Este cordel discute os altos riscos de acidentes e mortes envolvendo motocicletas no Brasil. O autor argumenta que esses acidentes escondem problemas sociais maiores como desigualdade e violência, e critica o sistema capitalista priorizando o lucro em vez da vida humana. Ele defende mudanças estruturais como em educação, planejamento urbano e trânsito para tornar as cidades mais seguras e justas.
2. A moto e a morte
(e outras verdades
escondidas)
Paul H. Nobre de Vasconcelos Silva
Caruaru (PE), 2014
3. Capa: Lenildo Aguiar
Revisão poética: Jénerson Alves, jornalista e
cordelista, integrante da Academia
Caruaruense de Literatura de Cordel.
Catalogação na fonte: Biblioteca do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães
S586m
Silva, Paul H. Nobre de Vasconcelos.
A moto e a morte (e outras verdades escondidas) /
Paul Nobre. — Caruaru: P. H. N. V. Silva, 2014.
16 p.
ISBN 978-85-918198-0-5.
1. Literatura brasileira – poesia. 2. Literatura de
cordel. 3. Acidentes de trânsito. 4. Motocicletas. 5.
Violência. I. Título.
CDU 821.134.3(81)
4. Este cordel é dedicado a todos aqueles
que tiveram suas vidas ceifadas
prematuramente por acidente de
motocicleta. Essas mortes, na maioria
das vezes, escondem uma realidade
cruel, a exacerbação da violência
social, emblemática do contexto
socioeconômico brasileiro, que se tenta
ocultar de todas as maneiras, até
mesmo transformando as vítimas em
culpados.
5. 5
Peço ao leitor atenção
Ao meu simples versejar,
Sobre um tema tão comum
Que vê-se em todo lugar:
Acidente de moto.
É triste demais, eu noto,
Mas é preciso encarar.
Outrora, no meu lugar,
Reinava a paz com razão,
Que o jumento nos servia
De perfeita condução
E produtos transportava.
Como Gonzagão cantava:
“O jumento é nosso irmão”.
Mas a modernização
Logo influenciaria.
Troquei o jegue na moto
(Mas pense, que porcaria!)
Fiz sonhando com sucesso,
Por engolir o “progresso”
Que a mídia prometia.
6. Pra comprar aparecia
Bastante facilidade.
O IPI reduzido,
Do governo a ‘caridade’,
Tosca expressão de quimera,
Dizendo que a moto era
Sinônimo de liberdade.
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Pra fazer bico, em verdade,
A moto vira instrumento
Pra ser um mototaxista,
Ou motoboy de talento,
Funções tidas ‘pequeninas’
E ainda ganhar as ‘minas’
Com carinho e sentimento.
Porém a moto corrói,
Sendo de pranto transporte.
Engendrado no sistema,
Pilotar se torna sorte,
Abala igual terremoto,
Pois na garupa da moto
Quase sempre está a morte.
7. O governo, com mão forte,
Vetou declarando findo
O artigo 56
Do CTB, permitindo
No trânsito serpenteando
Chance de morte aumentando
E o siso diminuindo.
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Com o corre-corre infindo
Do nocivo dia-a-dia,
A morte se banaliza,
O sensível se atrofia,
O foco é mercantilista,
No mundo capitalista
A vida é mercadoria.
Já virou epidemia
Acidente violento,
Motoqueiro perde a vida
Trazendo ao clã sofrimento,
E muitos têm discursado
Que o motoqueiro é culpado
(É infame este argumento).
8. Eu concluí um momento
Pensando sobre esse assunto:
Quem compra moto tem tanta
Chance de virar defunto
Que a loja pra vender
Deveria oferecer
Um caixão e mandar junto.
Fazem do povo bestunto
Com publicidade linda.
No torpe capitalismo
A ganância nunca finda,
Os seres são desiguais,
O rico enriquece mais
E o pobre é mais pobre ainda.
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Fica a vida na berlinda
A favor do capital.
A ONU1, a OMS2
Chamam “fator casual”,
Mas é descaso, somente,
Sequela triste, doente,
Deste sistema imoral.
1 ONU – Organização das Nações Unidas
2 OMS – Organização Mundial de Saúde
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As ciências sociais
Têm o dever de estudar
Que é além do causal
E contextualizar
Correr risco é natural,
Vulnerável, estrutural,
E ver como minimizar.
Se pararmos pra pensar,
Na escola ninguém pensa,
Pois querem padronizar
E o mercado é a crença,
Qual linha de produção
Que deforma o cidadão
E repudia a diferença.
Nessa esdrúxula esfera imensa,
A vaidade é alimento,
Modelo darwiniano
Que a vida é luta, tormento,
Ou corrida de obstáculo
Que pra chegar ao pináculo
Põe o próximo em sofrimento.
