1) O documento discute a Lei da Paternidade no Brasil, que completa 15 anos visando garantir igualdade de direitos entre todos os filhos, sejam eles concebidos dentro ou fora do casamento.
2) No entanto, pesquisa realizada em escolas de Piauí apontou que 66,4% das crianças sem reconhecimento paterno nasceram após a lei, indicando falta de efetividade na garantia desses direitos na prática.
3) A universalização dos direitos depende de valorizar a palavra da mulher
3. EDITORIAL
Mulheres desafiam preconceitos
F
alar da mulher não envolve apenas uma pessoa, mas o universo da fa-
mília e o bem-estar comum da sociedade. Da primeira à última página
desta edição, a revista Mátria revela a mulher em diversos setores, sem
distinção de cor, religião ou nível social. Elas são meigas, proativas, delicadas,
bravas, generosas, submissas e independentes, entre tantas outras definições, o
que possibilita inúmeras formas de amar e ser amada, como ela é, com menos
restrições que antes.
Com esse novo perfil, podemos traçar o avanço da mulher em diferen-
tes fases de sua vida, deixando claro que é possível ser feliz, independente do
meio em que vive. Como ser humano, mostra a fragilidade diante da submissão,
como é o caso da mulher islâmica, e, de outro, ela pode ser guerreira e agir com
sabedoria e precaução para defender os seus interesses e os daqueles que dela
dependem. Falar sobre o feminino, hoje em dia, é debruçar-se sobre um campo
que abrange questões contemporâneas, como a independência da mulher desde
a infância, período em que ela começa a desvincular-se de antigos preconceitos,
passando pela vida adulta, depois pela fase madura até chegar à terceira idade.
Décadas de transformações sociais, históricas e econômicas possibilita-
ram à mulher ocupar novos lugares na cena social, ter acesso ao mercado de
trabalho, apropriar-se de seu corpo e de sua sexualidade, aproximando-a de seu
desejo. Contudo, essas mesmas transformações que caracterizam a vida con-
temporânea produzem novas formas de subjetividade e sofrimento psíquico,
quando elas mesmas não aceitam seu querer.
Essa voz da mulher que não se cala quer igualdade de direitos com os
homens, não na força, mas no intelecto, traduzidas em novos comportamentos
que incluem a decisão de curtir a vida até quando der e só aos 40 anos decide
pela maternidade, a esconder ou não sua orientação sexual – apesar da discrimi-
nação pelas lésbicas, as atividades das mulheres após os 70 anos – o que garante
a longevidade com qualidade de vida, optar por ter ou não ter o filho – podendo
utilizar-se do aborto para isso, ter o direito de registrar o filho sem ser casada
– seja lá qual for a condição do pai, assim como colocar em prática a Lei Maria da
Penha e os cuidados para evitar a Aids que, na maioria das vezes, é transmitida
por parceiros fixos.
Mas, uma das grandes lições femininas está na vida e obra da escritora
goiana, Cora Coralina, exemplo de fé, coragem e talento, não só na arte de es-
crever, como na arte de fazer doces. Quem não conhece vai amar, e quem já co-
nhece sua história vai deleitar-se com versos da mulher que o mundo conheceu
aos 77 anos.
Portanto, o contexto da sexta edição da Mátria mostra que nunca é tarde
para começar ou recomeçar a vida, e que ser mulher é um privilégio.
Boa leitura!
Direção Executiva da CNTE
CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação Mátria
Março de 2008
4. LEI MARIA DA PENHA
A
o completar um ano da
Mulheres mais
promulgação da Lei Ma-
ria da Penha, os números
falam por si sobre sua eficácia. Na
amparadas opinião da ministra da Secretaria
Especial de Políticas para as Mu
lheres, Nilcéa Freire, a lei é vitoriosa
Embora os números apontem progresso na sua execução, porque, num país onde as leis po-
ainda há empecilhos que favorecem os agressores por má
dem pegar ou não, essa, no entendi-
interpretação da legislação
mento da ministra “pegou”. Embora
ainda haja uma longa estrada pela
frente.
Nesse primeiro ano, mais de
10 mil processos foram instaurados.
Em 50% deles, foram aplicadas me-
didas para impedir que o agressor
chegue perto da vítima. Um levan-
tamento feito pela Secretaria Espe-
cial de Políticas para as Mulheres
(SPM) junto aos Tribunais de Justiça
de todo o País, revelou os números
de inquéritos e prisões em flagran-
te ocorridas na região Centro-Oeste,
por exemplo, que resultou em 3.501
processos criminais, enquanto no
Sudeste, 2.994. Quanto às medidas
protetivas de urgência, no Centro-
Oeste, foram registradas 1.723, en-
quanto 1.632 na região Sul e 1.207
no Sudeste. Quanto às prisões em
flagrante, foram 256 na Sul, contra
86 na região Sudeste.
Até agora, apenas 15 dos 27
estados brasileiros criaram Juizados
de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher, que têm competên-
cia civil e criminal para processar,
julgar e executar as causas decor-
rentes da prática de violência contra
a mulher. O Ceará, por exemplo, está
entre os que distribuem esse tipo de
processo para varas criminais co-
muns, e o resultado, muitas vezes,
é o atraso na punição ao agressor.
A ministra ressaltou em um
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Mátria
5. LEI MARIA DA PENHA
artigo que “é no mínimo prema- violência contra a mulher. A maio- Os críticos à lei, como a
turo afirmar que diminuiu ou au- ria dos casos saiu do juizado espe- desembargadora do Tribunal de
mentou a incidência dos fenôme- cial, que punia com cestas básicas, Justiça do Rio Grande do Sul,
nos, como também é impossível para as varas criminais, onde os ju-
Maria Berenice Dias, que também
determinar as razões pelas quais ízes avaliam esses processos como
é vice-presidente nacional do
em algumas cidades aumentou ou se fossem casos menores.
