O nascimento dos Colégios Universitários e da burguesia foram essenciais para que no séc. XVI os ideais humanistas do Renascimento mudassem o sistema de ensino na Europa, levando a profundas alterações sociais fortemente marcadas pela Reforma Protestante e pelo Iluminismo. No séc. XVIII serão implementadas importantes mudanças no campo pedagógico em Portugal, um país não submetido às influências da reforma protestante de Martinho Lutero, e que se manteve sob forte influência do catolicismo de Roma. Luís António Verney, burguês, jesuíta e humanista estrangeirado, verá a sua obra, o Verdadeiro Método de Estudar, como um das referências das Reformas Pombalinas. Sebastião Carvalho e Melo, também ele estrangeirado e um déspota iluminado expulsa a Companhia de Jesus do país levando a cabo a reforma pombalina dos estudos, primeiro da instrução básica e depois do que chamamos hoje ensino secundário e universitário, retirando a educação das mãos da igreja e tornando-a uma responsabilidade do estado. Foram dados os passos para a construção da escola moderna em Portugal com forte contributo direto e indireto da obra de Verney.
2. “Quem nam quer conselhos nam os-deve pedir, principalmente
em matérias literárias, e a um homem que faz profisam de
dizer a verdade.”
Luís António Verney
Luís António Verney – De Jesuíta a Iluminista, o oráculo das Reformas Pombalinas
Patrícia Valério – Licenciatura Ciências da Educação – História da Educação I – Instituto de Educação - Universidade de Lisboa
3. Novembro 2013
Luís António Verney
De jesuíta a iluminista, o oráculo das Reformas Pombalinas
PATRÍCIA VALÉRIO, História da Educação I, Instituto de Educação, Universidade de Lisboa
3
O nascimento dos Colégios Universitários e da burguesia foram essenciais para que no séc.
XVI os ideais humanistas do Renascimento mudassem o sistema de ensino na Europa,
levando a profundas alterações sociais fortemente marcadas pela Reforma Protestante e pelo
Iluminismo. No séc. XVIII serão implementadas importantes mudanças no campo pedagógico
em Portugal, um país não submetido às influências da reforma protestante de Martinho
Lutero, e que se manteve sob forte influência do catolicismo de Roma. Luís António Verney,
burguês, sujeito aos métodos de ensino jesuítas e oratorianos, um iluminista estrangeirado,
verá a sua obra, o Verdadeiro Método de Estudar, como um das referências das Reformas
Pombalinas. Sebastião Carvalho e Melo, também ele estrangeirado e um déspota iluminado
expulsa a Companhia de Jesus do país levando a cabo a reforma pombalina dos estudos,
primeiro dos estudos menores depois do que chamamos hoje ensino primário, na altura,
primeiras letras e universitário, com enfoque na Universidade de Coimbra, retirando a
educação das mãos da igreja e tornando-a uma responsabilidade do estado. Foram dados os
passos para a construção da escola moderna em Portugal com forte contributo direto e
indireto da obra de Verney. Neste ano de 2013 comemoram-se os trezentos anos, tendo sido
declarado o Ano Verney. Um tributo ao homem e à sua obra.
Luís António Verney, Companhia de Jesus, Reformas Pombalinas, Ensino
No séc. XVI o Renascimento impõe-se como uma reforma humanista do
pensamento e coloca definitivamente o homem como figura central da
humanidade. A Companhia de Jesus e a sua génese, integram alguns dos
ideais humanistas e mesclam-nos com princípios da própria igreja, elegendo a
educação como o seu principal domínio de intervenção, quer fosse no ensino
das primeiras letras, quer fosse nos estudos menores. Na Europa a par das
universidades já criadas nas principais cidades mercantis, surgem os colégios
universitários, sem os quais jamais teria havido ascensão da classe burguesa e
4. que dependeram do poder económico desta nova classe social para se
expandirem
Em Portugal é de D. João III a responsabilidade da entrada dos Jesuítas
no país. O rei entrega-lhes a gestão do Colégio das Artes, sendo este o
primeiro colégio universitário a ficar nas mãos desta ordem religiosa. Com a
sua metodologia inspirada no Modus Parisiensis1, com o seu currículo
determinado pelo Ratio Studiuorum2, os nobres e burgueses do país são
educados e instruídos sob os princípios teológicos do cristianismo, mas
começam também a ter contacto com as reformas do ensino já iniciadas na
Europa, ou pelos colégios protestantes, ou pelos colégios da Companhia de
Jesus. Luís António Verney, é um desses filhos de burgueses, que se vê
educado e instruído pelos modos da companhia de Jesus em primeira
instância, e pelos da congregação oratoriana depois, tecendo ele mesmo, no
futuro, o seu próprio caminho, optando claramente pelas influências dos
segundos. Demonstra desde cedo incompatibilização com o método de ensino
jesuíta, pois com 23 anos de idade já se encontra a estudar em Roma,
certamente incompatibilizado com o ensino ministrado em Portugal (Andrade,
1980).
É de dentro para fora que, na clandestinidade, publica o Verdadeiro
Método de Estudar, tecendo uma reflexão sobre o método de ensino Jesuíta,
propondo alterações e servindo de consultor às futuras reformas educativas
levadas a cabo, mais tarde, por Sebastião Carvalho e Melo, mais conhecido
por Marquês de Pombal. Serão os dois homens das luzes atores principais da
serie de reformas ligadas ao ensino, ainda que formas distintas.
1 O Modus Parisiensis é o conjunto de normas pedagógicas que caracterizavam o ensino parisiense e lhe conferiam
uma personalidade única e original. Como mostra Joaquim Ferreira Gomes (1995: 30), de todos os modelos
universitários disponíveis, o Modus Parisiensis era o que apresentava maior coerência, rigor e eficácia e aquele que
mais valorizava a ordem, a rapidez e a disciplina da aprendizagem, leque de características que se adaptavam
perfeitamente aos intentos normativos da docência Jesuíta.
2 Como escreve Joaquim Ferreira Gomes (1995: 35) "a Ratio não é um tratado de pedagogia, mas um código, um
programa, uma lei orgânica que se ocupa do conteúdo do ensino ministrado nos colégios e universidades da
Companhia de Jesus e que impõe métodos e regras a serem observados pelos responsáveis e pelos professores
desses colégios e universidades".
