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FACULDADE DE TECNOLOGIA E CIÊNCIAS DE ITABUNA – FTC
Curso: DIREITO
Disciplina: Direito Civil II
Professor: Paulo Sérgio dos Santos Bomfim (apud Prof. Rafael de Menezes)



      DIREITO CIVIL II – TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES – FTC

       Neste semestre começa a ser estudada a parte especial do Direito Civil, esta que
é a mais extensa disciplina do curso de Direito, com sete períodos, um da parte geral, já
visto, e seis da parte especial. Além de disciplina mais extensa e mais importante do
curso, o Direito Civil hoje predomina sozinho no Direito Privado. Vocês sabem que as
normas jurídicas têm duas grandes divisões conforme estudado na Teoria Geral do
Direito: o Direito Público e o Direito Privado. É Direito Público o Direito
Constitucional, Administrativo, Processual, Penal e Tributário. Já o Direito Civil,
Comercial e do Trabalho integram o Direito Privado, mas só o Direito Civil é privado
por excelência. Isto porque o Direito Comercial tem se aproximado do Direito Público
neste séc. XXI de mundo globalizado e mercados internacionais como a União
Européia, o Mercosul – Mercado Comum do Sul, a Nafta da América do Norte, a Alca
– Área de Livre Comércio das Américas, etc. Cada vez mais as nações participam e se
integram em blocos econômicos, aproximando o Direito Comercial do Direito Público.
Igualmente o Direito do Trabalho, um filho do Direito Civil, aproxima-se do Direito
Público na medida em que o Estado interfere nas relações empregatícias para proteger e
tornar indisponíveis direitos dos trabalhadores. Tenho um artigo no meu site chamado
“A importância do Direito Privado apesar da publicização do Direito” onde afirmo
inclusive que o Direito do Trabalho é Direito Público, confiram! A publicização é
justamente este avanço do Direito Público sobre o Direito Privado, com o Estado
sufocando nossas atividades, atrofiando a economia, controlando nossa rotina,
cobrando multas e impostos, porém fornecendo pouco em troca... O que vocês acham?

       Bem, voltando ao cível, hoje vocês começam o estudo da parte especial do
Direito Civil, e durante seis semestres serão estudados os quatro grandes temas cíveis:
obrigações, reais, família e sucessões. No Direito das Obrigações vocês vão conhecer
as normas que tratam das relações das pessoas entre si, é por isso que o Direito das
Obrigações é também conhecido como Direito Pessoal. As obrigações entre as pessoas
se originam de vários modos, especialmente do contrato.

       Já no Direito Real serão estudadas as normas que tratam das relações das pessoas
com os bens, sendo também chamado de Direito das Coisas. Existem vários direitos
reais (art. 1.225) e o principal deles é a propriedade.

       Então ao longo da nossa vida, eu, vocês, João, José e Maria nos relacionamos
com várias pessoas, através dos contratos, e nos apropriamos de vários bens,
adquirindo propriedade, para a formação de um patrimônio. Este é o sentido da vida:
estudar e trabalhar para ficar rico! O Direito Civil é o direito dos ricos! Perdoem-me os
espiritualistas, mas dinheiro é muito importante na nossa vida, especialmente na nossa
velhice quando estamos mais vulneráveis. Pois bem, todo esse patrimônio que nós
                                                                                       1
juntamos na nossa vida será transferido a nossos herdeiros após nossa morte. Desta
transmissão de bens cuida o Direito das Sucessões.

       O Direito das Obrigações, o Direito das Coisas e o Direito das Sucessões
integram a chamada autonomia privada, ou seja, é o campo do Direito Civil onde os
particulares se relacionam entre si, com grande liberdade, na celebração de contratos e
na apropriação de bens que lhes interessam, para a formação de um patrimônio que será
transferido aos familiares após a morte. Se no Direito Público só se pode fazer o que a
lei permite, no Direito Civil pode-se fazer tudo o que a lei não proíbe, ou seja, a
liberdade aqui é bem maior.

       Dos quatro ramos do Direito Civil, só o Direito de Família sobra deste
raciocínio. Sem dúvida o Direito de Família pertence ao Direito Civil, afinal trata das
relações entre familiares, e nada é tão íntimo e privado quanto a família de cada um de
nós. Além disso, tais familiares, via de regra, são os herdeiros do patrimônio adquirido
na nossa vida. Mas no Direito de Família as questões econômicas não predominam
tanto quanto no resto do Direito Civil, afinal o que alimenta a família é o amor, é a
sensibilidade, é a amizade e não o dinheiro. Em suma, o Direito de Família integra o
Direito Civil, mas não integra a autonomia privada.

      Concentrando-nos no Direito das Obrigações, objeto dos próximos dois
semestres, podemos conceituá-lo como a disciplina que trata das relações harmônicas
entre as pessoas para a satisfação dos seus interesses individuais. Digo “relações
harmônicas” porque a sociedade exige harmonia, sob pena de conflito e caos social.
Digo “satisfação de interesses” porque uma pessoa não consegue produzir sozinha tudo
que precisa para viver, e por impulso precisa se relacionar com outra para obter bens de
seu interesse. As relações obrigacionais acontecem a todo instante e são o suporte
econômico da sociedade moderna de consumo, especialmente através do contrato de
compra e venda.

      Quanto mais a gente compra, aluga, troca, empresta, etc., mais dinheiro circula
na economia, mais as lojas vendem, mais as fábricas produzem, mais os empresários
lucram, mais empregos são gerados e mais impostos são arrecadados.Todos ganham!
Mas para gastar é preciso ter dinheiro, e para isso é preciso trabalhar, e para isso é
preciso estudar. Estudem pois!

                                    OBRIGAÇÃO

       Na primeira aula conceituamos o Direito das Obrigações e o situamos dentro do
Direito Civil, bem como situamos o Direito Civil dentro do ordenamento jurídico.
Vamos hoje tratar da obrigação.

       Conceito:

      Todos temos obrigações na nossa vida, seja para com o país (ex: serviço militar,
votar nas eleições, pagar impostos) seja para com a família (1.566). Mas a obrigação
que nos interessa neste curso é a obrigação civil. Num conceito mais simples, a
obrigação é o direito do credor contra o devedor. Num conceito mais completo, a
                                                                                       2
obrigação é um vínculo jurídico transitório em virtude do qual uma pessoa fica sujeita a
satisfazer uma prestação econômica em proveito de outra. Expliquemos:

        - vínculo jurídico: o vínculo é o motor da obrigação e precisa interessar ao
Direito; um vínculo apenas moral (ex: ser educado, ser gentil, dar “bom dia”) ou
religioso (ex: ir a missa todo Domingo) não tem relevância jurídica;

         - transitório: a obrigação é efêmera, tem vida curta (ex: uma compra e venda de
balcão dura segundos), podendo até ser duradoura (ex: alugar uma casa por um ano),
mas não dura para sempre. Inclusive um direito de crédito se extingue quando é
exercido (ex: José bate no carro de Maria, quando Maria cobra o prejuízo e José paga, a
obrigação se extingue). Já os Direitos Reais são permanentes, e quanto mais exercidos
mais se fortalecem (ex: a propriedade sobre uma fazenda passa por gerações de pai para
filho, e quanto mais a fazenda for usada mais cumprirá sua função social, ficando livre
de invasões e desapropriação). Há outras diferenças dos Direitos Reais para os Direitos
Obrigacionais que serão abordadas em Civil 4.

        - prestação: é o objeto da obrigação e se trata de uma conduta ou omissão
humana, ou seja, sempre é dar uma coisa, fazer um serviço ou se abster de alguma
conduta. Dar, fazer e não-fazer, estas três são as espécies de obrigação, voltaremos a
elas abaixo.

       - econômica: toda obrigação precisa ter um valor econômico para viabilizar a
responsabilidade patrimonial do inadimplente se não for espontaneamente cumprida.
Em outras palavras, se uma dívida não for paga no vencimento o credor mune-se de
uma pretensão e a dívida se transforma em responsabilidade patrimonial. Que pretensão
é esta de que se arma, de que se mune o credor? É a pretensão a executar o devedor
para atacar/tomar seus bens através do Juiz (391, 942). E se o devedor/inadimplente
não tiver bens? Então não há nada a fazer pois, como dito, a responsabilidade é
patrimonial e não pessoal. Ao credor só resta espernear, é o chamado na brincadeira
“jus sperniandi”. Realmente já se foi o tempo em que o devedor poderia ser preso,
escravizado, esquartejado e morto por dívidas, pois isto hoje atenta contra a dignidade
humana. Os únicos casos atuais de prisão por dívida são no contrato de depósito, que
veremos em Civil 3 (652), e na pensão alimentícia, assunto de Direito de Família.

       Elementos da obrigação: são três:

        a) duplo sujeito: o Direito das Obrigações trata das relações entre pessoas, então
toda obrigação tem dois sujeitos, um ativo, chamado credor, e um passivo, chamado
devedor. Não existe relação obrigacional com apenas um sujeito (381). Pode haver num
dos pólos mais de um credor e mais de um devedor (257). Numa relação simples, sabe-
se exatamente qual das partes é a credora e qual é a devedora (ex: José bate no carro de
Maria, então José é devedor e Maria é credora), mas numa relação complexa ambos os
sujeitos são simultaneamente credores e devedores (ex: contrato de compra e venda,
onde o comprador deve o dinheiro e é credor da coisa, e o vendedor deve a coisa e é
credor do dinheiro). Tais obrigações complexas são também chamadas de
sinalagmáticas. Os sujeitos precisam ser bem identificados para que o devedor saiba a
quem prestar, e o credor saiba de quem receber. Excepcionalmente o devedor pode ser
                                                                                        3
desconhecido (ex: qualquer pessoa que adquira imóvel hipotecado responde pela
dívida, apesar de não ter originariamente assumido a obrigação; 303, mais detalhes em
Civil 5) e o credor também pode ser desconhecido (ex: o credor faleceu ou
desapareceu, deve então o devedor pagar na Justiça para se livrar da obrigação, 334;
outro ex: 855).

       b) vínculo jurídico: o vínculo liga os sujeitos ao objeto da obrigação. O vínculo é
a força motriz da relação obrigacional. O vínculo seria qualquer acontecimento
relevante para o direito capaz de fazer nascer uma obrigação (ex: um acidente de
trânsito gera um ato ilícito, um acordo de vontades produz um contrato, etc).

       c) objeto: atenção com o objeto! O objeto da obrigação não é uma coisa, mas um
fato humano/uma conduta ou omissão do devedor chamada prestação. A prestação
possui três espécies: dar, fazer, ou não-fazer. Na obrigação de dar o objeto da prestação
é uma coisa (ex: dar dinheiro, dar uma TV), mas o objeto da obrigação é a ação de
entregar a coisa, não a coisa em si. Na obrigação de fazer o objeto da prestação é um
serviço (ex: o cantor realiza um show, o advogado redige uma petição, o professor
ministra uma aula). Finalmente, na obrigação de não-fazer, o objeto da prestação é uma
omissão/abstenção (ex: o químico da fábrica de perfume é demitido e se obriga a não
revelar a fórmula do perfume).

       Como o objeto da obrigação é a prestação, mesmo na obrigação de dar o credor
não tem poder sobre a coisa, mas sim sobre a prestação (ex: compro uma geladeira e a
loja promete me entregar em casa, mas a loja não cumpre, não posso por isso invadir a
loja e pegar a geladeira à força, devo sim exigir perdas e danos, 389 – trata-se da
responsabilidade patrimonial do devedor, como dito acima).

      As obrigações de dar e de fazer são positivas, e a de não-fazer é a chamada
obrigação negativa.

       O objeto da obrigação para ser válido precisa ser lícito (ex: comprar drogas,
contratar o serviço de um “pistoleiro”, etc), possível (ex: viagem no tempo, procurar
um anel no mar, encontrar um dinossauro vivo), determinável (a coisa devida precisa
ser identificada, 243) e ter valor econômico para viabilizar o ataque ao patrimônio do
devedor em caso de inadimplemento (947). Acrescentem “valor econômico” ao art.
104, II, do CC.

                            FONTES DAS OBRIGAÇÕES

         O Direito se origina dos fatos = ex facto iur oritur. As fontes do Direito são a
lei, a jurisprudência, a doutrina e os costumes, conforme estudado em Introdução ao
Direito. No caso das obrigações, quais suas fontes? De onde se originam as obrigações?
Ressalto que há muitas obrigações que interessam a outras áreas jurídicas e que têm por
fonte a lei, ex: obrigação de alimentar os parentes necessitados, assunto de Direito de
Família (1.696); obrigação de votar, assunto de Direito Eleitoral; obrigação de pagar
impostos, assunto de Direito Tributário; obrigação dos homens de prestar serviço
militar, etc.

                                                                                         4
Mas e as obrigações patrimoniais privadas? Como surgem as relações concretas
entre particulares tendo por objeto determinada prestação? São três as fontes segundo o
Código Civil, vejamos:

        1 – Contratos: esta é a principal e maior fonte de obrigação. Através dos
contratos as partes assumem obrigações (ex: compra e venda, onde o comprador se
obriga a pagar o preço e o vendedor se obriga a entregar a coisa). No próximo semestre
serão estudados com detalhes os inúmeros contratos (ex: locação, doação, empréstimo,
seguro, transporte, mandato, fiança, etc).

         2 – Atos unilaterais: segundo nosso Código, são os quatro capítulos entre os
arts. 854 e 886, com destaque para a promessa de recompensa (ex: perdi meu cachorro
e pago cem a quem encontrá-lo, obrigando-me perante qualquer pessoa que cumpra a
tarefa). Não temos aqui um contrato, mas um ato unilateral gerador de obrigação,
como será visto no próximo semestre.

       3 – Atos ilícitos: já estudados no semestre passado, revisem o art. 186 (ex: João
bate no carro de Maria e se obriga a reparar os prejuízos). O estudo dos atos ilícitos
deve ser aprofundado na importante disciplina Responsabilidade Civil (927).

                            ESPÉCIES DE OBRIGAÇÃO

        São três, duas positivas (dar e fazer) e uma negativa (obrigação de não-fazer).

        1 – obrigação de dar: conduta humana que tem por objeto uma coisa,
subdividindo-se em três: obrigação de dar coisa certa, obrigação de restituir e obrigação
de dar coisa incerta.

        1.1 – obrigação de dar coisa certa: vínculo jurídico pelo qual o devedor se
compromete a entregar ao credor determinado bem móvel ou imóvel, perfeitamente
individualizado.

       Tal obrigação é regulada pelo Código Civil a partir do art. 233, salvo acordo
entre as partes, ou seja, se as partes não ajustarem de modo diferente, vão prevalecer as
disposições legais. Na autonomia privada, como dito na aula 1, a liberdade das partes é
grande, e o Código Civil serve mais para completar a vontade das partes caso haja
omissão no ajuste entre elas. Diz-se por isso que a maioria das normas de direito
privado são supletivas, enquanto a maioria das normas de direito público são
imperativas = obrigatórias.

        O que vai caracterizar a obrigação de dar coisa certa é porque o objeto da
prestação é coisa única e preciosa, ex: a raquete de Guga, o capacete de Ayrton Senna,
a camisa dez de Pelé, etc. (235). O devedor obrigado a dar coisa certa não pode dar
coisa diferente, ainda que mais valiosa, salvo acordo com o credor (313 – mais uma
norma supletiva).

       Se o devedor recebe o preço e se recusa a entregar a coisa, o credor não pode
tomá-la, resolvendo-se o litígio em perdas e danos (389). A obrigação não geral direito
                                                                                          5
real ( = sobre a coisa), mas apenas direito pessoal ( = sobre a conduta).
Excepcionalmente, admite-se efeito real caso a coisa continue na posse do devedor
(ex: A combina vender a B o capacete de Ayrton Senna, B paga mas depois A recebe
uma oferta melhor e termina vendendo o capacete a C; B não pode tomar o capacete de
C, mas caso estivesse ainda com A poderia fazê-lo através do Juiz; esta é a
interpretação do art. 475 do CC que vocês estudarão em Civil 3). Então o 389 é a regra
e o 475 (execução forçada do contrato) é a exceção.

        E se a obrigação não gera direito real, o que vai gerar? Resposta: a tradição para
as coisas móveis e o registro para as coisas imóveis. Tradição e registro são assuntos de
Direitos Reais mas que já devo adiantar. Tradição é a entrega efetiva da coisa móvel
(1226 e 1267), então quando compro uma geladeira, pago a vista e aguardo em casa sua
chegada, só serei dono da coisa quando recebê-la. Ao contrário, se compro um celular a
prazo e saio com ele da loja, o aparelho já será meu embora não tenha pago o preço
(237). Eventual perda/roubo da geladeira/celular trará prejuízo para o dono, seja ele a
loja ou o consumidor, a depender do momento da tradição. É a confirmação do
brocardo romano res perit domino (= a coisa perece para o dono), seja o comprador ou
o vendedor, até a tradição (492). Se o devedor danificar a coisa antes da tradição, terá
que indenizar o comprador por perdas e danos (239).

       Por sua vez, o registro é a inscrição da propriedade imobiliária no Cartório de
Imóveis, de modo que o dono do apartamento não é quem mora nele, não é quem
pagou o preço ou quem tem as chaves. O dono da coisa imóvel é aquele cujo nome está
registrado no Cartório de Imóveis (1245 e § 1º). Mais detalhes sobre tradição e registro
em Civil 4.

       1.2 – obrigação de restituir: é também chamada de obrigação de devolver. Difere
da obrigação de dar, pois nesta a coisa pertence ao devedor até a tradição, enquanto na
obrigação de restituir a coisa pertence ao credor, apenas sua posse é que foi transferida
ao devedor. Posse e propriedade são conceitos que serão estudados em Direitos Reais,
mas dá para entender que quando se aluga um filme, a locadora continua sendo
proprietária do filme, é apenas a posse que se transfere ao cliente. Então na locação o
cliente/devedor tem a obrigação de restituir o bem ao locador após o prazo acertado
(569, IV). Como se vê, na obrigação de restituir a prestação consiste em devolver uma
coisa cuja propriedade já era do credor antes do surgimento da obrigação. Igualmente
se eu empresto um carro a meu vizinho, eu continuo dono/proprietário do carro, apenas
a posse é que é transferida, ficando o vizinho com a obrigação de devolver o veículo
após o uso. Locação e empréstimo são exemplos de obrigação de restituir, ficando a
coisa em poder do devedor, mas mantendo o credor direito real de propriedade sobre
ela. Como a coisa é do credor, seu extravio antes da devolução trará prejuízo ao
próprio credor (240), enquanto na obrigação de dar o extravio antes da tradição traz
prejuízo ao devedor. Em ambos os casos, sempre prevalece a máxima res perit domino.
Mas é preciso cuidado para evitar fraudes (238, ex: alugo um carro que depois é
furtado, o prejuízo será da loja, por isso é prudente a locadora sempre fazer seguro).
 Outro exemplo de obrigação de restituir está no art. 1.233, então se “achado não é
roubado”, também não pode ser apropriado, devendo quem encontrar agir conforme o
p.ú. do mesmo artigo.

                                                                                        6
ESPÉCIES DE OBRIGAÇÃO (continuação)

1 – obrigação de dar

1.1 – obrigação de dar coisa certa

1.2 – obrigação de restituir (já vistas na aula passada)

1.3 – obrigação de dar coisa incerta: nesta espécie de obrigação a coisa não é única,
singular, exclusiva e preciosa como na obrigação de dar coisa certa, mas sim é uma
coisa genérica determinável pelo gênero e pela quantidade (243). Ao invés de uma
coisa determinada/certa, temos aqui uma coisa determinável/incerta (ex: cem sacos de
café; dez cabeças de gado, um carro popular, etc). Tal coisa incerta, indicada apenas
pelo gênero e pela quantidade no início da relação obrigacional, vem a se tornar
determinada por escolha no momento do pagamento. Ressalto que coisa “incerta” não é
“qualquer coisa”, mas coisa sujeita a determinação futura. Então se João deve cem
laranjas a José, estas frutas precisam ser escolhidas no momento do pagamento para
serem entregues ao credor.

      Esta escolha chama-se juridicamente de concentração. Conceito: processo de
escolha da coisa devida, de média qualidade, feita via de regra pelo devedor (244). A
concentração implica também em separação, pesagem, medição, contagem e expedição
da coisa, conforme o caso. As partes podem combinar que a escolha será feita pelo
credor, ou por um terceiro, tratando-se este artigo 244 de uma norma supletiva, que
apenas completa a vontade das partes em caso de omissão no contrato entre elas.

       Após a concentração a coisa incerta se torna certa (245). Antes da concentração a
coisa devida não se perde pois genus nunquam perit (o gênero nunca perece). Se João
deve cem laranjas a José não pode deixar de cumprir a obrigação alegando que as
laranjas se estragaram, pois cem laranjas são cem laranjas, e se a plantação de João se
perdeu ele pode comprar as frutas em outra fazenda (246).

      Todavia, após a concentração, caso as laranjas se percam (ex: incêndio no
armazém) a obrigação se extingue, voltando as partes ao estado anterior, devolvendo-se
eventual preço pago, sem se exigir perdas e danos (234, 389, 402). Pela importância da
concentração, o credor deve ser cientificado quando o devedor for realizá-la, até para
que o credor fiscalize a qualidade média da coisa a ser escolhida.



                                 OBRIGAÇÃO DE FAZER

       Obrigação de fazer: conduta humana que tem por objeto um serviço.
Conceito: espécie de obrigação positiva pela qual o devedor se compromete a
praticar algum serviço lícito em benefício do credor. Enquanto na obrigação de dar
o objeto da prestação é uma coisa, na obrigação de fazer o objeto da prestação é um
serviço (ex: professor ministrar uma aula, advogado redigir uma petição, cantor
fazer um show, pedreiro construir um muro, médico realizar uma consulta, etc.). E
                                                                                      7
se eu quero comprar um quadro e encomendo a um artista, a obrigação será de fazer
ou de dar? Se o quadro já estiver pronto a obrigação será de dar, se ainda for
confeccionar o quadro a obrigação será de fazer.

       A obrigação de fazer tem duas espécies:

        2.1 – fungível: quando o serviço puder ser prestado por uma terceira pessoa,
diferente do devedor, ou seja, quando o devedor for facilmente substituível, sem
prejuízo para o credor, a obrigação é fungível (ex: pedreiro, eletricista, mecânico,
caso não possam fazer o serviço e mandem um substituto, a princípio para o credor
não há problema). As obrigações de dar são sempre fungíveis pois visam a uma
coisa, não importa quem seja o devedor (304).

       2.2 – infungível: ao credor só interessa que o devedor, pelas suas qualidades
pessoais, faça o serviço (ex: médico e advogado são profissionais de estrita
confiança dos pacientes e clientes). Chama-se esta espécie de obrigação de
personalíssima ou intuitu personae ( = em razão da pessoa). São as circunstâncias
do caso e a vontade do credor que tornarão a obrigação de fazer fungível ou não.

