Um ano de posse: Obama frente al desgaste de su gobierno
Revoluçâo e socialismo: notas teóricas
1. Revolução e socialismo:
ARTIGO
notas teóricas
Michel Goulart da Silva sociedades que foram ou são genericamente chamadas de
“socialistas” ou de “comunistas”, pode-se cair no risco
Quando se menciona a palavra socialismo, de reduzir o socialismo, como o faz Antony Giddens
normalmente se pensa no sonho de uma sociedade que (1999, p. 13), a um “impulso filosófico e ético”, que se
não se baseie na exploração do homem pelo homem. concretiza em um regime “ditatorial” e em uma ideologia
Uma revolução mudaria profundamente a realidade “superada”. Por outro lado, também como conseqüência
de opressão e miséria em que vive a maior parte da de uma critica superficial e ahistórica, conclui-se, como
humanidade, possibilitando a construção de um mundo o faz Francis Fukuyama (1992, p. 11), que “a democracia
que se fundamentaria na idéia “de cada um, segundo sua liberal pode constituir o ‘ponto final da evolução
capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades” ideológica da humanidade’ e ‘a forma final de governo
(MARX, s/d, p. 215). Não haveria mais classes, humano’.
desigualdades ou qualquer tipo de divisão na sociedade Nesses discursos ideológicos, o socialismo não teria
e a humanidade entraria numa fase histórica de grandes “dado certo” em função de seus governos “ditatoriais”
realizações. ou “totalitários”. Sufocando a democracia e a sociedade,
Esses são elementos utópicos recorrentemente o que significa dizer que sufocaram o mercado e a livre
citados como forma de caracterizar o socialismo e, concorrência, eles não teriam permitido o desenvolvimento
embora mostre apenas uma pequena parcela dos aspectos econômico, político e cultural dessas sociedades.
que envolvem o pensamento socialista em seu conjunto, Contudo, não é possível estabelecer uma relação direta
não está totalmente equivocada. Contudo, é um grande entre um regime autoritário e, por exemplo, a falência
erro quando o socialismo ou mesmo o comunismo são econômica de um modo de produção, pois essa relação
resumidos ao seu aspecto utópico. Não é possível negar entre política e economia está marcada por contradições,
que limites e possibilidades das mais variadas. O caso
brasileiro, neste sentido, é exemplar. Entre 1964 e 1985,
na história do pensamento socialista, sempre existiu
quando o Brasil sofreu as mazelas de uma ditadura, pôde-
uma visão salvacionista quase religiosa de suas
propostas, com a crença de que ele sanaria todos os se verificar um grande crescimento da economia do país,
males, resolveria todos os problemas, daria fim a todos o chamado “milagre econômico”. Esse período, contudo,
os conflitos e aliviaria todos os fardos que sempre embora os gráficos e as estatísticas mostrassem um país
afligiram a humanidade (MILIBAND, 2000, p. 99). que supostamente se tornaria uma “potência de médio
porte”, mostrou-se incapaz de pôr fim à miséria e à fome,
Contudo, concordar com essa crítica não é o mesmo ou melhor, pelo contrário, privilegiou o enriquecimento
que resumir o socialismo, enquanto compreensão teórica de uma pequena parcela empresarial da população, em
e política, a uma teleologia política, limitando-o a um aliança com o imperialismo. Por outro lado, o nazismo
guia moral das ações humanas e deixando de lado suas deu à Alemanha um enorme impulso industrial econômico
críticas científicas a vários aspectos da sociedade, como usando para tanto não apenas a repressão como o trabalho
a economia e a política. Contudo, nas últimas duas escravo em campos de concentração.
