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PELAS TRILHAS
DOMUNDO,
ACAMINHO DO
REINO
JULIO DE SANTA ANA

ÍNDICE
CAPITULO I
— Reorientação da Tarefa Teológica: da Repetição de Fórmulas
à Libertação da Teologia
CAPITULO II
— Modelos Bíblicos de Pastoral
CAPITULO III
— Chaves para a Ação Pastoral a partir da Leitura dos Sinais dos
Tempos
CAPITULO IV
— Cristo Tomando Forma na Sociedade e na Igreja
CAPITULO V — Caminhos à Frente — Trilhas a Traçar —
Dilemas e Oportunidades

IMPRENSA METODISTA
1985

Esta é uma co-edição da Imprensa Metodista e Faculdade de
Teologia da Igreja Metodista, publicada em maio de 1985.
Tradutor: Uriel Teixeira
Correção e Adaptação de Originais: Amélia Tavares
Revisão: Marilía Schüller Ferreira Leão
Imprensa Metodista
permanecer fora do horizonte de nosso tempo.

Prefácio à Edição Brasileira
O texto deste volume recolhe as cinco conferências que
pronunciei em março de 1984, no Seminário Bíblico Latinoamericano, cujas autoridades me convidaram para ocupar a
Cátedra Enrique Strachan nesta oportunidade. Este convite foi
como um desafio para ordenar idéias e aprofundar pistas de
análises em torno da questão referente a pastoral protestante na
América Latina. O terna que desenvolvi durante aqueles dias que
passei em São José da Costa Rica foi: Reorientação Pastoral e
Renovação Teológica na América Latina, tentando responder as
prioridades que se colocam 'as igrejas na América Latina neste
período de rápidas transformações e, muitas vezes, até
imprevistas.
E minha convicção que a região do inundo onde a vida
eclesial alcança maior densidade e riqueza neste momento da
história é a nossa. A América -Latina é o cenário de profundos
processos de renovação social, que inevitavelmente influem
sobre as comunidades cristãs. Entre estas, há aquelas que aceitam
este desafio de nosso tempo, enquanto há outras que fogem do
mesmo. A questão é de suma importância: trata-se de saber se a
pastoral das igrejas é pertinente ao período histórico que
vivemos, ou se, ao contrário, corre o risco de ser anacrônica, de

Para responder a esta questão me pareceu necessário
considerar em primeiro lugar os pressupostos teológicos da
pastoral protestante. Mas, como se sabe, para o cristianismo
evangélicos, mais importante do que a reflexão teológica é a
referência à Bíblia. Daí, que no segundo capítulo me concentrei
na análise do que significa ser pastor no testemunho escritural,
assim como na reflexão sobre os modelos bíblicos de pastoral.
Em terceiro lugar, me pareceu necessário atender a questão da
leitura dos sinais do Reino da análise da conjuntura histórica:
com efeito, após a autocrítica ecológica, a referência às fontes
bíblicas, surge, inevitavelmente, a pergunta relativa ao que está
fazendo Deus, hoje, no mundo. A pastoral de nossas igrejas não
pode ser pensada sem esta referência. Não é possível ser Igreja
sem estar participando na missão de Deus. E, para isso, aparece
como inevitável a necessidade de compreender o tempo em que
vivemos, a história na qual participamos. Desta análise surge a
percepção do sentido da ação de Deus em nosso tempo, que a
Igreja tem que acompanhar e testemunhar. O quarto capítulo
procura responder a interrogativa sobre como ser o Corpo de
Cristo no meio de tais condições. Ou seja, como expressar
concretamente o ser de Jesus Cristo, servo sofredor, em nosso
mundo. A Igreja militante muitas vezes se perdeu nos atalhos da
história por afirmar unilateralmente seu caráter triunfante,
quando também deve recordar seu caráter peregrino, caminhando
junto ao povo que sofre e que, por isso mesmo, espera redenção.
Finalmente; a partir de todas estas colocações anteriores tentei
compreender como deve ser orientada a pastoral evangélica,
indicando os dilemas e oportunidades que se apresentam as
nossas igrejas no momento atual.
Quero ressaltar, de forma especial, nestas linhas de
introdução, quão grande é minha dívida para com as
comunidades cristãs do Brasil. Foi no contexto da prática eclesial
das mesmas que recebi inspiração para desenvolver a visão que
tentei expressar nas páginas que se seguem. Nelas apenas
procuro traduzir, em conceitos, o que o Espírito está dizendo às
Igrejas hoje.
Por último, também quero dizer quão agradecido estou à
Faculdade de Teologia da Igreja Metodista no Brasil, e
especialmente a seu Reitor, Prof. Dr. Rui de Souza Josgrilberg,
assim como também 'a Imprensa Metodista, por ter feito todo o
necessário para que este livro chegue as mãos do público
brasileiro e de língua portuguesa.
São Paulo, 9 de dezembro de 1984.
Julio de Santa Ana

CAPITULO I
Reorientação da Tarefa Teológica:
da Repetição de Fórmulas à Libertação da
Teologia
A década dos anos 60 pode ser considerada, na história da
teologia ocidental, como a do grande impacto das idéias e dos
valores da cultura do Ocidente moderno. Se, no campo Católico
Romano, isto se manifestou, especialmente, através do Concílio
Vaticano II, a partir do qual a Igreja se abriu à cultura e ao
mundo moderno, no Protestantismo, isto ocorreu graças àquelas
teologias que, tomando consciência do processo de
secularização, começaram a delinear linhas de reflexão, para as
quais a perda da vigência do religioso e, inclusive a "morte de
Deus", foram considerados elementos de grande importância (1)
Hoje, há duas décadas destes acontecimentos, é possível afirmar
que aquela ruidosa moda teológica deixou muito poucos rastros.
As profecias que anunciavam o esquecimento e abandono
rápido de formas de pensar e comportamento religiosos
provaram ser falsas. Apesar dos augúrios — baseados em teorias
de "transformação social", amparadas pelo pensamento
sociológico funcionalista, para as quais a secularização
significava praticamente a superação de qualquer tipo de
influência religiosa (entre os quais, evidentemente, deve-se
incluir o pensamento teológico) — da morte de Deus e da
desqualificação progressiva do religioso, podemos perceber,
hoje, que os acontecimentos levaram justamente a afirmar o
contrário do que diziam aqueles oráculos (2).

mundo, é possível ressaltar que se multiplicam os livros de
teologia, assim como também aqueles trabalhos teológicos que
circulam por meios alternativos. Enquanto no Ocidente,
respeitáveis e tradicionais revistas teológicas perdem leitores,
fato que as leva a reconsiderar a possibilidade de continuar sua
impressão, na América Latina cresce o número desse tipo de
publicações.

É verdade que no Ocidente (Europa, EUA, Canadá) o
processo de secularização continua afetando claramente as
formas organizadas, através das quais se manifesta a vida
religiosa: os templos estão vazios, há um grande desinteresse
pelas questões teológicas, os livros a este respeito — lidos
avidamente durante a década dos anos 50 e no começo dos anos
60 — só interessam a especialistas e, em geral, as igrejas têm
perdido a influência sobre as sociedades às quais pretendem
servir. Este processo tem afetado, também a produção teológica
do Ocidente: é possível afirmar que, a partir do Concílio
Vaticano II, não surgiu nada de novo e de interessante entre os
teólogos católicos ocidentais. Algo semelhante ocorre entre os
teólogos protestantes: logo após as primeiras obras de Jürgen
Moltmann (3), não apareceram grandes novidades. É como se a
reflexão teológica ocidental se limitasse a girar em torno de si
mesma, a repetir-se constantemente.

Mais importante ainda: a religião, cuja perda de influência
sobre a vida dos povos, anunciava-se há vinte anos atrás,
demonstrou ser um fator de primeiríssima importância para a
história dos povos do Terceiro Mundo. Assim, por exemplo, no
Irã ou no Líbano, não se compreendem os acontecimentos que
marcaram estes países no decorrer dos últimos anos, a menos que
se leve em conta os valores e símbolos religiosos que motivam a
ação destes povos. Do mesmo modo, no continente africano, a
luta contra o domínio ocidental — sobretudo na África do Sul —
tem-se dado e se dá com um alto índice de componentes
religiosos, tanto cristãos como islâmicos. E, na América Latina,
as grandes mobilizações populares na década dos anos 70 e
começo da atual, permitem mostrar como o religioso é um fator
que dinamiza e motiva os setores populares para que estes
assumam um papel de protagonista na história que lhes cabe
viver.

Isto, todavia, não ocorre com as teologias do Terceiro
Mundo. Tomando um rumo diferente dos teólogos ocidentais, na
Ásia, África e América Latina, a teologia passa, hoje, por um
período de grande atividade e produção. Neste trabalho, não
pretendemos examinar a evolução teológica na África e na Ásia.
Concentrar-nos-emos na América Latina somente. Nesta parte do

Isso explica, entre outras coisas, esse assombroso impacto
da teologia na história latino-americana. Ou seja, não se trata do
fato de que a teologia atue como um agente desencadeador, que
influi sobre os povos que estão ao sul do Rio Bravo, motivandoos para a sua libertação. Ocorre o contrário: é a participação
popular nos processos históricos que dá origem à novos
desenvolvimentos teológicos. Com efeito, povos que são
profundamente religiosos não podem deixar de pensar
religiosamente, teologicamente, quando enfrentam opções
cruciais relacionadas com seus respectivos destinos históricos. A
gravidade do atual momento histórico latino-americano, a
importância crescente dos setores populares nos processos que
lhes cabe viver, manifestam-se no plano teológico por uma
tentativa de explicar o sentido de sua ação a partir da fé, que os
motiva a assumir novos papéis e funções na sociedade. A
teologia não está em primeiro lugar, mas vai sendo construída à
medida que seus sujeitos vão atuando na história (4).
Isso significa, claramente, que na América Latina, hoje,
existe uma nova maneira de fazer teologia. Esta que, por muito
tempo, esteve separada, distante, alienada dos setores populares,
vai sendo assumida pelos mesmos. A prática religiosa (eclesial,
se desejamos referir-nos mais estritamente às igrejas e aos
cristãos) cria novas condições para fazer teologia. Não se trata de
refazer a teologia cristã, mas sim de simplesmente reformulá-la a
partir de um novo sujeito histórico. Antes, o povo recebia a
teologia elaborada de antemão por outros, mas recentemente
começou a reformulá-la, a partir de suas próprias experiências,
de suas próprias percepções e no contexto de seus próprios
problemas. Daí, que seja possível assinalar que existe, hoje, na
América Latina uma reorientação do labor teológico. Se antes a
orientação procedia do Ocidente, hoje esta explicitação do
conteúdo da fé se faz pelo povo, para si e a partir daquelas
interrogações e desafios que ele mesmo experimenta.
I
O que foi dito previamente serve para fundamentar a

seguinte afirmação: a teologia que se faz na América Latina está
deixando de ser uma repetição de fórmulas elaboradas em outros
tempos e em outros contextos, e, ao mesmo tempo, está
chegando a ser uma teologia pertinente aos latino-americanos.
Por isso, hoje, preocupa tanto a teologia latino-americana,
conhecida como teologia da libertação (5).Quer dizer, a teologia
da libertação é uma ferramenta que os crentes latino-americanos
estão utilizando na sua prática de libertação. Isso significa que
vão saindo da esfera de limitação, de castração teológica, as
quais lhe haviam sido impostas pelas teologias elaboradas em
outros contextos, que, certamente, puderam ser pertinente nos
mesmos, mas não o são na América Latina.
Esta afirmação que acaba de ser feita e pode parecer brutal,
merece uma explicação detalhada para ser compreendida. Devese começar recordando que, logo após a Reforma do século XVI
e até as primeiras décadas do nosso século, a teologia ocidental
clássica desenvolveu um método que pretendeu combinar
sucessivamente três características: as de ser dogmático,
apologético e científico. Passadas as duas primeiras gerações de
teólogos reformadores, o protestantismo caiu numa fase
ortodoxa, na qual o que mais importava era a repetição de
fórmulas doutrinárias que provinham dos reformadores. Quer
dizer, o peso da nova tradição necessitava consolidar-se diante
dos embates da contra-reforma católica, organizada a partir do
Concílio de Trento, teve um efeito paralisante sobre a teologia
protestante desde o final do século XVI até o começo do século
XVIII. Ante a necessidade de fortalecer o Protestantismo,
durante o período das guerras de religiões na Europa Ocidental,
tentou-se tornar inflexível e extremamente dura a doutrina
clássica dos primeiros reformadores (6)
O pensamento da Ortodoxia protestante é dogmático em
dois sentidos. Por um lado, ao aceitar acriticamente as premissas
dos reformadores do século XVI, especialmente na formulação
dos grandes símbolos (Confissão de Ausburgo, Fórmula de
Concórdia, Credo de Westminster etc.), impõe sobre a reflexão
teológica um método dedutivo. Quer dizer, as premissas já estão
formuladas: das mesmas não há mais que se deduzir
rigorosamente as inevitáveis conclusões que devem aplicar-se à
situação de mudança. Na realidade, o método dedutivo na
teologia não leva em conta a experiência humana, a prática
daqueles que fazem teologia. Trata-se, pois, de um discurso que
privilegia certas bases (as premissas, credos confessionais) e que
não se abre às novidades da existência. Por isso mesmo, e por
outro lado, é um método que só leva à reprodução da doutrina já
recebida. Frente a situações novas, a doutrina pode enfatizar um
ou outro elemento nela implícito, mas não é capaz de criar um
novo desenvolvimento do pensamento teológico. Daí, que não é
de se estranhar, que em pouco mais de um século, o pensamento
teológico ocidental clássico (tanto Protestante como Católico
Romano) tenha começado a dar evidências de esgotamento. De
tanto se repetir e reproduzir a si mesmo, logo já não teve mais
nada a oferecer. Quando começaram os primeiros
questionamentos sérios do pensamento filosófico, a teologia
ortodoxa protestante (e católica) permaneceu sem resposta.
Então, para superar esta paralisia, o método teológico
tornou-se apologético. Era urgente responder aos ataques dos
livres pensadores à religião cristã. O pensamento de Galileu e
Descartes, construindo as bases a partir das quais se desenvolveu
a ciência moderna, abriu um caminho no qual começaram a

transitar aqueles que fizeram uma crítica desapiedada à religião
(e, por extensão, à teologia), tanto aos seus fundamentos como às
suas manifestações. Então, desenvolveu-se uma linha de defesa
da doutrina, quer dizer, uma orientação apologética da teologia.
Esta começou a fazer uma distinção entre a teologia revelada
(aquela cujas doutrinas só podem deduzir-se da revelação) e a
teologia natural, que admite a necessidade de desenvolver linhas
de pensamento diante de questões complexas (entenda-se
polêmicas). Para ela, como as doutrinas que resultam diretamente
da revelação não respondem diretamente aos novos desafios que
se apresentam à reflexão teológica, podem completar-se em
termos da razão humana, a qual se apela para a defesa da fé. Este
caráter apologético unido ao dogmático, já mencionado
previamente, acentua o aspecto racionalista que também
caracterizou a teologia ocidental clássica do século XVIII. Além
disso, a razão não é tudo na existência, ao lado dela se
desenvolvem sentimentos, instintos, paixões, que a teologia
também necessitava levar em conta.
O pietismo foi uma reação dentro das igrejas ante essa
excessiva racionalização da teologia. Mas, também o pietismo
assumiu este caráter apologético. Por exemplo, quando João
Wesley — fortemente influenciado pela piedade moraviana —
precisou de fortes argumentos para defender a fé diante dos
empiristas britânicos do final do século XVII e nas primeiras seis
ou sete décadas do século XVIII, e o fez recorrendo à noção de
experiência religiosa, que também pode ser comprovada
empiricamente. Além disso, o pietismo, em seu intento
apologético da fé cristã, precedeu a crítica da razão desenvolvida
por Kant até fins do século XVIII. Este, cuja formação pietista
ninguém pode ignorar, de uma ou de outra maneira, recolheu
estes argumentos, dando-lhes uma forte consistência filosófica
(8). Todavia, nem sequer a apologética pietista foi suficiente para
responder às críticas que o Iluminismo (Aufklãrung) começou a
fazer à fé cristã.
No desenvolvimento da cultura ocidental, o Iluminismo
significou o momento no qual a razão adquire plena autonomia.
A partir de então, tem sentido o empiricamente comprovável e
racionalmente incorporado ao acervo do conhecimento humano.
O restante pode considerar-se fantasia e ilusão. Isso foi o que
ocorreu com a religião. Ao não ser possível provar
cientificamente a verdade que fundamenta a fé, esta começou a
ser desqualificada no mundo do Iluminismo. Então, Friederich
Schleiermacher exigiu que a teologia tivesse um ponto de partida
científico. Neste sentido, baseou sua reflexão num fato que
ninguém pode negar: a existência do sentimento religioso (9).
Portanto, a teologia passou a ser o conhecimento positivo de uma
realidade histórica. Neste ponto, Schleiermacher se distancia da
teologia ortodoxa: já não lhe preocupa tanto a verdade à qual se
refere a fé como aquelas percepções teóricas, induzidas do
sentimento religioso, do mesmo modo que as normas
administrativas necessárias para manter e expandir a vida da
Igreja(10). Paul Tillich assinala que "é um conceito altamente
positivista da teologia. Eu diria que se trata de uma descrição
positivista de algum grupo que se encontra na história e cuja
existência não se pode negar. Podem-se descrever as idéias
importantes dentro desse grupo e as regras que aceita. Portanto,
pode-se educar os jovens teólogos chamados a serem líderes da
Igreja no conhecimento daquelas coisas que deverão praticar
mais adiante. Neste positivismo se deixa de lado a questão da
verdade" (11).

