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2

César Dacorso Filho
Príncipe da
Igreja Metodista
do Brasil

CAPA DE NELSON CARLOS DE GODOY COSTA
3

TRAÇOS DA
VIDA DO
PRIMEIRO BISPO BRASÍLEIRO
DA
IGREJA METODISTA DO BRASIL
4

Í N D I C E

Dedicatória........................................................
Prefácio ..........................................................
Palavra necessária ........................................
Nasce um menino ...........................................
Menino pobre e feliz .......................................
Caixeirinho sem ordenado ..............................
Fatos extraordinários ........................................
Horizontes do metodismo .............................
Aprendiz de tipógrafo .......................................
Na Viação Férrea do R. G. do Sul ....................
A conversão de César Dacorso Filho .............
Reminiscências e saudades ..........................
No Colégio "União" .......................................
No Colégio "Granbery" ....................................
No Pastorado ..................................................
Não é bom que o homem esteja só ................
Os anos do seu Pastorado ............................
No Episcopado .................................................
Sua Consagração .............................................
Na presidência do Concílio Geral ....................

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5

Dois de Setembro .......................................
Declaração Histórica ......................................
Primeiro quatriênio .........................................
Segundo quatriênio...........................................
Terceiro quatriênio ............................................
Quarto quatriênio ............................................
Pela quinta vez eleito Bispo..............................
O "Avante por Cristo"........................................
Em 1952 ...........................................................
Amizades bonitas .............................................
O Instituto Ministerial Geral ..............................
Convite aos moços .........................................
Antes do Final...................................................
Treze anos depois ............................................
O Passamento ..................................................
César Dacorso vive ..........................................
Saudade ........................................................

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À excelentíssima senhora
Maria José Guimarães Dacorso

Minha senhora,
Este livro pertence-vos.
É um apanhado rápido e imperfeito da
vida exuberante do homem magnífico a quem
muito inspirastes na obra sem igual que realizou
na construção da Igreja Metodista do Brasil.
7

P R E F Á C I O

Livro por excelência é a Bíblia. No entanto,
é sem número a publicação, ininterrupta, de outros,
em cujas páginas se encontram todos os assuntos,
desde a mais despida insignificância, até aos mais
complexos e mais merecedores estudos. Ninguém há,
hoje, que possa acompanhar, em todas as línguas, os
livros que aparecem aos milhares, com mais ou menos
divulgação. Já, no Eclesiastes, dizia o sábio não haver
limites para fazer livros (Ec 12.12). Deles há, cujo valor
se poderá dizer nulo. Outros, no entanto, se nomeiam
por bons livros. E assim concorrem os escritores com
o que, porventura, sabem e podem, dependentes,
contudo, da necessidade, interesse e gosto dos
leitores. Livro sem leitor é desperdício. Leitores para
livros sem valor, outra perda.
Convidou-me o Rev. Nelson de Godoy
Costa para prefaciar um seu livro; deu-me a honra de
apreciá-lo, com recomendações, mediante breve
antelóquio.
Entendo que o preâmbulo a um livro é
quase luxo, e como tal dispensável. O bom livro
dispensa a apresentação, porque é bom; o ruim,
porque não a merece. De maneira que, a meu ver,
andar o livro sozinho com a só virtude do seu
merecimento, parece mais acertado.
10

Na apresentação de um livro, dá-se o fato, umas
vezes, de o prefaciador antecipar sobremaneira o seu
conteúdo, com exageros tais de louvores, que a obra de si
mesma, ao ser lida, se desmerece. Outras vezes sucede o
contrário: adianta demais a crítica, sem maiores fundamentos,
a ponto de arriscar o devido alcance do que ainda se tem de
ler. É certo que, segundo Castilho António, "a crítica sisuda é
o crisol dos bons livros" (Vol. 66, p. 130), e, consoante Rui
Barbosa, "se não pode ser pelo apoio, seja pela censura, que
também é colaboração" (Vol. XXIII, Tomo I, p. 12). No
entanto, a preliminar de um livro qualquer não me parece
deve ter esse resultado, seja ela do próprio autor, seja de.
algum amigo, ou até dos seus editores.
A abertura de um livro, por sua página de
apresentação, sabe a cortesia, e não deve ir além de breve
palavra para enlabolar conhecimento; aliás, é o que se dá
com as pessoas: ou se apresentam elas mesmas, ou são
apresentadas por parente ou conhecido, e... deixá-las que
melhormente se conheçam, e, porventura, se estimem, lá
entre si, quando reciprocamente se estudarem.
Bem sei que Rui Barbosa, com a sua introdução a
"O Papa e o Concílio", duas vezes maior que a tradução,
tornou famoso o seu livro, e procurado e incontestavelmente
útil. E há proêmios que não passam de meia página, sem,
contudo, desluzir o seu propósito. Há disso, não o podemos
esconder; não passa, todavia, de casos singulares.
Tenho razões para que me não furte à honra de
apresentar o livro do Rev. Nelson de Godoy Costa, com
relação à vida do Rev.mo Bispo Dr. César Dacorso Filho.
Trata-se de biografia, género de literatura que
sempre me pareceu dos mais recomendáveis para o proveito
da vida humana. Há biografias e biografias, isto é, dignas,
sobejas de lições que se repitam, e
11

também desprezíveis, que se não devem nomear. Quando
digo ser a biografia espécie de literatura a meu ver
recomendável, é evidente que me refiro à biografia cujos fatos
constituem a história de uma vida nobre, merecedora,
proveitosa. Esta, que apresento, escrita pelo Rev. Nelson de
Godoy Costa, tem pelo menos três motivos, que lhe
assinalam merecimento e consideração, a saber: o autor é
Ministro do Evangelho, filho de Ministro do Evangelho, e
escreve a respeito de um Ministro do Evangelho e bispo da
Igreja Metodista do Brasil.
Tomou a si o Rev. Nelson de Godoy Costa a
empresa de apresentar ao povo ledor do Brasil a história da
vida do Rev.mo Bispo César. Que empresa! Ninguém lha
pediu, ninguém lha impôs. Êle de si a tomou, de coração, de
alma, porque viu na pessoa e vida do Sr. Bispo uma história
do maior merecimento por suas lições e exemplos, história
digna de ser contada muitas vezes, isto é, divulgada para
incentivo dos crentes, dos obreiros, dos Ministros.
Nelson de Godoy Costa teve a felicidade de um berço
cristão. O Sr. seu pai, o Rev. João Afonso da Costa, e a Sra.
sua mãe, D. Elisa, nobre casal dos primeiros tempos do
Evangelho no Brasil, metodistas, vários filhos, grande família,
foi o ambiente em que se desenvolveu o menino, hoje
Ministro-pastor da Igreja Metodista do Brasil, escritor e poeta,
autor de vários livros. Escreveu agora a biografia do Rev.mo
Bispo César. Suas páginas falam a um tempo dos sentimentos do autor, seu caráter bem formado em lar cristão, e
dos merecimentos do biografado, igualmente cristão, cuja
carreira tem lances de valor, merecedores da mais detida
consideração, por sua origem, pelo seu sentido, por suas
lições.
Há opiniões contrárias à publicação de biografias
de pessoas que ainda vivem. Contar publicamente a
12

Vida de alguém só depois de já se ter baixado à tumba. É
como pensam. Pois deixá-los pensar; não haverá mal por
isso, nem bem. Nelson de Godoy Costa pensa
diferentemente; dai o volume que escreveu da vida do
Rev.m0 César. A ele, Rev. Nelson, não lhe importa que o seu
biografado ainda aí esteja em pleno exercício ministerial, com
tremendas responsabilidades, no desempenho do episcopado
na Igreja Metodista do Brasil.
Sobre o ponto não discordo do nobre colega. Tenho para mim
que a biografia de um jovem qualquer, sobrevivente, em pleno
torvelinho da vida, por muito expressiva que parecesse, a
todos os respeitos, seria, ainda assim, prematura e, talvez,
não lograsse o bem, porventura, imaginado. Não é, porém, a
história de nenhum jovem para assombro e comentário dos
leitores. O livro do Rev. Nelson é outra cousa. Não trata de
agiografia. Não é vida de santo que se recapitula para
proveito dos leitores. Se o fosse então era razoável que
esperasse a morte. Também não se cogita em só profundar a
etopéia de uma grande figura; seria um estudo e não uma
exposição. Trata-se da biografia de uma vida que perdura,
normal,
expressiva
por
entre
sombras
e
luz,
perseverantemente lutadora e vitoriosamente proveitosa;
biografia sincera, discutível e admirável, de cidadão patrício e
fiel.
Biografias constituem literatura diferente de todas quantas se
podem consultar; diferente porque fala da vida de pessoas, e
a vida não é cousa que se invente, com mais ou menos brilho
de palavras, para ser contada em conversa, em revistas,
livros ou avulsos; é, sim, cousa real, cuja significação
impressiona mais ou menos, conforme terá sido modelada
com mais ou menos acerto, segundo os princípios da boa
educação e seus interesses imediatos e remotos.
A vida de qualquer pessoa, considerada em todos os seus
aspectos, é um mundo de grandes assuntos. Se
13

for nobre, se bem aproveitada com virtudes, pelo trabalho,
pela firmeza de caráter, pela perseverança no bem, na
paciência, com verdade, fielmente, ai, sim, é digna de ser lida
para inspiração da nossa.
O livro do Rev. Nelson de Godoy Costa é desse teor. Suas
páginas balançam o berço do menino César, respiram o clima
do seu lar, fulguram a inteligência e aplicação do adolescente,
traçam os primeiros quadros da vida que se inicia na igreja,
as responsabilidades dos primeiros empregos, as doçuras
das primeiras recompensas. Vale a pena ler esse passado
que se ausenta.
Outras páginas se lêem no livro do Rev. Nelson, páginas de
outro clima, de outro sabor. Falam do jovem estudante, fora
do lar, longe da cidade natal, já em lutas com a escassez de
recursos para o estudo, fronteando já durezas da injustiça
que, não raro, assinalam para o túmulo. E outras e outras,
cheias todas da história que desperta, deita lições e firma
exemplos. Não é para aqui, na prefação apenas do livro, o
repetir as páginas que Nelson de Godoy Costa escreveu.
Tenho por certo, no entanto, que os leitores terão pressa em
conhecê-las, porque tratam de uma vida que vingou renome,
sem vaidade, e, não raro, esplendor, sem falácias que
embaciam. Eu de mim tenho pressa em recomendar o livro do
Rev. Nelson de Godoy Costa, para reforço, por certo, das
impressões já definidas e preciosas da vida e obras do
consagrado Bispo César, em todos os aspectos do seu
testemunho, no seio da família, no convívio social, em face
dos princípios, nos apelos do dever, como homem de fé,
homem do trabalho, compreensivamente, zeloso e pontual.
Desde menino acompanho a vida do Sr. Bispo César; desde
menino, quando o conheci numa Conferência em Piracicaba,
venho seguindo e admi-
14

rando a formação desse caráter, cuja têmpera daria páginas e
páginas de um volume à parte, inspirati-vamente copioso e
copiosamente inspirador.
Tenho por preciosa a tarefa de longo prazo de que
deu cabo o Rev. Nelson de Godoy Costa. Para a Igreja
Metodista do Brasil, que muito deve ao Rev.mo Bispo César
por sua consagração e firmeza, o livro que se anuncia terá
largo proveito. O que nele se ler há de contar-nos fatos que
melhormente se expliquem, pelo comentário propositado, em
tomo da vida que se agigantou em tantos dos seus aspectos
na Causa do Senhor.
Neste ponto, eu parece-me que não desacerto
figurando a vida ministerial do Sr. Bispo César, nas suas
fases de Ministro-pastor, quer principiante, quer diácono, quer
presbítero, ou finalmente no episcopado, há mais de vinte
anos, com aquilo de Castilho António a respeito do padre
Manuel Bernardes, quando o comparou com o padre António
Vieira (Vol. 47, p. 70): "Lendo-os com atenção, sente-se que
Vieira, ainda falando do céu, tinha os olhos nos seus ouvintes;
Bernardes, ainda falando das criaturas, estava absorto no
Criador." Aqui é que me parece acertar a realidade com a vida
do Rev.mo Bispo César. Pois não é certo que tudo nele, dele e
com ele, é para a Causa do Senhor? O seu tempo, os seus
dons, as suas forças, as suas experiências? O que imagina, o
que giza e estuda, o que estuda e decide, o que decide e
executa? Não é, porventura, em nome da Causa do Senhor, e
por ela?
Deixemos, pois, falar a linguagem dos fatos, em
torno da vida do Rev.mo Bispo, Dr. César Dacorso Filho,
segundo a orientação do seu biógrafo, Rev. Nelson de Godoy
Costa
15

PRÍNCIPE DA IGREJA

E peçamos a Deus, sinceramente, a leitura da
biografia do seu grande servo, Bispo César, seja fonte de
inspiração para os jovens, contínua satisfação dos seus
companheiros até aqui, e, no geral, grande bênção para a
Causa do Senhor nosso Deus, em todos os seus múltiplos
aspectos, na vasta seara evangélica do Brasil.
António de Campos Gonçalves
— Rio de Janeiro, 1953 —
16
17

PALAVRA NECESSÁRIA
Este livro é uma tentativa.
Porque a vida empolgante de César Dacorso Filho somente
poderá ser escrita mais tarde, quando de modo mais positivo,
os resultados surpreendentes, sempre surpreendentes, se
fizerem sentir em bênçãos incontáveis para a Igreja a que
amou desde a infância e a que entregou a vida, inteiramente.
Grande na inteligência e no saber, grande na modéstia e na
bondade, grande no trabalho e no serviço, imensamente
grande no amor com que amou e ama a Igreja Metodista do
Brasil, imensamente grande na consagração com que se
entregou a ela, porque primeiramente amou o Senhor Jesus e
se entregou a Êle, César Dacorso Filho precisa de grandes
escritores e grandes biógrafos para grafarem sua vida.
Não há modéstia nem falsa modéstia nesta palavra
necessária.
Este livro é um convite.
É um convite sincero, cordial, insistente aos escritores, aos
biógrafos, para, à luz de melhores documentos, oferecerem
ao mundo a biografia do homem extraordinário a quem a
Igreja Metodista do Brasil deve quase que inteiramente a
grandeza de seu esplendor e a magnitude de sua glória.
Aos prezadíssimos colegas, Revs. António Patrício Fraga,
Eduardo Mena Barreto Jaime, António de Campos Gonçalves,
Oswaldo Luiz da Silva, Elias Escobar Gavião, Messias Amaral
dos Santos, José Rui Rodrigues de Almeida, Luiz Machado
Morais e ao Sr. Darcy de Almeida, pela preciosa colaboração,
nosso reconhecimento.
18
19

PRIMEIRA PARTE
NASCE UM MENINO
20
21

CAPÍTULO PRIMEIRO

NASCE UM MENINO

Na cidade de Santa Maria, no Estado do Rio
Grande do Sul, nasceu no dia 10 de novembro de 1891 um
menino. Os que correram aos aposentos do recém-nascido
viram um garotinho forte e bem disposto, e sua mãe contente,
sorridente e feliz por ter dado ao mundo um homem.
Esse homem seria aos quarenta e três anos,
muito moço ainda, o primeiro bispo brasileiro da Igreja
Metodista do Brasil.
A casa que abrigou seus primeiros dias de vida
existe ainda. É na rua Coronel Niderauer, e tinha o número
trinta, que talvez, hoje, seja outro. Fica junto ao templo
luterano e defronte ao Colégio Complementar.
Foi o pastor luterano, amigo íntimo do pai do
recém-nascido, quem lhe pôs a língua em condições de falar,
pois o menino tinha a língua "pegada" como diz o povo.
22

Deram-lhe o nome de César. César era o nome do pai, César
Daeorso, italiano, de origem francesa. Parece descender de
huguenotes perseguidos que se refugiaram no povoado
pequenino chamado Carloforte, na ilhota de São Pedro, perto
da ilha italiana de Sardenha.
Seu nome primitivo, Daeorso, deveria ser De la
Course. Outros dizem que Daeorso vem de "da Córsega", ilha
próxima à da Sardenha, pátria de Napoleão primeiro.
O menino nasceu e cresceu à sombra de um
templo protestante, e por sua origem remota talvez tenha
outra ligação com o protestantismo. Seus pais, entretanto,
sempre foram católicos, bem como todos seus irmãos. Sua
mãe e alguns manos alimentavam simpatias pelo Evangelho,
mas nunca se decidiram por êle.
No Brasil é este um fato muito comum: membros
da mesma familia pertencendo a duas ou três religiões
diferentes, ou por motivo de origem ou pelos casamentos
mistos, que às vezes criam problemas delicadíssimos no seio
da própria família, com reflexos sobre a Igreja.
Seu progenitor
O pai de César não teve muitas oportunidades na
vida para frequentar escolas, mas inteligente e esforçado
aprendeu muito da leitura de livros, revistas e. jornais.
Conhecia os clássicos italianos, como Tasso, Dante, Ariosto;
lia escritores modernos, como De
23

Amicis. Assinava a melhor revista da Rália, que era La
Illustrazione Italiana. Gostava da matemática, praticava o
desenho. Sendo pobre, às vezes em extremas dificuldades,
jamais deixou de lamentar a impossibilidade de instruir seus
filhos. Nos dias de sua mocidade foi marinheiro. Parece que
também trabalhou em minas. Depois dedicou-se à arquitetura.
Chamado para o Rio Grande do Sul por um amigo, Ângelo
Obino, transportou-se logo para o Rrasil. Passou
primeiramente por Montevideo, de onde chegou ao Rio
Grande do Sul. Era em 1875 mais ou menos.
Costumava contar aos filhos, que ouviam atentos
e curiosos, as dificuldades que encontrou em nossa terra,
viajando sempre a cavalo, tendo de percorrer distâncias sem
fim em campos inteiramente despovoados. Lembrava-se
também das gentilezas dos estancieiros gaúchos, que lhe
escondiam o animal em que viajava para obrigá-lo a contar,
demorando-se horas e horas com eles, as novidades da
Europa, ouvidas sempre com crescente entusiasmo.
Conhecia quase todo o Rio Grande do Sul.
Trabalhou como construtor em Bagé, Santa Maria,
Rio Pardo, São Martinho. Foi em Campestre de Santo Antão,
perto de São Martinho, que conheceu a companheira de seus
dias. Resolveu fixar-se em Santa Maria, e naquela cidade
sulina constituiu seu lar.
Identificou-se com seus moradores e costumes
inteiramente a ponto de não dispensar o cavalo, o churrasco,
o chimarrão.
24

Pode-se dizer que foi êle quem construiu a cidade de Santa
Maria. São de suas mãos a estação da estrada de ferro, os
quartéis, o teatro, os prédios principais.
Quando foi construído e inaugurado o teatro "13
de Maio" a cidade prestou-lhe homenagens, oferecendo-lhe
um prumo de metal amarelo e uma colher de prata, de
pedreiro, presentes que seus filhos guardam com carinho.
Construiu também o hospital da cidade e na ocasião de sua
entrega a população agradecida homenageou-o.
Êle mesmo desenhava, fazia as plantas, estudava
orçamentos, dirigia as construções, trabalhando ombro a
ombro com os mais humildes operários. Homem de boa fé,
trabalhou muito, atendeu consultas de outros construtores do
Estado, foi presidente de sociedades, trabalhou intensamente,
trabalhou a vida inteira e não chegou a possuir mais do que
duas casas modestas.
Numa dessas, porém, foi que César nasceu. A
casa de número trinta, da rua Coronel Niderauer, frente ao
Colégio Complementar, junto ao templo protestante.
Assim foi o pai de César Dacorso Filho. Ca-ráter
transparente, homem da honradez e do trabalho. Faleceu em
24 de dezembro, véspera do Natal de 1931. Matou-o o câncer
no estômago e no fígado.
Sua progenitora
A rnãe de César Dacorso Filho nasceu em
Campestre de Santo Antão. Naquela localidade
25

casou-se. Descende dos ilustres Pereira da Silva que
chegaram a ser ministros do Gabinete Imperial.
Seu pai foi um desgarrado da família. Mocinho,
fugiu de casa e foi sentar praça no Rio Grande do Sul. Mais
tarde adquiriu propriedades em Campestre de Santo Antão,
onde se dedicou à agricultura e onde faleceu.
Sua mãe tinha fortes traços de indígena.
A senhora mãe de César Dacorso Filho foi uma
mulher do trabalho. Dedicou-se inteiramente ao lar. Sem o
auxílio de empregadas criou todos os filhos. Desvelou-se por
eles e por eles se consumiu. Tinha um nome bonito e
expressivo. Chamava-se Constância.
Dos dez filhos do casal, Maria faleceu ao nascer.
Docelina e Isolina faleceram casadas. Vitorio morreu em
Santa Maria; era casado. João, solteiro, alistou-se no exército
italiano por ocasião da primeira grande guerra e morreu ao
que se pensa, na batalha de San Michelle. Paulo, casado,
vive no Rio de Janeiro. Guilhermina faleceu quase noiva.
Alice vive em Santa Maria; é casada. Humberto, casado,
mora em Porto Alegre.
É notável a mistura de sangue na família: francês,
italiano, austríaco, português, uruguaio.
Interessante a variedade de profissões: ministro
do Evangelho, militar, pedreiro, alto comércio, contabilista.
Todos têm tendência para música. César possui
excelente voz de "baixo".
26

CAPÍTULO SEGUNDO

MENINO POBRE E FELIZ

Foi em Santa Maria que César Dacorso Filho
viveu os dias de sua infância. Da casa em que nasceu muito
pouco se recorda. Sua lembrança mais remota prende-se à
segunda casa onde morou.
Seu pai havia contratado as obras da estação e
do armazém da estrada de ferro Itararé, do outro lado da
cidade. Adquiriu por isso ura terreno nas proximidades de
onde devia iniciar a construção. Era um terreno irregular, com
uma face para a estrada de ferro, outra face para a rua e
outra para o riacho. Ali edificou.
Naquela casa o menino morou até os onze anos.
Ocupava o dia cuidando das cabras leiteiras. Brincava no
riacho, subia os salseiros que margeavam o rio pequenino.
Distraía-se ouvindo o vozerio dos
27

PRÍNCIPE DA IGREJA
boleeiros de "vitórias" que iam buscar os passageiros na
estação construída por seu pai e já entregue ao público.
Das recordações desse tempo a mais forte é a
dos últimos dias da revolução que ensanguentou o Rio
Grande do Sul, logo depois de 1892 e que durou até 1897;
das tropas que passaram por sua casa; de uma batalha em
que o general revolucionário, Pina, tomou a cidade; de um
quartel improvisado em frente a sua casa, quando um
sargento ofereceu a seus pais um pedação de churrasco bem
gordo. Lembra-se ainda do transporte dos feridos ao longo do
leito da estrada de ferro, e, afinal do embarque das tropas
para Canudos.

AOS CINCO ANOS
Aos cinco anos César principiou a acompanhar o
progenitor para o trabalho. Vigiava o churrasco ao fogo,
enquanto o pai, colher à mão trabalhava. Nessas idas e
vindas começou a conhecer a cidade. Em casa enchia a cuia
e preparava o chimarrão para o pai. Era amigo e serviçal.
Lembra-se de alguns incidentes dessa época de
sua vida. Uma vez escapou da morte, milagrosamente. Foi
assim: Estava brincando com sua irmãzinha no fundo da
casa, no tempo da revolução, quando uma bala perdida
passou raspando-lhe as orelhas e foi cravar-se no barranco.
28

NELSON DE GODOY COSTA
Outra noite brincava com seus irmãozinhos na
sala de visitas. Seus pais gozavam o frescor da noite em
frente a casa. Foi quando o cãozinho começou a latir
avisando de que alguém descia o morro, o aterro da estrada
de ferro, sorrateiramente. Seus pais voltaram para o lado e
viram um homem que fugiu.
Naquela noite verificou-se um crime na rua Nova e
o assassino, preso no dia seguinte, confessou ter tentado
assassinar o casal, que distraido tomava o frescor da noite lá
fora.
Para o menino essa foi a segunda vez em que,
talvez, escapou da morte.
Sempre foi vítima de cacos de vidro nos pés.
Certa vez, brincando nas obras da estação pisou num caco
de vidro que lhe cortou profundamente o pé. Quase morreu
com a hemorragia.
Apanhava pregos de seu pai e pregava no chão
fazendo com eles desenhos; gostava de encarapitar-se nos
trens lastros em manobras; rebuscava pelos campos ninhos
de galinhas poedeiras, colhia flores silvestres, jogava gude.
Era a infância de um menino pobre e feliz.

AOS SETE ANOS
Aos sete anos foi para a escola pública. Era um
casarão que ainda existe ao alto da rua Riachuelo, Lembra-se
muito bem de seu primeiro professor, homem de muita cultura
e honestidade, chamado Benvindo Pires de Sales. Era
baiano.PRÍNCIPE DA IGREJA
29

Para ir à escola César saía de casa com seu
mano Paulo. Aqui aparece seu mano como seu companheiro.
Sempre foram muito amigos e muito unidos. Passavam pela
casa de um amiguinho, António Losa, hoje, negociante,
capitalista e político em Santa Maria, e, depois de meia hora
de caminho chegavam à escola. Seu primeiro livro foi a
cartilha de Hilário Ribeiro e custou-lhe quinhentos réis, hoje,
cinquenta centavos.
Nessa escola César teve três professores:
Benvindo Pires de Sales, Nestor de Oliveira e Antero José de
Almeida.

