos da África Central). Coincide aqui a existência de grandes reservas hídricas, com populações em expansão, forte conflitos étnicos e religiosos, além de escassez de recursos para a preservação, já que a maioria dos países da região encontram-se sob forte monitoramento financeira internacional visando a implantação de gestões neoliberais. Assim, o pessoal técnico, as estações de tratamento, a reciclagem e a construção de mecanismos que evitem que o lixo contamine os aquíferos entram, todos, na categoria de obras supérfluas, condenadas pelas medidas de manutenção de grandes saldos orçamentários. De qualquer forma, o consumo da água multiplicou-se por seis no século 20, duas vezes a taxa do crescimento demográfico do planeta. Baseando-se em tais dados, calcula-se que em 2025 cerca de 3,5 bilhões de pessoas estarão sofrendo com a escassez de água. Neste sentido, a água tornou-se uma questão de segurança e de defesa do Estado-Nação, devendo constar do planejamento estratégico de todos os países, em especial daqueles considerados “fontes hídricas”. Água: o desenho da crise Algumas regiões do planeta encontram-se, já hoje, em situação de escassez de água. Enquanto alguns simplesmente optaram, num primeiro momento, pela sua extrema mercantilização – como na União Europeia –, outros procuram saídas políticas e científicas. As regiões mais críticas hoje são China Popular, Índia, México e Chifre da África e confrontantes. Em tais regiões, os lençóis freáticos têm registrado uma queda de 1 metro por ano, acima da taxa natural de reposição, apontando para uma grave crise no horizonte de 20/25 anos. Em outras regiões, onde a água existe, mas em pequena quantidade, a questão reside na sua divisão, no seu acesso e garantia de fluxo constante. Aqui as localidades mais atingidas são o Oriente Médio, Norte da África e mais uma vez o México. Algumas outras regiões, bastante ricas, expandiram sua população por cima da capacidade de abastecimento, produzindo poluição e escassez, como no caso de Taiwan, o cinturão renano europeu, a Austrália e as áreas centrais do Meio-oeste americano. Por fim, outras regiões possuem grandes aquíferos, contudo a ausência de obras de infraestrutura afeta sua distribuição e sua qualidade, como no Brasil, Indonésia ou Nigéria. Uma questão paralela junta-se ao problema da escassez: de água de boa qualidade supõe energia, uso extenso de energia. As estações de filtragem e tratamento são grandes consumidoras de energia; as usinas de dessalinização – em Israel e no Golfo Pérsico – são caras e consumidoras de energia em alta escala; os dutos e sua adução, distribuindo água de regiões abundantes para regiões de escassez (como é o caso do Brasil), implicam em grandes gastos de energia. Mesmo a purificação da água via vapor é, evidentemente, dependente do consumo de energia. Em alguns casos, a destruição de redes de transmissão de energia ou de estações de energia, como na Croácia entre 1991 e 1994, e no Iraque, em 1991 e atualmente, paralisou o fornecimento de água potável, levando a grandes explosões de pandemias, com elevadíssimas taxas de mortalidade infantil.
  • 3. Assim, muitos países passaram a investir em energia nuclear, visando baratear o acesso à água de boa qualidade, como é o caso do Irã, Brasil ou Finlândia. A Guerra da Água Em alguns casos o acesso à água acabou por levar a conflitos abertos, outras vezes encontrava-se como elemento embutido em estratégias de Estados ao fazerem guerra aos seus vizinhos. O caso clássico é de Israel, onde a agricultura no deserto – fator fundamental de enraizamento de uma população desacostumada ao seu próprio país – implicava na multiplicação de colônias agrícolas, onde o padrão de vida (e logo o consumo de água) era mais elevado do que na maioria dos vizinhos. Assim, a garantia de controle dos aquíferos – no Sul do Líbano, na bacia do Jordão – impunha-se como objetivo estratégico. Porém, este não é o caso mais grave. Existem hoje no mundo cerca de 200 sistemas fluviais que cruzam a fronteira de dois ou mais países, além de 13 grandes rios que banham 4 ou mais países, compartilhados por 100 diferentes nações. As chances de conflito na gestão de tais recursos são bastante elevadas. Muitos desses sistemas são utilizados até a sua exaustão, e muitos já não atendem mais às necessidades dos consumidores da ponta final. O rio Amarelo, na China, o Ganges, na Índia, o Nilo, na África, e o São Francisco, no Brasil, estão notoriamente abaixo de suas marcas históricas e o aumento do consumo pode exauri-los em um espaço de 10 anos. No Norte da África, a escassez de água cria duas formas distintas de tensões: - tensões internacionais entre Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia pelo uso de reservas e do lençol freático, tendo na Tunísia seu epicentro; - tensões internas entre setores sociais e econômicos em disputa pela água. O setor hoteleiro – bastante desenvolvido pela Tunísia e Marrocos – é acusado de oferecer água em