Luís António Verney – De Jesuíta a Iluminista, o oráculo das Reformas Pombalinas
Patrícia Valério – Licenciatura Ciências da Educação – História da Educação I – Instituto de Educação - Universidade de Lisboa
5. Novembro 2013
5
No âmbito da comemoração dos trezentos anos do nascimento de Luís António
Verney, evoca-se aquele que foi o autor do mais organizado ideário
programático da difusão do iluminismo em Portugal.3
Verney: burguês de instrução Jesuíta , oratoriano e Iluminista
Verney nasce em Lisboa no seio de uma família burguesa, com
antepassados nobres de ascendência francesa e recebe de imediato uma
educação intimamente católica segundo Andrade ( 1980, pp. 13,14):
Filho de droguista de origem francesa, estabelecido na Rua Nova do
Almada […], nem por isso deixava de se visionar, nos antepassados mais
longínquos, certo grau de nobreza, […] Nasceu em Lisboa a 23 de Julho
de 1713 e foi instruído nas primeiras letras e latim pelo capelão da casa
paterna, […] lendo e escrevendo perfeitamente aos seis anos de idade
Foi durante o reinado de D. João V que Verney se instala em Roma, já
em colisão com o sistema educativo ministrado pelos Jesuítas. Tendo sido
iniciado numa educação jesuíta, os seus estudos prosseguiram na
Congregação dos Oratorianos, a grande rival dos jesuítas em matéria
educativa, que ministrava um ensino mais vocacionado para a experimentação
e menos severo em termos disciplinares. A educação era o principal domínio
de intervenção dos Jesuítas, como forma de oposição ao protestantismo e os
membros da ordem regiam-se pelos votos: pobreza, castidade e obediência ao
sacerdote aos quais se junta uma obediência absoluta ao papa. (Delouche,
1992). Verney depois de frequentar o Colégio de Jesuítas de Santo Antão, o
Colégio dos Oratorianos e a Universidade de Évora (Gomes, Para a História da
Educação em Portugal - Seis Estudos, 1995) irá passar além de Roma, por
Londres e Nápoles, construindo ele mesmo o seu perfil de homem
estrangeirado e bebendo de perto dos ideais iluministas e formando a sua
própria visão do ensino, por contraste entre as várias metodologias com que
teve contacto, sem contudo se afastar da vida eclesiástica, e mantendo em
Itália, sempre contacto estreito com a doutrina católica.
3 Folha de Sala da Biblioteca Nacional de Portugal, no âmbito da Comemoração do Ano Verney, a decorrer durante
2013, com o alto patrocínio do Governo de Portugal e do Exm.º Sr. Secretário de estado da Cultura. O texto de Zulmira
Santos
6. Quando parte de Portugal, o país era claramente influenciado pela
Companhia de Jesus, sendo o ensino monopolizado por esta ordem religiosa e
todos os colégios sob forte influência escolástica. É em Roma que o mesmo
reconhece que pela primeira vez pode ser ele mesmo, e debater as suas ideias
com os outros traçando o seu próprio caminho, tendo aprendido com os erros e
aprendido como o próprio refere coisas melhores. (Andrade, 1980, p. 16). É
sem dúvida um resultado do contacto com o movimento iluminista e com a
coragem de usar a própria razão. (Gomes, Para a História da Educação em
Portugal - Seis Estudos, 1995)
Verney: o Verdadeiro Método de Estudar
Verney escreve o Verdadeiro Método de Estudar sob o pseudónimo de
um Barbadinho de uma Congregação de Itália (Verney, 1746, p. 1) ou podemos
afirmar sem referência ao autor. Podemos compreender as razões que levam a
tal acontecimento. As ideias iluministas que começaram a ser difundidas no
final do séc. XVII e se difundiram fortemente durante o séc. XVIII, chegaram
tardiamente a Portugal, porque o catolicismo estava fortemente implementado.
D. João III foi responsável por implementar definitivamente a Inquisição em
Portugal no séc. XVI quando o absolutismo emergia com uma força entre os
monarcas e havia disputa de poderes. Se por um lado convidou a Companhia
de Jesus a estabelecer-se em Portugal, confiando em alguns dos ideais
humanistas, por outro lado ao convidar a Inquisição a instalar-se no país,
permitiu o incremento do poder da Igreja, permitiu a atuação da censura,
impedindo que os ideias da modernidade chegassem a Portugal, segundo nos
relata Herculano (1907, p. 18) “[…]as declamações contra as tendências
legítimas da moderna civilização.[…]” Desta forma, subliminar, clandestina que
o Verdadeiro Método de Estudar chega ao país, contornando por várias vezes
a Inquisição e censura, e instaurando a polémica entre os eclesiásticos, sendo
que a maioria dos frades o rejeitou e excomungou. (Gomes, Para a História da
Educação em Portugal - Seis Estudos, 1995).
Luís António Verney – De Jesuíta a Iluminista, o oráculo das Reformas Pombalinas
Patrícia Valério – Licenciatura Ciências da Educação – História da Educação I – Instituto de Educação - Universidade de Lisboa
7. Novembro 2013
7
O livro é uma compilação de em dois volumes com dezasseis cartas4 que
abrangem as seguintes temáticas: Gramática Portuguesa, Gramática Latina,
Línguas Orientais, Retórica, Poesia, Filosofia, Metafísica, Ética, Medicina,
Jurisprudência Romana, Teologia, Direito Canónico e Regulamentações dos
Estudos. Nestas cartas Verney propõe uma alteração radical dos programas de
ensino, mas também das metodologias de ensino. Nas palavras do próprio
podemos depreender o que pretendia (Verney, 1746, p. 3):
Saiem à luz, Reverendísimos Padres, as cartas eruditas, de um autor
moderno, as quais até agora correram manuscritas, por algumas maons:
mas,chegando às minhas, e conhecendo eu, que podiam utilizar a muitos,
merezolvi imprimi-las. O argumento delas é este. Certo Religiozo da
Universidade de Coimbra, omem mui douto, como mostra nas suas
cartas,pediu a um Religiozo Italiano, seu amigo, que vivia em Lisboa, que
lhe-dese algumas instrusoens, em todo o genero de estudos, o que dito
Barbadinho executa, em algumas cartas: explicando-lhe em cada uma, o
que lhe-parece:e acomodando tudo, ao estilo de Portugal. Este autor
escreveo-as, sem nem menos suspeitar, que se poderiam imprimir: como
consta de alguns períodos destas, que nam imprimi: e de outras que
conservo, em que declara com mais individuasan, o motivo desta
correspondência: e explica varias coizas, que aqui nam se-acham. Onde,
para consolar o dito autor, que não sei se ainda vive, e fazer o que
dezejava; nam imprimi senam as que me-parecèram necesarias: e ainda
nestas ocultei os nomes dos correspondentes, e de algumas pessoas,
que nelas se-nomeavam, parecendo-me justo e devido nam revelar os
segredos, das correspondencias particulares: principalmente quando
podia conseguir o fim, de utilizar o Publico sem prejuízo de terceiro.As
cartas encadeiam tam bem umas com outras, que se-podem chamar, um
método completo de estudos, podem servir para todos, mas
especialmente sam proporcionados ao estilo de Portugal.