SEUS PRIMEIROS AMIGUINHOS
Nesse tempo de escola foi que César teve seus
primeiros amiguinhos. Seus nomes precisam ser guardados
nesta biografia: José Borba, poeta; Luiz Fernandes Calage,
escritor, sociólogo, historiador e jornalista, hoje residente em
São Paulo; Mário Brasil, engenheiro; Anacleto Corrêa,
engenheiro, funcionário da Viação Férrea do Rio Grande do
Sul.
Esses foram os primeiros amiguinhos de César,
os amigos de sua infância, todos meninos pobres como êle,
querendo estudar, querendo aprender, ansiando vencer na
vida. Como César eram sonhadores, idealistas, meninos de
valor, meninos que influenciaram César, e foram por êle
influenciados num consórcio admirável de ideais grandes para
a vida.
30

NELSON DE GODOY COSTA
Chegaram a ter, no seu mundo de sonhos ideias
exquisitas. Certa vez César e Mário Corrêa inventaram uma
língua universal e na organização do dicionário gastavam
todos os centavos que lhes vinham às mãos. Não sabiam
que já existia o Esperanto.
A vontade de estudar persistia. Certa vez pretenderam alugar uma sala pequenina e um lampião para
poderem estudar. Mas... onde o dinheiro?
Outra vez planejaram uma viagem pelo mundo.
Era a melhor forma de aprender. Em Luiz Fernandes Calage
a ideia se fixou de tal modo que mais tarde fugiu de casa, foi
para Porto Alegre com intenção de seguir para o Rio de
Janeiro.
César atormentava o pai pedindo-lhe que lhe
comprasse livros. O pai deu-lhe, além dos escolares, toda a
coleção de Felisberto de Carvalho, e um livro de poesias de
Fanfa Ribas. Na falta de mais livros e sedento de mais livros o
menino lia os jornais que vinham protegendo os engradados
de mármore destinados aos mausoléus; lia a "Federação", lia
"O Correio do Povo", lia muito, lia sempre.
Hoje César lembra-se com saudades daqueles
dias de penúria e de ambição. Às vezes com seus
coleguinhas dilatava o campo de seus passeios e realizava
excursões às serras do Pinhal, de onde, lá do alto fazia
tombar pedras enormes, brincando alegremente. Outras
vezes nas encostas, ao pé de alguma sanga, nas mesmas
serras, César e seus companheirinhos preparavam café e
tomavam com pão e pedaços de salame.
31

PRÍNCIPE DA IGREJA
Folgando percorriam estradas extensas. Quem
poderia ver nessas caminhadas os primeiros passos daquele
que, Bispo da Igreja Metodista do Brasil, seria o viajor para
quem as estradas não teriam segredos, as distâncias não
teriam fim?
César lembra-se com saudades daquela vez em
que, brincando com os mosqueteiros em miniatura, subiu a
um salseiro, e distraindo-se caiu de cheio no arroio. Era
domingo e ele teve de atravessar a cidade toda, cheia de
gente endomingada, até chegar em casa, completamente
encharcado isto é, molhadinho como um pintainho.
Recorda-se de sua infância, de quantas e quantas
vezes, quase em andrajos, descalço, chapéu furado de tão
velho, tiritando de frio, acompanhou o pai ao trabalho, ou
nesse mesmo triste estado brincou com os amiguinhos. E,
quanta vez sentiu do mesmo modo as solas dos pés
escaldando na areia batida de sol das ruas da cidade onde
nasceu.
Na casa de Mário Corrêa havia um canal longo e
sempre cheio de água, com um botezinho para os meninos
brincarem. César gostava do bote pequenino. Um dia tomou-o
sozinho e lá se foi pelo canal a fora; em meio porém do
passeio o botezinho cismou com o passageiro, virou de
pernas para o ar e o menino saiu do fundo do canal coberto
de lama, com lama nos bolsos, no rosto, nos cabelos.
Havia também lá uma "estrada de ferro" feita de
pau, com vagão — um caixote de querosene aberto ao lado,
que era ao mesmo tempo carro de passageiros
32

NELSON DE GODOY COSTA
e de carga. Anos mais tarde, viajando pelo Brasil e pelo
estrangeiro nos trens mais confortáveis, César se lembraria,
ao certo, com profunda saudade — olhos perdidos nas
paisagens americanas e europeias, daquela paisagem
brasileira nas plagas sulinas, do trenzinho que só andava na
descida, onde muitas vezes sofreu "sérios acidentes" todos,
felizmente sem muita gravidade...
SANTA MARIA
Santa Maria era por esse tempo uma cidadezinha
do interior, muito espalhada, ruas sem calçamento. Seus
moradores eram como uma só família. A vida em casa do
menino corria tranquila. O pai cortava-lhe o cabelo. A mãe
costurava-lhe a roupinha. Êle fazia compras, levava recados.
Bem depressa ficou conhecendo toda gente. É
verdade que vivia um tanto isolado porque seu mano mais
velho e que era tão seu amigo, fora morar com os padrinhos,
Teodósio e Leocádia Pereira de Barros, e seus irmãos mais
novos eram muito pequenininhos. Tinha entretanto, suas
irmãs, das quais sempre foi muito amigo.
Nas horas de solidão, quando sentia mais fundas
as saudades de seu mano Paulo, procurava fazer alguma
coisa: punha em ordem os pedaços de tábua que sempre os
havia muitos, espalhados pelo terreiro; capinava o quintal,
consertava as cercas. Aprendeu até a passar roupa a ferro.
33

PRÍNCIPE DA IGREJA
Infância penosa de menino por vezes triste e por
vezes solitário. Escola de trabalho que lhe formou o hábito,
pelo qual hoje César agradece a Deus, louvando-O, de
somente descansar nas horas de refeição e de sono.
Foi naquela época que instalaram luz elétrica e
telefone em sua cidade. Viu pela primeira vez um automóvel.
Queria muito ver um automóvel. E foi um desapontamento: o
que viu era feio, velho, sujo e desengonçado. Queria muito ir
ao cinema; queria saber o que era aquilo, embora no seu
tempo fosse ainda cinematógrafo. O pai fèz-lhe a vontade.
Levou-o. 0 menino foi. Viu. Gostou, mas tremeu durante o
tempo todo.

CONHECE UMA ESCOLA DOMINICAL
0 Rev. W. Morris, missionário americano da Igreja
Episcopal tinha uma escola dominical que funcionava num
salão da rua do Comércio. César, curioso por tudo quanto
fosse de aprender principiou a frequentar as aulas fêz
algumas amizades e teria continuado por longo tempo, se
seus pais não o tivessem impedido de continuar ali, afastados
por
motivos
desagradáveis,
escandalizados
com
procedimento de certos alunos.
QUEREM FAZÊ-LO MILITAR E QUEREM FAZÊ-LO
PADRE
Amigos de seu pai quiseram enviar o menino para
a Escola Militar. É possível que o gauchinho
34

NELSON DE GODOY COSTA
viesse a ser um grande oficial do Exército; irias
como se êle tinha horror à farda, e, naquele tempo um medo
pavoroso de soldado?...
Também o vigário da cidade, admirando aquele
menino sizudo, com ares de homenzinho, chegou a falar com
o pai sobre a conveniência de levá-lo para um seminário.
Tinham motivo as palavras do sacerdote. César ia muitas
vezes à missa, acompanhava as procissões. Sua alma
pequenina prendia-se àquela movimentação. Sempre o
menino sentiu-se empolgado pela grandeza, com a beleza
das festas religiosas e cívicas realizadas no Sul, muito mais
deslumbrantes que em outros pontos do país.
Esses esforços eram o interesse de amigos pelo
menino pobre e inteligente, pelo futuro do menino pobre e
pequenino, mas que, como deveria declarar anos mais tarde,
no seu discurso de recepção à Academia de Letras de São
Paulo, tinha aprendido a fitar as alturas dos Andes
inatingíveis.
Fitava-as, pequenino.
Homem, atingiu-as.
------ 0O0 -----Teve as doenças de criança, sarampo,
coqueluche. Uma grave: febre tifo.
Seu mano Paulo, certa vez, inadvertidamente,
apanhou na rua um papel bonito. Estava infeccionado.
Contraiu tremenda moléstia de olhos que transmitiu a
35

PRÍNCIPE DA IGREJA
todos da casa. Foi um período angustioso aquele.
Seu pai carregava um filhinho em cada braço; os maiores
acompanhavam como podiam e iam ao médico, dr. Pantaleão
Pereira Pinto, amicíssimo da família.
César sofreu a mais não poder com essa
nfermidade.
36

CAPÍTULO TERCEIRO

CAIXEIRINHO SEM ORDENADO
Em meados de 1902 seu pai, com enorme sacrifício, arrematou em hasta pública uma chácara no fim da rua
Marquês de Herval, hoje rua Serafim Valandro. Para lá
mudou-se a família.
Um dos primeiros cuidados de seu pai foi plantar
um vasto parreiral, a cuja sombra, muitas vezes o menino de
onze anos viria dormir nas horas de maior calor, como é
costume dos sulinos.
Continuava assíduo às aulas do professor Antero
de Almeida. Seus amiguinhos eram os mesmos: José Borba,
Álvaro Corrêa, Luiz Fernandes Calage. Seu pai empreitou a
construção do hospital, o que o sobrecarregou de dívidas. Foi
um verdadeiro desastre financeiro.
37

PRÍNCIPE DA IGREJA
Como se tornasse muito crítica a situação
económica da família o menino principiou a trabalhar como
caixeirinlio na casa de secos e molhados de Teodósio Pereira
de Barros, compadre de seu pai e onde até então estivera
como caixeiro, seu mano mais velho, Paulo.
A casa existe ainda à avenida Rio Branco,
bastante modificada e nela residem os padres que oficiam na
catedral vizinha.
No armazém o caixeirinlio principiante, aproveitando todos os momentos vagos, esforçava-se em
melhorar a letra, fazendo longas cópias em um livro enorme,
antiquado, abandonado, de folhas azuis.
Naqueles dias deram-se dois incidentes na vida
do menino. Distraído, o menino era realmente uma criança,
atirou uma caixa de fósforos sobre uma pilha de caixas e
maços de fósforos, numa prateleira. A caixa, não se sabe
como, incendiou-se. Por felicidade o fogo não se alastrou; do
contrário a casa do patrão teria se queimado toda. Nunca o
menino levou tamanho susto.
Outro fato foi este. César dormia num depósito do
armazém, muito para os fundos juntamente com seu mano
Paulo. Paulo foi fazer "serão" na tipografia do "Gaspar
Martins", jornal, onde trabalhava e César deitou-se deixando
o lampião aceso, com intenção de esperar acordado o irmão.
Dormiu, porém. E que sono! Paulo precisou arrombar a porta
do depósito para poder entrar e nem mesmo assim o
irmãozinho acordou.
38

NELSON DE GODOY COSTA
É que ainda não sofria de insónia como sofre hoje,
quando se desperta ao mais leve ruído.
Guarda a alegria de ter sido um caixeirinho
honesto. Nunca tirou um centavo da gaveta. Nunca furtou
uma bala. Nunca enganou os fregueses.
o0o
Em 1903 seu patrão mudou-se para Tupaceretâ,
povoado muito espalhado, como geralmente são os do Sul,
entre Santa Maria e Cruz Alta. Levou toda a mercadoria.
O caixeirinho, com a alegria e a novidade da
mudança, entregou-se à trabalheira de encaixotar e
desencaixotar peças de fazenda e de renda, caixas de renda,
de botões; de ensacar e desensacar farinha de mandioca,
feijão, arroz; de carregar ferragens e tudo o mais. E lá se foi
também para Tupaceretâ.
No povoado as coisas corriam bem para o patrão.
A casa tinha um movimento enorme. Para ela o menino,
embora sua idade, principiou a comprar couro, partidas de
erva-mate e de farinha de mandioca. Trabalhava desde
madrugada até alta noite. Levantava-se varria a casa, limpava
o lampião, enchia-o de querosene, dispunha tudo para o
trabalho do dia. Depois do almoço ia ao correio.
Armazém movimentado, havia sempre muitos
cavalos presos ali pelo cabresto, enquanto seus donos
compravam ou simplesmente palestravam. César, toda a vez
em que ia buscar a correspondência, ou ia
39

PRÍNCIPE DA IGREJA
à estação, ou negociar partidas de erva-mate, sal ou
aguardente, ou farinha de mandioca pegava um daqueles
cavalos, montava e saia pelas ruas a fora, galopando como
se fosse um grande cavaleiro. Certo dia apanhou um cavalo
fogosíssimo de um homem chamado Miguel Chaves, um
cavalo branco, enorme, de crinas abundantes e cauda
amarrada. Saiu mas imediatamente percebeu que o cavalo
não era para brincadeiras. Nem quis apear para apanhar a
correspondência; pediu a alguém que lha desse. E antes que
lha entregassem o cavalo disparou a toda a velocidade.
Felizmente "desimbestou" por uma campina que se espraiava
ali por perto. 0 menino agarrado ao "Santo António"
conseguiu manter-se na sela, não caiu, e acabou gostando da
corrida. Pôde afinal dominar o animal e voltar ao correio.
Estava suando e teve o cuidado de não deixar que na loja
percebessem sua aventura.
Outra vez brigou com um garoto de seu tamanho
no caminho do correio. O garoto "levou a pior" e vendo que
César deveria voltar pelo mesmo caminho correu à casa
armou-se de uma valente faca, chamou um companheiro e foi
esperar ao longo de uma cerca muito comprida, uma cerca de
arame. Talvez por precaução ficaram do lado de dentro da
cerca...
Quando César chegou lá os dois o xingaram e o
desafiaram para nova briga. Não chegaram a se pegar porque
entre eles estava a cerca. Discutiram um pouco de tempo
trocando "gentilezas"; depois resolveram fazer as pazes. E
seguiram juntos. César
40

NELSON DE GODOY COSTA
guardou entretanto desse atrito uma grande
mágoa: chamaram-no de "roseta" apelido eme os serranos
dão aos fronteiriços no Rio Grande do Sul.
o0o
Um falo que não deixava de impressionar o
menino caixeiro era este: de tempos em tempos um gaúcho
do campo batia altas horas da noite à porta do armazém.
César lha abria. Arriscava-se a um imprevisto abrindo a um
desconhecido, tão tarde da noite. O desconhecido entrava,
tirava a guaiaca (cinta larga de couro com bolsas) com um
enorme revólver e punha sobre o balcão. Fazia um pedido
grande e pagava tudo. Colocava de novo a guaiaca à cintura.
Pegava a compra. Saía. Ia-se embora.
Aquele homem nunca deixou de ser para o
menino eme o atendia amedrontado, altas horas da noite, um
individuo suspeito. Parecia um criminoso. Era o único
desconhecido, de lugar ignorado, que aparecia daquela
maneira àquelas horas mortas da noite.
Uma vez êle foi quando a esposa do patrão
estava no armazém. Ela ficou tão mal impressionada, que,
sem que o homem notasse enquanto fazia o pedido, mandou
sua sobrinha, uma menina chamada Elvira pôr um revólver
sobre uma barrica sob o balcão.
Interessante, a figura sinistra que vinha através da
escuridão da noite a uma casa comercial situada em lugar
ermo, nunca tentou fazer mal algum. Respeitava aquele
menino na sua debilidade e na sua coragem.
41

PRÍNCIPE DA IGREJA
Certo dia, hora quente do dia, César está acabando de servir chimarrao a seu patrão c a um amigo, quando
entra um homem ares sinistros, empunhando facão
ameaçador. Rodopia c cai no chão pesadamente. Todos
pensam que é criminoso fugindo da polícia, fulminado de
síncope cardíaca. E agora aquele cadáver em pleno
armazém! 0 menino toma a iniciativa. Grita. Acode um velho
policial ao acaso ali perto.
Não era criminoso coisa alguma, nem tão pouco
defunto. Simplesmente um pobre homem do campo, bêbado
até o nariz, vagando pelas ruas, sem destino.
o0o
Foi em Tupaceretâ que ouviu histórias e mais
histórias sobre as revoluções rio-grandenses, e a exaltação
de seus heróis, Gumercido Saraiva, Jóca Tavares, Saldanha
da Gama, Canabarro, Bento Gonçalves. Foi lá que ouviu a
respeito da guerra do Paraguai e seus valentes, Osório,
Câmara, Pelotas. Conheceu o cabo João do Vale
comandante do pelotão que fuzilou Solano Lopes, o ditador
do Paraguai.
Foi lá que lhe contaram da visita que o Imperador
D. Pedro II fêz ao Rio Grande do Sul; das Missões e do
trabalho que os jesuítas realizaram ao longo do rio Uruguai.
Sua mente enchia-se de quadros estupendos. Sua
imaginação fervia. Tinha vontade de realizar grandes coisas.
Até hoje, mais de meio século, essas histórias do passado riograndense produzem viva impressão na vida do lutador.
42

NELSON DE GODOY COSTA
Naquele tempo, nos dias de Tupaceretâ, tinha
doze anos.
o0o
O trabalho era demais e continuava sempre
aumentando; não lhe sobrava tempo nem para melhorar a
letra. Sempre porém, em todo o instante que podia devorava,
em leitura de menino sedento de saber, os jornais que o
patrão recebia de Santa Maria e da capital do Estado.
Em Tupaceretâ nunca foi a uma igreja, nunca viu
um padre ou um pastor protestante. Esqueceu-se do que
tinha aprendido na escola dominical do Rev. William Morris. 0
domingo era um dia igual os outros para o trabalho.
A esposa do patrão d. Leocádia, filha do cónego
Neves, ex-vigário de São Martinho, senhora muito religiosa,
armava às vezes uma espécie de altar que enchia de
imagens tiradas da gaveta da cómoda. Diante dele ajoelhavase e orava. Certo dia em suas mãos César viu uma linda
Biblia.
Um ano assim passou em Tupaceretâ. Trabalhos
e mais trabalhos. Impressões fundas formando o lastro de sua
vida.
Ao fim de 1903 seu pai chamou-o a Santa Maria
para estudar mais um pouco. Seu pai sempre quis que César
estudasse. Muitas vezes lhe disse com os olhos molhados:
"Se eu pudesse tu te formarias nalguma coisa".
43

PRÍNCIPE DA IGREJA
Para substituí-lo no balcão seu mano Paulo veio
de Santa Maria.
Em companhia de um pedreiro espanhol chamado
Avelino o caixeirinho tomou o trem para casa. Levava no
bolso um "boliviano" moeda de prata muito comum ao tempo
no Rio Grande do Sul e que valia oitenta centavos, presente
do patrão. A patroa mais liberal dera-lhe uma nota de dois
cruzeiros. Eram a sua fortuna. Havia mais: no bolso, pesando
um relógio grande, ordinário, chamado cebolão, presente de
seu mano, sempre seu amigo.
EM SANTA MARIA NOVAMENTE
Lá pelas quatro horas da tarde o trem deixou-o em
Santa Maria. O companheiro de viagem, solícito, teve o
cuidado de arranjar-lhe um carro tirado por animais. Em
caminho o boleeiro parou numa taberna para ... matar a
sede... O pequeno viajante saltou aproveitando a parada.
Tinha comido tanto pão com salame em toda a viagem que
não podia mais de sede. Comprou uma gasosa.
Seus pais não o esperavam naquele dia. Numa
das ruas perto da casa viu o pai que ia indo distanciado.
Contemplou ao longe, longamente o pai que não o viu.
Pulsou-lhe o coração numa profunda sensação de amor filial.
Chegou à casa. Atirou-se aos braços de sua mãe
abraçando-a e beijando. Beijou seus irmãozinhos. Pouco
depois chegou também o pai. E entre efusões
44

NELSON DE GODOY COSTA
de carinho mútuo, do carinho paternal, do carinho filial, ouviu
a notícia de que não voltaria mais para Tupaceretâ.
Começou a chorar.
Por quê?
No lar não era melhor? Na companhia de seus
pais que sempre o estimaram tanto? Que queriam que o
menino aprendesse mais alguma coisa? E que o livrariam
naturalmente dos maus hábitos, que na companhia de
estranhos ia sem saber adquirindo.
0O0
Lembrava-se às vezes de Tupaceretâ. Foi lá que
recebeu a primeira carta na vida. Era de seu amiguinho
António Lozza, que também trabalhava numa casa comercial
em Porto Alegre.
Em Tupaceretâ assistia à matança de bois em
pleno campo, perto da casa. Aquela cena diária o
impressionava fortemente.
E, meio envergonhado lembrava-se da única vêz
em que foi "embrulhado" no balcão, e juntamente por uma
mulher! Ela comprou um vidro de óleo para o cabelo (a
vaidosa!) e disse ao menino que depois viria pagar. E não
veio até hoje...
OUTRA VÊZ COM OS LIVROS
Foi para a Escola Complementar. Nela reviu seus
professores, Antero José de Almeida, e Nestor de
45

PRÍNCIPE DA IGREJA
Oliveira e reavivou a antiga camaradagem com
seus amiguinhos Luiz Fernandes Callage, José Borba e
Álvaro Corrêa. Arranjou mais um, Felinto Lopes Bembom.
Na Escola Complementar os estudos eram mais
desenvolvidos. César estudou gramática e geometria. Ao lado
dos estudos os brinquedos eram também mais interessantes.
No recreio jogava gude, fazia corridas, brincava de barra com
os coleguinhas.
Ao lado da escola havia um campo onde o menino
ia muitas vezes procurar folhas de trevo de quatro ou cinco
pétalas, ou erva santa, porque acreditava que davam sorte...
Se davam sorte ou não davam não podia dizer,
mas é certo que vizinha de sua casa morava uma menina
chamada Corina Canduro, e sempre iam juntos à escola.
Como era curto o caminho da escola! Certo dia a menina viu
o menino triste. Seria paixão? Não; tinha perdido o lápis.
Muito carinhosa deu-lhe prontamente o seu. Essa menina
César nunca mais a viu. não sabe se ainda vive. Lembra-se
porém dela, e principalmente de seu coraçãozinho, que sendo
pequenino já sabia ser bonito.
Eram, também seus vizinhos e seus amiguinhos
dois irmãos, Júlio e Setembrino de Campos.
Desse tempo restaram algumas impressões na
alma do menino. Seus companheiros mostraram-lhe o lugar
onde um estudante matou outro com profunda facada. Duas
vezes escapou de ser picado por
46

NELSON DE GODOY COSTA
serpentes; a primeira foi num campo e a segunda
no quintal da casa de Felinto Lopes Bembom. Quase que o
Felinto não ficou mais sendo bem bom...
Outra impressão que nunca mais se apagou de
sua lembrança foi o castigo imerecido que sofreu por parte da
negligência de um professor. Teve de ficar duas horas na
cafua da escola. Cafua era um quarto escuro, completamente
fechado. Nunca mais se esqueceu da injustiça do professor.
Tinha também suas grandes alegrias. Certa noite
tentou escrever uma poesia. Escreveu e mostrou-a a seu pai.
E até hoje não sabe por que naquela mesma noite disse ao
pai que já estava espantado com a poesia essa coisa
assombrosa:
Queria ser presidente da França.
47

CAPÍTULO QUARTO
FATOS EXTRAORDINÁRIOS
Dois incidentes dos quais até hoje guarda lembrança mais viva, pois dizem respeito a fatos singulares que
testemunhou na casa em que morava. Seu pai tinha feito um
"puxado", (suplemento à casa), no fundo para servir de quarto
a César e a seu mano Paulo que logo voltaria de Tupaceretâ.
Enquanto seu irmão não vinha César dormia
sozinho no quartinho. Todas as noites, tarde da noite, ouvia o
ruido surdo de correntes que se arrastavam ao longo da
parede junto a qual dormia. Parecia-lhe ser algum cão fugido
que à procura de ossos por ali farejava arrastando as
correntes.
Muito mais tarde, anos depois, leu a biografia de
John Wesley e concluiu que em sua casa dava-se fenómeno
de igual natureza. Também muito mais tarde por
esclarecimentos de outros ligou ao fato de ter desenterrado
junto ao tronco de uma laranjeira que ficava perto da parede,
ao lado da qual dormia, um
48

NELSON DE GODOY COSTA
estribo, um machado e o cano de uma garrucha,
objetos de alguém talvez ali assassinado.
O segundo fenómeno que testemunhou por esse
tempo foi um andar lento, demorado, de tamancos do quarto
de sua mãe para o seu quarto. Acordou com o rumor.
Observou-o por longo tempo pensando que era sua mãe.
Lembrou-se, porém, que sua mãe não usava tamancos dentro
de casa. Procurou ver quem era que andava dentro da casa
de um lado para outro. Não viu ninguém. Gritou.
Sua mãe já estava acordada ouvindo o mesmo
barulho. Chamou-o. Acenderam o lampião, revistaram a casa
toda e nada encontraram.
Atribuíram o acontecido a uns papéis velhos,
muito velhos, cheios de orações que certa moça, de sejando
libertar-se das garras de sua tia muito má, Maria Jerônima de
Quadros, tinha pedido a uma feiticeira.
Essa moça, Ritinha, presa em casa, não podia ir
ao centro da cidade, pedira à mãe de César que mandasse
atirar os papéis na direção do altar-mór da Igreja da Matriz. A
boa senhora, muito ocupada sempre, esqueceu-se porém e
os papéis ficaram por ali rolando.
A verdade é que no dia seguinte, logo de manhã,
a senhora mandou o menino atirar os famigerados papéis na
direção do altar-mór.
César foi mais que depressa. Atirou-os da porta
com tanta força, que até hoje receia tenham os papéis
atingido, profanado alguma imagem.
49

CAPÍTULO QUINTO
HORIZONTES DO METODISMO
No ano de 1900 a Igreja Metodista abriu trabalho
em Santa Maria. O Rev. J. W. Price alugou uma sala na rua
do Comércio, entre a praça do Mercado e a rua Marquês de
Herval.
A Igreja Episcopal já se havia adiantado, porém e
quando a Igreja Metodista chegou todos os elementos
simpáticos ao Evangelho já tinham sido arrebanhados por
aquela igreja que persistiu no seu esforço de proselitismo.
Em fins de 1901 o Rev. J. W. Price recebeu um
pastor ajudante, o jovem António Fatrício Fraga, que em 1902
foi para o Colégio Granbery, de Juiz de Fora, preparar-se
convenientemente para o Santo Ministério, em vista de sua
decidida vocação confirmada nos meses em que auxiliou o
missionário.
50

