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EDITORIAL
                                                                                                                                                 



                                                                      Que país é esse?
                                                             O
                                                                       nde as mulheres são forçadas a ser mãe, pai, chefe e arrimo da
                                                                       família, se obrigando a uma jornada dupla, e por vezes tripla, de
                                                                       trabalho para garantir uma vida mais digna e um futuro melhor
                                                             para seus filhos.
                                                             Que sociedade é essa?
                                                             Que ainda teima em ser patriarcal, apesar de todas as evidências em con-
                                                             trário, infligindo às mulheres toda sorte de violência, humilhação, descaso,
                                                             desonra e desmando.
                                                             Essa é a pátria, que freqüenta as manchetes e as páginas policiais do dia-
                                                             a-dia. Porque, a mátria, essa mãe gentil, oferece a todos – independente de
                                                             raça, credo ou gênero – oportunidades iguais de vencer e ser feliz.
                                                             E é essa realidade que as páginas da nossa Mátria trazem a você. São histó-
                                                             rias de vida, de mulheres que estão vencendo o preconceito no mercado de
                                                             trabalho e ombreando com os homens na conquista dos cargos de chefia.
                                                             De mulheres que invadiram o “Clube do Bolinha” para mostrar que também
                                                             são boas de braço nas ocupações até então restritas ao universo machista.
                                                             Mais ainda, de mulheres que viraram a mesa e deram um basta nas agres-
                                                             sões e nos maus-tratos amparadas em lei criada, especificamente, para de-
                                                             fendê-las.
                                                             Mátria mostra ainda a força da fé de mulheres que fazem da solidariedade
                                                             uma ferramenta de inclusão social para crianças carentes e suas mães; re-
                                                             vela a intimidade de atletas consagradas internacionalmente e que, inter-
                                                             namente, dão o próprio suor pelas causas sociais, sem esperar medalhas ou
                                                             reconhecimento.
                                                             Nesta edição será mostrada, também, a dura realidade de educadoras e edu-
                                                             cadores que, de uma hora para outra, perdem a saúde, o foco e o interesse
                                                             de ensinar, numa síndrome conhecida como burnout. E a triste realidade de
                                                             mulheres jovens e bonitas que o desespero, os maus caminhos e as drogas
                                                             colocaram atrás das grades.
                                                             Mas as grandes vitórias femininas também são comemoradas. Vitórias em
                                                             todos os campos, do campo e da cidade, na educação de base ao ensino
                                                             médio, nas cotas das universidades, nas urnas de todo o País, na saúde, na
                                                             doença, na riqueza e na pobreza. E principalmente na reconquista da digni-
                                                             dade de ser, acima de tudo, mulher.
                                                             Um orgulho que já atravessa dois séculos de lutas e conquistas, e que come-
                                                             çou com uma menina, nascida num município perdido no meio do nordeste
                                                             e que ganhou o mundo com sua obra e seus ideais, mas sobretudo com um
                                                             imenso amor pelo Brasil. Porque nosso país é este.
                                                             Boa leitura!

                                                             Direção Executiva da CNTE
CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação                                                                              Mátria
                                                                                                                        Março de 2007
VIOLÊNCIA




                 Lei Maria da Penha
                 Mulheres armadas contra a violência



                                                        A
                                                                 lguém       que    bem mais penas pecuniárias, como
                                                                                    o pagamento de multa ou doações
                                                                 nunca sofreu
                                                                                    de cestas básicas. Sua pena pode
                                                                 uma agressão
                                                                                    variar de três meses a três anos de
                                                         seria capaz de imagi-
                                                                                    reclusão. Diante de mulheres em
                                                        nar a dor, ou de pesar
                                                                                    situação de violência e com risco
                                                        os sentimentos de rai-
                                                                                    de morrer, juízes têm 48 horas para
                                                       va, impotência e humi-
                                                                                    determinar medidas que vão desde
                                                    lhação que abatem uma
                                                                                    a saída do agressor do domicílio e a
                                                   mulher vítima de violência?
                                                                                    proibição de sua aproximação física
                                                 Sentimentos esses potenciali-
                                                                                    da vítima, ao direito de a mulher re-
                                              zados diante do preconceito de
                                                                                    aver seus bens.
                                          parte da sociedade, que ainda pre-
                                                                                             A lei mais rígida se fez ne-
                                          fere não meter a colher numa bri-
                                                                                    cessária perante o silêncio das víti-
                                          ga entre casais, ou de profissionais
                                                                                    mas em face de evidências chocan-
                                          despreparados para receber e orien-
                                                                                    tes concluídas em estudos sobre o
                                          tar as vítimas? Provavelmente, não.
                                                                                    tema. Pesquisa da Fundação Perseu
                                                  O cenário parece desolador,
                                                                                    Abramo (voltada à formação po-
                                          mas desde 22 de setembro de 2006
                                                                                    lítica e ao debate dentro e fora do
                                            a mulher que se vê parte dele con-
                                                                                    Partido dos Trabalhadores) divul-
                                              ta com uma importante arma
                                                                                    gada em 2001 apontava para mais
                                              de defesa: a Lei Federal nº 11.340,
                                                                                    de dois milhões de ocorrências de
                                            nomeada Lei Maria da Penha. Ela
                                                                                    violência doméstica e familiar por
                                          tipifica e define a violência domés-
                                                                                    ano, no País. Dentre as formas mais
                                          tica e familiar contra a mulher; cria
                                                                                    comuns, destacavam-se a agressão
                                          mecanismos para coibi-la; dispõe
                                                                                    física branda sob a forma de tapas
                                          sobre a criação de Juizados de Vio-
                                                                                    e empurrões, sofrida por 20% das
                                          lência Doméstica e Familiar contra
                                                                                    mulheres; a violência psíquica, com
                                          a Mulher; possibilita a prisão em
                                                                                    xingamentos e ofensas morais, so-
                                          flagrante do agressor e impõe mais
                                                                                    frida por 8%, e as ameaças, vividas
                                          rigor à punição. Aborda o tema po-
                                                                                    por 15% delas.
                                          lêmico com a firmeza que merece,
                                                                                             Em pouco tempo, a Lei
                                          mas que não era aplicada até então.
                                                                                    Maria da Penha contribuiu para a
                                                  Pela nova legislação, este tipo
                                                                                    mudança de postura das vítimas,
                                          de crime deixou de ser considerado
                                                                                    que passaram a denunciar agres-
                                          de menor poder ofensivo (com pe-
                                                                                    sões com mais freqüência. No Rio
                                          nas de até dois anos) e saiu dos do-
                                                                                    Grande do Sul, por exemplo, as de-
                                          mínios dos Juizados Especiais Cri-
                                                                                    núncias aumentaram em quase
                                          minais. Agora, o agressor pode ser
                                                                                    50% nas Delegacias Especializadas
                                          preso em flagrante, ou ter prisão
                                                                                    de Atendimento à Mulher (Deams),
                                          preventiva decretada, e já não ca-
                                                                                     CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
             Março de 2007
    Mátria
VIOLÊNCIA
                                                                                                                                                      



     “AS AGRESSÕES EM NÚMEROS”

     Confira os principais resultados da pesquisa de opinião “Percepção e reações da sociedade sobre a violência
     contra a mulher”, realizada pelo Ibope para o Instituto Patrícia Galvão, em maio de 2006 (antes da aprovação
     da Lei nº 11.340). Foram realizadas 2.002 entrevistas em 142 municípios, com brasileiros de 16 anos de idade
     ou mais:

       O ciúme é o segundo motivo para agressões contra mulheres. Em primeiro lugar, para 8% da popu-
     lação, os homens agridem as mulheres após o consumo de bebidas alcoólicas;
       De 2004 a 2006, aumentou o nível de preocupação com a violência doméstica em todas as regiões do
     País, menos no Norte/Centro-Oeste que já tem o patamar mais alto (6%). Na periferia das grandes
     cidades, esta preocupação passou de 4% , em 2004, para 56% , em 2006;
        5% relataram conhecer ao menos uma mulher que foi ou é agredida pelo companheiro;
        65% acreditam que atualmente as mulheres denunciam mais quando são agredidas; ou porque es-
     tão mais informadas (46%) ou porque são mais independentes (5%);
        64% dos entrevistados defendem prisão para os agressores.

nos primeiros 30 dias de vigência.                           no Federal, que atende pelo número          que a violência doméstica é inacei-
Em Pernambuco, estado líder em                               180, passou a funcionar 24 horas e          tável, mas não se pode apenas re-
casos de morte de mulheres por                               a contar com 20 pontos de atendi-           forçar as providências punitivas. É
companheiros – em 2006 foram 291                             mento, além de 60 atendentes ao             preciso entender que a cidadania
– em apenas cinco dias foram regis-                          invés dos antigos oito.                     não pode acabar na porta de casa”,
trados 13 flagrantes. O Judiciário                                   Bárbara Musumeci, mestre            ressalta Bárbara, que foi Subsecre-
também mudou, criando até o mês                              em Antropologia Social, doutora em          tária Adjunta de Segurança Pública,
de novembro de 2006, 40 juizados                             Sociologia pelo Iuperj e autora do li-      presidente do Conselho de Segu-
especializados em violência domés-                           vro Mulheres Invisíveis: violência conju-   rança da Mulher e Subsecretária de
tica, só no Distrito Federal, Santa                          gal e novas políticas de segurança alerta   Segurança da Mulher do Governo
Catarina, Mato Grosso e no Pará. A                           em seu trabalho para a urgência do          do Estado do Rio de Janeiro (atuan-
Central de Atendimento à Mulher                              combate à violência doméstica: “É           do especificamente com violência
em situação de violência, do Gover-                          preciso sinalizar para a sociedade          doméstica).


    Com um investimento de mais de R$ 30 milhões, entre 2003 e 2006, o Governo Federal trabalhou forte na ampliação do
    número de serviços de atendimento à mulher vítima de violência. Promoveu a capacitação dos agentes públicos para
    acolher essas mulheres e estimulou a mudança dos instrumentos jurídicos e formais. Hoje, há Centros de Referência de
    atendimento à mulher em 90% das capitais brasileiras e em 25% das cidades com mais de 100 mil habitantes, três vezes
    mais do que há quatro anos. Uma política que, segundo a Ministra Nilcéia Freire, da Secretaria Especial de Políticas para
    as Mulheres, permitiu a ampliação do atendimento às mulheres em situação de violência, de 34.994, em 2002, para
    80.424, em 2006.
    Uma das grandes dificuldades das mulheres no enfrentamento à violência, segundo a Secretaria é o acesso à Justiça.
    “Uma de nossas ações foi o fortalecimento e a criação das Defensorias Públicas de Atendimento à Mulher. Já são 12
    integrando a rede de atendimento à mulher” destaca.

CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação                                                                                   Mátria
                                                                                                                             Março de 2007
VIOLÊNCIA
4


                           Ainda há muito a discutir
                   A Lei Maria da Penha foi




                                                                                                                                                                                                                               Foto: Domingos Tadeu/PR
             aprovada em 7 de agosto do ano
             passado, pelo presidente da Re-
             pública Luiz Inácio Lula da Silva.
             Seu projeto foi elaborado por um
             grupo interministerial, a partir de
             um anteprojeto de organizações
             não-governamentais como Arti-
             culação de Mulheres Brasileiras,
             Cfemea (Centro Feminino de Estu-
             dos e Assessoria), Cladem (Comitê
             Latino-americano e do Caribe para
             a Defesa dos Direitos da Mulher),
             Themis (Assessoria Jurídica e Estu-
             dos de Gêneros) e Advocaci (organi-
             zação não-governamental que tem
             como objetivo o uso estratégico do
             Direito como instrumento de inter-                                                   Presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante sanção da lei que torna mais rígida a punição para violência contra a mulher.
             venção nas políticas públicas para
                                                                                   acima de tudo protege a mulher,                                        e moral). Além disso, faz com que
             a promoção e a defesa dos direitos
                                                                                   pois define o que é a violência do-                                    União, estados e municípios traba-
             humanos).
                                                                                   méstica e estabelece seus tipos (físi-
                   “Um processo democrático                                                                                                               lhem na prevenção, no combate e
             deu início à lei que é punitiva, mas                                  ca, psicológica, sexual, patrimonial                                   na erradicação dos casos”, cita Gley-
                                                                                                                                                          de Selma da Hora, coordenadora da
Divulgação




                                                                                                                                                          Advocaci e integrante da Articula-
                                                                                                                                                          ção de Mulheres Brasileiras.
                                                                                                                                                                   O maior desafio agora é
                                                                                                                                                          fazer valer a Lei no 11.340, que para
                                                                                                                                                          Gleyde está em fase de amadureci-
                                                                                                                                                          mento. “É preciso capacitar e sen-
                                                                                                                                                          sibilizar os policiais para o melhor
                                                                                                                                                          atendimento das vítimas nas dele-
                                                                                                                                                          gacias, superar divergências ideoló-
                                                                                                                                                          gicas junto ao Poder Judiciário e à
                                                                                                                                                          maior parte da população que ainda
                                                                                                                                                          encara a violência doméstica como
                                                                                                                                                          um problema particular do casal.
                                                                                                                                                          Ainda temos muito o que discutir,
                                                                                                                                                          e divulgar a lei é fundamental. In-
                                                                                                                                                          clusive, para que se possa avaliar os
                                                                                                                                                          seus efeitos”, pondera.
             Para Gleyde Selma da Hora é preciso capacitar policiais para oferecer um melhor atendimento às vitimas de violência

                                                                                                                                                            CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
                          Março de 2007
              Mátria
VIOLÊNCIA
                                                                                                                                                                           5


                   Em nome da justiça




                                                                                                                                                                           Divulgação
       O nome Maria da Penha, que                            escritora. Hoje, aos 61 anos, ela quer
identifica e populariza a Lei de Vio-                        reeditar Sobrevivi. Posso contar. “Es-
lência Doméstica e Familiar contra a                         crever este livro foi a minha carta
Mulher, tem dono, ou melhor, dona.                           de alforria, pois enquanto escrevia
A cearense Maria da Penha Maia.                              me livrava das mágoas. Não penso
Em 1983, ela foi ameaçada duas                               mais no que passei. Se for preciso
vezes pelo marido, o professor uni-                          lembrar de alguma coisa, recorro
versitário Marco Antônio Herredia,                           ao livro”, brinca, aliviada, depois de
com arma e eletrochoque. Acabou                              tudo o que passou.
baleada pelas costas. Na ocasião, ela                               Maria da Penha aproveita para
tinha 38 anos e três filhas entre 6 e                        resumir a maneira ideal de lidar com
2 anos de idade.                                             os casos de violência. “Atrás de cada
       As investigações começaram                            olho roxo existe um homem frouxo.
em junho do mesmo ano, mas a de-                             Violência contra a mulher é crime.
núncia só foi apresentada ao Minis-                          Denuncie 0800-850015. Quando a
tério Público Estadual em setembro                           violência contra a mulher acaba, a
de 1984. Num Brasil ainda sem di-                            vida recomeça.”                                                    Maria da Penha: símbolo da luta feminina
retrizes específicas, houve demora
                                                                                                        A LEI
no julgamento e Maria acionou a
Comissão Interamericana de Direi-                              Como era                                        Hoje
                                                                Não existia lei especifica sobre a violência  Tipifica
tos Humanos da Organização dos                                                                                            e define a violência doméstica e
                                                                 doméstica contra a mulher.                      familiar contra a mulher.
Estados Americanos (OEA), que em
                                                                Não                                            Determina que a violência doméstica con-
                                                                    tratava das relações de pessoas do
2001 condenou o Brasil com base                                  mesmo sexo.                                     tra a mulher independe de orientação se-
na Convenção Interamericana para                                                                                 xual.