Instituto Brasileiro do Direito de
diminuiu o número de ocorrên- Um exemplo que chocou o
cias/denúncias”. País, em outubro do ano passado, Família (Ibdfam), já declararam
Para a deputada federal Ja- foi o de um representante legítimo que a Lei Maria da Penha assegura
nete Rocha Pietá (PT – SP) é fun- do Poder Judiciário, o juiz de Sete proteção à vítima, mas não prende
damental que as autoridades exe- Lagoas (MG), Edilson Rumbelsper-
o agressor, que só vai para a cadeia
cutivas, judiciárias e legislativas ger Rodrigues, que declarou em
se descumprir as determinações
atentem para a criação dos referi- sentença o seu descaso e precon-
judiciais.
dos Juizados Especializados como ceito em relação às mulheres. “Ora,
instrumento de plena aplicação da a desgraça humana começou no De acordo com a desembar-
Lei Maria da Penha. “Não temos só Éden: por causa da mulher, todos gadora, a única forma de dar efe-
que fazer a lei, mas também exigir nós sabemos, mas também em vir- tividade à lei é criando a Vara de
a sua aplicação”, declarou. tude da ingenuidade, da tolice e da
Violência Doméstica – para resol-
Em alguns estados, como fragilidade emocional do homem
ver o descaso das varas criminais.
São Paulo, o número de denúncias (...) O mundo é masculino! A idéia
Medida que, embora prevista na lei,
de agressão diminuiu. Foram cria- que temos de Deus é masculina!
dos 47 juizados especializados em Jesus foi homem!”, disse. (veja box) não tem prazo para ser instalada.
Triste realidade
Em outubro de 2007, o juiz de Sete Lagoas (MG) Edilson Rumbelsper- Nacional de Justiça abriu processo
ger Rodrigues considerou inconstitucional a Lei Maria da Penha e rejei- administrativo contra Edilson Ro-
tou pedidos de medidas contra homens que agrediram e ameaçaram suas drigues, mesmo não sendo de sua
companheiras. A lei é considerada um marco na defesa da mulher contra competência julgar a atividade dos
a violência doméstica, e o juiz chegou a sugerir que o controle sobre a vio- juízes. Seguindo por unanimida-
lência contra a mulher tornará o homem um tolo. de a decisão do corregedor-geral
“Para não se ver eventualmente envolvido nas armadilhas dessa lei de justiça e ministro do Superior
absurda, o homem terá de manter-se tolo, mole, no sentido de ver-se na Tribunal de Justiça, Cesar Asfor
contingência de ter de ceder facilmente às pressões”, declarou. Rocha, o CNJ entendeu que é ne-
Rodrigues classificou a lei de um “conjunto de regras diabólicas, um cessário examinar de forma mais
monstrengo tinhoso”, e completou: “A família estará em perigo, como in- aprofundada as decisões do juiz.
clusive já está: desfacelada”. A “mulher moderna, dita independente, que
nem de pai para seus filhos precisa mais, a não ser dos espermatozóides”.
Serviço: A Secretaria
E assim agia o juiz todas as vezes que lhe caíam às mãos pedidos de
Especial de Políticas para as
autorização para adoção de medidas de proteção contra mulheres sob ris-
Mulheres colocou à disposi-
co de violência por parte do marido, usando sempre uma sentença-padrão,
ção o telefone 80 para
repetindo praticamente os mesmos argumentos. Rodrigues responde pela
denunciar a violência domés-
comarca, que abrange oito municípios da região metropolitana de Belo Ho-
tica e orientar o atendimento
rizonte, com cerca de 250 mil habitantes.
Acionado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres, o Conselho
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6. ARTIGO
Sem efetividade, Lei da Paternidade
completa quinze anos Ana Liési Thurler |
Doutora em sociologia, professora e pesquisadora da Universidade de Brasília
O
Estado brasileiro, inedita- Pesquisa em 199 escolas do O Estado brasileiro reconhe-
Piauí, em 40 pontos do estado, rea-
mente, passou a admitir ce o direito à igualdade de trata-
lizada na primeira etapa da imple-
a igualdade de direitos mento entre todas as crianças, mas
mentação do projeto Paternidade e
entre todos os filhos concebidos tem tido dificuldades em garantir
Cidadania nas Escolas uma parceria
e nascidos no casamento ou fora na vida esse direito. Democracia
CNTE/UnB indicou que, no univer-
dele, em relações estáveis ou em requer universalização de direitos
so encontrado de 5.990 estudantes
relações eventuais com a Consti- e o caminho inclui atribuição de
do ensino fundamental sem reco-
tuição de 1988. O § 6º do art. 227, valor à palavra da mulher, ques-
nhecimento paterno freqüentando
que trata da questão foi regula- tão situada no âmbito dos Direitos
a rede pública em 2006, 66,4% nas-
mentado em 29 de dezembro de Humanos das Mulheres, implican-
ceram depois da aprovação da lei.
1992, por meio da Lei nº 8.560, co- do eliminar o princípio da mentira
nhecida como Lei da Paternidade (ou presumida, que sempre vigorou na
“A precária
Lei Nelson Carneiro). lei e na jurisprudência, e conferir
Passados 15 anos de sua às mães brasileiras o direito de
efetividade da Lei da
aprovação, cabem algumas inter- declarar o pai de suas crianças. A
rogações: o direito ao reconheci-
adoção da presunção de verdade da
Paternidade coloca
mento paterno assegurado na lei
palavra da mulher coloca o impera-
está garantido na vida? A Lei da
tivo da inversão do ônus da prova
o imperativo da
Paternidade tem efetividade?
da paternidade, medida que já vi-
No Brasil, entre 2000 e 2006,
inversão do ônus da gora na América Latina: no Peru,
foram lavrados 25.120.252 registros
foi aprovada lei nesse sentido, em
civis de nascimento, conforme da-
prova da paternidade” 8 de janeiro de 2005.