        Em caso de inexecução da obrigação de fazer o credor só pode exigir perdas
e danos (247). Viola a dignidade humana constranger o devedor a fazer o serviço
por ordem judicial, de modo que na obrigação de fazer não se pode exigir a
execução forçada como na obrigação de dar coisa certa (art. 475 – sublinhem exigir-
lhe o cumprimento). Imaginem um cantor se recusar a subir no palco, não é razoável
o Juiz mandar a polícia para forçá-lo a trabalhar “manu militari”, o coerente é o
credor do show exigir perdas e danos (389). Ninguém pode ser diretamente coagido
a praticar o ato a que se obrigara. Assim, a execução “in natura” do art. 475 do CC
deve ser substituída por perdas e danos quando for impossível (ex: a coisa devida
não está mais com o devedor) ou quando causar constrangimento físico ao devedor
(ex: obrigação de fazer).

       Se ocorrer recusa do devedor de executar obrigação fungível, o credor pode
pedir a um terceiro para fazer o serviço, às custas do devedor (249). Havendo
urgência, o credor pode agir sem ordem judicial, num autêntico caso de realização
de Justiça pelas próprias mãos (pú do 249, ex: consertar o telhado de casa
ameaçando cair).

        Mas se tal recusa decorre de um caso fortuito (ex: o cantor gripou e perdeu a
voz), extingue-se a obrigação (248).

                            OBRIGAÇÃO DE NÃO-FAZER

       3 – Obrigação de não-fazer: trata-se de uma obrigação negativa cujo objeto da
prestação é uma omissão ou abstenção. Os romanos chamavam de obrigação ad non
faciendum. Conceito: vínculo jurídico pelo qual o devedor se compromete a se
abster de fazer certo ato, que poderia livremente praticar, se não tivesse se obrigado
em benefício do credor. O devedor vai ter que sofrer, tolerar ou se abster de algum
                                                                                    8
ato em benefício do credor. Exemplos: o engenheiro químico que se obriga a não
revelar a fórmula do perfume da fábrica onde trabalha; o condômino que se obriga a
não criar cachorro no apartamento onde reside; o professor que se obriga a não dar
aula em outra faculdade; o comerciante que se obriga a não fazer concorrência a
outro, etc. Pode haver limite temporal para a obrigação (1.147).

        Como na autonomia privada a liberdade é grande, as obrigações negativas
podem ser bem variadas, mas obrigações imorais e anti-sociais, ou que sacrifiquem
a liberdade das pessoas, são proibidas, ex: obrigação de não se casar, de não
trabalhar, de não ter religião, etc. Tudo é uma questão de bom senso, ou de
razoabilidade. Gosto muito da expressão “razoável”, é uma expressão muito ligada
ao Direito, inclusive tem um artigo no site sobre a razoabilidade na aplicação da lei,
confiram!

        A violação da obrigação negativa se resolve em perdas e danos, então se o
engenheiro divulgar a fórmula do perfume terá que indenizar a fábrica. Mas se for
viável, o credor poderá exigir o desfazimento pelo devedor (ex: José se obriga a não
subir o muro para não tirar a ventilação do seu vizinho João, caso José aumente o
muro, João poderá exigir a demolição, 251). No caso do perfume não há como
desfazer a revelação do segredo, então uma indenização por perdas e danos é a
solução (389).

        Neste exemplo do muro, se José se mudar, o novo morador terá que respeitar
a obrigação? Não, pois quem celebrou o contrato não foi ele. Mas se João, ao invés
de um simples contrato de obrigação negativa, fizer com José uma servidão predial,
todos os futuros proprietários da casa não poderão aumentar o muro (1.378).
Servidão predial é assunto de Civil 5, e por se tratar de um direito real, já se percebe
sua maior força em relação a um direito obrigacional. Enquanto uma obrigação
vincula pessoas (João a José), uma servidão predial vincula uma pessoa a uma coisa,
então a segurança para o credor é bem maior. Mais detalhes em Civil 5 (vide no site
aulas 8 e 9 de Direitos Reais na Coisa Alheia).

        Ainda tratando do exemplo do muro, e se a Prefeitura obrigar José a
aumentar o muro por uma questão de estética ou urbanismo? José terá que obedecer
e João nada poderá fazer, pois o Direito Público predomina sobre o Direito Privado
(250 – é o chamado “Fato do Príncipe”, em alusão aos monarcas que governavam os
países na Europa medieval).

          CLASSIFICAÇÃO ou MODALIDADES DE OBRIGAÇÕES

        Vistas as espécies, vamos passar as próximas aulas tratando das modalidades
de obrigações. São várias modalidades, mas que sempre irão corresponder a uma
das três espécies de dar, fazer ou não-fazer. A primeira modalidade é:




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1 – Obrigação Natural: a obrigação civil produz todos os efeitos jurídicos,
mas a obrigação natural não, pois corresponde a uma obrigação moral. Há autores
que a chamam de obrigação degenerada. São exemplos: obrigação de dar gorjeta,
obrigação de pagar dívida prescrita (205), obrigação de pagar dívida de jogo (814),
etc.

        A obrigação natural não pode ser exigida pelo credor, e o devedor só vai
pagar se quiser, bem diferente da obrigação civil. Vocês sabem que se uma dívida
não for paga no vencimento o direito do credor mune-se de uma pretensão, e a
dívida se transforma em responsabilidade patrimonial. Mas tratando-se de obrigação
natural, o credor não terá a pretensão para executar o devedor e tomar seus bens
(189). A dívida natural existe, mas não pode ser judicialmente cobrada, não podendo
o credor recorrer à Justiça.

       Conceito: obrigação natural é aquela a cuja execução não pode o devedor ser
constrangido, mas cujo cumprimento voluntário é pagamento verdadeiro.

         Por que a obrigação natural interessa ao Direito se corresponde a uma
obrigação moral? Porque a obrigação natural, mesmo sendo moral, possui um efeito
jurídico: soluti retentio ou retenção do pagamento.

         Mesmo tratando-se de uma obrigação moral, o pagamento de obrigação
natural é pagamento verdadeiro e o credor pode retê-lo. Então se João paga dívida
prescrita e depois se arrepende não pode pedir o dinheiro de volta, pois o credor
tem direito à retenção do pagamento (882). Como diz a doutrina, “a obrigação
natural não se afirma senão quando morre”, ou seja, é com o pagamento e sua
extinção que a obrigação natural vai existir para o direito, ensejando ao credor a
soluti retentio.

        Mas não se confunda obrigação natural com obrigação inexistente: se João
paga dívida inexistente o credor não pode ficar com o dinheiro, e João terá direito à
repetitio indebiti ( = devolução do indébito; em direito “repetir” significa
“devolver”, e “indébito” é o que não é devido). Então quem efetua pagamento
indevido pode exigir a devolução do dinheiro ( = repetitio indebiti) para que outrem
não enriqueça sem motivo. O credor de obrigação natural tem direito à soluti
retentio, mas quem recebe dívida inexistente não (ex: pago a meu credor João da
Silva, mas por engano faço o depósito na conta de outro João da Silva, que terá que
devolver o dinheiro, 876). Na obrigação natural não cabe a repetitio indebiti, pois o
credor dispõe da soluti retentio. Falaremos mais de enriquecimento sem causa e
pagamento indevido na aula 12.

        Em suma, a obrigação natural não se cumpre por bondade ou liberalidade ou
doação, mas por um dever moral, e a moral influencia o Direito, tanto que a lei lhe
atribui o efeito jurídico da soluti retentio.

       Falando de doação, vocês verão em Civil 3 que o donatário deve ser grato ao
doador, então se João doa um carro a Maria, Maria lhe deve gratidão pelo resto da
                                                                                  10
vida, não podendo agredi-lo ou ofendê-lo sob pena de perder a doação (557). Mas se
por trás dessa doação existe uma obrigação natural, tal doação não se revoga por
ingratidão (564, III; ex: João deve dinheiro a Maria mas a dívida prescreveu, porém
mesmo assim João resolveu pagar e doou uma jóia a Maria; pois bem, caso Maria
venha no futuro a agredir João, tal doação não se extinguirá já que não foi feita por
liberalidade, mas sim em cumprimento de obrigação natural).

        Finalizando, gostaria de transcrever a valiosa opinião de Washington de
Barros Monteiro sobre a raridade da obrigação natural e a absurda proteção que a lei
dá ao devedor no nosso ordenamento:

        - numa época em que a noção do prazo tende a desaparecer, substituída
pelo espírito de moratória e pela esperança da revisão; em que o devedor conhece
a arte de não pagar as dívidas e em que aquele que paga com exatidão no dia
devido não passa de um ingênuo, que não tem direito a nada; em que as leis se
enchem de piedade pelos devedores e em que as vias judiciárias se mostram
imprescindíveis como imposição ao devedor civil, aparece como verdadeiro
anacronismo a obrigação natural, suscetível de pagamento voluntário, apesar de
desprovida de ação (vide Direito das Obrigações, 1ª parte, Ed. Saraiva, 32ª edição,
pág. 215).

           CLASSIFICAÇÃO ou MODALIDADES DE OBRIGAÇÕES



1 – Obrigação Natural (já vista)



2 – Obrigação Alternativa



      A obrigação simples só possui um objeto, mas a obrigação alternativa tem por
objeto duas ou mais prestações, mas apenas uma será cumprida como pagamento. É
muito comum na prática, até para facilitar e estimular os negócios (ex: vendo esta
casa por vinte mil ou troco por terreno na praia; outro ex: um artista bate no seu
carro e se compromete a fazer um show na sua casa ou a pagar o conserto; mais um
ex: o comerciante que se obriga com outro a não lhe fazer concorrência, ou então a
lhe pagar certa quantia; exemplo da lei: art. 1701, outro exemplo da lei, art 442).

       Características da obrigação alternativa:

      a)      nasce com objeto composto, ou seja, duas ou mais possibilidades de
           prestação;



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b)      o adimplemento de qualquer das prestações resulta no cumprimento da
           obrigação, o que aumenta a chance de satisfação do credor, sem ter que se
           partir para as perdas e danos, caso qualquer das prestações venha a
           perecer. Como o credor aceitou mais de uma prestação como pagamento,
           qualquer delas vai satisfazer o credor (253 e 256); a exoneração do
           devedor se dá mediante a realização de uma única prestação.

      c)      o devedor pode optar por qualquer das prestações, cabendo o direito de
           escolha, de regra, ao próprio devedor (252); mas o contrato pode prever
           que a escolha será feita pelo credor, por um terceiro, ou por sorteio (817);
           essa escolha chama-se de concentração, semelhante a da obrigação de dar
           coisa incerta; ressalto todavia que não se confunde a obrigação alternativa
           com a de dar coisa incerta; nesta o objeto é único, embora indeterminado
           até a concentração; já na obrigação alternativa há pelo menos dois objetos;

      d)       se o devedor, ignorando que a obrigação era alternativa, fizer o
           pagamento, pode repeti-lo para exercer a opção. É um caso raro de
           retratação da concentração, e cabe ao devedor a prova de que não sabia da
           possibilidade de escolha (877).

      e)     nas obrigações periódicas admite-se o jus variandi, ou seja, pode-se
           mudar a opção a cada período (§ 2o do art. 252). A doutrina critica essa
           mudança de prestação porque gera instabilidade para o credor.



3 - Obrigação Facultativa

         É parecida, é uma prima pobre, mas não se confunde com a obrigação
alternativa. É também muito rara, tanto que nosso Código não reservou para ela um
capítulo próprio. Sua fonte está mais na lei do que no contrato, conforme exemplos
que veremos abaixo. Ou seja, há casos específicos na lei que contemplam
obrigações facultativas, porque as partes dificilmente contratam prevendo uma
obrigação facultativa.

        Conceito: é aquela cujo objeto da prestação é único, mas confere ao devedor
o direito excepcional de substitui-lo por outro.

      Exemplo: art. 1234, assunto de Civil 4, então quem encontra coisa perdida
deve restitui-la ao dono, e o dono fica obrigado a recompensar quem encontrou; mas
o dono pode, ao invés de pagar a recompensa, abandonar a coisa, e aí quem
encontrou poderá ficar com ela; pagar a recompensa é a prestação principal do
devedor, já abandonar a coisa é prestação acessória do seu dono. O abandono da
coisa não é obrigação, mas faculdade do seu dono. Ao invés de pagar a
recompensa, tem o devedor a faculdade de dar a coisa ao credor.


                                                                                    12
Outro exemplo: art. 1382, assunto de Civil 5, então imaginem que da Fazenda
A sai um aqueduto para a Fazenda B, levando água, com a obrigação, ajustada em
contrato, de que o dono da Fazenda A deverá conservar a obra. Pois bem, ao invés
de manter o aqueduto, tem o dono da Fazenda A a obrigação facultativa de
abandonar suas terras para o dono da Fazenda B. Ao invés de conservar o aqueduto,
o devedor tem a faculdade de abandonar suas terras, dando-as ao vizinho.

      Ao nascer a obrigação o objeto é único, mas para facilitar o pagamento, o
devedor tem a excepcional faculdade de se liberar mediante prestação diferente. É
vantajosa assim para o devedor.

      Na obrigação facultativa, ao contrário da alternativa, o credor nunca tem a
opção e só pode exigir a prestação principal, pois a prestação devida é única e só o
devedor pode optar pela prestação facultativa.

       Ressalto que a impossibilidade de cumprimento da prestação principal
extingue a obrigação, resolvendo-se em perdas e danos, não se aplicando o art. 253,
pois, como já dito, a prestação acessória não é obrigação, mas faculdade do devedor.
Então quem encontrar coisa perdida e não receber a recompensa, não poderá exigir
o abandono da coisa, mas sim deverá processar o devedor pelo valor da
recompensa.



               Classificação ou modalidades de obrigações (continuação)



4 – Obrigação divisível e indivisível

      Em geral, numa obrigação existe apenas um credor e um devedor. Mas caso
existam na mesma relação vários devedores ou vários credores, o razoável é que
cada devedor pague apenas parte da dívida, e que cada credor tenha direito apenas a
parte da prestação. Essa regra sofre exceção nos casos de indivisibilidade, que
veremos hoje, e de solidariedade, na próxima aula. Tanto na indivisibilidade como
na solidariedade, embora concorram várias pessoas, cada credor pode reclamar a
prestação por inteiro, e cada devedor responde também pelo todo (259 e 264).
Comecemos pela divisibilidade e indivisibilidade:

        Obrigação divisível é aquela cuja prestação pode ser parcialmente cumprida
sem prejuízo de sua qualidade e de seu valor (ex: uma dívida de cem reais pode ser
paga em duas metades; um curso de Direito Civil pode ser ministrado em várias
aulas). Mas a depender do acordo entre as partes, o devedor deve pagar de uma vez
só, mesmo que a prestação seja divisível (314).



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Já na obrigação indivisível a prestação só pode ser cumprida por inteiro (ex:
quem deve um cavalo não pode dar o animal em partes, 258; mas se tal cavalo
perecer e a dívida se converter em pecúnia, deixa de ser indivisível, 263).

       Como dito, a indivisibilidade vai despertar interesse prático quando houver
mais de um credor ou mais de um devedor.

       - pluralidade de devedores: imaginem que um pai morre e deixa dívidas, seus
filhos irão pagar estas dívidas dentro dos limites da herança recebida do pai (1792,
1997). Então o credor do pai terá mais de um filho para cobrar esta dívida. Se a
prestação for divisível, cada filho responde pela parte correspondente a sua herança,
e a insolvência de um deles não aumentará a quota dos demais (257). Mas se a
prestação for indivisível, cada filho responde pela dívida toda, e aquele que pagar ao
credor, cobrará o quinhão correspondente de cada irmão (259 e pú – veremos sub-
rogação em breve). A relação obrigacional antes era do credor com os filhos do pai
morto, agora é do irmão pagador contra os outros irmãos.

       - e se a pluralidade for de credores? Sendo divisível a prestação, cada credor
só pode exigir sua parte (257). Mas sendo indivisível aplica-se o 260, pelo que o
devedor deverá pagar a todos os credores juntos, para que um não engane os outros.
Ou então o devedor deverá pagar àquele credor que prestar uma garantia ( = caução)
de que repassará o pagamento aos outros (ex: João deve um carro a três pessoas,
mas não encontra os três para pagar, assim, para se livrar logo daquela obrigação,
paga ao credor que ofereceu uma fiança; se este credor não repassar o carro aos
demais credores, o fiador poderá ser processado pelos prejudicados; fiança é assunto
de Civil 3). Se o devedor pagar sem as cautelas do art. 260, terá que pagar de novo
àquele credor que, eventualmente, venha a ser lesado pelo credor que recebeu todo o
pagamento, afinal quem paga mal paga duas vezes, concordam? Diz-se por isso que
o pagamento integral da dívida a um só dos vários credores pode não desobrigar o
devedor com relação aos demais concredores. Mas pagando o devedor corretamente,
caberá aos credores buscar sua parte com o credor que recebeu tudo (261).
Tratando-se de coisa indivisível (ex: carro, barco, casa), poderão os credores usar a
coisa em condomínio, ou então vendê-la e dividir o dinheiro (1320).

        Espécies de indivisibilidade: a) física: a prestação é indivisível pela sua
própria natureza, pois sua divisão alteraria sua substância ou prejudicaria seu uso
(ex: obrigação de dar um cavalo, obrigação de restituir o imóvel locado, etc); b)
econômica: o objeto da prestação fisicamente poderia ser dividido, mas perderia
valor (ex: obrigação de dar um diamante, art. 87); c) legal: é a lei que proíbe a
divisão (ex: a lei 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano,
determina no art. 4º, II, que os lotes nos loteamentos terão no mínimo 125 metros
quadrados, então um lote deste tamanho não pode ser dividido em dois); d)
convencional: é o acordo entre as partes que torna a prestação indivisível (art. 88,
ex: dois devedores se obrigam a pagar juntos certa quantia em dinheiro, o que vai
favorecer o credor que poderá exigir tudo de qualquer deles, 258 in fine, e 259).

                                                                                   14
Percebe-se que qualquer das três espécies de obrigação (dar, fazer e não-
fazer) pode ser divisível ou indivisível (ex: dar dinheiro é divisível, mas dar um
cavalo é indivisível; pintar um quadro é obrigação de fazer indivisível, mas plantar
cem árvores é divisível; não revelar segredo é indivisível, mas não pescar e não
caçar na fazenda do vizinho é divisível).

Classificação ou modalidades de obrigações (continuação)



5 – Obrigações solidárias

         Como visto na aula passada, quando numa obrigação indivisível concorrem
vários devedores, todos estão obrigados pela dívida toda, como se existisse uma
solidariedade entre eles (259). Assim, se várias pessoas devem coisa indivisível, a
obrigação é também solidária. Mas pode haver obrigação solidária mesmo de coisa
divisível devida por várias pessoas.

       Conceito legal: há solidariedade quando na mesma obrigação concorre mais
de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito ou com
responsabilidade pela dívida toda, como se fosse o único (264).

        As obrigações solidárias e indivisíveis têm conseqüências práticas
semelhantes, mas são obrigações diferentes, vejamos:

         - a obrigação indivisível é impossível pagar por partes, pois resulta da
natureza da prestação (ex: cavalo, lote urbano, diamante, barco, fazer um quadro,
etc). Já a obrigação solidária até poderia ser paga por partes, mas por força de
contrato não pode, tratando-se de uma garantia para favorecer o credor. Na
solidariedade cada devedor deve tudo, na indivisibilidade cada devedor só deve uma
parte, mas tem que pagar tudo diante da natureza da prestação. Pelas suas
características a solidariedade não se presume, decorre de contrato ou da lei (265).
Exemplo de solidariedade decorrente de lei é a patroa que responde pelos danos
causados a terceiros por sua empregada doméstica (932, III, 942 e pú).

         - pode haver obrigação solidária de coisa divisível (ex: dinheiro), de modo
que todos os devedores vão responder integralmente pela dívida, mesmo sendo coisa
divisível. Tal solidariedade nas coisas divisíveis serve para reforçar o vínculo e
facilitar a cobrança pelo credor.

       - o devedor a vários credores de coisa indivisível precisa pagar a todos os
credores juntos (260, I), mas o devedor a vários credores solidários se desobriga
pagando a qualquer deles (269).

       - se a coisa devida em obrigação solidária perece, converte-se em perdas e
danos, torna-se divisível, mas permanece a solidariedade (271 e 279). Se a coisa

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devida em obrigação indivisível perece, converte-se em perdas e danos e os co-
devedores deixam de ser responsáveis pelo todo (263).

        - o devedor de obrigação solidária que paga sozinho a dívida ao credor, vai
cobrar dos demais co-devedores a quota de cada um, sem solidariedade que não se
presume (265 e 283). Então A, B e C devem solidariamente dinheiro a D. Se A
pagar a dívida toda ao credor, A vai cobrar a quota de B e C sem solidariedade entre
B e C.

        Elementos da obrigação solidária: a) multiplicidade de credores ou de
devedores, ou ainda, de uns e de outros; b) unidade de prestação; c) co-
responsabilidade dos interessados.

      5.1 - Solidariedade ativa

     Configura-se pela presença de vários credores, chamados concredores, todos
com o mesmo direito de exigir integralmente a dívida ao devedor comum (267).

      A solidariedade ativa é rara porque na sua principal característica está sua
principal inconveniência (269). Assim, o devedor não precisa pagar a todos os
concredores juntos, como na obrigação indivisível (260, I). Pagando apenas a um
dos credores solidários, mesmo sem autorização dos demais, o devedor se
desobriga, e se este credor for desonesto ou incompetente, e reter ou perder a quota
dos demais, os concredores nada poderão reclamar do devedor, terão sim que
reclamar daquele que embolsou o pagamento.

      Mas caso algum dos concredores já esteja executando judicialmente o
devedor, o pagamento deverá ser feito ao mesmo (268), o que se chama de
prevenção, ficando tal credor prevento para receber o pagamento com prioridade em
nome de todos os concredores.

       Outro inconveniente é que se um dos credores perdoar a dívida, o devedor
fica liberado, e os demais concredores terão que exigir sua parte daquele que
perdoou (272).

       Como se vê, na solidariedade ativa cada credor fica sujeito à honestidade dos
outros concredores. Por estes inconvenientes a solidariedade ativa é rara, afinal não
interessa ao credor.

      5.2 – Solidariedade passsiva

      Esta é comum e importante, devendo ser estimulada já que protege o crédito,
reforça o vínculo, facilita a cobrança e aumenta a chance de pagamento, pois o
credor terá várias pessoas para cobrar a dívida toda.

    E quanto mais se protege o credor, mais as pessoas emprestam dinheiro, e
com mais dinheiro os consumidores se equipam, as lojas vendem, as fábricas
                                                                                  16
produzem, os patrões lucram, geram empregos e o governo arrecada tributos. Como
se sabe: proteger o crédito é estimular o desenvolvimento sócio-econômico. Entendo
até que, por isso mesmo, para proteger o crédito, a solidariedade passiva, não a
ativa, deveria ser presumida. Violando o art. 265, o art. 829 acertadamente faz
presumir a solidariedade passiva conforme será visto em fiança.