Como se pode constatar Verney propõe um método completo de estudos,
de influência marcadamente humanista e iluminista, adequado à realidade
portuguesa, os valores das Luzes. Desde logo, à partida, está claramente ciente
dos entraves, nomeadamente por parte da igreja, colocados face a estas ideias
vindas de fora. Por isso, as cartas, são sobretudo dirigidas aos padres, pois
eram estes grandes responsáveis pela instrução, (Verney, 1746, p. 1):
4 No trabalho efetuado há referência a oito cartas, publicadas e disponíveis no Arquivo Digital da Biblioteca Nacional e
disponível em formato eletrónico, de forma livre, na página da instituição.
8. Aos Reverendíssimos Padres Mestres, da Venerável Religiam da
Companhia de Jezuz, no Reino e, Domínio de Portugal.
O livro, escrito como o próprio autor refere, para ser útil ao estado e á
igreja, é de modo evidente, dirigido aos eclesiásticos da Companhia de Jesus,
instituição tutelar da instrução no país, como já referido. Não podemos deixar de
parte que ele próprio foi fruto desse mesmo ensino jesuíta, quer no ensino das
primeiras letras, quer no Colégio de Santo Antão. Tendo posteriormente
contactado com a Congregação do Oratório, torna-se premente o
desenvolvimento do seu descontentamento face à metodologia jesuíta.
Desenvolve como estrangeirado, as suas própria reflexões, críticas dedicando-se
a evocar mudanças, propondo soluções claras, detalhadas e objetivas, como
ser verá ao longo de cada uma das cartas.
A forma como difunde as suas ideias, polémica e expositiva, levam a
uma concretização da qual tem verdadeiramente a noção. (Andrade, 1980) O
autor pretendia claramente alterar o cunho predominantemente cristão do
ensino para um registo mais moderno e científico de acordo com os ideais
iluministas que predominava na Europa. O objetivo era derrubar definitivamente
a pedagogia escolástica jesuíta e enredar pelo caminho da razão, sem contudo
ignorar o hábito e a doutrina, apenas reformando-a, e dando-lhe um novo
sentido.
Verney vai longe e procura difundir questões que à luz da atualidade nos
surgem como indispensáveis e prioritárias: o estudo da língua portuguesa e de
outras línguas importantes na europa, por serem as línguas dos humanistas,
como o Francês e o Italiano; a educação intelectual da mulher; a igualdade na
religião; a moderação da intervenção pública da Inquisição e de outras formas
de censura; a restruturação sob a alçada do estado do ensino secundário e
universitário.
Se Verney foi o teórico, como se pode constatar, mais tarde o Marquês de
Pombal será que vai colocar muitas das propostas em prática e levar a cabo a
Reforma do Ensino, com forte influência das ideias iluministas, sem contudo
defender, à luz do seu despotismo iluminado, uma educação para todos. As
escolas criadas não eram para todos, e apenas destinadas a alguns. A
Luís António Verney – De Jesuíta a Iluminista, o oráculo das Reformas Pombalinas
Patrícia Valério – Licenciatura Ciências da Educação – História da Educação I – Instituto de Educação - Universidade de Lisboa
9. Novembro 2013
9
instrução elementar deveria ser feita por caridade e pelos homens da doutrina,
para o catecismo. (Gomes, 1980, pp. 79-80)
As oito cartas de Verney: proposta à alteração do ensino em Portugal
As oito cartas escritas por Verney, pertencentes ao Tomo I, do Verdadeiro
Método de Estudar, são, como o próprio refere, novos métodos e conteúdos
adaptados à realidade portuguesa, e aos seus olhos, úteis aos estado e à
igreja. As oito cartas disponíveis no exemplar analisado do Verdadeiro Método
de Estudar, enfocam na importância do ensino da Gramática Portuguesa e do
ensino da língua materna, passando pela crítica à forma como a Gramática
Latina era ensinada em Portugal, propondo novas metodologias, passando
pelo ensino de outras línguas orientais, essenciais para a compreensão das
disciplinas clássicas, como o caso do Grego e do Hebraico, ou para o contacto
com os percursores das novas formas de conhecimento científico, como o caso
do Francês e do Italiano. Também a Filosofia desperta diversas reflexões,
começando por criticar o ensino de filosofia nas universidades portuguesas,
que segundo o autor prejudica em grande parte o estudo de outras ciências
como a Física, a Matemática e a Medicina. É dado um especial destaque à
Retórica, sendo-lhe atribuída especial importância na dinamização da atividade
comercial, e não apenas como ferramenta à mercê de oradores religiosos
portugueses e não deixa de tecer críticas a P. António Vieira. Não é esquecida
a Poesia, que Verney classifica de facultativa e de cariz recreativo, devendo ser
apenas ensinada a quem revelasse especial interesse e talento nela.
O estudo da língua materna facilitaria o da latina, ambas fundamentais
para o prosseguimento dos estudos universitários. (Andrade, 1980, p. 17) Esta
linha orientadora é clara logo na Carta I dedicada à necessidade do ensino da
gramática Portuguesa. A Gramática é a porta dos outros estudos; o primeiro
princípio de todos os estudos deve ser a Gramática da própria língua. (Verney,
1746, pp. 5-8) Não só a Gramática Portuguesa, mas também a Latina deve ser
ensinada em português, como aliás refere na Carta II (Verney, 1746, p.