A influência de Schleiermacher no desenvolvimento da
teologia no resto do século XIX e grande parte do nosso, é
inegável. Teve-se que esperar até Karl Barth para que começasse
uma mudança na maneira de fazer teologia no Ocidente. Em que
consistiu esta mudança? Em tomar conta não só da revelação,
mas também do contexto — sitz in leben — daqueles que fazem
teologia. Barth se distancia de Schleiermacher também pelo fato
de que seu ponto de partida não é o sentimento religioso, mas
sim a própria revelação. Daí, que sua teologia seja apreciada
como a que resulta de um "positivismo da revelação". Quer
dizer, para quem tem fé, a revelação é indiscutível. Barth supera
a insuficiência de Schleiermacher e seus seguidores (Ristch,
Troeltsch, Harnack), os quais primeiro definem o cristianismo
como uma religião e depois afirmaram que era a religião mais
elevada para o espírito humano. Para Barth, ao contrário, o mais
importante é falar de Deus aqui e agora. Isso o levou a dizer que
fazer teologia significa ter a Bíblia numa mão e o jornal na outra:
a autoridade é da Palavra de Deus (através da qual se expressa o
Espírito de Deus), não de forma abstrata, mas sim na situação na
qual se encontra o teólogo. A autoridade da Bíblia o levou a ser
um crítico radical das situações humanas: o teólogo, se quer ser
fiel a Deus, não pode aderir acriticamente a nenhuma situação
estabelecida, nem à qualquer proposta humana, sob pena de
inclinar-se diante dos ídolos que não têm identidade diante do
Deus vivo.
Essas maneiras de fazer teologia dominaram plenamente na
América Latina até vinte anos atrás, aproximadamente. Estas
vias demonstram ser, além do que foi dito: axiomáticas, porque
partem de enunciados indiscutíveis; reações a desafios ou
proposta que se dão, sobretudo, a nível ideológico; e, ademais,
teóricas, porque o conteúdo da fé não se traduz em termos
históricos (12). Nesse sentido, é possível afirmar que, em geral, o
campo de referência dessa maneira de fazer teologia é o das
categorias e dos conceitos teológicos, antes que o da matéria
teológica. Por matéria teológica entendo as revelações de Deus
na história; as formas sociais organizadas e objetivas da vida de
fé, entre as quais se destacam aquelas de caráter eclesial; e entre
outras, as opções históricas que assume a comunidade de crentes
frente a desafios políticos, econômicos, sociais e culturais
concretos.
Assim, pois, chegou a ser evidente no decorrer das últimas
décadas (como se também não o houvesse sido anteriormente, só
que não se teve consciência disso) que essa teologia repetidora e
reprodutora de fórmulas não era capaz de responder
pertinentemente aos desafios que a situação latino-americana
colocava para a fé cristã. A reiteração freqüente e obstinada de
frases teológicas patenteadas em outros lugares e em outros
tempos que não dava conta da fé cristã, num momento em que
começavam a irromper os setores populares como os grandes e
futuros agentes decisórios da história latino-americana. Essa
maneira de fazer teologia mostrava também sua índole
anacrônica pelo tom defensivo (e, às vezes também,
inapropriadamente agressivo) que assumiu diante das
ferramentas ideológicas utilizadas por esses setores populares na
colocação de suas reivindicações e, ademais, o que menos
contentava aos espíritos mais alertas, era seu tom abstrato, tão
evidente e particular.
As comunidades cristãs não se guiam felizmente — graças

a Deus — pelas teologias dominantes. O espírito de Deus tem
seus meios para levar o povo e as comunidades de crentes a
ações que, nem sempre, os aparatos hierárquicos e seus
instrumentos doutrinários podem controlar. Na América Latina,
uma parte das comunidades cristãs, minoritária todavia, mas que
cresce constantemente e muito significativa, começou a dar
respostas novas e imaginativas aos desafios dos últimos tempos.
Chegou a ser patente que as velhas maneiras de fazer teologia
eram anacrônicas. Contudo, ainda predominavam nos currículos
de muitas instituições de ensino teológico. Deveriam ser
mudadas, mas sem perder o rigor científico contido na
experiência de fazer teologia. Não se tratava de diminuir essas
exigências, mas justamente de responder a elas.
Responder a novos desafios históricos não significa
abandonar totalmente a tradição da teologia que se tem recebido.
Significa, em primeiro lugar, procurar ser fiel à ação do Espírito
de Deus entre as igrejas. Por que repetir velhas fórmulas se a
realidade eclesial demonstra que já não são mais pertinentes? Por
que opor-se a essas manifestações de vida eclesial promovidas
pelo Espírito Santo, repetimos, usando argumentos que nada têm
a ver com nossa situação atual? Mais ainda, se o sujeito social
que irrompe na vida das igrejas é diferente daqueles grupos em
cujo contexto surgiram essas doutrinas, não estará se cometendo
um grave erro ao se privilegiar àqueles grupos em detrimento dos
que agora procuram ser fiéis ao Espírito em nosso tempo?
Isto é sumamente importante quando se considera que este
sujeito social corresponde, muito mais que outros, àqueles que,
segundo os Evangelhos, são herdeiros do Reino de Deus. Com
efeito, no presente contexto latino-americano, são os pobres, os
setores populares que irrompem preponderantemente no processo
histórico. Por séculos estiveram submetidos, mas agora querem
dar sua palavra, e nessa tentativa chegam a desestabilizar rígidos
esquemas de segurança nacional, administrados por ferrenhos
aparatos de controle.
Esses setores também invadem as igrejas. Já não é possível
que essas sigam mantendo ideais de estilos de vida que
correspondam às classes médias, com as correspondentes
teologias que os legitimam. Se somos coerentes com a
mensagem de Jesus, a irrupção dos pobres na história é sinal da
proximidade do Reino (Lc 4.17-22). Já não é mais tempo para
teologias que, ainda que oportunas em outras circunstâncias, não
são mais apropriadas para a nossa. Essa mudança requer, por um
lado, o rigor próprio com o qual deve ser levada adiante a tarefa
teológica e, por outro lado, a própria realidade eclesial em que
vivem as igrejas. Uma nova pastoral emergente exige
reformulações teológicas. Elas devem libertar a fé para que se
expresse segundo as exigências que surgem de nosso tempo no
espaço latino-americano. E a teologia deve participar nessa
libertação, que resulta dessa reorientação.
II
Assim, pois, na América latina, pela graça de Deus que nos
impele a esta mudança, percebe-se que — entre tropeções, com
erros e dores, com esforços e empenhos, procurando ser
realmente fiéis às exigências do Deus Trino — está se realizando
essa libertação da teologia. Mas seria errôneo pensar que ela não
tem nada a ver com o que ocorre na vida das igrejas. Tal como o
dissemos anteriormente, uma teologia frutífera para o povo de

Deus, que confirma a sua fé e lhe ajuda a descobrir novas
possibilidades para ir concretizando o Reino, é aquela que se
desenvolve a partir da prática eclesial desse mesmo povo. Se a
teologia está distante da prática do povo (especialmente daqueles
setores do mesmo que atuam dando testemunho do Reino de
Deus) certamente não vai ser proveitosa para este povo. Ou seja,
se a teologia da libertação é válida, isto se deve ao fato de que,
tendo como fonte a memória da revelação de Deus à Igreja,
contida na Bíblia, demonstra ser própria do povo que irrompe na
história da América Latina, essas massas pobres, herdeiras do
Reino prometido por Jesus.
Ali é onde se encontra, em primeiro lugar, a indicação da
reorientação da tarefa teológica latino-americana: a repetição de
fórmulas era uma evidência, por um lado, de que a teologia que
essas fórmulas expressavam não surgia da experiência de fé do
povo. Ou melhor, essa vivência tinha que se ajustar às indicações
daquelas fórmulas. E, por outro lado, significava, em
conseqüência, que a prática da fé se orientava segundo pautas
estranhas ao povo latino-americano. Não causa surpresa, então,
quando se percebe que os projetos históricos de sociedade, mais
ou menos explícitos naquelas formulações teológicas, tenham
sido mais aceitas para as minorias dominantes da América Latina
do que para as classes populares. Agora, ao contrário, a situação
começou a mudar. Com efeito, apesar da carga secularizante que
caracteriza o projeto modernizador impulsionado pelas minorias
no poder, o povo latino-americano segue se afirmando como
profundamente religioso. Sua prática de fé foi promovendo um
processo evidente de renovação eclesial que, por um lado,
manifesta-se no surgimento de formas de ser igreja popular
(quando antes a vida eclesial se caracterizava pelo predomínio
das classes dominantes, ou dos setores médios da sociedade)
enquanto que, por outro lado, percebe-se que essas comunidades
cristãs que expressam essa nova maneira de ser igreja se
incorporam a vastos movimentos — também de origem popular
— que tentam plasmar na história, sociedades mais
democráticas, mais participantes e mais justas.
É a partir desse novo sujeito social que irrompe nas igrejas
e no contexto de nossos esforços pela construção do Reino de
Deus, através dessa luta pela justiça e democracia, que se
fomenta essa orientação da teologia que a leva para sua
libertação. Com efeito, em vez de responder aos novos desafios
históricos com receitas e argumentos anacrônicos, as
comunidades eclesiais se atrevem, sempre levando em conta a
mensagem bíblica, a oferecer propostas inéditas — ousam fazer
ouvir sua voz, a partir de sua própria perspectiva.
Tem sido assinalado (13) que as rupturas sócio-eclesiais se
manifestam em rupturas teológicas. Mas, por sua vez, tais
rupturas sócio-eclesiais refletem profundos processos de
transformações históricas. As comunidades cristãs não podem
subtrair-se a essas modificações. E a teologia, como "ato
segundo", segue este desenvolvimento. Ela significa uma
inovação importante na tarefa teológica latino-americana: entre
aqueles que manifestam esta atitude, o verdadeiro teólogo não é
quem aprendeu o ofício teológico, mas o povo. É este quem está
demonstrando perceber com maior profundidade aspectos novos
na reflexão teológica. Sua percepção, muitas vezes, é inculta,
sem perceber todas as conseqüências dessa nova realidade que
está apreendendo. É, justamente, ao que possui as ferramentas e
as técnicas necessárias para desenvolver o saber teológico, que

corresponde aprofundar essas novas visões que entusiasmam o
povo e o motiva para atuar, a partir de como entende a realidade,
numa perspectiva de fé. O teólogo de ofício a não já não é mais
um mestre, mas sim um intérprete das percepções populares. Já
não é um líder, mas um servidor. Cabe falar dele, segundo
Gramsci que considerava os intelectuais que fazem uma opção
pelos setores populares: em vez de serem mercenários dos
grupos no poder, são orgânicos desse sujeito social integrado
pelas classes pobres da América Latina. Como tais, têm que estar
a serviço dos setores menos privilegiados da sociedade para que
possam compreender com clareza (e, portanto explicá-las), as
relações e mecanismos que levaram esses grupos sociais, numa
determinada situação, a alcançar estas percepções teológicas,
econômicas, sociais e políticas os motivam a lançar-se num
determinado tipo de ação.
Creio que um exemplo indiscutível deste tipo de teólogo na
América Latina foi Mons. Oscar Romero. Enquanto teve vida,
com a coragem própria daqueles que têm fé, buscou
incansavelmente explicar, através de suas homilias dominicais,
transmitidas pela rádio, quais eram os problemas que afetavam o
povo e as causas dos mesmos. Se teve a audiência que se lhe
reconhece é porque, antes de dirigir-se ao povo, soube escutá-lo.
A partir da percepção dos problemas do povo, e sempre desde
uma perspectiva dos pobres de seu país, levou uma palavra a sua
grei, que se reconheceu na mesma. Quer dizer, Mons. Romero
não falou ao povo de fora do seu ambiente, ou de uma situação
de superioridade. Colocou-se a serviço de sua gente, ajudando-a
a compreender como estavam ligados os distintos componentes
da complexa circunstância que lhes cabia viver (14).
Essa reflexão teológica, precisamente por ser encarnada em
contextos muito concretos, não tem a pretensão de ser válida urbi
et urbi. É consciente não só de suas limitações, mas também de
seu caráter relativo. Daí que não se pretende que se repita e se
reproduza a mesma, acriticamente, em outras situações. Quer
dizer, é um pensamento que está libertado de toda pretensão de
absoluto. 15 Por isso mesmo, dada a consciência de sua
relatividade, tem o compromisso de dar luz a este contexto, no
qual vai tomando forma, ou seja, não pode desentender-se das
diversas dimensões deste contexto. O teólogo está a serviço da
comunidade eclesial, mas esta, ao mesmo tempo, não está isolada
do mundo (Jo 17.11). De diferentes maneiras participa no
emaranhado tecido que compõe a realidade. Esta não é
transparente, mas possui uma densa opacidade. A explicitação
das manifestações da fé exige que se coloquem a claro as
relações entre essa fé e seus condicionantes. Para isso, é
necessário, por um lado, compreender a índole dinâmica e
flexível da realidade (seu caráter dialético): enquanto que, por
outro lado, impõe-se analisar — com o instrumental apropriado
— os diversos elementos dessa realidade.
Isso leva a examinar indiscutivelmente a relação que existe
entre teologia e ciências sociais, e que é própria da natureza
relativa da teologia. Por isso em nosso tempo é impossível fazer
teologia sem entrar em diálogo com as ciências sociais. Esta
exigência que está explícita na teologia latino-americana (16), é
muito mais radical do que a indicação de Karl Barth de fazer
teologia com a Bíblia numa mão e o jornal na outra. Com efeito,
a leitura diária de notícias não é suficiente para construir o
aparato crítico necessário para relativizar a reflexão teológica.
Isto se obtém através da utilização das ferramentas que nos

brindam as ciências sociais. Isto não quer dizer que a teologia se
submeta àquelas, mas sim meramente que — na sua tentativa de
ser coerente com aquela realidade na qual se desenvolvem seus
argumentos e na qual Deus atua — estabelece com essas ciências
uma relação dialética, uma tensão constante. Não é um
antagonismo, mas uma reciprocidade que procura a
complementaridade. Não é uma relação na qual cada termo
procura sua justificação (nem a fé, nem a igreja e nem a
sociedade com seus processos inerentes, necessitam justificarse), mas de tensão flexível, mediante a qual se busca determinar
modalidades e limites para os termos dessa relação.
Graças a esta relação com as ciências sociais, a teologia
que se faz nesta região do mundo tem-se libertado da ilusão de
que a fé pode chegar a ser explicitada sem recorrer à mediações
sócio-analíticas. Mas estas, por sua vez, necessitam ser
recompostas numa síntese para a qual há dois conceitos chaves:
um é o de estrutura, que se refere à ordem e a organização das
partes que constituem uma totalidade. Ou seja, a análise não nos
pode levar a afirmar que a realidade é uma soma de partes
separadas, mas um conjunto disposto de uma maneira que deve
ser aclarada. Esta ordem está intimamente relacionada com a
orientação que caracteriza o uso do poder na sociedade por
aqueles que dispõem do mesmo. Tornar clara a estrutura da
realidade significa lançar luz sobre o exemplo do poder, fonte
constante de tentação (cf. Mt 4.1-11; Ec 4.1-13). A questão do
poder nos coloca no centro da teologia, porque o próprio Deus é
poder, mas frente a Ele se levantam os poderes que se opõem à
sua vontade, esses mesmos que constituem a realidade do
pecado; que erguem ídolos (falsos deuses) que pervertem e
fascinam aos povos. Em nosso próximo capítulo, estender-nos-
emos mais ainda sobre a importância da análise das estruturas e
do (ou dos) poder(es) que as administram e mobilizam.
O segundo conceito que desempenha um papel
fundamental nesta reconstituição sintética dos elementos que
compõem a realidade, é a dialética. Por este conceito se quer
indicar a inter-relação dinâmica que compõe o tecido vivo desta
realidade. Nela seus componentes negam-se e se afirmam
mutuamente, e através destas tensões vão criando novas
situações, inovando na história. Uma divulgação inapropriada do
conceito de dialética em manuais escolares tem levado a falar de
"determinismo dialético". Isto supõe reduzir a tensão existente
entre os termos da realidade a uma série de relações mecânicas,
de causa e efeito. Isto não é dialética. Esta, depois de ter
analisado as partes que integram a estrutura, entende que esta
estrutura é mais importante do que as partes que a compõem. Por
isso torna-se fundamental tentar perceber o sentido histórico (não
há outro) dessa realidade. O mesmo resulta da tensão
(contradição-negação-superação) que estabelecem as partes
nessa totalidade. Tensão que evidencia como os distintos
componentes da realidade relacionam-se diversamente entre si
para fazer prevalecer seus interesses.
As comunidades cristãs encontram-se no meio destas
contradições estruturais. Sua prática eclesial pode contribuir para
o avanço da justiça ou para que se firmem os poderes do
"príncipe desse mundo". Para que as opções que tomam sejam as
mais fiéis possíveis ao Evangelho de Jesus, a teologia lhes serve,
através de indicações e sugestões; mas como saber que essa
teologia corresponde à marcha da comunidade cristã em direção
ao Reino? A teologia latino-americana enfatiza, como resposta a

esta pergunta, a necessidade de que as orientações teológicas
sejam verificadas através da prática eclesial. Nascida desta, a
reflexão teológica volta à sua origem. Só que, no processo dos
acontecimentos, a prática eclesial que levou à formulação de
certas perguntas, quando as mesmas lhe são devolvidas com as
respostas elaboradas, mediante a reflexão teológica, já não se
encontrar no mesmo ponto em que estava ao colocar suas
interrogações. A ação a levou a outro lugar. As respostas que
recebe lhe servirão para ver se correspondem ou não às
experiências que, entretanto, têm vivido, se lhe ajudam a
compreender melhor ou não, se lhes permitem seguir
aprofundando ou não sua compreensão da vida de fé. Se a
teologia lhe permite seguir avançando, a mesma prática eclesial
verifica a validade dessa reflexão. Se assim não ocorre, então
aparece a necessidade de corrigir a argumentação teológica, a
partir das lições que a experiência vivida ensina à comunidade. A
teologia, que está a serviço daquela, vê-se libertada — uma vez
mais — do triste ofício que consiste em repetir conceitos e frases
inadequadas da realidade.
Como se pode apreciar, a distância entre este modo de
fazer teologia, e aquele que nos foi imposto, é enorme. Um está
oposto ao outro. Isto se nota ainda mais claramente quando se
considera a maneira como uma e outra buscam comunicar suas
percepções da verdade. A teologia que recebemos como herança,
foi caracterizada por seu caráter perscrutador, idealista. Sua
mensagem era imposta: era difícil impugná-la.
Ao contrário, a teologia latino-americana comunica por
suas indicações simbólicas: sua linguagem não é digital, mas
icônica, e pretende suscitar novas percepções no sujeito
teológico popular. Antes de prescrever o que pensar ou o que
fazer, sugere novos símbolos, deixando ao povo a liberdade de
decidir sobre como orientar sua ação.
Quer dizer, mais uma vez, a teologia latino-americana
volta a reiterar, no plano da comunicação, seu ponto de
referência constante: é o povo de Deus, o laos. Nisto também sua
substância, que não é teórica, mas eclesial. Com isto, ademais,
procura ser coerente: a teologia não pode ser livre se o povo, que
é o seu sujeito, não caminha para a liberdade (para onde está o
Espírito, diria o Apóstolo Paulo — 2 Co 3.17) e se, também, não
contribui para que povo crie alento nesse caminhar, para que
nessa caminhada renove suas forças. Seu caráter científico —
paradoxalmente está intimamente relacionado com sua dimensão
pastoral. Por isso, é possível afirmar que renovação pastoral e
renovação teológica são inseparáveis. Mas isto já nos conduz ao
tema do próximo capítulo.

