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Mar das Deslembranças


       Q Q
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Roteiro & Ilustração
Pedro F. Sarmento
  pedrofsarmento.com




   Q   Q
Q   Q
           Este livro é um desdobramento
do Projeto Conclusão do curso de Design da PUC-Rio.


  E teve como orientador Gonçalves Gamba Junior
           e como tutor Marcelo Pereira.



                  Q   Q
Q   Q
                       Agradecimentos
Irene Milhomens, Gamba Junior, Felipe Vianna, Marcelo Pereira,
          N ina Martins, Luiz Sarmento, Vânia Lúcia,
                 Érico José, Maria Acselrad,
                 “Garnizé”, Helder Vasconcelos



                        Q   Q
Q   Q
Mas quem é que sabe para onde vai Seu Ambrósio?
     Do fim do mundo, ao retorno de tudo?

      Mas onde você vai, Seu Ambrósio?
Contar os contos dos mouros, em outros logradouros?

   Mas onde, homem, diga logo, Seu Ambrósio!
    Vender ideia de lá, comprar ideia para cá.
        Vou me arranjar onde tiver fuá!

                  Q   Q
om dia, boa tarde, boa noite,              É que é dia de festa, aqui em minha casa.
 boa de manhãzinha, Capitão!
           Boa hora em que chegaste,   Ora, agora que vejo todo
             Mestre Ambrósio!           esse povo sentado a nos olhar.
Mas para que me
 chamou, Capitão?
E comida, tem aqui?
     Tem! Pão, carneiro assado, batata...
                   E música, tem?
                            Ora se tem, veja!
                              O rabequeiro, o pandeirista....
   E mulher, tem?
         E não tem?
           Olha a Carminha, olha a Maria...




                                                                Então tá tudo certo!
                                                                  Aqui vou cair!
                                                                  Comer, dançar
                                                                     brincar!
Mas tá faltando,
 tá faltando, tá falt...
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                                    Isso!
                      Não...          Tão faltando
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     Não...
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    aqui por perto mesmo... Nem cheiro!
                   Tão faltando as ideias pra botar!
                         O povo tava esperando isso....
                  Mas ideia tá em falta hoje em dia,
                           sabe, essas coisas são raras!
                      Ô, Mestre Ambrósio, claro que tem!
                       Sei que o senhor é vivido, é sabido,
                    é     é estudado, é doutorado,
                             é proscrito, é defenestrado,
                                é desmaiado, é concate...
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Quero um quilo, dois daquilo,
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de ideias qual
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Viu?
                  Ver, eu vi, mas não conheci!
Conhecer mesmo, a gente só conhece a si mesmo... quando conhece!
               Quero aquela ideia assim assado!
           Assado sim. Vou querer o carneiro assado!
                        Mas a ideia não!
                     Quero ideia molhada,
                          ideia de mar,
                           essa aqui...
                              Quer
                               ver
                              mais?
                              Quero!
                           Então bula
                              que eu
                              boto!
Chico!
Chico não era o melhor pescador do povoado,
  nem o mais bonito e nem o mais sabido.
   Mas Clara via nas cores de seus olhos,
              tudo isso e mais...
             Via as coisas que só
        as mulheres compreendem.




               Coisas que,
           quando ditas ao ar,
         se esvaem de sentido.
           Clara não diz nada.
   Nada que destoe a harmonia daquele
          silencioso momento.
Chico não era o melhor cantor do povoado,
         nem o mais dedicado violonista
               ou afinado intérprete.
Mas que suor sussurrado entre pele e corda gotejava
     aquele timbre salgado de madeira rouca
             em puro estalido mudo?
                   Cortejo vazio
           sibilado entre dentes agudos
                   distendido de
                     um miúdo
                        grão
                         de
                         ar
                          .
                          .
                          .
Nas cordas do ondulado violão,
        as toadas dedilhadas por calos incertos,
               por vezes oferecidas a tantas
       e tão formosas cabrochas e, mesmo assim,
    Clara era só feita canção, a única cantada assim.
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                        e sonhava.
Sonhando,
     aquela Noite sentiu algo de Chico,
         algo que Chico nunca havia
             pensado em pensar.
   Coisa assim, que só mesmo Noite pensa.
   E a cada onda quebrada na areia da praia
     um baque se embolava em seu peito.
      E a cada espuma espraiada em areia
    uma incerteza pulsava no dedo do pé.
E para cada Chico, que era tranquilo e alegre, este
     agora pensava tudo ao mesmo tempo,
      como se quisesse entender o mundo
          naquele derradeiro momento.
           E Chico foi ter com o Mar.
Chico!
E o Mar foi ter com Chico.
A aurora despertou Chico ondulante num triste deserto azul,
        quando num bater de asas o vento lhe disse