61):”[…] A Gramática Latina para os Portuguezes deve ser em Portuguez.
[…]”A justificação para tal facto poderá relacionar-se com a educação dada no
seio da família nomeadamente pelas mulheres, que, no séc. XVIII pouca ou
10. quase nenhuma instrução recebem. Na Carta I é dada em detalhe a justificação
para tal facto (Verney, 1746, p. 5):
Os primeiros mestres das línguas vivas, comummente são mulheres, ou gente
de pouca literatura: de que vem que se-aprende a própria língua com muito
erro, e palavra impropria, e pola maior parte palavras plebeias. É necessário
emendar com estudo, os erros daquela primeira doutrina.
Chama a atenção para o fato de ser necessária uma Gramática curta e
clara, por oposição à conceção de Bluteau5 que ele classifica como enfadonha
e extensa. Ao longo de várias páginas propõe detalhadamente metodologias
para o ensino da correta ortografia portuguesa. A primeira carta, termina
inclusivamente com o pedido expresso do abandono do livro de Bluteau, sem
contudo deixar de elogiar o seu contributo para o país, por compor um
dicionário que não existia até então. As críticas são sobretudo fundamentadas
na extensão da obra, no tamanho das explicações em latim e nas citações
supérfluas e no facto de não serem distinguidas “não distinguir as palavras
boas de algumas plebeias” (Verney, 1746, p. 57). A terceira carta descreve
orientações sobre o uso a dar à Gramática Latina, sobretudo como forma de
aceder aos autores clássicos, às versões originais das grandes obras escritas
em latim. Dito isto, Verney chama a atenção da forma desigual como o latim é
ensinado aos rapazes, traduzindo obras desadequadas à idade e ao nível de
ensino, e criando confusão dos alunos, tal é a diversidade de estilos e falta de
formação adequada (ou desinformação) dos mestres. (Verney, 1746, p. 77).
Podemos aqui deduzir uma clara crítica uma vez mais às metodologias e
conteúdos usados pela Companhia de Jesus no ensino do latim. Podemos
constatar essa questão de forma clara, quando o autor fala da crueldade,
nomeadamente no Colégio das Artes, primeiro a ser entregue aos Jesuítas,
das palmatoadas dadas aos principiantes, que não entendem logo à partida e
de forma clara a língua latina. Para resolver esse problema é proposta a
seguinte solução. (Verney, 1746, p. 80):
Devia o mestre ensinar o discípulo, compor bem uma oração
portugueza breve, uma carta, um comprimento, ou uma coiza
semelhante. Para isso tem o estudante, toda a faculdade possível,
5 Raphael Bluteau era um clérigo da Ordem de S. Caetano, que chega a Portugal em 1668, vindo do Colégio de
Jesuítas de Clermont. Quando a Real Academia de História é fundada em 1710, D. João V ordenou-o académico
número um e mandou que fossem impressas todas as suas obras. Foi responsável em 1712 (apesar de só ter sido
totalmente impresso em 1721) pela compilação e escrita do Vocabulário Portuguez e Latino, o primeiro dicionário de
Língua Portuguesa em dez volumes, que é oferecido ao rei.
Luís António Verney – De Jesuíta a Iluminista, o oráculo das Reformas Pombalinas
Patrícia Valério – Licenciatura Ciências da Educação – História da Educação I – Instituto de Educação - Universidade de Lisboa
11. Novembro 2013
11
porque o faz em uma língua que sabe: e na qual o mestre pode
claramente mostrar-lhe os erros. Quando o estudante soubesse
fazer isso bem, então lhe-aconselhava que a convertese em latim,
deixando-lhe toda a liberdade de compoziçam. Emendando os
erros de gramática, emendaria os erros e lhe mostraria a
diferença que á, entre estas duas línguas”
Esta aprendizagem considera Verney essencial para aceder aos
originais de Geografia, História e Cronologia, e nesse aspeto é forte a crítica à
ausência de homens verdadeiramente doutos em latim. Termina esta Carta III
fazendo referência a todos os locais na Europa onde se praticam bons estudos:
Londres, Amsterdão, Paris, Leiden, Roma, Nápoles, Pádua, Bolonha, Piza
entre outros. Devido a esse ensino, e a um particular gosto pelas Ciências e
pelas Artes, disciplinas mestras na Antiguidade, é referido o seguinte: (Verney,
1746, p. 111)
[…] Do que se manifestamente se prova que, onde se ensina
bem, sempre á homens grandes: e que onde os não á, é uma
prova manifesta de mao método, de quem ensina.
A importância das línguas orientais, como o Grego e o Hebraico para a
Teologia e a Filosofia, e o Francês e o Italiano para ser erudito com facilidade
são destacados na Carta IV, dedicada à importância das línguas. Considera
esse ensino muito desprezado em Portugal, e que o Grego e o Hebraico são
totalmente desconhecidos nas universidades portuguesas. Chama a atenção
uma vez mais da importância destas línguas para os próprios teólogos e outros
homens ligados á doutrina, para que possam aceder às obras originais;
considera também extremamente importante para os médicos, para
compreender a Anatomia de Hipócrates, Galeno e Areto de Capadócia; para a
leitura de grandes obras como a Ilíada de Homero e os poetas Eurípides e
Sófocles. Nas suas próprias palavras: (Verney, 1746, p. 122)
A importância de aprender Francês e Italiano para poder ler, as
maravilhosas obras que nestas línguas se tem composto, em
todas as ciências.
Para completar os estudos das escolas baixas, segundo Verney, há que
instruir os alunos em Retórica, e é ao ensino da Retórica que são dedicadas as
Cartas V e VI. A primeira sobre uma nova forma de aprender a disciplina, a
12. outra sobre a origem da verdadeira Retórica, como usá-la e reflexões sobre um
dos maiores oradores portugueses da Companhia de Jesus, o Padre António
Vieira6. Ressalva a importância da retórica, criada para persuadir os povos.