abundância aos turistas, enquanto a massa da população sofre a penúria. Enquanto isso, acusam a agricultura marroquina, tunisiana e argelina de gastar água numa atividade de baixíssima remuneração. Ainda no Norte da África, Egito, Sudão e Abissínia discutem o regime do Nilo e as formas de aproveitamento, gerando crises cíclicas de relacionamento. No Oriente Médio – além do caso de Israel – a Turquia ameaça o controle das fontes do Eufrates, colocando a Síria e o Iraque em clara situação de dependência e alto risco. Na América do Norte, o aproveitamento do Rio Bravo (ou Grande), na fronteira dos EUA com o México é uma fonte constante de atritos, com os desvios crescentes para a irrigação e o abastecimento das cidades e da agricultura norte-americanas. Na Ásia Central, o controle do Tibet/Pamir, de onde provêm as fontes dos rios que correm para a China, Paquistão e Índia agudizam os conflitos na Cachemira, Nepal e Tibet. Na África do Sul, a situação da Namíbia é crítica, enquanto todo o Sahel (a franja entre o Shara e a savana semi-árida africana) ameaça alguns milhões de pessoas com a fome. Ali, Chad, Mali, Niger e Líbia enfrentam-se constantemente, visando o controle de lagos e oásis do deserto.
  • 4. A irrupção das crises Esta geopolítica da escassez da água pode levar muito rapidamente a agudização do quadro, desembocando em graves conflitos inter-estatais. Devemos ter claro em mente que a questão da água não se encontra divorciada da chamada “questão ecológica”, e muitas das medidas referentes à preservação ambiental são de caráter preservacionista também em relação à água e de suas reservas. Assim, uma“guerra da água” seria também uma “guerra pela ecologia”. Os cenários mais claros de crise apontam para as seguintes situação de crise envolvendo a questão do multi-uso das reservas: a região do Nilo; o ace sso às águas do Eufrates; o controle dos mananciais na Ásia Central; o controle da terras altas chuvosas em Ruanda e na Somália; o controle das terras chuvosas no Quênia e Zimbábue; o controle de lagos e oásis no Sahel; a disputa pela Planície de Poljie, entre Croácia e Sérvia. Estes são os pontos mais críticos numa geopolítica atual da água. Entretanto, a continuidade do efeito estufa e uma possibilidade de fracasso dos mecanismos preservacionistas em escala mundial poderão acirrar a questão. Assim, os países considerados “reservas hídricas” não estariam a salvo de expedições visando a internacionalização de seus recursos, que seriam declarados “bens coletivos da humanidade”. * Francisco Teixeira é professor titular de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro. http://brasileducom.blogspot.com.br/2012/03/por-uma-geopolitica-da-agua-conheca-o.html
  • 5. O REI DOS RIOS Tudo indica que o Amazonas é o rio mais longo do planeta, e não o rio Nilo. Com base em imagens de satélite e em pesquisa de campo na Cordilheira dos Andes, os cientistas do INPE concluíram que o rio sul-americano é 592 quilômetros maior do que se supunha. O grupo aplicou os mesmos critérios ao Nilo e descobriu que ele também estava subdimensionado. No seu caso, em 202 quilômetros. A diferença entre ambos passou a ser de 140 quilômetros - em favor do Amazonas. Leonardo Coutinho, Revista Veja - 09 de julho de 2008 Observe as ilustrações a seguir, relacionadas a esses rios: Revista Veja - 09 de julho de 2008
  • 6. A CENTRALIDADE DA ÁGUA NA DISPUTA GLOBAL POR RECURSOS ESTRATÉGICOS Mônica Bruckman Duas visões contrapostas estão em choque na disputa global pela água. A primeira, baseada na lógica da mercantilização deste recurso, que pretende convertê-lo em uma commodity, sujeita a uma política de preços cada vez mais dominada pelo processo de financeirização e o chamado “mercado de futuro”. Esta visão encontra no Conselho Mundial da Água, composto por representantes das principais empresas privadas de água que dominam 75% do mercado mundial, seu espaço de articulação mais dinâmico. O Segundo Fórum Mundial da Água, realizado em 2000 declarou, no documento final da reunião, que a água não é mais um “direito inalienável”, mas uma “necessidade humana”. Esta declaração pretende justificar, do ponto de vista ético, o processo em curso de desregulamentação e privatização deste recurso natural. A última reunião realizada com o nome de IV Fórum Mundial da Água, em março de 2009, em Istambul, ratifica esta caracterização da água. Um aliado importante do Conselho Mundial da Água foi o Banco Mundial, principal impulsor das empresas mistas, público-privadas, para a gestão local da água. A outra visão se reafirma na consideração da água como direito humano inalienável. Esta perspectiva é defendida por um amplo conjunto de movimentos sociais, ativistas e intelectuais articulados em um movimento global pela defesa da água, que propõe a criação de espaços democráticos e transparentes para a discussão desta problemática a nível planetário. Este movimento, que não reconhece a legitimidade do Fórum Mundial da