            Você sabe por que está aqui, Chico?
                            Não...
      Existem laços, laços tão antigos como o mundo.
      O Mar pertence a Chico e Chico é filho do mar.
                           Laços?
                 Laços não me importam.
               Tenho é que voltar para casa.
          Chico acha que precisa retornar à terra.
              Mas, na verdade, Chico nunca foi,
                   nunca saiu das ondas
                           do mar.
Os dias passaram e todos os seres continuaram seus afazeres.
  Alguns pescaram, alguns plantaram e alguns bordaram.
 Mas o peixe se estragou, a terra secou, o bordado se desfez
             e as cigarras choraram por Chico.

                      Mas Clara não.
        Jamais as ouvia e teimava em rondar a praia
               esperando seu amado voltar.
Como estão todos?
Desolados, Chico. Mas o tempo irá restabelecer a vida de volta a seu lugar.
         Será? Acho que ninguém sabe ao certo... E Clara, viu ela?
        Chico, você sempre quer saber tudo, né? Por isso se magoa.
          Se nega a me dizer, é porque ela deve estar sofrendo...
Não se pode ter tudo, Chico. Cada escolha feita corresponde a algo perdido.
                     Foi sempre assim. E sempre será.
        Entenda, Odoyá minha mãe, não posso deixar Clara assim.
       Seus irmãos o esperam. Cedo ou tarde você terá de escolher,
                              sabe disto.
                       Minha escolha já foi feita.
Nisto, que cada grão de areia revolveu seus vazios
    distendendo espaço para aquela madeira oca
                   que, por mais vazia que fosse,
                            não tinha cabimento,
                  as ondas retraíram suas caudas
                  despejando tudo no descabido
                               em que água desfaz
                                 e areia se recolhe.
E por toda a noite Clara ficou neste descabimento de remexer os vazios da areia
no desfazer d’água em vão que escorria no rosto. E a pele se formou de vão.
E o vão em som de pele. Rufadas de tambores aguados no profundo salgado do mar
                          num eterno instante que a Lua revelou a Clara.
Clara via tudo. Via as coisas que só as mulheres compreendem.
            Coisas que, quando ditas ao ar, se esvaem de sentido.
De um sentido vago, esboçado em granuladas reminiscências trazidas além mar,
    Clara ouviu as toadas de Chico junto à espuma dos antigos tambores,
            qual eterna ciranda de rouca peleja entre água e areia.
                    Chico tinha ido encontrar seus irmãos.
             Irmãos que por crueldade foram atirados às águas
               e lá formaram um quilombo no fundo do mar.
Clara só não havia previsto o último pedido de Chico ao Mar.
Ao raiar do sol, as ondas levaram todas suas lembranças do mundo.
      Para Clara, era como se Chico nunca houvesse existido.

             Cada passo distraído na areia da praia,
                       os grãos apagaram.
               Cada olhar sibilado em leve gracejo,
                         o vento desfez.
            E cada lágrima de Clara em pele morena,
                         o tempo secou.
Tá chorando, Capitão?
  Besta! É suor! Suor porque tá quente!
  Agora o Capitão já viu e já conheceu.