NELSON DE GODOY COSTA
O pai de César descobriu a sala de cultos da
Igreja Metodista e imediatamente principiou a frequentá-la.
Levou seus filhos. César, seus irmãos menores, suas
irmãzinhas iam muito contentes, porque foram recebidos com
todo o carinho pelo casal, que lhes ensinava cantar os hinos
que pela sua beleza sempre causaram funda impressão na
alma pequenina. Assistiam às reuniões com verdadeiro
prazer; em certos dias da semana distraíam-se em leituras de
livros interessantes e em outros dias entregavam-se a
trabalhos manuais de que gostavam imensamente.
César tinha nove anos. Era um menino forte e
gordinho. Lembra-se com viva emoção da primeira poesia,
seu primeiro recitativozinho na primeira festa de Natal da
Igreja Metodista. Principiou trémulo na frente de toda aquela
gente mas depois sua voz foi se firmando e terminou bem
com sorrisos de aprovação de todo o auditório.
Desceu
vitorioso do palco.
Terminados os recitativos veio a hora dos presentes, a hora melhor para a gurizada. Cada criança atirava
um anzol improvisado sobre uma colcha que cobria parte de
uma porta aos fundos, e dizia seu nome. Chegou a vez de
César. A mãozinha gordinha atirou o anzol, tirou um
cartuchinho de doces e um Novo Testamento pequenino.
Mais tarde a sala de cultos passou para uma casa
na esquina das ruas Duque de Caxias e Coronel Niderauer,
com frente para a praça do Mercado.
Em 1906 o moço António Patrício Fraga tornou
51

PRÍNCIPE DA IGREJA
a Santa Maria como pastor sucedendo a J. W. Price.
Encontrou César com a idade de treze anos assíduo aos
trabalhos, firme na Igreja, sempre entusiasta revelando já o
extraordinário trabalhador que seria mais tarde, que sempre
foi em toda a vida.
A Igreja Episcopal continuava em luta aberta. É o
próprio Rev. António Patrício Fraga, hoje aposentado, depois
de longo ministério, quem nos diz: bastava uma pessoa
principiar a assistir os cultos na Igreja Metodista para se
tornar vítima de tantos convites, acompanhados de tantas
argumentações, que só não "bandeava" se fosse realmente
forte.
César sofreu esses "ataques". Tratando-se de um
menino esperançoso, que em tudo se revelava extraordinário,
os convites multiplicavam-se tornavam-se insistentes,
impertinentes. 0 menino, porém, desde o princípio foi
metodista de verdade.
Enquanto Fraga estava em Juiz de Fora,
estudando, aconteceu na igreja qualquer coisa de que o pai
de César não gostou. Afastou-se do trabalho para nunca mais
frequentá-lo com assiduidade. Hoje César lamenta
profundamente que estando seu pai tão interessado na igreja
e procurando interessar seus filhos e encaminhá-los, não
recebesse uma visita do pastor.
Será isso que leva hoje o primeiro bispo brasileiro
da Igreja Metodista do Brasil a pedir, a insistir, a exigir dos
pastores
metodistas
que
visitem
assiduamente,
cuidadosamente os membros da Igreja e os candidatos à
profissão de fé? Nos seus olhos paira a
52

NELSON DE GODOY COSTA
visão tristonha de seu pai abandonando
tristemente a igreja e pelo pastor abandonado,
criminosamente.
"Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a sua vida
pelas suas ovelhas".
Foi naquela escola dominical dirigida carinhosamente por d. Elisa, a esposa do Rev. J. W. Price, que aos
olhos do menino surgiram os primeiros horizontes do
Metodismo.
BRINCANDO DE FAZER CULTOS
Todas as crianças gostam de brincar e conseguem justamente muitas vezes a brincadeira de sua
predileção. César não se lembra bem como foi, mas o fato é
que uma Biblia veio parar-lhe as mãos. Diante do livro
misterioso perdia-se em cogitações. Procurava lê-lo e
compreender-lhe o mistério. Um dia entendeu que a Biblia
podia ajudá-lo a dirigir culto; foi para o grande depósito de
material de construção que seu pai tinha construído ao lado
da casa. Chamou seus irmãozinhos que o acompanharam
curiosos e com eles formou uma congregação. Subiu a uma
pilha de tábuas e daquele púlpito anunciou os hinos, fêz
oração, proferiu o sermão.
Foi bem sucedido porque seus irmãozinhos
gostaram do brinquedo e repetiu-o muitas vezes. Hoje
gostaria de ser um de seus maninhos naquela congregação,
cantando hinos, ouvindo as orações, escutando os sermões,
naqueles cultinhos de brinquedo da infância tão querida, tão
saudosa e distanciada para nunca mais.
53

PRÍNCIPE DA IGREJA
UM BOM PASTOR
Foi então para Santa Maria um dos ministros que por sua
educação esmerada, sua piedade admirável, seu esforço
invencível mais se erguem no conceito e na admiração de
César Dacorso Filho.
É o Rev. José Leonel Lopes.
Logo que chegou transferiu a sala das reuniões para a rua do
Acampamento. O menino agora levado pela admiração que
votava ao pastor e não só era assíduo aos trabalhos, como
ainda muitas vezes ia à sua residência, uma linda chácara no
Alto da Eira, com ameixeiras que constituíam as delícias do
pequeno visitante.
Não só se deliciava com as ameixas. Serviçal, oferecia-se
para ajudá-lo e o Rev. Leonel Lopes sabendo que êle tinha
letra bonita pedia-lhe que o auxiliasse na transcrição das atas
das Conferências Trimensais.
Foi o único pastor que visitava a família, apesar da frieza
religiosa dos Dacorso. Reunia todos na sala, ensinava-lhes
hinos, orava com todos. César Dacorso Filho agradece a
Deus pela influência que esse pastor exerceu sobre sua vida.
Quando me propus a escrever a biografia de César Dacorso
Filho não pensava que um dia viria a ser pastor de uma
mulher extraordinária. Esta senhora é a viúva do Rev. José
Leonel Lopes. Reside em Piracicaba, minha paróquia. É d.
Jovita de Araújo Lopes uma encantadora anciã pequenina,
magrinha,
54

NELSON DB GODOT COSTA
delicada, já vitoriosa sobre sua vida em setenta e seis anos.
Na primeira visita pastoral que lbe fiz procurei
ouvi-la. Dona Jovita lembra-se com saudades de Santa Maria,
do Rio Grande do Sul. Recorda-se muito do Bispo César. E
guarda carinhosa a glória de ter sido professora de César
Dacorso Filho na Escola Dominical. Diz emocionada: "Era um
menino educado, comportado circunspéto e que sempre sabia
muito bem a lição".
No Concílio Regional, em janeiro de 1953, o Bispo
veio à Piracicaba. Encontrou dona Jovita numa das recepções
do Instituto Piracicabano, à hora da fotografia oficial.
Perguntei-lhe sorrindo: "Conhece-o dona Jovita? Respondeume emocionada: "É o nosso Bispo. O Bispo César foi além.
Emocionado, sorrindo disse: "É minha mãezinha!
Corri, apanhei uma cadeira, coloquei-a na primeira
fila. E entre os grandes da Igreja foi fotografada aquela
mulher extraordinária que tinha sabido ser esposa de um
grande pastor, de um bom pastor, o Bev. José Leonel Lopes.
55

CAPÍTULO SEXTO

APRENDIZ DE TIPÓGRAFO
A situação financeira da família Dacorso voltou a tornar-se
difícil, novamente, e o menino não pôde continuar na Escola
Complementar por mais de um ano. Principiou a trabalhar
numa tipografia que publicava "0 Combatente" jornal antigo
em Santa Maria, dirigido então por Oto Brinckman e redigido
por João Belém, escritor de nome no Sul, autor da História do
município de Santa Maria.
O menino trabalhava com gosto e por isso mesmo trabalhava
bastante. Era natural que esperasse receber alguma coisa no
fim do mês. Veio o fim do mês. Nada recebeu.
No mês seguinte trabalhou mais ainda. E, ainda o diretor
aumentou-lhe a carga, dando-lhe a entrega do jornal numa
parte da cidade. Ainda mais: tiveram de mudar a tipografia
para um prédio pouco a cima na rua do Comércio e o menino
quase se matou de
56

NELSON DE GODOY COSTA
tanto carregar caixas vazias c caixas cheias de tipos.
No fim do mês recebeu um ordenado fabuloso:
dez cruzeiros!

UM MENINO RESOLVE MUDAR DE VIDA
Era muito pouco dinheiro para tanto trabalho. Era
muito desaforo também. O menino resolveu voltar para o
comércio. Desde que não podia ser intelectual no jornalismo
seria comerciante. . .. Empregou-se, sentindo a injustiça e o
"tubaronismo" do diretor do jornal. Foi trabalhar na casa de
secos e molhados de Arnaldo Ferreira da Silva, natural da
Candelária, estabelecido entre as ruas Duque de Caxias c do
Comércio, hoje Dr. Bozano.
No balcão, às vezes César lembrava-se da
tipografia do "Combatente". Lembrava-se por exemplo
daquele fato que até hoje não explica. Foi assim: Certo dia o
dono da tipografia mandou-o lavar uns quadros, juntamente
com o companheiro de trabalho, um menino chamado Nobre.
César estava aborrecido e em dado momento, meio irritado
disse a Nobre: "tomara que esses vidros se quebrassem!"
Pois não é que ao colocar um vidro com todo o cuidado sobre
uma pedra, o vidro quebrou-se de alto a baixo!
0 fato testemunhado por outros companheiros
causou funda impressão. Causou funda impressão também a
zanga do patrão. Ficou furioso por causa de um simples vidro!
Ficou como louco!
57

PRÍNCIPE DA IGREJA
Pudera! O coitado entrou marcado neste mundo. Cabeça
enorme, barriga de mono, pernas pequeníssimas,
ressequidas, pés torcidos, pelo que usava muletas. Usava
cavanhaque e o linguajar era sujo e vulgar. Nada porém,
importava a César. Esses sofrimentos iam robustecendo a
alma do menino, preparando-o para vencer sofrimentos
maiores, mesmo no episcopado, do menino que aprendeu
depressa todo o trabalho da tipografia, que o executou
prontamente, com honestidade. E que jamais tirou, jamais
furtou sequer um tipo.
Em meio aos trabalhos do balcão lembrava-se também do "O
Bicho". "O Bicho" era um jornalzinho que tentou publicar com
o auxílio de Luiz Fernandes Calage, quando estudante da
escola complementar. O Luiz tinha meio quilo de tipos
imprestáveis, distribuídos em caixas de fósforos pregadas
numa tábua. 0 prelo feito na casa de César eram duas tábuas
ligadas por dobradiças. Um amigo deu-lhes tinta sobrada de
umas latas jogadas no lixo.
Quando ganhavam um níquel iam correndo comprar papel e
imprimiam o jornal. Chegaram ao heroísmo de ter clichés de
pau. O jornalzinho chegou a sair umas dez vezes. Foi uma
vitória! Depois, coitado, faliu. Mas faliu por falta de
assinaturas e de leitores. Não foi por outra coisa!
Hoje César gostaria de possuir a coleção desse jornalzinho
para se deliciar com o que, quase redator exclusivo,
publicava. Um artigo que escreveu e que
58

NELSON DE GODOY COSTA
naquele tempo causou viva admiração ao seu companheiro
de imprensa, o Lizoca, Luiz Fernandes Calage, lembra-se
muito bem, foi sobre a Liberdade.
----- 0O0 ---Quase todo o ano de 1905 César passou como caixeiro de
Arnaldo Ferreira no velhissimo sobrado da esquina da rua
Duque de Caxias com a rua Dr. Bozano, naquele tempo, rua
do Comércio.
Era seu companheiro de serviço um rapaz chamado João,
filho de um alemão, Henrique Pauster, rapaz que frequentava
os cultos e chegou a ser membro da Igreja Metodista, ao
tempo do Rev. J. W. Price. Muito mais velho que César
deveria ser um bom exemplo para o menino; infelizmente não
o foi antes o prejudicou bastante. César levou para o
episcopado a lição de que maus membros de igrejas, crentes
péssimos há em todas as paróquias. Tinha aprendido em
menino a lição. A esses crentes o Bispo tratou com
paternidade, mas com energia verdadeira. Cânones com essa
gente 1
O novo caixeirinho passou a dormir num armazém contíguo à
loja, em cima de uma armação de madeira, perto de onde
dormia o companheiro de balcão. João saía todas as noites.
Fechava o armazém por fora e o pobre menino ficava
trancado lá dentro das oito horas em diante, nunca vendo
quando o moço chegava, muito tarde, naturalmente. Aos
domingos César tinha folga e ia para casa de seus pais.
59

PRÍNCIPE DA IGREJA
No serviço levantava-se muito cedo, quando ainda era
escuro, ia à casa do patrão buscar a chave da loja. O patrão
morava a uns duzentos melros, na praça dos Protestantes.
César voltava, abria a loja, uma mistura de armarinhos e
secos e molhados, varia e espanava-a muito bem. Depois que
o patrão chegava e que o João ia tomar café, por último ia o
menino. Na casa do patrão tomava as refeições.
Na loja arrumava as mercadorias, picava fumo para o patrão,
servia-o com chimarrão, entregava as compras e entregandoas punha-se em longas caminhadas sob uma soalheira
incrível com uma arroba de açúcar às costas, ou um embrulho
enorme de fazendas docndo-lhe os braços.
Nesse tempo nada estudou. Trabalhava desde a madrugada
até altas horas da noite, sem descanso de um momento.
Depois caía vencido de sono. Era vergonhosamente
explorado. Seu patrão pagava-lhe apenas dez cruzeiros por
mês!
Foi nesse tempo que principiou colecionar selos; seu
companheiro também colecionava. Reunindo aqueles
primeiros selos, guardando-os com cuidado o menino já
pensava numa grande coleção. Hoje possui-na.
As injustiças do patrão, o mau exemplo do companheiro, as
desonestidades do comércio testemunhadas a todo o instante
não macularam, felizmente, o pequenino coração que se abria
para o grande sol da vida.
60

NELSON DE GODOY COSTA
Tinha, é verdade, deixado um pouco a religião. Quase não ia
à igreja. Certo dia porém, encontrando o Rev. José Leonel
Lopes a poria do correio, corou, ficou envergonhado. Por
quê?
É que em sua alma pequenina havia acenos insistentes para
o bem contra o qual o mal não poderia.
Dedicado ao serviço, não abandonava a loja. Só uma vez saiu
para ir à casa; foi ver um irmão que se havia queimado.
Um dia absorto no trabalho esqueceu-se de que estava no
alto de uma escada encoslada à prateleira. Perdeu o
equilíbrio, rodopiou, foi ao chão. Não se machucou mas
causou um susto em toda a freguesia.
0O0
Certa manhã varria a loja quando se deu formidável estrondo
no fundo da casa. César assustou-se, correu para dentro a
ver o que era, procurou por toda a parte e não achou nada.
Que teria sido? Depois de muito tempo descobriu. Era um
garrafão cheio de melado até a boca, muito bem arrolhado. O
melado azedou e estourou. O patrão era doido por melado,
mas miserável, esquecia-se de que os outros gostavam
também e nunca lhes oferecia. O garrafão estourou, o melado
entornou e o menino sorriu deliciado.
Depois de algum tempo César achou que era desaforo ficar
trancado á chave no armazém, enquanto seu companheiro
gozava plena liberdade lá fora até
61

PRÍNCIPE DA IGREJA
quando queria. Arranjou uma chave em casa. Mas a chave
não servia na fechadura. Por azar deixou-a em cima da cama,
na armação onde dormia. 0 patrão foi ali deitar-se para a
sesta, segundo seu costume, e encontrou a chave. Chamou o
menino e principiou a interrogá-lo: "de quem era aquela
chave, quem tinha trazido-a ali, por que estava em cima da
cama." Um longo interrogatório por uma coisa pequenina,
sem importância. César a princípio achou ser desaforo e quis
negar, mas lembrou-se de que era homem. Respondeu firme:
"a chave é minha e trouxe-a de casa."
Até hoje não sabe se o patrão desconfiou que a chave fora
arranjada com o propósito gorado de entrar na loja bem tarde
da noite, como se o menino fosse um homem...
0O0
César nunca pôde guardar lembranças agradáveis de seu
companheiro de trabalho, que procurava tudo para aborrecêlo. Sempre estava a esquentar a cabeça de César. Num dia
em que o menino estava picando fumo para o patrão,
aborrecido pela natureza do serviço que não gostava de
fazer, o João principiou a aborrecê-lo. Esquenta e mais
esquenta-lhe a cabeça, César que estava com um facão
ameaçou de cortar-lhe o dedo que o João apontava-lhe
provocando-o. Quando César dava-lhe o golpe o outro
encolhia o dedo. Mas chegou a vez do menino acertar e o
dedo ficou pendurado. Quando César viu o sangue
62

NELSON DE GODOY COSTA
esguichando ficou tranzido de dor e de susto. O
companheiro, porém, foi honesto. Reconheceu que a culpa
era dele mesmo e de mais ninguém. Serviu-lhe a lição:
provocar a ira aos outros nunca dá bom resultado.
o0o
Um fato que causou funda impressão na alma do
menino foi a fuga de seus dois amiguinhos, Luiz Fernandes
Calage e José Borba. Os garotos foram para Porto Alegre,
procurando alcançar o Rio de Janeiro. Queriam conhecer o
mundo. César lembrando-se das vezes em que, juntos
sonhavam com a conquista do mundo, sentiu deveras não ter
ido junto com eles na aventura. Poucos dias depois tudo foi
por água a baixo. Os dois sonhadores regressaram
acompanhados de investigadores policiais.
Inspirado por esse acontecimento, um verdadeiro
acontecimento na vida do menino, César escreveu o seu
primeiro artigo. Quantos depois daquele iria escrever nunca o
soube, e quantos escreveu. Uma coisa sabe, porém: lamentar
o desaparecimento daquele primeiro artiguinho que êle
mesmo reputava, êle mesmo, uma grande peça literária.
Já então andava calçado. Seus sapatos eram de
lona como os atuais chinelos de "roda". Tinha vontade imensa
de ter um terninho, uma "fatiota" como se diz no Sul, de certa
fazenda que morava nas prateleiras da loja.
Nunca
entretanto, conseguiu bas-
63

PRÍNCIPE DA IGREJA
tante dinheiro para isso e o miserável do patrão jamais
pensou em dar-lhe um terninho de presente.
0O0
Mistérios do coração de uma criança... Havia uma
menina vizinha. Era linda e chamava-se Felicidade. Às vezes
passava pela porta da loja. E, então o menino ficava todo
refestelado, todo contente, porque gostava muito dela.
Passava, ia embora e os olhos dele a acompanhavam até
sumir na esquina ou entrar em casa. Sabia que a queria mas
nunca soube se algum dia foi querido...
■0O0
O velho Henrique, pai do companheiro de balcão,
todas as manhãs vinha ao armazém, e sem mais nem menos,
dirigia-se ao barril de pinga, enchia um copito e o entornava
na garganta. Nunca perguntou a César quanto custava ou
quanto tinha de pagar, e aquilo intrigava muito ao menino. Por
que faria? Pensaria ter direito pelo fato do filho ser caixeiro,
ou abusava de César ser um garoto, ou o dono tinha dado
licença o que era difícil, aquele miserável, de quem um dia o
garrafão de melado estourou, derramou...
A primeira vêz que César viu elefantes foi na
chegada de um circo de cavalinhos. Ficaram "hospedados"
numa estrebaria abandonada na casa do velho Henrique, e
no domingo cedo o João veio
64

NELSON DE GODOY COSTA
chamá-lo para ver os bichos. Estava todo importante
com o convite. Pudera! eram seus hóspedes...
Paulo, o irmão mais velho de César estava colocado
como telegrafista e escriturário na Viação Férrea do
Rio Grande do Sul, trabalhando no escritório do chefe
do Tráfego. Conseguiu que César fosse admitido
como praticante de telegrafista e escriturário ao
mesmo tempo.
Contentíssimo o caixeirinho deixou imediatamente a
loja do Arnaldo, sem lhe dar qualquer satisfação,
mesmo porque o patrão estava viajando naquele dia.
Seu pai é que depois foi delicadamente apresentar
desculpas e ajustar as contas.
Quando chegou à casa não trazia de todos os
trabalhos e canseiras, das humilhações e desapontamentos, não trazia mais do que sete cruzeiros sujos
e magros.
65

CAPÍTULO SÉTIMO

NA VIAÇÃO FÉRREA DO RIO GRANDE DO
SUL
No dia dois de dezembro de 1906 o excaixeirinho do armazém do Arnaldo foi admitido como
praticante de telegrafia.
Ficou trabalhando no escritório do chefe do
Tráfego, onde havia um aparelho para o chefe, para o
sub-chefe e para o inspetor da Primeira Seção.
Aproveitando a oportunidade de estar num escritório
de responsabilidade, o menino sedento de saber foi se
enfronhando nas horas vagas dos serviços de escrita
e outros que ali se faziam.
No dia 1.° de agosto foi promovido a
telegrafista. Praticou telegrafia quanto pôde, mas aos
poucos foi deixando, pois era chamado para cuidar do
ponto do pessoal do tráfego, da expedição da
correspondência,
66

NELSON DE GODOY COSTA
da correção dos horários dos trens, do diagrama dos
trens que corriam diariamente, do cálculo da quilometragem vencida pelos comboios, das folhas de
pagamento e do arquivo por êle mesmo organizado.
O chefe do Tráfego era um alemão de poucos amigos.
Inspirava repulsa e medo ao jovem funcionário que
sempre evitava atender-lhe a campainha. O sub-chefe
era um gaúcho distintíssimo que, principiando a
carreira como simples contínuo conseguiu pelo seu
valor ir subindo a telegrafista, conferente, agente,
inspetor. Chamava-se Alfredo Leopoldo d'Ávila. O
Inspetor da primeira seção era o Dr. Otacílio Pereira,
glória da engenharia gaúcha, hoje chefe da Viação
Férrea.
No escritório o menino de 16 anos trabalhava com
prazer. No fim do segundo mês recebeu seu
ordenadozinho de praticante; trinta e cinco cruzeiros.
Caprichava na letra. Tem-na muito bonita. Procurava
ter tudo em ordem. Na alegria do trabalho chegou a
fazer serão por conta própria. Seguidamente ficava
além das horas de serviço regular para atender, com
satisfação, os chefes. Organizou um arquivo que mereceu elogios fartos dos superiores. 0 papel solicitado,
qualquer que fosse, onde quer que se encontrasse, de
qualquer data, era-lhes em poucos momentos posto às
mãos.
Seu mano Paulo, companheiro de escritório,
esmerava-se também no cuidado para com as
obrigações.
67

PRÍNCIPE DA IGREJA
Seu salário foi melhorando aos poucos, até
que, quando deixou a Viação Férrea, já estava recebendo cento e setenta e cinco cruzeiros, que, com as
gratificações, era maior do que o de muitos
escriturários e agentes de estação.
César não pode deixar de estremecer ao
lembrar-se, ainda hoje, que quase foi causador de um
encontro de trens. Foi assim: os comboios corriam
entre as estações de Couto e Rio Pardo e o jovem
tinha transmitido um telegrama em que a palavra loc
(locomotiva) aparecia diversas vezes, sempre seguida
de números. A linha estava muito ruim e o telegrafista
que recebia o telegrama a todo o momento
interrompia, pedindo confirmação. Repete que repete
César saltou uma linha produzindo a confusão. Mais
tarde viu a fita do aparelho de Rio Pardo enviada para
exame. Sua falta era grande, realmente quase um
crime. Sentia que não tinha desculpas embora
soubesse que poderia ter acontecido com qualquer
telegrafista, mesmo o mais cuidadoso.
Sabia igualmente que era melhor
escriturário do que telegrafista, ou pelo menos que
gostava mais daquele serviço embora fosse bom
telegrafista e seu exame para promoção tivesse como
assistente o próprio sub-chefe.
Outro fato de que o jovem de Santa Maria
não se esquece foi o seguinte: num dia de chuva não
foi almoçar em casa, que era longe. Ficou no
escritório, e como fazia muito frio, resolveu encher a
estufa de
68

NELSON DE GODOY COSTA
carvão de pedra para aquecer o escritório. Certamente
seus chefes ficariam contentes com o espirito serviçal
do auxiliar. Foi pondo carvão, foi enchendo, e mais e
mais até que quando percebeu a chaminé já estava
rubra e das tábuas do forro saia fumaça. Não teve
outra alternativa senão gritar pedindo socorro.
Acudiram em tempo e evitaram que o escritório pegasse fogo. Foi um susto bem grande.
AFINAL ESCRITURÁRIO
Em 1.° de julho de 1909 foi nomeado escriturário do
Serviço Central do Tráfego. Tinha 18 anos. O tempo
em que passou na Viação foi um dos mais decisivos
em sua vida.
O escritório em que trabalhava ficava nas proximidades da estação da estrada de ferro e o jovem
escriturário morava do outro lado da cidade. Para
atender ao trabalho caminhava cerca de oito mil
metros por dia em duas idas e voltas.
Quem conhece o inverno sulino, o frio, a lama, ou
quem conhece o calor esturricante do verão comprenderá facilmente o sacrifício que essas caminhadas
representavam.
César fazia contudo essas verdadeiras jornadas com
alegria na alma. Estava firmando-se nas cordas da
Vida. Tinham ficado para atrás as horas esta-fantes de
simples caixeirinho de balcão. Não! Êle sentia que
sua vida não seria a de um apagado
69