Notas
1. A partir da obra de Friedrich Gogarten, vários teólogos e filósofos
começaram a mostrar que nossa época podia ser considerada culturalmente
como a da "morte de Deus". Entre eles, ressaltamos teólogos tais como
Hamilton, Van Buren, Altizer, e filósofos como Daniel Vahanian. No plano
correspondente ao impacto deste processo sobre a sociedade, a religião e, mais
particularmente, a igreja, deve levar em conta o livro muito conhecido de
Harvey Cox: A Cidade Secular, assim como também o do ex-bispo anglicano
John T. Robinson, Honesto para com Deus.
2. A Sociologia funcionalista de Talcott Parsons foi a que insistiu na
importância social do processo de secularização. A racionalização
(modernização) do comportamento, a institucionalização da mudança, e a

adoção de pautas decisórias influenciadas pela necessidade de eficácia antes
que pelo peso dos valores tradicionais, são elementos que caracterizam
aqueles que se integram ao processo de secularização. Para estes, segundo o
funcionalismo sociológico, a religião conta cada vez menos. Na América
Latina, estas idéias tiveram um ardente defensor no sociólogo ítalo-argentino
Gino Germani. Cf. especialmente seu livro: Politica v Sociedad en una Epoca
de Transición, Buenos Aires, Paidos, 1962.
3. Cf., sobretudo, sua obra mais conhecida: Teologia da Esperança.
4. Por isto, Gustavo Gutiérrez, seguido por outros teólogos latino americanos,
tem insistido que a "teologia é um ato segundo". George Casalis, o teólogo
protestante francês mais próximo à teologia latino-americana, inspirado por
Gutiérrez, disse em seu livro Las Buenas ideas no Caen del Cielo, San José da
Costa Rica. DEI. 1980, que em toda a história da reflexão teológica cristã se
assinala que as formulações teológicas não precedem à prática eclesial
(quando são pertinentes), mas é a prática eclesial o que constitui o ponto de
partida e a matéria de referência para essas reflexões.
5. A teologia da libertação chegou a ser motivo de contínuos ataques pelos
que administram e/ou aderem à práticas de dominação. Um poderoso projeto
contra a mesma foi lançado pelo Instituto de Religião e Democracia, entidade
estadunidense, fundada em 1980, de claro cunho conservador. Sobre este
Instituto, ver Ana Maria Ezcurra, La Ofensiva Neoconservadora. Las Igresias
de U.S.A. y la Lucha Ideológica hacia América Latina, Madrid, IEPALA,
1982.
6. A respeito escreve Paul Tillich: "(A Ortodoxia foi) a maneira na qual se
estabeleceu a Reforma como forma de vida e de pensamento eclesiásticos,
uma vez que finalizou seu movimento dinâmico. E a sistematização e
consolidação das idéias da Reforma e se desenvolveu em oposição à Contrareforma". In Pensamiento Cristiano y Cultura Actual, Buenos Aires, La
Aurora. 1976, Vol. I: De los Origenes a la Reforma, p. 289.
7. O livro de Paul Hazard: La Crise de la Conciencia Européene: 1680-1715,
Paris, 1935, dá conta de maneira magistral desse processo.
8. Essas críticas à razão, por exemplo, aparecem esboçadas em algumas obras
de João Wesley. Por exemplo, em "La Imperfección del Conocimiento
Humano", e em "El caso de la Razón Imparcialmente Considerada". Cf.
Thomas Jackson: The Works of the Revd. John Wesley, A. M., with the Last
Corrections of the Author, Vol. VI, 3rd Edition, London, Wesleyan —
Methodist Book-Room, 1829-1831.
9. Cf. Friedrich D. Schleiermacher, Discursos sobre la Religión, Berlim,
1799.
10. Friedrich D. Schleiermacher, Glaubenslehre, Berlim, 1821.
11. Paul Tillich, Op. Cit., Vol. II, p. 421.
12. Cabe aqui uma exceção, por outra parte muito especial, no pensamento de
Karl Barth. F. Wilhelm Marquardt sustém que ao escrever a primeira versão
de seu Comentário à Epístola aos Romanos, Barth tinha co mo referência os
acontecimentos da revolução bolchevista de 1917. Por isso, rebela-se contra a
teologia acadêmica, por considerá-la a-histórica, sem vontade para atender ao
que sucede na história, campo de ação do Espírito de Deus. Quando Barth
tem, então, que traduzir "ressurreição" na linguagem do seu tempo, escreve
que ressurreição é revolução (e, em 1918, isto era uma alusão direta e
inevitável à revolução soviética). Mas isto é muito matizado na 2ª edição
desse livro, em 1922. Cf. de Marquardt, Teologia e Socialismo. L'esempio de
Karl Barth, Milano, Jaca Book, 1974, pp. 147-165. Cabe agregar, entretanto,
que esta ousadia de Karl Barth abriu caminho para novas empresas teológicas,
entre as quais também se inscreve a teologia latino-americana da libertação.
13. Veja de J. B. Libânio, As Grandes Rupturas Sócio-Culturais e Eclesiais,
Petrópolis, Vozes/CRB, 1981, pp. 147-167.
14. Veja de Antonio Gramsci, Gli Intelectualle e L'organizzazione della
Cultura. Sobre a noção de "bloqueio histórico", de Hugues Portelli, Gramsci
et le Bloc Historique, Paris, PUF, 1972.
15. Sobre o caráter relativo do pensamento teológico, veja de Juan Luíz
Segundo, Liberación de la Teologia, Buenos Aires, Carlos Lallé, 1975.
16. Veja, entre outros, de Hugo Assmann, Opressión-Liberación: Desafio a

los Cristianos, Montevidéu, Tierra Nueva, 1971 e Clodovis Boff, Teologia e
Prática: A Teologia do Político e suas Mediações, Petrópolis, Vozes, 1978.
17. Esta distinção entre a linguagem icônica (própria da teologia) e a digital
foi introduzida por Juan L. Segundo em seu livro El Hombre de Hoy ante
Jesús de Nazaret, Madrid, Ediciones Cristandad, 1982, Vol. I, pp. 179-213. A
importância da linguagem icônica pode ser vista também na obra de Gustavo
Gutiérrez, Beber en su Propio Pozo, Lima, CEP 1983; e nos livros de Carlos
Mesters, tão ricos em metáforas e iluminações poéticas. Ainda mais
claramente se pode observar nos trabalhos teológicos que, nos últimos
tempos, tem elaborado Rubem Alves, por exemplo, La Teologia como Juego,
Buenos Aires, La Aurora, 1982 e Creio na Ressurreição do Corpo, Rio de
Janeiro, Tempo e Presença/CEDI, 1982.
CAPITULO II
Modelos Bíblicos de Pastoral (1)
Um dos conceitos que se repete com freqüência no
pensamento teológico latino-americano, dos últimos quinze anos,
é o de "pastoral". Esse uso começou a generalizar-se em círculos
católicos desde o princípio da década dos anos 60, quando, sob a
influência de Emile Pin e de François Houtart, começou-se a
refletir e a discutir sobre a função da Igreja na sociedade, suas
estratégias e técnicas para dar a conhecer o Evangelho. Foi
durante os anos 60 que se tornou freqüente falar de "pastoral de
conjunto", ou de "pastoral de elites", ou de "pastoral de massas",
etc. O Concílio Vaticano II ressaltou a importância do conceito
através de seus textos mais famosos: a declaração pastoral
Guadium et Spes, onde se examina a função da igreja no mundo
moderno. A partir de então, a reflexão sobre o tema adquiriu
aspectos mais amplos, agora também se fala de pastoral popular,
pastoral latino-americana, pastoral operária, pastoral de periferias
urbanas, pastoral indígena, pastoral da terra etc. (2).
Em todos estes casos, o termo tem um uso claro e definido
no contexto da prática eclesial da Igreja Católica Romana. O
sentido do vocábulo se refere à forma como a Igreja cumpre sua

função, seja em termos gerais (pastoral de conjunto) ou
particulares (pastoral da terra, pastoral indígena, pastoral da
juventude, isto é, referida a situações e/ou grupos sociais
específicos). A pastoral, pois, no contexto do pensamento
católico latino-americano, refere-se à ação coletiva do povo de
Deus, da igreja, cuja hierárquica principal é o bispo. A definição
de uma linha de pastoral, no catolicismo, inclui pelo menos
quatro elementos: a situação social, analisada através da
perspectiva que surge da prática do povo crente; a memória da
fé; a comunidade eclesial e a ordem do ministério que encontra
sua culminância hierárquica no episcopado. Através da interrelação dinâmica destes componentes, a igreja (universal,
nacional ou particular) elabora suas linhas de ação.
Partindo de uma leitura dos sinais dos tempos, formulamse planos de ação, estratégias e táticas, que tendem a tornar cada
vez mais atual e funcional a ação de Deus na história. Nesse
sentido, toda a "pastoral", pelo menos no catolicismo tem um
elemento que tende para o "aggiornamento". Procura fazer com
que a igreja participe de maneira significativa (de acordo com o
Evangelho e com o magistério) na história que lhe corresponde
viver. Pretende assim, superar os possíveis anacronismos da vida
eclesial.
Esta compreensão do termo "pastoral" não se encontra no
protestantismo. Para o pensamento das igrejas que surgiram a
partir da Reforma do século XVI, falar de "pastoral" tem
significado, principalmente, referir-se à função do pastor. Isto é o
que surge da análise de currículos acadêmicos nos Seminários
protestantes, que dão lugar em seus programas de estudo à
disciplina chamada "teologia pastoral". A diferença entre o
pensamento católico e o protestante é grande neste ponto: o
primeiro indica uma comunidade, enquanto o segundo um
indivíduo. O primeiro refere-se a um conjunto de ministérios,
enquanto que o outro a um carisma particular.
Não obstante, há um ponto que se deve perceber
imediatamente: os reformadores do século XVI nunca falaram de
"pastoral”, quando muito, referiram-se ao ministério do pastor e
sua ordem própria. É óbvio que, com o correr do tempo,
produziu-se no pensamento protestante uma redução do conceito,
que foi ficando limitado à pessoa (ou à figura, como se queira)
do ministro ordenado. A centralidade deste ofício nas igrejas
protestantes (clássicas, livres e/ou pentecostais) em mais de um
sentido choca-se com o conceito do sacerdócio universal dos
crentes, que é uma das maiores contribuições do pensamento da
Reforma para o desenvolvimento da teologia.
Este ato paradoxo resultou numa hipertrofia do ministério
exercido pelo clero em cada congregação protestante. Ao invés
de aceitar na comunidade local a diversidade de carismas e de
dons, o que supõe taticamente a diversidade e pluralidade de
ofícios na igreja, ocorreu que o ministério da Palavra protestante
começou a acumular responsabilidades. A comunidade que, em
princípio era concebida como um grupo no qual se exercia a
democracia e a participação, passou a ser gradualmente centrada
no pastor. Este passou a ser o modelo da vida cristã, o paradigma
para o laicato. Esta tendência, fortemente arraigada no
protestantismo, influi para que a compreensão da pastoral siga
focalizando a figura do "pastor", ou seja, quem tem a
responsabilidade do ministério da Palavra de Deus.

Quando muito, no Protestantismo, aqueles que procuraram
uma aproximação mais global às questões da teologia prática,
têm sido também aqueles que têm buscado uma compreensão
mais eclesial (que procuram levar em conta a assembléia dos
fiéis) da função da Igreja. Nesse sentido, seu enfoque da questão
é menos clerical.
Na América Latina, Emílio Castro tentou abrir um caminho
neste sentido com a série de conferências que pronunciou em São
José da Costa Rica, em 1972 (3). Não obstante, ainda nelas podese perceber a importância que tem a referência "pastoral" ao
clero. Ainda que essa não tenha sido a intenção de Castro, o peso
da figura do pastor (ministro ordenado para a pregação da
Palavra, a administração dos sacramentos e a condução das
atividades da organização dos fiéis) condiciona claramente seu
conceito de pastoral.
Nos diversos países da América Latina, observa-se entre os
evangélicos um interesse crescente por aqueles problemas que se
relacionam com a organização coletiva das igrejas. Por exemplo,
no Brasil, há alguns intentos de renovação e de reformulação da
pastoral protestante. Entre eles, um dos mais significativos é o do
Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), que
procura prestar um serviço às igrejas através do programa do seu
setor sobre "Pastoral Protestante", formando ministros e leigos,
visando claramente tornar mais presente a realidade da igreja na
sociedade brasileira. Ademais, cabe ressaltar o Centro
Evangélico de Estudos Pastorais (CEBEP), que tem relação com
o CELEP (Centro Evangélico Latino-Americano de Estudos
Pastorais), cuja sede está em São José da Costa Rica e, em cujo
marco programático, Emílio Castro fez a contribuição
mencionada anteriormente. Também no Brasil, referindo-se à
vida e missão da Igreja Metodista, o bispo Paulo Ayres Mattos
indicou que, entre as congregações de sua denominação, podemse denotar três modos ou maneiras de ser: um de caráter
conservador, no qual predomina as orientações que provêm de
setores teologicamente fundamentalistas; outro de tipo neoconservador (sua tendência é carismática); e outro liberalprogressista (4). O bispo Paulo Ayres não fala, nessa ocasião,
especificamente de "pastoral", mas há muitas pessoas que,
baseando-se nos termos desta reportagem, utilizam o termo para
mencionar como a igreja pretende cumprir sua função na
sociedade, de acordo com uma ou outra maneira.
Não obstante essas indicações, parece existir — pelo
menos no Brasil (em outros lugares da América Latina não se
percebe de forma tão clara, como neste país, uma preocupação
pelo assunto) — certa confusão entre os evangélicos quanto ao
uso do conceito de pastoral. Por exemplo, afirma-se
constantemente: "a pastoral protestante está em crise", outros,
por outro lado, afirmam: "O problema da pastoral protestante é
questão de linguagem". Agora, tendo em conta o que foi
indicado previamente, sobre a relação estreita que existe no
Protestantismo entre o conceito de "pastoral" e o conteúdo
clerical que se dá a este termo, e, tratando de relacionar isto com
algumas das afirmações que acabamos de citar, parece-nos
evidente que o uso do termo "pastoral" no protestantismo não é
unívoco. E, portanto, não é claro. Há a tendência de pensar que a
crise é dos pastores e não das igrejas. Ou também, que o
problema consiste na falta de comunicação que, muitas vezes, se
observa entre o clero e os membros de uma congregação.
Respeitando a importância indubitável destas questões, cremos

que chegou o momento de reconhecer que a vida da igreja não
pode articular-se só em torno da função do pastor, do clérigo.
Então, surge a necessidade de se levar mais em conta o
pensamento católico, que enfatiza a dimensão coletiva,
comunitária, da ação pastoral como um conjunto de atividades
promovidas por diversos ministérios, que procura harmonizar-se
e se complementar visando dar um testemunho mais integrado do
Evangelho e do Reino de Deus no mundo. Esta concepção da
igreja não somente é mais bíblica, mas — e precisamente por
isso mesmo — é mais acorde com a doutrina do sacerdócio
universal dos crentes, que foi tão firmemente sustentada pelos
reformadores do século XVI. Ou seja, o conceito de pastoral não
pode reduzir-se a um só ministério, a um só carisma: é algo que,
de alguma maneira, relaciona-se com toda a vida e a missão da
comunidade dos crentes.
Tendo em conta esta afirmação, a pergunta que se coloca é:
tem o Protestantismo (as Igrejas Evangélicas) noção de pastoral?
Pode ser que na prática de algumas delas, como o demonstrou o
Bispo Paulo Ayres, haja implícitas linhas de ação pastoral,
especialmente no que se refere a estratégias e táticas
evangelizadoras orientadas para o crescimento numérico das
igrejas. Essa carência pode levar alguns a falar de "crise da
pastoral protestante" entre aquelas igrejas que crescem menos.
Mas, como se sabe, crise supõe não só um juízo, mas também
oportunidade, circunstância na qual são possíveis as
reformulações, os novos começos. Daí entendermos que a
situação pode ser considerada positiva.
Agora, no contexto do Protestantismo, as propostas
pastorais não podem ser feitas dando prioridade à situação social,
à conjuntura na qual se encontra a Igreja. A referência às
Escrituras também é necessária e tão importante quanto a análise
da realidade histórica e a partir da práxis eclesial. Neste capítulo,
não vamos analisar a situação social atual, que merece uma
análise muito mais profunda do que a que podemos fazer agora.
Vamos nos limitar à reflexão bíblica: existem no Novo
Testamento elementos que nos ajudem a compreender como
orientar a ação da igreja na sociedade? Quais são as formulações
teológicas que devemos levar em conta para atuar pastoralmente
como povo de Deus?
Responder a estas perguntas, em primeiro lugar, supõe
saber o que é ser pastor, e em que níveis da realidade tem que se
dar a função do pastor, segundo a Bíblia. Dito isto, assinalamos
as limitações deste texto: neste capítulo só se pretende tratar o
assunto do ponto de vista bíblico. Para situar-se na totalidade do
problema dever-se-ia prestar atenção à situação da vida eclesial,
as propostas de orientação para o povo, ao qual se quer servir no
nome de Cristo. Portanto, este capítulo não responde totalmente
à questão do que significa a pastoral; apenas prepara novas
etapas que, necessariamente, deverão ser cobertas no resto do
texto.
Pastor — Pastoral
Quando Javé aceitou a oferenda de Abel (Gn 4.3-5), teve
bons olhos para o sacrifício do pastor, mas não para o do
lavrador. Mais adiante, no relato do Pentateuco, elege-se o povo
de Israel entre as nações da terra para dar testemunho da vontade
de Deus às nações: é um povo nômade, pastoril, de descendentes
de pastores. Com o passar dos anos, chegou a cantar seu louvor a