dos do IBGE. Pesquisas permitem-
A precária efetividade da Lei
nos adotar uma estimativa de 25%
da Paternidade coloca o imperati-
de não-reconhecimento paterno, o No Distrito Federal, em 2000,
vo da inversão do ônus da prova
que representaria 6,2 milhões de no universo de crianças sem reco-
da paternidade para universalizar-
crianças uma média anual, nesse nhecimento paterno em oito esco-
mos uma igualdade real de direitos
período, de 885 mil crianças sem las públicas de Brazlândia, 27,8%
entre nossas crianças. A igualdade
reconhecimento paterno. Mesmo nasceram após a aprovação da Lei da
como princípio está consagrada,
se, mais otimistas, admitirmos Paternidade e, em 2002, nesse mes-
mas a universalização da igualda-
uma estimativa de 20% de não- mo grupo de escolas, a incidência
de na vida, entre todos esses atores
reconhecimento paterno, os nú- foi 46,1%, portanto, um incremen-
sociais, ainda está por ser construí-
meros continuam altos: cinco mi- to de 65,8%. Os números apontam
da. Permanece o desafio de reduzir
lhões de crianças somente com a para uma resistência a mudanças
a deserção da paternidade, superar
filiação materna estabelecida em de padrões de comportamento re-
desigualdades na parentalidade e
seus registros, no século XXI, sig- lativos à paternidade e à filiação,
universalizar o direito à igualdade
questionando a efetividade da lei e
nificando uma média anual de 714
a necessidade de avaliá-la.
mil crianças. entre todas as filhas e filhos.
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Mátria
7. ISLÃ
Universo feminino a toda prova Por: Ana Paula Domingues
As mulheres islâmicas tiveram direito ao voto, ao divórcio e à herança muito antes do que
as ocidentais, mas ainda vivem sob o rigor das leis islâmicas. A jornalista Ana Paula Padrão
conviveu com elas e conta sua experiência
Foto: BohPhoto/ Kent, OH, USA.
Algumas mulheres islâmicas têm uma vida de castração e subserviência
N
o dia 12 de setembro de “Schmoozing With Terrorists” (Pa- o primeiro a cortar as cabeças de
2007, o jornal Folha de São peando com Terroristas, em tradução Madonna e Britney Spears, se elas
Paulo publicava a notícia literal), livro escrito pelo jornalista continuarem a disseminar a sua
de que um grupo palestino defen- Aaron Klein. No texto, ele especula cultura satânica contra o Islã (...). Se
dia a morte de Madonna e Britney sobre uma eventual queda dos Es- essas duas prostitutas continuarem
Spears. “Essas cantoras são imorais, tados Unidos diante da Al-Qaeda a fazer o que estão fazendo, claro
disseminam a corrupção e, portan- e pergunta aos milicianos palesti- que vamos puni-las”, alertava o por-
to, merecem morrer”, disse o por- nos qual seria o destino de artistas ta-voz. Para grande parte das mulhe-
ta-voz dos Comitês de Resistência como Madonna e Britney Spears. res do mundo, Madonna representa
Popular, Mohammed Abed-Al (Abu A notícia foi para a mídia, um ideal feminista. É uma mulher
Abir). citando as frases do porta-voz: “Se que começou sua carreira e perse-
A afirmação confirma as conhecer essas prostitutas, terei a verou numa época em que o mun-
declarações do recém-publicado honra – repito, terei a honra – de ser do era considerado “dos homens”.
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8. ISLÃ
Foto: Acervo Ana Paula Padrão
Deserto do Afeganistão, em julho de 2000, com uma criança que nunca havia visto uma mulher sem burca
A jornalista Ana Paula Padrão aos quais são submetidas. Milhares está certa. Há coisas culturais de
confirma a teoria, por ter conheci- determinadas regiões que têm que
de mulheres ocidentais que traba-
do essa realidade de perto, só que ser respeitadas como culturais. Se
lham, têm filhos e administram
no Brasil. “Foi nos anos 1980 que se isso é uma agressão àquele povo,
carreira, casamento, vida social e
deu a maciça entrada do ‘sexo frágil’ obviamente tem que ser resolvido.
familiar, sentem uma espécie de re-
no mercado de trabalho em nosso Se vai ser resolvido por uma for-
volta e indignação com a situação
país, o que já havia acontecido um ça externa ou pelo próprio povo, é
feminina nos diversos países de
pouco antes no Primeiro Mundo. uma questão que a história vai di-
religião islâmica. O que fazer com
Fui uma dessas mulheres. Durante zer. Percebi isso logo e nunca tentei
esse sentimento? Relativizá-lo é o
muitos anos, por falta de modelos impor os meus valores. É óbvio que
mais difícil, mas, talvez, o mais cor-
femininos para copiar, só tínhamos sou contra a castração feminina. É
reto, como diz Ana Paula Padrão.
referências masculinas no merca- claro que sou contra teocracias que
Respeito à cultura
do. Se nos anos 1950 os papéis eram proíbem mulheres de estudar, de
“Uma coisa que aprendi via-
bem definidos, nos 1980 as mulhe- trabalhar, mas se vou para uma vila
jando, não só nos países islâmicos
res começaram a entrar no univer- no interior do Afeganistão, onde
abertos, mas nos islâmicos fecha-
so que era masculino e os homens mulheres nasceram, filhas de mães
dos, nos pobres ou ricos, é que se
ficaram mais ou menos no mesmo que usavam burcas, eu não posso
você levar a sua expectativa e o seu
lugar”, compara a jornalista. chegar para aquela senhora de 80
modo de ver o mundo, você nunca
Por essa ousadia, é emblemá- anos e dizer: ‘isso não está certo’.
vai entender as pessoas que encon-
tico que grupos islâmicos tenham A senhora tem de tirar essa burca
trar. Se você acha que o certo para
Madonna como alvo. A vida (ou e discutir com o seu marido a rela-
o planeta é que uma mulher seja
sobrevivência?) das mulheres nes- ção. Ela se sente protegida pela bur-
independente, possa usar a roupa
ses países não poderia ser mais ca, gosta, é o jeito de ela ser feliz. A
que escolher, do jeito que escolher,
distinta do ideal libertário e ex- ignorância limita? Limita, mas não
que trabalhe fora e estude, você vai
pressivo que a cantora americana deve ser uma viajante que vai para
achar que todos os lugares que não
promove, o que seria, em si, uma lá dizer o que é errado.”
ameaça aos regimes totalitários são assim estão errados e só você Já é sabido que algumas mu-
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Mátria
9. ISLÃ
lheres islâmicas têm uma vida de ma maneira que não se pode dizer pretações radicais feitas sobre ela.