                                                                Aplicava                                       Retira dos Juizados Especiais Criminais a
Prevenir, Punir e Erradicar a Vio-                                          a Lei dos Juizados Especiais
                                                                 Criminais para os casos de violência do-        competência para julgar os crimes de vio-
lência Contra a Mulher, de 1994. “Só                             mestica. Estes juizados julgam os crimes        lência doméstica contra a mulher.
                                                                 com pena até dois anos (menor potencial
me senti recompensada com a con-                                 ofensivo).
denação. Dela surtiram a mudança                                Permitia a aplicação de penas pecuniárias  Proíbe a aplicação dessas penas.
                                                                 como as de cestas básicas e multa.
da legislação e a implementação da
                                                                A mulher podia desistir da denúncia na de-  A mulher somente poderá renunciar peran-
disciplina Direitos Humanos, a par-
                                                                 legacia.                                        te o juiz.
tir do ensino fundamental. Este foi
                                                                A lei não utilizava a prisão em flagrante do  Possibilita a prisão em flagrante.
o saldo positivo do meu sofrimen-                                agressor.

                                                                Não previa a prisão preventiva para os cri-  Altera
to”, lembra.                                                                                                            o Código de Processo Penal para
                                                                 mes de violência doméstica.                     possibilitar ao juiz a decretação da prisão
       Demorou, mas em outubro de                                                                                preventiva quando houver riscos à integri-
                                                                                                                 dade física.
2002, Herredia foi condenado a oito
                                                               A                                              A
anos de prisão. Cumpriu dois deles                                 mulher vítima de violência doméstica,            mulher deverá estar acompanhada de
                                                                 em geral, ia desacompanhada de advoga-          advogado ou defensor em todos os atos
em regime fechado e agora se bene-                               do ou defensor público nas audiências.          processuais.
ficia do semi-aberto. Maria da Penha                            A pena para o crime de violência domésti-  A     pena do crime de violência doméstica
                                                                 ca era de 6 meses a 1 ano.                      passará a ser de 3 meses a 3 anos.
então tomou mais fôlego e tornou-se
                                                                A violência doméstica contra mulher por-  Se a violência doméstica for cometida con-
símbolo da luta feminina. De vítima
                                                                 tadora de deficiência não aumentava a           tra mulher portadora de deficiência, a pena
passou à militante que mais vibrou                               pena.                                           será aumentada em 1/3.
com a aprovação da Lei nº 11.340, e
CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação                                                                                                      Mátria
                                                                                                                                              Março de 2007
PRESIDIÁRIAS
6                                                                                     Reportagem: Ana Paula Domingues / Foto: Gil Rodrigues



                 Jovem, bonita, classe média... e presa
                 Penitenciárias do Brasil abrigam quase dez mil detentas. A maioria optou pelo tráfico por
                 influência de amigos, companheiros ou por necessidade de sobrevivência



    O
           Brasil tem quase dez mil presidiárias, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do
           Ministério da Justiça. Em um dos maiores presídios do País, o Talavera Bruce, no complexo de Bangu, no Rio
           de Janeiro, estão encarceradas 340.
    Segundo Marcos Pinheiro da Silva, Diretor do Talavera Bruce, 60% da população carcerária feminina, em média,
    têm sido condenadas por envolvimento com o tráfico. Muitas guardam o mesmo perfil: jovens, bonitas e de classe
    média. Mas há as que entram por esse caminho por influência dos companheiros, de amigos ou por necessidade de
    sobrevivência. Muitas chegam ao ponto de fazer pequenas cirurgias para carregarem drogas dentro do corpo.
    “Esse quadro existe de uns 15 anos para cá por conta da participação das mulheres em seqüestros. Como houve uma
    reação muito forte a esse tipo de crime, elas migraram para o tráfico de drogas”.
    As causas para tantas mulheres no mundo do crime, porém, foram mudando. Para o diretor, os problemas sociais
    que o País enfrenta também contribuem para o aumento dos números. “O companheiro, que trabalha para a boca de
    fumo, acaba preso ou morto. A mulher, em busca de renda, entra para o tráfico, transportando e vendendo droga
    para criar os filhos. Assim, ganha dinheiro e fica perto da família.”
    Mesmo envolvida com o tráfico, dificilmente a mulher ocupa um cargo de chefia. “Nessa hierarquia, já está prevista
    uma substituição automática por outro homem. Não se vê mulheres liderando o tráfico; elas, geralmente, trabalham
    como ‘mulas’ (transportam a droga) ou vendedoras”.
    Nos últimos anos, o número de mulas quintuplicou. Esse fenômeno tem, pelo menos, três explicações: os traficantes
    acreditam que as jovens de boa aparência contam com maior condescendência da polícia. Outra é o aumento da
    máfia nigeriana, que atua em associação com os produtores de cocaína na Colômbia. Seus integrantes se especia-
    lizaram em recrutar belas brasileiras para levarem cocaína para a Europa e, de lá, voltarem com ecstasy. Daí surge o
    terceiro motivo; com a Lei do Abate, que permite ao governo atacar aviões suspeitos , os traficantes pulverizaram
    suas remessas tanto na entrada quanto na saída, em vez de usar um pequeno avião, com grande quantidade.


            No vai-e-vem da rota do tráfico   preferem contratar desempregadas,          dinheiro. Grande maioria das presi-
    internacional entre o Brasil e a Euro-    pois, para muitas delas, entre per-        diárias é abandonada na cadeia. O
    pa, muitas vezes, a polícia consegue      manecer na rua e arriscar-se a dar         marido, geralmente, se está vivo, é
    prender, aqui, mulheres estrangei-        uma guinada na própria vida, a se-         preso ou procurado. A mãe da presa
    ras que tentaram desembarcar com          gunda opção é a preferida.                 já fica com os filhos e não pode dar
    a droga. Isso também acontece na                Mas, quando são pegas, são           assistência na prisão porque não
    ponta européia, de brasileiras serem      obrigadas a enfrentar uma realidade        tem condições financeiras. Para se
    flagradas no instante da chegada.         ainda mais dura do que a do desem-         ter uma idéia, aqui, de 340 presas,
    Já passa de 500 o número de brasi-        prego: perda da liberdade, abando-         só umas 40 recebem visita”, relata
    leiras em penitenciárias européias        no, saudade, discriminação e ócio,         Pinheiro.
    acusadas de tráfico. Segundo a po-        problemas comuns nas prisões.                     Dia de visita na Talavera Bru-
    lícia, 94% das “mulas” estavam sem        “Depois de presas é que percebem           ce é sempre marcado por ansiedade,
    atividade regular remunerada an-          que foi um grande engano achar             Às quartas-feiras, sábados e domin-
    tes de serem presas. Os aliciadores       que o crime as libertaria da falta de      gos, repete-se uma cena comum a
                                                                                          CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
             Março de 2007
    Mátria
PRESIDIÁRIAS
                                                                                                                                                            

todos os presídios femininos: mu-                                                                            em grupos homogêneos. Tem ala de
                                                                                                             idosas, evangélicas, jovens, estran-
lheres, penteadas e arrumadas da

                                                                     “A sociedade não
                                                                                                             geiras, grávidas, as que trabalham,
melhor forma possível, aguardam
                                                                                                             as que têm visita íntima com o ma-
a chegada de suas visitas. Poucas

                                                                    espera que a mulher                      rido.”
recebem parentes, amigos, maridos
                                                                                                                    O alojamento das estran-
ou namorados.
                                                                  infrinja as leis. Se isso                  geiras se destaca pela organização
       Para vencer a solidão cada
                                                                                                             e limpeza. Oriundas de Espanha,
uma tem o seu jeito. Segundo Juli-
                                                                    acontece, ela sofre,                     Cuba, França, Zaire, África do Sul e
ta Lemgruber, Diretora do Centro de
                                                                                                             Alemanha, elas dividem seus “terri-
Estudos de Segurança e Cidadania
                                                                   mais que os homens,                       tórios” com cangas de praia e assim
(Cesec), essa solidão é motivada pelo
                                                                                                             mantêm a privacidade. Chamadas
preconceito social. “A sociedade não
                                                                    as dores da prisão”                      de “mulas” por transportar drogas,
espera que a mulher infrinja as leis.
                                                                                                             sofrem com a ausência de amigos e
Se isso acontece, ela sofre, mais do
                                                                                                             parentes e nem todas recebem apoio
que os homens, as dores da prisão.
                                                                                                             dos consulados. Outras contam que
Há um abandono enorme da mulher
                                                                                                             suas famílias não sabem que estão
                                                                  Fundação Santa Cabrini –, fábrica
dentro da penitenciária“, explica.
                                                                                                             presas no Brasil.
                                                                  de fraldas, costura, padaria, o jornal
       Outro problema é o ócio. Den-
                                                                                                                    Um dos maiores problemas
                                                                  “Só Isso”, escola até o segundo grau,
tro do Talavera Bruce, há grandes
                                                                                                             da penitenciária é o vício. Para Mar-
                                                                  curso pré-vestibular e a possibilida-
galpões onde funcionam oficinas
                                                                                                             cos Pinheiro, a pessoa presa deveria
                                                                  de de fazer faculdade a distância”
que empregam as presas, garantin-
                                                                                                             receber um tratamento para depen-
                                                                  Atualmente, 40% das detentas se
do-lhes um salário de R$ 250 reais e
                                                                                                             dentes químicos. “Nós até temos,
                                                                  ocupam com estudo e trabalho.
redução da pena. O Diretor do pre-
                                                                                                             mas não atende à demanda.” Os
                                                                          Na opinião de Marcos Pinhei-
sídio assegura que isso é um privi-
                                                                                                             relacionamentos também são alvo
                                                                  ro, esses interesses e a falta deles de-
legio dentro do contexto prisional
                                                                                                             de conflitos. “Existe muito relacio-
                                                                  veriam ser levados em consideração
brasileiro. “Há uma filosofia volta-
                                                                                                             namento homossexual na cadeia fe-
                                                                  na hora de colocar uma pessoa na
da para a educação e o trabalho. As
                                                                                                             minina e isso gera muita briga.”
                                                                  cadeia. “O ideal seria dar oportuni-
presas têm oportunidade de fazer
                                                                                                                    Mesmo enfrentando o aban-
                                                                  dade para todas, poder separar quem
cursos que visam à profissionaliza-
                                                                                                             dono, a solidão, o preconceito e a
                                                                  quer estudar e trabalhar de quem
ção, tem oficinas – sob a gerência da
                                                                                                             falta de liberdade, algumas mulhe-
                                                                  não quer. Existem presas que batem
                                                                                                             res conseguem fazer da cadeia uma
                                                                  no peito e dizem: ‘eu sou criminosa
                                                                                                             escola de vida, um lugar de mudan-
                                                                  e não saberei fazer outra coisa”.
                                                                                                             ça de valores, opinião e comporta-
                                                                          Dentro do único presídio fe-
                                                                                                             mento. Há as que enxergam o lugar
                                                                  minino de regime fechado do Es-
                                                                                                             como o melhor para se viver quando
                                                                  tado há uma creche com quartos
                                                                                                             se deparam com a fome, a falta de
                                                                  arejados e com luz natural, cozinha
                                                                                                             casa e de amigos e família. “Cadeia é
                                                                  e banheiros equipados, banheiras
                                                                                                             cadeia, tem que ser ruim. Já tá cheia,
                                                                  para os bebês, fraldário e brinque-
                                                                                                             imagine se for boa. Mas, tenho vá-
                                                                  dos. Há também camas para as
                                                                                                             rias presas que se negam a ir para
                                                                  mães que estão amamentando.
                                                                                                             a semi-aberta porque não vão ter
                                                                          As internas da Talavera Bruce
                                                                                                             nada o que fazer lá fora. Já tive caso
                                                                  estão distribuídas em cinco gale-
                                                                                                             de presa batendo no portão pedindo
                                                                  rias, três pavilhões e dois alojamen-
Marcos Pinheiro da Silva, Diretor do presídio, recebe cartas de
                                                                  tos. “Tentamos separar as presas           para voltar.”
ex-detentas contando sobre a vida nova

CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação                                                                                         Mátria
                                                                                                                                   Março de 2007
PRESIDIÁRIAS
8


                                                Histórias e dramas do Talavera Bruce

    Regina Farias
    brasileira, 43 anos, corretora de imóveis, condenada por roubo

          “Estou presa há sete anos. Vim parar aqui por causa de um amor.
    Não estou me livrando da minha culpa. A mesma parcela que ele tem,
    eu tenho. Errei porque tive ganância. Roubamos clientes meus. Tenho
    família, fiquei viúva aqui dentro e tenho duas filhas. É horrível viver
    aqui dentro. Somos jogadas no meio de pessoas que nunca vimos, de
    hábitos, costumes e linguajar muito diferentes.
          Minhas filhas dizem que têm orgulho de mim, mas eu digo para elas nunca se espelha-
    rem em mim. Não gosto que elas venham aqui. Minha mãe vem me ver toda semana e traz cartinhas delas.
          Não quero nunca que nem minhas filhas e nem a filha de ninguém enxergue esse mundo da cadeia como
    razoável ou bom. Quero que enxerguem como ruim e não quero que achem bom o lado mais ou menos. A mulher
    está se expandindo e ocupando espaço em todas as áreas, até na vida do crime.
          Trabalho no jornal, faço vela, chocolate, bichinho de pelúcia. Eu me ocupo ao máximo, porque, assim, não
    páro para pensar tanto nessa situação. No final do ano vou para a semi-aberta. Vou trabalhar, ter salário e ficar
    com as minhas filhas. Tenho uma vida pronta lá fora”.