PRÍNCIPE DA IGREJA
caixeirinho de balcão. Não teria mais a companhia
prejudicial de um mau companheiro, de um moço mais
velho que ele, e, que apesar de pertencer a uma igreja
evangélica lhe dava maus conselhos e maus
exemplos. Não viveria a vida toda subordinado a um
patrão miserável que só pensava em si e que não
tinha uma palavra de estímulo ou de agradecimento
para com aqueles que se matavam para que êle se
enriquecesse. Foi essa a impressão robustecida provada pela expressão lida no rosto de seu pai ao
chegar à casa naquela tarde trazendo depois de tantas
canseiras, tantos trabalhos e tantas humilhações
aqueles sete cruzeiros sujos e magros.
Não, não seria assim! A Viação Férrea era um passo a
mais. E seus pés se estenderiam, alcançariam
maiores distâncias, erguer-se-iam, atingiriam alturas
maiores.
Atirou-se novamente aos estudos. Estudar sempre foi
o seu grande sonho; estudar, conhecer, saber, sim,
saber muito! Principiou a frequentar as aulas noturnas
dadas pelo vice-cônsul italiano, Ancarani; depois
passou para a escola do professor Cícero Barreto, à
rua Dr. Bozano. Mais tarde tomou lições com o Bev.
António Patrício Fraga, pastor da Igreja Metodista a
esse tempo. Havia um missionário adventista, muito
bom, Dr. Gregory. 0 moço fez amizade com êle,
ganhou-lhe o coração, e principiou a estudar inglês.
Esses estudos que eram seu prazer e suas mais
70

NELSON DE GODOY COSTA
caras esperanças exigiam-lhe sacrifícios; êle porém os
faria, faria ainda maiores se fosse preciso. Que era
andar ainda mais seis quilómetros todos os dias e ir
para a casa jantar às nove horas da noite e depois
continuar sobre os livros até altas horas?
Principiou a guardar algumas economias de seu
pequeno salário e com elas comprava livros, histórias,
romances, gramáticas; leu toda a coleção de Samuel
Smiles. O primeiro romance que leu foi "O Moço
Loiro". Leu muitos livros de Alexandre Herculano e de
toda a literatura portuguesa.
Livros vinham dia a dia enriquecendo sua pobre
prateleira. A princípio guardava-os em casa. Depois
conseguiu, com seu mano Paulo, muito seu amigo
sempre, alugar um quarto no centro da cidade. O
inverno era rigoroso e as caminhadas penosas para o
serviço. O quarto não tinha luz elétrica. Um lampião de
querosene barato iluminava o moço e o livro.
NOVOS E BONS AMIGOS
Fêz novas amizades', ganhou novos e bons amigos.
Um deles era um moço chamado Oswaldo Nascimento
seu vizinho; entre o filho do construtor e o filho do
quitandeiro alicerçou-se uma amizade bonita,
fortalecida pela mesma predileção pelos livros, a
mesma vontade imperiosa de saber. Outra e talvez
mais bela afinidade ligou-o a dois irmãos, João e
Efraim Salém. Foi a afinidade espiritual que prendeu
em suas forças benditas os três rapazes crentes, sin-
71

PRÍNCIPE DA IGREJA
ceros e piedosos e César Dacorso Filho hendiz até
hoje essa amizade que lhe foi bem extraordinário na fixação de seu caráter cristão.
Eram uma companhia agradável com quem César
gostava de andar, a quem gostava de visitar e de
quem gostava de ser visitado.
Económico, muito económico desde menino, principiou
a depositar na Caixa Económica algumas economias.
Com alegrias cantando dentro da alma começou a
ajudar seus pais; ajudou sua irmã que ia casar-se e
ainda sobraram-lhe cruzeiros que a êle mesmo, mais
tarde o ajudaram muito, muito mesmo.
A GRANDE DECISÃO
Chegou afinal a grande decisão. Jovem sensato,
trabalhador, fitando a Vida como quem realmente
conhece nela o seu sentido de extraordinária
divindade inspirada pelo próprio Autor, César ouviu o
chamado transcedental da vocação. Atendeu-o pronta
e resolutamente. A voz chamava-o para o Ministério
Santo da pregação do Evangelho e da administração
da Igreja de Cristo na terra.
César seria pastor.
Em outro capitulo falaremos demoradamente de sua
conversão. Atenderemos ao desejo natural de nossos
amáveis leitores em saber da conversão do primeiro
Bispo brasileiro da Igreja Metodista do Brasil.
72

NELSON DE GODOY COSTA
Em 18 de setembro de 1910 pediu demissão da
Viação Férrea do Rio Grande do Sul. Ia matricular-se
como candidato ao Santo Ministério no Colégio União,
de Uruguaiana, no mesmo Rio Grande do Sul.
Continuava estudando inglês agora com o Rev. James
Terrell, missionário em Santa Maria.
Tinha conquistado na Viação Férrea e na cidade, entre
homens de valor, um grande círculo de amizades.
Quando foi apresentar suas despedidas recebeu dos
chefes o seguinte certificado: "Certifico que o Sr.
César Dacorso Filho foi admitido na Viação Férrea do
Rio Grande do Sul, na qualidade de praticante de
telegrafia, em 2 de dezembro de 1906; promovido a
telegrafista em 1.° de agosto de 1907 e nomeado em
1.° de julho de 1909, escriturário do Serviço Central do
Tráfego, cargo que ocupou até a presente data em
que lhe é concedida exoneração a seu pedido.
"É grato consignar que demonstrou sempre ati-vidade,
inteligência e zelo no cumprimento dos serviços que
lhe foram confiados, merecendo por tais predicados os
louvores e a confiança de seus superiores.
Santa Maria, 18 de setembro de 1910. O chefe do
Tráfego, M. Renaduce Visto. O diretor interino, F.
von Rock Hoje, como seus superiores outrora, superior
na hierarquia eclesiástica, César Dacorso Filho
pode exigir dos superintendentes distritais e dos
pastores zelo no cumprimento do pastorado. Êle dá
o exemplo. Escrevia em 25 de abril de 1941: "...
continuo sob
73

pressão tremenda de trabalho. Diariamente das 6,30
da manhã até alta noite me entrego ao esforço de melhorar a administração, a organização, a espiritualidade da Igreja por meio de cartas circulares e outros
trabalhos. Estou cansado".
Em outra ocasião escreveu: "O episcopado vai se
tornando cada vez coisa mais trabalhosa e
absorvente. Agora estou trabalhando sem cessar das
5,30 da manhã às onze da noite para dar conta de
minhas obrigações. Eu mesmo me admiro como posso
aguentar tanta coisa".
Pode exigir! Porque, quando subordinado, ofereceu
aos seus superiores exemplo admirável no
cumprimento do dever.
PENSA INICIAR-SE EM POLÍTICA...
... O CORAÇÃO ENSAIA ALGUNS PASSOS...
Ao tempo de seu trabalho na Viação Férrea principiou
a tomar interesse pela política. Seu entusiasmo
cresceu quando chegou a campanha para a
presidência da República ferida entre Rui Barbosa e o
Marechal Hermes da Fonseca. O jovem de 18 anos
abraçou calorosamente a causa de Rui. Fez extraordinária propaganda, conseguiu qualificar vários eleitores para a Águia de Haia.
Dezoito anos. O coração ensaia alguns passos. ..
Teriam sido os primeiros? E aquela menininha bonitinha que passava pela frente do armazém do
Arnaldo?... Mas... seriam naquele tempo os primeiros
passos...
74

NELSON DE GODOY COSTA
Agora o coração tinha mesmo despertado e César
gostou, gostou com simplicidade, mas gostou
verdadeiramente de uma jovem bonita chamada
Francisca e conhecida entre os íntimos pelo seu
apelido, Chiquinha. Crente, piedosa e simples,
Chiquinha exerceu notável influência na vida espiritual
de funcionário da Viação Férrea. Colaborou
eficazmente no melhoramento de sua vida espiritual,
nas atividades da Igreja Metodista, na sua profissão de
fé. Tudo iria para adiante naquela amizade bonita;
acontece porém, que os pais da jovem residiam em
Porto Alegre c ela voltou para a capital sul
riograndense, e embora muitos cantem naquele hino
que "a distância não apaga o amor" a verdade é que o
amor apagou-se na distância. A jovem esqueceu-se do
moço de Santa Maria e substituiu-o por um moço de
Porto Alegre.
Por que fêz isso? Não era ela quem lhe passava
bilhetinhos apaixonados quando César a cumprimentava ou se despedia dela nos encontros rápidos e
medrosos, bilhetinhos que falavam de um amor que
nunca haveria de morrer?
Às vezes o moço passava pela residência da menina e
procurava falar-lhe. Multiplicaram-se os encontros à
porta da casa da moça e uma vêz foram
surpreendidos pelo Rev. António Patrício Fraga e
esposa, de quem a jovem era irmã e cunhada. Surpreenderam os pombinhos mas não lhes disseram
coisa alguma. Por que dizer? O amor não é uma coisa
tão boa e namorar não é tão gostoso?
75

PRÍNCIPE DA IGREJA
Essa foi a ingrata que o deixou pelo moço da capital.
O coração humano é eternamente um mistério
indecifrável. César, esquecido pela jovem de Porto
Alegre, procurou outro amor. Era uma cunhadinha do
mesmo Rev. António Patrício Fraga. As coisas principiaram bem, foram melhorando, melhorando mais;
melhoraram ainda mais e quando de tão bem já iam
em noivado, a cunhadinha do reverendo despediu-o.
Coração eternamente indecifrável! em frente ao
escritório onde o escriturário trabalhava havia uma
linda jovem que nutria verdadeira paixão por êle.
César bem queria correspondcr-lhe o afeio. Como
porém, se eslava comprometido com a oulra, a oulra
que o despediu...
76

CAPÍTULO OITAVO
A CONVERSÃO DE CÉSAR DACORSO FILHO
Penetremos mais a vida religiosa da família Dacorso,
os pais e irmãos de César Dacorso Filho. Seu pai,
chefe e responsável pela família era católico
liberalíssimo, desgostoso de padres e da Igreja. Não
frequentava a Igreja, não confessava, não comungava.
Batizava os filhos, acreditando cumprir um dever religioso e com eles acompanhava algumas vezes uma
ou outra procissão.
Lia muito Cavour, Mazzini e outros semi--adversários
do Catolicismo, e por isso tinha regular conhecimento
da História do Romanismo. Não conhecia a Bíblia.
Somente veio a conhecê-la muitos anos mais tarde,
quando o filho convertido lhe fêz presente de uma.
Prontamente principiou a lê-la e formou o hábito de lêla todos os domingos de manhã. E, imediatamente o
livro miraculoso realizou um milagre:
o homem
deixou o costume arraigado de
77

PRÍNCIPE DA IGREJA
trabalhar aos domingos. Aprendeu a guardar o dia
do Senhor.
Seu caráter moral era altamente cristão. Dificilmente
se encontra homem de tanta honestidade, tanto amor
ao trabalho, e de tão acentuada moral cristã. Não
bebia ou pelo menos seu filho nunca o viu embriagado
ou soube que tinha tomado bebida alcoólica.
Não jogava, não tinha companhias censuráveis, não
passava as noites fora de sua casa. Muitas vezes o
filho ouviu-o declarar sua repulsa e condenação feitas
em relação aos deslizes de outros.
Os Dacorso haviam residido junto ao templo luterano,
de cujo pastor seu pai era amicíssimo. É possível que
dessa amizade alguma coisa benéfica resultasse para
o chefe e para a família. Os pastores sempre são
pastores.
Na família Dacorso não havia propriamente a prática
da religião, nem sequer possuíam quadros com
imagens.
Mais ou menos pelo ano de 1900 apareceu na cidade,
num salão alugado, à rua do Comércio, hoje Dr.
Bozano, um trabalho da Igreja Episcopal. O pastor era
um missionário, homem de bondade imensa e
chamava-se William Morris. As pregações acompanhadas ou precedidas pelos comentários a respeito
da bondade do evangelista causaram sensação na
cidade. César Dacorso levado pela curiosidade foi ver
o que era e levou os filhos; encaminhou os filhos,
78

NELSON DE GODOY COSTA
porque apreciou imensamente, mas êle mesmo nunca
frequentou com assiduidade.
Foi assim que o menino teve o primeiro con-tato com o
Evangelho. Principiou a ir à Escola Dominical. Recebia
cartões ilustrados com lindas figurinhas e colecionavaos. Gostava imensamente da Escola Dominical; aos
cultos da noite, porém, não ia.
Aconteceu infelizmente e exatamente na Escola
Dominical um fato sem importância, mas que foi bastante para que César Dacorso proibisse os filhos de
irem ao templo. Alguém furtou uma bolsa com dinheiro
a uma aluna da Escola; proibiu-os para evitar que um
dia fossem lambem acusados o (pie não admitia nem
de leve.
Proibidas as crianças, César perdeu o contato com a
Igreja.
Mais tarde e também numa sala alugada, apareceu na
mesma rua o trabalho evangélico pela Igreja
Metodista, tendo como pastor o Rev. J. W. Price. As
pregações feitas com simplicidade e unção conquistaram a simpatia de César Dacorso, que principiou a
assisti-las com assiduidade por algum tempo. Ainda
dessa vez afastou-se e afastou-se para sempre.
Nunca mais César o viu em uma igreja evangélica,
senão anos depois para ouvir as pregações do filho,
pastor, em Juiz de Fora ou em Belo Horizonte, a
capital do Estado de Minas Gerais, de que Juiz de
Fora é a principal cidade.
79

PRÍNCIPE DA IGREJA
A senhora sua mãe era católica. Durante algum tempo
manifestou
certas
tendências
espíritas.
Não
costumava ir ao templo. Seu filho não sabe de uma só
vez a que ela tivesse ido à missa comum. Da missa do
galo, porém, gostava e ia com os filhos mais velhos e
com algumas vizinhas. Mandava também dizer missa
pelos parentes falecidos, mas não ia ouvi-las. Não
acompanhava procissões, não ia a festas religiosas.
Este é um fenómeno a que nós poderíamos dizer
comum no Catolicismo brasileiro. Quando se pergunta
a alguém qual a sua religião, geralmente responde ser
católico. É católico, entretanto, que não vai à missa,
não confessa, não comunga, não gosta de padres.
Quer ser contudo alguma coisa, quer ter uma religião
para andar bem com Deus e contenta-se em
responder, em dizer que é católico.
Outros sofrem a falta de instrução religiosa. A Igreja
Católica não se interessa na educação religiosa do
povo e a Igreja Evangélica ainda não estendeu por
todo o Brasil seus centros de irradiação cristã. Combatida pela Igreja de Roma, impedida em muitas de
suas iniciativas, está lutando terrivelmente para propagar o Evangelho redentor de Cristo ao brasileiro.
A senhora mãe de César Dacorso Filho só veio a
conhecer um templo evangélico em idade avançada e
quando seu filho era pastor. Não chegou, entretanto a
fazer sua profissão de fé.
Seus irmãos dispersaram-se da Escola Dominical e
nunca mais se interesaram-se pelo Evangelho
80

NELSON DE GODOY COSTA
à exceção de sua mana Alice que nutre acentuadas
simpatias pelo serviço do Exército de Salvação. O
irmão mais velho, seu companheiro de infância, Paulo,
muito seu amigo, levado pela gratidão aos padres que
sempre o ajudaram muito nos estudos, sempre foi
favorável ao catolicismo, mas é tão católico como
qualquer outro menos católico. Outro irmão abraçou o
Espiritismo. Os demais membros da família são
indiferentes.
CÉSAR
César perseverou na sala metodista, assíduo e fiel.
Naquele recanto de paz e de inspiração para os seus
sonhos juvenis recebia atenção carinhosa do pastor,
Rev. J. W. Price e os cuidados de sua esposa d. Elisa,
sempre solícita e atenta aos interesses dos meninos.
Principiou a tomar parte nos programas e ajudar nos
trabalhos da Igreja. O lugar de culto mudou-se para a
praça do Mercado, depois para a rua do
Acampamento e depois para a rua Venâncio Aires. O
menino acompanhou a casa de oração sempre com
alegria e bem disposto.
Ao Rev. J. W. Price sucederam os Revs. José Leonel
Lopes, António Patrício Fraga, Frederico Martins. A
todos esses pastores César prestou decidida
cooperação e fidelidade. É possível que o menino sem
o lar para ajudá-lo tivesse um ou outro momento de
hesitação, mas se os houve não chegaram a influir em
seus propósitos.
81

Nesse tempo leu quase toda a Bíblia, sem, entretanto
compreender o que ela queria dizer-lhe. Além da
Escola Dominical principiou a assistir com prazer os
cultos. Começou também adquirir na Casa
Publicadora Metodista livros que lia com verdadeira
satisfação.
Jovens distintos da Igreja acercaram-se do jovem
ardoroso; ofereceram-lhe a amizade despre-tenciosa,
pura dos moços crentes e a amizade desses jovens
auxiliou grandemente a César em firmar-se na vida
religiosa. Foi convidado a participar da Liga Epworth,
hoje Sociedade Metodista de Jovens, nela trabalhou
com entusiasmo.
Outra bênção para o calor religioso do jovem foi o
conhecimento de grandes homens da Igreja. Conheceu
pessoalmente
homens
profundamente
piedosos que infundiram, que causaram em sua alma
de adolescente profunda e inapagável impressão.
Entre esses varões piedosos contavam-se os Revs.
Eduardo Mena Barreto Jaime, Cassiano Monteiro,
Eduardo Joiner.
Na Liga Epworth principiou dirigir cultos. Sua alma
vibrava nesses momentos de exercício espiritual.
Resolveu, ante as reações admiráveis sobre sua vida
espiritual, ampliar o campo das experiências religiosas
através do serviço. Principiou pregar por conta própria
nalguns bairros de Santa Maria. Era sua querida
cidade a primeira a ser evangelizada pelo adolescente
convertido; sua Santa Maria.
Num dia afinal, dia imensamente feliz para o seu
coração, para toda sua vida, entregou-se definitivamente à Igreja de Cristo. Recebeu-o por batismo
82

e profissão de fé o Rev. António Patrício Fraga. Tomou
essa resolução felicíssima sem consultar pessoa
alguma; consultou seu Deus e Deus lhe disse que faria
bem em professar sua fé em Jesus como seu salvador
pessoal. Tinha dezesseis anos.
Em 1908 foi à capital do Estado sulino assistir à
Conferência Anual. Hospedou-se na residência do
Rev. Claud Livingstone Smith, hoje falecido e naquele
tempo ainda solteiro. Os trabalhos conferenciais foram
um deslumbramento para o jovem e ardoroso
metodista. Acompanhava empolgado a atuação dos
líderes, principalmente o trabalho dos bispos.
Sonharia em ser Rispo algum dia?
Naqueles dias que imprimiram tão fundas marcas em
sua alma conheceu também os pais do Rev. Adolfo
Melchior TJngaretti.
Regressou a Santa Maria verdadeiramente empolgado, extraordinariamente impressionado pelos trabalhos da Igreja Metodista.
Desenvolvendo cada dia mais suas atividades no
serviço do Reino, foi professor da Escola Dominical,
superintendente, membro da Junta de Ecônomos,
presidente da Liga Epworth, depositário. Aceitou com
alegria e desincumbiu-se admiravelmente de todos os
cargos que lhe confiaram.
CHAMADO PARA O MINISTÉRIO
César Dacorso Filho amava entranhadamente a Igreja
Metodista. Nela cresceu e acompanhou-lhe, amoroso,
o crescimento em sua cidade natal. Cresceu
83

PBÍNCIPE DA IGREJA
também dentro da vida eterna. Aceitou com o coração
exultante os cargos todos que lhe confiaram e neles
pôs a sua alma para o perfeito cumprimento.
Depois seus olhos sempre sedentos de maiores
alturas no serviço do Reino de Cristo no coração dos
homens dilataram-se mais para a frente, atingiram
maiores alturas. César dirigiu seus olhares para onde
seu coração estava olhando; e seu coração estava
olhando para o Ministério Santo.
Nesse ideal recebeu as primeiras influências do Rev.
J. W. Price, o missionário bondoso de quem nunca se
esqueceu. Ajudou-o na resolução final o Rev. António
Patrício Fraga.
César Dacorso Filho seria ministro do Evan-gelho,
dentro da Igreja Metodista. Tinha encontrado seu ideal
na vida, a razão de ser de sua vinda ao mundo. Não
seria mais o caixeirinho perdido horas e horas atrás de
um balcão, o companheiro de um mau moço, a vítima
de um comerciante ganancioso. Nem mesmo seria
mais o escriturário da Viação Férrea do Rio Grande do
Sul; se o fosse seria um grande escriturário. César
seria ministro do Evangelho do Senhor Jesus.
Grande e extraordinário ideal! Para consegui-lo teria
de lutar ainda muito. Uma força animava-o, porém,
confortadoramente: a certeza do chamado divino. Para
atendê-lo enfrentaria e venceria as maiores
dificuldades, êle o menino acostumado desde a mais
tenra infância a suportar as caras feias da Vida e a
vencê-las com um sorriso de confiança nos ideais da
própria e grande Vida.
84

NELSON DE GODOY COSTA
Prosseguiu animado nos estudos da velha "Disciplina",
a Teologia de Biney e algumas disciplinas do curso
ginasial com o mesmo pastor amigo, Rev. António
Patrício Fraga.
E tendo a alma a cantar muitos hinos de verdadeira
esperança aceitou prazciroso o convite do Rev. James
M. Terrell para prosseguir nos estudos no colégio
"União" de Uruguaiana. E graças aos seus esforços
conseguiu matricular-se na segunda série daquele
famoso educandário metodista do Sul do Brasil.
85

CAPÍTULO NONO
REMINISCÊNCIAS E SAUDADES
Hoje aposentado, desfrutando o justo repouso dos longos
anos de pastorado íeliz e alivo ainda, aceitando todas as
ocasiões para trabalhar nos vários convites das diversas
denominações, além dos da Igreja Metodista, o Rev.
António Patrício Fraga volta às vezes os olhos da
saudade para a primeira paróquia de seu ministério para
a cidade de Santa Maria no ano de 1900 e recorda as
lutas para a implantação do trabalho metodista na cidade
de César Dacorso Filho.
Foi realmente difícil. A Igreja Episcopal não recebeu com
bons olhos a Igreja Metodista, e sempre insistiu na
política de proselitismo. Arrebanhava todos os elementos
que podia. Se alguém principiava assistir aos cultos na
Igreja Metodista era metralhado de tantos convites que,
ou bandeava para a Igreja Episcopal ou escandalizado
abandonava as igrejas protestantes.
86

NELSON DE GODOY COSTA
Nesse tempo Fraga era pouco mais que adolescente e
ajudante do Rev. Price. E foi nesse tempo que conheceu
aquele menino forte e gordinho de uns nove ou dez anos,
que assistia com entusiasmo e interesse a Escola
Dominical.
Prestou atenção no menino. Viu nele alguma coisa de
extraordinário que o distinguia de outros meninos de sua
idade. Estariam os olhos do pastor ajudante procurando
descobrir no menino extraordinário o membro da Igreja, o
pastor, o primeiro bispo da Igreja Melodisla do Brasil?
É possível. Quando Fraga regressou de Juiz de Fora
para onde linha ido continuar seus estudos no colégio
Granbery, ficou imensamente alegre ao encontrar agora
com catorze ou quinze anos o mesmo menino forte,
disposto e principalmente firme na Igreja Metodista, à
frente de todas suas atividades, sempre entusiasta, pleno
de vida sempre.
Coube-lhe a alegria de recebê-lo à comunhão da Igreja
por batismo e profissão de fé. Quando estava colocando
as mãos molhadas da água do batismo sobre a cabeça
do adolescente promissor e pleno de fé, teria passado
pela sua cabeça de pastor o pensamento de que um dia
outras mãos colocar-se-iam sobre a mesma cabeça para
sagrá-lo Bispo?
É possível. Às vezes pelo cérebro dos pastores passam
sonhos que descem dos céus.
Continuam as reminiscências de António Patrício Fraga;
o pastor:
87

PRÍNCIPE DA IGREJA
"Foi nesse tempo que começou a sentir-se chamado para
o Santo Ministério. Começou a estudar comigo a
"Disciplina" e ao mesmo tempo iniciou seus estudos de
inglês com um missionário sabatista.
Era funcionário da Viação Férrea do Rio Grande do Sul e
eu sabia por informações graciosas e espontâneas que
era funcionário exemplar e muito querido de seus
superiores.
Tendo sido convidado para estudar no colégio "União" de
Uruguaiana, não relutou em deixar seu bom emprego.
Aceitou o convite. Eu queria saber se realmente César
era vocacionado e amava os estudos, e em certa ocasião
disse-lhe que talvez viesse a arrepender-se de deixar
uma colocação tão promissora, onde era tão estimado.
César respondeu-me com firmeza e convicção que pelos
estudos deixaria o emprego, alegremente."
"Estudou no colégio "União" de Uruguaiana; depois
transferiu-se para o colégio Granbery, em Juiz de Fora.
Sempre ouvi dizer que nos dois colégios foi ótimo aluno,
estudante admirável.
"Saiu do Granbery para entrar no ministério ativo. Sua
primeira paróquia foi Palmyra, hoje Santos Dumont. Os
ministros olhavam para o jovem César com grandes e
fundadas esperanças, pois desde cedo seu nome
principiou a projetar-se no ministério metodista.
88