O trabalho de Leila já teve ampla
castração e de subserviência. Po- ‘a mulher cristã’, não se pode dizer
repercussão na imprensa brasileira
rém, é importante enfatizar um ‘a mulher islâmica’. Cada mulher é
de grande circulação. O Corão con-
ponto que nem sempre é menciona- uma mulher, cada país é um país,
tém passagens que mostram que,
do: as condições das mulheres não e cada cultura é uma cultura. Uma
para Alá, homens e mulheres são
são as mesmas em todos os países. coisa é a mulher islâmica afegã, ou-
iguais. Como aconteceu, então, essa
Há alguns, como o Egito, onde há tra, inteiramente diferente, é a islâ-
variação das leis divinas? As in-
regulamentos mais flexíveis, e ou- mica iraniana ou a do Paquistão. Da
terpretações foram supostamente
tros, como a Arábia Saudita, em que mesma forma, mulher cristã não é
sendo desviadas, mal traduzidas e
as leis são mais extremas. O Alcorão, tudo igual, seja na América Latina,
alteradas através dos anos, até che-
livro sagrado dos muçulmanos, é na Europa ou nos Estados Unidos.
garem à forma em que estão hoje.
bem claro quando diz que a mulher Há países islâmicos em que a mu-
A jornalista ressalta que, no
tem direitos sobre o marido e o ma- lher não precisa se cobrir inteira.
atual momento, não viajaria para
rido sobre a mulher. O Islã foi uma Em outros, só precisa cobrir a cabe-
a região. “Andar na rua e conversar
religião que inovou nos direitos da ça em sinal de respeito, assim como
com as pessoas é um risco muito
mulher em coisas que a Europa só tem alguns que nem é obrigada. Só
grande e eu tenho coisas para per-
conseguiu tempos depois. A mulher se tiver que entrar em algum lugar
der“ confessa.
no Ocidente não votava. A muçul- mais formal.”
mana tem esse direito desde o surgi- Segundo a pesquisadora Lei-
Precursora
mento do Islã. A mulher tem direito la Ahmed, especialista em estudos
A violência a que Ana Paula se
ao divórcio e à herança, o que acon- da mulher e do Oriente Próximo,
refere é a mesma que fez mais uma
teceu bem mais tarde na Europa. da Universidade de Massachuset-
vítima em dezembro de 2007: a ex-
As idas de Ana Paula Padrão ts, nos Estados Unidos, o rigor das
Primeira-Ministra do Paquistão Be-
a vários países de cultura islâmica leis em relação às mulheres não
nazir Bhutto foi morta aos 54 anos,
vêm confirmar essas diferenças. está nas bases da religião islâmica,
durante um atentado suicida em
“Não dá para generalizar. Da mes- e, sim, em grande parte, nas inter-
Rawalpindi, cidade próxima à Isla-
mabad. Benazir foi a primeira mu-
Foto: www.flickr.com
lher na história moderna a chefiar
o governo de um país muçulmano.
Ela governou o Paquistão por duas
vezes, de 1988 a 1990 e de 1993 a 1996.
Observadores afirmam que o
regime militar a via como uma alia-
da natural nos seus esforços para
isolar as forças religiosas e os seus
militantes radicais. Nos meses que
antecederam a sua morte Benazir
emergiu como uma forte opositora
do governo. Alguns acreditam que
suas conversas secretas com o re-
gime militar eram uma traição às
forças democráticas porque essas
negociações reforçaram o poder do
presidente Musharraf. Outros enca-
Benazir Butho foi a primeira mulher na história moderna a chefiar o governo de um país muçulmano
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10. ISLÃ
8
ravam essas conversas como indi- cômodo. Mas, uma percepção sobre da família. O importante na vida de
cativas de que os militares já não as mulheres que conheceu, talvez, uma mulher é gerenciar outras vi-
a viam com desconfiança vendo-a seja a mais especial e forte de todas das e preservar muito as que estão
como algo bom para a democracia. as emoções. em torno dela. Ela está sempre jun-
Os países ocidentais viam-na como “Independente de onde elas tando coisas, fazendo grupos, apro-
uma líder popular. vivam, as mulheres são muito pa- ximando pessoas, e isso é muito
Diante do quadro de revolta recidas na essência, mais do que os importante para ela. Se você pensar
dos que testemunham a violên- homens ao redor do mundo, porque nas grandes mudanças sociais que
cia contra aqueles que lutam pelos esses são mais influenciados pela aconteceram no mundo, as mulhe-
direitos humanos, Ana Paula Pa- cultura e pelo momento da histó- res foram protagonistas de várias.
drão oferece sua experiência como ria que estão vivendo. Mulheres Em geral, mais corajosas, mais pre-
resposta. “A sociedade tem a sua muito parecidas no mundo inteiro, paradas, mais ousadas, as mobiliza-
mecânica, seu tempo, seu ciclo. É sejam islâmicas, cristãs, pobres ou doras de um movimento social que
assim em qualquer lugar, indepen- ricas, ocidentais ou orientais têm acaba mudando alguma coisa.