      Conceito: ocorre a solidariedade passiva quando mais de um devedor,
chamado coobrigado, com seu patrimônio (391), se obriga ao pagamento da dívida
toda (275).

      Assim, havendo três devedores solidários, o credor terá três pessoas para
processar e exigir pagamento integral, mesmo que a obrigação seja divisível. O
credor escolhe se quer processar um ou todos os devedores (pú do 275). Aquele
devedor que pagar integralmente a dívida, terá direito de regresso contra os demais
coobrigados (283).

      Na solidariedade passiva não se aplica o benefício de divisão e nem o
benefício de ordem. O que é isso?

      Pelo benefício de divisão o devedor pode exigir a citação de todos os
coobrigados no processo para juntos se defenderem. Isto é ruim para o credor
porque atrasa o processo, por isso a solidariedade passiva não concede tal benefício
aos co-devedores.

      Pelo benefício de ordem, o coobrigado tem o direito de ver executado
primeiro os bens do devedor principal (ex: fiança, 827). Mas o fiador pode renunciar
ao benefício de ordem e se equiparar ao devedor solidário (828, II). O avalista nunca
tem benefício de ordem, sempre é devedor solidário, por isso se algum amigo lhe
pedir para ser avalista não aceite, mas se ele insistir seja seu fiador com benefício de
ordem, mas jamais fiador-solidário ou avalista.

       Fiança e aval são exemplos de solidariedade passiva decorrente de acordo de
vontades. Então a Universidade quando financia o curso de um estudante,
geralmente exige um fiador ou um avalista (897), de modo que se o devedor não
pagar a dívida no vencimento, o credor irá processar o devedor, o fiador ou o
avalista. Fiança será estudada em Civil 3 e aval em Direito Empresarial.

       Exemplos de solidariedade passiva decorrente da lei estão na responsabilidade
civil (932), no comodato (585) e na gestão de negócios (pú do 867).

                         Modalidades de obrigações (continuação)

                           6 - Obrigações líquidas e ilíquidas

      Líquida é a obrigação certa e determinada, ou seja, certa quanto à sua existência
e determinada quanto à sua qualidade, quantidade, natureza e objeto. Em outras
palavras, obrigação líquida é aquele cuja existência é certa e cujo valor é conhecido.
                                                                                      17
Vocês sabem que se uma dívida não for paga no vencimento o credor mune-se de
uma pretensão e a dívida se transforma em responsabilidade patrimonial. Esta
pretensão consiste no poder de executar o devedor para tomar seus bens através do Juiz
e satisfazer o credor. Pois bem, a ação de execução só é possível quando a obrigação é
líquida.

      Sendo a obrigação ilíquida e não havendo acordo entre as partes, precisa ser
apurada pelo Juiz em processo de liquidação para poder ser executada, afinal não se
pode executar obrigação ilíquida (947).

       Inclusive entendo que o Juiz deve sempre proferir sentenças líquidas para evitar
mais demoras ao credor. Exemplo: o Juiz condena João a indenizar Maria porque João
matou o pai dela, devendo o Juiz dizer logo o valor da indenização, e não deixar isso
para uma fase posterior do processo, 946. E de quanto é essa indenização por morte? A
lei responde no art. 948. Assim, um crime interessa ao Direito Penal para a punição
com a prisão do infrator, e também interessa ao Direito Civil para a punição ao bolso
do infrator. A punição civil é mais rápida e não depende de Delegado e nem de
Promotor, dispensando parte do burocrático aparelho estatal. Mas se o infrator não tiver
bens, só haverá punição penal, pois liberdade todos têm para perder. Mais detalhes na
importante disciplina Responsabilidade Civil.



     7 – Obrigação principal e acessória



      Principal é a obrigação autônoma, ou seja, tem vida própria, já a obrigação
acessória depende da principal, agregando-se a ela. Então uma compra e venda, um
empréstimo e uma locação são contratos que geram obrigações autônomas. Por outro
lado, a fiança, a hipoteca e o penhor produzem obrigações acessórias que vão se
agregar a uma obrigação principal, por exemplo, como a locação.

      Então quem aluga uma casa celebra um contrato principal de locação e pode
exigir um contrato acessório de fiança para garantir o pagamento do aluguel na hipótese
de inadimplência do inquilino. A locação existe sem a fiança, mas o contrário não.
Inclusive, sendo nula a locação, nula será a fiança, mas o inverso não (art. 184, 2ª
parte).

8 – Obrigação cumulativa ou conjuntiva

      Caracteriza-se pela pluralidade de prestações (ex: troco uma casa por um carro e
uma lancha). Não se trata de obrigação alternativa (carro OU lancha), mas obrigação
cumulativa (carro E lancha). Na obrigação cumulativa todas as prestações interessam
ao credor, na alternativa apenas uma delas. Na cumulativa, muitas prestações estão na
obrigação e muitas no pagamento. Já na alternativa, muitas prestações estão na
obrigação e apenas uma no pagamento. Exemplo legal de obrigação cumulativa é o


                                                                                     18
contrato de empreitada onde o engenheiro pode fazer o serviço E dar os materiais para
a construção de uma casa (610).

9 – Obrigação pura

      É a obrigação simples, ou seja, é toda aquela cuja eficácia não está subordinada a
qualquer das três modalidades dos negócios jurídicos: a condição, o termo (ou prazo) e
o encargo (ou modo, ou ônus). Estas modalidades vocês conhecem de Civil 1, vamos
exemplificar:

       - obrigação condicional: subordina a obrigação a evento futuro e incerto (ex: o
alfaiate compra tecido da fábrica e combina só pagar o preço se vender as roupas;
vender as roupas não é uma certeza, pode ou não acontecer, 121, 876) Condições
absurdas são proibidas (ex: alugo minha casa a você, mas você não pode entrar nela,
isso é o que a lei chama de “privar de todo efeito o negócio jurídico”, no art. 122).

      - obrigação a termo: subordina a obrigação a evento futuro e certo (ex: pagarei o
tecido em trinta dias; trinta dias são o prazo e o prazo é um evento certo, só depende do
inexorável passar do tempo, 132).

      - obrigação modal: o modo (ou encargo, ou ônus) é imposto ao beneficiário de
uma liberalidade como uma doação ou herança. Então pode-se doar uma fazenda com o
ônus de construir uma escola para as crianças carentes da região (553, 136). Ou pode-se
deixar uma herança para um sobrinho com o ônus de mandar rezar mensalmente uma
missa para o falecido. O encargo precisa ser pequeno para não caracterizar uma
contraprestação (ex: dou um carro a meu vizinho com o ônus de levar meus filhos e eu
para a escola e o trabalho diariamente; ora, isso não é doação, mas contratação de um
motorista). Se o encargo for de interesse público (ex: construir uma escola), o Promotor
de Justiça fiscalizará sua execução (pú do 553, este é um dos poucos casos de
participação do Ministério Público no direito patrimonial, afinal o Ministério é público
e o Direito Civil é privado. Se o encargo for absurdo (ex: mandar rezar missa todo dia
para o falecido) o Juiz pode interferir na obrigação privada para modificá-la.

     Então obrigação simples é aquela que não for condicional, a termo ou modal.

10ª e última modalidade de obrigação: Obrigação Real



       Trata-se de uma obrigação propter rem ( = em razão da coisa). Não decorre de
um contrato, mas da propriedade sobre um bem. Quem adquire certo bem, adquire
automaticamente essa obrigação real, decorrente da coisa (real = res = coisa). O
adquirente do bem vai se tornar devedor, mesmo sem querer, em decorrência de sua
condição de dono desse bem.

       Exemplo: 1.345, a lei determina que quem compra um apartamento com dívida
de condomínio assume esta obrigação, embora tenha sido o dono anterior que não
pagou a taxa. A obrigação está vinculada à coisa, por isso chama-se obrigação real (res
                                                                                      19
= coisa). Esta vinculação da obrigação à coisa, qualquer que seja seu dono, deriva da
sequela, que é uma característica dos Direitos Reais. Sequela é uma palavra que se
origina do verbo seguir, então a obrigação segue a coisa, não importa quem seja seu
dono. O proprietário da coisa assume a obrigação automaticamente, apenas pelo fato de
ter sucedido o dono-devedor anterior na propriedade da coisa.

       É também chamada de obrigação mista porque apresenta características de
Direito das Coisas ( = Direito Real) e de Direito das Obrigações ( = Direito Pessoal). O
Direito Real e o Direito das Obrigações formam o Direito Patrimonial Privado (vide
aula 1), sendo natural que algumas vezes eles se interpenetrem.

       Conceito: obrigação real corresponde ao vínculo jurídico que se origina da lei
com característica dos Direitos Reais e transmissão automática ao novo proprietário da
coisa.

        Observação sobre o conceito: a OR se origina apenas da lei, e não do contrato.
Os contratos podem ser inventados pelas partes, são numerus apertus (425), mas os
direitos reais não, só a lei pode criá-los, sendo numerus clausus (1225), por isso as
obrigações reais originam-se sempre da lei. Originando-se da lei, a OR é irrecusável,
não podendo o devedor deixar de assumi-la.

        Outra observação: o devedor da obrigação real varia caso a coisa mude de dono,
então se a coisa é vendida, o novo dono se tornará o devedor. Quem se torna titular do
direito real ( = propriedade), torna-se devedor de eventual obrigação real sobre o bem
apropriado.

        Mais exemplos de OR: art. 1297 (quem compra uma fazenda tem a obrigação de
fazer a cerca, embora a cerca tenha caído na época do dono anterior), art. 1383 (quem
compra imóvel com servidão predial tem a obrigação de manter a servidão, por isso
observem sempre o registro do imóvel antes de fazer a compra, para não comprar
barato um terreno e depois, por exemplo, descobrir que nele não se pode construir para
não tirar a vista do edifício de trás; este exemplo corresponde a uma servidão predial de
vista, assunto de Civil 5).

        Em suma, a obrigação propriamente dita vincula uma pessoa (credor) a outra
pessoa (devedor), já a obrigação real está vinculada a uma coisa, e quem for
proprietário dessa coisa será o devedor.



                                CLÁUSULA PENAL

        Concluído o estudo das dez modalidades de obrigações, vamos encerrar a
primeira unidade deste semestre tratando da cláusula penal (CP).

       Conceito: CP é a cláusula acessória a um contrato pelo qual as partes fixam
previamente o valor das perdas e danos que por acaso se verifiquem em conseqüência
da inexecução culposa da obrigação (408, ex: um promotor de eventos contrata um
                                                                                      20
cantor para fazer um show, e já fixa no contrato que, se o artista desistir, terá que pagar
uma indenização de cem mil).

        A cláusula penal é acessória, não é obrigatória, então se a dívida não for paga
no vencimento ( = se o cantor não fizer o show), e não existir cláusula penal no
contrato, é o Juiz quem irá fixar a indenização devida pelo cantor, tornando a
obrigação líquida (vide aula 9), para só depois possibilitar o ataque pelo credor (o
promotor de eventos) ao patrimônio do cantor.

        Essa é a grande vantagem da cláusula penal: pré-fixar as perdas e danos,
economizando tempo, eliminando recursos processuais ao dispensar o Juiz de calcular
o valor previsto no art. 402 do CC.

     Outra vantagem da CP é a de intimidar o devedor, ou seja, ele já fica sabendo
que terá uma pena se não cumprir a obrigação. É verdade que a lei prevê
automaticamente uma punição ao devedor (389), mas a CP reitera essa sanção.

         Quando uso no conceito a expressão inexecução “culposa”, refiro-me à culpa
em sentido amplo (lato sensu), que corresponde ao dolo (inexecução voluntária) e à
culpa stricto sensu (em sentido restrito = imprudência e negligência). Então se o cantor
não fez o show porque não quis (dolo) ou porque bebeu demais e perdeu a voz
(imprudência), terá que pagar a CP. Mas se o cantor não fez o show porque pegou uma
gripe, trata-se de um caso fortuito que isenta de responsabilidade (393 e pú).

        Se a obrigação for cumprida pelo devedor, a cláusula penal se extingue; se a
obrigação principal for nula, a cláusula penal também o será, afinal, como cláusula
acessória, segue o destino da principal (184, in fine).

        A CP geralmente reverte em favor do credor, mas o contrato pode prever que
será paga a terceiros (ex: se o cantor não fizer o show, pagará cem mil ao Hospital do
Câncer). A CP geralmente é pactuada em dinheiro, mas pode corresponder a obrigação
de dar outra coisa, ou a fazer, ou não-fazer algum serviço, com ampla liberdade para as
partes.

        Espécies: a) CP compensatória: aplica-se em caso de inexecução (=
inadimplemento) da obrigação pelo devedor (410, então o credor poderá optar pela
obrigação principal ou pela cláusula penal, semelhante a uma obrigação alternativa); b)
CP moratória: aplica-se em caso de atraso (= retardo, mora) do devedor no
cumprimento da obrigação, pelo que o devedor pagará a multa pelo atraso e cumprirá a
obrigação, 411 (ex: multa de 10% em caso de atraso no pagamento de aluguel, 416).
Ambas as espécies estão previstas no art. 409.

        Se a cláusula penal compensatória tiver um valor muito alto, o Juiz deverá
reduzi-la (412, 413). Mas é justo o Estado-Juiz se imiscuir nos contratos privados,
alterando aquilo que foi estabelecido livremente pelos particulares? Reflitam! O velho
CC, no art. 924, que corresponde a esse 413, usava o verbo “poderá”, enquanto o novo
CC usa o verbo “deverá”, como consequência da publicização do Direito e a proteção
maior que o Estado dá hoje aos devedores. Critico a publicização num artigo no site
                                                                                         21
sobre a importância do Direito Privado e os riscos da intervenção estatal na autonomia
dos cidadãos, atrofiando a economia e trazendo insegurança jurídica. Confiram!

       Fim da 1ª parte do curso de Direito das Obrigações.

                          EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

Prof. Rafael de Menezes

        Uma obrigação é um fenômeno jurídico que ocorre a todo momento, que nasce
e se extingue a todo instante. Enquanto estamos aqui conversando, existem inúmeras
obrigações, contratos, atos ilícitos, etc., sendo realizados/ocorrendo lá fora na rua.
Vocês hoje, por exemplo, celebraram algum contrato, assumiram alguma obrigação,
compraram alguma coisa, tomaram algo emprestado, usaram o telefone? Acredito que
sim, então vocês hoje fizeram acontecer uma obrigação jurídica.

       Veremos nesta 2ª unidade do curso de Direito Civil 2 os vários modos pelos
quais as obrigações se extinguem, e o primeiro e principal desses modos é o
pagamento.

        1 - Pagamento: é a principal forma de extinção das obrigações. O pagamento é
muito comum e ocorre com grande frequência na sociedade, pois toda obrigação nasce
para ser satisfeita. A imensa maioria das obrigações são cumpridas/pagas, de modo que
o devedor fica liberado. Só uma minoria das obrigações é que não são satisfeitas, pelo
que o devedor poderá ser judicialmente processado pelo credor.

        Conceito: num conceito mais simples, pagamento é a morte natural da
obrigação, ou a realização real da obrigação, mas nem sempre em dinheiro (ex: A paga
a B para pintar um quadro, de modo que a obrigação de B será fazer o quadro, o
pagamento de B será realizar o serviço). O leigo tende a achar que todo pagamento é
em dinheiro, mas nem sempre, pois em linguagem jurídica pagar é executar a
obrigação, seja essa obrigação de dar uma coisa, de fazer um serviço ou de se abster de
alguma conduta (não-fazer).

        Num conceito mais completo, pagamento é o ato jurídico formal, unilateral, que
corresponde à execução voluntária e exata por parte do devedor da prestação devida ao
credor, no tempo, modo e lugar previstos no título constitutivo. Vamos comentar este
conceito:

       - formal: o pagamento é formal pois a prova do pagamento é o recibo; tal recibo
em direito é chamado de quitação, e deve atender às formalidade do art. 320. Muitas
vezes, em pequenos contratos, nós não pedimos recibo pra não perder tempo, é um
hábito que nós temos e vocês sabem que o costume é também uma fonte do direito.
 Falaremos mais da quitação adiante.

        - unilateral: pois é de iniciativa do devedor, que é o sujeito passivo da
obrigação.


                                                                                    22
- voluntário e exato: lembrem-se sempre disso, pagamento é voluntário e exato;
se o devedor só paga após ser judicialmente executado, tecnicamente isto não é
pagamento pois foi feito sob intervenção judicial, ao penhorar/tomar bens do devedor;
além de voluntário, o pagamento deve ser exato, então se A deve cinquenta a B e paga
com um livro, tecnicamente isto não foi pagamento. De qualquer modo, em ambos os
casos, mesmo pagando sob força judicial, ou pagando coisa diferente da devida, se o
credor aceitou e se satisfez, isto é o que importa. Mas tecnicamente, em linguagem
jurídica, pagamento é aquele voluntário e exato.

       - prestação: é o objeto da obrigação, e vocês já sabem que tal prestação é uma
conduta humana, pode ser um dar, um fazer ou um omitir-se (não-fazer). Pagar é
cumprir esta prestação.

        - tempo, modo e lugar: o pagamento precisa atender a estas regras previstas no
contrato na lei ou na sentença que fez nascer a obrigação, respeitando a data, o lugar e a
maneira de pagar.

       Regras do pagamento: 1) satisfação voluntária e rigorosa da prestação (dar uma
coisa, fazer um serviço, ou abster-se de uma conduta) porque o pagamento é exato; 2) o
credor não pode ser obrigado a receber prestação diferente, ainda que mais valiosa (art.
313); o credor pode aceitar receber prestação diferente, mas não pode ser forçado a
aceitar (356); 3) o credor não pode ser obrigado a receber por partes uma dívida que
deve ser paga por inteiro (314); esta regra tem duas exceções, no art. 962, que dispõe
sobre o concurso de credores, assunto do final do semestre, e no art. 1.997, que dispõe
sobre pagamento pelos herdeiros de dívida do falecido, assunto de Civil 7.

        Quem deve pagar? O devedor, mas nada impede que um terceiro pague, afinal o
credor quer receber. Se o devedor quer impedir que um terceiro pague sua dívida deve
se antecipar e pagar logo ao credor. Em geral para o credor não importa quem seja o
solvens, quem esteja pagando. Solvens é o pagador, seja ele o devedor ou não, e o
accipiens é quem recebe o pagamento, seja ele o credor ou não. Se a obrigação for
personalíssima (ex: A contrata o cantor B para fazer um show), o solvens só pode ser o
devedor. Mas se a obrigação não for personalíssima, o credor vai aceitar o pagamento
de qualquer pessoa. Para evitar especulações ou constrangimentos, a lei trata diferente
o terceiro que paga por interesse jurídico do terceiro que paga sem interesse jurídico,
apenas por pena ou para humilhar. Assim, o terceiro que paga com interesse jurídico
(ex: fiador, avalista, herdeiro) vai se sub-rogar nos direitos do credor (349, veremos
sub-rogação em breve). O terceiro que paga sem interesse jurídico (ex: o pai, o inimigo,
etc) vai poder cobrar do devedor original, mas sem eventuais privilégios ou vantagens
(ex: hipoteca, penhor, 305). Em suma, o terceiro interessado tem reembolso e sub-
rogação nos eventuais privilégios, já o terceiro juridicamente desinteressado só tem
direito ao reembolso.

        A quem se deve pagar? Ao credor, ou a seu representante, sob pena do
pagamento ser feito outra vez, pois quem paga mal paga duas vezes (308). Se o credor
é menor ou louco, pague a seu pai ou curador, sob pena de anulabilidade (310). Credor
putativo: é aquele que parece o credor mas não o é (ex: A deve a B, mas B morre e
deixa um testamento nomeando C seu herdeiro, então A paga a C, mas depois o Juiz
                                                                                       23
anula o testamento, A não vai precisar pagar novamente pois pagou a um credor
putativo; C é que vai ter que devolver o dinheiro ao verdadeiro herdeiro de B, 309).
Idem no caso do 311, pois se considera um representante do credor aquele que está com
o recibo, embora depois se prove que tal accipiens furtou o recibo do credor; neste caso
o devedor não vai pagar outra vez, o credor deverá buscar o pagamento do accipiens
falso.

        Como se prova o pagamento? Já dissemos, com o recibo/quitação. Quitação
vem do latim “quietare”, que significa aquietar, acalmar, tranqüilizar. Quitação é o
documento escrito em que o credor reconhece ter recebido o pagamento e exonera o
devedor da obrigação. A quitação tem vários requisitos no art. 320, mas em muitos
casos da vida prática a quitação é informal/verbal e decorre dos costumes (ex: compra e
venda em banca de revista/bombom). Se o credor não quiser fazer a quitação, o
devedor poderá não pagar (319). Mas pagar não é só uma obrigação do devedor, pagar
é também um direito, pois o devedor tem o direito de ficar livre das suas obrigações, é
até um alívio para muita gente pagar seus débitos. Assim, o devedor pode
consignar/depositar o pagamento se o credor não quiser dar a quitação, e o Juiz fará a
quitação no lugar do credor. Veremos em breve pagamento em consignação. Espécies
de quitação: 1) pela entrega do recibo, é a mais comum; 2) pela devolução do título de
crédito (324), assunto que vocês vão estudar em Direito Empresarial/Comercial.

       Ônus da prova: quem deve provar que houve pagamento? Se a obrigação é
positiva, ou seja, de dar e de fazer, o ônus da prova é do devedor, assim se você é
devedor, guarde bem seu recibo. Se a obrigação é negativa o ônus da prova é do credor,
cabe ao credor provar que o devedor descumpriu o dever de abstenção, pois não é
razoável exigir que o devedor prove que se omitiu, e mais fácil exigir que o credor
prove que o devedor deixou de se omitir, fazendo o que não podia, descumprindo
aquela obrigação negativa.

                     MODOS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

      1 – PAGAMENTO (continuação)

       Lugar: onde o pagamento deve ser feito? No local de livre escolha das partes,
afinal no Direito Civil predomina a autonomia da vontade (art. 78). Se o
contrato/sentença for omisso, o lugar do pagamento será no domicílio do devedor (327
e pú). Tratando-se de imóvel, o local da coisa determina o lugar do pagamento (328). A
doutrina classifica as dívidas em quesível (querable) e portável (portable): nesta, cabe
ao devedor ir pagar no domicílio do credor, sob pena de juros e multa ( = mora, assunto
do final do semestre, 395). Já na dívida querable cabe ao credor ir exigir o pagamento
no domicílio do devedor, a iniciativa é do credor, sob pena de mora do credor (394,
400, bom, veremos mora mais adiante).

      Tempo: quando deve ser feito o pagamento? No vencimento previsto no título, e
se não houver vencimento é porque o credor pode exigir o pagamento imediatamente. É
a chamada satisfação imediata do art. 331. Mas deve-se sempre tolerar um prazo moral,
que é aquele prazo razoável, do bom-senso, para dar ao devedor um tempo mínimo de
se organizar, sacar o dinheiro no banco, esperar a mercadoria chegar do exterior, etc. O
                                                                                     24
vencimento é uma data que favorece o devedor, então o devedor pode pagar antes do
vencimento, mas o credor só pode exigir a partir do vencimento, sob as penas do 939.
A lei todavia permite, excepcionalmente, cobrança antes do vencimento caso o devedor
esteja em dificuldade financeira, nos casos do art. 333.