NELSON DE GODOY COSTA
"Há um fato bonito que revela seu caráter metodista bem
formado. Em agosto de 1933, no Concílio Regional do
Norte, em Juiz de Fora, numa reunião do gabinete
episcopal, discutindo os superintendentes sobre qual
seria o homem que poderia pastorear a paróquia de
Carangola, o Bispo Rev. Dr. J. W. Tarboux disse que
havia um homem para aquela paróquia difícil. Era César
Dacorso Filho. Porque consultado, o Bispo César
respondeu prontamente: "Estou às ordens, pode
mandar". F foi para Carangola.
Doze anos mais tarde, o Bispo César, escrevendo a ii m
pastor sobre problemas de nomeação, dizia:
"... estava em Juiz de Fora, com quatro filhos estudando
no Instituto Granbery, quando fui mandado para
Carangola, cidade da mata, igreja de vinte e uma
pessoas, que se reunia numa casa que ameaçava ruína.
Nunca me tive por diminuído ao sair de uma igreja grande
ou rica para ir para uma igreja pequena ou pobre, ou
engrandecido ao sair de uma igreja pequena ou pobre
para uma igreja grande ou rica." Prossigamos ouvindo as
reminiscências de António Patrício Fraga, o pastor:
"César Dacorso Filho foi para Carangola, a igreja
pequenina e pobre depois de pastorear a igreja de Juiz
de Fora, grande e rica. Era, contudo o homem, o
brasileiro mais credenciado para ser o Bispo da Igreja
Metodista do Brasil, em substituição ao Bispo Tarboux
que não podia
89