Água, elaborou uma declaração alternativa à reunião de Istambul, reivindicando a criação de um espaço de debate global da água nos marcos da ONU, reafirmando a necessidade da gestão pública deste recurso e sua condição de direito humano inalienável [1]. A Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, em julho de 2010, a proposta apresentada pela Bolívia, e apoiada por outros 33 Estados, de declarar o acesso à água potável como um direito humano. Como previsto, os governos dos Estados Unidos, Canadá, Austrália e o Reino Unido se opuseram a esta resolução, fazendo que perdesse peso político e viabilidade prática, na opinião de Maude Barlow, ex-assessora sobre água do presidente da Assembleia Geral da ONU [2]. Estes quatro países, e suas forças políticas mais conservadoras, aparecem como o grande obstáculo. O perigo para os operadores da água é grande, certamente, um reconhecimento da água e do saneamento como direito humano limitaria os direitos das grandes corporações sobre os recursos hídricos, direitos consagrados pelos acordos multilaterais de comércio e investimento. Os governos da América Latina estão avançando no reconhecimento da água como direito inalienável e na afirmação da soberania e gestão pública destes recursos. A Constituição Política do Estado Plurinacional da Bolívia reconhece, em seu artigo 371, que o “a água constitui um direito fundamentalíssimo para a vida, no marco da soberania do povo”, estabelece também que “o Estado promoverá o uso e aceso à água sobre a base de princípios de solidariedade, complementaridade, reciprocidade, equidade, diversidade e sustentabilidade”.
  • 7. Certamente, a disputa pela apropriação e o controle da água no planeta adquire dimensões que extrapolam unicamente os interesses mercantilistas das empresas transnacionais, colocando-se como um elemento fundamental na geopolítica mundial. Está claro que o planeta necessita urgentemente de uma política global para reverter a tendência do complexo processo de desordem ecológico que, ao mesmo tempo em que acelera a dinâmica de desertificação em algumas regiões, incrementa os fenômenos de inundação produto de chuvas torrenciais em outras. As consequências devastadoras que a degradação do meio ambiente está provocando e a gravidade da situação global que tende a se aprofundar colocam em discussão a própria noção de desenvolvimento e de civilização. Os aquíferos e a preservação de ecossistemas Há muito tempo as investigações hidrológicas dos ciclos globais da água vem demonstrando que 99% da água doce acessível do planeta se encontram nos aquíferos de água doce, visíveis nos rios, lagos e capas congeladas de gelo. Estas águas constituem sistemas hídricos dinâmicos e desenvolvem seus próprios mecanismos de reposição que dependem, fundamentalmente, das chuvas. Parte deste caudal se infiltra nas rochas subjacentes e se deposita debaixo da superfície, no que se conhece como aquíferos. Os aquíferos recebem reposição das chuvas, portanto são, em sua maioria, renováveis. Dependendo do tamanho e as condições climáticas da localização dos aquíferos, o período de renovação oscila entre dias e semanas (nas rochas cársticas), ou entre anos e milhares de anos tratando-se de grandes bacias sedimentares. Em regiões onde a reposição é muito limitada (como nas regiões áridas e hiperáridas) o recurso da água subterrânea pode ser considerado como "não renovável" [3]. Os aquíferos e as águas subterrâneas que os conformam, fazem parte de um ciclo hidrológico cujo funcionamento determina uma complexa inter-relação com o meio ambiente. As águas subterrâneas são um elemento chave para muitos processos geológicos e hidroquímicos, e tem também uma função relevante na reserva ecológica, já que mantém o caudal dos rios e são a base dos lagos e dos pântanos, impactando definitivamente nos habitat aquáticos que se encontram neles. Portanto, os sistemas aquíferos além de serem reservas importantes de água doce, são fundamentais para a preservação dos ecossistemas. A identificação dos sistemas aquíferos é um requisito básico para qualquer política de sustentabilidade e gestão de recursos hídricos que permitam que o sistema continue funcionando e, do ponto de vista de nossas investigações, é imprescindível para uma análise geopolítica que procure pôr em evidência elementos estratégicos na disputa pelo controle e apropriação da água. As grandes reservas hídricas como a bacia do Congo, Amazonas, o aquífero Guarani ou os grandes lagos de África central coincidem com a existência de grandes populações em expansão e fortes conflitos étnicos e religiosos. Além disso, grande parte dos países desta região se encontram fortemente pressionados pelo sistema financeiro internacional que tenta implantar uma gestão neoliberal dos recursos hídricos através de seu pessoal técnico para os quais as estações de tratamento de água, reciclagem e construção de mecanismos que evitem a contaminação dos aquíferos são gastos supérfluos [4].