Salienta a forma como é negligenciada no país, devido ao facto de como as
outras disciplinas, ser lecionada em latim, e por isso, apenas servir para
sermões em latim. É de extrema importância salientar o destaque dado por
Verney à utilização prática da retórica, não apenas ao serviço da doutrina, mas
a importância de persuadir para o comércio (Verney, 1746, p. 152)
[…] a importância que se acha e serve para o comércio, é de
extrema necessidade e não apenas para a cadeira ou púlpito.[…]
Fugir das retóricas comuns, questão já várias vezes mencionada, ressalva a
importância do ensino da retórica na língua vernácula, o português. A
importância para formar Pregadores, Advogados, Historiadores da existência
de Retórica Portuguesa impressa, algo que é totalmente inexistente. Para
Verney, a “boa” Retórica deve estar presente numa carta familiar, numa poesia,
na história e num discurso.
O mau uso da Retórica pelos pregadores, nomeadamente Jesuítas, é
pessoalizado na figura do Padre António Vieira, ao qual reconhece (Verney,
1746, p. 209)
[…]ingenho, mas que segui-se outro estilo, seria um grande
omen, quando porem nam se ocupa-se com o argumento, da
história do futuro[…]
É uma clara oposição aos ideais Jesuítas e aos valores principais transmitidos
pela Companhia de Jesus. Não é tanto a característica da sua Retórica que é
criticada, mas segundo se pode extrapolar das suas palavras, os argumentos
que utiliza. Verney aponta o dedo a todos os chamam Vieira de “Mestre do
Púlpito”, “Príncipe dos Oradores”, porque tendo sido ele um religioso estimável,
não foi o mestre dos oradores da época e sobre isso, podemos encontrar uma
referência direta ao assunto: (Verney, 1746, p. 214)
6 Padre António Vieira, nasceu em Portugal e foi para a Baía em 1619, onde o seu pai era escrivão. Recebeu instrução
no Colégio dos Jesuítas de Salvador no Brasil e ingressou na ordem em 1623. Depois de passar por uma carreira
diplomática, foi nomeado com D. João IV foi nomeado embaixador e pregador régio. Escreveu mais de 200 sermões,
700 cartas, além de tratados proféticos, relações, entre outros (Paiva, 1999)
Luís António Verney – De Jesuíta a Iluminista, o oráculo das Reformas Pombalinas
Patrícia Valério – Licenciatura Ciências da Educação – História da Educação I – Instituto de Educação - Universidade de Lisboa
13. Novembro 2013
13
[…] Orador que se quiser avultar-se no mundo literário, deve
deixar os Sermoários Portuguezes ou Espanhois e seguir a
estrada da Eloquência […]
As Cartas VII e VIII debruçam-se sobre a Poesia e a Filosofia, a primeira
é criticada continuamente ao longo de toda a carta, pois para Verney a poesia
não é algo extremamente necessário, aliás chega a criticar o ensino da mesma
aos rapazes, como se de algo necessário se tratasse para compreender o
latim, e critica a dramatização e o teatro realizados pelos rapazes, que
considera ridícula e humilhante. (Verney, 1746, p. 272). O ensino da poesia
deve ser arbitrário e para divertimento, pelo que só quem demonstrar interesse
deve estudá-la, quem não manifestar deverá ocupar o seu tempo com coisas
mais úteis para a sociedade. Uma outra crítica deixada aos poetas
portugueses, nomeadamente a Camões, a quem critica a forma e o estilo, por
ser contrário aos melhores modelos da Antiguidade, dizendo em “escrever boa
poesia é dizer bem subtilezas e inventar coisas que a ninguém ocorressem”. A
poesia deverá ser uma arte poética, como uma viva descrição das coisas, e
não uma invenção.
Relativamente à Filosofia refere que as escolas de filosofia são más e
com pior método que as escolas baixas, ou seja, que as escolas de primeiras
letras. O mau ensino da filosofia prejudica o ensino das demais ciências como
a Medicina e a Teologia. Luís António Verney assume-se como não cartesiano,
mas não deixa de destacar o trabalho de Descartes, como tendo sido um
grande contributo para a Matemática, com temas até ali nunca antes
abordados. Neste sentido critica em Portugal o desprezo por estudos
estrangeiros, muitos deles por oposição da igreja, como sendo os estudos de
Galileu Galilei e do próprio Descartes, pois estes abriram as portas a outros,
para a reforma das Ciências.
Há também num outro lote de cartas, que perfaz um total de dezasseis,
a acrescentar às oito já mencionadas, um resumo do que já foi descrito como
as suas premissas para um verdadeiro método de estudo, mas com especial
enfoque nas mulheres, contestando a sua inferioridade e fazendo reforço á
necessidade de terem estudos, porque em muitos casos, como já foi referido,
são as primeiras responsáveis pela transmissão de conhecimentos,
nomeadamente da língua portuguesa. (Verney, 1746)
14. […] Quanto à necessidade, eu acho-a grande que as mulheres
estudem. Elas, principalmente as mães de família, são as nossas
mestras nos primeiros anos da nossa vida […]
Estas cartas mostram-nos que os tempos tinham mudado e este ideário de
Verney influenciará muitos e acelerará a curiosidade até à adoção dos ideais
iluministas. Mesmo entre os Jesuítas, nem todos os censuraram em absoluto,
visto que eles mesmos mudaram alguns dos programas. (Andrade, 1980, p. 71)
Verney desenvolve as suas ideias dando mais enfase ao poder civil em
detrimento do poder religioso. Estas considerações estão detalhadas nas
Cartas, IX, X, XI, XII, XIII XIV, XV e XVI. Há nelas uma clara defesa da
participação do homem para a nação, defendendo as suas ideias propostas
nas primeiras oito cartas, reforçando todas as propostas. Será ele o oráculo
mais fecundo do Marquês de Pombal, o gérmen da reforma do ensino.