      Enriquecimento sem causa e pagamento indevido:

       Enriquecer sem causa é enriquecer repentinamente sem motivo justo, sem
trabalhar, sem herdar. Uma das hipóteses de enriquecimento sem causa é através do
pagamento indevido, por isso estes dois assuntos devem ser estudados em conjunto.

       Ocorre pagamento indevido quando o devedor paga a alguém que não é o credor,
ou seja, o accipiens não é o credor, e o devedor agiu por engano. Quem recebe
pagamento indevido enriquece sem causa (ex: A deve a José da Silva, mas paga a outro
José da Silva, homônimo do verdadeiro credor; A efetuou pagamento indevido e vai ter
que pagar de novo ao verdadeiro credor, pois quem paga mal paga duas vezes; A
obviamente vai exigir o dinheiro de volta do outro José da Silva que enriqueceu sem
causa, mas o verdadeiro credor não precisa esperar, ele não tem nada a ver com isso).

      Ocorre enriquecimento sem causa quando alguém aufere um aumento
patrimonial, em prejuízo de outrém, sem justa causa. Há outros casos de
enriquecimento sem causa além das hipóteses de pagamento indevido, ex: 578, 1255,
pú do 1817, etc. Estudaremos esses exemplos oportunamente, ao longo do extenso
curso de Direito Civil.

      Dois efeitos do pagamento indevido:

       1 – aquele que enriqueceu sem causa fica obrigado a devolver o indevidamente
auferido, não só por uma questão moral (= direito natural), mas também por uma
questão de ordem civil (876, 884) e tributária, afinal como explicar à Receita Federal
um súbito aumento de patrimônio? O objetivo dessa devolução é reequilibrar os
patrimônios do devedor e do falso credor, alterados sem fundamento jurídico, sem
causa justa.

         2 – se o falso credor não quiser voluntariamente devolver o pagamento, surge o
segundo efeito que é o direito do devedor de propor ação de repetição do indébito
(repetitio indebiti) contra tal accipiens. Esta ação tem este nome pois, em linguagem
jurídica, “repetir” significa “devolver” e “indébito” é aquilo que não é devido. Então a
ação é para o falso credor devolver aquilo que não lhe era devido. Tal ação prescreve
em três anos (206, § 3º, IV).

         Também se aplicam as regras do pagamento indevido quando se paga mais do
que se deve. Porém não cabe a repetição quando o “solvens” agiu por liberalidade (ex:
doação, 877) ou em cumprimento de obrigação natural (ex: gorjeta, dívida de jogo,
dívida prescrita, 882, 814) ou quando o “solvens” deu alguma coisa para obter fim
ilícito, afinal ninguém pode se beneficiar da própria torpeza (ex: pagou ao pistoleiro
errado para cometer um homicídio, não cabe devolução, 883).

                                                                                     25
E se o objeto do pagamento indevido já tiver sido alienado pelo falso credor a
um terceiro? Bem, se tal objeto era coisa móvel, tal alienação vale por uma questão de
segurança das relações jurídicas e porque em geral os móveis são menos valiosos do
que os imóveis. De qualquer modo o falso credor vai responder pelo equivalente em
dinheiro.

        Mas se o objeto do pagamento indevido for um imóvel que o falso credor já
tenha alienado a um terceiro, tal alienação só valerá se feita onerosamente (venda sim,
doação não) e o terceiro estiver de boa-fé. Caso contrário o solvens poderá perseguir o
imóvel e recuperá-lo do terceiro (879).



                  MODOS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

1 – Pagamento (já visto)

2 - IMPUTAÇÃO DE PAGAMENTO: o normal é entre duas pessoas haver apenas
uma obrigação, mas pode acontecer de alguém ter mais de uma dívida com o mesmo
credor. Assim, se A deve a B cem reais decorrentes de um empréstimo e outros cem
reais decorrentes de um ato ilícito (ex: A bateu no carro de B), quando A vai pagar
apenas uma destas dívidas precisa dizer a B qual está quitando. Imputar o pagamento é
determinar em qual dívida o pagamento está incidindo. Num conceito mais técnico,
imputação de pagamento é a operação pela qual o devedor de mais de uma dívida
vencida da mesma natureza a um só credor, indica qual das dívidas está pagando por
ser tal pagamento inferior ao total das dívidas (352). É preciso que haja mais de uma
dívida, todas vencidas, da mesma natureza (ex: obrigação de dar dinheiro) e o
pagamento ser menor do que a soma das dívidas. Cabe ao devedor fazer a imputação,
dizer qual dívida está quitando, e o devedor deve ser orientado por seu advogado para
quitar logo a dívida de juro maior e a dívida com garantia (ex: hipoteca, penhor, fiança,
porque aí o devedor libera a coisa dada em garantia/o devedor libera o fiador). Se o
devedor não imputar, o credor poderá fazê-lo (353), devendo o credor ser orientado por
seu advogado para pedir a quitação na dívida de juro menor e na dívida quirografária
( = dívida sem garantia). Lembrem-se que pelo art. 314 o credor não está obrigado a
receber pagamento parcial, mas na prática pode ser melhor o credor aceitar alguma
coisa e depois brigar pelo restante. Se o devedor e o credor não fizerem a imputação, a
lei fará na dívida de maior valor, conforme art. 355 ( = imputação legal).

3 – PAGAMENTO POR CONSIGNAÇÃO

       Este é o terceiro dos modos de extinção das obrigações que nós estamos
estudando. É através da consignação que o devedor vai exercer o seu direito de pagar,
afinal já dissemos que pagar não é só um dever, é um direito também, concordam?
Imaginem que o locador morreu e o inquilino desconhece seu herdeiro, deve então
consignar o aluguel para evitar a mora e o despejo. Consignar onde? Em Juízo, e o Juiz
vai procurar o sucessor do credor. A parte operacional da consignação em pagamento
vocês vão estudar em processo civil, mas conhecendo o direito, o processo fica fácil de
aprender (335, III – credor desconhecido). Outro exemplo, imaginem que alguém
                                                                                      26
morre e deixa a mulher como beneficiária do seguro de vida, só que o falecido tinha
uma esposa e uma companheira, então a seguradora vai pagar a qual das duas? Paga em
Juízo, numa conta a disposição do Juiz, o Juiz dá uma sentença à seguradora, que
servirá de quitação, enquanto as duas mulheres seguem no processo disputando o
dinheiro (793, 335, IV). É prudente a seguradora fazer isso até para não correr risco de
pagar à mulher errada e efetuar pagamento indevido.

      Conceito: pagamento por consignação consiste no depósito judicial da coisa
devida, realizada pelo devedor nas hipóteses do art. 335 do CC. Este artigo é taxativo
(= exaustivo), não é exemplificativo, de modo que não há outras possibilidades de
consignação. Outro detalhe importante: só existe consignação nas obrigações de dar,
pois não se pode depositar um serviço (obrigação de fazer) ou uma omissão (obrigação
de não-fazer), mas apenas coisas, em geral dinheiro. Admite-se também depósito de
imóveis, gado, colheita, etc (341), e o Juiz vai ter que arranjar um depositário para
cuidar dessas coisas até o credor aparecer (343). Quando o depósito é de pecúnia
(dinheiro) coloca-se em banco oficial: Banco do Brasil ou Caixa Econômica Federal,
em conta à disposição do Juiz.

       Percebam que na ação de consignação o autor é o devedor, o credor é o réu e a
quitação vem com a sentença. A sentença dirá se a consignação equivale ao pagamento,
se o devedor teve razão ao consignar e se a obrigação está extinta. Excepcionalmente
admite-se o credor como autor da ação quando mais de uma pessoa se diz credor, então
qualquer deles pede ao devedor que consigne o pagamento, enquanto os credores
discutem em Juízo (345).

       Em algumas consignações o credor está certo de não querer receber pois o
devedor quer pagar menos do que deve, e vocês sabem que o credor não está obrigado a
receber por partes. Então o devedor consigna com base no inc. I do 335, alegando que o
credor se recusa a receber, mas existe uma “justa causa” para isso no 314. Isso acontece
na prática quando o devedor usa o cheque especial, atrasa o cartão de crédito, etc. e
depois quer pagar sem incluir os juros contratados. Ora, quando o devedor precisou de
crédito o banco emprestou, então na hora de pagar é preciso cumprir o contrato,
concordam?

      No Código de Processo existe uma consignação extra-judicial, para dívidas em
dinheiro, que podem ser feitas diretamente no banco, sem precisar de advogado ou Juiz.
Vocês verão isso lá em Processo Civil.

Efeitos do pagamento por consignação: 1) liberatório: libera/exonera o devedor da
obrigação; 2) extintivo: a consignação extingue a obrigação (334).

4 – Pagamento por sub-rogação

       Sub-rogar é substituir o credor, de modo que o pagamento por sub-rogação
assemelha-se à cessão de crédito por se tratar da substituição da pessoa do credor (348;
veremos cessão de crédito mais adiante).


                                                                                     27
Conceito: ocorre a sub-rogação quando a dívida de alguém é paga por um
terceiro que adquire o crédito e satisfaz o credor, mas não extingue a dívida e nem
libera o devedor, que passa a dever a esse terceiro. Ex: A deve cem a B, mas C resolve
pagar essa dívida, então B vai se satisfazer e A vai passar a dever a C. Via de regra não
há prejuízo para o devedor que passa a dever a outrem.

       Como vocês já sabem, a lei permite que qualquer pessoa pague a dívida dos
outros, então se o devedor quer evitar isso, deve se antecipar e cumprir logo suas
obrigações. O terceiro que paga essa dívida pode ou não ter interesse jurídico, vimos
isso algumas aulas atrás, lembram?

       Se o terceiro solvens tem interesse jurídico vai se sub-rogar nos direitos do
credor primitivo, ou seja, vai adquirir todas as eventuais vantagens, privilégios,
garantias e preferências do credor primitivo, além de, é óbvio, exigir o reembolso. Ex:
A deve cem a B com uma garantia de fiança ou hipoteca; se C pagar essa dívida terá
direito a cobrar os cem de A, mas só terá direito à garantia da fiança ou da hipoteca
caso C possua interesse jurídico (346, III). Veremos fiança e hipoteca, respectivamente,
em Civil 3 e Civil 5. Caso C não possua interesse jurídico só terá direito ao reembolso
(305). A lei trata diferente para evitar especulações e constrangimentos, depois revisem
a aula 11.

       Efeitos da sub-rogação: 1) satisfativo em relação ao credor primitivo. O credor
primitivo vai se satisfazer com o pagamento feito pelo terceiro, mas a obrigação
permanece para o devedor; a sub-rogação não extingue a dívida; 2) translativo: o novo
credor vai receber todas as vantagens e direitos do credor primitivo, desde que o
pagamento tenha sido feito por sub-rogação (349).

       Espécies de sub-rogação: 1) legal: decorrente da lei, nas hipóteses do art. 346; a
lei determina independente da vontade das partes; 2) convencional: depende de acordo
escrito entre as partes, quando o terceiro solvens faz acordo com o credor primitivo e
fica com o direito de sub-rogação mesmo sem interesse jurídico e mesmo sem a
anuência do devedor. Através de acordo escrito se transferem todas as vantagens do
credor primitivo para o solvens, igual a uma cessão de crédito (347 e 348).

5 – Dação em pagamento

      É dar alguma coisa em pagamento, diferente da coisa devida. Os romanos
chamavam de datio in solutum. Dação vem assim do verbo dar. Por favor, não é “da
ação” em pagamento, mas “dação” mesmo, do verbo dar.

       Conceito: é o acordo liberatório em que o credor concorda em receber do
devedor prestação diversa da ajustada (356). Não pode haver imposição do devedor em
pagar algo diferente do devido (313), afinal quem deve dinheiro só paga com um objeto
se o credor aceitar. Ex: devo dinheiro e pago com uma TV, um livro, uma casa, etc.

       Requisitos da dação: 1) consentimento, concordância, anuência do credor; 2)
prestação diversa da ajustada, então não se trata de obrigação alternativa, pois nesta a

                                                                                      28
obrigação nasce com duas opções de pagamento; na dação é só depois que as partes
trocam o objeto do pagamento.

       Efeitos da dação: 1) satisfatório em relação ao credor, mesmo recebendo outra
coisa, pois o credor pode preferir receber coisa diversa do que receber com atraso ou
nada receber; 2) liberatório em relação ao devedor, pois a dívida se extingue e o
devedor se exonera da obrigação. Estes dois efeitos são os mesmos do pagamento
natural.

       Evicção: imaginem que A deve 100 e paga com um objeto furtado, que não era
dele, então o verdadeiro dono vai exigir a devolução da coisa e a obrigação vai renascer
(359). Ser “evicto” é ser afastado da coisa recebida em pagamento. Ocorre a evicção
quando alguém perde a propriedade da coisa em virtude de decisão judicial que
reconhece a outrem direito anterior sobre essa coisa. Veremos evicção em Civil 3.

       6 – Novação: está em desuso e é rara, por isso não vamos estudá-la. Saibam
apenas que se trata da extinção de uma obrigação por outra diferente, destinada a
substituí-la. Com a novação se extingue uma dívida e se cria uma nova dívida entre as
mesmas partes, enfim não se muda muita coisa, continua a existir uma obrigação entre
as mesmas partes. É mais prático fazer uma dação em pagamento ou uma cessão de
crédito.



MODOS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (continuação)

7 – COMPENSAÇÃO: é um modo de extinção das obrigações que deve ser
estimulado pois representa a lei do menor esforço, por uma questão de lógica e de
simplicidade.

    Conceito: a compensação extingue as obrigações do mesmo gênero das pessoas que
são, reciprocamente, credoras e devedoras entre si, até onde as dívidas se compensem.
Ex: A deve cem a B decorrente de um empréstimo e B deve cem a A porque bateu no
carro de A, então um não vai cobrar do outro, a compensação vai extinguir as duas
obrigações mediante um pagamento fictício (art. 368). A compensação exige
pluralidade de obrigações, não existindo compensação numa obrigação única, como
uma compra e venda, onde o comprador deve o preço e o vendedor deve a coisa. A
compensação pode ser parcial caso a outra dívida seja inferior, o que vai representar
mais uma exceção ao art. 314, afinal a compensação deve ser estimulada.

       Espécies: a) compensação legal: ocorre por força da lei, mesmo que uma das
partes se oponha, sempre que as dívidas forem líquidas ( = valor certo), vencidas e
homogêneas (= mesma espécie e qualidade, 369); b) compensação judicial:
determinada pelo Juiz no caso concreto, ao entender que deve haver compensação por
uma questão de economia processual, por uma questão de praticidade, dando o Juiz
seus motivos/fundamentos na sentença; c) compensação convencional: decorre do
acordo de vontades, decorre da transação entre as partes, e no direito civil a liberdade
das partes é grande, as partes podem dispor de seus bens com ampla liberdade, é a
                                                                                     29
chamada autonomia privada. Dívidas de qualquer tipo podem ser compensadas, sejam
ilíquidas, heterogenias ou não vencidas, ninguém tem nada a ver com isso, nem
Promotor, nem Juiz, nem Delegado, afinal cada um sabe o que faz com seu patrimônio.
Mas, repito, depende de acordo, não pode haver imposição de uma parte sobre outra.

       Vedações: algumas obrigações, pela sua natureza, não podem ser compensadas,
pois elas fogem ao direito patrimonial privado. São aquelas obrigações de caráter
alimentar e tributário. Então se meu filho bate com meu carro eu não posso deixar de
sustentá-lo (ex: deixar de pagar a faculdade alguns meses) para compensar o prejuízo,
afinal os alimentos são indispensáveis por uma questão de sobrevivência. Idem se meu
carro cai num buraco na rua, eu não posso deixar de pagar imposto de renda para
compensar com o governo o prejuízo pela não conservação das ruas, afinal o interesse
público do governo em receber tributos é maior do que o interesse particular do cidadão
que teve seu carro avariado. Por isso já foi revogado o art. 374 do novo CC.

       Efeitos da compensação: os mesmos do pagamento: extingue a obrigação,
satisfaz o credor e libera o devedor.

8 – CONFUSÃO: esta confusão aqui, do direito das obrigações, é diferente da
confusão dos direitos reais, do art. 1272, que corresponde à mistura de líquidos, e que
estudaremos em Civil 4. A confusão que nos interessa hoje é mais um modo de
extinção das obrigações semelhante ao pagamento por impossibilidade lógica de
permanecer o vínculo. Art 381, ex: A é inquilino de seu pai B, mas o pai morre e A
herda o apartamento, extinguindo a obrigação de pagar aluguel face à confusão, pois B
vai reunir as qualidades de credor e devedor, afinal ninguém pode ser devedor ou
credor de si mesmo. A confusão exige identidade de pessoas e de patrimônios, de modo
que o dono de uma pessoa jurídica pode dever a sua empresa, e vice-versa.

9 – REMISSÃO: escreve-se com dois “s”, ao contrário de remição, instituto da
execução contra devedor que vocês vão estudar em processo civil. A remissão (com
dois “s”) é o popular perdão da dívida. Conceito: remissão é a liberação do devedor
pela autoridade do credor que, voluntariamente, dispensa o crédito, perdoa o débito e
extingue a obrigação (385). Mas como pagar é um direito do devedor, se ele não aceitar
a remissão deve consignar o pagamento. Mas em geral a remissão é aceita e se
assemelha a uma doação.

Espécies de remissão: pode ser total ou parcial (parte da dívida ou dispensa dos juros);
pode ser expressa (por escrito) ou tácita (ex: devolução do título de crédito); pode ser
gratuita (mais comum) ou onerosa (nesta remissão o credor perdoa a dívida mas pede
algo em troca, o que se assemelha a uma transação, veremos transação em breve).

Ressalto que remissão é gesto nobre de pessoas solventes, ou seja, quem está em
dificuldades financeiras não pode perdoar seus devedores, afinal estará prejudicando
seus próprios credores (385, in fine). Assim se A é insolvente (tem muitos credores)
não pode perdoar seus devedores para não caracterizar uma fraude contra seus credores,
como prevê o art. 158. Trata-se inclusive de uma presunção absoluta de fraude a
remissão de dívida feita pelo insolvente, como vocês estudaram no semestre passado.

                                                                                     30
10 – TRANSAÇÃO - Trata-se na verdade de um contrato, o Código Civil trata como
contrato, mas para alguns autores a transação é modo de extinção das obrigações. Eu
entendo que é um contrato, mas no próximo semestre vocês terão muito assunto para
estudar, pois Civil 3 é a cadeira mais extensa do curso de Direito Civil. Assim, vamos
logo conhecer aqui a transação que corresponde a um acordo, a uma conciliação para
extinguir a obrigação. O Juiz inclusive deve incentivar a transação entre as partes,
conforme art. 125, IV, do Código de Processo. Conforme ditado popular, “é melhor
acordo ruim do que briga boa”. Vocês conhecem a expressão “intransigente”? Pois
intransigente é aquele que não faz transação, que não faz concessões.

        Conceito da doutrina: transação é a solução contratual da lide; conceito da lei:
transação é o contrato pelo qual as partes terminam ou previnem um litígio mediante
concessões mútuas, art. 840. É essencial que na transação existam concessões mútuas,
ou seja, cada uma das partes perde e ganha um pouco. As concessões podem ser
desproporcionais, ou seja, uma parte pode se quiser perder mais do que a outra, mas as
concessões têm que ser mútuas. Se uma das partes perde tudo e esta parte é o credor
existe remissão da dívida (vide item 9), mas não transação. Igualmente, se o devedor
perde tudo existe pagamento, mas não transação.

      É curioso que se uma das cláusulas do contrato de transação for nula, o contrato
todo será anulado, pois a nulidade de uma cláusula quebra esse equilíbrio das
concessões que as partes buscaram (848). Diz-se que a transação é por isso indivisível.

       Aplicação: a transação não se aplica a todas as obrigações, mas apenas às
obrigações de caráter patrimonial privado (841), que são justamente estas obrigações
que nós encontramos aqui no Direito Civil. Todavia, tolera-se transação em outras
áreas, como no Direito de Família, quando as partes transacionam sobre pensão
alimentícia; ou no Direito do Trabalho quando as partes transacionam sobre salários
atrasados; ou no Direito Penal quando o Ministério Público transaciona com o réu, e o
réu reconhece a culpa em troca de uma pena menor; ou no Direito Administrativo
quando o Governo transaciona com o contribuinte para receber impostos. Enfim, a
transação é típica do Direito Civil, mas pelas suas vantagens admite-se cada vez mais
em outras áreas.

       Falando de Direito Penal, devo dizer que a transação civil sobre fato que
constitui crime não extingue a ação penal. Ex: se A agride B e quebra seu braço, vai
responder penalmente por lesão corporal e civilmente pelos danos causados a B com
tratamento médico, tempo que ficou sem trabalhar, danos morais se for o caso, etc. Se
A e B fazem uma transação civil, não impede o Promotor de continuar processando A
criminalmente para receber uma pena de prisão (846). Vocês verão em
responsabilidade civil a relação entre a Justiça Penal e a Civil quando um mesmo fato
interessa a ambas (935).

       Espécies: a) preventiva: visa evitar uma ação judicial, ou seja, as partes fazem
um acordo antes de submeter a lide ao Judiciário; pode ser feita por instrumento
particular, ou seja, por contrato escrito e assinado pelas partes, testemunhas e
                                                                                     31
advogados, se houver; b) terminativa ou judicial: é a transação feita na Justiça, após
iniciado o processo, quando o acordo é homologado pelo Juiz. Vamos encontrar estas
duas espécies no art. 842.

       A vantagem da transação judicial é que ela não pode ser mais discutida, pois foi
feita perante o Juiz, tornando-se coisa julgada. Já a transação preventiva, embora
também segura, sempre pode ser questionada em Juízo, alegando uma das partes que
foi coagida, que se enganou, etc. (849) Eu repudio a banalização destes argumentos
pois já disse a vocês que a transação é um contrato, e contrato é para ser cumprido por
uma questão de segurança na sociedade. País nenhum se desenvolveu sem respeitar
dois institutos de Direito Civil: contratos e propriedade.