  • 8. Trata-se de um processo violento de expropriação e privatização do recurso natural mais importante para a vida. Apesar da centralidade da água potável para consumo humano, é necessário assinalar também a importância vital deste recurso para a agricultura, que afeta diretamente a soberania alimentar e para o processo industrial em seu conjunto. Os maiores aquíferos da Europa se encontram na região euro-asiática, destacando-se, por sua dimensão, a bacia Russa, mais próxima à região polar. A Europa ocidental se vê reduzida a um único aquífero de médio porte, na bacia de Paris. Em quase todos os casos, as reservas de água da Europa padecem de problemas que afetam sua qualidade, o que ampliou drasticamente o consumo de água engarrafada, que se converteu em um item obrigatório na cesta de consumo familiar [5]. A Europa registra, proporcionalmente, a maior taxa mundial de extração de água para consumo humano: do total de água que se extrai, mais de 50% é utilizada pelos municípios, aproximadamente 40% se destina à agricultura e o resto é consumido pelo setor industrial. A Ásia depende dos grandes aquíferos do norte de China e a Sibéria, mais próxima da região polar. Um dos casos mais graves é o da Índia, que junto com os Estados Unidos, tem uma das taxas mais altas de extração de água subterrânea do mundo. A América do Sul possui três grandes aquíferos: a Bacia do Amazonas, a Bacia do Maranhão e o sistema aquífero Guarani, que mais parece um “mar subterrâneo” de água doce que se estende por quatro países do cone sul: Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai. Pelo volume das reservas destes aquíferos e pela capacidade de reposição de água destes sistemas, a América do Sul representa a principal reserva de água doce do planeta. As regiões mais críticas, por ter uma reposição limitada de água (menos de 5 milímetros de chuva por ano), são: o norte de África, na região desértica do Saara; a Índia; a Ásia central; grande parte da Austrália; a estreita faixa desértica que vai da costa peruana até o deserto de Atacama no Chile e a região norte do México e grande parte da região centro-oeste dos Estados Unidos. Nestas regiões, pode-se considerar a água como recurso não renovável. A África sub-saariana, o sudeste asiático, a Europa, os Bálcãs, a região norte da Ásia e a região nor-ocidental da América do Norte registram níveis moderados de reposição de água, entre 50 e 100 mm por ano. A região de maior reposição de água do mundo é a América do Sul onde, em quase todo o território subcontinental, registram-se níveis de reposição de água maiores de 500 mm/ano, o que constitui o principal fator de abastecimento dos sistemas aquíferos da região. Esta altíssima capacidade de reposição de águas superficiais e subterrâneas é fundamental, não só para o abastecimento de água doce, mas também para a manutenção e reprodução dos sistemas ecológicos e da biodiversidade na região.
  • 9. Notas 1) Ver: Mabel Faria de Melo. “Água não é mercadoria”. Em: ALAI, 3 de abril de 2009. 2) Ver: Roberto Bissio. El derecho humano al agua. Disponível em http://alainet.org/active/39769 3) Atlas of Transboundary Aquifers. Global maps, regional cooperation and local inventories. Paris: UNESCO, p. 16. 4) TEIXEIRA, Francisco Carlos. Por uma geopolítica da água. 23 de janeiro de 2011. Disponível em http://www.tempopresente.org/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=77 , 5) Ibid. (*) Ver texto completo em: http://alainet.org/publica/473.phtml da revista “América Latina en Movimiento”, No 473, correspondente a março de 2012 e que tem como tema "Extractivismo: contradicciones y conflictividad”. (**) Monica Bruckmann é socióloga, doutora em ciência política, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Brasil) e investigadora da Cátedra e Rede UNESCO/Universidade das Nações Unidas sobre Economia Global e Desenvolvimento Sustentável - REGGEN. http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19779 http://alainet.org/active/53475