    Lila Mirtha Ibanez Lopez
    dentista, boliviana, 50 anos, presa há sete anos e meio por lavagem
    de dinheiro e falsificação de documentos

           “Tenho dois filhos, um de 10 e outro de 29, que estão na Bolívia
    com a minha mãe. Prefiro que fiquem lá, perto da família, porque aqui
    é um lugar estranho. Graças a Deus, estou à frente de um trabalho, que
    é o jornal Só Isso, que está em circulação há três anos. Isso distrai muito
    a minha mente e faz diminuir um pouco a saudade da minha família. Se não ocupamos a
    mente com o trabalho, fica muito difícil controlar a saudade. Estudar, trabalhar e se arrumar são maneiras de
    mostrar que mesmo estando presa não está tudo perdido, que sempre se tem uma segunda chance de renovar
    nossas esperanças. O jornal é todo feito por cartas. Aqui dentro, a solidão é muito grande. As pessoas tentam com-
    pensar de alguma forma. Então, uma carta é muito significativa para cada uma. É praticamente uma visita.
           As meninas chegam cada vez mais novas aqui. Não sabem nada da vida e já estão presas. Muitas mulheres
    entram no crime por envolvimento sentimental, acompanhando o marido. É a falta de recurso que obriga a pessoa
    a parar nesse lugar.
           A prisão deveria ser para colocar o criminoso dentro e devolver para a sociedade ressocializado, com traba-
    lho e educação. Isso é uma utopia e não acontece”.

                                                                                   CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
             Março de 2007
    Mátria
PRESIDIÁRIAS
                                                                                                                         




Natália do Nascimento
20 anos, brasileira, condenada a quatro anos por tráfico de drogas

      “Fiquei traficando uns dois anos. Ninguém me levou, não culpo
ninguém pela minha prisão. Estou presa há dois anos e seis meses. Eu
era muito nova, inexperiente, e ainda sou, minha mãe não ligava mui-
to para mim. Achei uma maneira fácil e rápida de ganhar dinheiro.
Nunca usei drogas, nunca me envolvi com traficantes, nunca namorei
ninguém da boca. Eu fazia os contatos, as ligações para vender. Quando era pouca
quantidade, eu mesma entregava.
      Cada vez eu ia me acostumando mais. Fui pega em Copacabana com um estrangeiro que estava sendo in-
vestigado. Tinha ido traficar com ele.
      É muito ruim estar presa, mas para mim foi muito bom porque eu tinha uma visão totalmente equivocada
da vida. A vida era muito menor do que eu vejo hoje. Aprendi muita coisa, meus valores são outros. Tenho outra
visão de tudo, a vida não é só dinheiro. Agora, penso em estudar.
      Terminei meus estudos aqui, fiz pré-vestibular, me formei em multiplicadora de informática, trabalhei
como digitadora do jornal.
      Minha condicional venceu dia 11 de dezembro e estou esperando para sair a qualquer momento. Não quero
mais me envolver. Não tenho mais contato com ninguém daquela época, alguns até já morreram.”




Jane Selma Soares
empresária, brasileira, 39 anos, presa há quatro anos por latrocínio

      “Minha vida no crime durou exatamente oito meses. Estou presa
há quatro anos e tenho uma pena de 115. Fui indiciada em oito proces-
sos. A imprensa me rotulou porque sou de uma família de banqueiro
de bicho. É ilegal? É, mas o que não é ilegal nesse país? A Câmara está
lotada, o governo está cheio, e quem são eles para me rotular? Não te-
nho culpa dos crimes pelos quais estou sendo acusada. Pratiquei delitos? Com certeza,
mas não para ganhar uma cadeia de 115 anos.
      Quando fui presa, o delegado me disse que eu ia casar com a cadeia. Já me separei de quatro maridos; por
que não ia me separar da cadeia?
      Tenho três filhos, de 19, 15 e 7 anos. Eles têm uma vida normal e não têm vergonha do que estou passando
porque sabem quem eu sou. Aqui, sou uma das coordenadoras do projeto Mãos à Arte. Fazemos coleção de roupas
íntimas, roupas sexies e uma linha de biquínis e camisetas.
      Acho que as mulheres estão cada vez mais no crime porque os homens são muito omissos. Eles querem
dividir tudo e as mulheres têm que ir à luta. Tenho medo do dia da minha liberdade, porque, uma vez presa, vou
ser sempre ex-presa. Por isso, é fundamental ter a família presente. Quem não tem, fica perdida.”


CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação                                                      Mátria
                                                                                                Março de 2007
CONGRESSO
0



                  Conferência da mulher
                  Atuação na política será tema do debate



     A
               II Conferência Nacional




                                                                                                                                                             Foto: Katia Maia
               de Políticas para as Mu-
               lheres, CNPM, que será
     realizada de 18 a 21 de agosto pró-
     ximo, tornará Brasília novamente
     a Capital da mulher. O evento, que
     é uma continuidade da primeira
     conferência, realizada em 2004,
     será uma oportunidade para que
     se faça uma avaliação dos dois pri-
     meiros anos de implementação do
     Plano Nacional de Políticas para as
     Mulheres (PNPM).
            O evento, a exemplo do que
     aconteceu em 2004, será municia-
     do pelas conferências municipais e
     estaduais. A diferença é que desta
     vez não haverá plenárias munici-
     pais, e sim conferências. “Isso sig-
     nifica uma formalização diferen-
     te das conferências municipais e
     regionais. Todas serão resoluções,                       Para a Ministra Nilcéia Freire, sucesso do PNPM é resultado do empenho do Governo Federal

     e serão encaminhadas à conferên-       ção que, segundo a ministra, preci-               muito mais do esforço do Governo
     cia estadual e nacional”, explica a    sa ser avaliada. “Eu não diria que                Federal do que da incorporação do
     ministra Nilcéia Freire, da Secre-     houve uma diminuição (na partici-                 plano por meio dos Estados e mu-
     taria Especial de Políticas para as    pação), mas é um retrocesso. O cres-              nicípios.
     Mulheres. As plenárias envolviam       cimento da presença das mulheres                         “Avançamos muito na imple-
     somente o movimento social “e eu       na vida nacional se espelha na vida               mentação do plano, mas avança-
     entendo que o Poder Público local      congressual que temos”. A mulher                  mos mais nas ações que dependiam
     também deve se envolver nas con-       teve uma forte representação na                   do Governo Federal”, e cita como
     ferências locais e regionais”, afir-   Assembléia Constituinte, em 1988,                 exemplos, áreas como igualdade,
     ma.                                    e, agora, com o processo de mobi-                 oportunidades, cidadania, aumen-
            Dentre os temas debatidos,      lização da Conferência, na reforma                to da autonomia econômica, au-
     há a preocupação com a participa-      política espera-se que ela alcance                mento do crédito para trabalhado-
     ção política das mulheres nos par-     uma participação tão forte quanto                 ras rurais, programa pró-igualdade
     tidos, parlamento e órgãos em nível    houve na constituinte, acredita a                 de gêneros – conceito de igualdade
     de tomada de decisões. Nas últimas     ministra.                                         de oportunidades, política nacional
     eleições, a participação das mulhe-           Quanto à implementação do                  de direitos sociais e reprodutivos
     res sofreu abalos na representação     PNPM, a ministra avalia que o su-                 – etc. Medidas que tem o reparti-
     dentro do parlamento. Uma situa-       cesso até hoje obtido é resultado                 mento em Estados e Municípios.
                                                                                                CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
              Março de 2007
     Mátria
ARTIGO
                                                                                                                                                              



                 Violência doméstica é uma
                 questão de poder e de gênero
                                                             Odisséia Pinto de Carvalho | Secretária de Relações de Gênero da CNTE




A
        o longo da história, numa so-                        mais tarde, por motivo de doença                aceitam essa situação para garantir
        ciedade injusta, as desigual-                        da mãe, já casada e com uma filha.              a sobrevivência da família.
        dades sociais surgem não do                                Seu pai, achando-se “dono”                       Quantas crianças, jovens, mu-
fato de termos nascidos homens ou                            dela e da neta, tentou abusar se-               lheres já passaram ou ainda vivem
mulheres, mas das relações e dos                             xualmente das duas. Ela rompeu                  nessa situação de poder e domínio e
papéis sociais e sexuais que foram                           com o silêncio e o denunciou a de-              não têm coragem de denunciar?
construídos socialmente e cultu-                             legacia. Em seu depoimento, o pai                      A violência sexual e domésti-
ralmente, colocando os homens na                             declarou, inclusive para imprensa,              ca está presente em todas as classes
posição de poder sobre as mulheres,                          que “bicho homem é assim mes-                   sociais, religiões cor, raça, sexo ou
que acabaram ocupando um papel                               mo, quando a mãe dela precisou ir               etnia e independe do nível de escola-
secundário e de submissão.                                                                                   ridade, portanto é um problema que
       Quando falamos de relações                                                                            juntos e juntas somos responsáveis
de gênero, estamos conceituando a
                                                                  “MuitAS vezeS,                             pela busca de caminhos para pre-
partir do que é estabelecido como                                                                            venção e superação de todas formas
feminino e masculino nas relações
                                                                   A violênciA                               de violência contra as mulheres.
sociais e quais os papéis destinados
                                                                                                                    Essa luta pela igualdade de
a cada um.
                                                                    perMAnece                                direitos e justiça social, fruto da or-
       Segundo pesquisas, o nú-
                                                                                                             ganização das mulheres, vem aos
                                                                   AbAfAdA nA
mero de homicídios realizados por
                                                                                                             poucos mudando a cara do Estado
homens no Brasil é maior do que os
                                                                                                             brasileiro, a mais recente vitória foi
                                                                    intiMidAde
praticados pelas mulheres, isso nos
                                                                                                             a aprovação da Lei Maria da Penha,
revela que a questão da violência
                                                                                                             que visa denunciar e interromper
                                                                     fAMiliAr”
está nitidamente relacionada às re-
                                                                                                             esse ciclo de violência.
lações de poder.
                                                                                                                    É necessário que esse debate
       A violência sexual e domés-
                                                                                                             seja levado para a comunidade es-
tica é estabelecida a partir das rela-
                                                                                                             colar, tendo como objetivo fomen-
                                                             ao médico na cidade, ela dormiu na
ções de poder e de gênero, que afeta
                                                                                                             tar essa discussão e avançarmos na
                                                             mesma cama comigo, aí você sabe...”
as crianças, mulheres, sejam elas
                                                                                                             mudança de mentalidades de ho-
                                                                   Esse tipo de violência muitas
jovens, idosas, trabalhadoras rurais,
                                                                                                             mens e mulheres.
                                                             vezes permanece abafado na intimi-
urbanas, indígenas ou quilombolas.
                                                                                                                    Não tenho dúvida que as po-
                                                             dade familiar; 90% dos casos são co-
       Um caso acontecido no inte-
                                                                                                             líticas públicas, integradas e con-
                                                             metidos por homens que as vítimas
rior do Rio de Janeiro mostra que
                                                                                                             tinuadas, poderão contribuir para
                                                             amavam ou confiavam. Na maioria
violência mora dentro de casa. Um
                                                                                                             construção de uma cultura de paz
                                                             são meninas entre 3 e 13 anos, pena-
lavrador praticou incesto com sua
                                                                                                             e respeito aos direitos humanos e
                                                             lizadas muitas vezes pelo silêncio e
filha, dos sete aos quatorze anos,
                                                             cumplicidade das mães que temem                 principalmente das mulheres em
que não suportando a violência fu-
                                                             a reação do parceiro ou do marido e
giu de casa, só retornando dez anos                                                                          uma sociedade justa e igualitária.
CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação                                                                                           Mátria
                                                                                                                                     Março de 2007
TRABALHO EM DOBRO




                  Presentes em tempo integral
                  Se o dia tivesse 36 horas, ainda seria pouco para o
                  número de tarefas que as mulheres precisam assumir

                                                                                                                        De acordo com o Instituto
                                                                                                                 Brasileiro de Geografia e Estatísti-
                                                                                                                 ca, IBGE, nos últimos dez anos, o
                                                                                                                 número de famílias chefiadas por
                                                                                                                 mulheres aumentou aproxima-
                                                                                                                 damente 35%, passando de 22,9%,
                                                                                                                 em 1995, para 30,6%, em 2005. São
                                                                                                                 mulheres que desafiam as leis da
                                                                                                                 física. Conseguem estar ao mesmo
                                                                                                                 tempo em dois lugares; enquanto
                                                                                                                 trabalham o dia inteiro fora, ad-
                                                                                                                 ministram a vida de mãe, dona-
                                                                                                                 de-casa e esposa. A pesquisa do
                                                                                                                 IBGE também revela que cresceu
                                                                                                                 o número de lares onde a chefia é
                                                                                                                 feminina, apesar da presença do
                                                                                                                 cônjuge.
                                                                                                                        As mulheres ganharam, por-
                                                                                                                 tanto, não só espaço, mas acumu-
                              Jornada intensa de trabalho impede que Nilza Cristina conviva mais com a família