  Efeito: a transação extingue a obrigação decorrente daquela controvérsia entre as
  partes.
  11 – ARBITRAGEM
          Nosso CC chama a arbitragem de compromisso e existe uma lei específica
  sobre arbitragem de nº 9.307/96, conhecida como Lei Marco Maciel, pela influência
  deste político pernambucano na sua aprovação. Trata-se de um tema moderno e
  maravilhoso para uma monografia de final de curso.
          Conceito: arbitragem é o acordo pela qual as partes, por não chegarem à
  transação, concordam em ter sua lide submetida à decisão de um árbitro, de um “juiz
  particular”, afastando tal lide da Justiça Estatal. Através da arbitragem as partes
  pedem a um terceiro que aprecie a lide, e tal decisão deverá ser cumprida pelas
  partes, como se fosse uma sentença judicial. Ressalto que na transação, através de
  mediação, as partes escolhem a solução da lide, enquanto na arbitragem as partes
  escolhem o árbitro, mas não escolhem a decisão.
          Esta lei 9.307 foi alvo de muitas controvérsias, até que o Supremo, em 2002,
  julgou sua constitucionalidade, e desde então a arbitragem vem crescendo em todo o
  país e contribuindo para desafogar a Justiça.
          Vantagens da arbitragem:
  a) celeridade: maior rapidez na solução da lide, tendo em vista a conhecida
  sobrecarga do Judiciário e os entraves da legislação processual;
  b) custo menor: quando se ganha tempo também se ganha dinheiro;
  c) sigilo: o processo arbitral não é público como o processo judicial, onde as
  decisões são divulgadas na internet e no Diário Oficial, provocando desgaste
  emocional;
  d) escolha do árbitro: não se pode escolher o Juiz, pois depende sempre das regras de
  competência e da distribuição no Fórum, porém se pode escolher o árbitro, que deve
  ser uma pessoa idônea, preparada, conhecida das partes, especialista na área do
  litígio (ex: engenheiro, médico, contador); isto é uma questão crucial pois o Juiz não
  entende de medicina, engenharia, contabilidade, etc, e precisa sempre nomear um
  perito para lhe ajudar a julgar processos nestas áreas;
  e) impossibilidade de recurso: a decisão do árbitro é irrecorrível, e se a parte
  sucumbente não cumpri-la, a parte vencedora vai executá-la perante o Juiz; só aqui é
                                                                                      32
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Direito Civil II - Aulas de Direito das Obrigações