Javé, exaltando-lhe e dizendo: "O Senhor é o meu pastor". Esta
concepção sobre o povo de Deus, de uma ponta a outra da Bíblia:
no Novo Testamento, o autor da Epístola aos Hebreus (cf. cap.
11) fala da grei de Deus como um povo peregrino.
Ser pastor em Israel é ser fiel à vocação do povo. Daí, que
os dirigentes da nação eram chamados pastores: Jeremias, por
exemplo, critica os maus pastores de Israel, culminando com um
discurso através do qual foi fustigando, sucessivamente, a família
real de Judá, aos reis Joacaz, Joaquim e Jeconias (cf Jr 21.1123.2). Os dirigentes do povo têm a vocação de ser fiéis a Javé;
quando isto não ocorre, então, só Deus é o pastor. Ele reunirá o
povo e de uma maneira ou de outra cumprirá com seu desígnio
histórico. A tarefa pastoral não tem uma dimensão só teológica:
também é política. Com isto queremos dizer que o papel pastoral,
pelo menos para os relatores dos escritos vétero-testamentários,
tinha a ver diretamente com aqueles níveis da realidade sobre os
quais incide decisivamente o jogo de poderes que existem numa
dada situação. O pastor, para os profetas de Israel, é quem tem a
responsabilidade de conduzir o povo, tarefa que segundo se sabe,
é eminentemente política Ou seja, que o pastor de Israel não era
julgado negativamente por ser político e atuar politicamente
como pasto, mas por prescindir de fazê-lo.
Isso se descobre, também, na mensagem do profeta
Ezequiel: no capítulo 34 de seu livro, refere-se aos pastores de
Israel como dirigentes políticos: têm errado porque "não têm
fortalecido aos débeis, nem atendido aos enfermos, nem curado
as feridas. Não têm reunido o rebanho, a ovelha desgarrada, nem
buscado a perdida. Ao contrário, vocês (os reis e dirigentes
políticos de Israel) têm-lhes maltratado com violência e dureza.
Elas têm-se dispersado por falta de pastor, e se têm convertido
em presa das feras. Minhas ovelhas têm-se perdido por todos os
cerros e pelas altas colinas do país, sem que ninguém as cuide e
as busque (...). Logo eu farei surgir à frente delas um pastor.
Então eu, Javé, serei Deus, e meu servo Davi será chefe no meio
deles (...) Saberão que eu sou Javé, quando romper seu jugo e os
libertar de seus opressores" (Ez 34.4-6; 23.24; 27b). Este texto
era lido integralmente por ocasião da celebração anual da
dedicação do templo, o que desde o tempo do retorno do exílio
babilônico, tinha lugar em Jerusalém durante o inverno. Neste
contexto (cf. Jo 10.22) Jesus proclamou seu discurso afirmando
ser o Bom Pastor (Jo 10.1-8). Deste modo, Jesus coloca sua
prática num espaço que é teológico e político, porque afirma ser
o guia de todo o povo (Jo 10.16), cujo propósito é que se forme
"um só rebanho, com um só pastor". Essa é a meta do que, na
linguagem dos Evangelhos Sinóticos, chama-se "o Reino de
Deus", visão messiânica definitiva.
Em Jesus, pois, a função do pastor não é só religiosa: tem a
ver com o propósito último de Deus que, nas palavras do autor
da Epístola aos Efésios, é "reunir sob uma só cabeça"
(anakefalaiosis), Cristo, tanto os seres celestiais como os
terrestres (Ef 1.10). É uma função que tem dimensão cósmica,
mas também histórica. Na linguagem da época, os seres
"celestiais" são os poderes: religiosos, do conhecimento, os
políticos, etc. O propósito de Cristo é englobar, sob sua
soberania, todas as esferas da existência: as pessoais, as sociais,
as econômicas, as políticas, as culturais, assim como também as
que têm a ver com a vida religiosa dos seres humanos.
A pastoral, pois, no pensamento do Novo Testamento,

define-se a partir de Jesus. Hoje, segundo o Evangelho de João,
sua presença está dada pela ação do seu Espírito (cf. Jo 15.26-27;
16.12-15: o Parakletos que se evidencia na luta/missão do povo
fiel) e significada pela ação deste povo, que forma seu corpo
(Rm 12.5; 1 Co 12.27).
Isto nos leva a dizer que essa relação entre o Espírito e o
povo constitui hoje a realidade pastoral que deve se discernir e se
indicar. A pastoral, pois, já que Cristo, por seu Espírito, está no
corpo que é a Igreja, tem uma dimensão coletiva, comunitária.
Não se limita a uma pessoa, a um carisma, a um só ministério.
Mas, nem por isso tem perdido sua função, sua responsabilidade,
de guiar, de cuidar, de conduzir, de abrir caminho e acompanhar
a toda a gente em sua marcha para o Reino. Já citamos
previamente a passagem do capítulo 11 da Epístola aos Hebreus,
segundo o qual, aqueles que vivem pela fé vão cumprindo esta
função na sociedade "em busca de uma pátria" (Hb 11.14).
Quase todos aqueles mencionados nesta passagem, pessoas
registradas no Antigo Testamento foram pastoras: Abel, Abraão,
Moisés etc. O povo criou uma corrente histórica de peregrinos,
de pastores. Daí que, para nosso tempo, pensamos que a pastoral
manifesta-se nessa relação entre o Espírito (junto com o Pai e
com o Filho, na Trindade) e o povo que dinamiza a história e
abre novos caminhos que indicam a presença do Reino de Deus
em nosso mundo.
A pastoral é marcha, peregrinação, recusa do conformismo
e do status quo, dado que "esses homens, dos quais não era digno
o mundo tinham que caminhar pelos desertos e montanhas e se
refugiar em cavernas" (Hb 11.38). O povo de Deus mantém sua
identidade enquanto mantém consciência de ser "itinerante",
recordando sempre que deve abrir-se caminho (ainda que seja
precário, no meio de um universo no qual, aparentemente,
predominam forças contrárias ao amor de Deus) para um mundo
que expresse plenamente o Reino de Deus.
Definir a "pastoral" equivale a reconhecer que esta função
da Igreja tem que se concretizar em meio aos conflitos da
sociedade, que a luta frente aos poderes que se opõem a Cristo é
inevitável: "Pensem em Jesus, que sofreu tantas contradições da
gente má, e não se cansarão e nem desanimarão. Vocês estão
enfrentando o mal, mas todavia não têm tido que resistir até o
sangue" (Hb 12.34). Por isso, a pastoral deve reconhecer sua
relação com aqueles aspectos da vida humana, onde há tensões,
das quais as de caráter político são de suma importância. É ao
povo seguidor de Jesus, formado por aqueles que hoje integram
seu movimento (e que durante anos na Igreja Primitiva era
conhecido como "Os do caminho"), que compete cumprir a
função pastoral. Para isso vão contar com força e inspiração do
Espírito Santo. É ao binômio unido "Espírito-povo" que lhe é
dada a função pastoral.
Agora, quando estudamos o Novo Testamento,
encontramos na vida das comunidades daquele tempo, vários
modelos de ação pastoral. Se bem relacionados com os sinais do
seu tempo, têm sua base em realidades teológicas fundamentais.
Para dizê-lo de maneira mais clara: têm sua base no próprio
Deus, em Cristo (revelação de Deus), na Trindade (o ser de
Deus), no Espírito Santo (o Espírito de Deus). Ou seja, é possível
encontrar aqui, como por outra parte no resto da Bíblia, uma
convergência fundamental. Se o binômio "Espírito-povo" dá o
sinal da realidade pastoral, é porque o povo hoje, como antes,

afirma "Deus é meu Pastor". O ponto de partida da pastoral está
sempre em Deus. Mas a expressão histórica dessa pastoral é a
responsabilidade do povo. A questão que levantamos agora é:
quais são esses modelos? A partir da resposta a esta pergunta,
com a perspectiva que surge da prática eclesial e que trata de
entender os sinais de nosso tempo, poder-se-ão definir linhas
concretas de ação pastoral. Mas, como já temos dito, esta é uma
tarefa para os próximos capítulos. Para o momento,
mantenhamo-nos no campo da reflexão bíblica.
O Modelo Cristomórfico: Formando a Cristo na
Comunidade
O apóstolo Paulo, num dos textos mais antigos do Novo
Testamento, escrevendo aos Gálatas exclamou: "Filhos meus, de
novo sofro as dores do parto até que Cristo se forme em vocês"
(G1 4.19). Tomar a forma de Cristo e segui-lo é uma insistência
permanente do apóstolo Paulo às Igrejas: assim também,
escrevendo aos Filipenses, recomenda ter os mesmos
sentimentos de Cristo (Fp 2.5-11) insistindo na mesma epístola
que se deve chegar a ser semelhante a ele em sua morte: assim o
encontraremos — Deus o queira! — "na ressurreição dos
mortos" (Fp 3.10).
Foi Dietrich Bonhoeffer quem, em sua Ética, chamou a
atenção sobre esta necessidade de ser conformados com Cristo e
em Cristo: "Não se trata na Escritura de conformação do mundo
mediante planos e programas, mas que em toda conformação se
trata somente da única forma, aquela que tem vencido o mundo,
a forma de Jesus Cristo" (6). Esta é a forma que se propõe à
Igreja: chegar a ser o Corpo de Cristo. A questão que surge
imediatamente é como? O mesmo Bonhoeffer demonstra que
"isto não tem lugar graças ao esforço próprio de 'assemelhar-se a
Jesus', como costumamos explicar, mas graças a maneira como
Jesus influi, por si mesmo, em nós de tal maneira que determina
nossa forma de acordo com a sua" (7). Aqui, a nova pergunta é:
Qual é essa forma? E a resposta vem da passagem já indicada, do
segundo capítulo da Epístola aos Filipenses: "Ele, que era de
condição divina, não considerou o ser igual a Deus como algo a
que se apegar ciosamente, mas rebaixou a si mesmo até não ser
nada, tomando a condição de escravo e chegou a ser semelhante
aos homens. Havendo se tornado como homem, humilhou-se e
tornando-se obediente até a morte numa cruz".

forma como foi reconhecido e servido entre os necessitados,
miseráveis, oprimidos e marginalizados deste mundo. A dialética
destes textos é inesgotável; por um lado, Jesus assume a forma
de escravo para servir. Mas, ao mesmo tempo, por essa
identificação com os pequeninos, quando estes são servidos é a
Jesus quem se serve. Pode ser que não sejamos conscientes de
que estamos fazendo isto; não importa: o Cristo servidor serve ao
mesmo Cristo que sofre entre os pobres e oprimidos da terra. E
estes, por sua vez, em sua fraqueza misteriosamente expressam a
presença do Filho do Homem, juiz todo-poderoso. Os servidores,
explorados pela sociedade, levam Cristo consigo. Ele serve
através daqueles. Mas também julga através deles.

Para ser mais claro: a forma de Cristo, em primeiro lugar, é
a forma de um servidor, de um escravo, que está disponível ao
próximo. No relato do Evangelho de João isso se concretizou
quando Jesus lavou os pés dos discípulos, e logo morreu na cruz
em benefício de toda a criação de Deus (cf. espec. Jo 13.2-17).
Vale a pena repetir aqui as palavras chaves: "Se eu, que sou o
Senhor e Mestre, tenho lhes lavado os pés, também vocês devem
lavar os pés uns dos outros. Tenho lhes dado o exemplo para que
vocês façam o que lhes tenho feito. Porque em verdade lhes digo:
O escravo não é mais do que seu amo, nem o enviado maior do
que aquele que o envia. Agora que vocês sabem isto, serão
felizes se o põem em prática" (vv. 14-17).

Uma pastoral que procura conformar a Cristo, fazê-lo
visível entre os homens e mulheres de nosso tempo, não se
preocupa com o êxito, mas com a fidelidade à pessoa d'Aquele
em que Deus se encarnou e morreu na cruz, para logo ressuscitar.
Essa fidelidade — sequela Christi — é a exigência do
discipulado. Mas não se limita ao crente individual, mas é uma
exigência para a maneira de ser igreja, para a função desta na
sociedade. Voltando a citar Bonhoeffer: "Portanto, conformação
significa em primeiro lugar a conformação de Jesus Cristo em
sua igreja. É a figura do mesmo a que toma forma aqui. O Novo
Testamento chama a Igreja Corpo de Cristo como designação
profunda e clara. O corpo é a forma. Deste modo, a Igreja não é
uma comunidade de religião dos que vinham a Cristo, mas Cristo
que tem tomado forma entre os homens. Mas a Igreja pode se
chamar-se corpo de Cristo, porque no corpo de Cristo o homem
e, por conseguinte, todos os homens, têm sido acolhidos. (...) A
Igreja não é mais do que o fragmento da humanidade em que
Cristo tomou forma realmente. Trata-se total e absolutamente da

O sentido desta práxis se indica de outra maneira,
totalmente convergente com o significado da ação de Jesus ao
lavar os pés dos discípulos — na célebre perícope de Mt 25.3140, onde se expõe o ensino de Jesus sobre o juízo final: o filho
do homem separará os aceitos e os recusados de seu Reino pela
figura de Jesus Cristo e não se trata de outra junto a Ele. A Igreja
é o ser humano encarnado, julgado, desperto para a nova vida em
Cristo. Portanto, ela não tem, em absoluto, a ver, primeiramente
e de maneira essencial, com as chamadas funções religiosas do
ser humano, mas tem a ver com o homem total em sua existência
no mundo, com todas as suas relações" (8).
A partir dessas afirmações, e tendo em conta especialmente
os textos bíblicos que as sustentam, é fácil compreender algumas
conseqüências para orientar a função da Igreja na sociedade.
Primeiro, opção pela vida e combate às forças
desumanizantes que matam. A resistência aos poderes do mal
não é somente um elemento político: é também uma exigência
teológica.
Segundo, porque Jesus Cristo veio trazer vida em
abundância, a opção pela vida é, antes de mais nada, opção pelos
pobres, os quais são, geralmente, excluídos dos programas e
planos impostos pela ordem que predomina no mundo. A
definição da pastoral, da caminhada da Igreja, é pela justiça do
Reino, segundo a qual os pobres são felizes porque o herdarão
(Lc 6.20-21).
Terceiro, isto exige levar muito em conta as esperanças de
mudança social que se expressam na prática dos pobres, pois são
elas que apontam as mediações históricas através das quais
mostra-se a presença do Reino entre nós.
O Evangelho é uma boa notícia para os pobres, um anúncio
que os alegra, que os reconforta apesar de seu sofrimento, que