     Q
                                                                                                                 laram funções. Mesmo com maior
               uando a professora Nilza               para enfrentar mais de dez horas de                        participação no mercado de traba-
               Cristina dos Santos beija              jornada. Moradora da cidade de For-                        lho e toda a mudança no padrão
               seus filhos pela manhã,                mosa, em Goiás, ela viaja cinqüenta                        familiar brasileiro, o que se perce-
     sabe que só os verá de novo quan-                minutos até chegar à escola onde                           be é que a responsabilidade pelos
     do já for noite. Ela é professora da             dá aulas – em Planaltina, cidade-sa-                       afazeres domésticos ainda é predo-
     Educação Infantil e uma das milha-               télite de Brasília. Todos os dias, faz                     minantemente feminina, e 92% das
     res de educadores que enfrentam                  uma viagem interestadual para tra-                         mulheres ocupadas no País decla-
     uma longa jornada de trabalho para               balhar.                                                    raram que cuidam das tarefas de
     manter seu lugar ao sol. “O espaço                      Irene Fernandes não é pro-                          casa. Os números revelam que as
     que a mulher ocupa hoje na socie-                fessora, mas tem em comum com                              mulheres gastam, em média, 25,2
     dade e no mercado de trabalho é                  Nilza a jornada pesada de trabalho.                        horas semanais em atividades do
     uma conquista, mas nós temos que                 Com 39 anos, mantém dois empre-                            lar, contra 9,8 horas dos homens
     lidar com a contrapartida que é a                gos e mais uma série de bicos para                         dedicadas a casa semanalmente.
     sobrecarga e, às vezes, deixamos de              poder criar seus quatro filhos. Ela é                             Para a socióloga Bila Sorj,
     ser mulher para desempenhar nos-                 separada e seu dia também começa                           da Universidade Federal do Rio
     so papel de mãe dos filhos, do ma-               de madrugada. Mora em Ceilândia,                           de Janeiro, todo o espaço conquis-
     rido e dos alunos”, comenta Nilza.               cidade-satélite de Brasília e também,                      tado pelas mulheres é altamente
            O dia de Nilza começa às                  pela manhã, beija seus filhos com a                        positivo “o problema é que o au-
     5h50, quando acorda e se prepara                 certeza de que só os verá à noite.                         mento da participação feminina
                                                                                                                  CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
              Março de 2007
     Mátria
TRABALHO EM DOBRO
                                                                                                                                                                   

                                                             e vai dormir, enquanto a gente tem         as que estão à sua volta. O dia cro-

   “de acordo com o                                          um monte de coisas para fazer an-          nometrado para que tudo seja feito
                                                             tes de fechar os olhos”, diz.              e dê tempo para tudo vira rotina

 ibGe, nos últimos dez                                              “De modo geral, os homens           na vida do casal – quando casadas
                                                             começam a dividir o trabalho do-           – e dos filhos. Quando Nilza chega

   anos, o número de                                         méstico com as mulheres. Todavia,          em casa, no fim do dia, os filhos já
                                                             a participação masculina nas ati-          sabem que é hora de revisar as ta-
 famílias chefiadas por                                      vidades domésticas ainda é muito           refas escolares. Ela tem ainda uma
                                                             pequena e o ritmo de envolvimen-           condição privilegiada: “tenho um
  mulheres aumentou                                          to masculino tem sido muito len-           marido que me permite sair e ter
                                                             to, de modo que essa evolução não          uma vida corrida porque ele cuida
   aproximadamente                                           acompanhou a evolução da parti-            também dos filhos”, afirma.
                                                             cipação feminina no mercado de                    No fim das contas, as mu-
   35%, passando de                                          trabalho, que foi muito acelerada          lheres terminam tendo que com-
                                                             nas últimas três décadas”, analisa         pensar a sua ausência de alguma
  22,9% em 1995 para                                         Bila.                                      forma e por telefone administram
                                                                    A correria diária das mães,         o dia-a-dia doméstico. “Não posso
   30,6%, em 2005”                                           mulheres e profissionais, termina          abrir mão da educação de meus fi-
                                                             influenciando na rotina das pesso-         lhos”, afirma Nilza.

no mercado de trabalho não foi
acompanhado de uma maior par-
ticipação dos parceiros nos cuida-
dos da casa e da família, de modo
que a luta das mulheres deve ser
por uma melhor repartição do tra-
balho familiar, principalmente dos
cuidados com as crianças, com os
parceiros e pela ampliação das ins-
tituições públicas como creches e
pré-escolas e escolas em tempo in-
tegral”, avalia.
       Irene chega a sua casa por
volta das 22 horas. É quando come-
ça a sua terceira jornada. Ela ajuda
os filhos em seus deveres de casa e
prepara as refeições do dia seguin-
te, deixando tudo pronto para que
as crianças possam tocar o dia. Se-
parada há dois anos e meio, Irene
não titubeia na hora de comparar a
jornada do homem com a da mu-
lher que, segundo ela é muito mais
pesada do que a masculina. “O ho-
mem que trabalha, chega em casa                                                         Irene precisa do apoio da mãe para dar conta da carga pesada de trabalho

CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação                                                                                               Mátria
                                                                                                                                         Março de 2007
POLÊMICA
4



                  Igualdade na mente e na cor                                                                                   Texto e Fotos: Katia Maia


                  Programa de cotas nas universidades começa a mostrar resultados positivos




                                                              Geucilene e Renata concordam que o preconceito existe, mas não sentem muito a discriminação.




     A
                                             ca de ensino e de etnias para indí-                   Afirmativas da Seppir – Secretaria
                discussão em torno do sis-
                                             genas. A verdade é que essa política                  Especial de Políticas de Promoção
                tema de cotas para estu-
                                             sofreu, e ainda sofre, muitas críticas,
                dantes afro-descendentes,                                                          da Igualdade Racial. De acordo com
                                             mas o desempenho dos cotistas e os
     em universidades públicas brasilei-                                                           ela, o que se tem observado, nas ins-
                                             resultados acadêmicos que têm sido
     ras, tem dado muito pano para man-                                                            tituições onde há o sistema de cotas,
                                             gerados derrubam muitos dos argu-
     ga. Mas, a roupa que se começa a cos-                                                         é que a nota de corte do cotista, em
                                             mentos contrários. Está na moda.
     turar com os programas de políticas                                                           relação à do aluno que entra numa
                                                    “A discussão em torno das co-
     da cor já apresenta contornos de alta                                                         universidade pelo método universal,
                                             tas é positiva. É necessária essa inter-
     costura. Atualmente, segundo o Mi-                                                            de um modo geral, não ultrapassa os
                                             ferência do Estado, ou da sociedade
     nistério da Educação, 30 instituições                                                         0,8 pontos. “Qualquer educador sabe
                                             privada, no sentido de reparar essa
     de ensino público superior oferecem                                                           que numa avaliação, uma diferença
                                             situação de racismo arraigada na so-
     esse sistema de vagas, e aí incluem-                                                          dessas não é relevante para deter-
                                             ciedade”, rebate Maria Inês Barbosa,
     se também as chamadas cotas so-                                                               minar se um aluno é mais ou me-
     ciais para estudantes da rede públi-    subsecretária de Políticas de Ações                   nos inteligente que o outro”, analisa.
                                                                                                    CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
              Março de 2007
     Mátria
POLÊMICA
                                                                                                                                                                     5

Sucesso acadêmico                                            aos poucos vai mostrando que é tão           dez anos para ser utilizado. Depois
                                                             capaz quanto os outros alunos. “A            disso, será feita uma avaliação dos
       A Universidade Estadual do
                                                             gente vê muito mais negros. O sis-           resultados. Ainda não há profissio-
Rio de Janeiro (Uerj), foi a primei-
                                                             tema de cotas trouxe a discussão             nais formados nesse sistema, mas
ra a adotar o sistema de cotas, em
2003, com base numa combina-                                 do acesso igual a todas as pessoas”,         o que se observa é que a simples
ção de critérios raciais e sociais,                          afirma Geucilene. “Acho que a apli-          presença dos negros no ensino su-
em que se observou um índice de                              cação de cotas demorou muito. Não            perior público abre uma série de
aprovação total de 81,73% (alunos                            veio para resolver o problema, mas           encadeamentos que vai desaguar
aprovados em todas as discipli-                              traz a discussão de diversidade de-          no mercado de trabalho. “Acho que
nas cursadas) dentre os 153 alunos                           mocrática de acesso aos negros”,             abre oportunidade no mercado de
atendidos no sistema. O sucesso                              completa. Dentro da UnB há uma               trabalho porque o negro passa a ter
acadêmico dos cotistas revelou                               série de programas voltados para a           as mesmas condições de escolari-
que, tanto na evasão quanto na                               manutenção do aluno cotista que,             dade que o branco”, diz Renata. “As
média de rendimento, esses alunos                            em sua maioria, é carente. “A gente          pessoas começam a se identificar
apresentaram melhores resultados                             tem gastos e há alguns projetos de           de forma positiva e vai sendo for-
que os estudantes oriundos do ves-                           afirmação”, explica Renata. “O Co-           mada uma nova geração. O negro,
tibular tradicional.                                         tista na Escola, por exemplo, leva           que antes era observado apenas no
       O mesmo comportamento                                 esse programa de cotas para as es-           futebol e no carnaval – não que es-
se repete na Universidade de Bra-
                                                             colas. Nós vamos até lá para falar           sas atividades não sejam importan-
sília, onde foi criado um centro
                                                             do sistema”, detalha a estudante.            tes –, começa a ocupar agora todos
de atendimento ao aluno cotista.
                                                                    O método tem um prazo de              os espaços”, conclui Maria Inês.
“O desempenho dos cotistas tem
sido igual ou melhor que o dos ou-
tros estudantes, e observamos que
10% dos aprovados no vestibular,
pelo sistema universal, não fazem
matrícula. Dentre os cotistas esse
número não chega a 1%”, avalia Ja-
ques Gomes de Jesus, assessor de
diversidade e apoio aos cotistas
da UnB. Segundo ele, aos poucos,
a presença do estudante negro vai
ocupando seu espaço. No primei-
ro vestibular de 2004, não houve
a presença de negros na disputa
pelo curso de Medicina, por exem-
plo. Hoje, esse número já alcança
os 10%. “Com o sistema de cotas,
o que a gente vê hoje é que cada
curso da UnB tem a presença dos
negros”, comemora.
       Geucilene e Renata são alu-
nas do curso de Serviço Social.
Entraram na UnB, pelo sistema de
cotas. Na avaliação delas, o cotista,                                                   “Com mais negros na universidade, percebe-se a democracia”, afirma Jaques.

CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação                                                                                                 Mátria
                                                                                                                                           Março de 2007
SAÚDE
6



                  Síndrome da exaustão
                  Burnout afeta 30% dos professores. Freqüentemente confundido com estresse ou síndrome do
                  pânico, pode levar ao afastamento do educador, o que nem sempre é a melhor solução



     C
             ibele sabia que alguma coisa
             estava acontecendo. Dar au-
             las, trabalhar com educação
     sempre foi seu sonho, sua vocação.
     Mas, de uns tempos para cá, estava
     se sentindo cansada, desanimada e,
     em alguns momentos, até angustia-
     da com a perspectiva de entrar em
     sala de aula, enfrentar os alunos e
     fazer o que ela sempre soube fazer:
     educar.
            Professora há 28 anos, sem-
     pre foi dedicada e ativa, mas, co-
     meçou a achar que não dava mais
     conta das obrigações, “que o tempo
     não dava para cumprir as tarefas”,
     recorda-se.
            Antônia Cibele Figueiredo Li-
     gório não sabia, mas ela fazia parte
     de uma estatística que vem preo-
     cupando a área educacional, e sen-
     do pesquisada por especialistas do
     mundo todo: educadores vítimas
     do burnout.
            O nome vem do inglês: burn
     significa queimar, e out, exterior.
     Juntando as duas, tem-se exaustão.
     Um tipo de síndrome que, segundo
     pesquisa realizada pelo Laboratório
     de Psicologia do Trabalho da Uni-      pra cá, a identificação do burnout              Iône Vasques-Menezes, coor-
     versidade de Brasília, UnB, afeta      tem revelado que a síndrome é um         denadora do Laboratório de Psicolo-
     30% dos professores em todo o País.    excelente termômetro, muito sensí-       gia do Trabalho da UnB, alerta para
     O levantamento, que ouviu 52 mil       vel a tudo que está ocorrendo com o      o fato de que o burnout e a síndrome
     professores, funcionários e especia-   profissional de educação, refletindo     do pânico muitas vezes são confun-
     listas em educação de 1.440 escolas    as condições de trabalho, sociais, sa-   didas. “Há sintomas da síndrome
     públicas, foi feita em conjunto com    lariais, dentre outras, do educador.     do pânico semelhantes a sintomas
     a Confederação Nacional dos Traba-     Por isso, o burnout também funcio-       secundários do burnout. Há uma
     lhadores em Educação (CNTE).           na como um elemento a mais no con-       relação de interface”, diz. Segundo
             Os dados são de 2002 e de lá   junto dos instrumentos de gestão.        ela, aos poucos, começam a apa-
                                                                                      CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
              Março de 2007
     Mátria
SAÚDE
                                                                                                                                                                                        

recer os sinais de que algo não vai                          são raros no Brasil os casos de pro-                                                Cibele sente falta da vida de
bem no trabalho, e o estresse é a ex-                                                                                                   educadora, de estar dentro de uma
                                                             fissionais afastados do trabalho por
plicação mais comum. O profissio-                                                                                                       escola, ensinando, aprendendo. Um
                                                             causa da síndrome de burnout. Ela
nal começa a apresentar enxaqueca,                                                                                                      exemplo típico de cuidadores, que
                                                             ainda não consta na CID, mas está
dor de estômago, taquicardia, queda                                                                                                     têm na profissão o envolvimento
                                                             nas leis trabalhistas.
de cabelo. “Nesse conjunto de sinto-                                                                                                    com pessoas e o cuidado com o ser
                                                                    O afastamento nem sempre
mas, de fato, o burnout assemelha-                                                                                                      humano, ela recorda-se que, come-
                                                             é a melhor solução. Segundo a pro-
se à síndrome do pânico”, disse.                                                                                                        çou a sentir que algo estava errado
                                                             fessora Iône, se existe um proble-
       Iône explica que os sintomas                                                                                                     quando a ansiedade na hora de en-
                                                             ma de relacionamento, existe uma
– físicos, psíquicos ou de trabalho                                                                                                     trar em sala de aula era incontrolá-
                                                             situação de trabalho que pode es-
– geralmente são vistos, no início,                                                                                                     vel. “Eu sofria por antecipação. Até
                                                             tar adoecida e, nesse caso, é preciso
de forma isolada. Dentre eles, estão                                                                                                    preparava as aulas, mas na hora de
                                                             tratar dentro das condições de tra-
sudorese, palpitação, medo, senti-                                                                                                      entrar em sala de aula, eu via que
                                                             balho. Pesquisa realizada em 2004,
mento de quem não vai ser capaz                                                                                                         não ia dar conta e sentia tremores,
de realizar o trabalho, angústia. A                                                                                                     a visão ficava turva, tinha labirinti-