dente da cultura. Apanhei muito
necessidades muito semelhantes. Se você pegar a mulher
para aprender isso. Hoje sei que as
Elas são sempre o elo da família. A brasileira dos anos 1950; a brasileira
coisas têm um tempo, que eu tenho
família está sempre ligada, de algu- dos anos 2000; a mulher africana, de
de esperar e ter paciência”.
ma maneira, pela ação da mulher; Uganda ou a do Egito; elas, em mo-
Essência feminina mesmo nos lugares onde o homem mentos diferentes, essencialmente,
pode está casado com várias mu- são as mesmas pessoas preocupa-
Todos os conflitos, histórias e
lheres; onde as mulheres podem das em preservar, em gerar a vida
experiências vividas pela jornalista
casar com vários homens; onde elas e preservá-la, em manter o grupo
Ana Paula Padrão em suas viagens
são pagãs e acreditam nos deuses coeso, em produzir coisas em be-
pelo mundo, levaram-na a diversos
da natureza; onde reverenciam Alá. nefício do outro, da comunidade”,
sentimentos. Às vezes, revolta, ou-
tras vezes pena e tantas outras in- Mulheres sempre são o elo complementa.
Foto: Acervo Ana Paula Padrão
No deserto do Afeganistão mulher posa ao lado do comandante de uma tropa Talibã
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Mátria
11. CONFERÊNCIA DE MULHERES
Encontro para reflexões e decisões
Mulheres de todo o Brasil lutam por seus direitos e buscam deveres
da sociedade para diminuir a discriminação em todas as esferas
M
uita discussão, consta-
Foto: Capa Anais da Conferência de Mulheres / Brasília 2007
tação e a promessa do
presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, de mais de R$ 1 bilhão
para investimento no Programa de
Enfrentamento à Violência contra a
Mulher. A II Conferência Nacional
de Políticas para as Mulheres, rea-
lizada em Brasília, de 17 e a 20 de
agosto de 2007, foi um momento de
reflexão e debate sobre a situação da
mulher no País, mostrando avanços,
conquistas e os deveres que os Pode-
res e a sociedade ainda têm em rela-
ção à situação da mulher no Brasil.
“Consideramos que a II Con-
ferência possibilitou uma visão
crítica da implementação do Plano
Nacional de Políticas para as Mulhe-
res, mostrando, por exemplo, que o
envolvimento dos estados e muni-
cípios em sua implementação foi
muito aquém do desejado”, lamen-
tou a ministra da Secretaria de Polí-
ticas para as Mulheres, Nilcéa Freire.
O encontro reuniu mais de
três mil mulheres, entre delegadas
e convidadas. De acordo com a mi-
reafirmou os compromissos já as- um desafio temos pela frente: ga-
nistra, foi uma oportunidade de
sumidos pelo Governo Lula em rantir igualdade de participação de
perceber, por meio dos debates, a
seu primeiro mandato e incluiu no mulheres e homens nos espaços de
necessidade que há de aprofundar
debate novos temas como a subre- poder”, pondera.
no Brasil a discussão sobre temas
presentação feminina nos espaços Temas como meio ambiente,
como comunicação e mídia, além
de poder “que tanto empobrece a racismo, lesbofobia, comunicação e
de dar mais visibilidade a outros,
nossa democracia e perpetua a de- aborto foram intensamente debati-
como a dupla discriminação que
sigualdade”. “Para nós, ficou muito dos e ganharam mais destaque na
sofrem as mulheres negras.
claro que a paridade é uma meta a agenda para os próximos anos. A II
Em contrapartida, segundo
alcançar e uma forte reivindicação CNPM incorporou seis novos eixos
ela, a II Conferência Nacional de
Políticas para as Mulheres (CNPM) das mulheres brasileiras. Portanto, ao plano e, segundo Nilcéa Freire:
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12. CONFERÊNCIA DE MULHERES
0
“A II Conferência serviu para rea- leceram-se os princípios e diretrizes trativas, municipal, estadual e fede-
firmar proposições já definidas na I que deveriam orientar a elaboração ral”, explicou.
Conferência, como a de legalização do Plano Nacional de Políticas para A previsão é de que a próxi-
do aborto”. as Mulheres e “Na II Conferência ma Conferência Nacional de Políti-
As conferências têm se reve- já pudemos avaliar o Plano e seu cas para as Mulheres seja realizada
lado um dos principais instrumen- processo de implementação. Isto em 2011, em Brasília, mas, antes, há
tos de consulta à sociedade nas possibilita o permanente aperfei- o lançamento do II Plano Nacional
mais diferentes áreas. Com relação çoamento das políticas a partir da de Políticas para as Mulheres no dia
às Políticas para as Mulheres, não é visão de seus próprios beneficiários 8 de março de 2008, celebrando o
diferente. Na I Conferência estabe- e gestores nas três esferas adminis- Dia Internacional da Mulher.
DESRESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS situação vivenciada pela menor”.
Foi enviada uma comissão inter-
Foto: Arquivo Mátria
dos presos, que obteve a liberda- ministerial ao estado do Pará e jun-
de, denunciou a atrocidade. Na
to com o Ministério da Justiça e a
ocasião, os posicionamentos de
Secretaria de Direitos Humanos,
autoridades locais chocaram mais
“trabalhamos e continuamos a agir
ainda quem acompanhava o caso.
para reverter as condições que pro-
O delegado-geral do Pará, Raimun-
piciaram a brutal situação”, disse.
do Benassuly, chegou a dizer que a
No dia 13 de dezembro de
menina tinha problemas mentais
2007, o Grupo de Trabalho Intermi-
por não ter avisado que era menor
nisterial entregou à ministra Nil-
de 18 anos. A jovem, no entanto,
céa Freire e ao ministro da Justiça,
afirmou ter nascido em dezembro
Tarso Genro, o relatório preliminar
de 1991 e, portanto, ter 15 anos. Nos
com o diagnóstico do sistema car-
depoimentos, ela deu mais detalhes
da prisão e das relações sexuais a cerário feminino, incluindo pro-
que foi forçada a manter dentro da postas de medidas emergenciais.