Ver, eu vi, mas conhecer só a nós mesmos,
             como você disse...
     Mas Capitão tá se conhecendo!
            A mim mesmo?
     A si mesmo como a mim, oras!
       Mas deixa disso que agora
         vou dançar, me alegrar
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       Mas não pode, não pode!
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Mar das Deslembranças (Parte 01)

  • 1.
  • 2. Q Q Mar das Deslembranças Q Q
  • 3. Q Q Roteiro & Ilustração Pedro F. Sarmento pedrofsarmento.com Q Q
  • 4. Q Q Este livro é um desdobramento do Projeto Conclusão do curso de Design da PUC-Rio. E teve como orientador Gonçalves Gamba Junior e como tutor Marcelo Pereira. Q Q
  • 5. Q Q Agradecimentos Irene Milhomens, Gamba Junior, Felipe Vianna, Marcelo Pereira, N ina Martins, Luiz Sarmento, Vânia Lúcia, Érico José, Maria Acselrad, “Garnizé”, Helder Vasconcelos Q Q
  • 6.
  • 7.
  • 8. Q Q Mas quem é que sabe para onde vai Seu Ambrósio? Do fim do mundo, ao retorno de tudo? Mas onde você vai, Seu Ambrósio? Contar os contos dos mouros, em outros logradouros? Mas onde, homem, diga logo, Seu Ambrósio! Vender ideia de lá, comprar ideia para cá. Vou me arranjar onde tiver fuá! Q Q
  • 9. om dia, boa tarde, boa noite, É que é dia de festa, aqui em minha casa. boa de manhãzinha, Capitão! Boa hora em que chegaste, Ora, agora que vejo todo Mestre Ambrósio! esse povo sentado a nos olhar. Mas para que me chamou, Capitão?
  • 10. E comida, tem aqui? Tem! Pão, carneiro assado, batata... E música, tem? Ora se tem, veja! O rabequeiro, o pandeirista.... E mulher, tem? E não tem? Olha a Carminha, olha a Maria... Então tá tudo certo! Aqui vou cair! Comer, dançar brincar!
  • 11. Mas tá faltando, tá faltando, tá falt... A cachaça? As ideias do pensar? Isso! Não... Tão faltando O oxigênio do ar? essas coisas... Não...
  • 12. Tô olhando, tô olhando... e não tem nenhuma ideia aqui por perto mesmo... Nem cheiro! Tão faltando as ideias pra botar! O povo tava esperando isso.... Mas ideia tá em falta hoje em dia, sabe, essas coisas são raras! Ô, Mestre Ambrósio, claro que tem! Sei que o senhor é vivido, é sabido, é é estudado, é doutorado, é proscrito, é defenestrado, é desmaiado, é concate...
  • 13. Tá certo, tá certo! E o senhor paga pela ideia? Quanto o senhor quer? Quero um quilo, dois daquilo, mais três do novilho e quatro da navalha que ficam cinco de toda tralha! E vale, num vale? Tá válido! Vê no saco de ideias qual que lhe agrada mais.
  • 14. Viu? Ver, eu vi, mas não conheci! Conhecer mesmo, a gente só conhece a si mesmo... quando conhece! Quero aquela ideia assim assado! Assado sim. Vou querer o carneiro assado! Mas a ideia não! Quero ideia molhada, ideia de mar, essa aqui... Quer ver mais? Quero! Então bula que eu boto!
  • 15.
  • 17. Chico não era o melhor pescador do povoado, nem o mais bonito e nem o mais sabido. Mas Clara via nas cores de seus olhos, tudo isso e mais... Via as coisas que só as mulheres compreendem. Coisas que, quando ditas ao ar, se esvaem de sentido. Clara não diz nada. Nada que destoe a harmonia daquele silencioso momento.
  • 18. Chico não era o melhor cantor do povoado, nem o mais dedicado violonista ou afinado intérprete. Mas que suor sussurrado entre pele e corda gotejava aquele timbre salgado de madeira rouca em puro estalido mudo? Cortejo vazio sibilado entre dentes agudos distendido de um miúdo grão de ar . . .
  • 19. Nas cordas do ondulado violão, as toadas dedilhadas por calos incertos, por vezes oferecidas a tantas e tão formosas cabrochas e, mesmo assim, Clara era só feita canção, a única cantada assim. Leve, Clara se observava naquelas finas notas flutuantes e sonhava.