                                                                                                                     Foto: Katia Maia
partir daí, o profissional começa a                                                                                                     te...”, conta.
vivenciar outras situações que o le-                                                                                                             “Dentro das categorias profis-
vam a ficar arredio, irritadiço, dis-                                                                                                   sionais mais suscetíveis ao burnout
tanciando-se cada vez mais dos alu-                                                                                                     estão aquelas nas quais o afeto é
nos e se fechando para o mundo.                                                                                                         inerente e imprescindível ao exer-
       Existem situações e determi-                                                                                                     cício das tarefas diárias”, afirma a
nados tipos de trabalho que favore-                                                                                                     professora Iône. E, para os profis-
cem o adoecimento do profissional.                                                                                                      sionais que sofrem de burnout, o
“O burnout é um tipo de doença que                                                                                                      comportamento que se percebe é de
ocorre com quem trabalha cuidan-                                                                                                        exaustão profissional, desumaniza-
do de pessoas, os cuidadores. Nessa                                                                                                     ção e reduzida realização profissio-
categoria estão os profissionais de                                                                                                     nal. “Quem tem sofrimento com o
saúde, médicos, enfermeiros, agen-                                                                                                      trabalho é porque tem envolvimen-
tes penitenciários, policiais e pro-                                                                                                    to com o que faz”, diagnostica Iône.
fessores”, atesta.                                                                                                                      A verdade é que a síndrome burnout
                                                                Cibele: momentos de angústia e apreensão diante de
                                                                                            alunos em sala de aula
       Cibele tinha vergonha de                                                                                                         é uma realidade que vem roubando
seus sintomas e de ter que recorrer                                                                                                     o tempo, a dedicação e o envolvi-
                                                             em dez estados brasileiros, pela
a atestados para tratar-se. “Eu que-                                                                                                    mento de centenas de milhares de
                                                             CNTE, revelou que 30,4% dos pro-
ria que alguém me compreendesse                                                                                                         profissionais em educação de todo
                                                             fessores e funcionários de escolas
e não tinha. O meio, por incrível                                                                                                       o mundo e é uma matéria que tem
                                                             tiveram ou têm problemas de saú-
que pareça, reage de forma hostil e                                                                                                     sido debatida em congressos da
                                                             de, sendo que 22,6% necessitaram
minha tendência foi isolar-me dos                                                                                                       área. “Em praticamente todos os
                                                             de licenças, afastando-se temporá-
meus colegas de trabalho”, conta.                                                                                                       congressos já há um painel sobre o
                                                             ria ou definitivamente do trabalho.
Afastada há dois anos de suas ati-                                                                                                      assunto”, revela Juçara Dutra Vieira,
                                                             As principais enfermidades relacio-
vidades profissionais, Cibele não                                                                                                       presidente da CNTE e autora do li-
                                                             nadas ao trabalho e apontadas pela
tem diagnosticado o motivo de seu                                                                                                       vro Identidade Expropriada, Retrato do
                                                             pesquisa são doenças psiquiátricas
afastamento. “Os médicos não que-                                                                                                       Educador Brasileiro. “Ainda falta a se-
                                                             e neurológicas, calos nas cordas vo-
rem me dizer. A minha psicóloga                                                                                                         cretarias de saúde olharem para a
                                                             cais, problemas cardíacos e de co-
diz que saber não é bom para mim”.                                                                                                      escola como um ser doente que pre-
                                                             luna, varizes e alergias ao giz.
Apesar de reconhecida desde 1999,                                                                                                       cisa ser tratado”, conclui Iône.
CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação                                                                                                                     Mátria
                                                                                                                                                               Março de 2007
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Função Exponencial
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Revista Matria 2007