lhes dá alento e coragem para reivindicar suas posições. O
Evangelho não desqualifica as expectativas populares, mas lhes
dá cumprimento. O Evangelho é justiça, libertação, bem-estar e
paz, coisas que os pobres anelam desde o mais profundo do seu
ser. O Reino que anuncia o Evangelho, do mesmo modo que a
mensagem de Jesus estava relacionada à esperança dos pobres,
também, está ligado às coisas que os humildes e deserdados
aguardam. Tomar a forma de Cristo é atuar neste sentido:
confirmando aos de baixo, fortalecendo suas posições, dando
apoio às suas lutas.
O Modelo Trinitário: a Comunidade de Ministérios
No pensamento teológico cristão do Oriente sempre se
enfatizou a necessidade de se compreender a doutrina de Deus
como aquela que se refere ao mistério do infinito e supremo
amor: a maneira como se expressou esta convicção, não só no
Oriente, mas também no Ocidente, foi a doutrina da Trindade.
Um só Deus em três pessoas: Pai e Filho e Espírito Santo. No
pensamento teológico dos Pais latinos, especialmente em Santo
Agostinho, as três pessoas — ainda que unidas entre si —
distinguem-se claramente. Daí, que os teólogos do Oriente, para
os quais a compreensão da pessoa de Deus supera a todas as
possibilidades do entendimento humano, insistiram na
necessidade de perceber ao Deus Trindade com o mistério do
amor, do vínculo profundo e indissolúvel entre o Pai e o Filho e
o Espírito Santo.
Deus, que é amor, expressa intensamente esta relação
através de sua dádiva ao gênero humano, ao qual oferece a
maravilha da criação, o perdão redentor que permite às criaturas
humanas descarregar suas ansiedades e dores, assim como
também a oportunidade de chegar a serem ajudantes na
construção de seu Reino. A imagem, o ícone, que expressa,
melhor do que qualquer outro, este enigma de Deus, é a
Trindade.
No pensamento das Igrejas da Reforma reafirmou-se esta
indivisibilidade do ser de Deus, que é Um em três pessoas, ao
mesmo tempo. No nosso século, Karl Barth, o grande teólogo
reformado, foi quem ajudou a construir pontes entre estas
afirmações teológicas: "Entendemos por doutrina trinitária o
ensino da Igreja sobre a unidade de Deus em suas três maneiras
de ser, do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Tudo o que temos
dito e tudo o que vamos dizer, todavia, sobre este assunto, nos
leva a afirmar e a insistir simplesmente sobre a unidade na
triplicidade, e a triplicidade na unidade de Deus. Agora, esta
doutrina não se encontra explícita nos documentos (Antigo e
Novo Testamento) do testemunho bíblico da revelação. Ela
tampouco precede às situações históricas às quais se referem
estes textos. Ela resulta de uma exegese desses textos, elaborada
no idioma e, portanto, sob a influência de uma situação anterior.
É uma doutrina da Igreja, um teologúmeno, em resumo: um
dogma" (9).
Por que este "excursus" sobre a Trindade quando estamos
refletindo sobre a pastoral? Simplesmente, porque, como disse
Barth, o ser de Deus é uma relação de amor entre três pessoas. É
um mistério de vinculação profunda entre o Pai, o Filho e o
Espírito Santo numa existência singular que se define como amor
inesgotável e muito intenso. Desse modo, para quem trata de
analisar a vida de algumas comunidades neotestamentárias e sua

função na sociedade de seu tempo, este dogma (ainda não
definido então, mas em vias de formação) foi uma referência,
como um modelo de ação de ser Igreja no mundo: a vinculação
indissolúvel entre o Pai e o Filho e o Espírito Santo, sem ordem
de importância, pois a única importância é a relação de amor
entre essas três maneiras de ser Deus, é também a que deve
existir na comunidade de ministérios que compõem a Igreja. Tal
foi a mensagem do apóstolo Paulo em várias ocasiões: aos
Romanos, aos Coríntios etc. A comunidade cristã, a assembléia
eclesial, só reconhece a hierarquia de Cristo. No plano de sua
função na sociedade, não há parte na qual se possa prescindir (1
Co 12.17-21); e, em seguida, o apóstolo Paulo agrega a este
texto: "Mas ainda, olhem como as partes do corpo que parecem
ser as mais fracas são as mais necessárias. E as partes do corpo
que menos estimamos as vestimos com mais cuidado, e as menos
apresentáveis as tratamos com mais modéstia, o que se necessita
com as outras que são mais decorosas. Deus fez o corpo, dando
mais honra ao que lhe faltava, para que não haja divisões dentro
do corpo; mas fez em verdade que cada um dos membros se
preocupe com os demais. Quando um sofre todos os demais
sofrem como ele, e quando recebe honra, todos se alegram com
ele" (1 Co 12.22-27).
A ação pastoral, enquanto expressão fundamental da vida
da Igreja, deve ser um testemunho de comunhão. Esta comunhão
pode expressar-se de diversas maneiras, pode chegar a ter formas
concretas muito distintas, porém, é necessário que esteja sempre
presente na pastoral, porque sem ela não seria expressão da vida
de Deus, de seu amor.
Esta concepção paulina da igreja como uma comunidade
de ministérios particulares, vinculados e ligados entre si,
imprescindíveis uns aos outros, além de recordar a imagem do
corpo de Cristo, indica, também, por alusão o mistério de Deus
Trindade. Aqui há uma convergência clara com a afirmação do
apóstolo Pedro, que em sua Primeira Carta compara a Igreja,
primeiro com um templo espiritual, construído a partir da pedra
angular — Jesus Cristo — com pedras vivas, os crentes. Estes
também são chamados de 'uma raça eleita, um reino de
sacerdotes, uma nação consagrada, um povo que Deus elegeu
para que fosse seu e para proclamar as suas maravilhas" (1 Pe
2.9a).
A doutrina das Igrejas surgidas da Reforma do século XVI,
que afirma o sacerdócio universal dos crentes, está relacionada
com uma concepção da Igreja como comunidade de ministérios,
que varia segundo as situações e os desafios que essas
apresentam. Ministérios que são dons (charismata) do Espírito
Santo, relacionados a partir da igualdade entre eles, por meio de
um profundo vínculo de amor. Daí que, na VI Assembléia do
Conselho Mundial de Igrejas, em Vancouver, o Secretário Geral
desse organismo, Dr. Philip Potter, assinalou que "as igrejas
deveriam ser uma comunidade de participação". Na realidade, as
duas palavras "comunidade" e "participação" se expressam num
só vocábulo grego do Novo Testamento (koinonia). Este termo
significa uma comunidade que está reunida no apoio, na
participação e serviços mútuos. Na imagem da casa de pedras
vivas, o apóstolo Pedro utiliza outro símbolo de koinonia. Fala
de “sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios agradáveis a Deus
por intermédio de Jesus Cristo" (1 Pe 2.5). (10)
Aqui estamos no oposto ao clericalismo, que se manifesta

na centralidade e no predomínio do ofício pastoral que reduz a
comunidade de ministérios em assembléia eclesial, a uma
repetição do pastorado ou — quando muito — a transformar os
leigos em assistentes do pastor. Este clericalismo não aparece na
Bíblia. Os dons devem ser complementares para que se manifeste
Cristo, que é revelação do Deus Trindade. Segundo se escreveu
no texto da Epístola aos Efésios. "Assim, pois, é Cristo quem
deu, a uns o ser apóstolos, a outros ser profetas, ou ainda
evangelistas, ou pastores e mestres. Assim, preparou os seus para
o trabalho tendo em vista a construção do corpo de Cristo. A
meta é que todos juntos nos encontremos unidos na mesma fé no
mesmo conhecimento do Filho de Deus, e com isso se logrará o
Homem perfeito, que, na maturidade de seu desenvolvimento, é a
plenitude de Cristo. Então não seremos meninos movidos por
qualquer vento de doutrina, e aos quais os homens astutos podem
enganar para arrastá-los ao erro. Mas, vivendo segundo a
verdade e no amor, crescemos de todas as maneiras até Aquele
que é a cabeça, Cristo. Ele dá organização e coesão ao corpo
inteiro, por meio de uma rede de articulações, que são os
membros, cada um com sua atividade própria, para que o corpo
cresça e se construa a si mesmo no amor" (Ef 4.11-16).
A figura da Trindade, tal como foi entendida,
especialmente pelos Pais Orientais, surge como outro modelo
bíblico de pastoral. Este exige uma correção, não só do lugar do
pastor/clérigo na vida da congregação, mas também do seu
papel. Já não pode ser hierarca (autoridade superior em matéria
eclesiástica) na assembléia eclesial, controlando sua
administração, fechando o ensino da verdade, quase
monopolizando a compreensão da Palavra. Surge a exigência de
abrir-se à diversidade de ministérios e à participação dos mesmos
na vida da congregação. Formas mais democráticas, que
contenham uma relação mais ativa na vida da Igreja, parecem
imperativas. Isto pode inclusive — hic et nuns — chegar a ser
uma resposta adequada ao tipo de democracia limitada e
controlada que se pretende impor às nossas sociedades. Ainda
que modesta, assim sendo, seria uma expressão que abre novos
caminhos, como corresponde à função pastoral que pretende
chegar à plenitude de Cristo, plenitude de Deus.
Novas formas de vida eclesial, que surgem entre os setores
populares, nos ajudam a perceber que a igreja, em sua expressão
concreta, no nível local, deve ser entendida como uma
comunidade de mistérios, que busca ser obediente a Jesus Cristo,
servindo em especial aos pobres. Levanta-se, então, o seguinte
problema: quem cuida do conjunto, quem assegura a ordem e a
complementaridade entre os diferentes dons, carismas para que
tudo funcione em uníssono na edificação do mesmo corpo?
Neste sentido, por exemplo, no Brasil, aqueles que participam da
experiência das Comunidades Eclesiais de Base falam do
“ministério de unidade" que é exercido pelo presbítero, bispo ou
agente de pastoral designado para esta responsabilidade. Este é
distinto do "ministério de autoridade" que é exercido de cima, e,
às vezes, até de fora da comunidade (11).
A Pastoral de Animação
Este modelo pode ser caracterizado também como
relacionado à ação do Espírito Santo. E a organização da
comunidade que se expressa no cumprimento da missão, tal
como se expressa no livro de Atos. Nesse texto, cada passo
significativo que dão as igrejas, desde o acontecimento do
Pentecostes em diante, resulta da ação do Espírito Santo. O

apóstolo Paulo, um dos personagens mais ativos de todo esse
processo, procurou resumir teologicamente o significado do
mesmo na Epístola aos Romanos. Segundo esta percepção, a
ação do Espírito Santo não pode desvincular-se dos
acontecimentos históricos. Aqueles mais agônicos, mais tensos,
mais conflitivos dão uma indagação da ação do Espírito de Deus,
que chama e anima a Igreja a não se ajustar aos esquemas deste
mundo. Deve-se ressaltar, também, que esta compreensão da
obra do Espírito Santo aparece também nos primeiros capítulos
do livro do Apocalipse que corresponde a um período de grandes
conflitos entre a Igreja e a ordem imposta pelo Império Romano,
quando as autoridades deste perseguiam e aterrorizavam aos
cristãos. O conflito, entendido teologicamente, é entre o Espírito
(que nos chama a ser livres, cf. G1 5.13-26) e a ordem do mundo
com sua lei de morte (Rm caps. 6-7).
No desenvolvimento do pensamento cristão foi Joaquín de
Flore quem percebeu com clareza esta dialética teológica (11).
Contemporaneamente, entre os teólogos católicos, Joseph
Comblin tem procurado comunicar de maneira brilhante alguns
pensamentos da mesma linha (13). No meu entender uma das
principais bases bíblicas para os mesmos, encontra-se no
discurso de despedida de Jesus aos discípulos, que encontramos
no evangelho de João (caps. 13-17), especialmente nas menções
que Jesus faz ao Parakletos, o Espírito da Verdade. Infelizmente,
nem sempre a tradução deste termo tem sido correta. De
nenhuma maneira pode ser visto — como se tem feito — nas
línguas modernas como "o Consolador". O termo pode ser
entendido literalmente como "o defensor" (figura do foro, do
tribunal: o advogado que nos defende). Entretanto, quando
analisamos as passagens deste discurso onde se menciona o
Parakletos (Jo 14.15-17; 25-26; 15.18-27; 16.12-15) se conclui
que o Espírito virá animar a comunidade de discípulos nas lutas
que deverão enfrentar no mundo por causa da fé. No transcurso
do discurso, Jesus falou sobre o ódio do mundo aos seus amigos
e discípulos, que é uma expressão renovada do ódio do mundo à
pessoa de Jesus. Este ódio implacável, a ponto de querer
provocar a morte, pode criar condições que movam os discípulos
a perderem o seu valor na marcha para o Reino: é uma luta, não
só contra eles, mas contra Deus. Ali, então, se fará presente o
Parakletos, dando ânimo na luta, injetando coragem quando
parece que não há mais fé para seguir adiante: "Quem odeia a
mim, odeia a meu Pai. Se não tivesse feito diante deles estas
coisas que ninguém havia feito, não estariam em pecado. Porém,
eles viram e odeiam a mime ao meu Pai. Assim se cumpre a
Palavra escrita em sua Bíblia:“Têm-me odiado sem causa
alguma". “Quando vier o Parakletos que eu lhes enviarei, e que
virá do Pai, ele dará provas a meu favor. É o Espírito da Verdade
que sai do Pai. E vocês também falarão a meu favor, já que têm
estado comigo desde o princípio" (Jo 16.23-27).

Romanos: os cristãos têm recebido o Espírito e este os conduz na
sua caminhada para o Reino. Nesta marcha tem que se enfrentar
a carne, esta parte da realidade que se ajusta à morte e à lei, que
impõe tal morte. A luta é entre carne (sarx) e o Espírito
(Pneuma).

A experiência do Parakletos pode comparar-se à de um
animador de um grupo que se organiza para conseguir algum
objetivo. É como um treinador que, quando os membros de sua
equipe se desalentam, dá-lhes ânimo para que se mantenham na
luta com entusiasmo. A experiência do Espírito Santo se
concretiza na missão, na luta contra aqueles que odeiam a Jesus,
ao Pai e à comunidade que caminha para o Reino prometido.
Esta compreensão da ação do Espírito vivida no meio da agonia
e conflitos de nossas sociedades, em meio à lutas por uma vida
mais humana, por uma nova realidade, está clara no pensamento
de São Paulo, especialmente no capítulo 8 de sua Epístola aos

A pastoral de animação é espiritualidade no combate: não
pode fugir do mundo, sair da luta, mas estar presente em nome
de Cristo no centro dos acontecimentos. Com as opções do
Evangelho: pelo Reino, pela justiça, pelos pobres e oprimidos,
pela libertação, pelos direitos dos marginalizados, pela vida e
contra a morte.

Sarx não é o corpo, mas a realidade da morte.
Experimentar o Espírito, viver no espírito, receber a força que
renova a criação, não é uma experiência calma, tranqüila, mas se
produz no meio das convulsões que agitam a história.
Enfrentando poderes imensos, a comunidade às vezes perde suas
forças: manifesta, então, sua fraqueza, sua debilidade, seu
desânimo. Então, "o Espírito vem nos socorrer em nossa
debilidade: porque não sabemos como pedir e nem o que pedir
em nossas orações. Mas, o próprio Espírito roga por nós, com
gemidos e súplicas que não se podem expressar. E Deus, que
penetra nos segredos do coração, escuta os anelos do Espírito
porque, quando o Espírito roga pelos santos, o faz segundo a
maneira de Deus" (Rm 8.26-27).

Como se disse antes, a exposição sobre estes modelos
bíblicos de pastoral não se excluem, mas estão relacionados uns
com os outros, é apenas um passo prévio para empreender uma
tarefa mais ampla — que nos ocupará nos próximos capítulos —
com vistas a lançar mais luz sobre a questão da pastoral
protestante. Ela deve incluir também o exame de uma prática
eclesial, desde a qual deve analisar-se a realidade em termos
concretos. Sobre o resultado da análise da realidade, a
comunidade tem que formular opções também levando em conta
os dados da memória bíblica, como estes que acabamos de expor.
Os mesmos, ainda que não sejam absolutamente normativos, têm
a importância que caracterizam as grandes referências
orientadoras.
Notas
1. Este capítulo tem como base um artigo que, com o mesmo título, foi
publicado pela revista "Tempo e Presença", RJ, nº ` 185, agosto de 1983.
2. Existe uma extensa literatura sobre o assunto. Dela queremos ressaltar,
especialmente, o livro de Juan Luís Segundo, Motivos Ocultos de la Pastoral
Latinoamericana, Buenos Aires, Ed. Búsqueda, 1973.
3. Cf. Emílio Castro, Hacia una Pastoral Latinoamericana, San José, Costa
Rica, Ed. CELEP, 1972.
4. Entrevista com Paulo Ayres em Tempo e Presença, nº 177 — Set./Out. de
1982.
5. Paul Lehmann, Ethics in a Christian Contest, pp. 77-101, New York and
Evanston, Harper and Row Publishers, 1963.
6. Dietrich Bonhoeffer, Etica, Barcelona, Ed. Estelar, 1968. p. 55.
7. Ibid., p. 55.
8. Ibid., p, 57.

9. Karl Barth. Dogmatique, Premier Volume. Tome Premier .p 76. Genève:
Ed. Labor et Fides; 1953.
10. Philip A. Potter, Casa de Pedras Vivas, Mensagem do Secretário Geral do
Conselho Mundial de Igrejas à 6ª Assembléia Geral do CMI, Vancouver
(Canadá). 1983, in Tempo e Presença, 187, outubro de 1983.
11. Julio de Santa Ana. Hacia una Iglesia de los Pobres. Buenos Aires, La
Aurora, 1983, p. 247.
12. Joaquin de Flore, Concordia de los Testamentos.
13. José Comblin, O Templo de Ação: Ensaio sobre o Espírito e a História,
Petrópolis, Ed. Vozes, 1982.
responderam eles. "E quando reparti os sete pães entre quatro
mil, quantos cestos cheios de pedaços recolheram?" "Sete",
responderam. E Jesus lhes disse: "Todavia não entendem?" (Mc
8.11-21).