PRÍNCIPE DA IGREJA
continuar na atividade por motivo de falta de
saúde.
"Eu profetizei isto. Escrevi para César Dacorso Filho
dizendo que êle sairia de Carangola para o episcopado.
Realizou-se minha profecia. Em janeiro de 1934 foi eleito
o primeiro Bispo da Igreja Metodista do Brasil.
"O Rev.m0 Bispo César Dacorso Filho é filho da Igreja
Metodista. Nela cresceu, nela foi educado para ocasião
propícia. É ótimo administrador, exemplo vivo e eloquente
de esforço, zelo e sacrifício. Sua autoridade é respeitada
porque César Dacorso Filho é, primeiramente um
exemplo."
Estas apenas algumas reminiscências do homem que
conheceu o menino de Santa Maria.
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  • 1.
  • 2. 2 César Dacorso Filho Príncipe da Igreja Metodista do Brasil CAPA DE NELSON CARLOS DE GODOY COSTA
  • 3. 3 TRAÇOS DA VIDA DO PRIMEIRO BISPO BRASÍLEIRO DA IGREJA METODISTA DO BRASIL
  • 4. 4 Í N D I C E Dedicatória........................................................ Prefácio .......................................................... Palavra necessária ........................................ Nasce um menino ........................................... Menino pobre e feliz ....................................... Caixeirinho sem ordenado .............................. Fatos extraordinários ........................................ Horizontes do metodismo ............................. Aprendiz de tipógrafo ....................................... Na Viação Férrea do R. G. do Sul .................... A conversão de César Dacorso Filho ............. Reminiscências e saudades .......................... No Colégio "União" ....................................... No Colégio "Granbery" .................................... No Pastorado .................................................. Não é bom que o homem esteja só ................ Os anos do seu Pastorado ............................ No Episcopado ................................................. Sua Consagração ............................................. Na presidência do Concílio Geral .................... 7 9 17 21 26 36 47 49 55 65 76 85 90 105 113 119 123 129 132 135
  • 5. 5 Dois de Setembro ....................................... Declaração Histórica ...................................... Primeiro quatriênio ......................................... Segundo quatriênio........................................... Terceiro quatriênio ............................................ Quarto quatriênio ............................................ Pela quinta vez eleito Bispo.............................. O "Avante por Cristo"........................................ Em 1952 ........................................................... Amizades bonitas ............................................. O Instituto Ministerial Geral .............................. Convite aos moços ......................................... Antes do Final................................................... Treze anos depois ............................................ O Passamento .................................................. César Dacorso vive .......................................... Saudade ........................................................ 138 139 140 179 255 283 329 337 351 362 368 372 375 377 380 383 385
  • 6. 6 À excelentíssima senhora Maria José Guimarães Dacorso Minha senhora, Este livro pertence-vos. É um apanhado rápido e imperfeito da vida exuberante do homem magnífico a quem muito inspirastes na obra sem igual que realizou na construção da Igreja Metodista do Brasil.
  • 7. 7 P R E F Á C I O Livro por excelência é a Bíblia. No entanto, é sem número a publicação, ininterrupta, de outros, em cujas páginas se encontram todos os assuntos, desde a mais despida insignificância, até aos mais complexos e mais merecedores estudos. Ninguém há, hoje, que possa acompanhar, em todas as línguas, os livros que aparecem aos milhares, com mais ou menos divulgação. Já, no Eclesiastes, dizia o sábio não haver limites para fazer livros (Ec 12.12). Deles há, cujo valor se poderá dizer nulo. Outros, no entanto, se nomeiam por bons livros. E assim concorrem os escritores com o que, porventura, sabem e podem, dependentes, contudo, da necessidade, interesse e gosto dos leitores. Livro sem leitor é desperdício. Leitores para livros sem valor, outra perda. Convidou-me o Rev. Nelson de Godoy Costa para prefaciar um seu livro; deu-me a honra de apreciá-lo, com recomendações, mediante breve antelóquio. Entendo que o preâmbulo a um livro é quase luxo, e como tal dispensável. O bom livro dispensa a apresentação, porque é bom; o ruim, porque não a merece. De maneira que, a meu ver, andar o livro sozinho com a só virtude do seu merecimento, parece mais acertado.
  • 8. 10 Na apresentação de um livro, dá-se o fato, umas vezes, de o prefaciador antecipar sobremaneira o seu conteúdo, com exageros tais de louvores, que a obra de si mesma, ao ser lida, se desmerece. Outras vezes sucede o contrário: adianta demais a crítica, sem maiores fundamentos, a ponto de arriscar o devido alcance do que ainda se tem de ler. É certo que, segundo Castilho António, "a crítica sisuda é o crisol dos bons livros" (Vol. 66, p. 130), e, consoante Rui Barbosa, "se não pode ser pelo apoio, seja pela censura, que também é colaboração" (Vol. XXIII, Tomo I, p. 12). No entanto, a preliminar de um livro qualquer não me parece deve ter esse resultado, seja ela do próprio autor, seja de. algum amigo, ou até dos seus editores. A abertura de um livro, por sua página de apresentação, sabe a cortesia, e não deve ir além de breve palavra para enlabolar conhecimento; aliás, é o que se dá com as pessoas: ou se apresentam elas mesmas, ou são apresentadas por parente ou conhecido, e... deixá-las que melhormente se conheçam, e, porventura, se estimem, lá entre si, quando reciprocamente se estudarem. Bem sei que Rui Barbosa, com a sua introdução a "O Papa e o Concílio", duas vezes maior que a tradução, tornou famoso o seu livro, e procurado e incontestavelmente útil. E há proêmios que não passam de meia página, sem, contudo, desluzir o seu propósito. Há disso, não o podemos esconder; não passa, todavia, de casos singulares. Tenho razões para que me não furte à honra de apresentar o livro do Rev. Nelson de Godoy Costa, com relação à vida do Rev.mo Bispo Dr. César Dacorso Filho. Trata-se de biografia, género de literatura que sempre me pareceu dos mais recomendáveis para o proveito da vida humana. Há biografias e biografias, isto é, dignas, sobejas de lições que se repitam, e
  • 9. 11 também desprezíveis, que se não devem nomear. Quando digo ser a biografia espécie de literatura a meu ver recomendável, é evidente que me refiro à biografia cujos fatos constituem a história de uma vida nobre, merecedora, proveitosa. Esta, que apresento, escrita pelo Rev. Nelson de Godoy Costa, tem pelo menos três motivos, que lhe assinalam merecimento e consideração, a saber: o autor é Ministro do Evangelho, filho de Ministro do Evangelho, e escreve a respeito de um Ministro do Evangelho e bispo da Igreja Metodista do Brasil. Tomou a si o Rev. Nelson de Godoy Costa a empresa de apresentar ao povo ledor do Brasil a história da vida do Rev.mo Bispo César. Que empresa! Ninguém lha pediu, ninguém lha impôs. Êle de si a tomou, de coração, de alma, porque viu na pessoa e vida do Sr. Bispo uma história do maior merecimento por suas lições e exemplos, história digna de ser contada muitas vezes, isto é, divulgada para incentivo dos crentes, dos obreiros, dos Ministros. Nelson de Godoy Costa teve a felicidade de um berço cristão. O Sr. seu pai, o Rev. João Afonso da Costa, e a Sra. sua mãe, D. Elisa, nobre casal dos primeiros tempos do Evangelho no Brasil, metodistas, vários filhos, grande família, foi o ambiente em que se desenvolveu o menino, hoje Ministro-pastor da Igreja Metodista do Brasil, escritor e poeta, autor de vários livros. Escreveu agora a biografia do Rev.mo Bispo César. Suas páginas falam a um tempo dos sentimentos do autor, seu caráter bem formado em lar cristão, e dos merecimentos do biografado, igualmente cristão, cuja carreira tem lances de valor, merecedores da mais detida consideração, por sua origem, pelo seu sentido, por suas lições. Há opiniões contrárias à publicação de biografias de pessoas que ainda vivem. Contar publicamente a
  • 10. 12 Vida de alguém só depois de já se ter baixado à tumba. É como pensam. Pois deixá-los pensar; não haverá mal por isso, nem bem. Nelson de Godoy Costa pensa diferentemente; dai o volume que escreveu da vida do Rev.m0 César. A ele, Rev. Nelson, não lhe importa que o seu biografado ainda aí esteja em pleno exercício ministerial, com tremendas responsabilidades, no desempenho do episcopado na Igreja Metodista do Brasil. Sobre o ponto não discordo do nobre colega. Tenho para mim que a biografia de um jovem qualquer, sobrevivente, em pleno torvelinho da vida, por muito expressiva que parecesse, a todos os respeitos, seria, ainda assim, prematura e, talvez, não lograsse o bem, porventura, imaginado. Não é, porém, a história de nenhum jovem para assombro e comentário dos leitores. O livro do Rev. Nelson é outra cousa. Não trata de agiografia. Não é vida de santo que se recapitula para proveito dos leitores. Se o fosse então era razoável que esperasse a morte. Também não se cogita em só profundar a etopéia de uma grande figura; seria um estudo e não uma exposição. Trata-se da biografia de uma vida que perdura, normal, expressiva por entre sombras e luz, perseverantemente lutadora e vitoriosamente proveitosa; biografia sincera, discutível e admirável, de cidadão patrício e fiel. Biografias constituem literatura diferente de todas quantas se podem consultar; diferente porque fala da vida de pessoas, e a vida não é cousa que se invente, com mais ou menos brilho de palavras, para ser contada em conversa, em revistas, livros ou avulsos; é, sim, cousa real, cuja significação impressiona mais ou menos, conforme terá sido modelada com mais ou menos acerto, segundo os princípios da boa educação e seus interesses imediatos e remotos. A vida de qualquer pessoa, considerada em todos os seus aspectos, é um mundo de grandes assuntos. Se
  • 11. 13 for nobre, se bem aproveitada com virtudes, pelo trabalho, pela firmeza de caráter, pela perseverança no bem, na paciência, com verdade, fielmente, ai, sim, é digna de ser lida para inspiração da nossa. O livro do Rev. Nelson de Godoy Costa é desse teor. Suas páginas balançam o berço do menino César, respiram o clima do seu lar, fulguram a inteligência e aplicação do adolescente, traçam os primeiros quadros da vida que se inicia na igreja, as responsabilidades dos primeiros empregos, as doçuras das primeiras recompensas. Vale a pena ler esse passado que se ausenta. Outras páginas se lêem no livro do Rev. Nelson, páginas de outro clima, de outro sabor. Falam do jovem estudante, fora do lar, longe da cidade natal, já em lutas com a escassez de recursos para o estudo, fronteando já durezas da injustiça que, não raro, assinalam para o túmulo. E outras e outras, cheias todas da história que desperta, deita lições e firma exemplos. Não é para aqui, na prefação apenas do livro, o repetir as páginas que Nelson de Godoy Costa escreveu. Tenho por certo, no entanto, que os leitores terão pressa em conhecê-las, porque tratam de uma vida que vingou renome, sem vaidade, e, não raro, esplendor, sem falácias que embaciam. Eu de mim tenho pressa em recomendar o livro do Rev. Nelson de Godoy Costa, para reforço, por certo, das impressões já definidas e preciosas da vida e obras do consagrado Bispo César, em todos os aspectos do seu testemunho, no seio da família, no convívio social, em face dos princípios, nos apelos do dever, como homem de fé, homem do trabalho, compreensivamente, zeloso e pontual. Desde menino acompanho a vida do Sr. Bispo César; desde menino, quando o conheci numa Conferência em Piracicaba, venho seguindo e admi-
  • 12. 14 rando a formação desse caráter, cuja têmpera daria páginas e páginas de um volume à parte, inspirati-vamente copioso e copiosamente inspirador. Tenho por preciosa a tarefa de longo prazo de que deu cabo o Rev. Nelson de Godoy Costa. Para a Igreja Metodista do Brasil, que muito deve ao Rev.mo Bispo César por sua consagração e firmeza, o livro que se anuncia terá largo proveito. O que nele se ler há de contar-nos fatos que melhormente se expliquem, pelo comentário propositado, em tomo da vida que se agigantou em tantos dos seus aspectos na Causa do Senhor. Neste ponto, eu parece-me que não desacerto figurando a vida ministerial do Sr. Bispo César, nas suas fases de Ministro-pastor, quer principiante, quer diácono, quer presbítero, ou finalmente no episcopado, há mais de vinte anos, com aquilo de Castilho António a respeito do padre Manuel Bernardes, quando o comparou com o padre António Vieira (Vol. 47, p. 70): "Lendo-os com atenção, sente-se que Vieira, ainda falando do céu, tinha os olhos nos seus ouvintes; Bernardes, ainda falando das criaturas, estava absorto no Criador." Aqui é que me parece acertar a realidade com a vida do Rev.mo Bispo César. Pois não é certo que tudo nele, dele e com ele, é para a Causa do Senhor? O seu tempo, os seus dons, as suas forças, as suas experiências? O que imagina, o que giza e estuda, o que estuda e decide, o que decide e executa? Não é, porventura, em nome da Causa do Senhor, e por ela? Deixemos, pois, falar a linguagem dos fatos, em torno da vida do Rev.mo Bispo, Dr. César Dacorso Filho, segundo a orientação do seu biógrafo, Rev. Nelson de Godoy Costa
  • 13. 15 PRÍNCIPE DA IGREJA E peçamos a Deus, sinceramente, a leitura da biografia do seu grande servo, Bispo César, seja fonte de inspiração para os jovens, contínua satisfação dos seus companheiros até aqui, e, no geral, grande bênção para a Causa do Senhor nosso Deus, em todos os seus múltiplos aspectos, na vasta seara evangélica do Brasil. António de Campos Gonçalves — Rio de Janeiro, 1953 —
  • 14. 16
  • 15. 17 PALAVRA NECESSÁRIA Este livro é uma tentativa. Porque a vida empolgante de César Dacorso Filho somente poderá ser escrita mais tarde, quando de modo mais positivo, os resultados surpreendentes, sempre surpreendentes, se fizerem sentir em bênçãos incontáveis para a Igreja a que amou desde a infância e a que entregou a vida, inteiramente. Grande na inteligência e no saber, grande na modéstia e na bondade, grande no trabalho e no serviço, imensamente grande no amor com que amou e ama a Igreja Metodista do Brasil, imensamente grande na consagração com que se entregou a ela, porque primeiramente amou o Senhor Jesus e se entregou a Êle, César Dacorso Filho precisa de grandes escritores e grandes biógrafos para grafarem sua vida. Não há modéstia nem falsa modéstia nesta palavra necessária. Este livro é um convite. É um convite sincero, cordial, insistente aos escritores, aos biógrafos, para, à luz de melhores documentos, oferecerem ao mundo a biografia do homem extraordinário a quem a Igreja Metodista do Brasil deve quase que inteiramente a grandeza de seu esplendor e a magnitude de sua glória. Aos prezadíssimos colegas, Revs. António Patrício Fraga, Eduardo Mena Barreto Jaime, António de Campos Gonçalves, Oswaldo Luiz da Silva, Elias Escobar Gavião, Messias Amaral dos Santos, José Rui Rodrigues de Almeida, Luiz Machado Morais e ao Sr. Darcy de Almeida, pela preciosa colaboração, nosso reconhecimento.
  • 16. 18
  • 18. 20
  • 19. 21 CAPÍTULO PRIMEIRO NASCE UM MENINO Na cidade de Santa Maria, no Estado do Rio Grande do Sul, nasceu no dia 10 de novembro de 1891 um menino. Os que correram aos aposentos do recém-nascido viram um garotinho forte e bem disposto, e sua mãe contente, sorridente e feliz por ter dado ao mundo um homem. Esse homem seria aos quarenta e três anos, muito moço ainda, o primeiro bispo brasileiro da Igreja Metodista do Brasil. A casa que abrigou seus primeiros dias de vida existe ainda. É na rua Coronel Niderauer, e tinha o número trinta, que talvez, hoje, seja outro. Fica junto ao templo luterano e defronte ao Colégio Complementar. Foi o pastor luterano, amigo íntimo do pai do recém-nascido, quem lhe pôs a língua em condições de falar, pois o menino tinha a língua "pegada" como diz o povo.
  • 20. 22 Deram-lhe o nome de César. César era o nome do pai, César Daeorso, italiano, de origem francesa. Parece descender de huguenotes perseguidos que se refugiaram no povoado pequenino chamado Carloforte, na ilhota de São Pedro, perto da ilha italiana de Sardenha. Seu nome primitivo, Daeorso, deveria ser De la Course. Outros dizem que Daeorso vem de "da Córsega", ilha próxima à da Sardenha, pátria de Napoleão primeiro. O menino nasceu e cresceu à sombra de um templo protestante, e por sua origem remota talvez tenha outra ligação com o protestantismo. Seus pais, entretanto, sempre foram católicos, bem como todos seus irmãos. Sua mãe e alguns manos alimentavam simpatias pelo Evangelho, mas nunca se decidiram por êle. No Brasil é este um fato muito comum: membros da mesma familia pertencendo a duas ou três religiões diferentes, ou por motivo de origem ou pelos casamentos mistos, que às vezes criam problemas delicadíssimos no seio da própria família, com reflexos sobre a Igreja. Seu progenitor O pai de César não teve muitas oportunidades na vida para frequentar escolas, mas inteligente e esforçado aprendeu muito da leitura de livros, revistas e. jornais. Conhecia os clássicos italianos, como Tasso, Dante, Ariosto; lia escritores modernos, como De
  • 21. 23 Amicis. Assinava a melhor revista da Rália, que era La Illustrazione Italiana. Gostava da matemática, praticava o desenho. Sendo pobre, às vezes em extremas dificuldades, jamais deixou de lamentar a impossibilidade de instruir seus filhos. Nos dias de sua mocidade foi marinheiro. Parece que também trabalhou em minas. Depois dedicou-se à arquitetura. Chamado para o Rio Grande do Sul por um amigo, Ângelo Obino, transportou-se logo para o Rrasil. Passou primeiramente por Montevideo, de onde chegou ao Rio Grande do Sul. Era em 1875 mais ou menos. Costumava contar aos filhos, que ouviam atentos e curiosos, as dificuldades que encontrou em nossa terra, viajando sempre a cavalo, tendo de percorrer distâncias sem fim em campos inteiramente despovoados. Lembrava-se também das gentilezas dos estancieiros gaúchos, que lhe escondiam o animal em que viajava para obrigá-lo a contar, demorando-se horas e horas com eles, as novidades da Europa, ouvidas sempre com crescente entusiasmo. Conhecia quase todo o Rio Grande do Sul. Trabalhou como construtor em Bagé, Santa Maria, Rio Pardo, São Martinho. Foi em Campestre de Santo Antão, perto de São Martinho, que conheceu a companheira de seus dias. Resolveu fixar-se em Santa Maria, e naquela cidade sulina constituiu seu lar. Identificou-se com seus moradores e costumes inteiramente a ponto de não dispensar o cavalo, o churrasco, o chimarrão.
  • 22. 24 Pode-se dizer que foi êle quem construiu a cidade de Santa Maria. São de suas mãos a estação da estrada de ferro, os quartéis, o teatro, os prédios principais. Quando foi construído e inaugurado o teatro "13 de Maio" a cidade prestou-lhe homenagens, oferecendo-lhe um prumo de metal amarelo e uma colher de prata, de pedreiro, presentes que seus filhos guardam com carinho. Construiu também o hospital da cidade e na ocasião de sua entrega a população agradecida homenageou-o. Êle mesmo desenhava, fazia as plantas, estudava orçamentos, dirigia as construções, trabalhando ombro a ombro com os mais humildes operários. Homem de boa fé, trabalhou muito, atendeu consultas de outros construtores do Estado, foi presidente de sociedades, trabalhou intensamente, trabalhou a vida inteira e não chegou a possuir mais do que duas casas modestas. Numa dessas, porém, foi que César nasceu. A casa de número trinta, da rua Coronel Niderauer, frente ao Colégio Complementar, junto ao templo protestante. Assim foi o pai de César Dacorso Filho. Ca-ráter transparente, homem da honradez e do trabalho. Faleceu em 24 de dezembro, véspera do Natal de 1931. Matou-o o câncer no estômago e no fígado. Sua progenitora A rnãe de César Dacorso Filho nasceu em Campestre de Santo Antão. Naquela localidade
  • 23. 25 casou-se. Descende dos ilustres Pereira da Silva que chegaram a ser ministros do Gabinete Imperial. Seu pai foi um desgarrado da família. Mocinho, fugiu de casa e foi sentar praça no Rio Grande do Sul. Mais tarde adquiriu propriedades em Campestre de Santo Antão, onde se dedicou à agricultura e onde faleceu. Sua mãe tinha fortes traços de indígena. A senhora mãe de César Dacorso Filho foi uma mulher do trabalho. Dedicou-se inteiramente ao lar. Sem o auxílio de empregadas criou todos os filhos. Desvelou-se por eles e por eles se consumiu. Tinha um nome bonito e expressivo. Chamava-se Constância. Dos dez filhos do casal, Maria faleceu ao nascer. Docelina e Isolina faleceram casadas. Vitorio morreu em Santa Maria; era casado. João, solteiro, alistou-se no exército italiano por ocasião da primeira grande guerra e morreu ao que se pensa, na batalha de San Michelle. Paulo, casado, vive no Rio de Janeiro. Guilhermina faleceu quase noiva. Alice vive em Santa Maria; é casada. Humberto, casado, mora em Porto Alegre. É notável a mistura de sangue na família: francês, italiano, austríaco, português, uruguaio. Interessante a variedade de profissões: ministro do Evangelho, militar, pedreiro, alto comércio, contabilista. Todos têm tendência para música. César possui excelente voz de "baixo".
  • 24. 26 CAPÍTULO SEGUNDO MENINO POBRE E FELIZ Foi em Santa Maria que César Dacorso Filho viveu os dias de sua infância. Da casa em que nasceu muito pouco se recorda. Sua lembrança mais remota prende-se à segunda casa onde morou. Seu pai havia contratado as obras da estação e do armazém da estrada de ferro Itararé, do outro lado da cidade. Adquiriu por isso ura terreno nas proximidades de onde devia iniciar a construção. Era um terreno irregular, com uma face para a estrada de ferro, outra face para a rua e outra para o riacho. Ali edificou. Naquela casa o menino morou até os onze anos. Ocupava o dia cuidando das cabras leiteiras. Brincava no riacho, subia os salseiros que margeavam o rio pequenino. Distraía-se ouvindo o vozerio dos
  • 25. 27 PRÍNCIPE DA IGREJA boleeiros de "vitórias" que iam buscar os passageiros na estação construída por seu pai e já entregue ao público. Das recordações desse tempo a mais forte é a dos últimos dias da revolução que ensanguentou o Rio Grande do Sul, logo depois de 1892 e que durou até 1897; das tropas que passaram por sua casa; de uma batalha em que o general revolucionário, Pina, tomou a cidade; de um quartel improvisado em frente a sua casa, quando um sargento ofereceu a seus pais um pedação de churrasco bem gordo. Lembra-se ainda do transporte dos feridos ao longo do leito da estrada de ferro, e, afinal do embarque das tropas para Canudos. AOS CINCO ANOS Aos cinco anos César principiou a acompanhar o progenitor para o trabalho. Vigiava o churrasco ao fogo, enquanto o pai, colher à mão trabalhava. Nessas idas e vindas começou a conhecer a cidade. Em casa enchia a cuia e preparava o chimarrão para o pai. Era amigo e serviçal. Lembra-se de alguns incidentes dessa época de sua vida. Uma vez escapou da morte, milagrosamente. Foi assim: Estava brincando com sua irmãzinha no fundo da casa, no tempo da revolução, quando uma bala perdida passou raspando-lhe as orelhas e foi cravar-se no barranco.
  • 26. 28 NELSON DE GODOY COSTA Outra noite brincava com seus irmãozinhos na sala de visitas. Seus pais gozavam o frescor da noite em frente a casa. Foi quando o cãozinho começou a latir avisando de que alguém descia o morro, o aterro da estrada de ferro, sorrateiramente. Seus pais voltaram para o lado e viram um homem que fugiu. Naquela noite verificou-se um crime na rua Nova e o assassino, preso no dia seguinte, confessou ter tentado assassinar o casal, que distraido tomava o frescor da noite lá fora. Para o menino essa foi a segunda vez em que, talvez, escapou da morte. Sempre foi vítima de cacos de vidro nos pés. Certa vez, brincando nas obras da estação pisou num caco de vidro que lhe cortou profundamente o pé. Quase morreu com a hemorragia. Apanhava pregos de seu pai e pregava no chão fazendo com eles desenhos; gostava de encarapitar-se nos trens lastros em manobras; rebuscava pelos campos ninhos de galinhas poedeiras, colhia flores silvestres, jogava gude. Era a infância de um menino pobre e feliz. AOS SETE ANOS Aos sete anos foi para a escola pública. Era um casarão que ainda existe ao alto da rua Riachuelo, Lembra-se muito bem de seu primeiro professor, homem de muita cultura e honestidade, chamado Benvindo Pires de Sales. Era baiano.PRÍNCIPE DA IGREJA
  • 27. 29 Para ir à escola César saía de casa com seu mano Paulo. Aqui aparece seu mano como seu companheiro. Sempre foram muito amigos e muito unidos. Passavam pela casa de um amiguinho, António Losa, hoje, negociante, capitalista e político em Santa Maria, e, depois de meia hora de caminho chegavam à escola. Seu primeiro livro foi a cartilha de Hilário Ribeiro e custou-lhe quinhentos réis, hoje, cinquenta centavos. Nessa escola César teve três professores: Benvindo Pires de Sales, Nestor de Oliveira e Antero José de Almeida. SEUS PRIMEIROS AMIGUINHOS Nesse tempo de escola foi que César teve seus primeiros amiguinhos. Seus nomes precisam ser guardados nesta biografia: José Borba, poeta; Luiz Fernandes Calage, escritor, sociólogo, historiador e jornalista, hoje residente em São Paulo; Mário Brasil, engenheiro; Anacleto Corrêa, engenheiro, funcionário da Viação Férrea do Rio Grande do Sul. Esses foram os primeiros amiguinhos de César, os amigos de sua infância, todos meninos pobres como êle, querendo estudar, querendo aprender, ansiando vencer na vida. Como César eram sonhadores, idealistas, meninos de valor, meninos que influenciaram César, e foram por êle influenciados num consórcio admirável de ideais grandes para a vida.
  • 28. 30 NELSON DE GODOY COSTA Chegaram a ter, no seu mundo de sonhos ideias exquisitas. Certa vez César e Mário Corrêa inventaram uma língua universal e na organização do dicionário gastavam todos os centavos que lhes vinham às mãos. Não sabiam que já existia o Esperanto. A vontade de estudar persistia. Certa vez pretenderam alugar uma sala pequenina e um lampião para poderem estudar. Mas... onde o dinheiro? Outra vez planejaram uma viagem pelo mundo. Era a melhor forma de aprender. Em Luiz Fernandes Calage a ideia se fixou de tal modo que mais tarde fugiu de casa, foi para Porto Alegre com intenção de seguir para o Rio de Janeiro. César atormentava o pai pedindo-lhe que lhe comprasse livros. O pai deu-lhe, além dos escolares, toda a coleção de Felisberto de Carvalho, e um livro de poesias de Fanfa Ribas. Na falta de mais livros e sedento de mais livros o menino lia os jornais que vinham protegendo os engradados de mármore destinados aos mausoléus; lia a "Federação", lia "O Correio do Povo", lia muito, lia sempre. Hoje César lembra-se com saudades daqueles dias de penúria e de ambição. Às vezes com seus coleguinhas dilatava o campo de seus passeios e realizava excursões às serras do Pinhal, de onde, lá do alto fazia tombar pedras enormes, brincando alegremente. Outras vezes nas encostas, ao pé de alguma sanga, nas mesmas serras, César e seus companheirinhos preparavam café e tomavam com pão e pedaços de salame.
  • 29. 31 PRÍNCIPE DA IGREJA Folgando percorriam estradas extensas. Quem poderia ver nessas caminhadas os primeiros passos daquele que, Bispo da Igreja Metodista do Brasil, seria o viajor para quem as estradas não teriam segredos, as distâncias não teriam fim? César lembra-se com saudades daquela vez em que, brincando com os mosqueteiros em miniatura, subiu a um salseiro, e distraindo-se caiu de cheio no arroio. Era domingo e ele teve de atravessar a cidade toda, cheia de gente endomingada, até chegar em casa, completamente encharcado isto é, molhadinho como um pintainho. Recorda-se de sua infância, de quantas e quantas vezes, quase em andrajos, descalço, chapéu furado de tão velho, tiritando de frio, acompanhou o pai ao trabalho, ou nesse mesmo triste estado brincou com os amiguinhos. E, quanta vez sentiu do mesmo modo as solas dos pés escaldando na areia batida de sol das ruas da cidade onde nasceu. Na casa de Mário Corrêa havia um canal longo e sempre cheio de água, com um botezinho para os meninos brincarem. César gostava do bote pequenino. Um dia tomou-o sozinho e lá se foi pelo canal a fora; em meio porém do passeio o botezinho cismou com o passageiro, virou de pernas para o ar e o menino saiu do fundo do canal coberto de lama, com lama nos bolsos, no rosto, nos cabelos. Havia também lá uma "estrada de ferro" feita de pau, com vagão — um caixote de querosene aberto ao lado, que era ao mesmo tempo carro de passageiros
  • 30. 32 NELSON DE GODOY COSTA e de carga. Anos mais tarde, viajando pelo Brasil e pelo estrangeiro nos trens mais confortáveis, César se lembraria, ao certo, com profunda saudade — olhos perdidos nas paisagens americanas e europeias, daquela paisagem brasileira nas plagas sulinas, do trenzinho que só andava na descida, onde muitas vezes sofreu "sérios acidentes" todos, felizmente sem muita gravidade... SANTA MARIA Santa Maria era por esse tempo uma cidadezinha do interior, muito espalhada, ruas sem calçamento. Seus moradores eram como uma só família. A vida em casa do menino corria tranquila. O pai cortava-lhe o cabelo. A mãe costurava-lhe a roupinha. Êle fazia compras, levava recados. Bem depressa ficou conhecendo toda gente. É verdade que vivia um tanto isolado porque seu mano mais velho e que era tão seu amigo, fora morar com os padrinhos, Teodósio e Leocádia Pereira de Barros, e seus irmãos mais novos eram muito pequenininhos. Tinha entretanto, suas irmãs, das quais sempre foi muito amigo. Nas horas de solidão, quando sentia mais fundas as saudades de seu mano Paulo, procurava fazer alguma coisa: punha em ordem os pedaços de tábua que sempre os havia muitos, espalhados pelo terreiro; capinava o quintal, consertava as cercas. Aprendeu até a passar roupa a ferro.
  • 31. 33 PRÍNCIPE DA IGREJA Infância penosa de menino por vezes triste e por vezes solitário. Escola de trabalho que lhe formou o hábito, pelo qual hoje César agradece a Deus, louvando-O, de somente descansar nas horas de refeição e de sono. Foi naquela época que instalaram luz elétrica e telefone em sua cidade. Viu pela primeira vez um automóvel. Queria muito ver um automóvel. E foi um desapontamento: o que viu era feio, velho, sujo e desengonçado. Queria muito ir ao cinema; queria saber o que era aquilo, embora no seu tempo fosse ainda cinematógrafo. O pai fèz-lhe a vontade. Levou-o. 0 menino foi. Viu. Gostou, mas tremeu durante o tempo todo. CONHECE UMA ESCOLA DOMINICAL 0 Rev. W. Morris, missionário americano da Igreja Episcopal tinha uma escola dominical que funcionava num salão da rua do Comércio. César, curioso por tudo quanto fosse de aprender principiou a frequentar as aulas fêz algumas amizades e teria continuado por longo tempo, se seus pais não o tivessem impedido de continuar ali, afastados por motivos desagradáveis, escandalizados com procedimento de certos alunos. QUEREM FAZÊ-LO MILITAR E QUEREM FAZÊ-LO PADRE Amigos de seu pai quiseram enviar o menino para a Escola Militar. É possível que o gauchinho
  • 32. 34 NELSON DE GODOY COSTA viesse a ser um grande oficial do Exército; irias como se êle tinha horror à farda, e, naquele tempo um medo pavoroso de soldado?... Também o vigário da cidade, admirando aquele menino sizudo, com ares de homenzinho, chegou a falar com o pai sobre a conveniência de levá-lo para um seminário. Tinham motivo as palavras do sacerdote. César ia muitas vezes à missa, acompanhava as procissões. Sua alma pequenina prendia-se àquela movimentação. Sempre o menino sentiu-se empolgado pela grandeza, com a beleza das festas religiosas e cívicas realizadas no Sul, muito mais deslumbrantes que em outros pontos do país. Esses esforços eram o interesse de amigos pelo menino pobre e inteligente, pelo futuro do menino pobre e pequenino, mas que, como deveria declarar anos mais tarde, no seu discurso de recepção à Academia de Letras de São Paulo, tinha aprendido a fitar as alturas dos Andes inatingíveis. Fitava-as, pequenino. Homem, atingiu-as. ------ 0O0 -----Teve as doenças de criança, sarampo, coqueluche. Uma grave: febre tifo. Seu mano Paulo, certa vez, inadvertidamente, apanhou na rua um papel bonito. Estava infeccionado. Contraiu tremenda moléstia de olhos que transmitiu a