  • 1.
  • 2.
  • 3. EDITORIAL Que país é esse? O nde as mulheres são forçadas a ser mãe, pai, chefe e arrimo da família, se obrigando a uma jornada dupla, e por vezes tripla, de trabalho para garantir uma vida mais digna e um futuro melhor para seus filhos. Que sociedade é essa? Que ainda teima em ser patriarcal, apesar de todas as evidências em con- trário, infligindo às mulheres toda sorte de violência, humilhação, descaso, desonra e desmando. Essa é a pátria, que freqüenta as manchetes e as páginas policiais do dia- a-dia. Porque, a mátria, essa mãe gentil, oferece a todos – independente de raça, credo ou gênero – oportunidades iguais de vencer e ser feliz. E é essa realidade que as páginas da nossa Mátria trazem a você. São histó- rias de vida, de mulheres que estão vencendo o preconceito no mercado de trabalho e ombreando com os homens na conquista dos cargos de chefia. De mulheres que invadiram o “Clube do Bolinha” para mostrar que também são boas de braço nas ocupações até então restritas ao universo machista. Mais ainda, de mulheres que viraram a mesa e deram um basta nas agres- sões e nos maus-tratos amparadas em lei criada, especificamente, para de- fendê-las. Mátria mostra ainda a força da fé de mulheres que fazem da solidariedade uma ferramenta de inclusão social para crianças carentes e suas mães; re- vela a intimidade de atletas consagradas internacionalmente e que, inter- namente, dão o próprio suor pelas causas sociais, sem esperar medalhas ou reconhecimento. Nesta edição será mostrada, também, a dura realidade de educadoras e edu- cadores que, de uma hora para outra, perdem a saúde, o foco e o interesse de ensinar, numa síndrome conhecida como burnout. E a triste realidade de mulheres jovens e bonitas que o desespero, os maus caminhos e as drogas colocaram atrás das grades. Mas as grandes vitórias femininas também são comemoradas. Vitórias em todos os campos, do campo e da cidade, na educação de base ao ensino médio, nas cotas das universidades, nas urnas de todo o País, na saúde, na doença, na riqueza e na pobreza. E principalmente na reconquista da digni- dade de ser, acima de tudo, mulher. Um orgulho que já atravessa dois séculos de lutas e conquistas, e que come- çou com uma menina, nascida num município perdido no meio do nordeste e que ganhou o mundo com sua obra e seus ideais, mas sobretudo com um imenso amor pelo Brasil. Porque nosso país é este. Boa leitura! Direção Executiva da CNTE CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação Mátria Março de 2007
  • 4. VIOLÊNCIA Lei Maria da Penha Mulheres armadas contra a violência A lguém que bem mais penas pecuniárias, como o pagamento de multa ou doações nunca sofreu de cestas básicas. Sua pena pode uma agressão variar de três meses a três anos de seria capaz de imagi- reclusão. Diante de mulheres em nar a dor, ou de pesar situação de violência e com risco os sentimentos de rai- de morrer, juízes têm 48 horas para va, impotência e humi- determinar medidas que vão desde lhação que abatem uma a saída do agressor do domicílio e a mulher vítima de violência? proibição de sua aproximação física Sentimentos esses potenciali- da vítima, ao direito de a mulher re- zados diante do preconceito de aver seus bens. parte da sociedade, que ainda pre- A lei mais rígida se fez ne- fere não meter a colher numa bri- cessária perante o silêncio das víti- ga entre casais, ou de profissionais mas em face de evidências chocan- despreparados para receber e orien- tes concluídas em estudos sobre o tar as vítimas? Provavelmente, não. tema. Pesquisa da Fundação Perseu O cenário parece desolador, Abramo (voltada à formação po- mas desde 22 de setembro de 2006 lítica e ao debate dentro e fora do a mulher que se vê parte dele con- Partido dos Trabalhadores) divul- ta com uma importante arma gada em 2001 apontava para mais de defesa: a Lei Federal nº 11.340, de dois milhões de ocorrências de nomeada Lei Maria da Penha. Ela violência doméstica e familiar por tipifica e define a violência domés- ano, no País. Dentre as formas mais tica e familiar contra a mulher; cria comuns, destacavam-se a agressão mecanismos para coibi-la; dispõe física branda sob a forma de tapas sobre a criação de Juizados de Vio- e empurrões, sofrida por 20% das lência Doméstica e Familiar contra mulheres; a violência psíquica, com a Mulher; possibilita a prisão em xingamentos e ofensas morais, so- flagrante do agressor e impõe mais frida por 8%, e as ameaças, vividas rigor à punição. Aborda o tema po- por 15% delas. lêmico com a firmeza que merece, Em pouco tempo, a Lei mas que não era aplicada até então. Maria da Penha contribuiu para a Pela nova legislação, este tipo mudança de postura das vítimas, de crime deixou de ser considerado que passaram a denunciar agres- de menor poder ofensivo (com pe- sões com mais freqüência. No Rio nas de até dois anos) e saiu dos do- Grande do Sul, por exemplo, as de- mínios dos Juizados Especiais Cri- núncias aumentaram em quase minais. Agora, o agressor pode ser 50% nas Delegacias Especializadas preso em flagrante, ou ter prisão de Atendimento à Mulher (Deams), preventiva decretada, e já não ca- CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação Março de 2007 Mátria
  • 5. VIOLÊNCIA “AS AGRESSÕES EM NÚMEROS” Confira os principais resultados da pesquisa de opinião “Percepção e reações da sociedade sobre a violência contra a mulher”, realizada pelo Ibope para o Instituto Patrícia Galvão, em maio de 2006 (antes da aprovação da Lei nº 11.340). Foram realizadas 2.002 entrevistas em 142 municípios, com brasileiros de 16 anos de idade ou mais: O ciúme é o segundo motivo para agressões contra mulheres. Em primeiro lugar, para 8% da popu- lação, os homens agridem as mulheres após o consumo de bebidas alcoólicas; De 2004 a 2006, aumentou o nível de preocupação com a violência doméstica em todas as regiões do País, menos no Norte/Centro-Oeste que já tem o patamar mais alto (6%). Na periferia das grandes cidades, esta preocupação passou de 4% , em 2004, para 56% , em 2006; 5% relataram conhecer ao menos uma mulher que foi ou é agredida pelo companheiro; 65% acreditam que atualmente as mulheres denunciam mais quando são agredidas; ou porque es- tão mais informadas (46%) ou porque são mais independentes (5%); 64% dos entrevistados defendem prisão para os agressores. nos primeiros 30 dias de vigência. no Federal, que atende pelo número que a violência doméstica é inacei- Em Pernambuco, estado líder em 180, passou a funcionar 24 horas e tável, mas não se pode apenas re- casos de morte de mulheres por a contar com 20 pontos de atendi- forçar as providências punitivas. É companheiros – em 2006 foram 291 mento, além de 60 atendentes ao preciso entender que a cidadania – em apenas cinco dias foram regis- invés dos antigos oito. não pode acabar na porta de casa”, trados 13 flagrantes. O Judiciário Bárbara Musumeci, mestre ressalta Bárbara, que foi Subsecre- também mudou, criando até o mês em Antropologia Social, doutora em tária Adjunta de Segurança Pública, de novembro de 2006, 40 juizados Sociologia pelo Iuperj e autora do li- presidente do Conselho de Segu- especializados em violência domés- vro Mulheres Invisíveis: violência conju- rança da Mulher e Subsecretária de tica, só no Distrito Federal, Santa gal e novas políticas de segurança alerta Segurança da Mulher do Governo Catarina, Mato Grosso e no Pará. A em seu trabalho para a urgência do do Estado do Rio de Janeiro (atuan- Central de Atendimento à Mulher combate à violência doméstica: “É do especificamente com violência em situação de violência, do Gover- preciso sinalizar para a sociedade doméstica). Com um investimento de mais de R$ 30 milhões, entre 2003 e 2006, o Governo Federal trabalhou forte na ampliação do número de serviços de atendimento à mulher vítima de violência. Promoveu a capacitação dos agentes públicos para acolher essas mulheres e estimulou a mudança dos instrumentos jurídicos e formais. Hoje, há Centros de Referência de atendimento à mulher em 90% das capitais brasileiras e em 25% das cidades com mais de 100 mil habitantes, três vezes mais do que há quatro anos. Uma política que, segundo a Ministra Nilcéia Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, permitiu a ampliação do atendimento às mulheres em situação de violência, de 34.994, em 2002, para 80.424, em 2006. Uma das grandes dificuldades das mulheres no enfrentamento à violência, segundo a Secretaria é o acesso à Justiça. “Uma de nossas ações foi o fortalecimento e a criação das Defensorias Públicas de Atendimento à Mulher. Já são 12 integrando a rede de atendimento à mulher” destaca. CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação Mátria Março de 2007
  • 6. VIOLÊNCIA 4 Ainda há muito a discutir A Lei Maria da Penha foi Foto: Domingos Tadeu/PR aprovada em 7 de agosto do ano passado, pelo presidente da Re- pública Luiz Inácio Lula da Silva. Seu projeto foi elaborado por um grupo interministerial, a partir de um anteprojeto de organizações não-governamentais como Arti- culação de Mulheres Brasileiras, Cfemea (Centro Feminino de Estu- dos e Assessoria), Cladem (Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher), Themis (Assessoria Jurídica e Estu- dos de Gêneros) e Advocaci (organi- zação não-governamental que tem como objetivo o uso estratégico do Direito como instrumento de inter- Presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante sanção da lei que torna mais rígida a punição para violência contra a mulher. venção nas políticas públicas para acima de tudo protege a mulher, e moral). Além disso, faz com que a promoção e a defesa dos direitos pois define o que é a violência do- União, estados e municípios traba- humanos). méstica e estabelece seus tipos (físi- “Um processo democrático lhem na prevenção, no combate e deu início à lei que é punitiva, mas ca, psicológica, sexual, patrimonial na erradicação dos casos”, cita Gley- de Selma da Hora, coordenadora da Divulgação Advocaci e integrante da Articula- ção de Mulheres Brasileiras. O maior desafio agora é fazer valer a Lei no 11.340, que para Gleyde está em fase de amadureci- mento. “É preciso capacitar e sen- sibilizar os policiais para o melhor atendimento das vítimas nas dele- gacias, superar divergências ideoló- gicas junto ao Poder Judiciário e à maior parte da população que ainda encara a violência doméstica como um problema particular do casal. Ainda temos muito o que discutir, e divulgar a lei é fundamental. In- clusive, para que se possa avaliar os seus efeitos”, pondera. Para Gleyde Selma da Hora é preciso capacitar policiais para oferecer um melhor atendimento às vitimas de violência CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação Março de 2007 Mátria
  • 7. VIOLÊNCIA 5 Em nome da justiça Divulgação O nome Maria da Penha, que escritora. Hoje, aos 61 anos, ela quer identifica e populariza a Lei de Vio- reeditar Sobrevivi. Posso contar. “Es- lência Doméstica e Familiar contra a crever este livro foi a minha carta Mulher, tem dono, ou melhor, dona. de alforria, pois enquanto escrevia A cearense Maria da Penha Maia. me livrava das mágoas. Não penso Em 1983, ela foi ameaçada duas mais no que passei. Se for preciso vezes pelo marido, o professor uni- lembrar de alguma coisa, recorro versitário Marco Antônio Herredia, ao livro”, brinca, aliviada, depois de com arma e eletrochoque. Acabou tudo o que passou. baleada pelas costas. Na ocasião, ela Maria da Penha aproveita para tinha 38 anos e três filhas entre 6 e resumir a maneira ideal de lidar com 2 anos de idade. os casos de violência. “Atrás de cada As investigações começaram olho roxo existe um homem frouxo. em junho do mesmo ano, mas a de- Violência contra a mulher é crime. núncia só foi apresentada ao Minis- Denuncie 0800-850015. Quando a tério Público Estadual em setembro violência contra a mulher acaba, a de 1984. Num Brasil ainda sem di- vida recomeça.” Maria da Penha: símbolo da luta feminina retrizes específicas, houve demora A LEI no julgamento e Maria acionou a Comissão Interamericana de Direi- Como era Hoje  Não existia lei especifica sobre a violência  Tipifica tos Humanos da Organização dos e define a violência doméstica e doméstica contra a mulher. familiar contra a mulher. Estados Americanos (OEA), que em  Não  Determina que a violência doméstica con- tratava das relações de pessoas do 2001 condenou o Brasil com base mesmo sexo. tra a mulher independe de orientação se- na Convenção Interamericana para xual.  Aplicava  Retira dos Juizados Especiais Criminais a Prevenir, Punir e Erradicar a Vio- a Lei dos Juizados Especiais Criminais para os casos de violência do- competência para julgar os crimes de vio- lência Contra a Mulher, de 1994. “Só mestica. Estes juizados julgam os crimes lência doméstica contra a mulher. com pena até dois anos (menor potencial me senti recompensada com a con- ofensivo). denação. Dela surtiram a mudança  Permitia a aplicação de penas pecuniárias  Proíbe a aplicação dessas penas. como as de cestas básicas e multa. da legislação e a implementação da  A mulher podia desistir da denúncia na de-  A mulher somente poderá renunciar peran- disciplina Direitos Humanos, a par- legacia. te o juiz. tir do ensino fundamental. Este foi  A lei não utilizava a prisão em flagrante do  Possibilita a prisão em flagrante. o saldo positivo do meu sofrimen- agressor.  Não previa a prisão preventiva para os cri-  Altera to”, lembra. o Código de Processo Penal para mes de violência doméstica. possibilitar ao juiz a decretação da prisão Demorou, mas em outubro de preventiva quando houver riscos à integri- dade física. 2002, Herredia foi condenado a oito A A anos de prisão. Cumpriu dois deles mulher vítima de violência doméstica, mulher deverá estar acompanhada de em geral, ia desacompanhada de advoga- advogado ou defensor em todos os atos em regime fechado e agora se bene- do ou defensor público nas audiências. processuais. ficia do semi-aberto. Maria da Penha  A pena para o crime de violência domésti-  A pena do crime de violência doméstica ca era de 6 meses a 1 ano. passará a ser de 3 meses a 3 anos. então tomou mais fôlego e tornou-se  A violência doméstica contra mulher por-  Se a violência doméstica for cometida con- símbolo da luta feminina. De vítima tadora de deficiência não aumentava a tra mulher portadora de deficiência, a pena passou à militante que mais vibrou pena. será aumentada em 1/3. com a aprovação da Lei nº 11.340, e CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação Mátria Março de 2007
  • 8. PRESIDIÁRIAS 6 Reportagem: Ana Paula Domingues / Foto: Gil Rodrigues Jovem, bonita, classe média... e presa Penitenciárias do Brasil abrigam quase dez mil detentas. A maioria optou pelo tráfico por influência de amigos, companheiros ou por necessidade de sobrevivência O Brasil tem quase dez mil presidiárias, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça. Em um dos maiores presídios do País, o Talavera Bruce, no complexo de Bangu, no Rio de Janeiro, estão encarceradas 340. Segundo Marcos Pinheiro da Silva, Diretor do Talavera Bruce, 60% da população carcerária feminina, em média, têm sido condenadas por envolvimento com o tráfico. Muitas guardam o mesmo perfil: jovens, bonitas e de classe média. Mas há as que entram por esse caminho por influência dos companheiros, de amigos ou por necessidade de sobrevivência. Muitas chegam ao ponto de fazer pequenas cirurgias para carregarem drogas dentro do corpo. “Esse quadro existe de uns 15 anos para cá por conta da participação das mulheres em seqüestros. Como houve uma reação muito forte a esse tipo de crime, elas migraram para o tráfico de drogas”. As causas para tantas mulheres no mundo do crime, porém, foram mudando. Para o diretor, os problemas sociais que o País enfrenta também contribuem para o aumento dos números. “O companheiro, que trabalha para a boca de fumo, acaba preso ou morto. A mulher, em busca de renda, entra para o tráfico, transportando e vendendo droga para criar os filhos. Assim, ganha dinheiro e fica perto da família.” Mesmo envolvida com o tráfico, dificilmente a mulher ocupa um cargo de chefia. “Nessa hierarquia, já está prevista uma substituição automática por outro homem. Não se vê mulheres liderando o tráfico; elas, geralmente, trabalham como ‘mulas’ (transportam a droga) ou vendedoras”. Nos últimos anos, o número de mulas quintuplicou. Esse fenômeno tem, pelo menos, três explicações: os traficantes acreditam que as jovens de boa aparência contam com maior condescendência da polícia. Outra é o aumento da máfia nigeriana, que atua em associação com os produtores de cocaína na Colômbia. Seus integrantes se especia- lizaram em recrutar belas brasileiras para levarem cocaína para a Europa e, de lá, voltarem com ecstasy. Daí surge o terceiro motivo; com a Lei do Abate, que permite ao governo atacar aviões suspeitos , os traficantes pulverizaram suas remessas tanto na entrada quanto na saída, em vez de usar um pequeno avião, com grande quantidade. No vai-e-vem da rota do tráfico preferem contratar desempregadas, dinheiro. Grande maioria das presi- internacional entre o Brasil e a Euro- pois, para muitas delas, entre per- diárias é abandonada na cadeia. O pa, muitas vezes, a polícia consegue manecer na rua e arriscar-se a dar marido, geralmente, se está vivo, é prender, aqui, mulheres estrangei- uma guinada na própria vida, a se- preso ou procurado. A mãe da presa ras que tentaram desembarcar com gunda opção é a preferida. já fica com os filhos e não pode dar a droga. Isso também acontece na Mas, quando são pegas, são assistência na prisão porque não ponta européia, de brasileiras serem obrigadas a enfrentar uma realidade tem condições financeiras. Para se flagradas no instante da chegada. ainda mais dura do que a do desem- ter uma idéia, aqui, de 340 presas, Já passa de 500 o número de brasi- prego: perda da liberdade, abando- só umas 40 recebem visita”, relata leiras em penitenciárias européias no, saudade, discriminação e ócio, Pinheiro. acusadas de tráfico. Segundo a po- problemas comuns nas prisões. Dia de visita na Talavera Bru- lícia, 94% das “mulas” estavam sem “Depois de presas é que percebem ce é sempre marcado por ansiedade, atividade regular remunerada an- que foi um grande engano achar Às quartas-feiras, sábados e domin- tes de serem presas. Os aliciadores que o crime as libertaria da falta de gos, repete-se uma cena comum a CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação Março de 2007 Mátria