décadas ganharam vazão no mercado editorial críticas Portanto, não há qualquer sentido em simplificar
ao socialismo e ao comunismo que estão presas às essa questão de forma mecânica, como conseqüência
análises superficiais, enfatizando as utopias de futuro ou fazendo uma análise empobrecida dos processos sociais
os “crimes do comunismo”. Como conseqüência, caso e, principalmente, apostando numa certa compreensão
não se faça um balanço honesto e preciso a respeito das ideológica. Esse raciocínio mecânico, quando produzido
pela direita, aposta em uma equação bastante simples, na
1 Mestrando em História na Universidade do Estado de Santa Catarina qual o capitalismo é “inevitável para os países adiantados”
(UDESC). e o socialismo “um sério obstáculo à criação de riqueza e
2. Contra a Corrente
de uma civilização tecnológica moderna” (FUKUYAMA, uma das primeiras análises de Engels e Marx a respeito
1992, p. 132). Esse raciocínio associa de forma mecânica das crises periódicas do capital. Para eles, “cada crise
o capitalismo à prosperidade, ainda que seja um modo destrói regularmente não só uma grande massa de
de produção que nunca conquistou um funcionamento produtos fabricados, mas também uma grande parte
estável por períodos muito longos, como o demonstram das próprias forças produtivas já criadas” (MARX
as últimas crises econômicas, desde a década de 1970. ENGELS, 2005, p. 45). Outro aspecto do texto, também
Nesse raciocínio, por outro lado, o socialismo seria negligenciado, tem a ver com o próprio caráter político da
possível apenas por meio de uma ditadura, utilizando-se luta de classes, ou seja, como afirma textualmente, “toda
de um Estado repressor, que dominasse todos os âmbitos luta de classes é uma luta política” (MARX ENGELS,
da sociedade, visando um sonho que seria imposto a 2005, p. 48). Neste caso, a luta de classes não se limita às
todas as pessoas. disputas entre patrões e empregados travadas no interior
Essas compreensões mecânicas da realidade social da fábrica, fazendo-se necessária uma organização
parecem esquecer que as crises do capitalismo são política dos trabalhadores. Para eles, “os comunistas
sistemáticas e principalmente que elas têm sua origem constituem a fração mais resoluta dos partidos operários
na própria estrutura do sistema de acumulação. Os de cada país, a fração que impulsiona as demais” (MARX
ideólogos que propagam essas compreensões procuram ENGELS, 2005, p. 51).
convencer todas as pessoas que “ninguém mais tem Se forem esquecidas as mediações políticas,
qualquer alternativa para o capitalismo – as discussões reduzindo o materialismo histórico à análise das
que restam dizem respeito a até que ponto, e de que estruturas econômicas, ter-se-á um movimento socialista
maneiras, o capitalismo deveria ser governado e regulado” que se limita a sonhar em alcançar uma nova sociedade,
(GIDDENS, 1999, p. 53). Essas análises dos ideólogos sem apontar as ferramentas para que isso se concretize.
da direita também deixam de lado os aspectos mais Essas formulações do socialismo foram comuns na
relevantes e, em alguns casos, positivos das experiências primeira metade do século XIX e, embora tenham sido
“socialistas”, como a planificação da economia e a superadas por elaborações mais consistentes, durante o
organização de governos por meio de conselhos. século XX e ainda hoje mantém seus reflexos. Eduard
Se a igualação entre socialismo e ditadura serve para Bernstein, propondo-se a atualizar as elaborações de
desqualificar qualquer tipo de experiência histórica que Marx, no final do século XIX, afirmava que o caminho
aponte para a superação do capitalismo, a própria crítica para o socialismo poderia ser feito por meio de reformas
da reprodução do capital, elaborada por Marx, passa a ser no sistema de produção capitalista. Segundo ele, “quanto
considerada “inadequada”, pois supostamente subestima mais se democratizam as organizações políticas de
“a capacidade do capitalismo de inovar, adaptar e gerar nações modernas, tanto mais diminuem também as
uma produtividade crescente” (GIDDENS, 1999, 14). necessidades e oportunidades de uma grande catástrofe
Nesse sentido, um dos erros de Marx teria sido apontar política” (BERNSTEIN, 1997, p. 25). Neste caso, o
que naturalmente se chegaria ao socialismo, ou seja, socialismo seria mais uma vontade da humanidade do
“previu uma forma final de sociedade, que estivesse livre que um processo histórico com causas objetivas, ou seja,
de contradições, e cuja realização concluiria o processo “o desejo das classes proletárias industriais de lograrem
histórico” (FUKUYAMA, 1992, p. 96). Mas quem uma produção socialista é, para a maior parte, mais um
se dedica a ler a obra de Marx percebe com facilidade assunto de suposição do que uma certeza” (BERNSTEIN,
que poucas páginas de sua produção foram dedicadas 1997, p. 93).