  • 33. 35 PRÍNCIPE DA IGREJA todos da casa. Foi um período angustioso aquele. Seu pai carregava um filhinho em cada braço; os maiores acompanhavam como podiam e iam ao médico, dr. Pantaleão Pereira Pinto, amicíssimo da família. César sofreu a mais não poder com essa nfermidade.
  • 34. 36 CAPÍTULO TERCEIRO CAIXEIRINHO SEM ORDENADO Em meados de 1902 seu pai, com enorme sacrifício, arrematou em hasta pública uma chácara no fim da rua Marquês de Herval, hoje rua Serafim Valandro. Para lá mudou-se a família. Um dos primeiros cuidados de seu pai foi plantar um vasto parreiral, a cuja sombra, muitas vezes o menino de onze anos viria dormir nas horas de maior calor, como é costume dos sulinos. Continuava assíduo às aulas do professor Antero de Almeida. Seus amiguinhos eram os mesmos: José Borba, Álvaro Corrêa, Luiz Fernandes Calage. Seu pai empreitou a construção do hospital, o que o sobrecarregou de dívidas. Foi um verdadeiro desastre financeiro.
  • 35. 37 PRÍNCIPE DA IGREJA Como se tornasse muito crítica a situação económica da família o menino principiou a trabalhar como caixeirinlio na casa de secos e molhados de Teodósio Pereira de Barros, compadre de seu pai e onde até então estivera como caixeiro, seu mano mais velho, Paulo. A casa existe ainda à avenida Rio Branco, bastante modificada e nela residem os padres que oficiam na catedral vizinha. No armazém o caixeirinlio principiante, aproveitando todos os momentos vagos, esforçava-se em melhorar a letra, fazendo longas cópias em um livro enorme, antiquado, abandonado, de folhas azuis. Naqueles dias deram-se dois incidentes na vida do menino. Distraído, o menino era realmente uma criança, atirou uma caixa de fósforos sobre uma pilha de caixas e maços de fósforos, numa prateleira. A caixa, não se sabe como, incendiou-se. Por felicidade o fogo não se alastrou; do contrário a casa do patrão teria se queimado toda. Nunca o menino levou tamanho susto. Outro fato foi este. César dormia num depósito do armazém, muito para os fundos juntamente com seu mano Paulo. Paulo foi fazer "serão" na tipografia do "Gaspar Martins", jornal, onde trabalhava e César deitou-se deixando o lampião aceso, com intenção de esperar acordado o irmão. Dormiu, porém. E que sono! Paulo precisou arrombar a porta do depósito para poder entrar e nem mesmo assim o irmãozinho acordou.
  • 36. 38 NELSON DE GODOY COSTA É que ainda não sofria de insónia como sofre hoje, quando se desperta ao mais leve ruído. Guarda a alegria de ter sido um caixeirinho honesto. Nunca tirou um centavo da gaveta. Nunca furtou uma bala. Nunca enganou os fregueses. o0o Em 1903 seu patrão mudou-se para Tupaceretâ, povoado muito espalhado, como geralmente são os do Sul, entre Santa Maria e Cruz Alta. Levou toda a mercadoria. O caixeirinho, com a alegria e a novidade da mudança, entregou-se à trabalheira de encaixotar e desencaixotar peças de fazenda e de renda, caixas de renda, de botões; de ensacar e desensacar farinha de mandioca, feijão, arroz; de carregar ferragens e tudo o mais. E lá se foi também para Tupaceretâ. No povoado as coisas corriam bem para o patrão. A casa tinha um movimento enorme. Para ela o menino, embora sua idade, principiou a comprar couro, partidas de erva-mate e de farinha de mandioca. Trabalhava desde madrugada até alta noite. Levantava-se varria a casa, limpava o lampião, enchia-o de querosene, dispunha tudo para o trabalho do dia. Depois do almoço ia ao correio. Armazém movimentado, havia sempre muitos cavalos presos ali pelo cabresto, enquanto seus donos compravam ou simplesmente palestravam. César, toda a vez em que ia buscar a correspondência, ou ia
  • 37. 39 PRÍNCIPE DA IGREJA à estação, ou negociar partidas de erva-mate, sal ou aguardente, ou farinha de mandioca pegava um daqueles cavalos, montava e saia pelas ruas a fora, galopando como se fosse um grande cavaleiro. Certo dia apanhou um cavalo fogosíssimo de um homem chamado Miguel Chaves, um cavalo branco, enorme, de crinas abundantes e cauda amarrada. Saiu mas imediatamente percebeu que o cavalo não era para brincadeiras. Nem quis apear para apanhar a correspondência; pediu a alguém que lha desse. E antes que lha entregassem o cavalo disparou a toda a velocidade. Felizmente "desimbestou" por uma campina que se espraiava ali por perto. 0 menino agarrado ao "Santo António" conseguiu manter-se na sela, não caiu, e acabou gostando da corrida. Pôde afinal dominar o animal e voltar ao correio. Estava suando e teve o cuidado de não deixar que na loja percebessem sua aventura. Outra vez brigou com um garoto de seu tamanho no caminho do correio. O garoto "levou a pior" e vendo que César deveria voltar pelo mesmo caminho correu à casa armou-se de uma valente faca, chamou um companheiro e foi esperar ao longo de uma cerca muito comprida, uma cerca de arame. Talvez por precaução ficaram do lado de dentro da cerca... Quando César chegou lá os dois o xingaram e o desafiaram para nova briga. Não chegaram a se pegar porque entre eles estava a cerca. Discutiram um pouco de tempo trocando "gentilezas"; depois resolveram fazer as pazes. E seguiram juntos. César
  • 38. 40 NELSON DE GODOY COSTA guardou entretanto desse atrito uma grande mágoa: chamaram-no de "roseta" apelido eme os serranos dão aos fronteiriços no Rio Grande do Sul. o0o Um falo que não deixava de impressionar o menino caixeiro era este: de tempos em tempos um gaúcho do campo batia altas horas da noite à porta do armazém. César lha abria. Arriscava-se a um imprevisto abrindo a um desconhecido, tão tarde da noite. O desconhecido entrava, tirava a guaiaca (cinta larga de couro com bolsas) com um enorme revólver e punha sobre o balcão. Fazia um pedido grande e pagava tudo. Colocava de novo a guaiaca à cintura. Pegava a compra. Saía. Ia-se embora. Aquele homem nunca deixou de ser para o menino eme o atendia amedrontado, altas horas da noite, um individuo suspeito. Parecia um criminoso. Era o único desconhecido, de lugar ignorado, que aparecia daquela maneira àquelas horas mortas da noite. Uma vez êle foi quando a esposa do patrão estava no armazém. Ela ficou tão mal impressionada, que, sem que o homem notasse enquanto fazia o pedido, mandou sua sobrinha, uma menina chamada Elvira pôr um revólver sobre uma barrica sob o balcão. Interessante, a figura sinistra que vinha através da escuridão da noite a uma casa comercial situada em lugar ermo, nunca tentou fazer mal algum. Respeitava aquele menino na sua debilidade e na sua coragem.
  • 39. 41 PRÍNCIPE DA IGREJA Certo dia, hora quente do dia, César está acabando de servir chimarrao a seu patrão c a um amigo, quando entra um homem ares sinistros, empunhando facão ameaçador. Rodopia c cai no chão pesadamente. Todos pensam que é criminoso fugindo da polícia, fulminado de síncope cardíaca. E agora aquele cadáver em pleno armazém! 0 menino toma a iniciativa. Grita. Acode um velho policial ao acaso ali perto. Não era criminoso coisa alguma, nem tão pouco defunto. Simplesmente um pobre homem do campo, bêbado até o nariz, vagando pelas ruas, sem destino. o0o Foi em Tupaceretâ que ouviu histórias e mais histórias sobre as revoluções rio-grandenses, e a exaltação de seus heróis, Gumercido Saraiva, Jóca Tavares, Saldanha da Gama, Canabarro, Bento Gonçalves. Foi lá que ouviu a respeito da guerra do Paraguai e seus valentes, Osório, Câmara, Pelotas. Conheceu o cabo João do Vale comandante do pelotão que fuzilou Solano Lopes, o ditador do Paraguai. Foi lá que lhe contaram da visita que o Imperador D. Pedro II fêz ao Rio Grande do Sul; das Missões e do trabalho que os jesuítas realizaram ao longo do rio Uruguai. Sua mente enchia-se de quadros estupendos. Sua imaginação fervia. Tinha vontade de realizar grandes coisas. Até hoje, mais de meio século, essas histórias do passado riograndense produzem viva impressão na vida do lutador.
  • 40. 42 NELSON DE GODOY COSTA Naquele tempo, nos dias de Tupaceretâ, tinha doze anos. o0o O trabalho era demais e continuava sempre aumentando; não lhe sobrava tempo nem para melhorar a letra. Sempre porém, em todo o instante que podia devorava, em leitura de menino sedento de saber, os jornais que o patrão recebia de Santa Maria e da capital do Estado. Em Tupaceretâ nunca foi a uma igreja, nunca viu um padre ou um pastor protestante. Esqueceu-se do que tinha aprendido na escola dominical do Rev. William Morris. 0 domingo era um dia igual os outros para o trabalho. A esposa do patrão d. Leocádia, filha do cónego Neves, ex-vigário de São Martinho, senhora muito religiosa, armava às vezes uma espécie de altar que enchia de imagens tiradas da gaveta da cómoda. Diante dele ajoelhavase e orava. Certo dia em suas mãos César viu uma linda Biblia. Um ano assim passou em Tupaceretâ. Trabalhos e mais trabalhos. Impressões fundas formando o lastro de sua vida. Ao fim de 1903 seu pai chamou-o a Santa Maria para estudar mais um pouco. Seu pai sempre quis que César estudasse. Muitas vezes lhe disse com os olhos molhados: "Se eu pudesse tu te formarias nalguma coisa".
  • 41. 43 PRÍNCIPE DA IGREJA Para substituí-lo no balcão seu mano Paulo veio de Santa Maria. Em companhia de um pedreiro espanhol chamado Avelino o caixeirinho tomou o trem para casa. Levava no bolso um "boliviano" moeda de prata muito comum ao tempo no Rio Grande do Sul e que valia oitenta centavos, presente do patrão. A patroa mais liberal dera-lhe uma nota de dois cruzeiros. Eram a sua fortuna. Havia mais: no bolso, pesando um relógio grande, ordinário, chamado cebolão, presente de seu mano, sempre seu amigo. EM SANTA MARIA NOVAMENTE Lá pelas quatro horas da tarde o trem deixou-o em Santa Maria. O companheiro de viagem, solícito, teve o cuidado de arranjar-lhe um carro tirado por animais. Em caminho o boleeiro parou numa taberna para ... matar a sede... O pequeno viajante saltou aproveitando a parada. Tinha comido tanto pão com salame em toda a viagem que não podia mais de sede. Comprou uma gasosa. Seus pais não o esperavam naquele dia. Numa das ruas perto da casa viu o pai que ia indo distanciado. Contemplou ao longe, longamente o pai que não o viu. Pulsou-lhe o coração numa profunda sensação de amor filial. Chegou à casa. Atirou-se aos braços de sua mãe abraçando-a e beijando. Beijou seus irmãozinhos. Pouco depois chegou também o pai. E entre efusões
  • 42. 44 NELSON DE GODOY COSTA de carinho mútuo, do carinho paternal, do carinho filial, ouviu a notícia de que não voltaria mais para Tupaceretâ. Começou a chorar. Por quê? No lar não era melhor? Na companhia de seus pais que sempre o estimaram tanto? Que queriam que o menino aprendesse mais alguma coisa? E que o livrariam naturalmente dos maus hábitos, que na companhia de estranhos ia sem saber adquirindo. 0O0 Lembrava-se às vezes de Tupaceretâ. Foi lá que recebeu a primeira carta na vida. Era de seu amiguinho António Lozza, que também trabalhava numa casa comercial em Porto Alegre. Em Tupaceretâ assistia à matança de bois em pleno campo, perto da casa. Aquela cena diária o impressionava fortemente. E, meio envergonhado lembrava-se da única vêz em que foi "embrulhado" no balcão, e juntamente por uma mulher! Ela comprou um vidro de óleo para o cabelo (a vaidosa!) e disse ao menino que depois viria pagar. E não veio até hoje... OUTRA VÊZ COM OS LIVROS Foi para a Escola Complementar. Nela reviu seus professores, Antero José de Almeida, e Nestor de
  • 43. 45 PRÍNCIPE DA IGREJA Oliveira e reavivou a antiga camaradagem com seus amiguinhos Luiz Fernandes Callage, José Borba e Álvaro Corrêa. Arranjou mais um, Felinto Lopes Bembom. Na Escola Complementar os estudos eram mais desenvolvidos. César estudou gramática e geometria. Ao lado dos estudos os brinquedos eram também mais interessantes. No recreio jogava gude, fazia corridas, brincava de barra com os coleguinhas. Ao lado da escola havia um campo onde o menino ia muitas vezes procurar folhas de trevo de quatro ou cinco pétalas, ou erva santa, porque acreditava que davam sorte... Se davam sorte ou não davam não podia dizer, mas é certo que vizinha de sua casa morava uma menina chamada Corina Canduro, e sempre iam juntos à escola. Como era curto o caminho da escola! Certo dia a menina viu o menino triste. Seria paixão? Não; tinha perdido o lápis. Muito carinhosa deu-lhe prontamente o seu. Essa menina César nunca mais a viu. não sabe se ainda vive. Lembra-se porém dela, e principalmente de seu coraçãozinho, que sendo pequenino já sabia ser bonito. Eram, também seus vizinhos e seus amiguinhos dois irmãos, Júlio e Setembrino de Campos. Desse tempo restaram algumas impressões na alma do menino. Seus companheiros mostraram-lhe o lugar onde um estudante matou outro com profunda facada. Duas vezes escapou de ser picado por
  • 44. 46 NELSON DE GODOY COSTA serpentes; a primeira foi num campo e a segunda no quintal da casa de Felinto Lopes Bembom. Quase que o Felinto não ficou mais sendo bem bom... Outra impressão que nunca mais se apagou de sua lembrança foi o castigo imerecido que sofreu por parte da negligência de um professor. Teve de ficar duas horas na cafua da escola. Cafua era um quarto escuro, completamente fechado. Nunca mais se esqueceu da injustiça do professor. Tinha também suas grandes alegrias. Certa noite tentou escrever uma poesia. Escreveu e mostrou-a a seu pai. E até hoje não sabe por que naquela mesma noite disse ao pai que já estava espantado com a poesia essa coisa assombrosa: Queria ser presidente da França.
  • 45. 47 CAPÍTULO QUARTO FATOS EXTRAORDINÁRIOS Dois incidentes dos quais até hoje guarda lembrança mais viva, pois dizem respeito a fatos singulares que testemunhou na casa em que morava. Seu pai tinha feito um "puxado", (suplemento à casa), no fundo para servir de quarto a César e a seu mano Paulo que logo voltaria de Tupaceretâ. Enquanto seu irmão não vinha César dormia sozinho no quartinho. Todas as noites, tarde da noite, ouvia o ruido surdo de correntes que se arrastavam ao longo da parede junto a qual dormia. Parecia-lhe ser algum cão fugido que à procura de ossos por ali farejava arrastando as correntes. Muito mais tarde, anos depois, leu a biografia de John Wesley e concluiu que em sua casa dava-se fenómeno de igual natureza. Também muito mais tarde por esclarecimentos de outros ligou ao fato de ter desenterrado junto ao tronco de uma laranjeira que ficava perto da parede, ao lado da qual dormia, um
  • 46. 48 NELSON DE GODOY COSTA estribo, um machado e o cano de uma garrucha, objetos de alguém talvez ali assassinado. O segundo fenómeno que testemunhou por esse tempo foi um andar lento, demorado, de tamancos do quarto de sua mãe para o seu quarto. Acordou com o rumor. Observou-o por longo tempo pensando que era sua mãe. Lembrou-se, porém, que sua mãe não usava tamancos dentro de casa. Procurou ver quem era que andava dentro da casa de um lado para outro. Não viu ninguém. Gritou. Sua mãe já estava acordada ouvindo o mesmo barulho. Chamou-o. Acenderam o lampião, revistaram a casa toda e nada encontraram. Atribuíram o acontecido a uns papéis velhos, muito velhos, cheios de orações que certa moça, de sejando libertar-se das garras de sua tia muito má, Maria Jerônima de Quadros, tinha pedido a uma feiticeira. Essa moça, Ritinha, presa em casa, não podia ir ao centro da cidade, pedira à mãe de César que mandasse atirar os papéis na direção do altar-mór da Igreja da Matriz. A boa senhora, muito ocupada sempre, esqueceu-se porém e os papéis ficaram por ali rolando. A verdade é que no dia seguinte, logo de manhã, a senhora mandou o menino atirar os famigerados papéis na direção do altar-mór. César foi mais que depressa. Atirou-os da porta com tanta força, que até hoje receia tenham os papéis atingido, profanado alguma imagem.
  • 47. 49 CAPÍTULO QUINTO HORIZONTES DO METODISMO No ano de 1900 a Igreja Metodista abriu trabalho em Santa Maria. O Rev. J. W. Price alugou uma sala na rua do Comércio, entre a praça do Mercado e a rua Marquês de Herval. A Igreja Episcopal já se havia adiantado, porém e quando a Igreja Metodista chegou todos os elementos simpáticos ao Evangelho já tinham sido arrebanhados por aquela igreja que persistiu no seu esforço de proselitismo. Em fins de 1901 o Rev. J. W. Price recebeu um pastor ajudante, o jovem António Fatrício Fraga, que em 1902 foi para o Colégio Granbery, de Juiz de Fora, preparar-se convenientemente para o Santo Ministério, em vista de sua decidida vocação confirmada nos meses em que auxiliou o missionário.
  • 48. 50 NELSON DE GODOY COSTA O pai de César descobriu a sala de cultos da Igreja Metodista e imediatamente principiou a frequentá-la. Levou seus filhos. César, seus irmãos menores, suas irmãzinhas iam muito contentes, porque foram recebidos com todo o carinho pelo casal, que lhes ensinava cantar os hinos que pela sua beleza sempre causaram funda impressão na alma pequenina. Assistiam às reuniões com verdadeiro prazer; em certos dias da semana distraíam-se em leituras de livros interessantes e em outros dias entregavam-se a trabalhos manuais de que gostavam imensamente. César tinha nove anos. Era um menino forte e gordinho. Lembra-se com viva emoção da primeira poesia, seu primeiro recitativozinho na primeira festa de Natal da Igreja Metodista. Principiou trémulo na frente de toda aquela gente mas depois sua voz foi se firmando e terminou bem com sorrisos de aprovação de todo o auditório. Desceu vitorioso do palco. Terminados os recitativos veio a hora dos presentes, a hora melhor para a gurizada. Cada criança atirava um anzol improvisado sobre uma colcha que cobria parte de uma porta aos fundos, e dizia seu nome. Chegou a vez de César. A mãozinha gordinha atirou o anzol, tirou um cartuchinho de doces e um Novo Testamento pequenino. Mais tarde a sala de cultos passou para uma casa na esquina das ruas Duque de Caxias e Coronel Niderauer, com frente para a praça do Mercado. Em 1906 o moço António Patrício Fraga tornou
  • 49. 51 PRÍNCIPE DA IGREJA a Santa Maria como pastor sucedendo a J. W. Price. Encontrou César com a idade de treze anos assíduo aos trabalhos, firme na Igreja, sempre entusiasta revelando já o extraordinário trabalhador que seria mais tarde, que sempre foi em toda a vida. A Igreja Episcopal continuava em luta aberta. É o próprio Rev. António Patrício Fraga, hoje aposentado, depois de longo ministério, quem nos diz: bastava uma pessoa principiar a assistir os cultos na Igreja Metodista para se tornar vítima de tantos convites, acompanhados de tantas argumentações, que só não "bandeava" se fosse realmente forte. César sofreu esses "ataques". Tratando-se de um menino esperançoso, que em tudo se revelava extraordinário, os convites multiplicavam-se tornavam-se insistentes, impertinentes. 0 menino, porém, desde o princípio foi metodista de verdade. Enquanto Fraga estava em Juiz de Fora, estudando, aconteceu na igreja qualquer coisa de que o pai de César não gostou. Afastou-se do trabalho para nunca mais frequentá-lo com assiduidade. Hoje César lamenta profundamente que estando seu pai tão interessado na igreja e procurando interessar seus filhos e encaminhá-los, não recebesse uma visita do pastor. Será isso que leva hoje o primeiro bispo brasileiro da Igreja Metodista do Brasil a pedir, a insistir, a exigir dos pastores metodistas que visitem assiduamente, cuidadosamente os membros da Igreja e os candidatos à profissão de fé? Nos seus olhos paira a
  • 50. 52 NELSON DE GODOY COSTA visão tristonha de seu pai abandonando tristemente a igreja e pelo pastor abandonado, criminosamente. "Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a sua vida pelas suas ovelhas". Foi naquela escola dominical dirigida carinhosamente por d. Elisa, a esposa do Rev. J. W. Price, que aos olhos do menino surgiram os primeiros horizontes do Metodismo. BRINCANDO DE FAZER CULTOS Todas as crianças gostam de brincar e conseguem justamente muitas vezes a brincadeira de sua predileção. César não se lembra bem como foi, mas o fato é que uma Biblia veio parar-lhe as mãos. Diante do livro misterioso perdia-se em cogitações. Procurava lê-lo e compreender-lhe o mistério. Um dia entendeu que a Biblia podia ajudá-lo a dirigir culto; foi para o grande depósito de material de construção que seu pai tinha construído ao lado da casa. Chamou seus irmãozinhos que o acompanharam curiosos e com eles formou uma congregação. Subiu a uma pilha de tábuas e daquele púlpito anunciou os hinos, fêz oração, proferiu o sermão. Foi bem sucedido porque seus irmãozinhos gostaram do brinquedo e repetiu-o muitas vezes. Hoje gostaria de ser um de seus maninhos naquela congregação, cantando hinos, ouvindo as orações, escutando os sermões, naqueles cultinhos de brinquedo da infância tão querida, tão saudosa e distanciada para nunca mais.
  • 51. 53 PRÍNCIPE DA IGREJA UM BOM PASTOR Foi então para Santa Maria um dos ministros que por sua educação esmerada, sua piedade admirável, seu esforço invencível mais se erguem no conceito e na admiração de César Dacorso Filho. É o Rev. José Leonel Lopes. Logo que chegou transferiu a sala das reuniões para a rua do Acampamento. O menino agora levado pela admiração que votava ao pastor e não só era assíduo aos trabalhos, como ainda muitas vezes ia à sua residência, uma linda chácara no Alto da Eira, com ameixeiras que constituíam as delícias do pequeno visitante. Não só se deliciava com as ameixas. Serviçal, oferecia-se para ajudá-lo e o Rev. Leonel Lopes sabendo que êle tinha letra bonita pedia-lhe que o auxiliasse na transcrição das atas das Conferências Trimensais. Foi o único pastor que visitava a família, apesar da frieza religiosa dos Dacorso. Reunia todos na sala, ensinava-lhes hinos, orava com todos. César Dacorso Filho agradece a Deus pela influência que esse pastor exerceu sobre sua vida. Quando me propus a escrever a biografia de César Dacorso Filho não pensava que um dia viria a ser pastor de uma mulher extraordinária. Esta senhora é a viúva do Rev. José Leonel Lopes. Reside em Piracicaba, minha paróquia. É d. Jovita de Araújo Lopes uma encantadora anciã pequenina, magrinha,
  • 52. 54 NELSON DB GODOT COSTA delicada, já vitoriosa sobre sua vida em setenta e seis anos. Na primeira visita pastoral que lbe fiz procurei ouvi-la. Dona Jovita lembra-se com saudades de Santa Maria, do Rio Grande do Sul. Recorda-se muito do Bispo César. E guarda carinhosa a glória de ter sido professora de César Dacorso Filho na Escola Dominical. Diz emocionada: "Era um menino educado, comportado circunspéto e que sempre sabia muito bem a lição". No Concílio Regional, em janeiro de 1953, o Bispo veio à Piracicaba. Encontrou dona Jovita numa das recepções do Instituto Piracicabano, à hora da fotografia oficial. Perguntei-lhe sorrindo: "Conhece-o dona Jovita? Respondeume emocionada: "É o nosso Bispo. O Bispo César foi além. Emocionado, sorrindo disse: "É minha mãezinha! Corri, apanhei uma cadeira, coloquei-a na primeira fila. E entre os grandes da Igreja foi fotografada aquela mulher extraordinária que tinha sabido ser esposa de um grande pastor, de um bom pastor, o Bev. José Leonel Lopes.
  • 53. 55 CAPÍTULO SEXTO APRENDIZ DE TIPÓGRAFO A situação financeira da família Dacorso voltou a tornar-se difícil, novamente, e o menino não pôde continuar na Escola Complementar por mais de um ano. Principiou a trabalhar numa tipografia que publicava "0 Combatente" jornal antigo em Santa Maria, dirigido então por Oto Brinckman e redigido por João Belém, escritor de nome no Sul, autor da História do município de Santa Maria. O menino trabalhava com gosto e por isso mesmo trabalhava bastante. Era natural que esperasse receber alguma coisa no fim do mês. Veio o fim do mês. Nada recebeu. No mês seguinte trabalhou mais ainda. E, ainda o diretor aumentou-lhe a carga, dando-lhe a entrega do jornal numa parte da cidade. Ainda mais: tiveram de mudar a tipografia para um prédio pouco a cima na rua do Comércio e o menino quase se matou de
  • 54. 56 NELSON DE GODOY COSTA tanto carregar caixas vazias c caixas cheias de tipos. No fim do mês recebeu um ordenado fabuloso: dez cruzeiros! UM MENINO RESOLVE MUDAR DE VIDA Era muito pouco dinheiro para tanto trabalho. Era muito desaforo também. O menino resolveu voltar para o comércio. Desde que não podia ser intelectual no jornalismo seria comerciante. . .. Empregou-se, sentindo a injustiça e o "tubaronismo" do diretor do jornal. Foi trabalhar na casa de secos e molhados de Arnaldo Ferreira da Silva, natural da Candelária, estabelecido entre as ruas Duque de Caxias c do Comércio, hoje Dr. Bozano. No balcão, às vezes César lembrava-se da tipografia do "Combatente". Lembrava-se por exemplo daquele fato que até hoje não explica. Foi assim: Certo dia o dono da tipografia mandou-o lavar uns quadros, juntamente com o companheiro de trabalho, um menino chamado Nobre. César estava aborrecido e em dado momento, meio irritado disse a Nobre: "tomara que esses vidros se quebrassem!" Pois não é que ao colocar um vidro com todo o cuidado sobre uma pedra, o vidro quebrou-se de alto a baixo! 0 fato testemunhado por outros companheiros causou funda impressão. Causou funda impressão também a zanga do patrão. Ficou furioso por causa de um simples vidro! Ficou como louco!
  • 55. 57 PRÍNCIPE DA IGREJA Pudera! O coitado entrou marcado neste mundo. Cabeça enorme, barriga de mono, pernas pequeníssimas, ressequidas, pés torcidos, pelo que usava muletas. Usava cavanhaque e o linguajar era sujo e vulgar. Nada porém, importava a César. Esses sofrimentos iam robustecendo a alma do menino, preparando-o para vencer sofrimentos maiores, mesmo no episcopado, do menino que aprendeu depressa todo o trabalho da tipografia, que o executou prontamente, com honestidade. E que jamais tirou, jamais furtou sequer um tipo. Em meio aos trabalhos do balcão lembrava-se também do "O Bicho". "O Bicho" era um jornalzinho que tentou publicar com o auxílio de Luiz Fernandes Calage, quando estudante da escola complementar. O Luiz tinha meio quilo de tipos imprestáveis, distribuídos em caixas de fósforos pregadas numa tábua. 0 prelo feito na casa de César eram duas tábuas ligadas por dobradiças. Um amigo deu-lhes tinta sobrada de umas latas jogadas no lixo. Quando ganhavam um níquel iam correndo comprar papel e imprimiam o jornal. Chegaram ao heroísmo de ter clichés de pau. O jornalzinho chegou a sair umas dez vezes. Foi uma vitória! Depois, coitado, faliu. Mas faliu por falta de assinaturas e de leitores. Não foi por outra coisa! Hoje César gostaria de possuir a coleção desse jornalzinho para se deliciar com o que, quase redator exclusivo, publicava. Um artigo que escreveu e que
  • 56. 58 NELSON DE GODOY COSTA naquele tempo causou viva admiração ao seu companheiro de imprensa, o Lizoca, Luiz Fernandes Calage, lembra-se muito bem, foi sobre a Liberdade. ----- 0O0 ---Quase todo o ano de 1905 César passou como caixeiro de Arnaldo Ferreira no velhissimo sobrado da esquina da rua Duque de Caxias com a rua Dr. Bozano, naquele tempo, rua do Comércio. Era seu companheiro de serviço um rapaz chamado João, filho de um alemão, Henrique Pauster, rapaz que frequentava os cultos e chegou a ser membro da Igreja Metodista, ao tempo do Rev. J. W. Price. Muito mais velho que César deveria ser um bom exemplo para o menino; infelizmente não o foi antes o prejudicou bastante. César levou para o episcopado a lição de que maus membros de igrejas, crentes péssimos há em todas as paróquias. Tinha aprendido em menino a lição. A esses crentes o Bispo tratou com paternidade, mas com energia verdadeira. Cânones com essa gente 1 O novo caixeirinho passou a dormir num armazém contíguo à loja, em cima de uma armação de madeira, perto de onde dormia o companheiro de balcão. João saía todas as noites. Fechava o armazém por fora e o pobre menino ficava trancado lá dentro das oito horas em diante, nunca vendo quando o moço chegava, muito tarde, naturalmente. Aos domingos César tinha folga e ia para casa de seus pais.
  • 57. 59 PRÍNCIPE DA IGREJA No serviço levantava-se muito cedo, quando ainda era escuro, ia à casa do patrão buscar a chave da loja. O patrão morava a uns duzentos melros, na praça dos Protestantes. César voltava, abria a loja, uma mistura de armarinhos e secos e molhados, varia e espanava-a muito bem. Depois que o patrão chegava e que o João ia tomar café, por último ia o menino. Na casa do patrão tomava as refeições. Na loja arrumava as mercadorias, picava fumo para o patrão, servia-o com chimarrão, entregava as compras e entregandoas punha-se em longas caminhadas sob uma soalheira incrível com uma arroba de açúcar às costas, ou um embrulho enorme de fazendas docndo-lhe os braços. Nesse tempo nada estudou. Trabalhava desde a madrugada até altas horas da noite, sem descanso de um momento. Depois caía vencido de sono. Era vergonhosamente explorado. Seu patrão pagava-lhe apenas dez cruzeiros por mês! Foi nesse tempo que principiou colecionar selos; seu companheiro também colecionava. Reunindo aqueles primeiros selos, guardando-os com cuidado o menino já pensava numa grande coleção. Hoje possui-na. As injustiças do patrão, o mau exemplo do companheiro, as desonestidades do comércio testemunhadas a todo o instante não macularam, felizmente, o pequenino coração que se abria para o grande sol da vida.
  • 58. 60 NELSON DE GODOY COSTA Tinha, é verdade, deixado um pouco a religião. Quase não ia à igreja. Certo dia porém, encontrando o Rev. José Leonel Lopes a poria do correio, corou, ficou envergonhado. Por quê? É que em sua alma pequenina havia acenos insistentes para o bem contra o qual o mal não poderia. Dedicado ao serviço, não abandonava a loja. Só uma vez saiu para ir à casa; foi ver um irmão que se havia queimado. Um dia absorto no trabalho esqueceu-se de que estava no alto de uma escada encoslada à prateleira. Perdeu o equilíbrio, rodopiou, foi ao chão. Não se machucou mas causou um susto em toda a freguesia. 0O0 Certa manhã varria a loja quando se deu formidável estrondo no fundo da casa. César assustou-se, correu para dentro a ver o que era, procurou por toda a parte e não achou nada. Que teria sido? Depois de muito tempo descobriu. Era um garrafão cheio de melado até a boca, muito bem arrolhado. O melado azedou e estourou. O patrão era doido por melado, mas miserável, esquecia-se de que os outros gostavam também e nunca lhes oferecia. O garrafão estourou, o melado entornou e o menino sorriu deliciado. Depois de algum tempo César achou que era desaforo ficar trancado á chave no armazém, enquanto seu companheiro gozava plena liberdade lá fora até
  • 59. 61 PRÍNCIPE DA IGREJA quando queria. Arranjou uma chave em casa. Mas a chave não servia na fechadura. Por azar deixou-a em cima da cama, na armação onde dormia. 0 patrão foi ali deitar-se para a sesta, segundo seu costume, e encontrou a chave. Chamou o menino e principiou a interrogá-lo: "de quem era aquela chave, quem tinha trazido-a ali, por que estava em cima da cama." Um longo interrogatório por uma coisa pequenina, sem importância. César a princípio achou ser desaforo e quis negar, mas lembrou-se de que era homem. Respondeu firme: "a chave é minha e trouxe-a de casa." Até hoje não sabe se o patrão desconfiou que a chave fora arranjada com o propósito gorado de entrar na loja bem tarde da noite, como se o menino fosse um homem... 0O0 César nunca pôde guardar lembranças agradáveis de seu companheiro de trabalho, que procurava tudo para aborrecêlo. Sempre estava a esquentar a cabeça de César. Num dia em que o menino estava picando fumo para o patrão, aborrecido pela natureza do serviço que não gostava de fazer, o João principiou a aborrecê-lo. Esquenta e mais esquenta-lhe a cabeça, César que estava com um facão ameaçou de cortar-lhe o dedo que o João apontava-lhe provocando-o. Quando César dava-lhe o golpe o outro encolhia o dedo. Mas chegou a vez do menino acertar e o dedo ficou pendurado. Quando César viu o sangue
  • 60. 62 NELSON DE GODOY COSTA esguichando ficou tranzido de dor e de susto. O companheiro, porém, foi honesto. Reconheceu que a culpa era dele mesmo e de mais ninguém. Serviu-lhe a lição: provocar a ira aos outros nunca dá bom resultado. o0o Um fato que causou funda impressão na alma do menino foi a fuga de seus dois amiguinhos, Luiz Fernandes Calage e José Borba. Os garotos foram para Porto Alegre, procurando alcançar o Rio de Janeiro. Queriam conhecer o mundo. César lembrando-se das vezes em que, juntos sonhavam com a conquista do mundo, sentiu deveras não ter ido junto com eles na aventura. Poucos dias depois tudo foi por água a baixo. Os dois sonhadores regressaram acompanhados de investigadores policiais. Inspirado por esse acontecimento, um verdadeiro acontecimento na vida do menino, César escreveu o seu primeiro artigo. Quantos depois daquele iria escrever nunca o soube, e quantos escreveu. Uma coisa sabe, porém: lamentar o desaparecimento daquele primeiro artiguinho que êle mesmo reputava, êle mesmo, uma grande peça literária. Já então andava calçado. Seus sapatos eram de lona como os atuais chinelos de "roda". Tinha vontade imensa de ter um terninho, uma "fatiota" como se diz no Sul, de certa fazenda que morava nas prateleiras da loja. Nunca entretanto, conseguiu bas-