  • 9. PRESIDIÁRIAS todos os presídios femininos: mu- em grupos homogêneos. Tem ala de idosas, evangélicas, jovens, estran- lheres, penteadas e arrumadas da “A sociedade não geiras, grávidas, as que trabalham, melhor forma possível, aguardam as que têm visita íntima com o ma- a chegada de suas visitas. Poucas espera que a mulher rido.” recebem parentes, amigos, maridos O alojamento das estran- ou namorados. infrinja as leis. Se isso geiras se destaca pela organização Para vencer a solidão cada e limpeza. Oriundas de Espanha, uma tem o seu jeito. Segundo Juli- acontece, ela sofre, Cuba, França, Zaire, África do Sul e ta Lemgruber, Diretora do Centro de Alemanha, elas dividem seus “terri- Estudos de Segurança e Cidadania mais que os homens, tórios” com cangas de praia e assim (Cesec), essa solidão é motivada pelo mantêm a privacidade. Chamadas preconceito social. “A sociedade não as dores da prisão” de “mulas” por transportar drogas, espera que a mulher infrinja as leis. sofrem com a ausência de amigos e Se isso acontece, ela sofre, mais do parentes e nem todas recebem apoio que os homens, as dores da prisão. dos consulados. Outras contam que Há um abandono enorme da mulher suas famílias não sabem que estão Fundação Santa Cabrini –, fábrica dentro da penitenciária“, explica. presas no Brasil. de fraldas, costura, padaria, o jornal Outro problema é o ócio. Den- Um dos maiores problemas “Só Isso”, escola até o segundo grau, tro do Talavera Bruce, há grandes da penitenciária é o vício. Para Mar- curso pré-vestibular e a possibilida- galpões onde funcionam oficinas cos Pinheiro, a pessoa presa deveria de de fazer faculdade a distância” que empregam as presas, garantin- receber um tratamento para depen- Atualmente, 40% das detentas se do-lhes um salário de R$ 250 reais e dentes químicos. “Nós até temos, ocupam com estudo e trabalho. redução da pena. O Diretor do pre- mas não atende à demanda.” Os Na opinião de Marcos Pinhei- sídio assegura que isso é um privi- relacionamentos também são alvo ro, esses interesses e a falta deles de- legio dentro do contexto prisional de conflitos. “Existe muito relacio- veriam ser levados em consideração brasileiro. “Há uma filosofia volta- namento homossexual na cadeia fe- na hora de colocar uma pessoa na da para a educação e o trabalho. As minina e isso gera muita briga.” cadeia. “O ideal seria dar oportuni- presas têm oportunidade de fazer Mesmo enfrentando o aban- dade para todas, poder separar quem cursos que visam à profissionaliza- dono, a solidão, o preconceito e a quer estudar e trabalhar de quem ção, tem oficinas – sob a gerência da falta de liberdade, algumas mulhe- não quer. Existem presas que batem res conseguem fazer da cadeia uma no peito e dizem: ‘eu sou criminosa escola de vida, um lugar de mudan- e não saberei fazer outra coisa”. ça de valores, opinião e comporta- Dentro do único presídio fe- mento. Há as que enxergam o lugar minino de regime fechado do Es- como o melhor para se viver quando tado há uma creche com quartos se deparam com a fome, a falta de arejados e com luz natural, cozinha casa e de amigos e família. “Cadeia é e banheiros equipados, banheiras cadeia, tem que ser ruim. Já tá cheia, para os bebês, fraldário e brinque- imagine se for boa. Mas, tenho vá- dos. Há também camas para as rias presas que se negam a ir para mães que estão amamentando. a semi-aberta porque não vão ter As internas da Talavera Bruce nada o que fazer lá fora. Já tive caso estão distribuídas em cinco gale- de presa batendo no portão pedindo rias, três pavilhões e dois alojamen- Marcos Pinheiro da Silva, Diretor do presídio, recebe cartas de tos. “Tentamos separar as presas para voltar.” ex-detentas contando sobre a vida nova CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação Mátria Março de 2007
  • 10. PRESIDIÁRIAS 8 Histórias e dramas do Talavera Bruce Regina Farias brasileira, 43 anos, corretora de imóveis, condenada por roubo “Estou presa há sete anos. Vim parar aqui por causa de um amor. Não estou me livrando da minha culpa. A mesma parcela que ele tem, eu tenho. Errei porque tive ganância. Roubamos clientes meus. Tenho família, fiquei viúva aqui dentro e tenho duas filhas. É horrível viver aqui dentro. Somos jogadas no meio de pessoas que nunca vimos, de hábitos, costumes e linguajar muito diferentes. Minhas filhas dizem que têm orgulho de mim, mas eu digo para elas nunca se espelha- rem em mim. Não gosto que elas venham aqui. Minha mãe vem me ver toda semana e traz cartinhas delas. Não quero nunca que nem minhas filhas e nem a filha de ninguém enxergue esse mundo da cadeia como razoável ou bom. Quero que enxerguem como ruim e não quero que achem bom o lado mais ou menos. A mulher está se expandindo e ocupando espaço em todas as áreas, até na vida do crime. Trabalho no jornal, faço vela, chocolate, bichinho de pelúcia. Eu me ocupo ao máximo, porque, assim, não páro para pensar tanto nessa situação. No final do ano vou para a semi-aberta. Vou trabalhar, ter salário e ficar com as minhas filhas. Tenho uma vida pronta lá fora”. Lila Mirtha Ibanez Lopez dentista, boliviana, 50 anos, presa há sete anos e meio por lavagem de dinheiro e falsificação de documentos “Tenho dois filhos, um de 10 e outro de 29, que estão na Bolívia com a minha mãe. Prefiro que fiquem lá, perto da família, porque aqui é um lugar estranho. Graças a Deus, estou à frente de um trabalho, que é o jornal Só Isso, que está em circulação há três anos. Isso distrai muito a minha mente e faz diminuir um pouco a saudade da minha família. Se não ocupamos a mente com o trabalho, fica muito difícil controlar a saudade. Estudar, trabalhar e se arrumar são maneiras de mostrar que mesmo estando presa não está tudo perdido, que sempre se tem uma segunda chance de renovar nossas esperanças. O jornal é todo feito por cartas. Aqui dentro, a solidão é muito grande. As pessoas tentam com- pensar de alguma forma. Então, uma carta é muito significativa para cada uma. É praticamente uma visita. As meninas chegam cada vez mais novas aqui. Não sabem nada da vida e já estão presas. Muitas mulheres entram no crime por envolvimento sentimental, acompanhando o marido. É a falta de recurso que obriga a pessoa a parar nesse lugar. A prisão deveria ser para colocar o criminoso dentro e devolver para a sociedade ressocializado, com traba- lho e educação. Isso é uma utopia e não acontece”. CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação Março de 2007 Mátria
  • 11. PRESIDIÁRIAS Natália do Nascimento 20 anos, brasileira, condenada a quatro anos por tráfico de drogas “Fiquei traficando uns dois anos. Ninguém me levou, não culpo ninguém pela minha prisão. Estou presa há dois anos e seis meses. Eu era muito nova, inexperiente, e ainda sou, minha mãe não ligava mui- to para mim. Achei uma maneira fácil e rápida de ganhar dinheiro. Nunca usei drogas, nunca me envolvi com traficantes, nunca namorei ninguém da boca. Eu fazia os contatos, as ligações para vender. Quando era pouca quantidade, eu mesma entregava. Cada vez eu ia me acostumando mais. Fui pega em Copacabana com um estrangeiro que estava sendo in- vestigado. Tinha ido traficar com ele. É muito ruim estar presa, mas para mim foi muito bom porque eu tinha uma visão totalmente equivocada da vida. A vida era muito menor do que eu vejo hoje. Aprendi muita coisa, meus valores são outros. Tenho outra visão de tudo, a vida não é só dinheiro. Agora, penso em estudar. Terminei meus estudos aqui, fiz pré-vestibular, me formei em multiplicadora de informática, trabalhei como digitadora do jornal. Minha condicional venceu dia 11 de dezembro e estou esperando para sair a qualquer momento. Não quero mais me envolver. Não tenho mais contato com ninguém daquela época, alguns até já morreram.” Jane Selma Soares empresária, brasileira, 39 anos, presa há quatro anos por latrocínio “Minha vida no crime durou exatamente oito meses. Estou presa há quatro anos e tenho uma pena de 115. Fui indiciada em oito proces- sos. A imprensa me rotulou porque sou de uma família de banqueiro de bicho. É ilegal? É, mas o que não é ilegal nesse país? A Câmara está lotada, o governo está cheio, e quem são eles para me rotular? Não te- nho culpa dos crimes pelos quais estou sendo acusada. Pratiquei delitos? Com certeza, mas não para ganhar uma cadeia de 115 anos. Quando fui presa, o delegado me disse que eu ia casar com a cadeia. Já me separei de quatro maridos; por que não ia me separar da cadeia? Tenho três filhos, de 19, 15 e 7 anos. Eles têm uma vida normal e não têm vergonha do que estou passando porque sabem quem eu sou. Aqui, sou uma das coordenadoras do projeto Mãos à Arte. Fazemos coleção de roupas íntimas, roupas sexies e uma linha de biquínis e camisetas. Acho que as mulheres estão cada vez mais no crime porque os homens são muito omissos. Eles querem dividir tudo e as mulheres têm que ir à luta. Tenho medo do dia da minha liberdade, porque, uma vez presa, vou ser sempre ex-presa. Por isso, é fundamental ter a família presente. Quem não tem, fica perdida.” CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação Mátria Março de 2007
  • 12. CONGRESSO 0 Conferência da mulher Atuação na política será tema do debate A II Conferência Nacional Foto: Katia Maia de Políticas para as Mu- lheres, CNPM, que será realizada de 18 a 21 de agosto pró- ximo, tornará Brasília novamente a Capital da mulher. O evento, que é uma continuidade da primeira conferência, realizada em 2004, será uma oportunidade para que se faça uma avaliação dos dois pri- meiros anos de implementação do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM). O evento, a exemplo do que aconteceu em 2004, será municia- do pelas conferências municipais e estaduais. A diferença é que desta vez não haverá plenárias munici- pais, e sim conferências. “Isso sig- nifica uma formalização diferen- te das conferências municipais e regionais. Todas serão resoluções, Para a Ministra Nilcéia Freire, sucesso do PNPM é resultado do empenho do Governo Federal e serão encaminhadas à conferên- ção que, segundo a ministra, preci- muito mais do esforço do Governo cia estadual e nacional”, explica a sa ser avaliada. “Eu não diria que Federal do que da incorporação do ministra Nilcéia Freire, da Secre- houve uma diminuição (na partici- plano por meio dos Estados e mu- taria Especial de Políticas para as pação), mas é um retrocesso. O cres- nicípios. Mulheres. As plenárias envolviam cimento da presença das mulheres “Avançamos muito na imple- somente o movimento social “e eu na vida nacional se espelha na vida mentação do plano, mas avança- entendo que o Poder Público local congressual que temos”. A mulher mos mais nas ações que dependiam também deve se envolver nas con- teve uma forte representação na do Governo Federal”, e cita como ferências locais e regionais”, afir- Assembléia Constituinte, em 1988, exemplos, áreas como igualdade, ma. e, agora, com o processo de mobi- oportunidades, cidadania, aumen- Dentre os temas debatidos, lização da Conferência, na reforma to da autonomia econômica, au- há a preocupação com a participa- política espera-se que ela alcance mento do crédito para trabalhado- ção política das mulheres nos par- uma participação tão forte quanto ras rurais, programa pró-igualdade tidos, parlamento e órgãos em nível houve na constituinte, acredita a de gêneros – conceito de igualdade de tomada de decisões. Nas últimas ministra. de oportunidades, política nacional eleições, a participação das mulhe- Quanto à implementação do de direitos sociais e reprodutivos res sofreu abalos na representação PNPM, a ministra avalia que o su- – etc. Medidas que tem o reparti- dentro do parlamento. Uma situa- cesso até hoje obtido é resultado mento em Estados e Municípios. CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação Março de 2007 Mátria
  • 13. ARTIGO Violência doméstica é uma questão de poder e de gênero Odisséia Pinto de Carvalho | Secretária de Relações de Gênero da CNTE A o longo da história, numa so- mais tarde, por motivo de doença aceitam essa situação para garantir ciedade injusta, as desigual- da mãe, já casada e com uma filha. a sobrevivência da família. dades sociais surgem não do Seu pai, achando-se “dono” Quantas crianças, jovens, mu- fato de termos nascidos homens ou dela e da neta, tentou abusar se- lheres já passaram ou ainda vivem mulheres, mas das relações e dos xualmente das duas. Ela rompeu nessa situação de poder e domínio e papéis sociais e sexuais que foram com o silêncio e o denunciou a de- não têm coragem de denunciar? construídos socialmente e cultu- legacia. Em seu depoimento, o pai A violência sexual e domésti- ralmente, colocando os homens na declarou, inclusive para imprensa, ca está presente em todas as classes posição de poder sobre as mulheres, que “bicho homem é assim mes- sociais, religiões cor, raça, sexo ou que acabaram ocupando um papel mo, quando a mãe dela precisou ir etnia e independe do nível de escola- secundário e de submissão. ridade, portanto é um problema que Quando falamos de relações juntos e juntas somos responsáveis de gênero, estamos conceituando a “MuitAS vezeS, pela busca de caminhos para pre- partir do que é estabelecido como venção e superação de todas formas feminino e masculino nas relações A violênciA de violência contra as mulheres. sociais e quais os papéis destinados Essa luta pela igualdade de a cada um. perMAnece direitos e justiça social, fruto da or- Segundo pesquisas, o nú- ganização das mulheres, vem aos AbAfAdA nA mero de homicídios realizados por poucos mudando a cara do Estado homens no Brasil é maior do que os brasileiro, a mais recente vitória foi intiMidAde praticados pelas mulheres, isso nos a aprovação da Lei Maria da Penha, revela que a questão da violência que visa denunciar e interromper fAMiliAr” está nitidamente relacionada às re- esse ciclo de violência. lações de poder. É necessário que esse debate A violência sexual e domés- seja levado para a comunidade es- tica é estabelecida a partir das rela- colar, tendo como objetivo fomen- ao médico na cidade, ela dormiu na ções de poder e de gênero, que afeta tar essa discussão e avançarmos na mesma cama comigo, aí você sabe...” as crianças, mulheres, sejam elas mudança de mentalidades de ho- Esse tipo de violência muitas jovens, idosas, trabalhadoras rurais, mens e mulheres. vezes permanece abafado na intimi- urbanas, indígenas ou quilombolas. Não tenho dúvida que as po- dade familiar; 90% dos casos são co- Um caso acontecido no inte- líticas públicas, integradas e con- metidos por homens que as vítimas rior do Rio de Janeiro mostra que tinuadas, poderão contribuir para amavam ou confiavam. Na maioria violência mora dentro de casa. Um construção de uma cultura de paz são meninas entre 3 e 13 anos, pena- lavrador praticou incesto com sua e respeito aos direitos humanos e lizadas muitas vezes pelo silêncio e filha, dos sete aos quatorze anos, cumplicidade das mães que temem principalmente das mulheres em que não suportando a violência fu- a reação do parceiro ou do marido e giu de casa, só retornando dez anos uma sociedade justa e igualitária. CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação Mátria Março de 2007