cela. A adolescente confirmou que Segundo o relatório, as mulheres
foi ameaçada de morte pelos três cumprem pena em condições in-
Nilcéa: Governo toma providências
policiais que a prenderam, caso tor- salubres (presença de insetos e ro-
nasse público o episódio. edores, ausência de saneamento
Apesar de toda discussão e “O caso ocorrido com a me- básico, pouca ventilação etc.). Os
avanços percebidos no Brasil no nina L., no Pará, é de profundo des- espaços destinados a creches são
que se refere aos direitos da mu- respeito aos direitos humanos e
precários e não há critérios para de-
lher, da criança, do adolescente, o inadmissível, e evidencia a cultura
finir a separação das mães dos seus
País assistiu chocado, em 2007, ao machista persistente em nossa so-
filhos. Elas não têm garantia plena
caso da menina L., de 15 anos, co- ciedade e desnuda comportamen-
de visitas íntimas e há repressão às
locada numa cela com 26 homens tos que não são incomuns no apa-
relações homoafetivas.
por mais de um mês, na cidade de rato policial e judiciário”, avaliou a
A ministra garantiu que as
Abaetetuba, no Pará. Na prisão, a ministra Nilcéa Freire.
medidas foram prontamente aca-
menina sofreu abuso sexual e era Ela explicou que desde que a
tadas e para colocá-las em prática,
obrigada a manter relações sexuais Secretaria de Políticas para as Mu-
“determinamos às nossas equipes
com os presos em troca de comida. lheres soube do episódio, foram
internas um plano de ação a ser exe-
O caso ganhou repercussão tomadas as medidas que “julga-
nacional e veio à tona porque um mos mais apropriadas à dramática cutado imediatamente”, afirmou.
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13. BULLYING
Bullying*: uma brincadeira
de mau gosto Texto: Katia Maia
A agressão “fere a alma” da vítima, levando o estudante à baixa-estima, que pode chegar
ao suicídio. O fenômeno avança no mundo e chega ao Brasil. Docentes e profissionais afins
discutem a forma de conter o aumento da violência escolar
Ilustração: Fernando Morales
O
Brasil ficou chocado com as imagens de estudantes protagonizan-
do cenas de violência em seis vídeos divulgados por eles mesmos
pela internet. As imagens feitas por celulares de alunos de dois colé-
gios de Cuiabá (MT) foram disponibilizadas no site de entretenimento You Tube
e divulgadas em reportagem veiculada para todo o Brasil. Os vídeos mostram
que as pancadarias entre os adolescentes são incentivadas por outros estudan-
tes, que assistem a tudo de perto. Há até quem faça a narração do episódio. Em
um momento, um jovem diz, antes de a briga começar: “mais um round hoje.
Ontem foi fraco, foi fraco...”. Em seguida, dois estudantes começam a trocar
socos e pontapés na rua enquanto vários colegas assistem.
* A palavra inglesa bullying (de bully, “valentão”) não tem similar na língua portuguesa, mas pode ser compreendida como uma violência praticada de forma sistemática
e intencional por crianças e adolescentes no ambiente escolar, com o intuito de amedrontar, difamar, discriminar, tiranizar e excluir.
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14. BULLYING
cruzaram os braços. Aos poucos,
iniciativas vão sendo desenvolvi-
das em escolas e instituições de
ensino para combater essa prática.
Como exemplo, cita a escola muni-
cipal Cardeal Leme, de São José do
Rio Preto (SP), onde um trabalho
vem sendo desen-
volvido, por meio
% do programa Edu-
cação para a Paz.
Em três meses de
Este é o funcionamento já
percentual de colhe bons resul-
bullying entre tados.
os estudantes O trabalho
brasileiros. de combate a essa
A média mundial
Bricandeiras com atitudes agressivas tomam conta das escolas prática, muitas
é de 0% a 35% e vezes, esbarra na
A brincadeira a que os estu- 45% de todos os
direção da escola
há locais em que
dantes se referem reflete uma reali- estudantes de
que, segundo José
esse índice sobe
dade presente em várias escolas do ensino médio
Augusto, nem
para 65%.
País – o fenômeno do bullying, que do País. A média
sempre facilita
não passa de um conjunto de atitu- mundial é de 0% Fonte: Centro Multiprofissional
medidas contra a
de Estudos e Orientação sobre o
des agressivas intencionais, repeti- a 35% e há locais Bullying Escolar (Cemeobes) expansão do fenô-
tivas e sem razão aparente, cometi- que atingem 65%.
meno. “A escola
do por um aluno – ou grupo – que
Pesquisa não sabe, em mui-
causa sofrimento a outro. “Trata-se
A Associação Brasileira Mul- tos casos, discernir entre um ato de
de uma epidemia. O bullying, assim
tiprofissional de Proteção à Infân- indisciplina e um ato infracional”,
como a violência, é uma dinâmica
cia e Adolescência (Abrapia) rea- explica Pedra. Outro exemplo de
psicossocial expansiva e tem forma lizou, em 2002, no Rio de Janeiro, iniciativa bem-sucedida está em
de irradiação. Cresce de forma mais pesquisa sobre o fenômeno. Os Paraguaçu Paulista, “onde a tarefa
veloz do que atos isolados possam pesquisadores entrevistaram 5.875 de casa está sendo feita”. Ele conta
contê-la”, alerta José Augusto Pe- estudantes de 5ª a 8ª séries, de 11 que a Câmara Legislativa e a Ordem
dra, vice-presidente da ONG bra- escolas fluminenses. O resultado dos Advogados do Brasil mobiliza-
siliense Centro Multiprofissional revelou que 40,5% dos ouvidos con- ram-se com os setores de saúde e
de Estudos e Orientação sobre o fessaram o envolvimento em atos educação e mapearam a violência
Bullying Escolar (Cemeobes). de bullying, como agressores ou na cidade. “Em Brasília, infelizmen-
Enquanto o Brasil se como vítimas. De acordo com José te, não conseguimos a inserção nas
impressiona com as notícias de Augusto Pedra, a preocupação com escolas públicas”, lamenta.