  • 1. FACULDADE DE TECNOLOGIA E CIÊNCIAS DE ITABUNA – FTC Curso: DIREITO Disciplina: Direito Civil II Professor: Paulo Sérgio dos Santos Bomfim (apud Prof. Rafael de Menezes) DIREITO CIVIL II – TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES – FTC Neste semestre começa a ser estudada a parte especial do Direito Civil, esta que é a mais extensa disciplina do curso de Direito, com sete períodos, um da parte geral, já visto, e seis da parte especial. Além de disciplina mais extensa e mais importante do curso, o Direito Civil hoje predomina sozinho no Direito Privado. Vocês sabem que as normas jurídicas têm duas grandes divisões conforme estudado na Teoria Geral do Direito: o Direito Público e o Direito Privado. É Direito Público o Direito Constitucional, Administrativo, Processual, Penal e Tributário. Já o Direito Civil, Comercial e do Trabalho integram o Direito Privado, mas só o Direito Civil é privado por excelência. Isto porque o Direito Comercial tem se aproximado do Direito Público neste séc. XXI de mundo globalizado e mercados internacionais como a União Européia, o Mercosul – Mercado Comum do Sul, a Nafta da América do Norte, a Alca – Área de Livre Comércio das Américas, etc. Cada vez mais as nações participam e se integram em blocos econômicos, aproximando o Direito Comercial do Direito Público. Igualmente o Direito do Trabalho, um filho do Direito Civil, aproxima-se do Direito Público na medida em que o Estado interfere nas relações empregatícias para proteger e tornar indisponíveis direitos dos trabalhadores. Tenho um artigo no meu site chamado “A importância do Direito Privado apesar da publicização do Direito” onde afirmo inclusive que o Direito do Trabalho é Direito Público, confiram! A publicização é justamente este avanço do Direito Público sobre o Direito Privado, com o Estado sufocando nossas atividades, atrofiando a economia, controlando nossa rotina, cobrando multas e impostos, porém fornecendo pouco em troca... O que vocês acham? Bem, voltando ao cível, hoje vocês começam o estudo da parte especial do Direito Civil, e durante seis semestres serão estudados os quatro grandes temas cíveis: obrigações, reais, família e sucessões. No Direito das Obrigações vocês vão conhecer as normas que tratam das relações das pessoas entre si, é por isso que o Direito das Obrigações é também conhecido como Direito Pessoal. As obrigações entre as pessoas se originam de vários modos, especialmente do contrato. Já no Direito Real serão estudadas as normas que tratam das relações das pessoas com os bens, sendo também chamado de Direito das Coisas. Existem vários direitos reais (art. 1.225) e o principal deles é a propriedade. Então ao longo da nossa vida, eu, vocês, João, José e Maria nos relacionamos com várias pessoas, através dos contratos, e nos apropriamos de vários bens, adquirindo propriedade, para a formação de um patrimônio. Este é o sentido da vida: estudar e trabalhar para ficar rico! O Direito Civil é o direito dos ricos! Perdoem-me os espiritualistas, mas dinheiro é muito importante na nossa vida, especialmente na nossa velhice quando estamos mais vulneráveis. Pois bem, todo esse patrimônio que nós 1
  • 2. juntamos na nossa vida será transferido a nossos herdeiros após nossa morte. Desta transmissão de bens cuida o Direito das Sucessões. O Direito das Obrigações, o Direito das Coisas e o Direito das Sucessões integram a chamada autonomia privada, ou seja, é o campo do Direito Civil onde os particulares se relacionam entre si, com grande liberdade, na celebração de contratos e na apropriação de bens que lhes interessam, para a formação de um patrimônio que será transferido aos familiares após a morte. Se no Direito Público só se pode fazer o que a lei permite, no Direito Civil pode-se fazer tudo o que a lei não proíbe, ou seja, a liberdade aqui é bem maior. Dos quatro ramos do Direito Civil, só o Direito de Família sobra deste raciocínio. Sem dúvida o Direito de Família pertence ao Direito Civil, afinal trata das relações entre familiares, e nada é tão íntimo e privado quanto a família de cada um de nós. Além disso, tais familiares, via de regra, são os herdeiros do patrimônio adquirido na nossa vida. Mas no Direito de Família as questões econômicas não predominam tanto quanto no resto do Direito Civil, afinal o que alimenta a família é o amor, é a sensibilidade, é a amizade e não o dinheiro. Em suma, o Direito de Família integra o Direito Civil, mas não integra a autonomia privada. Concentrando-nos no Direito das Obrigações, objeto dos próximos dois semestres, podemos conceituá-lo como a disciplina que trata das relações harmônicas entre as pessoas para a satisfação dos seus interesses individuais. Digo “relações harmônicas” porque a sociedade exige harmonia, sob pena de conflito e caos social. Digo “satisfação de interesses” porque uma pessoa não consegue produzir sozinha tudo que precisa para viver, e por impulso precisa se relacionar com outra para obter bens de seu interesse. As relações obrigacionais acontecem a todo instante e são o suporte econômico da sociedade moderna de consumo, especialmente através do contrato de compra e venda. Quanto mais a gente compra, aluga, troca, empresta, etc., mais dinheiro circula na economia, mais as lojas vendem, mais as fábricas produzem, mais os empresários lucram, mais empregos são gerados e mais impostos são arrecadados.Todos ganham! Mas para gastar é preciso ter dinheiro, e para isso é preciso trabalhar, e para isso é preciso estudar. Estudem pois! OBRIGAÇÃO Na primeira aula conceituamos o Direito das Obrigações e o situamos dentro do Direito Civil, bem como situamos o Direito Civil dentro do ordenamento jurídico. Vamos hoje tratar da obrigação. Conceito: Todos temos obrigações na nossa vida, seja para com o país (ex: serviço militar, votar nas eleições, pagar impostos) seja para com a família (1.566). Mas a obrigação que nos interessa neste curso é a obrigação civil. Num conceito mais simples, a obrigação é o direito do credor contra o devedor. Num conceito mais completo, a 2
  • 3. obrigação é um vínculo jurídico transitório em virtude do qual uma pessoa fica sujeita a satisfazer uma prestação econômica em proveito de outra. Expliquemos: - vínculo jurídico: o vínculo é o motor da obrigação e precisa interessar ao Direito; um vínculo apenas moral (ex: ser educado, ser gentil, dar “bom dia”) ou religioso (ex: ir a missa todo Domingo) não tem relevância jurídica; - transitório: a obrigação é efêmera, tem vida curta (ex: uma compra e venda de balcão dura segundos), podendo até ser duradoura (ex: alugar uma casa por um ano), mas não dura para sempre. Inclusive um direito de crédito se extingue quando é exercido (ex: José bate no carro de Maria, quando Maria cobra o prejuízo e José paga, a obrigação se extingue). Já os Direitos Reais são permanentes, e quanto mais exercidos mais se fortalecem (ex: a propriedade sobre uma fazenda passa por gerações de pai para filho, e quanto mais a fazenda for usada mais cumprirá sua função social, ficando livre de invasões e desapropriação). Há outras diferenças dos Direitos Reais para os Direitos Obrigacionais que serão abordadas em Civil 4. - prestação: é o objeto da obrigação e se trata de uma conduta ou omissão humana, ou seja, sempre é dar uma coisa, fazer um serviço ou se abster de alguma conduta. Dar, fazer e não-fazer, estas três são as espécies de obrigação, voltaremos a elas abaixo. - econômica: toda obrigação precisa ter um valor econômico para viabilizar a responsabilidade patrimonial do inadimplente se não for espontaneamente cumprida. Em outras palavras, se uma dívida não for paga no vencimento o credor mune-se de uma pretensão e a dívida se transforma em responsabilidade patrimonial. Que pretensão é esta de que se arma, de que se mune o credor? É a pretensão a executar o devedor para atacar/tomar seus bens através do Juiz (391, 942). E se o devedor/inadimplente não tiver bens? Então não há nada a fazer pois, como dito, a responsabilidade é patrimonial e não pessoal. Ao credor só resta espernear, é o chamado na brincadeira “jus sperniandi”. Realmente já se foi o tempo em que o devedor poderia ser preso, escravizado, esquartejado e morto por dívidas, pois isto hoje atenta contra a dignidade humana. Os únicos casos atuais de prisão por dívida são no contrato de depósito, que veremos em Civil 3 (652), e na pensão alimentícia, assunto de Direito de Família. Elementos da obrigação: são três: a) duplo sujeito: o Direito das Obrigações trata das relações entre pessoas, então toda obrigação tem dois sujeitos, um ativo, chamado credor, e um passivo, chamado devedor. Não existe relação obrigacional com apenas um sujeito (381). Pode haver num dos pólos mais de um credor e mais de um devedor (257). Numa relação simples, sabe- se exatamente qual das partes é a credora e qual é a devedora (ex: José bate no carro de Maria, então José é devedor e Maria é credora), mas numa relação complexa ambos os sujeitos são simultaneamente credores e devedores (ex: contrato de compra e venda, onde o comprador deve o dinheiro e é credor da coisa, e o vendedor deve a coisa e é credor do dinheiro). Tais obrigações complexas são também chamadas de sinalagmáticas. Os sujeitos precisam ser bem identificados para que o devedor saiba a quem prestar, e o credor saiba de quem receber. Excepcionalmente o devedor pode ser 3
  • 4. desconhecido (ex: qualquer pessoa que adquira imóvel hipotecado responde pela dívida, apesar de não ter originariamente assumido a obrigação; 303, mais detalhes em Civil 5) e o credor também pode ser desconhecido (ex: o credor faleceu ou desapareceu, deve então o devedor pagar na Justiça para se livrar da obrigação, 334; outro ex: 855). b) vínculo jurídico: o vínculo liga os sujeitos ao objeto da obrigação. O vínculo é a força motriz da relação obrigacional. O vínculo seria qualquer acontecimento relevante para o direito capaz de fazer nascer uma obrigação (ex: um acidente de trânsito gera um ato ilícito, um acordo de vontades produz um contrato, etc). c) objeto: atenção com o objeto! O objeto da obrigação não é uma coisa, mas um fato humano/uma conduta ou omissão do devedor chamada prestação. A prestação possui três espécies: dar, fazer, ou não-fazer. Na obrigação de dar o objeto da prestação é uma coisa (ex: dar dinheiro, dar uma TV), mas o objeto da obrigação é a ação de entregar a coisa, não a coisa em si. Na obrigação de fazer o objeto da prestação é um serviço (ex: o cantor realiza um show, o advogado redige uma petição, o professor ministra uma aula). Finalmente, na obrigação de não-fazer, o objeto da prestação é uma omissão/abstenção (ex: o químico da fábrica de perfume é demitido e se obriga a não revelar a fórmula do perfume). Como o objeto da obrigação é a prestação, mesmo na obrigação de dar o credor não tem poder sobre a coisa, mas sim sobre a prestação (ex: compro uma geladeira e a loja promete me entregar em casa, mas a loja não cumpre, não posso por isso invadir a loja e pegar a geladeira à força, devo sim exigir perdas e danos, 389 – trata-se da responsabilidade patrimonial do devedor, como dito acima). As obrigações de dar e de fazer são positivas, e a de não-fazer é a chamada obrigação negativa. O objeto da obrigação para ser válido precisa ser lícito (ex: comprar drogas, contratar o serviço de um “pistoleiro”, etc), possível (ex: viagem no tempo, procurar um anel no mar, encontrar um dinossauro vivo), determinável (a coisa devida precisa ser identificada, 243) e ter valor econômico para viabilizar o ataque ao patrimônio do devedor em caso de inadimplemento (947). Acrescentem “valor econômico” ao art. 104, II, do CC. FONTES DAS OBRIGAÇÕES O Direito se origina dos fatos = ex facto iur oritur. As fontes do Direito são a lei, a jurisprudência, a doutrina e os costumes, conforme estudado em Introdução ao Direito. No caso das obrigações, quais suas fontes? De onde se originam as obrigações? Ressalto que há muitas obrigações que interessam a outras áreas jurídicas e que têm por fonte a lei, ex: obrigação de alimentar os parentes necessitados, assunto de Direito de Família (1.696); obrigação de votar, assunto de Direito Eleitoral; obrigação de pagar impostos, assunto de Direito Tributário; obrigação dos homens de prestar serviço militar, etc. 4
  • 5. Mas e as obrigações patrimoniais privadas? Como surgem as relações concretas entre particulares tendo por objeto determinada prestação? São três as fontes segundo o Código Civil, vejamos: 1 – Contratos: esta é a principal e maior fonte de obrigação. Através dos contratos as partes assumem obrigações (ex: compra e venda, onde o comprador se obriga a pagar o preço e o vendedor se obriga a entregar a coisa). No próximo semestre serão estudados com detalhes os inúmeros contratos (ex: locação, doação, empréstimo, seguro, transporte, mandato, fiança, etc). 2 – Atos unilaterais: segundo nosso Código, são os quatro capítulos entre os arts. 854 e 886, com destaque para a promessa de recompensa (ex: perdi meu cachorro e pago cem a quem encontrá-lo, obrigando-me perante qualquer pessoa que cumpra a tarefa). Não temos aqui um contrato, mas um ato unilateral gerador de obrigação, como será visto no próximo semestre. 3 – Atos ilícitos: já estudados no semestre passado, revisem o art. 186 (ex: João bate no carro de Maria e se obriga a reparar os prejuízos). O estudo dos atos ilícitos deve ser aprofundado na importante disciplina Responsabilidade Civil (927). ESPÉCIES DE OBRIGAÇÃO São três, duas positivas (dar e fazer) e uma negativa (obrigação de não-fazer). 1 – obrigação de dar: conduta humana que tem por objeto uma coisa, subdividindo-se em três: obrigação de dar coisa certa, obrigação de restituir e obrigação de dar coisa incerta. 1.1 – obrigação de dar coisa certa: vínculo jurídico pelo qual o devedor se compromete a entregar ao credor determinado bem móvel ou imóvel, perfeitamente individualizado. Tal obrigação é regulada pelo Código Civil a partir do art. 233, salvo acordo entre as partes, ou seja, se as partes não ajustarem de modo diferente, vão prevalecer as disposições legais. Na autonomia privada, como dito na aula 1, a liberdade das partes é grande, e o Código Civil serve mais para completar a vontade das partes caso haja omissão no ajuste entre elas. Diz-se por isso que a maioria das normas de direito privado são supletivas, enquanto a maioria das normas de direito público são imperativas = obrigatórias. O que vai caracterizar a obrigação de dar coisa certa é porque o objeto da prestação é coisa única e preciosa, ex: a raquete de Guga, o capacete de Ayrton Senna, a camisa dez de Pelé, etc. (235). O devedor obrigado a dar coisa certa não pode dar coisa diferente, ainda que mais valiosa, salvo acordo com o credor (313 – mais uma norma supletiva). Se o devedor recebe o preço e se recusa a entregar a coisa, o credor não pode tomá-la, resolvendo-se o litígio em perdas e danos (389). A obrigação não geral direito 5
  • 6. real ( = sobre a coisa), mas apenas direito pessoal ( = sobre a conduta). Excepcionalmente, admite-se efeito real caso a coisa continue na posse do devedor (ex: A combina vender a B o capacete de Ayrton Senna, B paga mas depois A recebe uma oferta melhor e termina vendendo o capacete a C; B não pode tomar o capacete de C, mas caso estivesse ainda com A poderia fazê-lo através do Juiz; esta é a interpretação do art. 475 do CC que vocês estudarão em Civil 3). Então o 389 é a regra e o 475 (execução forçada do contrato) é a exceção. E se a obrigação não gera direito real, o que vai gerar? Resposta: a tradição para as coisas móveis e o registro para as coisas imóveis. Tradição e registro são assuntos de Direitos Reais mas que já devo adiantar. Tradição é a entrega efetiva da coisa móvel (1226 e 1267), então quando compro uma geladeira, pago a vista e aguardo em casa sua chegada, só serei dono da coisa quando recebê-la. Ao contrário, se compro um celular a prazo e saio com ele da loja, o aparelho já será meu embora não tenha pago o preço (237). Eventual perda/roubo da geladeira/celular trará prejuízo para o dono, seja ele a loja ou o consumidor, a depender do momento da tradição. É a confirmação do brocardo romano res perit domino (= a coisa perece para o dono), seja o comprador ou o vendedor, até a tradição (492). Se o devedor danificar a coisa antes da tradição, terá que indenizar o comprador por perdas e danos (239). Por sua vez, o registro é a inscrição da propriedade imobiliária no Cartório de Imóveis, de modo que o dono do apartamento não é quem mora nele, não é quem pagou o preço ou quem tem as chaves. O dono da coisa imóvel é aquele cujo nome está registrado no Cartório de Imóveis (1245 e § 1º). Mais detalhes sobre tradição e registro em Civil 4. 1.2 – obrigação de restituir: é também chamada de obrigação de devolver. Difere da obrigação de dar, pois nesta a coisa pertence ao devedor até a tradição, enquanto na obrigação de restituir a coisa pertence ao credor, apenas sua posse é que foi transferida ao devedor. Posse e propriedade são conceitos que serão estudados em Direitos Reais, mas dá para entender que quando se aluga um filme, a locadora continua sendo proprietária do filme, é apenas a posse que se transfere ao cliente. Então na locação o cliente/devedor tem a obrigação de restituir o bem ao locador após o prazo acertado (569, IV). Como se vê, na obrigação de restituir a prestação consiste em devolver uma coisa cuja propriedade já era do credor antes do surgimento da obrigação. Igualmente se eu empresto um carro a meu vizinho, eu continuo dono/proprietário do carro, apenas a posse é que é transferida, ficando o vizinho com a obrigação de devolver o veículo após o uso. Locação e empréstimo são exemplos de obrigação de restituir, ficando a coisa em poder do devedor, mas mantendo o credor direito real de propriedade sobre ela. Como a coisa é do credor, seu extravio antes da devolução trará prejuízo ao próprio credor (240), enquanto na obrigação de dar o extravio antes da tradição traz prejuízo ao devedor. Em ambos os casos, sempre prevalece a máxima res perit domino. Mas é preciso cuidado para evitar fraudes (238, ex: alugo um carro que depois é furtado, o prejuízo será da loja, por isso é prudente a locadora sempre fazer seguro). Outro exemplo de obrigação de restituir está no art. 1.233, então se “achado não é roubado”, também não pode ser apropriado, devendo quem encontrar agir conforme o p.ú. do mesmo artigo. 6
  • 7. ESPÉCIES DE OBRIGAÇÃO (continuação) 1 – obrigação de dar 1.1 – obrigação de dar coisa certa 1.2 – obrigação de restituir (já vistas na aula passada) 1.3 – obrigação de dar coisa incerta: nesta espécie de obrigação a coisa não é única, singular, exclusiva e preciosa como na obrigação de dar coisa certa, mas sim é uma coisa genérica determinável pelo gênero e pela quantidade (243). Ao invés de uma coisa determinada/certa, temos aqui uma coisa determinável/incerta (ex: cem sacos de café; dez cabeças de gado, um carro popular, etc). Tal coisa incerta, indicada apenas pelo gênero e pela quantidade no início da relação obrigacional, vem a se tornar determinada por escolha no momento do pagamento. Ressalto que coisa “incerta” não é “qualquer coisa”, mas coisa sujeita a determinação futura. Então se João deve cem laranjas a José, estas frutas precisam ser escolhidas no momento do pagamento para serem entregues ao credor. Esta escolha chama-se juridicamente de concentração. Conceito: processo de escolha da coisa devida, de média qualidade, feita via de regra pelo devedor (244). A concentração implica também em separação, pesagem, medição, contagem e expedição da coisa, conforme o caso. As partes podem combinar que a escolha será feita pelo credor, ou por um terceiro, tratando-se este artigo 244 de uma norma supletiva, que apenas completa a vontade das partes em caso de omissão no contrato entre elas. Após a concentração a coisa incerta se torna certa (245). Antes da concentração a coisa devida não se perde pois genus nunquam perit (o gênero nunca perece). Se João deve cem laranjas a José não pode deixar de cumprir a obrigação alegando que as laranjas se estragaram, pois cem laranjas são cem laranjas, e se a plantação de João se perdeu ele pode comprar as frutas em outra fazenda (246). Todavia, após a concentração, caso as laranjas se percam (ex: incêndio no armazém) a obrigação se extingue, voltando as partes ao estado anterior, devolvendo-se eventual preço pago, sem se exigir perdas e danos (234, 389, 402). Pela importância da concentração, o credor deve ser cientificado quando o devedor for realizá-la, até para que o credor fiscalize a qualidade média da coisa a ser escolhida. OBRIGAÇÃO DE FAZER Obrigação de fazer: conduta humana que tem por objeto um serviço. Conceito: espécie de obrigação positiva pela qual o devedor se compromete a praticar algum serviço lícito em benefício do credor. Enquanto na obrigação de dar o objeto da prestação é uma coisa, na obrigação de fazer o objeto da prestação é um serviço (ex: professor ministrar uma aula, advogado redigir uma petição, cantor fazer um show, pedreiro construir um muro, médico realizar uma consulta, etc.). E 7
  • 8. se eu quero comprar um quadro e encomendo a um artista, a obrigação será de fazer ou de dar? Se o quadro já estiver pronto a obrigação será de dar, se ainda for confeccionar o quadro a obrigação será de fazer. A obrigação de fazer tem duas espécies: 2.1 – fungível: quando o serviço puder ser prestado por uma terceira pessoa, diferente do devedor, ou seja, quando o devedor for facilmente substituível, sem prejuízo para o credor, a obrigação é fungível (ex: pedreiro, eletricista, mecânico, caso não possam fazer o serviço e mandem um substituto, a princípio para o credor não há problema). As obrigações de dar são sempre fungíveis pois visam a uma coisa, não importa quem seja o devedor (304). 2.2 – infungível: ao credor só interessa que o devedor, pelas suas qualidades pessoais, faça o serviço (ex: médico e advogado são profissionais de estrita confiança dos pacientes e clientes). Chama-se esta espécie de obrigação de personalíssima ou intuitu personae ( = em razão da pessoa). São as circunstâncias do caso e a vontade do credor que tornarão a obrigação de fazer fungível ou não. Em caso de inexecução da obrigação de fazer o credor só pode exigir perdas e danos (247). Viola a dignidade humana constranger o devedor a fazer o serviço por ordem judicial, de modo que na obrigação de fazer não se pode exigir a execução forçada como na obrigação de dar coisa certa (art. 475 – sublinhem exigir- lhe o cumprimento). Imaginem um cantor se recusar a subir no palco, não é razoável o Juiz mandar a polícia para forçá-lo a trabalhar “manu militari”, o coerente é o credor do show exigir perdas e danos (389). Ninguém pode ser diretamente coagido a praticar o ato a que se obrigara. Assim, a execução “in natura” do art. 475 do CC deve ser substituída por perdas e danos quando for impossível (ex: a coisa devida não está mais com o devedor) ou quando causar constrangimento físico ao devedor (ex: obrigação de fazer). Se ocorrer recusa do devedor de executar obrigação fungível, o credor pode pedir a um terceiro para fazer o serviço, às custas do devedor (249). Havendo urgência, o credor pode agir sem ordem judicial, num autêntico caso de realização de Justiça pelas próprias mãos (pú do 249, ex: consertar o telhado de casa ameaçando cair). Mas se tal recusa decorre de um caso fortuito (ex: o cantor gripou e perdeu a voz), extingue-se a obrigação (248). OBRIGAÇÃO DE NÃO-FAZER 3 – Obrigação de não-fazer: trata-se de uma obrigação negativa cujo objeto da prestação é uma omissão ou abstenção. Os romanos chamavam de obrigação ad non faciendum. Conceito: vínculo jurídico pelo qual o devedor se compromete a se abster de fazer certo ato, que poderia livremente praticar, se não tivesse se obrigado em benefício do credor. O devedor vai ter que sofrer, tolerar ou se abster de algum 8
  • 9. ato em benefício do credor. Exemplos: o engenheiro químico que se obriga a não revelar a fórmula do perfume da fábrica onde trabalha; o condômino que se obriga a não criar cachorro no apartamento onde reside; o professor que se obriga a não dar aula em outra faculdade; o comerciante que se obriga a não fazer concorrência a outro, etc. Pode haver limite temporal para a obrigação (1.147). Como na autonomia privada a liberdade é grande, as obrigações negativas podem ser bem variadas, mas obrigações imorais e anti-sociais, ou que sacrifiquem a liberdade das pessoas, são proibidas, ex: obrigação de não se casar, de não trabalhar, de não ter religião, etc. Tudo é uma questão de bom senso, ou de razoabilidade. Gosto muito da expressão “razoável”, é uma expressão muito ligada ao Direito, inclusive tem um artigo no site sobre a razoabilidade na aplicação da lei, confiram! A violação da obrigação negativa se resolve em perdas e danos, então se o engenheiro divulgar a fórmula do perfume terá que indenizar a fábrica. Mas se for viável, o credor poderá exigir o desfazimento pelo devedor (ex: José se obriga a não subir o muro para não tirar a ventilação do seu vizinho João, caso José aumente o muro, João poderá exigir a demolição, 251). No caso do perfume não há como desfazer a revelação do segredo, então uma indenização por perdas e danos é a solução (389). Neste exemplo do muro, se José se mudar, o novo morador terá que respeitar a obrigação? Não, pois quem celebrou o contrato não foi ele. Mas se João, ao invés de um simples contrato de obrigação negativa, fizer com José uma servidão predial, todos os futuros proprietários da casa não poderão aumentar o muro (1.378). Servidão predial é assunto de Civil 5, e por se tratar de um direito real, já se percebe sua maior força em relação a um direito obrigacional. Enquanto uma obrigação vincula pessoas (João a José), uma servidão predial vincula uma pessoa a uma coisa, então a segurança para o credor é bem maior. Mais detalhes em Civil 5 (vide no site aulas 8 e 9 de Direitos Reais na Coisa Alheia). Ainda tratando do exemplo do muro, e se a Prefeitura obrigar José a aumentar o muro por uma questão de estética ou urbanismo? José terá que obedecer e João nada poderá fazer, pois o Direito Público predomina sobre o Direito Privado (250 – é o chamado “Fato do Príncipe”, em alusão aos monarcas que governavam os países na Europa medieval). CLASSIFICAÇÃO ou MODALIDADES DE OBRIGAÇÕES Vistas as espécies, vamos passar as próximas aulas tratando das modalidades de obrigações. São várias modalidades, mas que sempre irão corresponder a uma das três espécies de dar, fazer ou não-fazer. A primeira modalidade é: 9
  • 10. 1 – Obrigação Natural: a obrigação civil produz todos os efeitos jurídicos, mas a obrigação natural não, pois corresponde a uma obrigação moral. Há autores que a chamam de obrigação degenerada. São exemplos: obrigação de dar gorjeta, obrigação de pagar dívida prescrita (205), obrigação de pagar dívida de jogo (814), etc. A obrigação natural não pode ser exigida pelo credor, e o devedor só vai pagar se quiser, bem diferente da obrigação civil. Vocês sabem que se uma dívida não for paga no vencimento o direito do credor mune-se de uma pretensão, e a dívida se transforma em responsabilidade patrimonial. Mas tratando-se de obrigação natural, o credor não terá a pretensão para executar o devedor e tomar seus bens (189). A dívida natural existe, mas não pode ser judicialmente cobrada, não podendo o credor recorrer à Justiça. Conceito: obrigação natural é aquela a cuja execução não pode o devedor ser constrangido, mas cujo cumprimento voluntário é pagamento verdadeiro. Por que a obrigação natural interessa ao Direito se corresponde a uma obrigação moral? Porque a obrigação natural, mesmo sendo moral, possui um efeito jurídico: soluti retentio ou retenção do pagamento. Mesmo tratando-se de uma obrigação moral, o pagamento de obrigação natural é pagamento verdadeiro e o credor pode retê-lo. Então se João paga dívida prescrita e depois se arrepende não pode pedir o dinheiro de volta, pois o credor tem direito à retenção do pagamento (882). Como diz a doutrina, “a obrigação natural não se afirma senão quando morre”, ou seja, é com o pagamento e sua extinção que a obrigação natural vai existir para o direito, ensejando ao credor a soluti retentio. Mas não se confunda obrigação natural com obrigação inexistente: se João paga dívida inexistente o credor não pode ficar com o dinheiro, e João terá direito à repetitio indebiti ( = devolução do indébito; em direito “repetir” significa “devolver”, e “indébito” é o que não é devido). Então quem efetua pagamento indevido pode exigir a devolução do dinheiro ( = repetitio indebiti) para que outrem não enriqueça sem motivo. O credor de obrigação natural tem direito à soluti retentio, mas quem recebe dívida inexistente não (ex: pago a meu credor João da Silva, mas por engano faço o depósito na conta de outro João da Silva, que terá que devolver o dinheiro, 876). Na obrigação natural não cabe a repetitio indebiti, pois o credor dispõe da soluti retentio. Falaremos mais de enriquecimento sem causa e pagamento indevido na aula 12. Em suma, a obrigação natural não se cumpre por bondade ou liberalidade ou doação, mas por um dever moral, e a moral influencia o Direito, tanto que a lei lhe atribui o efeito jurídico da soluti retentio. Falando de doação, vocês verão em Civil 3 que o donatário deve ser grato ao doador, então se João doa um carro a Maria, Maria lhe deve gratidão pelo resto da 10