  • 20. Sonhando, aquela Noite sentiu algo de Chico, algo que Chico nunca havia pensado em pensar. Coisa assim, que só mesmo Noite pensa. E a cada onda quebrada na areia da praia um baque se embolava em seu peito. E a cada espuma espraiada em areia uma incerteza pulsava no dedo do pé. E para cada Chico, que era tranquilo e alegre, este agora pensava tudo ao mesmo tempo, como se quisesse entender o mundo naquele derradeiro momento. E Chico foi ter com o Mar.
  • 21.
  • 23. E o Mar foi ter com Chico.
  • 24.
  • 25. A aurora despertou Chico ondulante num triste deserto azul, quando num bater de asas o vento lhe disse Você sabe por que está aqui, Chico? Não... Existem laços, laços tão antigos como o mundo. O Mar pertence a Chico e Chico é filho do mar. Laços? Laços não me importam. Tenho é que voltar para casa. Chico acha que precisa retornar à terra. Mas, na verdade, Chico nunca foi, nunca saiu das ondas do mar.
  • 26. Os dias passaram e todos os seres continuaram seus afazeres. Alguns pescaram, alguns plantaram e alguns bordaram. Mas o peixe se estragou, a terra secou, o bordado se desfez e as cigarras choraram por Chico. Mas Clara não. Jamais as ouvia e teimava em rondar a praia esperando seu amado voltar.
  • 27. Como estão todos? Desolados, Chico. Mas o tempo irá restabelecer a vida de volta a seu lugar. Será? Acho que ninguém sabe ao certo... E Clara, viu ela? Chico, você sempre quer saber tudo, né? Por isso se magoa. Se nega a me dizer, é porque ela deve estar sofrendo... Não se pode ter tudo, Chico. Cada escolha feita corresponde a algo perdido. Foi sempre assim. E sempre será. Entenda, Odoyá minha mãe, não posso deixar Clara assim. Seus irmãos o esperam. Cedo ou tarde você terá de escolher, sabe disto. Minha escolha já foi feita.
  • 28. Nisto, que cada grão de areia revolveu seus vazios distendendo espaço para aquela madeira oca que, por mais vazia que fosse, não tinha cabimento, as ondas retraíram suas caudas despejando tudo no descabido em que água desfaz e areia se recolhe.
  • 29. E por toda a noite Clara ficou neste descabimento de remexer os vazios da areia no desfazer d’água em vão que escorria no rosto. E a pele se formou de vão. E o vão em som de pele. Rufadas de tambores aguados no profundo salgado do mar num eterno instante que a Lua revelou a Clara.
  • 30. Clara via tudo. Via as coisas que só as mulheres compreendem. Coisas que, quando ditas ao ar, se esvaem de sentido. De um sentido vago, esboçado em granuladas reminiscências trazidas além mar, Clara ouviu as toadas de Chico junto à espuma dos antigos tambores, qual eterna ciranda de rouca peleja entre água e areia. Chico tinha ido encontrar seus irmãos. Irmãos que por crueldade foram atirados às águas e lá formaram um quilombo no fundo do mar.
  • 31. Clara só não havia previsto o último pedido de Chico ao Mar. Ao raiar do sol, as ondas levaram todas suas lembranças do mundo. Para Clara, era como se Chico nunca houvesse existido. Cada passo distraído na areia da praia, os grãos apagaram. Cada olhar sibilado em leve gracejo, o vento desfez. E cada lágrima de Clara em pele morena, o tempo secou.
  • 32. Tá chorando, Capitão? Besta! É suor! Suor porque tá quente! Agora o Capitão já viu e já conheceu. Ver, eu vi, mas conhecer só a nós mesmos, como você disse... Mas Capitão tá se conhecendo! A mim mesmo? A si mesmo como a mim, oras! Mas deixa disso que agora vou dançar, me alegrar e desregrar até o sol raiar! Mas não pode, não pode! Olha esse povo todo, tem que ter mais ideia pra botar!