a imaginar a utopia comunista. Há, nesse caso, muita Se o socialismo fosse apenas uma suposição, não
confusão entre a produção panfletária de Marx, em seria necessária uma organização política para organizar
polêmica com outras tendências do movimento socialista, e mobilizar as massas de trabalhadores diante das
e sua obra com preocupações que poderíamos chamar “condições objetivas” para a revolução. Leon Trotsky,
de científicas. Normalmente são nos textos que visam escrevendo sob o impacto dos “Processos de Moscou”
fundamentar programática e teoricamente a agitação e da vitória eleitoral nazista na Alemanha, apontava
política em períodos particulares, como o Manifesto para uma “crise histórica da humanidade”, afirmando:
comunista e Guerra civil na França, que se encontram “as condições objetivas necessárias para a revolução
rápidas notas acerca de um possível sistema político proletária não estão somente maduras, elas começam a
comunista. apodrecer” (TROTSKY, 1989, p. 12). Para ele, diante
No Manifesto comunista, em particular, primeira da degeneração do Estado soviético e das “traições” dos
apresentação pública do materialismo histórico, Marx e social-democratas, se colocava uma “crise da direção
Engels apontaram as profundas contradições que marcam revolucionária”, onde a ausência de uma alternativa
o capitalismo. Nas interpretações vulgares a respeito do política não ameaçava apenas a revolução, mas a própria
marxismo essas contradições são reduzidas à luta de humanidade. Se não houvesse uma direção política
classes, embora nesse texto, por exemplo, verifique-se que organizasse a luta pela revolução e mobilizasse o
3. Revolução e socialismo: notas teóricas
proletariado, nunca haveria revolução em qualquer lugar Referências
do mundo. BERNSTEIN, Eduard. Socialismo evolucionário. Rio de
Se de fato o socialismo é algo que tem a ver apenas Janeiro: Jorge Zahar; Brasília: Instituto Teotônio Vilela, 1997.
com vontades humanas, certamente numa conjuntura ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. Manifesto comunista.
São Paulo: Boitempo, 2005.
marcada por um “ceticismo pessimista”, conforme
FUKUYAMA, Francis. O fim da história e o último
o pensam os ideólogos da direita, a revolução e o homem. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
marxismo passariam a ser assuntos do passado. Contudo, GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o
para apontar no sentido de que as críticas de Marx ao impasse político atual e o futuro da social-democracia. Brasília:
capitalismo estão superadas, seria preciso demonstrar, Instituto Teotônio Vilela, 1999.
por exemplo, que a forma de produção do valor se HARVEY, David. Espaços de esperança. 2ª ed. São
modificou, ou que a exploração da força de trabalho se Paulo: Loyola, 2006.
dê em outros termos que não os da mercadoria, ou que MARX, Karl. Crítica ao programa de Gotha. In:
as crises periódicas do capitalismo têm outra origem ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. Obras escolhidas. São
que não a diminuição da taxa de lucro. Contudo, “o Paulo: Alfa-Omega, s.d., v. II.
MÉSZÁROS, István. O desafio e o fardo do tempo
sistema do capital se articula numa rede de contradições
histórico: o socialismo no século XXI. São Paulo: Boitempo,
que só se consegue administrar medianamente, ainda 2007.
assim durante curto intervalo, mas que não se consegue MILIBAND, Ralph. Socialismo ceticismo. Bauru: Ed
superar definitivamente” (MÉSZÁROS, 2007, p. 87, da USC; São Paulo: Ed. da UNESP, 2000.
grifos do autor). No cenário contemporâneo não se tem TROTSKY, Leon. Programa de transição. São Paulo:
visto análises que consigam demonstrar uma falência Informação, 1989.
do marxismo como ferramenta teórica para análise da
sociedade, mas, pelo contrário, seu aprimoramento ao
contexto do trabalho precário contemporâneo.
Por outro lado, embora não seja possível afirmar
que a teoria marxista está superada enquanto ferramenta
para a análise da exploração capitalista, “a força de
trabalho se acha hoje bem mais dispersa em termos
geográficos”, sendo possível perceber que está “mais
heterogênea em termos culturais, mais diversificada
étnica e religiosamente, racialmente estratificada e
lingüisticamente fragmentada” (HARVEY, 2006, p.
68). Nesse sentido, a possibilidade de desenvolvimento
da consciência da classe trabalhadora está minada
pelas formas diferenciadas com que se dão as relações Como assistir um filme?
de trabalho, por concessões trabalhistas em troca do Nildo Viana, 2009,
Editora Corifeu
achatamento dos salários ou pelo processo de cooptação
das direções sindicais.
Não é, pois, possível afirmar que as questões
objetivas levantadas por Marx para mostrar a possibilidade
da revolução estejam superadas. Certamente estão
diferentes e trazem elementos de complexidade maiores
que aqueles predominantes no século XIX. No entanto,
não há coerência em afirmações que partem da premissa
de que o capitalismo nunca será superado. Por outro lado,
Marx não está superado. O que precisa ser superada é a
compreensão que o reduz a um ideólogo, desconsiderando
o conjunto de sua análise da sociedade capitalista.
Portanto, ainda que haja alguma beleza nas utopias, não
é por meio delas que se construirá um mundo novo ou
se chegará a uma revolução. Superar as compreensões
morais do socialismo pode ser um caminho para que
se consiga pensá-lo como possibilidade concreta de
futuro, sem idealizar um mundo novo, e não como utopia
inevitável para a humanidade.