  • 14. TRABALHO EM DOBRO Presentes em tempo integral Se o dia tivesse 36 horas, ainda seria pouco para o número de tarefas que as mulheres precisam assumir De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísti- ca, IBGE, nos últimos dez anos, o número de famílias chefiadas por mulheres aumentou aproxima- damente 35%, passando de 22,9%, em 1995, para 30,6%, em 2005. São mulheres que desafiam as leis da física. Conseguem estar ao mesmo tempo em dois lugares; enquanto trabalham o dia inteiro fora, ad- ministram a vida de mãe, dona- de-casa e esposa. A pesquisa do IBGE também revela que cresceu o número de lares onde a chefia é feminina, apesar da presença do cônjuge. As mulheres ganharam, por- tanto, não só espaço, mas acumu- Jornada intensa de trabalho impede que Nilza Cristina conviva mais com a família Q laram funções. Mesmo com maior uando a professora Nilza para enfrentar mais de dez horas de participação no mercado de traba- Cristina dos Santos beija jornada. Moradora da cidade de For- lho e toda a mudança no padrão seus filhos pela manhã, mosa, em Goiás, ela viaja cinqüenta familiar brasileiro, o que se perce- sabe que só os verá de novo quan- minutos até chegar à escola onde be é que a responsabilidade pelos do já for noite. Ela é professora da dá aulas – em Planaltina, cidade-sa- afazeres domésticos ainda é predo- Educação Infantil e uma das milha- télite de Brasília. Todos os dias, faz minantemente feminina, e 92% das res de educadores que enfrentam uma viagem interestadual para tra- mulheres ocupadas no País decla- uma longa jornada de trabalho para balhar. raram que cuidam das tarefas de manter seu lugar ao sol. “O espaço Irene Fernandes não é pro- casa. Os números revelam que as que a mulher ocupa hoje na socie- fessora, mas tem em comum com mulheres gastam, em média, 25,2 dade e no mercado de trabalho é Nilza a jornada pesada de trabalho. horas semanais em atividades do uma conquista, mas nós temos que Com 39 anos, mantém dois empre- lar, contra 9,8 horas dos homens lidar com a contrapartida que é a gos e mais uma série de bicos para dedicadas a casa semanalmente. sobrecarga e, às vezes, deixamos de poder criar seus quatro filhos. Ela é Para a socióloga Bila Sorj, ser mulher para desempenhar nos- separada e seu dia também começa da Universidade Federal do Rio so papel de mãe dos filhos, do ma- de madrugada. Mora em Ceilândia, de Janeiro, todo o espaço conquis- rido e dos alunos”, comenta Nilza. cidade-satélite de Brasília e também, tado pelas mulheres é altamente O dia de Nilza começa às pela manhã, beija seus filhos com a positivo “o problema é que o au- 5h50, quando acorda e se prepara certeza de que só os verá à noite. mento da participação feminina CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação Março de 2007 Mátria
  • 15. TRABALHO EM DOBRO e vai dormir, enquanto a gente tem as que estão à sua volta. O dia cro- “de acordo com o um monte de coisas para fazer an- nometrado para que tudo seja feito tes de fechar os olhos”, diz. e dê tempo para tudo vira rotina ibGe, nos últimos dez “De modo geral, os homens na vida do casal – quando casadas começam a dividir o trabalho do- – e dos filhos. Quando Nilza chega anos, o número de méstico com as mulheres. Todavia, em casa, no fim do dia, os filhos já a participação masculina nas ati- sabem que é hora de revisar as ta- famílias chefiadas por vidades domésticas ainda é muito refas escolares. Ela tem ainda uma pequena e o ritmo de envolvimen- condição privilegiada: “tenho um mulheres aumentou to masculino tem sido muito len- marido que me permite sair e ter to, de modo que essa evolução não uma vida corrida porque ele cuida aproximadamente acompanhou a evolução da parti- também dos filhos”, afirma. cipação feminina no mercado de No fim das contas, as mu- 35%, passando de trabalho, que foi muito acelerada lheres terminam tendo que com- nas últimas três décadas”, analisa pensar a sua ausência de alguma 22,9% em 1995 para Bila. forma e por telefone administram A correria diária das mães, o dia-a-dia doméstico. “Não posso 30,6%, em 2005” mulheres e profissionais, termina abrir mão da educação de meus fi- influenciando na rotina das pesso- lhos”, afirma Nilza. no mercado de trabalho não foi acompanhado de uma maior par- ticipação dos parceiros nos cuida- dos da casa e da família, de modo que a luta das mulheres deve ser por uma melhor repartição do tra- balho familiar, principalmente dos cuidados com as crianças, com os parceiros e pela ampliação das ins- tituições públicas como creches e pré-escolas e escolas em tempo in- tegral”, avalia. Irene chega a sua casa por volta das 22 horas. É quando come- ça a sua terceira jornada. Ela ajuda os filhos em seus deveres de casa e prepara as refeições do dia seguin- te, deixando tudo pronto para que as crianças possam tocar o dia. Se- parada há dois anos e meio, Irene não titubeia na hora de comparar a jornada do homem com a da mu- lher que, segundo ela é muito mais pesada do que a masculina. “O ho- mem que trabalha, chega em casa Irene precisa do apoio da mãe para dar conta da carga pesada de trabalho CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação Mátria Março de 2007
  • 16. POLÊMICA 4 Igualdade na mente e na cor Texto e Fotos: Katia Maia Programa de cotas nas universidades começa a mostrar resultados positivos Geucilene e Renata concordam que o preconceito existe, mas não sentem muito a discriminação. A ca de ensino e de etnias para indí- Afirmativas da Seppir – Secretaria discussão em torno do sis- genas. A verdade é que essa política Especial de Políticas de Promoção tema de cotas para estu- sofreu, e ainda sofre, muitas críticas, dantes afro-descendentes, da Igualdade Racial. De acordo com mas o desempenho dos cotistas e os em universidades públicas brasilei- ela, o que se tem observado, nas ins- resultados acadêmicos que têm sido ras, tem dado muito pano para man- tituições onde há o sistema de cotas, gerados derrubam muitos dos argu- ga. Mas, a roupa que se começa a cos- é que a nota de corte do cotista, em mentos contrários. Está na moda. turar com os programas de políticas relação à do aluno que entra numa “A discussão em torno das co- da cor já apresenta contornos de alta universidade pelo método universal, tas é positiva. É necessária essa inter- costura. Atualmente, segundo o Mi- de um modo geral, não ultrapassa os ferência do Estado, ou da sociedade nistério da Educação, 30 instituições 0,8 pontos. “Qualquer educador sabe privada, no sentido de reparar essa de ensino público superior oferecem que numa avaliação, uma diferença situação de racismo arraigada na so- esse sistema de vagas, e aí incluem- dessas não é relevante para deter- ciedade”, rebate Maria Inês Barbosa, se também as chamadas cotas so- minar se um aluno é mais ou me- ciais para estudantes da rede públi- subsecretária de Políticas de Ações nos inteligente que o outro”, analisa. CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação Março de 2007 Mátria
  • 17. POLÊMICA 5 Sucesso acadêmico aos poucos vai mostrando que é tão dez anos para ser utilizado. Depois capaz quanto os outros alunos. “A disso, será feita uma avaliação dos A Universidade Estadual do gente vê muito mais negros. O sis- resultados. Ainda não há profissio- Rio de Janeiro (Uerj), foi a primei- tema de cotas trouxe a discussão nais formados nesse sistema, mas ra a adotar o sistema de cotas, em 2003, com base numa combina- do acesso igual a todas as pessoas”, o que se observa é que a simples ção de critérios raciais e sociais, afirma Geucilene. “Acho que a apli- presença dos negros no ensino su- em que se observou um índice de cação de cotas demorou muito. Não perior público abre uma série de aprovação total de 81,73% (alunos veio para resolver o problema, mas encadeamentos que vai desaguar aprovados em todas as discipli- traz a discussão de diversidade de- no mercado de trabalho. “Acho que nas cursadas) dentre os 153 alunos mocrática de acesso aos negros”, abre oportunidade no mercado de atendidos no sistema. O sucesso completa. Dentro da UnB há uma trabalho porque o negro passa a ter acadêmico dos cotistas revelou série de programas voltados para a as mesmas condições de escolari- que, tanto na evasão quanto na manutenção do aluno cotista que, dade que o branco”, diz Renata. “As média de rendimento, esses alunos em sua maioria, é carente. “A gente pessoas começam a se identificar apresentaram melhores resultados tem gastos e há alguns projetos de de forma positiva e vai sendo for- que os estudantes oriundos do ves- afirmação”, explica Renata. “O Co- mada uma nova geração. O negro, tibular tradicional. tista na Escola, por exemplo, leva que antes era observado apenas no O mesmo comportamento esse programa de cotas para as es- futebol e no carnaval – não que es- se repete na Universidade de Bra- colas. Nós vamos até lá para falar sas atividades não sejam importan- sília, onde foi criado um centro do sistema”, detalha a estudante. tes –, começa a ocupar agora todos de atendimento ao aluno cotista. O método tem um prazo de os espaços”, conclui Maria Inês. “O desempenho dos cotistas tem sido igual ou melhor que o dos ou- tros estudantes, e observamos que 10% dos aprovados no vestibular, pelo sistema universal, não fazem matrícula. Dentre os cotistas esse número não chega a 1%”, avalia Ja- ques Gomes de Jesus, assessor de diversidade e apoio aos cotistas da UnB. Segundo ele, aos poucos, a presença do estudante negro vai ocupando seu espaço. No primei- ro vestibular de 2004, não houve a presença de negros na disputa pelo curso de Medicina, por exem- plo. Hoje, esse número já alcança os 10%. “Com o sistema de cotas, o que a gente vê hoje é que cada curso da UnB tem a presença dos negros”, comemora. Geucilene e Renata são alu- nas do curso de Serviço Social. Entraram na UnB, pelo sistema de cotas. Na avaliação delas, o cotista, “Com mais negros na universidade, percebe-se a democracia”, afirma Jaques. CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação Mátria Março de 2007
  • 18. SAÚDE 6 Síndrome da exaustão Burnout afeta 30% dos professores. Freqüentemente confundido com estresse ou síndrome do pânico, pode levar ao afastamento do educador, o que nem sempre é a melhor solução C ibele sabia que alguma coisa estava acontecendo. Dar au- las, trabalhar com educação sempre foi seu sonho, sua vocação. Mas, de uns tempos para cá, estava se sentindo cansada, desanimada e, em alguns momentos, até angustia- da com a perspectiva de entrar em sala de aula, enfrentar os alunos e fazer o que ela sempre soube fazer: educar. Professora há 28 anos, sem- pre foi dedicada e ativa, mas, co- meçou a achar que não dava mais conta das obrigações, “que o tempo não dava para cumprir as tarefas”, recorda-se. Antônia Cibele Figueiredo Li- gório não sabia, mas ela fazia parte de uma estatística que vem preo- cupando a área educacional, e sen- do pesquisada por especialistas do mundo todo: educadores vítimas do burnout. O nome vem do inglês: burn significa queimar, e out, exterior. Juntando as duas, tem-se exaustão. Um tipo de síndrome que, segundo pesquisa realizada pelo Laboratório de Psicologia do Trabalho da Uni- pra cá, a identificação do burnout Iône Vasques-Menezes, coor- versidade de Brasília, UnB, afeta tem revelado que a síndrome é um denadora do Laboratório de Psicolo- 30% dos professores em todo o País. excelente termômetro, muito sensí- gia do Trabalho da UnB, alerta para O levantamento, que ouviu 52 mil vel a tudo que está ocorrendo com o o fato de que o burnout e a síndrome professores, funcionários e especia- profissional de educação, refletindo do pânico muitas vezes são confun- listas em educação de 1.440 escolas as condições de trabalho, sociais, sa- didas. “Há sintomas da síndrome públicas, foi feita em conjunto com lariais, dentre outras, do educador. do pânico semelhantes a sintomas a Confederação Nacional dos Traba- Por isso, o burnout também funcio- secundários do burnout. Há uma lhadores em Educação (CNTE). na como um elemento a mais no con- relação de interface”, diz. Segundo Os dados são de 2002 e de lá junto dos instrumentos de gestão. ela, aos poucos, começam a apa- CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação Março de 2007 Mátria
  • 19. SAÚDE recer os sinais de que algo não vai são raros no Brasil os casos de pro- Cibele sente falta da vida de bem no trabalho, e o estresse é a ex- educadora, de estar dentro de uma fissionais afastados do trabalho por plicação mais comum. O profissio- escola, ensinando, aprendendo. Um causa da síndrome de burnout. Ela nal começa a apresentar enxaqueca, exemplo típico de cuidadores, que ainda não consta na CID, mas está dor de estômago, taquicardia, queda têm na profissão o envolvimento nas leis trabalhistas. de cabelo. “Nesse conjunto de sinto- com pessoas e o cuidado com o ser O afastamento nem sempre mas, de fato, o burnout assemelha- humano, ela recorda-se que, come- é a melhor solução. Segundo a pro- se à síndrome do pânico”, disse. çou a sentir que algo estava errado fessora Iône, se existe um proble- Iône explica que os sintomas quando a ansiedade na hora de en- ma de relacionamento, existe uma – físicos, psíquicos ou de trabalho trar em sala de aula era incontrolá- situação de trabalho que pode es- – geralmente são vistos, no início, vel. “Eu sofria por antecipação. Até tar adoecida e, nesse caso, é preciso de forma isolada. Dentre eles, estão preparava as aulas, mas na hora de tratar dentro das condições de tra- sudorese, palpitação, medo, senti- entrar em sala de aula, eu via que balho. Pesquisa realizada em 2004, mento de quem não vai ser capaz não ia dar conta e sentia tremores, de realizar o trabalho, angústia. A a visão ficava turva, tinha labirinti- Foto: Katia Maia partir daí, o profissional começa a te...”, conta. vivenciar outras situações que o le- “Dentro das categorias profis- vam a ficar arredio, irritadiço, dis- sionais mais suscetíveis ao burnout tanciando-se cada vez mais dos alu- estão aquelas nas quais o afeto é nos e se fechando para o mundo. inerente e imprescindível ao exer- Existem situações e determi- cício das tarefas diárias”, afirma a nados tipos de trabalho que favore- professora Iône. E, para os profis- cem o adoecimento do profissional. sionais que sofrem de burnout, o “O burnout é um tipo de doença que comportamento que se percebe é de ocorre com quem trabalha cuidan- exaustão profissional, desumaniza- do de pessoas, os cuidadores. Nessa ção e reduzida realização profissio- categoria estão os profissionais de nal. “Quem tem sofrimento com o saúde, médicos, enfermeiros, agen- trabalho é porque tem envolvimen- tes penitenciários, policiais e pro- to com o que faz”, diagnostica Iône. fessores”, atesta. A verdade é que a síndrome burnout Cibele: momentos de angústia e apreensão diante de alunos em sala de aula Cibele tinha vergonha de é uma realidade que vem roubando seus sintomas e de ter que recorrer o tempo, a dedicação e o envolvi- em dez estados brasileiros, pela a atestados para tratar-se. “Eu que- mento de centenas de milhares de CNTE, revelou que 30,4% dos pro- ria que alguém me compreendesse profissionais em educação de todo fessores e funcionários de escolas e não tinha. O meio, por incrível o mundo e é uma matéria que tem tiveram ou têm problemas de saú- que pareça, reage de forma hostil e sido debatida em congressos da de, sendo que 22,6% necessitaram minha tendência foi isolar-me dos área. “Em praticamente todos os de licenças, afastando-se temporá- meus colegas de trabalho”, conta. congressos já há um painel sobre o ria ou definitivamente do trabalho. Afastada há dois anos de suas ati- assunto”, revela Juçara Dutra Vieira, As principais enfermidades relacio- vidades profissionais, Cibele não presidente da CNTE e autora do li- nadas ao trabalho e apontadas pela tem diagnosticado o motivo de seu vro Identidade Expropriada, Retrato do pesquisa são doenças psiquiátricas afastamento. “Os médicos não que- Educador Brasileiro. “Ainda falta a se- e neurológicas, calos nas cordas vo- rem me dizer. A minha psicóloga cretarias de saúde olharem para a cais, problemas cardíacos e de co- diz que saber não é bom para mim”. escola como um ser doente que pre- luna, varizes e alergias ao giz. Apesar de reconhecida desde 1999, cisa ser tratado”, conclui Iône. CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação Mátria Março de 2007