CAPITULO III
Chaves para a Ação Pastoral
a partir da Leitura
dos Sinais dos Tempos
"Acercaram-se os fariseus para discutir com Jesus e lhe
pediram um sinal do céu como prova. Jesus, suspirando
profundamente, disse-lhes: "Por que esta gente pede um sinal?
Eu lhes asseguro: Não se dará a esta gente nenhum sinal". E
deixando-lhes, subiu no barco e foi para o outro lado do lago.
Haviam esquecido de levar pães e só tinham um pão no barco.
Num certo momento, Jesus lhes disse: Abram os olhos. Tomem
cuidado com o fermento dos fariseus e de Herodes". Então eles
se puseram a dizer entre si: É porque não temos pão. Dando-se
conta, Jesus lhes disse: Por que estão falando que não têm pão?
Porquanto não entendem e nem se dão conta? Têm a mente
fechada? Tendo olhos não vêem e tendo ouvido não ouvem? Não
se recordam quando reparti cinco pães entre cinco mil pessoas?
Quantos cestos cheios de pedaços recolheram? “Doze",

É tradicional, na maioria das culturas de nossa humanidade
que, frente a questões cruciais, as quais desafiam, num dado
momento, homens e mulheres a irem consultar pessoas religiosas
que têm a capacidade de aconselhá-los, orientá-los, ajudá-los a
conduzir sua existência. Quer dizer, em meio às peripécias da
vida cotidiana, procuram uma iluminação especial, aquele
oráculo que os confirme no que estão fazendo, ou que os
reoriente a partir de uma nova visão que passe a determinar ou
influenciar seus comportamentos.
Assim, por exemplo, na antigüidade clássica grega, o
templo de Delfos era visitado por aqueles que necessitavam de
um anúncio, uma resposta à questões candentes que sacudiam o
ser daqueles que peregrinavam até o alto da colina.
Similarmente, ainda que, com intenções também maliciosas,
segundo o relato do evangelista Marcos, os fariseus se
acercavam de Jesus para discutir e diante das afirmações deste,
pediram-lhe um sinal extraordinário como garantia do que dizia.
A resposta de Jesus foi taxativa: não querendo ser tomado por
um taumaturgo, mas por quem inaugura o Reino de Deus,
suspirando frente à incompreensão farisaica, deixou plantado o
grupo que o questionava (é esse o sentido do verbo grego no
texto de Marcos) e se foi ao outro lado do lago. Quer dizer, não
estava para discussões inúteis.
Alertou aos discípulos sobre a manobra de fariseus e
herodianos: não só queriam matar a Jesus, mas também
desvirtuar seu movimento. Era necessário estarem prevenidos e
não caírem nessa armadilha. Mas, tampouco os discípulos
entendem, nem dão conta. É como se eles também necessitassem
de "um sinal do céu", aquele oráculo ou visão extraordinária que
dissipa todas as dúvidas. Ou seja, é como se os discípulos, assim
como os fariseus, estivessem cativos pelas velhas estruturas do
espírito religioso: olham o insólito, sem compreender que os
verdadeiros sinais para compreender a ação de Deus na história
ocorrem no seio desta, no âmbito do cotidiano. Daí que Jesus
recorda aos discípulos os atos que eles mesmos têm vivido com
Jesus, nos quais se manifestou o poder do Reino. Não foram
"sinais do céu" (quer dizer, algo semelhante à maravilhosa
irrupção na história de um ser absolutamente diferente do que
nós somos) que ele indicou, mas acontecimentos singulares
pertencentes à vida de todos os dias. Evocou as duas
experiências do repartir de pães e peixes às multidões que o
acompanhavam: a partir do pouco, todos foram satisfeitos. E
ainda sobrou: doze cestos (alusão simbólica ao povo de Israel,
com suas doze tribos) num caso. E no outro, sete (novamente,
outro símbolo aludindo aos sete espíritos da gentilidade, à
plenitude da oikoumene).
O que quer dizer que, para conhecer a vontade de Deus,
não é necessário "um sinal do céu": deve-se procurar entender os
sinais implícitos nos acontecimentos históricos que nos cabe
viver. O povo sabe ler esses sinais quando pensa que os mesmos
têm a ver com aspectos secundários da vida: infelizmente, essa
compreensão parece ficar bloqueada frente às manifestações do
Reino. Por isso, segundo o Evangelista Lucas, "Jesus dizia ao
povo: Quando vocês vêem uma nuvem que se levanta no poente,

imediatamente dizem que vai chover, e assim sucede. Quando
sopra o vento sul, dizem que fará calor, e assim sucede.
Hipócritas, sabem interpretar o aspecto da terra e do céu. Como,
pois, não entendem o tempo presente?" (Lc 12.54-56). Esse
"tempo presente" era aquele no qual Jesus atuava com o poder
próprio do Reino de Deus, curando enfermos (Lc 5.12-26),
ressuscitando mortos (Lc 7.11-17), fazendo com que seus
discípulos expulsassem demônios (Lc 10-17) dominando as
forças desencadeadoras da natureza (Lc 8.22-25) e, sobretudo,
alentando e reconfortando aos pobres com uma boa notícia: que
iam receber a justiça do Reino (Lc 6.20-23), enquanto chegava o
momento dos ricos darem conta de todas as iniqüidades
cometidas contra os humildes.
Procurar um "sinal do céu", consultar um áugure
(adivinho), orientar-se pelo horóscopo, são maneiras através das
quais o espírito humano descarrega sua responsabilidade para
tornar decisões, que fica nas mãos de uma referência exterior, na
qual coloca uma certa dose de autoridade. Não que esta entidade,
alheia a ele ou a ela, tenha esse poder; é o próprio ser humano
quem lhe confere essa força, essa potestade. No fundo, trata-se
de um mecanismo que aliena o homem ou a mulher de sua
situação concreta: em vez de responder aos desafios da mesma,
dela escapa consultando algo que imagina poder orientá-lo. Ou
seja, quando frente à urgências concretas, o ser humano tem que
responder, inevitavelmente, de uma maneira que, de um modo ou
de outro, desestabiliza e põe em perigo sua existência, então foge
de sua circunstância. Faz sua peregrinação a Delfos, ou pretende
integrar-se no âmbito do sagrado. A "resposta" que o oráculo ou
"sinal do céu" lhe sugere, geralmente, não faz mais do que
confirmar suas próprias posições. Estas, por sua vez, estão
profundamente influenciadas pelas idéias dominantes que, como
se sabe, provêm das classes dominantes.
As mesmas bloqueiam o espírito humano para poder
chegar a perceber a presença do Reino entre os sinais dos
tempos. Foi o que ocorreu com os próprios discípulos de Jesus:
"tinham a mente fechada". Apesar de seus olhos, não viam;
apesar de seus ouvidos, não chegavam a escutar; não entendiam
e nem se davam conta.
Não obstante, os fatos eram claros: testemunhavam o poder
do Reino atuando na história. Com efeito, os famintos repartiam
os alimentos e eram saciados, os pobres já não sofriam os efeitos
de sua miséria e não sentiam o impacto da escassez. Quer dizer,
a utopia tantas vezes pressentida deixava de ser um
pressentimento para transformar-se em algo concreto, real da
vida daqueles humildes. Lamentavelmente, na consciência
popular há uma barreira que impede perceber e discernir estes
fatos. Pode vir algo de Nazaré? Podem os pobres e deserdados
experimentar o Reino? Não será que este aparece entre os
poderosos e arrogantes? A resposta de Jesus é clara: O Reino não
depende de "sinais do céu". Está entre nós. Deve-se ler os sinais
dos tempos, com olhos humildes, realistas e, a partir desta
leitura, nutrir a fé. Quer dizer, através destes fatos aqueles que
(ainda apesar de ambivalências históricas) atestam o poder do
Reino (esse mesmo que satisfaz o humilde e derruba os
poderosos) mediante a compreensão dos mesmos, percebe-se a
presença do Reino entre nós.
Isto é fundamental para orientar a ação da Igreja, para dar
uma referência à pastoral, à itinerância, à caminhada do povo de

Deus na história. "Postos os olhos em Jesus", quer dizer, no Bom
Pastor, seu povo nômade caminha e abre novas pistas em meio à
realidade diária referindo-se àqueles acontecimentos que
experimenta a sua conjuntura; discernindo entre os mesmos a
presença do Reino. Esses sinais do Reino, que se dão no tempo,
devem ser apoiados, ratificados, através da ação pastoral.
Neste ponto, é importante destacar a frutífera tensão, a
dialética, que se cria entre a leitura dos sinais dos tempos e a
compreensão da fé. Esta adquire maior densidade e profundidade
quando se refere àquela: corrige discernimentos inadequados, ou
consegue novas convicções, ou chega a perceber novas metas a
alcançar. À sua vez, a compreensão da realidade, a partir de uma
perspectiva de fé, dá um conteúdo sacramental à história, às
relações que vamos tecendo em seu curso: acontecimentos
prosaicos, às vezes banais, têm que serem considerados como se
estivessem cheios da presença de Deus, que infunde nos mesmos
o poder do Reino. Esta dialética entre a leitura dos sinais do
tempo (ou, para chamá-lo com palavras mais atuais, “análise de
conjuntura”) e o conteúdo da fé, abre caminhos (trilhas) para
renovadas tentativas de fidelidade da Igreja à vontade de Deus.
Por isso, ela é tão importante para a pastoral. Daí, ser
conveniente aprofundar os termos dessa tensão.
Como Entender a Fé a partir dos Sinais dos Tempos
Uma referência ao pensamento paulino nos ajudará a
introduzir esta reflexão. Mas, previamente, deve se levar em
conta o seguinte: tende-se a pensar que a explicitação do
conteúdo da fé não pode e nem deve sofrer mudanças. Com isso,
reforçam-se a tradição e o dogmatismo. Quando ocorre tal coisa,
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Pelas trilhas-do-mundo-a-caminho-do-reino