  • 61. 63 PRÍNCIPE DA IGREJA tante dinheiro para isso e o miserável do patrão jamais pensou em dar-lhe um terninho de presente. 0O0 Mistérios do coração de uma criança... Havia uma menina vizinha. Era linda e chamava-se Felicidade. Às vezes passava pela porta da loja. E, então o menino ficava todo refestelado, todo contente, porque gostava muito dela. Passava, ia embora e os olhos dele a acompanhavam até sumir na esquina ou entrar em casa. Sabia que a queria mas nunca soube se algum dia foi querido... ■0O0 O velho Henrique, pai do companheiro de balcão, todas as manhãs vinha ao armazém, e sem mais nem menos, dirigia-se ao barril de pinga, enchia um copito e o entornava na garganta. Nunca perguntou a César quanto custava ou quanto tinha de pagar, e aquilo intrigava muito ao menino. Por que faria? Pensaria ter direito pelo fato do filho ser caixeiro, ou abusava de César ser um garoto, ou o dono tinha dado licença o que era difícil, aquele miserável, de quem um dia o garrafão de melado estourou, derramou... A primeira vêz que César viu elefantes foi na chegada de um circo de cavalinhos. Ficaram "hospedados" numa estrebaria abandonada na casa do velho Henrique, e no domingo cedo o João veio
  • 62. 64 NELSON DE GODOY COSTA chamá-lo para ver os bichos. Estava todo importante com o convite. Pudera! eram seus hóspedes... Paulo, o irmão mais velho de César estava colocado como telegrafista e escriturário na Viação Férrea do Rio Grande do Sul, trabalhando no escritório do chefe do Tráfego. Conseguiu que César fosse admitido como praticante de telegrafista e escriturário ao mesmo tempo. Contentíssimo o caixeirinho deixou imediatamente a loja do Arnaldo, sem lhe dar qualquer satisfação, mesmo porque o patrão estava viajando naquele dia. Seu pai é que depois foi delicadamente apresentar desculpas e ajustar as contas. Quando chegou à casa não trazia de todos os trabalhos e canseiras, das humilhações e desapontamentos, não trazia mais do que sete cruzeiros sujos e magros.
  • 63. 65 CAPÍTULO SÉTIMO NA VIAÇÃO FÉRREA DO RIO GRANDE DO SUL No dia dois de dezembro de 1906 o excaixeirinho do armazém do Arnaldo foi admitido como praticante de telegrafia. Ficou trabalhando no escritório do chefe do Tráfego, onde havia um aparelho para o chefe, para o sub-chefe e para o inspetor da Primeira Seção. Aproveitando a oportunidade de estar num escritório de responsabilidade, o menino sedento de saber foi se enfronhando nas horas vagas dos serviços de escrita e outros que ali se faziam. No dia 1.° de agosto foi promovido a telegrafista. Praticou telegrafia quanto pôde, mas aos poucos foi deixando, pois era chamado para cuidar do ponto do pessoal do tráfego, da expedição da correspondência,
  • 64. 66 NELSON DE GODOY COSTA da correção dos horários dos trens, do diagrama dos trens que corriam diariamente, do cálculo da quilometragem vencida pelos comboios, das folhas de pagamento e do arquivo por êle mesmo organizado. O chefe do Tráfego era um alemão de poucos amigos. Inspirava repulsa e medo ao jovem funcionário que sempre evitava atender-lhe a campainha. O sub-chefe era um gaúcho distintíssimo que, principiando a carreira como simples contínuo conseguiu pelo seu valor ir subindo a telegrafista, conferente, agente, inspetor. Chamava-se Alfredo Leopoldo d'Ávila. O Inspetor da primeira seção era o Dr. Otacílio Pereira, glória da engenharia gaúcha, hoje chefe da Viação Férrea. No escritório o menino de 16 anos trabalhava com prazer. No fim do segundo mês recebeu seu ordenadozinho de praticante; trinta e cinco cruzeiros. Caprichava na letra. Tem-na muito bonita. Procurava ter tudo em ordem. Na alegria do trabalho chegou a fazer serão por conta própria. Seguidamente ficava além das horas de serviço regular para atender, com satisfação, os chefes. Organizou um arquivo que mereceu elogios fartos dos superiores. 0 papel solicitado, qualquer que fosse, onde quer que se encontrasse, de qualquer data, era-lhes em poucos momentos posto às mãos. Seu mano Paulo, companheiro de escritório, esmerava-se também no cuidado para com as obrigações.
  • 65. 67 PRÍNCIPE DA IGREJA Seu salário foi melhorando aos poucos, até que, quando deixou a Viação Férrea, já estava recebendo cento e setenta e cinco cruzeiros, que, com as gratificações, era maior do que o de muitos escriturários e agentes de estação. César não pode deixar de estremecer ao lembrar-se, ainda hoje, que quase foi causador de um encontro de trens. Foi assim: os comboios corriam entre as estações de Couto e Rio Pardo e o jovem tinha transmitido um telegrama em que a palavra loc (locomotiva) aparecia diversas vezes, sempre seguida de números. A linha estava muito ruim e o telegrafista que recebia o telegrama a todo o momento interrompia, pedindo confirmação. Repete que repete César saltou uma linha produzindo a confusão. Mais tarde viu a fita do aparelho de Rio Pardo enviada para exame. Sua falta era grande, realmente quase um crime. Sentia que não tinha desculpas embora soubesse que poderia ter acontecido com qualquer telegrafista, mesmo o mais cuidadoso. Sabia igualmente que era melhor escriturário do que telegrafista, ou pelo menos que gostava mais daquele serviço embora fosse bom telegrafista e seu exame para promoção tivesse como assistente o próprio sub-chefe. Outro fato de que o jovem de Santa Maria não se esquece foi o seguinte: num dia de chuva não foi almoçar em casa, que era longe. Ficou no escritório, e como fazia muito frio, resolveu encher a estufa de
  • 66. 68 NELSON DE GODOY COSTA carvão de pedra para aquecer o escritório. Certamente seus chefes ficariam contentes com o espirito serviçal do auxiliar. Foi pondo carvão, foi enchendo, e mais e mais até que quando percebeu a chaminé já estava rubra e das tábuas do forro saia fumaça. Não teve outra alternativa senão gritar pedindo socorro. Acudiram em tempo e evitaram que o escritório pegasse fogo. Foi um susto bem grande. AFINAL ESCRITURÁRIO Em 1.° de julho de 1909 foi nomeado escriturário do Serviço Central do Tráfego. Tinha 18 anos. O tempo em que passou na Viação foi um dos mais decisivos em sua vida. O escritório em que trabalhava ficava nas proximidades da estação da estrada de ferro e o jovem escriturário morava do outro lado da cidade. Para atender ao trabalho caminhava cerca de oito mil metros por dia em duas idas e voltas. Quem conhece o inverno sulino, o frio, a lama, ou quem conhece o calor esturricante do verão comprenderá facilmente o sacrifício que essas caminhadas representavam. César fazia contudo essas verdadeiras jornadas com alegria na alma. Estava firmando-se nas cordas da Vida. Tinham ficado para atrás as horas esta-fantes de simples caixeirinho de balcão. Não! Êle sentia que sua vida não seria a de um apagado
  • 67. 69 PRÍNCIPE DA IGREJA caixeirinho de balcão. Não teria mais a companhia prejudicial de um mau companheiro, de um moço mais velho que ele, e, que apesar de pertencer a uma igreja evangélica lhe dava maus conselhos e maus exemplos. Não viveria a vida toda subordinado a um patrão miserável que só pensava em si e que não tinha uma palavra de estímulo ou de agradecimento para com aqueles que se matavam para que êle se enriquecesse. Foi essa a impressão robustecida provada pela expressão lida no rosto de seu pai ao chegar à casa naquela tarde trazendo depois de tantas canseiras, tantos trabalhos e tantas humilhações aqueles sete cruzeiros sujos e magros. Não, não seria assim! A Viação Férrea era um passo a mais. E seus pés se estenderiam, alcançariam maiores distâncias, erguer-se-iam, atingiriam alturas maiores. Atirou-se novamente aos estudos. Estudar sempre foi o seu grande sonho; estudar, conhecer, saber, sim, saber muito! Principiou a frequentar as aulas noturnas dadas pelo vice-cônsul italiano, Ancarani; depois passou para a escola do professor Cícero Barreto, à rua Dr. Bozano. Mais tarde tomou lições com o Bev. António Patrício Fraga, pastor da Igreja Metodista a esse tempo. Havia um missionário adventista, muito bom, Dr. Gregory. 0 moço fez amizade com êle, ganhou-lhe o coração, e principiou a estudar inglês. Esses estudos que eram seu prazer e suas mais
  • 68. 70 NELSON DE GODOY COSTA caras esperanças exigiam-lhe sacrifícios; êle porém os faria, faria ainda maiores se fosse preciso. Que era andar ainda mais seis quilómetros todos os dias e ir para a casa jantar às nove horas da noite e depois continuar sobre os livros até altas horas? Principiou a guardar algumas economias de seu pequeno salário e com elas comprava livros, histórias, romances, gramáticas; leu toda a coleção de Samuel Smiles. O primeiro romance que leu foi "O Moço Loiro". Leu muitos livros de Alexandre Herculano e de toda a literatura portuguesa. Livros vinham dia a dia enriquecendo sua pobre prateleira. A princípio guardava-os em casa. Depois conseguiu, com seu mano Paulo, muito seu amigo sempre, alugar um quarto no centro da cidade. O inverno era rigoroso e as caminhadas penosas para o serviço. O quarto não tinha luz elétrica. Um lampião de querosene barato iluminava o moço e o livro. NOVOS E BONS AMIGOS Fêz novas amizades', ganhou novos e bons amigos. Um deles era um moço chamado Oswaldo Nascimento seu vizinho; entre o filho do construtor e o filho do quitandeiro alicerçou-se uma amizade bonita, fortalecida pela mesma predileção pelos livros, a mesma vontade imperiosa de saber. Outra e talvez mais bela afinidade ligou-o a dois irmãos, João e Efraim Salém. Foi a afinidade espiritual que prendeu em suas forças benditas os três rapazes crentes, sin-
  • 69. 71 PRÍNCIPE DA IGREJA ceros e piedosos e César Dacorso Filho hendiz até hoje essa amizade que lhe foi bem extraordinário na fixação de seu caráter cristão. Eram uma companhia agradável com quem César gostava de andar, a quem gostava de visitar e de quem gostava de ser visitado. Económico, muito económico desde menino, principiou a depositar na Caixa Económica algumas economias. Com alegrias cantando dentro da alma começou a ajudar seus pais; ajudou sua irmã que ia casar-se e ainda sobraram-lhe cruzeiros que a êle mesmo, mais tarde o ajudaram muito, muito mesmo. A GRANDE DECISÃO Chegou afinal a grande decisão. Jovem sensato, trabalhador, fitando a Vida como quem realmente conhece nela o seu sentido de extraordinária divindade inspirada pelo próprio Autor, César ouviu o chamado transcedental da vocação. Atendeu-o pronta e resolutamente. A voz chamava-o para o Ministério Santo da pregação do Evangelho e da administração da Igreja de Cristo na terra. César seria pastor. Em outro capitulo falaremos demoradamente de sua conversão. Atenderemos ao desejo natural de nossos amáveis leitores em saber da conversão do primeiro Bispo brasileiro da Igreja Metodista do Brasil.
  • 70. 72 NELSON DE GODOY COSTA Em 18 de setembro de 1910 pediu demissão da Viação Férrea do Rio Grande do Sul. Ia matricular-se como candidato ao Santo Ministério no Colégio União, de Uruguaiana, no mesmo Rio Grande do Sul. Continuava estudando inglês agora com o Rev. James Terrell, missionário em Santa Maria. Tinha conquistado na Viação Férrea e na cidade, entre homens de valor, um grande círculo de amizades. Quando foi apresentar suas despedidas recebeu dos chefes o seguinte certificado: "Certifico que o Sr. César Dacorso Filho foi admitido na Viação Férrea do Rio Grande do Sul, na qualidade de praticante de telegrafia, em 2 de dezembro de 1906; promovido a telegrafista em 1.° de agosto de 1907 e nomeado em 1.° de julho de 1909, escriturário do Serviço Central do Tráfego, cargo que ocupou até a presente data em que lhe é concedida exoneração a seu pedido. "É grato consignar que demonstrou sempre ati-vidade, inteligência e zelo no cumprimento dos serviços que lhe foram confiados, merecendo por tais predicados os louvores e a confiança de seus superiores. Santa Maria, 18 de setembro de 1910. O chefe do Tráfego, M. Renaduce Visto. O diretor interino, F. von Rock Hoje, como seus superiores outrora, superior na hierarquia eclesiástica, César Dacorso Filho pode exigir dos superintendentes distritais e dos pastores zelo no cumprimento do pastorado. Êle dá o exemplo. Escrevia em 25 de abril de 1941: "... continuo sob
  • 71. 73 pressão tremenda de trabalho. Diariamente das 6,30 da manhã até alta noite me entrego ao esforço de melhorar a administração, a organização, a espiritualidade da Igreja por meio de cartas circulares e outros trabalhos. Estou cansado". Em outra ocasião escreveu: "O episcopado vai se tornando cada vez coisa mais trabalhosa e absorvente. Agora estou trabalhando sem cessar das 5,30 da manhã às onze da noite para dar conta de minhas obrigações. Eu mesmo me admiro como posso aguentar tanta coisa". Pode exigir! Porque, quando subordinado, ofereceu aos seus superiores exemplo admirável no cumprimento do dever. PENSA INICIAR-SE EM POLÍTICA... ... O CORAÇÃO ENSAIA ALGUNS PASSOS... Ao tempo de seu trabalho na Viação Férrea principiou a tomar interesse pela política. Seu entusiasmo cresceu quando chegou a campanha para a presidência da República ferida entre Rui Barbosa e o Marechal Hermes da Fonseca. O jovem de 18 anos abraçou calorosamente a causa de Rui. Fez extraordinária propaganda, conseguiu qualificar vários eleitores para a Águia de Haia. Dezoito anos. O coração ensaia alguns passos. .. Teriam sido os primeiros? E aquela menininha bonitinha que passava pela frente do armazém do Arnaldo?... Mas... seriam naquele tempo os primeiros passos...
  • 72. 74 NELSON DE GODOY COSTA Agora o coração tinha mesmo despertado e César gostou, gostou com simplicidade, mas gostou verdadeiramente de uma jovem bonita chamada Francisca e conhecida entre os íntimos pelo seu apelido, Chiquinha. Crente, piedosa e simples, Chiquinha exerceu notável influência na vida espiritual de funcionário da Viação Férrea. Colaborou eficazmente no melhoramento de sua vida espiritual, nas atividades da Igreja Metodista, na sua profissão de fé. Tudo iria para adiante naquela amizade bonita; acontece porém, que os pais da jovem residiam em Porto Alegre c ela voltou para a capital sul riograndense, e embora muitos cantem naquele hino que "a distância não apaga o amor" a verdade é que o amor apagou-se na distância. A jovem esqueceu-se do moço de Santa Maria e substituiu-o por um moço de Porto Alegre. Por que fêz isso? Não era ela quem lhe passava bilhetinhos apaixonados quando César a cumprimentava ou se despedia dela nos encontros rápidos e medrosos, bilhetinhos que falavam de um amor que nunca haveria de morrer? Às vezes o moço passava pela residência da menina e procurava falar-lhe. Multiplicaram-se os encontros à porta da casa da moça e uma vêz foram surpreendidos pelo Rev. António Patrício Fraga e esposa, de quem a jovem era irmã e cunhada. Surpreenderam os pombinhos mas não lhes disseram coisa alguma. Por que dizer? O amor não é uma coisa tão boa e namorar não é tão gostoso?
  • 73. 75 PRÍNCIPE DA IGREJA Essa foi a ingrata que o deixou pelo moço da capital. O coração humano é eternamente um mistério indecifrável. César, esquecido pela jovem de Porto Alegre, procurou outro amor. Era uma cunhadinha do mesmo Rev. António Patrício Fraga. As coisas principiaram bem, foram melhorando, melhorando mais; melhoraram ainda mais e quando de tão bem já iam em noivado, a cunhadinha do reverendo despediu-o. Coração eternamente indecifrável! em frente ao escritório onde o escriturário trabalhava havia uma linda jovem que nutria verdadeira paixão por êle. César bem queria correspondcr-lhe o afeio. Como porém, se eslava comprometido com a oulra, a oulra que o despediu...
  • 74. 76 CAPÍTULO OITAVO A CONVERSÃO DE CÉSAR DACORSO FILHO Penetremos mais a vida religiosa da família Dacorso, os pais e irmãos de César Dacorso Filho. Seu pai, chefe e responsável pela família era católico liberalíssimo, desgostoso de padres e da Igreja. Não frequentava a Igreja, não confessava, não comungava. Batizava os filhos, acreditando cumprir um dever religioso e com eles acompanhava algumas vezes uma ou outra procissão. Lia muito Cavour, Mazzini e outros semi--adversários do Catolicismo, e por isso tinha regular conhecimento da História do Romanismo. Não conhecia a Bíblia. Somente veio a conhecê-la muitos anos mais tarde, quando o filho convertido lhe fêz presente de uma. Prontamente principiou a lê-la e formou o hábito de lêla todos os domingos de manhã. E, imediatamente o livro miraculoso realizou um milagre: o homem deixou o costume arraigado de
  • 75. 77 PRÍNCIPE DA IGREJA trabalhar aos domingos. Aprendeu a guardar o dia do Senhor. Seu caráter moral era altamente cristão. Dificilmente se encontra homem de tanta honestidade, tanto amor ao trabalho, e de tão acentuada moral cristã. Não bebia ou pelo menos seu filho nunca o viu embriagado ou soube que tinha tomado bebida alcoólica. Não jogava, não tinha companhias censuráveis, não passava as noites fora de sua casa. Muitas vezes o filho ouviu-o declarar sua repulsa e condenação feitas em relação aos deslizes de outros. Os Dacorso haviam residido junto ao templo luterano, de cujo pastor seu pai era amicíssimo. É possível que dessa amizade alguma coisa benéfica resultasse para o chefe e para a família. Os pastores sempre são pastores. Na família Dacorso não havia propriamente a prática da religião, nem sequer possuíam quadros com imagens. Mais ou menos pelo ano de 1900 apareceu na cidade, num salão alugado, à rua do Comércio, hoje Dr. Bozano, um trabalho da Igreja Episcopal. O pastor era um missionário, homem de bondade imensa e chamava-se William Morris. As pregações acompanhadas ou precedidas pelos comentários a respeito da bondade do evangelista causaram sensação na cidade. César Dacorso levado pela curiosidade foi ver o que era e levou os filhos; encaminhou os filhos,
  • 76. 78 NELSON DE GODOY COSTA porque apreciou imensamente, mas êle mesmo nunca frequentou com assiduidade. Foi assim que o menino teve o primeiro con-tato com o Evangelho. Principiou a ir à Escola Dominical. Recebia cartões ilustrados com lindas figurinhas e colecionavaos. Gostava imensamente da Escola Dominical; aos cultos da noite, porém, não ia. Aconteceu infelizmente e exatamente na Escola Dominical um fato sem importância, mas que foi bastante para que César Dacorso proibisse os filhos de irem ao templo. Alguém furtou uma bolsa com dinheiro a uma aluna da Escola; proibiu-os para evitar que um dia fossem lambem acusados o (pie não admitia nem de leve. Proibidas as crianças, César perdeu o contato com a Igreja. Mais tarde e também numa sala alugada, apareceu na mesma rua o trabalho evangélico pela Igreja Metodista, tendo como pastor o Rev. J. W. Price. As pregações feitas com simplicidade e unção conquistaram a simpatia de César Dacorso, que principiou a assisti-las com assiduidade por algum tempo. Ainda dessa vez afastou-se e afastou-se para sempre. Nunca mais César o viu em uma igreja evangélica, senão anos depois para ouvir as pregações do filho, pastor, em Juiz de Fora ou em Belo Horizonte, a capital do Estado de Minas Gerais, de que Juiz de Fora é a principal cidade.
  • 77. 79 PRÍNCIPE DA IGREJA A senhora sua mãe era católica. Durante algum tempo manifestou certas tendências espíritas. Não costumava ir ao templo. Seu filho não sabe de uma só vez a que ela tivesse ido à missa comum. Da missa do galo, porém, gostava e ia com os filhos mais velhos e com algumas vizinhas. Mandava também dizer missa pelos parentes falecidos, mas não ia ouvi-las. Não acompanhava procissões, não ia a festas religiosas. Este é um fenómeno a que nós poderíamos dizer comum no Catolicismo brasileiro. Quando se pergunta a alguém qual a sua religião, geralmente responde ser católico. É católico, entretanto, que não vai à missa, não confessa, não comunga, não gosta de padres. Quer ser contudo alguma coisa, quer ter uma religião para andar bem com Deus e contenta-se em responder, em dizer que é católico. Outros sofrem a falta de instrução religiosa. A Igreja Católica não se interessa na educação religiosa do povo e a Igreja Evangélica ainda não estendeu por todo o Brasil seus centros de irradiação cristã. Combatida pela Igreja de Roma, impedida em muitas de suas iniciativas, está lutando terrivelmente para propagar o Evangelho redentor de Cristo ao brasileiro. A senhora mãe de César Dacorso Filho só veio a conhecer um templo evangélico em idade avançada e quando seu filho era pastor. Não chegou, entretanto a fazer sua profissão de fé. Seus irmãos dispersaram-se da Escola Dominical e nunca mais se interesaram-se pelo Evangelho
  • 78. 80 NELSON DE GODOY COSTA à exceção de sua mana Alice que nutre acentuadas simpatias pelo serviço do Exército de Salvação. O irmão mais velho, seu companheiro de infância, Paulo, muito seu amigo, levado pela gratidão aos padres que sempre o ajudaram muito nos estudos, sempre foi favorável ao catolicismo, mas é tão católico como qualquer outro menos católico. Outro irmão abraçou o Espiritismo. Os demais membros da família são indiferentes. CÉSAR César perseverou na sala metodista, assíduo e fiel. Naquele recanto de paz e de inspiração para os seus sonhos juvenis recebia atenção carinhosa do pastor, Rev. J. W. Price e os cuidados de sua esposa d. Elisa, sempre solícita e atenta aos interesses dos meninos. Principiou a tomar parte nos programas e ajudar nos trabalhos da Igreja. O lugar de culto mudou-se para a praça do Mercado, depois para a rua do Acampamento e depois para a rua Venâncio Aires. O menino acompanhou a casa de oração sempre com alegria e bem disposto. Ao Rev. J. W. Price sucederam os Revs. José Leonel Lopes, António Patrício Fraga, Frederico Martins. A todos esses pastores César prestou decidida cooperação e fidelidade. É possível que o menino sem o lar para ajudá-lo tivesse um ou outro momento de hesitação, mas se os houve não chegaram a influir em seus propósitos.
  • 79. 81 Nesse tempo leu quase toda a Bíblia, sem, entretanto compreender o que ela queria dizer-lhe. Além da Escola Dominical principiou a assistir com prazer os cultos. Começou também adquirir na Casa Publicadora Metodista livros que lia com verdadeira satisfação. Jovens distintos da Igreja acercaram-se do jovem ardoroso; ofereceram-lhe a amizade despre-tenciosa, pura dos moços crentes e a amizade desses jovens auxiliou grandemente a César em firmar-se na vida religiosa. Foi convidado a participar da Liga Epworth, hoje Sociedade Metodista de Jovens, nela trabalhou com entusiasmo. Outra bênção para o calor religioso do jovem foi o conhecimento de grandes homens da Igreja. Conheceu pessoalmente homens profundamente piedosos que infundiram, que causaram em sua alma de adolescente profunda e inapagável impressão. Entre esses varões piedosos contavam-se os Revs. Eduardo Mena Barreto Jaime, Cassiano Monteiro, Eduardo Joiner. Na Liga Epworth principiou dirigir cultos. Sua alma vibrava nesses momentos de exercício espiritual. Resolveu, ante as reações admiráveis sobre sua vida espiritual, ampliar o campo das experiências religiosas através do serviço. Principiou pregar por conta própria nalguns bairros de Santa Maria. Era sua querida cidade a primeira a ser evangelizada pelo adolescente convertido; sua Santa Maria. Num dia afinal, dia imensamente feliz para o seu coração, para toda sua vida, entregou-se definitivamente à Igreja de Cristo. Recebeu-o por batismo
  • 80. 82 e profissão de fé o Rev. António Patrício Fraga. Tomou essa resolução felicíssima sem consultar pessoa alguma; consultou seu Deus e Deus lhe disse que faria bem em professar sua fé em Jesus como seu salvador pessoal. Tinha dezesseis anos. Em 1908 foi à capital do Estado sulino assistir à Conferência Anual. Hospedou-se na residência do Rev. Claud Livingstone Smith, hoje falecido e naquele tempo ainda solteiro. Os trabalhos conferenciais foram um deslumbramento para o jovem e ardoroso metodista. Acompanhava empolgado a atuação dos líderes, principalmente o trabalho dos bispos. Sonharia em ser Rispo algum dia? Naqueles dias que imprimiram tão fundas marcas em sua alma conheceu também os pais do Rev. Adolfo Melchior TJngaretti. Regressou a Santa Maria verdadeiramente empolgado, extraordinariamente impressionado pelos trabalhos da Igreja Metodista. Desenvolvendo cada dia mais suas atividades no serviço do Reino, foi professor da Escola Dominical, superintendente, membro da Junta de Ecônomos, presidente da Liga Epworth, depositário. Aceitou com alegria e desincumbiu-se admiravelmente de todos os cargos que lhe confiaram. CHAMADO PARA O MINISTÉRIO César Dacorso Filho amava entranhadamente a Igreja Metodista. Nela cresceu e acompanhou-lhe, amoroso, o crescimento em sua cidade natal. Cresceu
  • 81. 83 PBÍNCIPE DA IGREJA também dentro da vida eterna. Aceitou com o coração exultante os cargos todos que lhe confiaram e neles pôs a sua alma para o perfeito cumprimento. Depois seus olhos sempre sedentos de maiores alturas no serviço do Reino de Cristo no coração dos homens dilataram-se mais para a frente, atingiram maiores alturas. César dirigiu seus olhares para onde seu coração estava olhando; e seu coração estava olhando para o Ministério Santo. Nesse ideal recebeu as primeiras influências do Rev. J. W. Price, o missionário bondoso de quem nunca se esqueceu. Ajudou-o na resolução final o Rev. António Patrício Fraga. César Dacorso Filho seria ministro do Evan-gelho, dentro da Igreja Metodista. Tinha encontrado seu ideal na vida, a razão de ser de sua vinda ao mundo. Não seria mais o caixeirinho perdido horas e horas atrás de um balcão, o companheiro de um mau moço, a vítima de um comerciante ganancioso. Nem mesmo seria mais o escriturário da Viação Férrea do Rio Grande do Sul; se o fosse seria um grande escriturário. César seria ministro do Evangelho do Senhor Jesus. Grande e extraordinário ideal! Para consegui-lo teria de lutar ainda muito. Uma força animava-o, porém, confortadoramente: a certeza do chamado divino. Para atendê-lo enfrentaria e venceria as maiores dificuldades, êle o menino acostumado desde a mais tenra infância a suportar as caras feias da Vida e a vencê-las com um sorriso de confiança nos ideais da própria e grande Vida.
  • 82. 84 NELSON DE GODOY COSTA Prosseguiu animado nos estudos da velha "Disciplina", a Teologia de Biney e algumas disciplinas do curso ginasial com o mesmo pastor amigo, Rev. António Patrício Fraga. E tendo a alma a cantar muitos hinos de verdadeira esperança aceitou prazciroso o convite do Rev. James M. Terrell para prosseguir nos estudos no colégio "União" de Uruguaiana. E graças aos seus esforços conseguiu matricular-se na segunda série daquele famoso educandário metodista do Sul do Brasil.
  • 83. 85 CAPÍTULO NONO REMINISCÊNCIAS E SAUDADES Hoje aposentado, desfrutando o justo repouso dos longos anos de pastorado íeliz e alivo ainda, aceitando todas as ocasiões para trabalhar nos vários convites das diversas denominações, além dos da Igreja Metodista, o Rev. António Patrício Fraga volta às vezes os olhos da saudade para a primeira paróquia de seu ministério para a cidade de Santa Maria no ano de 1900 e recorda as lutas para a implantação do trabalho metodista na cidade de César Dacorso Filho. Foi realmente difícil. A Igreja Episcopal não recebeu com bons olhos a Igreja Metodista, e sempre insistiu na política de proselitismo. Arrebanhava todos os elementos que podia. Se alguém principiava assistir aos cultos na Igreja Metodista era metralhado de tantos convites que, ou bandeava para a Igreja Episcopal ou escandalizado abandonava as igrejas protestantes.
  • 84. 86 NELSON DE GODOY COSTA Nesse tempo Fraga era pouco mais que adolescente e ajudante do Rev. Price. E foi nesse tempo que conheceu aquele menino forte e gordinho de uns nove ou dez anos, que assistia com entusiasmo e interesse a Escola Dominical. Prestou atenção no menino. Viu nele alguma coisa de extraordinário que o distinguia de outros meninos de sua idade. Estariam os olhos do pastor ajudante procurando descobrir no menino extraordinário o membro da Igreja, o pastor, o primeiro bispo da Igreja Melodisla do Brasil? É possível. Quando Fraga regressou de Juiz de Fora para onde linha ido continuar seus estudos no colégio Granbery, ficou imensamente alegre ao encontrar agora com catorze ou quinze anos o mesmo menino forte, disposto e principalmente firme na Igreja Metodista, à frente de todas suas atividades, sempre entusiasta, pleno de vida sempre. Coube-lhe a alegria de recebê-lo à comunhão da Igreja por batismo e profissão de fé. Quando estava colocando as mãos molhadas da água do batismo sobre a cabeça do adolescente promissor e pleno de fé, teria passado pela sua cabeça de pastor o pensamento de que um dia outras mãos colocar-se-iam sobre a mesma cabeça para sagrá-lo Bispo? É possível. Às vezes pelo cérebro dos pastores passam sonhos que descem dos céus. Continuam as reminiscências de António Patrício Fraga; o pastor:
  • 85. 87 PRÍNCIPE DA IGREJA "Foi nesse tempo que começou a sentir-se chamado para o Santo Ministério. Começou a estudar comigo a "Disciplina" e ao mesmo tempo iniciou seus estudos de inglês com um missionário sabatista. Era funcionário da Viação Férrea do Rio Grande do Sul e eu sabia por informações graciosas e espontâneas que era funcionário exemplar e muito querido de seus superiores. Tendo sido convidado para estudar no colégio "União" de Uruguaiana, não relutou em deixar seu bom emprego. Aceitou o convite. Eu queria saber se realmente César era vocacionado e amava os estudos, e em certa ocasião disse-lhe que talvez viesse a arrepender-se de deixar uma colocação tão promissora, onde era tão estimado. César respondeu-me com firmeza e convicção que pelos estudos deixaria o emprego, alegremente." "Estudou no colégio "União" de Uruguaiana; depois transferiu-se para o colégio Granbery, em Juiz de Fora. Sempre ouvi dizer que nos dois colégios foi ótimo aluno, estudante admirável. "Saiu do Granbery para entrar no ministério ativo. Sua primeira paróquia foi Palmyra, hoje Santos Dumont. Os ministros olhavam para o jovem César com grandes e fundadas esperanças, pois desde cedo seu nome principiou a projetar-se no ministério metodista.
  • 86. 88 NELSON DE GODOY COSTA "Há um fato bonito que revela seu caráter metodista bem formado. Em agosto de 1933, no Concílio Regional do Norte, em Juiz de Fora, numa reunião do gabinete episcopal, discutindo os superintendentes sobre qual seria o homem que poderia pastorear a paróquia de Carangola, o Bispo Rev. Dr. J. W. Tarboux disse que havia um homem para aquela paróquia difícil. Era César Dacorso Filho. Porque consultado, o Bispo César respondeu prontamente: "Estou às ordens, pode mandar". F foi para Carangola. Doze anos mais tarde, o Bispo César, escrevendo a ii m pastor sobre problemas de nomeação, dizia: "... estava em Juiz de Fora, com quatro filhos estudando no Instituto Granbery, quando fui mandado para Carangola, cidade da mata, igreja de vinte e uma pessoas, que se reunia numa casa que ameaçava ruína. Nunca me tive por diminuído ao sair de uma igreja grande ou rica para ir para uma igreja pequena ou pobre, ou engrandecido ao sair de uma igreja pequena ou pobre para uma igreja grande ou rica." Prossigamos ouvindo as reminiscências de António Patrício Fraga, o pastor: "César Dacorso Filho foi para Carangola, a igreja pequenina e pobre depois de pastorear a igreja de Juiz de Fora, grande e rica. Era, contudo o homem, o brasileiro mais credenciado para ser o Bispo da Igreja Metodista do Brasil, em substituição ao Bispo Tarboux que não podia
  • 87. 89 PRÍNCIPE DA IGREJA continuar na atividade por motivo de falta de saúde. "Eu profetizei isto. Escrevi para César Dacorso Filho dizendo que êle sairia de Carangola para o episcopado. Realizou-se minha profecia. Em janeiro de 1934 foi eleito o primeiro Bispo da Igreja Metodista do Brasil. "O Rev.m0 Bispo César Dacorso Filho é filho da Igreja Metodista. Nela cresceu, nela foi educado para ocasião propícia. É ótimo administrador, exemplo vivo e eloquente de esforço, zelo e sacrifício. Sua autoridade é respeitada porque César Dacorso Filho é, primeiramente um exemplo." Estas apenas algumas reminiscências do homem que conheceu o menino de Santa Maria.