(Andrade, 1980)
Verney, o Marquês de Pombal e as Reformas Pombalinas
O Marquês de Pombal foi sendo inteirado dos movimentos renovadores
que já floresciam por toda a Europa. Tal como Verney ele foi um estrangeirado,
passando por capitais europeias, como Viena e Londres, fecundas nos ideais
iluministas, como embaixador do país, contactando com altas instâncias e
como a tertúlia europeia da idade das Luzes. Por isso é perfeitamente válido
pensar, que mesmo sem o Verdadeiro Método de Estudar, o séc. XVIII seria
um século de profundas mudanças. Contudo a presença de Verney e a sua
obra, trouxeram novidades em muitas questões fundamentais e precipitaram os
acontecimentos. (Andrade, 1980) Já D. João V se foi deixando influenciar pelos
que o rodeavam, o que foi permitindo um desenvolvimento cultural que fosse
de encontro às ideias modernas defendidas pelos estrangeirados. (Martins &
Monteiro, 2011) Nesse sentido D. João V concedeu algumas regalias à ordem
dos Oratorianos, como já referido, opositores dos métodos agressivos e
punitivos dos Jesuítas, começando assim o fim do monopólio da Companhia de
Jesus no que se refere à educação, pois a Congregação do Oratório foi
autorizada a ministrar o ensino. Recorde-se que o próprio Verney recebe além
da sua formação jesuíta, formação no Colégio dos Oratorianos. O luxo e a
Luís António Verney – De Jesuíta a Iluminista, o oráculo das Reformas Pombalinas
Patrícia Valério – Licenciatura Ciências da Educação – História da Educação I – Instituto de Educação - Universidade de Lisboa
15. Novembro 2013
15
ostentação em que vários grupos da sociedade portuguesa viviam na época
prejudicaram a economia de um país, que se endivida. É este o cenário que
após a subida de D. José I ao poder, caracteriza o país
Quando Sebastião José de Carvalho e Melo foi nomeado primeiro-ministro
pelo Rei D. José I, este já estava consciente do atraso português face
ao panorama europeu, devido ao seu já referido percurso como estrangeirado,
exercendo funções diplomáticas. Quando ascende ao poder, podemos afirmar
que dá inicio ao despotismo esclarecido no país, uma das doutrinas filosóficas
do iluminismo. Verney foi um dos teóricos, também ele estrangeirado, que
influenciou Pombal. Teve o mérito de claramente estabelecer, no Verdadeiro
Método de Estudar, uma comparação entre o que se passava em Portugal e no
resto da Europa, propondo orientações claras sobre que caminho devia seguir
o ensino no país, de forma a entrar em confluência com os demais países.
Quando o Marquês e o seu governo chegam ao poder determinam as suas
prioridades: restabelecer o controlo nacional sobre todas as riquezas que iam
para Lisboa, vindas dos domínios ultramarinos de Portugal e insurgir-se contra
os poderes de algumas famílias nobres, como os Távoras7, e a igreja que tinha
como poder, o monopólio do ensino no país. Começam a ser perseguidos os
judeus, e os membros da Ordem dos Jesuítas, entre eles, o Padre Malagrida8.
A expulsão dos Jesuítas é determinante para colocar o ensino sob a
alçada do estado e retira-lo da alçada da Igreja. Quando foram expulsos em
1759 os Jesuítas possuíam cerca de quarenta colégios e por decreto, todos
esses foram considerados extintos e foi ordenada uma “geral reforma do
ensino” (Gomes, 1980, pp. 10-11) É nesta altura que se aponta para o contacto
do Marquês de Pombal com a obra de Verney, que foi publicada ainda Pombal
se encontrava em Viena. (Gomes, 1995)
7 A 13 de Janeiro de 1759, foram executados, acusados de estarem implicados no atentado ao rei D. José I, ocorrido
uns meses antes, a 3 de Setembro de 1758. Após um processo sumário, a sentença final, proferida a 12 de Janeiro de
1759 no Palácio da Ajuda, considerou o veredicto que todos os réus eram, de facto, culpados (Arquivo Nacional da
Torre do Tombo)
8 Gabriel Malagrida foi um padre Jesuíta Italiano, que foi missionário no Brasil e pregador em Lisboa. Veio a ser
condenado como herege no processo dos Távora, tendo sido queimado na fogueira em pleno Rossio. Após o
Terramoto de 1755 redigiu uma pequena obra “Juízo da Verdadeira Causa do Terramoto” em que atribuía a causa do
mesmo a um castigo divino. Pombal não gostou e condenou-o ao desterro, onde era visitado por vários nobres, entre
eles membros da família dos Távoras. No âmbito desse processo foi denunciado à Inquisição como falso profeta e
impostor. (Torres, 1915)
16. Primeira Fase da Reforma Pombalina dos Estudos
Neste ano de 1759, inicia-se a primeira fase da Reforma Pombalina dos
Estudos. Esta é claramente dirigida aos estudos menores, que estavam na
maioria sob a alçada dos jesuítas e eram ministrados nos seus colégios. Com a
sua expulsão, ficou para resolver um problema imediato, pois todos colégios
jesuítas são encerrados. Foi nomeado um Diretor dos Estudos, colocando
assim o enfoque no poder civil, que determinou que se abrissem classes de
Gramática Latina em todos os bairros lisboetas e nas vilas das províncias.
(Gomes, 1995)
Como já vimos Verney chama a atenção nas suas cartas para a
importância do ensino uniformizado da gramática latina. Podemos deduzir a
uniformização desse estudo, pelo facto de nenhum professor poder ensinar
sem a aprovação e licença do Diretor dos Estudos. Também a Retórica, à qual
Verney dedica das Cartas V e VI passou a ser ensinada por dez professores
públicos nas principais cidades, quatro deles em Lisboa, dois no Porto,
Coimbra e Évora e um em cada uma das principais cidades e vilas. Passa a ser
obrigatório fazer um exame de Retórica para aceder aos estudos universitários.
Chama-se a atenção a importância salientada por Verney relativamente a esta
disciplina, que considera fundamental em muitas áreas, desde académicas a
práticas, como a vida e família, atividades comerciais, e no estudo rigoroso das
ciências.