  • 1. PELAS TRILHAS DOMUNDO, ACAMINHO DO REINO JULIO DE SANTA ANA ÍNDICE CAPITULO I — Reorientação da Tarefa Teológica: da Repetição de Fórmulas à Libertação da Teologia CAPITULO II — Modelos Bíblicos de Pastoral CAPITULO III — Chaves para a Ação Pastoral a partir da Leitura dos Sinais dos Tempos CAPITULO IV — Cristo Tomando Forma na Sociedade e na Igreja CAPITULO V — Caminhos à Frente — Trilhas a Traçar — Dilemas e Oportunidades IMPRENSA METODISTA 1985 Esta é uma co-edição da Imprensa Metodista e Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, publicada em maio de 1985. Tradutor: Uriel Teixeira Correção e Adaptação de Originais: Amélia Tavares Revisão: Marilía Schüller Ferreira Leão Imprensa Metodista
  • 2. permanecer fora do horizonte de nosso tempo. Prefácio à Edição Brasileira O texto deste volume recolhe as cinco conferências que pronunciei em março de 1984, no Seminário Bíblico Latinoamericano, cujas autoridades me convidaram para ocupar a Cátedra Enrique Strachan nesta oportunidade. Este convite foi como um desafio para ordenar idéias e aprofundar pistas de análises em torno da questão referente a pastoral protestante na América Latina. O terna que desenvolvi durante aqueles dias que passei em São José da Costa Rica foi: Reorientação Pastoral e Renovação Teológica na América Latina, tentando responder as prioridades que se colocam 'as igrejas na América Latina neste período de rápidas transformações e, muitas vezes, até imprevistas. E minha convicção que a região do inundo onde a vida eclesial alcança maior densidade e riqueza neste momento da história é a nossa. A América -Latina é o cenário de profundos processos de renovação social, que inevitavelmente influem sobre as comunidades cristãs. Entre estas, há aquelas que aceitam este desafio de nosso tempo, enquanto há outras que fogem do mesmo. A questão é de suma importância: trata-se de saber se a pastoral das igrejas é pertinente ao período histórico que vivemos, ou se, ao contrário, corre o risco de ser anacrônica, de Para responder a esta questão me pareceu necessário considerar em primeiro lugar os pressupostos teológicos da pastoral protestante. Mas, como se sabe, para o cristianismo evangélicos, mais importante do que a reflexão teológica é a referência à Bíblia. Daí, que no segundo capítulo me concentrei na análise do que significa ser pastor no testemunho escritural, assim como na reflexão sobre os modelos bíblicos de pastoral. Em terceiro lugar, me pareceu necessário atender a questão da leitura dos sinais do Reino da análise da conjuntura histórica: com efeito, após a autocrítica ecológica, a referência às fontes bíblicas, surge, inevitavelmente, a pergunta relativa ao que está fazendo Deus, hoje, no mundo. A pastoral de nossas igrejas não pode ser pensada sem esta referência. Não é possível ser Igreja sem estar participando na missão de Deus. E, para isso, aparece como inevitável a necessidade de compreender o tempo em que vivemos, a história na qual participamos. Desta análise surge a percepção do sentido da ação de Deus em nosso tempo, que a Igreja tem que acompanhar e testemunhar. O quarto capítulo procura responder a interrogativa sobre como ser o Corpo de Cristo no meio de tais condições. Ou seja, como expressar concretamente o ser de Jesus Cristo, servo sofredor, em nosso mundo. A Igreja militante muitas vezes se perdeu nos atalhos da história por afirmar unilateralmente seu caráter triunfante, quando também deve recordar seu caráter peregrino, caminhando junto ao povo que sofre e que, por isso mesmo, espera redenção. Finalmente; a partir de todas estas colocações anteriores tentei compreender como deve ser orientada a pastoral evangélica, indicando os dilemas e oportunidades que se apresentam as nossas igrejas no momento atual.
  • 3. Quero ressaltar, de forma especial, nestas linhas de introdução, quão grande é minha dívida para com as comunidades cristãs do Brasil. Foi no contexto da prática eclesial das mesmas que recebi inspiração para desenvolver a visão que tentei expressar nas páginas que se seguem. Nelas apenas procuro traduzir, em conceitos, o que o Espírito está dizendo às Igrejas hoje. Por último, também quero dizer quão agradecido estou à Faculdade de Teologia da Igreja Metodista no Brasil, e especialmente a seu Reitor, Prof. Dr. Rui de Souza Josgrilberg, assim como também 'a Imprensa Metodista, por ter feito todo o necessário para que este livro chegue as mãos do público brasileiro e de língua portuguesa. São Paulo, 9 de dezembro de 1984. Julio de Santa Ana CAPITULO I Reorientação da Tarefa Teológica: da Repetição de Fórmulas à Libertação da Teologia A década dos anos 60 pode ser considerada, na história da teologia ocidental, como a do grande impacto das idéias e dos valores da cultura do Ocidente moderno. Se, no campo Católico Romano, isto se manifestou, especialmente, através do Concílio Vaticano II, a partir do qual a Igreja se abriu à cultura e ao mundo moderno, no Protestantismo, isto ocorreu graças àquelas teologias que, tomando consciência do processo de secularização, começaram a delinear linhas de reflexão, para as quais a perda da vigência do religioso e, inclusive a "morte de Deus", foram considerados elementos de grande importância (1) Hoje, há duas décadas destes acontecimentos, é possível afirmar que aquela ruidosa moda teológica deixou muito poucos rastros. As profecias que anunciavam o esquecimento e abandono rápido de formas de pensar e comportamento religiosos provaram ser falsas. Apesar dos augúrios — baseados em teorias de "transformação social", amparadas pelo pensamento
  • 4. sociológico funcionalista, para as quais a secularização significava praticamente a superação de qualquer tipo de influência religiosa (entre os quais, evidentemente, deve-se incluir o pensamento teológico) — da morte de Deus e da desqualificação progressiva do religioso, podemos perceber, hoje, que os acontecimentos levaram justamente a afirmar o contrário do que diziam aqueles oráculos (2). mundo, é possível ressaltar que se multiplicam os livros de teologia, assim como também aqueles trabalhos teológicos que circulam por meios alternativos. Enquanto no Ocidente, respeitáveis e tradicionais revistas teológicas perdem leitores, fato que as leva a reconsiderar a possibilidade de continuar sua impressão, na América Latina cresce o número desse tipo de publicações. É verdade que no Ocidente (Europa, EUA, Canadá) o processo de secularização continua afetando claramente as formas organizadas, através das quais se manifesta a vida religiosa: os templos estão vazios, há um grande desinteresse pelas questões teológicas, os livros a este respeito — lidos avidamente durante a década dos anos 50 e no começo dos anos 60 — só interessam a especialistas e, em geral, as igrejas têm perdido a influência sobre as sociedades às quais pretendem servir. Este processo tem afetado, também a produção teológica do Ocidente: é possível afirmar que, a partir do Concílio Vaticano II, não surgiu nada de novo e de interessante entre os teólogos católicos ocidentais. Algo semelhante ocorre entre os teólogos protestantes: logo após as primeiras obras de Jürgen Moltmann (3), não apareceram grandes novidades. É como se a reflexão teológica ocidental se limitasse a girar em torno de si mesma, a repetir-se constantemente. Mais importante ainda: a religião, cuja perda de influência sobre a vida dos povos, anunciava-se há vinte anos atrás, demonstrou ser um fator de primeiríssima importância para a história dos povos do Terceiro Mundo. Assim, por exemplo, no Irã ou no Líbano, não se compreendem os acontecimentos que marcaram estes países no decorrer dos últimos anos, a menos que se leve em conta os valores e símbolos religiosos que motivam a ação destes povos. Do mesmo modo, no continente africano, a luta contra o domínio ocidental — sobretudo na África do Sul — tem-se dado e se dá com um alto índice de componentes religiosos, tanto cristãos como islâmicos. E, na América Latina, as grandes mobilizações populares na década dos anos 70 e começo da atual, permitem mostrar como o religioso é um fator que dinamiza e motiva os setores populares para que estes assumam um papel de protagonista na história que lhes cabe viver. Isto, todavia, não ocorre com as teologias do Terceiro Mundo. Tomando um rumo diferente dos teólogos ocidentais, na Ásia, África e América Latina, a teologia passa, hoje, por um período de grande atividade e produção. Neste trabalho, não pretendemos examinar a evolução teológica na África e na Ásia. Concentrar-nos-emos na América Latina somente. Nesta parte do Isso explica, entre outras coisas, esse assombroso impacto da teologia na história latino-americana. Ou seja, não se trata do fato de que a teologia atue como um agente desencadeador, que influi sobre os povos que estão ao sul do Rio Bravo, motivandoos para a sua libertação. Ocorre o contrário: é a participação popular nos processos históricos que dá origem à novos
  • 5. desenvolvimentos teológicos. Com efeito, povos que são profundamente religiosos não podem deixar de pensar religiosamente, teologicamente, quando enfrentam opções cruciais relacionadas com seus respectivos destinos históricos. A gravidade do atual momento histórico latino-americano, a importância crescente dos setores populares nos processos que lhes cabe viver, manifestam-se no plano teológico por uma tentativa de explicar o sentido de sua ação a partir da fé, que os motiva a assumir novos papéis e funções na sociedade. A teologia não está em primeiro lugar, mas vai sendo construída à medida que seus sujeitos vão atuando na história (4). Isso significa, claramente, que na América Latina, hoje, existe uma nova maneira de fazer teologia. Esta que, por muito tempo, esteve separada, distante, alienada dos setores populares, vai sendo assumida pelos mesmos. A prática religiosa (eclesial, se desejamos referir-nos mais estritamente às igrejas e aos cristãos) cria novas condições para fazer teologia. Não se trata de refazer a teologia cristã, mas sim de simplesmente reformulá-la a partir de um novo sujeito histórico. Antes, o povo recebia a teologia elaborada de antemão por outros, mas recentemente começou a reformulá-la, a partir de suas próprias experiências, de suas próprias percepções e no contexto de seus próprios problemas. Daí, que seja possível assinalar que existe, hoje, na América Latina uma reorientação do labor teológico. Se antes a orientação procedia do Ocidente, hoje esta explicitação do conteúdo da fé se faz pelo povo, para si e a partir daquelas interrogações e desafios que ele mesmo experimenta. I O que foi dito previamente serve para fundamentar a seguinte afirmação: a teologia que se faz na América Latina está deixando de ser uma repetição de fórmulas elaboradas em outros tempos e em outros contextos, e, ao mesmo tempo, está chegando a ser uma teologia pertinente aos latino-americanos. Por isso, hoje, preocupa tanto a teologia latino-americana, conhecida como teologia da libertação (5).Quer dizer, a teologia da libertação é uma ferramenta que os crentes latino-americanos estão utilizando na sua prática de libertação. Isso significa que vão saindo da esfera de limitação, de castração teológica, as quais lhe haviam sido impostas pelas teologias elaboradas em outros contextos, que, certamente, puderam ser pertinente nos mesmos, mas não o são na América Latina. Esta afirmação que acaba de ser feita e pode parecer brutal, merece uma explicação detalhada para ser compreendida. Devese começar recordando que, logo após a Reforma do século XVI e até as primeiras décadas do nosso século, a teologia ocidental clássica desenvolveu um método que pretendeu combinar sucessivamente três características: as de ser dogmático, apologético e científico. Passadas as duas primeiras gerações de teólogos reformadores, o protestantismo caiu numa fase ortodoxa, na qual o que mais importava era a repetição de fórmulas doutrinárias que provinham dos reformadores. Quer dizer, o peso da nova tradição necessitava consolidar-se diante dos embates da contra-reforma católica, organizada a partir do Concílio de Trento, teve um efeito paralisante sobre a teologia protestante desde o final do século XVI até o começo do século XVIII. Ante a necessidade de fortalecer o Protestantismo, durante o período das guerras de religiões na Europa Ocidental, tentou-se tornar inflexível e extremamente dura a doutrina clássica dos primeiros reformadores (6)
  • 6. O pensamento da Ortodoxia protestante é dogmático em dois sentidos. Por um lado, ao aceitar acriticamente as premissas dos reformadores do século XVI, especialmente na formulação dos grandes símbolos (Confissão de Ausburgo, Fórmula de Concórdia, Credo de Westminster etc.), impõe sobre a reflexão teológica um método dedutivo. Quer dizer, as premissas já estão formuladas: das mesmas não há mais que se deduzir rigorosamente as inevitáveis conclusões que devem aplicar-se à situação de mudança. Na realidade, o método dedutivo na teologia não leva em conta a experiência humana, a prática daqueles que fazem teologia. Trata-se, pois, de um discurso que privilegia certas bases (as premissas, credos confessionais) e que não se abre às novidades da existência. Por isso mesmo, e por outro lado, é um método que só leva à reprodução da doutrina já recebida. Frente a situações novas, a doutrina pode enfatizar um ou outro elemento nela implícito, mas não é capaz de criar um novo desenvolvimento do pensamento teológico. Daí, que não é de se estranhar, que em pouco mais de um século, o pensamento teológico ocidental clássico (tanto Protestante como Católico Romano) tenha começado a dar evidências de esgotamento. De tanto se repetir e reproduzir a si mesmo, logo já não teve mais nada a oferecer. Quando começaram os primeiros questionamentos sérios do pensamento filosófico, a teologia ortodoxa protestante (e católica) permaneceu sem resposta. Então, para superar esta paralisia, o método teológico tornou-se apologético. Era urgente responder aos ataques dos livres pensadores à religião cristã. O pensamento de Galileu e Descartes, construindo as bases a partir das quais se desenvolveu a ciência moderna, abriu um caminho no qual começaram a transitar aqueles que fizeram uma crítica desapiedada à religião (e, por extensão, à teologia), tanto aos seus fundamentos como às suas manifestações. Então, desenvolveu-se uma linha de defesa da doutrina, quer dizer, uma orientação apologética da teologia. Esta começou a fazer uma distinção entre a teologia revelada (aquela cujas doutrinas só podem deduzir-se da revelação) e a teologia natural, que admite a necessidade de desenvolver linhas de pensamento diante de questões complexas (entenda-se polêmicas). Para ela, como as doutrinas que resultam diretamente da revelação não respondem diretamente aos novos desafios que se apresentam à reflexão teológica, podem completar-se em termos da razão humana, a qual se apela para a defesa da fé. Este caráter apologético unido ao dogmático, já mencionado previamente, acentua o aspecto racionalista que também caracterizou a teologia ocidental clássica do século XVIII. Além disso, a razão não é tudo na existência, ao lado dela se desenvolvem sentimentos, instintos, paixões, que a teologia também necessitava levar em conta. O pietismo foi uma reação dentro das igrejas ante essa excessiva racionalização da teologia. Mas, também o pietismo assumiu este caráter apologético. Por exemplo, quando João Wesley — fortemente influenciado pela piedade moraviana — precisou de fortes argumentos para defender a fé diante dos empiristas britânicos do final do século XVII e nas primeiras seis ou sete décadas do século XVIII, e o fez recorrendo à noção de experiência religiosa, que também pode ser comprovada empiricamente. Além disso, o pietismo, em seu intento apologético da fé cristã, precedeu a crítica da razão desenvolvida por Kant até fins do século XVIII. Este, cuja formação pietista ninguém pode ignorar, de uma ou de outra maneira, recolheu
  • 7. estes argumentos, dando-lhes uma forte consistência filosófica (8). Todavia, nem sequer a apologética pietista foi suficiente para responder às críticas que o Iluminismo (Aufklãrung) começou a fazer à fé cristã. No desenvolvimento da cultura ocidental, o Iluminismo significou o momento no qual a razão adquire plena autonomia. A partir de então, tem sentido o empiricamente comprovável e racionalmente incorporado ao acervo do conhecimento humano. O restante pode considerar-se fantasia e ilusão. Isso foi o que ocorreu com a religião. Ao não ser possível provar cientificamente a verdade que fundamenta a fé, esta começou a ser desqualificada no mundo do Iluminismo. Então, Friederich Schleiermacher exigiu que a teologia tivesse um ponto de partida científico. Neste sentido, baseou sua reflexão num fato que ninguém pode negar: a existência do sentimento religioso (9). Portanto, a teologia passou a ser o conhecimento positivo de uma realidade histórica. Neste ponto, Schleiermacher se distancia da teologia ortodoxa: já não lhe preocupa tanto a verdade à qual se refere a fé como aquelas percepções teóricas, induzidas do sentimento religioso, do mesmo modo que as normas administrativas necessárias para manter e expandir a vida da Igreja(10). Paul Tillich assinala que "é um conceito altamente positivista da teologia. Eu diria que se trata de uma descrição positivista de algum grupo que se encontra na história e cuja existência não se pode negar. Podem-se descrever as idéias importantes dentro desse grupo e as regras que aceita. Portanto, pode-se educar os jovens teólogos chamados a serem líderes da Igreja no conhecimento daquelas coisas que deverão praticar mais adiante. Neste positivismo se deixa de lado a questão da verdade" (11). A influência de Schleiermacher no desenvolvimento da teologia no resto do século XIX e grande parte do nosso, é inegável. Teve-se que esperar até Karl Barth para que começasse uma mudança na maneira de fazer teologia no Ocidente. Em que consistiu esta mudança? Em tomar conta não só da revelação, mas também do contexto — sitz in leben — daqueles que fazem teologia. Barth se distancia de Schleiermacher também pelo fato de que seu ponto de partida não é o sentimento religioso, mas sim a própria revelação. Daí, que sua teologia seja apreciada como a que resulta de um "positivismo da revelação". Quer dizer, para quem tem fé, a revelação é indiscutível. Barth supera a insuficiência de Schleiermacher e seus seguidores (Ristch, Troeltsch, Harnack), os quais primeiro definem o cristianismo como uma religião e depois afirmaram que era a religião mais elevada para o espírito humano. Para Barth, ao contrário, o mais importante é falar de Deus aqui e agora. Isso o levou a dizer que fazer teologia significa ter a Bíblia numa mão e o jornal na outra: a autoridade é da Palavra de Deus (através da qual se expressa o Espírito de Deus), não de forma abstrata, mas sim na situação na qual se encontra o teólogo. A autoridade da Bíblia o levou a ser um crítico radical das situações humanas: o teólogo, se quer ser fiel a Deus, não pode aderir acriticamente a nenhuma situação estabelecida, nem à qualquer proposta humana, sob pena de inclinar-se diante dos ídolos que não têm identidade diante do Deus vivo. Essas maneiras de fazer teologia dominaram plenamente na América Latina até vinte anos atrás, aproximadamente. Estas vias demonstram ser, além do que foi dito: axiomáticas, porque partem de enunciados indiscutíveis; reações a desafios ou
  • 8. proposta que se dão, sobretudo, a nível ideológico; e, ademais, teóricas, porque o conteúdo da fé não se traduz em termos históricos (12). Nesse sentido, é possível afirmar que, em geral, o campo de referência dessa maneira de fazer teologia é o das categorias e dos conceitos teológicos, antes que o da matéria teológica. Por matéria teológica entendo as revelações de Deus na história; as formas sociais organizadas e objetivas da vida de fé, entre as quais se destacam aquelas de caráter eclesial; e entre outras, as opções históricas que assume a comunidade de crentes frente a desafios políticos, econômicos, sociais e culturais concretos. Assim, pois, chegou a ser evidente no decorrer das últimas décadas (como se também não o houvesse sido anteriormente, só que não se teve consciência disso) que essa teologia repetidora e reprodutora de fórmulas não era capaz de responder pertinentemente aos desafios que a situação latino-americana colocava para a fé cristã. A reiteração freqüente e obstinada de frases teológicas patenteadas em outros lugares e em outros tempos que não dava conta da fé cristã, num momento em que começavam a irromper os setores populares como os grandes e futuros agentes decisórios da história latino-americana. Essa maneira de fazer teologia mostrava também sua índole anacrônica pelo tom defensivo (e, às vezes também, inapropriadamente agressivo) que assumiu diante das ferramentas ideológicas utilizadas por esses setores populares na colocação de suas reivindicações e, ademais, o que menos contentava aos espíritos mais alertas, era seu tom abstrato, tão evidente e particular. As comunidades cristãs não se guiam felizmente — graças a Deus — pelas teologias dominantes. O espírito de Deus tem seus meios para levar o povo e as comunidades de crentes a ações que, nem sempre, os aparatos hierárquicos e seus instrumentos doutrinários podem controlar. Na América Latina, uma parte das comunidades cristãs, minoritária todavia, mas que cresce constantemente e muito significativa, começou a dar respostas novas e imaginativas aos desafios dos últimos tempos. Chegou a ser patente que as velhas maneiras de fazer teologia eram anacrônicas. Contudo, ainda predominavam nos currículos de muitas instituições de ensino teológico. Deveriam ser mudadas, mas sem perder o rigor científico contido na experiência de fazer teologia. Não se tratava de diminuir essas exigências, mas justamente de responder a elas. Responder a novos desafios históricos não significa abandonar totalmente a tradição da teologia que se tem recebido. Significa, em primeiro lugar, procurar ser fiel à ação do Espírito de Deus entre as igrejas. Por que repetir velhas fórmulas se a realidade eclesial demonstra que já não são mais pertinentes? Por que opor-se a essas manifestações de vida eclesial promovidas pelo Espírito Santo, repetimos, usando argumentos que nada têm a ver com nossa situação atual? Mais ainda, se o sujeito social que irrompe na vida das igrejas é diferente daqueles grupos em cujo contexto surgiram essas doutrinas, não estará se cometendo um grave erro ao se privilegiar àqueles grupos em detrimento dos que agora procuram ser fiéis ao Espírito em nosso tempo? Isto é sumamente importante quando se considera que este sujeito social corresponde, muito mais que outros, àqueles que, segundo os Evangelhos, são herdeiros do Reino de Deus. Com efeito, no presente contexto latino-americano, são os pobres, os