  • 11. vida, não podendo agredi-lo ou ofendê-lo sob pena de perder a doação (557). Mas se por trás dessa doação existe uma obrigação natural, tal doação não se revoga por ingratidão (564, III; ex: João deve dinheiro a Maria mas a dívida prescreveu, porém mesmo assim João resolveu pagar e doou uma jóia a Maria; pois bem, caso Maria venha no futuro a agredir João, tal doação não se extinguirá já que não foi feita por liberalidade, mas sim em cumprimento de obrigação natural). Finalizando, gostaria de transcrever a valiosa opinião de Washington de Barros Monteiro sobre a raridade da obrigação natural e a absurda proteção que a lei dá ao devedor no nosso ordenamento: - numa época em que a noção do prazo tende a desaparecer, substituída pelo espírito de moratória e pela esperança da revisão; em que o devedor conhece a arte de não pagar as dívidas e em que aquele que paga com exatidão no dia devido não passa de um ingênuo, que não tem direito a nada; em que as leis se enchem de piedade pelos devedores e em que as vias judiciárias se mostram imprescindíveis como imposição ao devedor civil, aparece como verdadeiro anacronismo a obrigação natural, suscetível de pagamento voluntário, apesar de desprovida de ação (vide Direito das Obrigações, 1ª parte, Ed. Saraiva, 32ª edição, pág. 215). CLASSIFICAÇÃO ou MODALIDADES DE OBRIGAÇÕES 1 – Obrigação Natural (já vista) 2 – Obrigação Alternativa A obrigação simples só possui um objeto, mas a obrigação alternativa tem por objeto duas ou mais prestações, mas apenas uma será cumprida como pagamento. É muito comum na prática, até para facilitar e estimular os negócios (ex: vendo esta casa por vinte mil ou troco por terreno na praia; outro ex: um artista bate no seu carro e se compromete a fazer um show na sua casa ou a pagar o conserto; mais um ex: o comerciante que se obriga com outro a não lhe fazer concorrência, ou então a lhe pagar certa quantia; exemplo da lei: art. 1701, outro exemplo da lei, art 442). Características da obrigação alternativa: a) nasce com objeto composto, ou seja, duas ou mais possibilidades de prestação; 11
  • 12. b) o adimplemento de qualquer das prestações resulta no cumprimento da obrigação, o que aumenta a chance de satisfação do credor, sem ter que se partir para as perdas e danos, caso qualquer das prestações venha a perecer. Como o credor aceitou mais de uma prestação como pagamento, qualquer delas vai satisfazer o credor (253 e 256); a exoneração do devedor se dá mediante a realização de uma única prestação. c) o devedor pode optar por qualquer das prestações, cabendo o direito de escolha, de regra, ao próprio devedor (252); mas o contrato pode prever que a escolha será feita pelo credor, por um terceiro, ou por sorteio (817); essa escolha chama-se de concentração, semelhante a da obrigação de dar coisa incerta; ressalto todavia que não se confunde a obrigação alternativa com a de dar coisa incerta; nesta o objeto é único, embora indeterminado até a concentração; já na obrigação alternativa há pelo menos dois objetos; d) se o devedor, ignorando que a obrigação era alternativa, fizer o pagamento, pode repeti-lo para exercer a opção. É um caso raro de retratação da concentração, e cabe ao devedor a prova de que não sabia da possibilidade de escolha (877). e) nas obrigações periódicas admite-se o jus variandi, ou seja, pode-se mudar a opção a cada período (§ 2o do art. 252). A doutrina critica essa mudança de prestação porque gera instabilidade para o credor. 3 - Obrigação Facultativa É parecida, é uma prima pobre, mas não se confunde com a obrigação alternativa. É também muito rara, tanto que nosso Código não reservou para ela um capítulo próprio. Sua fonte está mais na lei do que no contrato, conforme exemplos que veremos abaixo. Ou seja, há casos específicos na lei que contemplam obrigações facultativas, porque as partes dificilmente contratam prevendo uma obrigação facultativa. Conceito: é aquela cujo objeto da prestação é único, mas confere ao devedor o direito excepcional de substitui-lo por outro. Exemplo: art. 1234, assunto de Civil 4, então quem encontra coisa perdida deve restitui-la ao dono, e o dono fica obrigado a recompensar quem encontrou; mas o dono pode, ao invés de pagar a recompensa, abandonar a coisa, e aí quem encontrou poderá ficar com ela; pagar a recompensa é a prestação principal do devedor, já abandonar a coisa é prestação acessória do seu dono. O abandono da coisa não é obrigação, mas faculdade do seu dono. Ao invés de pagar a recompensa, tem o devedor a faculdade de dar a coisa ao credor. 12
  • 13. Outro exemplo: art. 1382, assunto de Civil 5, então imaginem que da Fazenda A sai um aqueduto para a Fazenda B, levando água, com a obrigação, ajustada em contrato, de que o dono da Fazenda A deverá conservar a obra. Pois bem, ao invés de manter o aqueduto, tem o dono da Fazenda A a obrigação facultativa de abandonar suas terras para o dono da Fazenda B. Ao invés de conservar o aqueduto, o devedor tem a faculdade de abandonar suas terras, dando-as ao vizinho. Ao nascer a obrigação o objeto é único, mas para facilitar o pagamento, o devedor tem a excepcional faculdade de se liberar mediante prestação diferente. É vantajosa assim para o devedor. Na obrigação facultativa, ao contrário da alternativa, o credor nunca tem a opção e só pode exigir a prestação principal, pois a prestação devida é única e só o devedor pode optar pela prestação facultativa. Ressalto que a impossibilidade de cumprimento da prestação principal extingue a obrigação, resolvendo-se em perdas e danos, não se aplicando o art. 253, pois, como já dito, a prestação acessória não é obrigação, mas faculdade do devedor. Então quem encontrar coisa perdida e não receber a recompensa, não poderá exigir o abandono da coisa, mas sim deverá processar o devedor pelo valor da recompensa. Classificação ou modalidades de obrigações (continuação) 4 – Obrigação divisível e indivisível Em geral, numa obrigação existe apenas um credor e um devedor. Mas caso existam na mesma relação vários devedores ou vários credores, o razoável é que cada devedor pague apenas parte da dívida, e que cada credor tenha direito apenas a parte da prestação. Essa regra sofre exceção nos casos de indivisibilidade, que veremos hoje, e de solidariedade, na próxima aula. Tanto na indivisibilidade como na solidariedade, embora concorram várias pessoas, cada credor pode reclamar a prestação por inteiro, e cada devedor responde também pelo todo (259 e 264). Comecemos pela divisibilidade e indivisibilidade: Obrigação divisível é aquela cuja prestação pode ser parcialmente cumprida sem prejuízo de sua qualidade e de seu valor (ex: uma dívida de cem reais pode ser paga em duas metades; um curso de Direito Civil pode ser ministrado em várias aulas). Mas a depender do acordo entre as partes, o devedor deve pagar de uma vez só, mesmo que a prestação seja divisível (314). 13
  • 14. Já na obrigação indivisível a prestação só pode ser cumprida por inteiro (ex: quem deve um cavalo não pode dar o animal em partes, 258; mas se tal cavalo perecer e a dívida se converter em pecúnia, deixa de ser indivisível, 263). Como dito, a indivisibilidade vai despertar interesse prático quando houver mais de um credor ou mais de um devedor. - pluralidade de devedores: imaginem que um pai morre e deixa dívidas, seus filhos irão pagar estas dívidas dentro dos limites da herança recebida do pai (1792, 1997). Então o credor do pai terá mais de um filho para cobrar esta dívida. Se a prestação for divisível, cada filho responde pela parte correspondente a sua herança, e a insolvência de um deles não aumentará a quota dos demais (257). Mas se a prestação for indivisível, cada filho responde pela dívida toda, e aquele que pagar ao credor, cobrará o quinhão correspondente de cada irmão (259 e pú – veremos sub- rogação em breve). A relação obrigacional antes era do credor com os filhos do pai morto, agora é do irmão pagador contra os outros irmãos. - e se a pluralidade for de credores? Sendo divisível a prestação, cada credor só pode exigir sua parte (257). Mas sendo indivisível aplica-se o 260, pelo que o devedor deverá pagar a todos os credores juntos, para que um não engane os outros. Ou então o devedor deverá pagar àquele credor que prestar uma garantia ( = caução) de que repassará o pagamento aos outros (ex: João deve um carro a três pessoas, mas não encontra os três para pagar, assim, para se livrar logo daquela obrigação, paga ao credor que ofereceu uma fiança; se este credor não repassar o carro aos demais credores, o fiador poderá ser processado pelos prejudicados; fiança é assunto de Civil 3). Se o devedor pagar sem as cautelas do art. 260, terá que pagar de novo àquele credor que, eventualmente, venha a ser lesado pelo credor que recebeu todo o pagamento, afinal quem paga mal paga duas vezes, concordam? Diz-se por isso que o pagamento integral da dívida a um só dos vários credores pode não desobrigar o devedor com relação aos demais concredores. Mas pagando o devedor corretamente, caberá aos credores buscar sua parte com o credor que recebeu tudo (261). Tratando-se de coisa indivisível (ex: carro, barco, casa), poderão os credores usar a coisa em condomínio, ou então vendê-la e dividir o dinheiro (1320). Espécies de indivisibilidade: a) física: a prestação é indivisível pela sua própria natureza, pois sua divisão alteraria sua substância ou prejudicaria seu uso (ex: obrigação de dar um cavalo, obrigação de restituir o imóvel locado, etc); b) econômica: o objeto da prestação fisicamente poderia ser dividido, mas perderia valor (ex: obrigação de dar um diamante, art. 87); c) legal: é a lei que proíbe a divisão (ex: a lei 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, determina no art. 4º, II, que os lotes nos loteamentos terão no mínimo 125 metros quadrados, então um lote deste tamanho não pode ser dividido em dois); d) convencional: é o acordo entre as partes que torna a prestação indivisível (art. 88, ex: dois devedores se obrigam a pagar juntos certa quantia em dinheiro, o que vai favorecer o credor que poderá exigir tudo de qualquer deles, 258 in fine, e 259). 14
  • 15. Percebe-se que qualquer das três espécies de obrigação (dar, fazer e não- fazer) pode ser divisível ou indivisível (ex: dar dinheiro é divisível, mas dar um cavalo é indivisível; pintar um quadro é obrigação de fazer indivisível, mas plantar cem árvores é divisível; não revelar segredo é indivisível, mas não pescar e não caçar na fazenda do vizinho é divisível). Classificação ou modalidades de obrigações (continuação) 5 – Obrigações solidárias Como visto na aula passada, quando numa obrigação indivisível concorrem vários devedores, todos estão obrigados pela dívida toda, como se existisse uma solidariedade entre eles (259). Assim, se várias pessoas devem coisa indivisível, a obrigação é também solidária. Mas pode haver obrigação solidária mesmo de coisa divisível devida por várias pessoas. Conceito legal: há solidariedade quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito ou com responsabilidade pela dívida toda, como se fosse o único (264). As obrigações solidárias e indivisíveis têm conseqüências práticas semelhantes, mas são obrigações diferentes, vejamos: - a obrigação indivisível é impossível pagar por partes, pois resulta da natureza da prestação (ex: cavalo, lote urbano, diamante, barco, fazer um quadro, etc). Já a obrigação solidária até poderia ser paga por partes, mas por força de contrato não pode, tratando-se de uma garantia para favorecer o credor. Na solidariedade cada devedor deve tudo, na indivisibilidade cada devedor só deve uma parte, mas tem que pagar tudo diante da natureza da prestação. Pelas suas características a solidariedade não se presume, decorre de contrato ou da lei (265). Exemplo de solidariedade decorrente de lei é a patroa que responde pelos danos causados a terceiros por sua empregada doméstica (932, III, 942 e pú). - pode haver obrigação solidária de coisa divisível (ex: dinheiro), de modo que todos os devedores vão responder integralmente pela dívida, mesmo sendo coisa divisível. Tal solidariedade nas coisas divisíveis serve para reforçar o vínculo e facilitar a cobrança pelo credor. - o devedor a vários credores de coisa indivisível precisa pagar a todos os credores juntos (260, I), mas o devedor a vários credores solidários se desobriga pagando a qualquer deles (269). - se a coisa devida em obrigação solidária perece, converte-se em perdas e danos, torna-se divisível, mas permanece a solidariedade (271 e 279). Se a coisa 15
  • 16. devida em obrigação indivisível perece, converte-se em perdas e danos e os co- devedores deixam de ser responsáveis pelo todo (263). - o devedor de obrigação solidária que paga sozinho a dívida ao credor, vai cobrar dos demais co-devedores a quota de cada um, sem solidariedade que não se presume (265 e 283). Então A, B e C devem solidariamente dinheiro a D. Se A pagar a dívida toda ao credor, A vai cobrar a quota de B e C sem solidariedade entre B e C. Elementos da obrigação solidária: a) multiplicidade de credores ou de devedores, ou ainda, de uns e de outros; b) unidade de prestação; c) co- responsabilidade dos interessados. 5.1 - Solidariedade ativa Configura-se pela presença de vários credores, chamados concredores, todos com o mesmo direito de exigir integralmente a dívida ao devedor comum (267). A solidariedade ativa é rara porque na sua principal característica está sua principal inconveniência (269). Assim, o devedor não precisa pagar a todos os concredores juntos, como na obrigação indivisível (260, I). Pagando apenas a um dos credores solidários, mesmo sem autorização dos demais, o devedor se desobriga, e se este credor for desonesto ou incompetente, e reter ou perder a quota dos demais, os concredores nada poderão reclamar do devedor, terão sim que reclamar daquele que embolsou o pagamento. Mas caso algum dos concredores já esteja executando judicialmente o devedor, o pagamento deverá ser feito ao mesmo (268), o que se chama de prevenção, ficando tal credor prevento para receber o pagamento com prioridade em nome de todos os concredores. Outro inconveniente é que se um dos credores perdoar a dívida, o devedor fica liberado, e os demais concredores terão que exigir sua parte daquele que perdoou (272). Como se vê, na solidariedade ativa cada credor fica sujeito à honestidade dos outros concredores. Por estes inconvenientes a solidariedade ativa é rara, afinal não interessa ao credor. 5.2 – Solidariedade passsiva Esta é comum e importante, devendo ser estimulada já que protege o crédito, reforça o vínculo, facilita a cobrança e aumenta a chance de pagamento, pois o credor terá várias pessoas para cobrar a dívida toda. E quanto mais se protege o credor, mais as pessoas emprestam dinheiro, e com mais dinheiro os consumidores se equipam, as lojas vendem, as fábricas 16
  • 17. produzem, os patrões lucram, geram empregos e o governo arrecada tributos. Como se sabe: proteger o crédito é estimular o desenvolvimento sócio-econômico. Entendo até que, por isso mesmo, para proteger o crédito, a solidariedade passiva, não a ativa, deveria ser presumida. Violando o art. 265, o art. 829 acertadamente faz presumir a solidariedade passiva conforme será visto em fiança. Conceito: ocorre a solidariedade passiva quando mais de um devedor, chamado coobrigado, com seu patrimônio (391), se obriga ao pagamento da dívida toda (275). Assim, havendo três devedores solidários, o credor terá três pessoas para processar e exigir pagamento integral, mesmo que a obrigação seja divisível. O credor escolhe se quer processar um ou todos os devedores (pú do 275). Aquele devedor que pagar integralmente a dívida, terá direito de regresso contra os demais coobrigados (283). Na solidariedade passiva não se aplica o benefício de divisão e nem o benefício de ordem. O que é isso? Pelo benefício de divisão o devedor pode exigir a citação de todos os coobrigados no processo para juntos se defenderem. Isto é ruim para o credor porque atrasa o processo, por isso a solidariedade passiva não concede tal benefício aos co-devedores. Pelo benefício de ordem, o coobrigado tem o direito de ver executado primeiro os bens do devedor principal (ex: fiança, 827). Mas o fiador pode renunciar ao benefício de ordem e se equiparar ao devedor solidário (828, II). O avalista nunca tem benefício de ordem, sempre é devedor solidário, por isso se algum amigo lhe pedir para ser avalista não aceite, mas se ele insistir seja seu fiador com benefício de ordem, mas jamais fiador-solidário ou avalista. Fiança e aval são exemplos de solidariedade passiva decorrente de acordo de vontades. Então a Universidade quando financia o curso de um estudante, geralmente exige um fiador ou um avalista (897), de modo que se o devedor não pagar a dívida no vencimento, o credor irá processar o devedor, o fiador ou o avalista. Fiança será estudada em Civil 3 e aval em Direito Empresarial. Exemplos de solidariedade passiva decorrente da lei estão na responsabilidade civil (932), no comodato (585) e na gestão de negócios (pú do 867). Modalidades de obrigações (continuação) 6 - Obrigações líquidas e ilíquidas Líquida é a obrigação certa e determinada, ou seja, certa quanto à sua existência e determinada quanto à sua qualidade, quantidade, natureza e objeto. Em outras palavras, obrigação líquida é aquele cuja existência é certa e cujo valor é conhecido. 17
  • 18. Vocês sabem que se uma dívida não for paga no vencimento o credor mune-se de uma pretensão e a dívida se transforma em responsabilidade patrimonial. Esta pretensão consiste no poder de executar o devedor para tomar seus bens através do Juiz e satisfazer o credor. Pois bem, a ação de execução só é possível quando a obrigação é líquida. Sendo a obrigação ilíquida e não havendo acordo entre as partes, precisa ser apurada pelo Juiz em processo de liquidação para poder ser executada, afinal não se pode executar obrigação ilíquida (947). Inclusive entendo que o Juiz deve sempre proferir sentenças líquidas para evitar mais demoras ao credor. Exemplo: o Juiz condena João a indenizar Maria porque João matou o pai dela, devendo o Juiz dizer logo o valor da indenização, e não deixar isso para uma fase posterior do processo, 946. E de quanto é essa indenização por morte? A lei responde no art. 948. Assim, um crime interessa ao Direito Penal para a punição com a prisão do infrator, e também interessa ao Direito Civil para a punição ao bolso do infrator. A punição civil é mais rápida e não depende de Delegado e nem de Promotor, dispensando parte do burocrático aparelho estatal. Mas se o infrator não tiver bens, só haverá punição penal, pois liberdade todos têm para perder. Mais detalhes na importante disciplina Responsabilidade Civil. 7 – Obrigação principal e acessória Principal é a obrigação autônoma, ou seja, tem vida própria, já a obrigação acessória depende da principal, agregando-se a ela. Então uma compra e venda, um empréstimo e uma locação são contratos que geram obrigações autônomas. Por outro lado, a fiança, a hipoteca e o penhor produzem obrigações acessórias que vão se agregar a uma obrigação principal, por exemplo, como a locação. Então quem aluga uma casa celebra um contrato principal de locação e pode exigir um contrato acessório de fiança para garantir o pagamento do aluguel na hipótese de inadimplência do inquilino. A locação existe sem a fiança, mas o contrário não. Inclusive, sendo nula a locação, nula será a fiança, mas o inverso não (art. 184, 2ª parte). 8 – Obrigação cumulativa ou conjuntiva Caracteriza-se pela pluralidade de prestações (ex: troco uma casa por um carro e uma lancha). Não se trata de obrigação alternativa (carro OU lancha), mas obrigação cumulativa (carro E lancha). Na obrigação cumulativa todas as prestações interessam ao credor, na alternativa apenas uma delas. Na cumulativa, muitas prestações estão na obrigação e muitas no pagamento. Já na alternativa, muitas prestações estão na obrigação e apenas uma no pagamento. Exemplo legal de obrigação cumulativa é o 18
  • 19. contrato de empreitada onde o engenheiro pode fazer o serviço E dar os materiais para a construção de uma casa (610). 9 – Obrigação pura É a obrigação simples, ou seja, é toda aquela cuja eficácia não está subordinada a qualquer das três modalidades dos negócios jurídicos: a condição, o termo (ou prazo) e o encargo (ou modo, ou ônus). Estas modalidades vocês conhecem de Civil 1, vamos exemplificar: - obrigação condicional: subordina a obrigação a evento futuro e incerto (ex: o alfaiate compra tecido da fábrica e combina só pagar o preço se vender as roupas; vender as roupas não é uma certeza, pode ou não acontecer, 121, 876) Condições absurdas são proibidas (ex: alugo minha casa a você, mas você não pode entrar nela, isso é o que a lei chama de “privar de todo efeito o negócio jurídico”, no art. 122). - obrigação a termo: subordina a obrigação a evento futuro e certo (ex: pagarei o tecido em trinta dias; trinta dias são o prazo e o prazo é um evento certo, só depende do inexorável passar do tempo, 132). - obrigação modal: o modo (ou encargo, ou ônus) é imposto ao beneficiário de uma liberalidade como uma doação ou herança. Então pode-se doar uma fazenda com o ônus de construir uma escola para as crianças carentes da região (553, 136). Ou pode-se deixar uma herança para um sobrinho com o ônus de mandar rezar mensalmente uma missa para o falecido. O encargo precisa ser pequeno para não caracterizar uma contraprestação (ex: dou um carro a meu vizinho com o ônus de levar meus filhos e eu para a escola e o trabalho diariamente; ora, isso não é doação, mas contratação de um motorista). Se o encargo for de interesse público (ex: construir uma escola), o Promotor de Justiça fiscalizará sua execução (pú do 553, este é um dos poucos casos de participação do Ministério Público no direito patrimonial, afinal o Ministério é público e o Direito Civil é privado. Se o encargo for absurdo (ex: mandar rezar missa todo dia para o falecido) o Juiz pode interferir na obrigação privada para modificá-la. Então obrigação simples é aquela que não for condicional, a termo ou modal. 10ª e última modalidade de obrigação: Obrigação Real Trata-se de uma obrigação propter rem ( = em razão da coisa). Não decorre de um contrato, mas da propriedade sobre um bem. Quem adquire certo bem, adquire automaticamente essa obrigação real, decorrente da coisa (real = res = coisa). O adquirente do bem vai se tornar devedor, mesmo sem querer, em decorrência de sua condição de dono desse bem. Exemplo: 1.345, a lei determina que quem compra um apartamento com dívida de condomínio assume esta obrigação, embora tenha sido o dono anterior que não pagou a taxa. A obrigação está vinculada à coisa, por isso chama-se obrigação real (res 19
  • 20. = coisa). Esta vinculação da obrigação à coisa, qualquer que seja seu dono, deriva da sequela, que é uma característica dos Direitos Reais. Sequela é uma palavra que se origina do verbo seguir, então a obrigação segue a coisa, não importa quem seja seu dono. O proprietário da coisa assume a obrigação automaticamente, apenas pelo fato de ter sucedido o dono-devedor anterior na propriedade da coisa. É também chamada de obrigação mista porque apresenta características de Direito das Coisas ( = Direito Real) e de Direito das Obrigações ( = Direito Pessoal). O Direito Real e o Direito das Obrigações formam o Direito Patrimonial Privado (vide aula 1), sendo natural que algumas vezes eles se interpenetrem. Conceito: obrigação real corresponde ao vínculo jurídico que se origina da lei com característica dos Direitos Reais e transmissão automática ao novo proprietário da coisa. Observação sobre o conceito: a OR se origina apenas da lei, e não do contrato. Os contratos podem ser inventados pelas partes, são numerus apertus (425), mas os direitos reais não, só a lei pode criá-los, sendo numerus clausus (1225), por isso as obrigações reais originam-se sempre da lei. Originando-se da lei, a OR é irrecusável, não podendo o devedor deixar de assumi-la. Outra observação: o devedor da obrigação real varia caso a coisa mude de dono, então se a coisa é vendida, o novo dono se tornará o devedor. Quem se torna titular do direito real ( = propriedade), torna-se devedor de eventual obrigação real sobre o bem apropriado. Mais exemplos de OR: art. 1297 (quem compra uma fazenda tem a obrigação de fazer a cerca, embora a cerca tenha caído na época do dono anterior), art. 1383 (quem compra imóvel com servidão predial tem a obrigação de manter a servidão, por isso observem sempre o registro do imóvel antes de fazer a compra, para não comprar barato um terreno e depois, por exemplo, descobrir que nele não se pode construir para não tirar a vista do edifício de trás; este exemplo corresponde a uma servidão predial de vista, assunto de Civil 5). Em suma, a obrigação propriamente dita vincula uma pessoa (credor) a outra pessoa (devedor), já a obrigação real está vinculada a uma coisa, e quem for proprietário dessa coisa será o devedor. CLÁUSULA PENAL Concluído o estudo das dez modalidades de obrigações, vamos encerrar a primeira unidade deste semestre tratando da cláusula penal (CP). Conceito: CP é a cláusula acessória a um contrato pelo qual as partes fixam previamente o valor das perdas e danos que por acaso se verifiquem em conseqüência da inexecução culposa da obrigação (408, ex: um promotor de eventos contrata um 20
  • 21. cantor para fazer um show, e já fixa no contrato que, se o artista desistir, terá que pagar uma indenização de cem mil). A cláusula penal é acessória, não é obrigatória, então se a dívida não for paga no vencimento ( = se o cantor não fizer o show), e não existir cláusula penal no contrato, é o Juiz quem irá fixar a indenização devida pelo cantor, tornando a obrigação líquida (vide aula 9), para só depois possibilitar o ataque pelo credor (o promotor de eventos) ao patrimônio do cantor. Essa é a grande vantagem da cláusula penal: pré-fixar as perdas e danos, economizando tempo, eliminando recursos processuais ao dispensar o Juiz de calcular o valor previsto no art. 402 do CC. Outra vantagem da CP é a de intimidar o devedor, ou seja, ele já fica sabendo que terá uma pena se não cumprir a obrigação. É verdade que a lei prevê automaticamente uma punição ao devedor (389), mas a CP reitera essa sanção. Quando uso no conceito a expressão inexecução “culposa”, refiro-me à culpa em sentido amplo (lato sensu), que corresponde ao dolo (inexecução voluntária) e à culpa stricto sensu (em sentido restrito = imprudência e negligência). Então se o cantor não fez o show porque não quis (dolo) ou porque bebeu demais e perdeu a voz (imprudência), terá que pagar a CP. Mas se o cantor não fez o show porque pegou uma gripe, trata-se de um caso fortuito que isenta de responsabilidade (393 e pú). Se a obrigação for cumprida pelo devedor, a cláusula penal se extingue; se a obrigação principal for nula, a cláusula penal também o será, afinal, como cláusula acessória, segue o destino da principal (184, in fine). A CP geralmente reverte em favor do credor, mas o contrato pode prever que será paga a terceiros (ex: se o cantor não fizer o show, pagará cem mil ao Hospital do Câncer). A CP geralmente é pactuada em dinheiro, mas pode corresponder a obrigação de dar outra coisa, ou a fazer, ou não-fazer algum serviço, com ampla liberdade para as partes. Espécies: a) CP compensatória: aplica-se em caso de inexecução (= inadimplemento) da obrigação pelo devedor (410, então o credor poderá optar pela obrigação principal ou pela cláusula penal, semelhante a uma obrigação alternativa); b) CP moratória: aplica-se em caso de atraso (= retardo, mora) do devedor no cumprimento da obrigação, pelo que o devedor pagará a multa pelo atraso e cumprirá a obrigação, 411 (ex: multa de 10% em caso de atraso no pagamento de aluguel, 416). Ambas as espécies estão previstas no art. 409. Se a cláusula penal compensatória tiver um valor muito alto, o Juiz deverá reduzi-la (412, 413). Mas é justo o Estado-Juiz se imiscuir nos contratos privados, alterando aquilo que foi estabelecido livremente pelos particulares? Reflitam! O velho CC, no art. 924, que corresponde a esse 413, usava o verbo “poderá”, enquanto o novo CC usa o verbo “deverá”, como consequência da publicização do Direito e a proteção maior que o Estado dá hoje aos devedores. Critico a publicização num artigo no site 21
  • 22. sobre a importância do Direito Privado e os riscos da intervenção estatal na autonomia dos cidadãos, atrofiando a economia e trazendo insegurança jurídica. Confiram! Fim da 1ª parte do curso de Direito das Obrigações. EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES Prof. Rafael de Menezes Uma obrigação é um fenômeno jurídico que ocorre a todo momento, que nasce e se extingue a todo instante. Enquanto estamos aqui conversando, existem inúmeras obrigações, contratos, atos ilícitos, etc., sendo realizados/ocorrendo lá fora na rua. Vocês hoje, por exemplo, celebraram algum contrato, assumiram alguma obrigação, compraram alguma coisa, tomaram algo emprestado, usaram o telefone? Acredito que sim, então vocês hoje fizeram acontecer uma obrigação jurídica. Veremos nesta 2ª unidade do curso de Direito Civil 2 os vários modos pelos quais as obrigações se extinguem, e o primeiro e principal desses modos é o pagamento. 1 - Pagamento: é a principal forma de extinção das obrigações. O pagamento é muito comum e ocorre com grande frequência na sociedade, pois toda obrigação nasce para ser satisfeita. A imensa maioria das obrigações são cumpridas/pagas, de modo que o devedor fica liberado. Só uma minoria das obrigações é que não são satisfeitas, pelo que o devedor poderá ser judicialmente processado pelo credor. Conceito: num conceito mais simples, pagamento é a morte natural da obrigação, ou a realização real da obrigação, mas nem sempre em dinheiro (ex: A paga a B para pintar um quadro, de modo que a obrigação de B será fazer o quadro, o pagamento de B será realizar o serviço). O leigo tende a achar que todo pagamento é em dinheiro, mas nem sempre, pois em linguagem jurídica pagar é executar a obrigação, seja essa obrigação de dar uma coisa, de fazer um serviço ou de se abster de alguma conduta (não-fazer). Num conceito mais completo, pagamento é o ato jurídico formal, unilateral, que corresponde à execução voluntária e exata por parte do devedor da prestação devida ao credor, no tempo, modo e lugar previstos no título constitutivo. Vamos comentar este conceito: - formal: o pagamento é formal pois a prova do pagamento é o recibo; tal recibo em direito é chamado de quitação, e deve atender às formalidade do art. 320. Muitas vezes, em pequenos contratos, nós não pedimos recibo pra não perder tempo, é um hábito que nós temos e vocês sabem que o costume é também uma fonte do direito. Falaremos mais da quitação adiante. - unilateral: pois é de iniciativa do devedor, que é o sujeito passivo da obrigação. 22