estudantes norte-americanos o problema está mais presente em A Secretaria de Educação do
que disparam armas contra seus escolas particulares do que nas pú- Distrito Federal destaca iniciativas
colegas, a realidade aqui não é muito blicas. isoladas que vêm sendo adotadas
diferente. Segundo levantamento Diante do quadro, professo- em escolas com índice preocupan-
do Cemeobes, o bullying atinge res de várias cidades brasileiras não te de violência entre os alunos e
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15. BULLYING
que têm gerado bons resultados. Na exceder o limite razoável de uma Fante, presidente do Cemeobes. Se-
brincadeira. “Para tudo eu tinha
cidade de São Sebastião, há pouco gundo ela, as vítimas tendem a ser
uma piadinha”, revelou. Ao perce-
mais de 20 km de um dos bairros pessoas isoladas, com problemas
ber que o seu comportamento po-
mais nobres da capital do País, o de auto-estima ou podem procurar
deria trazer incômodo e sofrimen-
Lago Sul, a Escola Classe Vila do nas gangues, delinqüência e consu-
to aos colegas de escola, mudou
Boa é a única da cidade de ensino mo de drogas a válvula de escape.
sua atitude. “Pedi desculpas para
fundamental e uma das que apre- José Augusto, do Cemeobes,
muita gente. Hoje, penso duas ve-
sentavam maior índice de bullying defende a capacitação de profes-
zes antes de sair zombando de al-
entre as crianças. sores. “No curso de formação re-
guém”. A mudança de atitude veio gular não se toca no assunto e o
Conscientização depois do trabalho realizado no educador tem de estar preparado
Lá está sendo realizado um
para diagnosticar o problema”. De
trabalho de conscientização, en-
acordo com ele, além do constran-
volvendo toda a escola. “Há três Os meninos estão gimento a que o aluno é submeti-
anos a gente trabalha valores aqui.
mais envolvidos do, há ainda as conseqüências psi-
A cada bimestre, escolhe-
com o bullying com cológicas que vão desde a queda
mos um tema como solidariedade,
uma freqüência de raciocínio à perda da socializa-
fraternidade ou amor próprio, e
muito maior, ção e dificuldade de se relacionar.
montamos um calendário”, conta
tanto como “A pessoa chega à loucura, como
Luana Pimentel, coordenadora pe-
autores quanto aconteceu no caso da Filadélfia”,
dagógica da escola. Ela explica que
referindo-se ao caso do estudante
como alvos.
a violência verbal e até agressões
que se matou com um rifle na es-
Entre as meninas,
eram comuns entre os alunos e,
cola em que estudava em um su-
muitas vezes, atingiam também os embora com búrbio da Filadélfia.
professores. “Pouco a pouco, quan- menor freqüência, Ele destaca que também é
do fomos trabalhando os valores,
o bullying alto o índice de suicídios de estu-
os alunos foram melhorando”, or-
também ocorre dantes no Brasil, principalmente
gulha-se.
e caracteriza-se, em capitais do Nordeste. “O jovem
A escola elaborou, em par-
principalmente, quer dar cabo da própria vida. Quer
ceria com os alunos, uma espécie
como prática matar e se matar”, disse. Ele conta
de estatuto do aluno. Nele, foram
de exclusão ou que, na Paraíba, houve um caso de
colocados os direitos do estudan-
difamação. um estudante que reclamou várias
te, seus deveres, o que é proibido
vezes da violência que sofria e che-
e suas punições. Luana reconhece
gou a fazer um vídeo, vestindo um
que ainda há muito a fazer, ainda
capuz, ameaçando a escola.
Centro de Ensino Médio 1 de So-
existem muitas ocorrências por
Cenas que chocam um país
bradinho (DF), em 2005, onde Patrí-
xingamentos e agressões mas se-
inteiro e que começam com uma
cia estudava.
gundo ela, o número diminuiu bas-
simples brincadeira infantil depre-
“Não se trata apenas de al-
tante e ela arrisca até uma queda
ciando o outro, podem ter um fim
cunhas e gozações naturais entre
de 60% na violência. “Os alunos es-
trágico. “A sociedade não agüenta
crianças e adolescentes, mas, sim,
tão mais interessados”, justifica.
mais, são necessárias ações ime-
de atitudes agressivas, repetitivas
Ultrapassando limites diatas para podermos combater
e adotadas por um ou mais alu-
nos em relação a outro que, por ser os males que o bullying provoca em
Patrícia Kelly Rodrigues as-
fraco, mostra-se incapaz de se de- jovens e crianças e na sociedade”,
sume que seu lado excessivamen-
fender”, explicou a pedagoga Cléo
te brincalhão pode, muitas vezes, desabafa José Augusto.
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16. ORIENTAÇÃO SEXUAL
Ser ou não ser
Pessoas que sentem atração sexual pelo mesmo sexo recebem apoio do
Governo Federal, que criou 15 programas de combate ao sexismo e à homofobia
E
Foto: Divulgação
ra uma amizade que se
tornou segredo, há lugares
que não devemos voltar, há
mentiras que devemos revelar, há
verdades que não devemos negar.
As frases definem o filme Brokeback
Mountain, que foi sucesso de bilhe-
teria em todo o mundo, faturan-
do quatro Globos de Ouro e três Os-
cars. No enredo, o amor entre dois
vaqueiros norte-americanos. Na
platéia, pais, mães, filhos, famílias
inteiras que se emocionaram com
a história e defenderam o amor dos
dois. Pelo menos, nas telas!