Como abordado nas cartas do Verdadeiro Método de Estudar, o Latim, a
Retórica e as Línguas Orientais, como o Grego e o Hebraico, eram
determinantes sob a perspectiva de Verney e no mesmo ano de 1759, foram
publicadas as Instruções para os professores de Gramática Latina, Grega e
Hebraica e Instruções de Retórica para dar uma “boa educação e ensino à
mocidade” e com recurso “às melhores regras da Ortografia (…) que compôs o
nosso Luís António Verney, breve e exacta” Esta influência verneiana não é
contudo direta, mas através de um padre oratoriano, José Caetano de
Mesquita, influenciado pelas ideias iluministas de Verney. (Andrade, 1980). Dos
quatro professores nomeados Comissários pelo Diretor Geral dos Estudos, não
havia um que não tivesse claras influências das ideias e propostas de Luís
Luís António Verney – De Jesuíta a Iluminista, o oráculo das Reformas Pombalinas
Patrícia Valério – Licenciatura Ciências da Educação – História da Educação I – Instituto de Educação - Universidade de Lisboa
17. Novembro 2013
17
António Verney, o que realça ainda mais essa influência indireta das suas
ideias nas Reformas Pombalinas. (Gomes, 1980)
Nesta fase é também restruturado o Colégio Real dos Nobres de Lisboa,
destinado à educação da classe nobre, de encontro as preconizações de
Verney no Verdadeiro Método de Estudar.
Segunda Fase da Reforma Pombalina dos Estudos
Verney chama a atenção nas suas primeiras cartas, para o ensino do
português e o ensino das primeiras letras. Este ensino já era feito em Portugal,
mas tradicionalmente competia à família ou a membros do clero. Na maioria
era feita por caridade, caso houvesse mestres disponíveis para o fazer, de
outra forma, não o fariam.
Na segunda fase das reformas, que se dedicou á reforma do ensino das
primeiras letras futuro ensino primário e hoje primeiro ciclo do ensino básico, o
Marquês de Pombal tomou a decisão, de planear pela primeira vez em
Portugal, uma rede de escolas pública, que cobriria as povoações principais.
Foi determinante o papel da recém criada Real Mesa Censória9, que pela
primeira vez em Portugal representa uma instituição responsável pelo
planeamento de um projeto educativo. (Gomes, 1980, p. 14) O ensino das
primeiras letras está presente na Carta da Lei de 6 de Novembro de 1772, no
artigo V:
[…] ensinar não somente a boa forma dos caracteres , mas
também as regras gerais da otografia portuguesa e o que
necessário for da sintaxe dela, para que os seus respectivos
discípulos, possam escrever correcta e ordenadamente.[…]
A “escolarização das sociedades” é, pois, uma tarefa árdua, lenta e
extremamente cara (Candeias, 1995) e como já foi abordado, o Marquês de
Pombal encontrou o estado afundado em dívidas. Para financiar quer os
ensinos menores, quer as Universidades, criou em 1772 o Subsidio Literário,
de forma a ter meios para pagar aos professores, que no entanto se
9 A Real Mesa Censória foi criada por Alvará de 5 Abril de 1768, com o objectivo de transferir, na totalidade, para o
Estado a fiscalização das obras que se pretendessem publicar ou divulgar no Reino, o que até então estava a cargo do
Tribunal do Santo Ofício, do Desembargo do Paço e do Ordinário. O primeiro presidente, nomeado em 22 de Abril de
1678, foi D. João Cosme da Cunha (ou de Nossa Senhora da Porta, o conhecido Cardeal da Cunha), arcebispo de
Évora, do Conselho de Estado, regedor das Justiças, e que seria nomeado inquisidor-geral em 1770. Por Alvará de 4
de Junho de 1771, foi confiada à Real Mesa Censória a administração das escolas de Estudos Menores do Reino,
incluindo o Colégio dos Nobres, para cujas despesas foi lançado um novo imposto, designado por subsídio literário.
18. multiplicaram pelo país, pelos diversos graus de ensino. É uma medida
inovadora em toda e europa, pelo que representa uma estratégia visionária da
figura de Pombal. Uma vez mais esta reforma é convergente com as ideias
vernianas,
[…] em cada rua grande, ou ao menos bairro, uma escola do
público, para que todos os pobres pudessem mandar lá os seus
filhos […]
A nova universidade de Coimbra também fez parte da segunda fase das
Reformas, e estava nos planos do Marquês desde que assumiu o cargo de
ministro do rei, mesmo antes da expulsão dos jesuítas do país. Para levar a
cabo a reforma da Universidade, preocupa-se também com dois assuntos
muito verneianos – as ciências e os métodos de as ensinar.
Para isso é criada a Junta de Previdência Literária por Carta Régia de 23
de Dezembro de 1770, cujo objetivo era atuar no estado decadente da
instituição e zelar pela “fundação dos bons e depurados estudos das Artes e
Ciências, que depois de mais de um século, se acham infelizmente destruídos “
(Gomes, 1980)
A elaboração do Compêndio Histórico, sobre os estragos feitos no
ensino das ciências pelos Jesuítas, foi claramente inspirada no Verdadeiro
Método de Estudar, quer no que se refere à Teologia, quer à Filosofia, Física e
Medicina e serviu como suporte para a criação dos novos Estatutos da
Universidade de Coimbra, compilados em três volumes, destinados ao Curso
Teológico, aos Cursos Jurídicos e aos Cursos de Ciências Naturais e
Filosófica, que foram assinados pelo rei na Carta de Roboração de 28 de
Agosto de 1772. São os intervenientes neste processo, que mais referem
Verney claramente nos seus escritos, facto que se pode compreender, pelo
facto de se tratarem na sua maioria de membros da congregação do Oratório.
Citam-no nove vezes, através de menções diretas à sua obra. (Gomes, 1995,
p. 77)
Todos os alvarás, decretos e cartas, a criação da Real Mesa Censória,
da Junta de Previdência Literária, do cargo de Diretor Geral dos Estudos, e o
incentivo às ideias experimentais, com a criação de várias instituições, como o
Luís António Verney – De Jesuíta a Iluminista, o oráculo das Reformas Pombalinas
Patrícia Valério – Licenciatura Ciências da Educação – História da Educação I – Instituto de Educação - Universidade de Lisboa
19. Novembro 2013
19
Hospital Escolar, o Teatro Anatómico, o Dispensatório Farmacêutico, o Museu
de História Natural, o Gabinete de Física Experimental, o Laboratório Químico,
o Observatório Astronómico e o Jardim Botânico, representam todas as ideias
que Verney defende ao longo das suas Cartas, e noutras obras. (Gomes, 1980)
São um exemplo concreto da abertura do país à ciência e ao progresso.