  • 23. - voluntário e exato: lembrem-se sempre disso, pagamento é voluntário e exato; se o devedor só paga após ser judicialmente executado, tecnicamente isto não é pagamento pois foi feito sob intervenção judicial, ao penhorar/tomar bens do devedor; além de voluntário, o pagamento deve ser exato, então se A deve cinquenta a B e paga com um livro, tecnicamente isto não foi pagamento. De qualquer modo, em ambos os casos, mesmo pagando sob força judicial, ou pagando coisa diferente da devida, se o credor aceitou e se satisfez, isto é o que importa. Mas tecnicamente, em linguagem jurídica, pagamento é aquele voluntário e exato. - prestação: é o objeto da obrigação, e vocês já sabem que tal prestação é uma conduta humana, pode ser um dar, um fazer ou um omitir-se (não-fazer). Pagar é cumprir esta prestação. - tempo, modo e lugar: o pagamento precisa atender a estas regras previstas no contrato na lei ou na sentença que fez nascer a obrigação, respeitando a data, o lugar e a maneira de pagar. Regras do pagamento: 1) satisfação voluntária e rigorosa da prestação (dar uma coisa, fazer um serviço, ou abster-se de uma conduta) porque o pagamento é exato; 2) o credor não pode ser obrigado a receber prestação diferente, ainda que mais valiosa (art. 313); o credor pode aceitar receber prestação diferente, mas não pode ser forçado a aceitar (356); 3) o credor não pode ser obrigado a receber por partes uma dívida que deve ser paga por inteiro (314); esta regra tem duas exceções, no art. 962, que dispõe sobre o concurso de credores, assunto do final do semestre, e no art. 1.997, que dispõe sobre pagamento pelos herdeiros de dívida do falecido, assunto de Civil 7. Quem deve pagar? O devedor, mas nada impede que um terceiro pague, afinal o credor quer receber. Se o devedor quer impedir que um terceiro pague sua dívida deve se antecipar e pagar logo ao credor. Em geral para o credor não importa quem seja o solvens, quem esteja pagando. Solvens é o pagador, seja ele o devedor ou não, e o accipiens é quem recebe o pagamento, seja ele o credor ou não. Se a obrigação for personalíssima (ex: A contrata o cantor B para fazer um show), o solvens só pode ser o devedor. Mas se a obrigação não for personalíssima, o credor vai aceitar o pagamento de qualquer pessoa. Para evitar especulações ou constrangimentos, a lei trata diferente o terceiro que paga por interesse jurídico do terceiro que paga sem interesse jurídico, apenas por pena ou para humilhar. Assim, o terceiro que paga com interesse jurídico (ex: fiador, avalista, herdeiro) vai se sub-rogar nos direitos do credor (349, veremos sub-rogação em breve). O terceiro que paga sem interesse jurídico (ex: o pai, o inimigo, etc) vai poder cobrar do devedor original, mas sem eventuais privilégios ou vantagens (ex: hipoteca, penhor, 305). Em suma, o terceiro interessado tem reembolso e sub- rogação nos eventuais privilégios, já o terceiro juridicamente desinteressado só tem direito ao reembolso. A quem se deve pagar? Ao credor, ou a seu representante, sob pena do pagamento ser feito outra vez, pois quem paga mal paga duas vezes (308). Se o credor é menor ou louco, pague a seu pai ou curador, sob pena de anulabilidade (310). Credor putativo: é aquele que parece o credor mas não o é (ex: A deve a B, mas B morre e deixa um testamento nomeando C seu herdeiro, então A paga a C, mas depois o Juiz 23
  • 24. anula o testamento, A não vai precisar pagar novamente pois pagou a um credor putativo; C é que vai ter que devolver o dinheiro ao verdadeiro herdeiro de B, 309). Idem no caso do 311, pois se considera um representante do credor aquele que está com o recibo, embora depois se prove que tal accipiens furtou o recibo do credor; neste caso o devedor não vai pagar outra vez, o credor deverá buscar o pagamento do accipiens falso. Como se prova o pagamento? Já dissemos, com o recibo/quitação. Quitação vem do latim “quietare”, que significa aquietar, acalmar, tranqüilizar. Quitação é o documento escrito em que o credor reconhece ter recebido o pagamento e exonera o devedor da obrigação. A quitação tem vários requisitos no art. 320, mas em muitos casos da vida prática a quitação é informal/verbal e decorre dos costumes (ex: compra e venda em banca de revista/bombom). Se o credor não quiser fazer a quitação, o devedor poderá não pagar (319). Mas pagar não é só uma obrigação do devedor, pagar é também um direito, pois o devedor tem o direito de ficar livre das suas obrigações, é até um alívio para muita gente pagar seus débitos. Assim, o devedor pode consignar/depositar o pagamento se o credor não quiser dar a quitação, e o Juiz fará a quitação no lugar do credor. Veremos em breve pagamento em consignação. Espécies de quitação: 1) pela entrega do recibo, é a mais comum; 2) pela devolução do título de crédito (324), assunto que vocês vão estudar em Direito Empresarial/Comercial. Ônus da prova: quem deve provar que houve pagamento? Se a obrigação é positiva, ou seja, de dar e de fazer, o ônus da prova é do devedor, assim se você é devedor, guarde bem seu recibo. Se a obrigação é negativa o ônus da prova é do credor, cabe ao credor provar que o devedor descumpriu o dever de abstenção, pois não é razoável exigir que o devedor prove que se omitiu, e mais fácil exigir que o credor prove que o devedor deixou de se omitir, fazendo o que não podia, descumprindo aquela obrigação negativa. MODOS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES 1 – PAGAMENTO (continuação) Lugar: onde o pagamento deve ser feito? No local de livre escolha das partes, afinal no Direito Civil predomina a autonomia da vontade (art. 78). Se o contrato/sentença for omisso, o lugar do pagamento será no domicílio do devedor (327 e pú). Tratando-se de imóvel, o local da coisa determina o lugar do pagamento (328). A doutrina classifica as dívidas em quesível (querable) e portável (portable): nesta, cabe ao devedor ir pagar no domicílio do credor, sob pena de juros e multa ( = mora, assunto do final do semestre, 395). Já na dívida querable cabe ao credor ir exigir o pagamento no domicílio do devedor, a iniciativa é do credor, sob pena de mora do credor (394, 400, bom, veremos mora mais adiante). Tempo: quando deve ser feito o pagamento? No vencimento previsto no título, e se não houver vencimento é porque o credor pode exigir o pagamento imediatamente. É a chamada satisfação imediata do art. 331. Mas deve-se sempre tolerar um prazo moral, que é aquele prazo razoável, do bom-senso, para dar ao devedor um tempo mínimo de se organizar, sacar o dinheiro no banco, esperar a mercadoria chegar do exterior, etc. O 24
  • 25. vencimento é uma data que favorece o devedor, então o devedor pode pagar antes do vencimento, mas o credor só pode exigir a partir do vencimento, sob as penas do 939. A lei todavia permite, excepcionalmente, cobrança antes do vencimento caso o devedor esteja em dificuldade financeira, nos casos do art. 333. Enriquecimento sem causa e pagamento indevido: Enriquecer sem causa é enriquecer repentinamente sem motivo justo, sem trabalhar, sem herdar. Uma das hipóteses de enriquecimento sem causa é através do pagamento indevido, por isso estes dois assuntos devem ser estudados em conjunto. Ocorre pagamento indevido quando o devedor paga a alguém que não é o credor, ou seja, o accipiens não é o credor, e o devedor agiu por engano. Quem recebe pagamento indevido enriquece sem causa (ex: A deve a José da Silva, mas paga a outro José da Silva, homônimo do verdadeiro credor; A efetuou pagamento indevido e vai ter que pagar de novo ao verdadeiro credor, pois quem paga mal paga duas vezes; A obviamente vai exigir o dinheiro de volta do outro José da Silva que enriqueceu sem causa, mas o verdadeiro credor não precisa esperar, ele não tem nada a ver com isso). Ocorre enriquecimento sem causa quando alguém aufere um aumento patrimonial, em prejuízo de outrém, sem justa causa. Há outros casos de enriquecimento sem causa além das hipóteses de pagamento indevido, ex: 578, 1255, pú do 1817, etc. Estudaremos esses exemplos oportunamente, ao longo do extenso curso de Direito Civil. Dois efeitos do pagamento indevido: 1 – aquele que enriqueceu sem causa fica obrigado a devolver o indevidamente auferido, não só por uma questão moral (= direito natural), mas também por uma questão de ordem civil (876, 884) e tributária, afinal como explicar à Receita Federal um súbito aumento de patrimônio? O objetivo dessa devolução é reequilibrar os patrimônios do devedor e do falso credor, alterados sem fundamento jurídico, sem causa justa. 2 – se o falso credor não quiser voluntariamente devolver o pagamento, surge o segundo efeito que é o direito do devedor de propor ação de repetição do indébito (repetitio indebiti) contra tal accipiens. Esta ação tem este nome pois, em linguagem jurídica, “repetir” significa “devolver” e “indébito” é aquilo que não é devido. Então a ação é para o falso credor devolver aquilo que não lhe era devido. Tal ação prescreve em três anos (206, § 3º, IV). Também se aplicam as regras do pagamento indevido quando se paga mais do que se deve. Porém não cabe a repetição quando o “solvens” agiu por liberalidade (ex: doação, 877) ou em cumprimento de obrigação natural (ex: gorjeta, dívida de jogo, dívida prescrita, 882, 814) ou quando o “solvens” deu alguma coisa para obter fim ilícito, afinal ninguém pode se beneficiar da própria torpeza (ex: pagou ao pistoleiro errado para cometer um homicídio, não cabe devolução, 883). 25
  • 26. E se o objeto do pagamento indevido já tiver sido alienado pelo falso credor a um terceiro? Bem, se tal objeto era coisa móvel, tal alienação vale por uma questão de segurança das relações jurídicas e porque em geral os móveis são menos valiosos do que os imóveis. De qualquer modo o falso credor vai responder pelo equivalente em dinheiro. Mas se o objeto do pagamento indevido for um imóvel que o falso credor já tenha alienado a um terceiro, tal alienação só valerá se feita onerosamente (venda sim, doação não) e o terceiro estiver de boa-fé. Caso contrário o solvens poderá perseguir o imóvel e recuperá-lo do terceiro (879). MODOS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES 1 – Pagamento (já visto) 2 - IMPUTAÇÃO DE PAGAMENTO: o normal é entre duas pessoas haver apenas uma obrigação, mas pode acontecer de alguém ter mais de uma dívida com o mesmo credor. Assim, se A deve a B cem reais decorrentes de um empréstimo e outros cem reais decorrentes de um ato ilícito (ex: A bateu no carro de B), quando A vai pagar apenas uma destas dívidas precisa dizer a B qual está quitando. Imputar o pagamento é determinar em qual dívida o pagamento está incidindo. Num conceito mais técnico, imputação de pagamento é a operação pela qual o devedor de mais de uma dívida vencida da mesma natureza a um só credor, indica qual das dívidas está pagando por ser tal pagamento inferior ao total das dívidas (352). É preciso que haja mais de uma dívida, todas vencidas, da mesma natureza (ex: obrigação de dar dinheiro) e o pagamento ser menor do que a soma das dívidas. Cabe ao devedor fazer a imputação, dizer qual dívida está quitando, e o devedor deve ser orientado por seu advogado para quitar logo a dívida de juro maior e a dívida com garantia (ex: hipoteca, penhor, fiança, porque aí o devedor libera a coisa dada em garantia/o devedor libera o fiador). Se o devedor não imputar, o credor poderá fazê-lo (353), devendo o credor ser orientado por seu advogado para pedir a quitação na dívida de juro menor e na dívida quirografária ( = dívida sem garantia). Lembrem-se que pelo art. 314 o credor não está obrigado a receber pagamento parcial, mas na prática pode ser melhor o credor aceitar alguma coisa e depois brigar pelo restante. Se o devedor e o credor não fizerem a imputação, a lei fará na dívida de maior valor, conforme art. 355 ( = imputação legal). 3 – PAGAMENTO POR CONSIGNAÇÃO Este é o terceiro dos modos de extinção das obrigações que nós estamos estudando. É através da consignação que o devedor vai exercer o seu direito de pagar, afinal já dissemos que pagar não é só um dever, é um direito também, concordam? Imaginem que o locador morreu e o inquilino desconhece seu herdeiro, deve então consignar o aluguel para evitar a mora e o despejo. Consignar onde? Em Juízo, e o Juiz vai procurar o sucessor do credor. A parte operacional da consignação em pagamento vocês vão estudar em processo civil, mas conhecendo o direito, o processo fica fácil de aprender (335, III – credor desconhecido). Outro exemplo, imaginem que alguém 26
  • 27. morre e deixa a mulher como beneficiária do seguro de vida, só que o falecido tinha uma esposa e uma companheira, então a seguradora vai pagar a qual das duas? Paga em Juízo, numa conta a disposição do Juiz, o Juiz dá uma sentença à seguradora, que servirá de quitação, enquanto as duas mulheres seguem no processo disputando o dinheiro (793, 335, IV). É prudente a seguradora fazer isso até para não correr risco de pagar à mulher errada e efetuar pagamento indevido. Conceito: pagamento por consignação consiste no depósito judicial da coisa devida, realizada pelo devedor nas hipóteses do art. 335 do CC. Este artigo é taxativo (= exaustivo), não é exemplificativo, de modo que não há outras possibilidades de consignação. Outro detalhe importante: só existe consignação nas obrigações de dar, pois não se pode depositar um serviço (obrigação de fazer) ou uma omissão (obrigação de não-fazer), mas apenas coisas, em geral dinheiro. Admite-se também depósito de imóveis, gado, colheita, etc (341), e o Juiz vai ter que arranjar um depositário para cuidar dessas coisas até o credor aparecer (343). Quando o depósito é de pecúnia (dinheiro) coloca-se em banco oficial: Banco do Brasil ou Caixa Econômica Federal, em conta à disposição do Juiz. Percebam que na ação de consignação o autor é o devedor, o credor é o réu e a quitação vem com a sentença. A sentença dirá se a consignação equivale ao pagamento, se o devedor teve razão ao consignar e se a obrigação está extinta. Excepcionalmente admite-se o credor como autor da ação quando mais de uma pessoa se diz credor, então qualquer deles pede ao devedor que consigne o pagamento, enquanto os credores discutem em Juízo (345). Em algumas consignações o credor está certo de não querer receber pois o devedor quer pagar menos do que deve, e vocês sabem que o credor não está obrigado a receber por partes. Então o devedor consigna com base no inc. I do 335, alegando que o credor se recusa a receber, mas existe uma “justa causa” para isso no 314. Isso acontece na prática quando o devedor usa o cheque especial, atrasa o cartão de crédito, etc. e depois quer pagar sem incluir os juros contratados. Ora, quando o devedor precisou de crédito o banco emprestou, então na hora de pagar é preciso cumprir o contrato, concordam? No Código de Processo existe uma consignação extra-judicial, para dívidas em dinheiro, que podem ser feitas diretamente no banco, sem precisar de advogado ou Juiz. Vocês verão isso lá em Processo Civil. Efeitos do pagamento por consignação: 1) liberatório: libera/exonera o devedor da obrigação; 2) extintivo: a consignação extingue a obrigação (334). 4 – Pagamento por sub-rogação Sub-rogar é substituir o credor, de modo que o pagamento por sub-rogação assemelha-se à cessão de crédito por se tratar da substituição da pessoa do credor (348; veremos cessão de crédito mais adiante). 27
  • 28. Conceito: ocorre a sub-rogação quando a dívida de alguém é paga por um terceiro que adquire o crédito e satisfaz o credor, mas não extingue a dívida e nem libera o devedor, que passa a dever a esse terceiro. Ex: A deve cem a B, mas C resolve pagar essa dívida, então B vai se satisfazer e A vai passar a dever a C. Via de regra não há prejuízo para o devedor que passa a dever a outrem. Como vocês já sabem, a lei permite que qualquer pessoa pague a dívida dos outros, então se o devedor quer evitar isso, deve se antecipar e cumprir logo suas obrigações. O terceiro que paga essa dívida pode ou não ter interesse jurídico, vimos isso algumas aulas atrás, lembram? Se o terceiro solvens tem interesse jurídico vai se sub-rogar nos direitos do credor primitivo, ou seja, vai adquirir todas as eventuais vantagens, privilégios, garantias e preferências do credor primitivo, além de, é óbvio, exigir o reembolso. Ex: A deve cem a B com uma garantia de fiança ou hipoteca; se C pagar essa dívida terá direito a cobrar os cem de A, mas só terá direito à garantia da fiança ou da hipoteca caso C possua interesse jurídico (346, III). Veremos fiança e hipoteca, respectivamente, em Civil 3 e Civil 5. Caso C não possua interesse jurídico só terá direito ao reembolso (305). A lei trata diferente para evitar especulações e constrangimentos, depois revisem a aula 11. Efeitos da sub-rogação: 1) satisfativo em relação ao credor primitivo. O credor primitivo vai se satisfazer com o pagamento feito pelo terceiro, mas a obrigação permanece para o devedor; a sub-rogação não extingue a dívida; 2) translativo: o novo credor vai receber todas as vantagens e direitos do credor primitivo, desde que o pagamento tenha sido feito por sub-rogação (349). Espécies de sub-rogação: 1) legal: decorrente da lei, nas hipóteses do art. 346; a lei determina independente da vontade das partes; 2) convencional: depende de acordo escrito entre as partes, quando o terceiro solvens faz acordo com o credor primitivo e fica com o direito de sub-rogação mesmo sem interesse jurídico e mesmo sem a anuência do devedor. Através de acordo escrito se transferem todas as vantagens do credor primitivo para o solvens, igual a uma cessão de crédito (347 e 348). 5 – Dação em pagamento É dar alguma coisa em pagamento, diferente da coisa devida. Os romanos chamavam de datio in solutum. Dação vem assim do verbo dar. Por favor, não é “da ação” em pagamento, mas “dação” mesmo, do verbo dar. Conceito: é o acordo liberatório em que o credor concorda em receber do devedor prestação diversa da ajustada (356). Não pode haver imposição do devedor em pagar algo diferente do devido (313), afinal quem deve dinheiro só paga com um objeto se o credor aceitar. Ex: devo dinheiro e pago com uma TV, um livro, uma casa, etc. Requisitos da dação: 1) consentimento, concordância, anuência do credor; 2) prestação diversa da ajustada, então não se trata de obrigação alternativa, pois nesta a 28
  • 29. obrigação nasce com duas opções de pagamento; na dação é só depois que as partes trocam o objeto do pagamento. Efeitos da dação: 1) satisfatório em relação ao credor, mesmo recebendo outra coisa, pois o credor pode preferir receber coisa diversa do que receber com atraso ou nada receber; 2) liberatório em relação ao devedor, pois a dívida se extingue e o devedor se exonera da obrigação. Estes dois efeitos são os mesmos do pagamento natural. Evicção: imaginem que A deve 100 e paga com um objeto furtado, que não era dele, então o verdadeiro dono vai exigir a devolução da coisa e a obrigação vai renascer (359). Ser “evicto” é ser afastado da coisa recebida em pagamento. Ocorre a evicção quando alguém perde a propriedade da coisa em virtude de decisão judicial que reconhece a outrem direito anterior sobre essa coisa. Veremos evicção em Civil 3. 6 – Novação: está em desuso e é rara, por isso não vamos estudá-la. Saibam apenas que se trata da extinção de uma obrigação por outra diferente, destinada a substituí-la. Com a novação se extingue uma dívida e se cria uma nova dívida entre as mesmas partes, enfim não se muda muita coisa, continua a existir uma obrigação entre as mesmas partes. É mais prático fazer uma dação em pagamento ou uma cessão de crédito. MODOS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES (continuação) 7 – COMPENSAÇÃO: é um modo de extinção das obrigações que deve ser estimulado pois representa a lei do menor esforço, por uma questão de lógica e de simplicidade. Conceito: a compensação extingue as obrigações do mesmo gênero das pessoas que são, reciprocamente, credoras e devedoras entre si, até onde as dívidas se compensem. Ex: A deve cem a B decorrente de um empréstimo e B deve cem a A porque bateu no carro de A, então um não vai cobrar do outro, a compensação vai extinguir as duas obrigações mediante um pagamento fictício (art. 368). A compensação exige pluralidade de obrigações, não existindo compensação numa obrigação única, como uma compra e venda, onde o comprador deve o preço e o vendedor deve a coisa. A compensação pode ser parcial caso a outra dívida seja inferior, o que vai representar mais uma exceção ao art. 314, afinal a compensação deve ser estimulada. Espécies: a) compensação legal: ocorre por força da lei, mesmo que uma das partes se oponha, sempre que as dívidas forem líquidas ( = valor certo), vencidas e homogêneas (= mesma espécie e qualidade, 369); b) compensação judicial: determinada pelo Juiz no caso concreto, ao entender que deve haver compensação por uma questão de economia processual, por uma questão de praticidade, dando o Juiz seus motivos/fundamentos na sentença; c) compensação convencional: decorre do acordo de vontades, decorre da transação entre as partes, e no direito civil a liberdade das partes é grande, as partes podem dispor de seus bens com ampla liberdade, é a 29
  • 30. chamada autonomia privada. Dívidas de qualquer tipo podem ser compensadas, sejam ilíquidas, heterogenias ou não vencidas, ninguém tem nada a ver com isso, nem Promotor, nem Juiz, nem Delegado, afinal cada um sabe o que faz com seu patrimônio. Mas, repito, depende de acordo, não pode haver imposição de uma parte sobre outra. Vedações: algumas obrigações, pela sua natureza, não podem ser compensadas, pois elas fogem ao direito patrimonial privado. São aquelas obrigações de caráter alimentar e tributário. Então se meu filho bate com meu carro eu não posso deixar de sustentá-lo (ex: deixar de pagar a faculdade alguns meses) para compensar o prejuízo, afinal os alimentos são indispensáveis por uma questão de sobrevivência. Idem se meu carro cai num buraco na rua, eu não posso deixar de pagar imposto de renda para compensar com o governo o prejuízo pela não conservação das ruas, afinal o interesse público do governo em receber tributos é maior do que o interesse particular do cidadão que teve seu carro avariado. Por isso já foi revogado o art. 374 do novo CC. Efeitos da compensação: os mesmos do pagamento: extingue a obrigação, satisfaz o credor e libera o devedor. 8 – CONFUSÃO: esta confusão aqui, do direito das obrigações, é diferente da confusão dos direitos reais, do art. 1272, que corresponde à mistura de líquidos, e que estudaremos em Civil 4. A confusão que nos interessa hoje é mais um modo de extinção das obrigações semelhante ao pagamento por impossibilidade lógica de permanecer o vínculo. Art 381, ex: A é inquilino de seu pai B, mas o pai morre e A herda o apartamento, extinguindo a obrigação de pagar aluguel face à confusão, pois B vai reunir as qualidades de credor e devedor, afinal ninguém pode ser devedor ou credor de si mesmo. A confusão exige identidade de pessoas e de patrimônios, de modo que o dono de uma pessoa jurídica pode dever a sua empresa, e vice-versa. 9 – REMISSÃO: escreve-se com dois “s”, ao contrário de remição, instituto da execução contra devedor que vocês vão estudar em processo civil. A remissão (com dois “s”) é o popular perdão da dívida. Conceito: remissão é a liberação do devedor pela autoridade do credor que, voluntariamente, dispensa o crédito, perdoa o débito e extingue a obrigação (385). Mas como pagar é um direito do devedor, se ele não aceitar a remissão deve consignar o pagamento. Mas em geral a remissão é aceita e se assemelha a uma doação. Espécies de remissão: pode ser total ou parcial (parte da dívida ou dispensa dos juros); pode ser expressa (por escrito) ou tácita (ex: devolução do título de crédito); pode ser gratuita (mais comum) ou onerosa (nesta remissão o credor perdoa a dívida mas pede algo em troca, o que se assemelha a uma transação, veremos transação em breve). Ressalto que remissão é gesto nobre de pessoas solventes, ou seja, quem está em dificuldades financeiras não pode perdoar seus devedores, afinal estará prejudicando seus próprios credores (385, in fine). Assim se A é insolvente (tem muitos credores) não pode perdoar seus devedores para não caracterizar uma fraude contra seus credores, como prevê o art. 158. Trata-se inclusive de uma presunção absoluta de fraude a remissão de dívida feita pelo insolvente, como vocês estudaram no semestre passado. 30
  • 31. 10 – TRANSAÇÃO - Trata-se na verdade de um contrato, o Código Civil trata como contrato, mas para alguns autores a transação é modo de extinção das obrigações. Eu entendo que é um contrato, mas no próximo semestre vocês terão muito assunto para estudar, pois Civil 3 é a cadeira mais extensa do curso de Direito Civil. Assim, vamos logo conhecer aqui a transação que corresponde a um acordo, a uma conciliação para extinguir a obrigação. O Juiz inclusive deve incentivar a transação entre as partes, conforme art. 125, IV, do Código de Processo. Conforme ditado popular, “é melhor acordo ruim do que briga boa”. Vocês conhecem a expressão “intransigente”? Pois intransigente é aquele que não faz transação, que não faz concessões. Conceito da doutrina: transação é a solução contratual da lide; conceito da lei: transação é o contrato pelo qual as partes terminam ou previnem um litígio mediante concessões mútuas, art. 840. É essencial que na transação existam concessões mútuas, ou seja, cada uma das partes perde e ganha um pouco. As concessões podem ser desproporcionais, ou seja, uma parte pode se quiser perder mais do que a outra, mas as concessões têm que ser mútuas. Se uma das partes perde tudo e esta parte é o credor existe remissão da dívida (vide item 9), mas não transação. Igualmente, se o devedor perde tudo existe pagamento, mas não transação. É curioso que se uma das cláusulas do contrato de transação for nula, o contrato todo será anulado, pois a nulidade de uma cláusula quebra esse equilíbrio das concessões que as partes buscaram (848). Diz-se que a transação é por isso indivisível. Aplicação: a transação não se aplica a todas as obrigações, mas apenas às obrigações de caráter patrimonial privado (841), que são justamente estas obrigações que nós encontramos aqui no Direito Civil. Todavia, tolera-se transação em outras áreas, como no Direito de Família, quando as partes transacionam sobre pensão alimentícia; ou no Direito do Trabalho quando as partes transacionam sobre salários atrasados; ou no Direito Penal quando o Ministério Público transaciona com o réu, e o réu reconhece a culpa em troca de uma pena menor; ou no Direito Administrativo quando o Governo transaciona com o contribuinte para receber impostos. Enfim, a transação é típica do Direito Civil, mas pelas suas vantagens admite-se cada vez mais em outras áreas. Falando de Direito Penal, devo dizer que a transação civil sobre fato que constitui crime não extingue a ação penal. Ex: se A agride B e quebra seu braço, vai responder penalmente por lesão corporal e civilmente pelos danos causados a B com tratamento médico, tempo que ficou sem trabalhar, danos morais se for o caso, etc. Se A e B fazem uma transação civil, não impede o Promotor de continuar processando A criminalmente para receber uma pena de prisão (846). Vocês verão em responsabilidade civil a relação entre a Justiça Penal e a Civil quando um mesmo fato interessa a ambas (935). Espécies: a) preventiva: visa evitar uma ação judicial, ou seja, as partes fazem um acordo antes de submeter a lide ao Judiciário; pode ser feita por instrumento particular, ou seja, por contrato escrito e assinado pelas partes, testemunhas e 31
  • 32. advogados, se houver; b) terminativa ou judicial: é a transação feita na Justiça, após iniciado o processo, quando o acordo é homologado pelo Juiz. Vamos encontrar estas duas espécies no art. 842. A vantagem da transação judicial é que ela não pode ser mais discutida, pois foi feita perante o Juiz, tornando-se coisa julgada. Já a transação preventiva, embora também segura, sempre pode ser questionada em Juízo, alegando uma das partes que foi coagida, que se enganou, etc. (849) Eu repudio a banalização destes argumentos pois já disse a vocês que a transação é um contrato, e contrato é para ser cumprido por uma questão de segurança na sociedade. País nenhum se desenvolveu sem respeitar dois institutos de Direito Civil: contratos e propriedade. Efeito: a transação extingue a obrigação decorrente daquela controvérsia entre as partes. 11 – ARBITRAGEM Nosso CC chama a arbitragem de compromisso e existe uma lei específica sobre arbitragem de nº 9.307/96, conhecida como Lei Marco Maciel, pela influência deste político pernambucano na sua aprovação. Trata-se de um tema moderno e maravilhoso para uma monografia de final de curso. Conceito: arbitragem é o acordo pela qual as partes, por não chegarem à transação, concordam em ter sua lide submetida à decisão de um árbitro, de um “juiz particular”, afastando tal lide da Justiça Estatal. Através da arbitragem as partes pedem a um terceiro que aprecie a lide, e tal decisão deverá ser cumprida pelas partes, como se fosse uma sentença judicial. Ressalto que na transação, através de mediação, as partes escolhem a solução da lide, enquanto na arbitragem as partes escolhem o árbitro, mas não escolhem a decisão. Esta lei 9.307 foi alvo de muitas controvérsias, até que o Supremo, em 2002, julgou sua constitucionalidade, e desde então a arbitragem vem crescendo em todo o país e contribuindo para desafogar a Justiça. Vantagens da arbitragem: a) celeridade: maior rapidez na solução da lide, tendo em vista a conhecida sobrecarga do Judiciário e os entraves da legislação processual; b) custo menor: quando se ganha tempo também se ganha dinheiro; c) sigilo: o processo arbitral não é público como o processo judicial, onde as decisões são divulgadas na internet e no Diário Oficial, provocando desgaste emocional; d) escolha do árbitro: não se pode escolher o Juiz, pois depende sempre das regras de competência e da distribuição no Fórum, porém se pode escolher o árbitro, que deve ser uma pessoa idônea, preparada, conhecida das partes, especialista na área do litígio (ex: engenheiro, médico, contador); isto é uma questão crucial pois o Juiz não entende de medicina, engenharia, contabilidade, etc, e precisa sempre nomear um perito para lhe ajudar a julgar processos nestas áreas; e) impossibilidade de recurso: a decisão do árbitro é irrecorrível, e se a parte sucumbente não cumpri-la, a parte vencedora vai executá-la perante o Juiz; só aqui é 32