Na vida real, o drama de jo-
vens homossexuais revela que ain-
Harmonia e aceitação entre os jovens
da há um longo caminho a ser per-
corrido. “Minha mãe não sabe que pelo assassinato de 2.403 gays, lés- estudem no mesmo local que gays
me relaciono com meninas. Estou bicas e travestis nos últimos 20 e lésbicas.
esperando o momento certo para anos. Sendo 120 dessas mortes Isso faz oito anos e a per-
contar a ela. Não sei como será a ocorridas no estado do Paraná. gunta que se impõe é: a situação
reação dela, mas sei que não posso A Organização das Nações mudou? O governo brasileiro tem
esconder por muito tempo. Acho Unidas para a Educação, a Ciência tomado algumas iniciativas para
que vou esperar ficar mais velha, e a Cultura (Unesco) publicou, em combater a homofobia. Em agosto
ter meu próprio emprego e ser dona 2000, o estudo Juventudes e Sexu- de 2007, o Ministério da Cultura
da minha própria vida”, revelou alidade, fruto de uma pesquisa em
lançou o Programa de Fomento a
C.M., de 14 anos. 14 capitais brasileiras, com 16.422
Projetos de Combate à Homofobia,
A postura de C.M. é a de mui- estudantes de escolas públicas e
com o objetivo de promover a ci-
tos jovens e revela uma censura ve- privadas, 3.099 professores e 4.532
dadania homossexual e combater a
lada àqueles cuja orientação sexual mães e pais dos estudantes. O le-
discriminação e a violência contra
foge dos padrões estabelecidos na vantamento indicou, entre outros
gays, lésbicas, transgêneros e Bis-
sociedade. tópicos que, aproximadamente 27%
sexuais (GLTB).
O Brasil ainda é tido como dos estudantes não gostariam, por
O programa contou com o
um país heterosexista, ou seja, exemplo, de ter um colega de classe
apoio do Ministério da Educação,
suprime os direitos dos homoss- homossexual, 60% dos professores
que instituiu um grupo de trabal-
exuais. Segundo o Grupo Gay da não sabem como abordar a questão
ho e, em 2006, financiou a instala-
Bahia (GGB), somente no Brasil, a em sala de aula e 35% dos pais e
homofobia é responsável direta mães não apóiam que seus filhos ção de 30 Centros de Referência de
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17. ORIENTAÇÃO SEXUAL
Prevenção e Combate a Homofobia tista etc. Qualquer que seja a mani- segredo até os 16 anos, quando
que, somados aos 15 instalados em festação, inevitavelmente leva à in- foi flagrado pela avó, com quem
justiça e à exclusão social de quem
2005, formam uma rede de 45 pon- morava, colecionando revistas por-
a sofre.
tos de atendimento para a popula- nográficas para gays. “Foi horrível!”,
Os jovens, em seu momento
ção sobre cidadania e direitos hu- relembra. Minha avó disse que ia
de escolhas, definições e postura
manos da população de gays, lésbi- procurar ajuda e me mandou para
diante da sociedade vivenciam o
cas, bissexuais e transgêneros. Os um psicólogo. Para se livrar da
momento da orientação sexual.
Centros atendem nas capitais dos pressão da família, foi dizer que
Segundo o médico Elioenai Alves,
estados e em diversas cidades do estava “curado”. Para o dr. Elioenai,
coordenador do Nesprom, Ceam
interior. Em 2007 mais seis centros “a falta de preparo da família e do
– UnB e professor titular do Depar-
foram instalados na Bahia, Pará, próprio sujeito sobre a sexualidade
tamento de Enfermagem, FS/UnB,
Goiás, Rio Grande do Sul e Ceará. não é tarefa fácil”, afirma.
“isso é fruto de todo o complexo
O Ministério da Educação Tanto ele quanto o médico
interjogo no qual as mais diver-
apóia, em todo o País, 15 projetos Eduardo Ravagni, pesquisador no
sas orientações sexuais devem ser
de capacitação de profissionais da Nesprom, professor-adjunto da Fa-
pautadas sem a justificativa da de-
educação para cidadania e diver- culdade de Educação da UnB, “acre-
terminação biológica, uma vez que
sidade sexual, com o envolvimento ditam que ninguém está preparado
o desejo representa a pulsão que,
de Secretarias de Educação, uni- para a ‘diferença’, uma vez que ela
convenhamos, não está situada em
versidades e o movimento de gays, nos surpreende por ser complexa,
nenhum órgão específico do corpo
lésbicas, transgêneros e bissexuais e, aí, a sexualidade unida à diferen-
humano”, explica.
(GLTB). A finalidade é apoiar a qual- ça aumenta ainda mais o descon-
ificação de gestores e professores
Omissão forto da família, do professor ou
com relação ao desenvolvimento do próprio colega diante de um su-
Thiago Eduardo, 22 anos,
de uma cultura de respeito e recon- jeito que não se comporta de forma
professor de inglês, diz que sem-
hecimento da diversidade sexual igual aos outros”.
pre foi homossexual. “Eu me soube
no combate ao sexismo e a homo- Thiago conta que sempre foi
gay desde sempre”, afirma, embora
fobia.
tenha mantido a sua verdade em um aluno brilhante e justifica que
Nas escolas e na família, se-
Foto: Divulgação
gundo Rita quadros, ex-conselheira
do Conselho Nacional dos Direitos
das Mulheres (CNDM), ativista lés-
bica e participante da ONG Obser-
vatório da Mulher, ainda há uma in-
experiência em lidar com a questão
da sexualidade. Ela explicou que
“quando nascemos, ganhamos de
graça a heterosexualidade e quan-
do você se depara com o outro e
procura o seu lugar no mundo, vem
a sensação de solidão”, disse.
A homofobia, no Brasil,
porém, pode ser clara ou velada,
envolvendo a discriminação na
seleção de um emprego, locação de
imóveis, escolha do médico, den Thiago: frente a frente com a realidade
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