Estava-se perante uma rutura epistemológica determinante para a construção
cultural do país, e evolução das metodologias pedagógicas.
De lembrar que a criação de escolas, levou a que as populações
pedissem mais escolas (Gomes, 1980), e esse acordar para a importância da
educação foi devido ao impulso dado por Pombal, e está preconizado nas
insistentes alusões de Verney à importância da educação dos homens, para
que possam ser “uteis à República” como escreve na introdução do seu
Método.
Reflexão
Deve ser salientado que foi um estadista como Pombal, que conseguiu
na época, ainda que com o uso da força, da punição e da segregação (dos
Jesuítas), passar a educação para a responsabilidade do estado e retirá-la do
domínio do poder escolástico. Toda a sua obra é notável, ainda que sejam
discutíveis os seus métodos e as suas motivações.
As influências de Verney, e do Verdadeiro Método de Estudar, são
maioritariamente indiretas, muito pelo reboliço que provocou o eco das suas
obras, quer por renegação de uns, quer por admiração de outros. É
determinante o seu contacto com os jesuítas e com os oratorianos, mas
sobretudo a sua experiência como homem do mundo e da europa. Neste
sentido Verney foi um dos que promoveram a mudança, dentro de certas
coordenadas, da cultura tradicional. Pombal também seguiu a mesma direção,
desviando-se de alguns pressupostos antigos, criando o embrião do estado
Moderno, que só se levará a cabo no séc. XIX, com as reformas estruturais da
sociedade.
20. Poucas vezes na história de Portugal, dentro da área pedagógica, houve
tanta polémica provocada por uma obra, como a que foi gerada pelo
Verdadeiro Método de Estudar. O projeto cultural que pretendeu ver posto em
prática pelo rei e pelo Marquês de Pombal, acabou por ser concretizado de
alguma forma, e segundo Banha de Andrade, por duas vias diferentes: pela
polémica gerada pela obra e pela exposição que este faz das suas ideias das
suas ideias. Tinha plena consciência das dificuldades de enfrentar os valores
instituídos da época, num país dominado pelo poder de Roma. Verney dispôs-se
a desconstruir essa influência cristã e a destruir a pedagogia escolástica
apostando na implementação do pensamento moderno e científico, e
analisadas as reformas, podemos concluir, que de uma forma indireta alcança
muitos dos seus objetivos. Procurou o estudo da língua portuguesa e de outras
línguas vivas, a educação intelectual da mulher, a igualdade entre cristãos, a
reforma do ensino secundário e superior sob o domínio do Estado.
O projeto de Verney não foi contudo aceite na íntegra por ninguém. A
sua obra deixou contudo marcas nas instituições portuguesas a médio prazo,
apesar de pouca gente se declarar seu seguidor. Por alguma razão a nação
portuguesa, lhe presta durante o presente ano, uma clara homenagem, pelo
tricentésimo aniversário do seu nascimento, tendo sido 2013 declarado o Ano
Verney. É uma prova do reconhecimento da importância da sua pessoa e da
sua obra, num claro contributo para a história do país.
Luís António Verney – De Jesuíta a Iluminista, o oráculo das Reformas Pombalinas
Patrícia Valério – Licenciatura Ciências da Educação – História da Educação I – Instituto de Educação - Universidade de Lisboa
21. Novembro 2013
21
Bibliografia
Andrade, A. A. (1980). Verney e a projecção da sua obra - Biblioteca Breve /
Volume 49. Venda Nova - Amadora - Portugal: Instituto da Cultura
Portuguesa.
Candeias, A. (1995). Educação, Estado e Mercado no Século XX. Lisboa:
Edições Colibri.
Delouche, F. (1992). História da Europa. Coímbra: Livraria Minerva.
Gomes, J. F. (1980). O Marquês de Pombal e as Reformas do Estado (2.ª
Edição ed.). Coimbra: Instituto Nacional de investigação Científica.
Gomes, J. F. (1995). Para a História da Educação em Portugal - Seis Estudos.
Porto: Porto Editora.
Herculano, A. (1907). História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em
Portugal. Lisboa: Livraria Bertrand.
Martins, M. J., & Monteiro, M. M. (2011). A educação em Portugal no século
XVIII: das luzes à reforma pombalina da Universidade de Coimbra.
Didactica da História. Lisboa: Universidade de Lisboa, Faculdade de
Letras.
Paiva, J. P. (1999). Padre Antonio Vieira 1608-1697. Lisboa: Biblioteca
Nacional.
Torres, J. R. (1915). Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico,
Bibliográfico, Numismático e Artístico, Volume IV. Portugal.
Verney, L. A. (1746). O Verdadeiro Método de Estudar. Valença: Oficina de
Antonio Balle.
Referências Impressas
Verney, L. A. (1746). O Verdadeiro Método de Estudar. Valença: Oficina de
Antonio Balle.
Referências Eletrónicas
www.google.com – Motor de pesquisa Google
22. www.bnportugal.pt – Página da Biblioteca Nacional de Portugal
http://purl.pt/index/livro/PT/index.html - Coleções Digitalizadas da Biblioteca Nacional
http://repositorio.ul.pt/ - Repositório da Universidade de Lisboa
http://sibul.reitoria.ul.pt/ - Sistema Integrado das Bibliotecas da UL
http://www.scielo.org – Scientific Electronic Library Online
http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/jesuitas -
Departamento de Educação da Universidade de Lisboa
http://antt.dgarq.gov.pt – Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Luís António Verney – De Jesuíta a Iluminista, o oráculo das Reformas Pombalinas
Patrícia Valério – Licenciatura Ciências da Educação – História da Educação I – Instituto de Educação - Universidade de Lisboa
23. Novembro 2013
23
Anexos
Ilustração 1 – Postal Comemorativo emitido pelos CTT no âmbito dos 300 anos do nacimento de
Luís António Verney
24. Ilustração 2 - Primeiro Volume do “Verdadeiro Método de Estudar”
Luís António Verney – De Jesuíta a Iluminista, o oráculo das Reformas Pombalinas
Patrícia Valério – Licenciatura Ciências da Educação – História da Educação I – Instituto de Educação - Universidade de Lisboa
25. Novembro 2013
25
Ilustração 3 – Segundo Volume do “Verdadeiro Método de Estudar”