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Pelo meu entendimento,
Há muitas medidas vis.
Dizia o Mestre Ariano
Observando os perfis:
“O Brasil oficial
Se difere do real”.
Há, portanto, dois Brasis.
Pelas ruas do País
Percebe-se esta discrepância:
Foram elas projetadas
Pra carros em abundância,
Os pedestres não têm vez,
Quem as concebeu, as fez
Sob o signo da arrogância.
Se nota a predominância
De injustiças cruéis.
Estrutura para bike,
Só se for pr’os coronéis.
Bom ônibus é coisa rara
E a passagem é tão cara
Que é melhor andar a pés.
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Eu exponho esses painéis
Para poder declarar
Que os acidentes de moto
Se alguém quiser explicar,
Todo o modelo mental
Desse sistema atual
Precisa modificar.
Em vez de codificar
A relação que acontece
Em homem-veículo-via,
Tem que mudar essa messe
Sem deixar nenhum resíduo
E alterar para indivíduo-
-sociedade-espécie.
O cordelista esclarece
Por meio da poesia:
Diminui-se o mal do trânsito
Se houver cidadania,
Uma nova Educação
(A qual, amplie a visão)
E nova democracia.
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Motoqueiro todo dia
Se preocupa demais:
Tem de usar capacete
E outros itens principais,
Mas o Estado que cobra
Não apresenta uma obra
Que lhe assegure e dê paz.
As autoridades mandam
Punir e fiscalizar
Como se fosse a receita
Pr’o problema amenizar
(Mas a fiscalização
Tem mazela e corrupção
Que eles querem ocultar).
Os homens não são somente
Criaturas racionais.
Somos sapiens, também demens,
Eu lhes explico, aliás
Todos nós temos razão,
E também cólera, paixão
E outros instintos brutais.
13. Quem é pra fazer não faz
E a coisa fica errada.
Avenida sem sinal,
Rua velha, esburacada,
É mais fácil acidentar-se
E depois do pobre lascar-se
Não dá pra fazer mais nada.
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É que a ótica da ‘escada’
Predomina neste pó.
Estratifica as camadas,
Do próximo não sente dó,
Há bases escravocratas
E os terríveis plutocratas3
Mantêm o status quo.
Por isso que não é só
Olhar pra cada acidente
Como uma fatalidade
Ou caso isoladamente,
Porém retrata o abismo
Que é esse capitalismo.
Temos de mudar urgente!
3 Plutocratas – os mais ricos dos ricos, que mandam
no mundo
14. O modelo atualmente
De economia e política,
Uso de solo e recursos,
Mobilidade raquítica,
Saúde e educação.
Todos setores estão
Sendo alvo de densa crítica.
Precisa uma visão crítica
Mas com a ótica definida,
A reprodução social
Precisa ser entendida
Estudando esse problema
Consolidando um sistema
Que tenha por cerne a vida.
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Para sanar a ferida
E o próximo virar igual,
Plantar o respeito mútuo
Na busca do bem total.
Ratifico o compromisso:
Eu desejo alcançar isso
Em prol do bem social.
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Autor:
Paul H. Nobre de Vasconcelos Silva, 62,
engenheiro, mestre em transportes, doutor em
saúde pública. Colaborador do LEVES -
Laboratório de Estudos de Violência em Saúde
do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães da
Fundação Oswaldo Cruz Pernambuco. Autor
do livro: Violência e morte no trânsito,
associações ignoradas na prevenção dos
acidentes com motociclistas.
paulnobre@hotmail.com
16. MANIFESTO
Nosso estudo sobre acidentes com motociclistas contempla
sete recomendações:
1. Revisão do crescimento econômico, hoje falácia de
desenvolvimento;
2. Revisão dos critérios do uso do solo. Totalmente
antidemocrático, excludente, contrários à natureza.
3. Adequação da educação, hoje acrítica e cega para a
condição humana, a identidade terrena, as incertezas, a
compreensão, as éticas.
4. Análise do atual formato de mídia e propaganda que
induz a um consumo infinito num planeta finito.
5. Transformação do ambiente de trânsito em espaço de
cidadania, com calçadas, faixas de pedestres, semáforos,
passarelas, informações, cooperação. Afinal, existem outros
atores além dos automóveis.
6. Repensar a noção de Estado que deve passar para o lado
do povo. Aceitação dos protestos, sem repressão e muito
menos uso de violência.
7. Realizar outros estudos interdisciplinares,
transdisciplinares que abordem a questão.
É impossível promover a segurança no trânsito e a
prevenção de acidentes sem pensar a reprodução social,
as relações de poder, o contexto.