  • 9. setores populares que irrompem preponderantemente no processo histórico. Por séculos estiveram submetidos, mas agora querem dar sua palavra, e nessa tentativa chegam a desestabilizar rígidos esquemas de segurança nacional, administrados por ferrenhos aparatos de controle. Esses setores também invadem as igrejas. Já não é possível que essas sigam mantendo ideais de estilos de vida que correspondam às classes médias, com as correspondentes teologias que os legitimam. Se somos coerentes com a mensagem de Jesus, a irrupção dos pobres na história é sinal da proximidade do Reino (Lc 4.17-22). Já não é mais tempo para teologias que, ainda que oportunas em outras circunstâncias, não são mais apropriadas para a nossa. Essa mudança requer, por um lado, o rigor próprio com o qual deve ser levada adiante a tarefa teológica e, por outro lado, a própria realidade eclesial em que vivem as igrejas. Uma nova pastoral emergente exige reformulações teológicas. Elas devem libertar a fé para que se expresse segundo as exigências que surgem de nosso tempo no espaço latino-americano. E a teologia deve participar nessa libertação, que resulta dessa reorientação. II Assim, pois, na América latina, pela graça de Deus que nos impele a esta mudança, percebe-se que — entre tropeções, com erros e dores, com esforços e empenhos, procurando ser realmente fiéis às exigências do Deus Trino — está se realizando essa libertação da teologia. Mas seria errôneo pensar que ela não tem nada a ver com o que ocorre na vida das igrejas. Tal como o dissemos anteriormente, uma teologia frutífera para o povo de Deus, que confirma a sua fé e lhe ajuda a descobrir novas possibilidades para ir concretizando o Reino, é aquela que se desenvolve a partir da prática eclesial desse mesmo povo. Se a teologia está distante da prática do povo (especialmente daqueles setores do mesmo que atuam dando testemunho do Reino de Deus) certamente não vai ser proveitosa para este povo. Ou seja, se a teologia da libertação é válida, isto se deve ao fato de que, tendo como fonte a memória da revelação de Deus à Igreja, contida na Bíblia, demonstra ser própria do povo que irrompe na história da América Latina, essas massas pobres, herdeiras do Reino prometido por Jesus. Ali é onde se encontra, em primeiro lugar, a indicação da reorientação da tarefa teológica latino-americana: a repetição de fórmulas era uma evidência, por um lado, de que a teologia que essas fórmulas expressavam não surgia da experiência de fé do povo. Ou melhor, essa vivência tinha que se ajustar às indicações daquelas fórmulas. E, por outro lado, significava, em conseqüência, que a prática da fé se orientava segundo pautas estranhas ao povo latino-americano. Não causa surpresa, então, quando se percebe que os projetos históricos de sociedade, mais ou menos explícitos naquelas formulações teológicas, tenham sido mais aceitas para as minorias dominantes da América Latina do que para as classes populares. Agora, ao contrário, a situação começou a mudar. Com efeito, apesar da carga secularizante que caracteriza o projeto modernizador impulsionado pelas minorias no poder, o povo latino-americano segue se afirmando como profundamente religioso. Sua prática de fé foi promovendo um processo evidente de renovação eclesial que, por um lado, manifesta-se no surgimento de formas de ser igreja popular (quando antes a vida eclesial se caracterizava pelo predomínio
  • 10. das classes dominantes, ou dos setores médios da sociedade) enquanto que, por outro lado, percebe-se que essas comunidades cristãs que expressam essa nova maneira de ser igreja se incorporam a vastos movimentos — também de origem popular — que tentam plasmar na história, sociedades mais democráticas, mais participantes e mais justas. É a partir desse novo sujeito social que irrompe nas igrejas e no contexto de nossos esforços pela construção do Reino de Deus, através dessa luta pela justiça e democracia, que se fomenta essa orientação da teologia que a leva para sua libertação. Com efeito, em vez de responder aos novos desafios históricos com receitas e argumentos anacrônicos, as comunidades eclesiais se atrevem, sempre levando em conta a mensagem bíblica, a oferecer propostas inéditas — ousam fazer ouvir sua voz, a partir de sua própria perspectiva. Tem sido assinalado (13) que as rupturas sócio-eclesiais se manifestam em rupturas teológicas. Mas, por sua vez, tais rupturas sócio-eclesiais refletem profundos processos de transformações históricas. As comunidades cristãs não podem subtrair-se a essas modificações. E a teologia, como "ato segundo", segue este desenvolvimento. Ela significa uma inovação importante na tarefa teológica latino-americana: entre aqueles que manifestam esta atitude, o verdadeiro teólogo não é quem aprendeu o ofício teológico, mas o povo. É este quem está demonstrando perceber com maior profundidade aspectos novos na reflexão teológica. Sua percepção, muitas vezes, é inculta, sem perceber todas as conseqüências dessa nova realidade que está apreendendo. É, justamente, ao que possui as ferramentas e as técnicas necessárias para desenvolver o saber teológico, que corresponde aprofundar essas novas visões que entusiasmam o povo e o motiva para atuar, a partir de como entende a realidade, numa perspectiva de fé. O teólogo de ofício a não já não é mais um mestre, mas sim um intérprete das percepções populares. Já não é um líder, mas um servidor. Cabe falar dele, segundo Gramsci que considerava os intelectuais que fazem uma opção pelos setores populares: em vez de serem mercenários dos grupos no poder, são orgânicos desse sujeito social integrado pelas classes pobres da América Latina. Como tais, têm que estar a serviço dos setores menos privilegiados da sociedade para que possam compreender com clareza (e, portanto explicá-las), as relações e mecanismos que levaram esses grupos sociais, numa determinada situação, a alcançar estas percepções teológicas, econômicas, sociais e políticas os motivam a lançar-se num determinado tipo de ação. Creio que um exemplo indiscutível deste tipo de teólogo na América Latina foi Mons. Oscar Romero. Enquanto teve vida, com a coragem própria daqueles que têm fé, buscou incansavelmente explicar, através de suas homilias dominicais, transmitidas pela rádio, quais eram os problemas que afetavam o povo e as causas dos mesmos. Se teve a audiência que se lhe reconhece é porque, antes de dirigir-se ao povo, soube escutá-lo. A partir da percepção dos problemas do povo, e sempre desde uma perspectiva dos pobres de seu país, levou uma palavra a sua grei, que se reconheceu na mesma. Quer dizer, Mons. Romero não falou ao povo de fora do seu ambiente, ou de uma situação de superioridade. Colocou-se a serviço de sua gente, ajudando-a a compreender como estavam ligados os distintos componentes da complexa circunstância que lhes cabia viver (14).
  • 11. Essa reflexão teológica, precisamente por ser encarnada em contextos muito concretos, não tem a pretensão de ser válida urbi et urbi. É consciente não só de suas limitações, mas também de seu caráter relativo. Daí que não se pretende que se repita e se reproduza a mesma, acriticamente, em outras situações. Quer dizer, é um pensamento que está libertado de toda pretensão de absoluto. 15 Por isso mesmo, dada a consciência de sua relatividade, tem o compromisso de dar luz a este contexto, no qual vai tomando forma, ou seja, não pode desentender-se das diversas dimensões deste contexto. O teólogo está a serviço da comunidade eclesial, mas esta, ao mesmo tempo, não está isolada do mundo (Jo 17.11). De diferentes maneiras participa no emaranhado tecido que compõe a realidade. Esta não é transparente, mas possui uma densa opacidade. A explicitação das manifestações da fé exige que se coloquem a claro as relações entre essa fé e seus condicionantes. Para isso, é necessário, por um lado, compreender a índole dinâmica e flexível da realidade (seu caráter dialético): enquanto que, por outro lado, impõe-se analisar — com o instrumental apropriado — os diversos elementos dessa realidade. Isso leva a examinar indiscutivelmente a relação que existe entre teologia e ciências sociais, e que é própria da natureza relativa da teologia. Por isso em nosso tempo é impossível fazer teologia sem entrar em diálogo com as ciências sociais. Esta exigência que está explícita na teologia latino-americana (16), é muito mais radical do que a indicação de Karl Barth de fazer teologia com a Bíblia numa mão e o jornal na outra. Com efeito, a leitura diária de notícias não é suficiente para construir o aparato crítico necessário para relativizar a reflexão teológica. Isto se obtém através da utilização das ferramentas que nos brindam as ciências sociais. Isto não quer dizer que a teologia se submeta àquelas, mas sim meramente que — na sua tentativa de ser coerente com aquela realidade na qual se desenvolvem seus argumentos e na qual Deus atua — estabelece com essas ciências uma relação dialética, uma tensão constante. Não é um antagonismo, mas uma reciprocidade que procura a complementaridade. Não é uma relação na qual cada termo procura sua justificação (nem a fé, nem a igreja e nem a sociedade com seus processos inerentes, necessitam justificarse), mas de tensão flexível, mediante a qual se busca determinar modalidades e limites para os termos dessa relação. Graças a esta relação com as ciências sociais, a teologia que se faz nesta região do mundo tem-se libertado da ilusão de que a fé pode chegar a ser explicitada sem recorrer à mediações sócio-analíticas. Mas estas, por sua vez, necessitam ser recompostas numa síntese para a qual há dois conceitos chaves: um é o de estrutura, que se refere à ordem e a organização das partes que constituem uma totalidade. Ou seja, a análise não nos pode levar a afirmar que a realidade é uma soma de partes separadas, mas um conjunto disposto de uma maneira que deve ser aclarada. Esta ordem está intimamente relacionada com a orientação que caracteriza o uso do poder na sociedade por aqueles que dispõem do mesmo. Tornar clara a estrutura da realidade significa lançar luz sobre o exemplo do poder, fonte constante de tentação (cf. Mt 4.1-11; Ec 4.1-13). A questão do poder nos coloca no centro da teologia, porque o próprio Deus é poder, mas frente a Ele se levantam os poderes que se opõem à sua vontade, esses mesmos que constituem a realidade do pecado; que erguem ídolos (falsos deuses) que pervertem e fascinam aos povos. Em nosso próximo capítulo, estender-nos-
  • 12. emos mais ainda sobre a importância da análise das estruturas e do (ou dos) poder(es) que as administram e mobilizam. O segundo conceito que desempenha um papel fundamental nesta reconstituição sintética dos elementos que compõem a realidade, é a dialética. Por este conceito se quer indicar a inter-relação dinâmica que compõe o tecido vivo desta realidade. Nela seus componentes negam-se e se afirmam mutuamente, e através destas tensões vão criando novas situações, inovando na história. Uma divulgação inapropriada do conceito de dialética em manuais escolares tem levado a falar de "determinismo dialético". Isto supõe reduzir a tensão existente entre os termos da realidade a uma série de relações mecânicas, de causa e efeito. Isto não é dialética. Esta, depois de ter analisado as partes que integram a estrutura, entende que esta estrutura é mais importante do que as partes que a compõem. Por isso torna-se fundamental tentar perceber o sentido histórico (não há outro) dessa realidade. O mesmo resulta da tensão (contradição-negação-superação) que estabelecem as partes nessa totalidade. Tensão que evidencia como os distintos componentes da realidade relacionam-se diversamente entre si para fazer prevalecer seus interesses. As comunidades cristãs encontram-se no meio destas contradições estruturais. Sua prática eclesial pode contribuir para o avanço da justiça ou para que se firmem os poderes do "príncipe desse mundo". Para que as opções que tomam sejam as mais fiéis possíveis ao Evangelho de Jesus, a teologia lhes serve, através de indicações e sugestões; mas como saber que essa teologia corresponde à marcha da comunidade cristã em direção ao Reino? A teologia latino-americana enfatiza, como resposta a esta pergunta, a necessidade de que as orientações teológicas sejam verificadas através da prática eclesial. Nascida desta, a reflexão teológica volta à sua origem. Só que, no processo dos acontecimentos, a prática eclesial que levou à formulação de certas perguntas, quando as mesmas lhe são devolvidas com as respostas elaboradas, mediante a reflexão teológica, já não se encontrar no mesmo ponto em que estava ao colocar suas interrogações. A ação a levou a outro lugar. As respostas que recebe lhe servirão para ver se correspondem ou não às experiências que, entretanto, têm vivido, se lhe ajudam a compreender melhor ou não, se lhes permitem seguir aprofundando ou não sua compreensão da vida de fé. Se a teologia lhe permite seguir avançando, a mesma prática eclesial verifica a validade dessa reflexão. Se assim não ocorre, então aparece a necessidade de corrigir a argumentação teológica, a partir das lições que a experiência vivida ensina à comunidade. A teologia, que está a serviço daquela, vê-se libertada — uma vez mais — do triste ofício que consiste em repetir conceitos e frases inadequadas da realidade. Como se pode apreciar, a distância entre este modo de fazer teologia, e aquele que nos foi imposto, é enorme. Um está oposto ao outro. Isto se nota ainda mais claramente quando se considera a maneira como uma e outra buscam comunicar suas percepções da verdade. A teologia que recebemos como herança, foi caracterizada por seu caráter perscrutador, idealista. Sua mensagem era imposta: era difícil impugná-la. Ao contrário, a teologia latino-americana comunica por suas indicações simbólicas: sua linguagem não é digital, mas icônica, e pretende suscitar novas percepções no sujeito
  • 13. teológico popular. Antes de prescrever o que pensar ou o que fazer, sugere novos símbolos, deixando ao povo a liberdade de decidir sobre como orientar sua ação. Quer dizer, mais uma vez, a teologia latino-americana volta a reiterar, no plano da comunicação, seu ponto de referência constante: é o povo de Deus, o laos. Nisto também sua substância, que não é teórica, mas eclesial. Com isto, ademais, procura ser coerente: a teologia não pode ser livre se o povo, que é o seu sujeito, não caminha para a liberdade (para onde está o Espírito, diria o Apóstolo Paulo — 2 Co 3.17) e se, também, não contribui para que povo crie alento nesse caminhar, para que nessa caminhada renove suas forças. Seu caráter científico — paradoxalmente está intimamente relacionado com sua dimensão pastoral. Por isso, é possível afirmar que renovação pastoral e renovação teológica são inseparáveis. Mas isto já nos conduz ao tema do próximo capítulo. Notas 1. A partir da obra de Friedrich Gogarten, vários teólogos e filósofos começaram a mostrar que nossa época podia ser considerada culturalmente como a da "morte de Deus". Entre eles, ressaltamos teólogos tais como Hamilton, Van Buren, Altizer, e filósofos como Daniel Vahanian. No plano correspondente ao impacto deste processo sobre a sociedade, a religião e, mais particularmente, a igreja, deve levar em conta o livro muito conhecido de Harvey Cox: A Cidade Secular, assim como também o do ex-bispo anglicano John T. Robinson, Honesto para com Deus. 2. A Sociologia funcionalista de Talcott Parsons foi a que insistiu na importância social do processo de secularização. A racionalização (modernização) do comportamento, a institucionalização da mudança, e a adoção de pautas decisórias influenciadas pela necessidade de eficácia antes que pelo peso dos valores tradicionais, são elementos que caracterizam aqueles que se integram ao processo de secularização. Para estes, segundo o funcionalismo sociológico, a religião conta cada vez menos. Na América Latina, estas idéias tiveram um ardente defensor no sociólogo ítalo-argentino Gino Germani. Cf. especialmente seu livro: Politica v Sociedad en una Epoca de Transición, Buenos Aires, Paidos, 1962. 3. Cf., sobretudo, sua obra mais conhecida: Teologia da Esperança. 4. Por isto, Gustavo Gutiérrez, seguido por outros teólogos latino americanos, tem insistido que a "teologia é um ato segundo". George Casalis, o teólogo protestante francês mais próximo à teologia latino-americana, inspirado por Gutiérrez, disse em seu livro Las Buenas ideas no Caen del Cielo, San José da Costa Rica. DEI. 1980, que em toda a história da reflexão teológica cristã se assinala que as formulações teológicas não precedem à prática eclesial (quando são pertinentes), mas é a prática eclesial o que constitui o ponto de partida e a matéria de referência para essas reflexões. 5. A teologia da libertação chegou a ser motivo de contínuos ataques pelos que administram e/ou aderem à práticas de dominação. Um poderoso projeto contra a mesma foi lançado pelo Instituto de Religião e Democracia, entidade estadunidense, fundada em 1980, de claro cunho conservador. Sobre este Instituto, ver Ana Maria Ezcurra, La Ofensiva Neoconservadora. Las Igresias de U.S.A. y la Lucha Ideológica hacia América Latina, Madrid, IEPALA, 1982. 6. A respeito escreve Paul Tillich: "(A Ortodoxia foi) a maneira na qual se estabeleceu a Reforma como forma de vida e de pensamento eclesiásticos, uma vez que finalizou seu movimento dinâmico. E a sistematização e consolidação das idéias da Reforma e se desenvolveu em oposição à Contrareforma". In Pensamiento Cristiano y Cultura Actual, Buenos Aires, La Aurora. 1976, Vol. I: De los Origenes a la Reforma, p. 289. 7. O livro de Paul Hazard: La Crise de la Conciencia Européene: 1680-1715, Paris, 1935, dá conta de maneira magistral desse processo. 8. Essas críticas à razão, por exemplo, aparecem esboçadas em algumas obras
  • 14. de João Wesley. Por exemplo, em "La Imperfección del Conocimiento Humano", e em "El caso de la Razón Imparcialmente Considerada". Cf. Thomas Jackson: The Works of the Revd. John Wesley, A. M., with the Last Corrections of the Author, Vol. VI, 3rd Edition, London, Wesleyan — Methodist Book-Room, 1829-1831. 9. Cf. Friedrich D. Schleiermacher, Discursos sobre la Religión, Berlim, 1799. 10. Friedrich D. Schleiermacher, Glaubenslehre, Berlim, 1821. 11. Paul Tillich, Op. Cit., Vol. II, p. 421. 12. Cabe aqui uma exceção, por outra parte muito especial, no pensamento de Karl Barth. F. Wilhelm Marquardt sustém que ao escrever a primeira versão de seu Comentário à Epístola aos Romanos, Barth tinha co mo referência os acontecimentos da revolução bolchevista de 1917. Por isso, rebela-se contra a teologia acadêmica, por considerá-la a-histórica, sem vontade para atender ao que sucede na história, campo de ação do Espírito de Deus. Quando Barth tem, então, que traduzir "ressurreição" na linguagem do seu tempo, escreve que ressurreição é revolução (e, em 1918, isto era uma alusão direta e inevitável à revolução soviética). Mas isto é muito matizado na 2ª edição desse livro, em 1922. Cf. de Marquardt, Teologia e Socialismo. L'esempio de Karl Barth, Milano, Jaca Book, 1974, pp. 147-165. Cabe agregar, entretanto, que esta ousadia de Karl Barth abriu caminho para novas empresas teológicas, entre as quais também se inscreve a teologia latino-americana da libertação. 13. Veja de J. B. Libânio, As Grandes Rupturas Sócio-Culturais e Eclesiais, Petrópolis, Vozes/CRB, 1981, pp. 147-167. 14. Veja de Antonio Gramsci, Gli Intelectualle e L'organizzazione della Cultura. Sobre a noção de "bloqueio histórico", de Hugues Portelli, Gramsci et le Bloc Historique, Paris, PUF, 1972. 15. Sobre o caráter relativo do pensamento teológico, veja de Juan Luíz Segundo, Liberación de la Teologia, Buenos Aires, Carlos Lallé, 1975. 16. Veja, entre outros, de Hugo Assmann, Opressión-Liberación: Desafio a los Cristianos, Montevidéu, Tierra Nueva, 1971 e Clodovis Boff, Teologia e Prática: A Teologia do Político e suas Mediações, Petrópolis, Vozes, 1978. 17. Esta distinção entre a linguagem icônica (própria da teologia) e a digital foi introduzida por Juan L. Segundo em seu livro El Hombre de Hoy ante Jesús de Nazaret, Madrid, Ediciones Cristandad, 1982, Vol. I, pp. 179-213. A importância da linguagem icônica pode ser vista também na obra de Gustavo Gutiérrez, Beber en su Propio Pozo, Lima, CEP 1983; e nos livros de Carlos Mesters, tão ricos em metáforas e iluminações poéticas. Ainda mais claramente se pode observar nos trabalhos teológicos que, nos últimos tempos, tem elaborado Rubem Alves, por exemplo, La Teologia como Juego, Buenos Aires, La Aurora, 1982 e Creio na Ressurreição do Corpo, Rio de Janeiro, Tempo e Presença/CEDI, 1982.
  • 15. CAPITULO II Modelos Bíblicos de Pastoral (1) Um dos conceitos que se repete com freqüência no pensamento teológico latino-americano, dos últimos quinze anos, é o de "pastoral". Esse uso começou a generalizar-se em círculos católicos desde o princípio da década dos anos 60, quando, sob a influência de Emile Pin e de François Houtart, começou-se a refletir e a discutir sobre a função da Igreja na sociedade, suas estratégias e técnicas para dar a conhecer o Evangelho. Foi durante os anos 60 que se tornou freqüente falar de "pastoral de conjunto", ou de "pastoral de elites", ou de "pastoral de massas", etc. O Concílio Vaticano II ressaltou a importância do conceito através de seus textos mais famosos: a declaração pastoral Guadium et Spes, onde se examina a função da igreja no mundo moderno. A partir de então, a reflexão sobre o tema adquiriu aspectos mais amplos, agora também se fala de pastoral popular, pastoral latino-americana, pastoral operária, pastoral de periferias urbanas, pastoral indígena, pastoral da terra etc. (2). Em todos estes casos, o termo tem um uso claro e definido no contexto da prática eclesial da Igreja Católica Romana. O sentido do vocábulo se refere à forma como a Igreja cumpre sua função, seja em termos gerais (pastoral de conjunto) ou particulares (pastoral da terra, pastoral indígena, pastoral da juventude, isto é, referida a situações e/ou grupos sociais específicos). A pastoral, pois, no contexto do pensamento católico latino-americano, refere-se à ação coletiva do povo de Deus, da igreja, cuja hierárquica principal é o bispo. A definição de uma linha de pastoral, no catolicismo, inclui pelo menos quatro elementos: a situação social, analisada através da perspectiva que surge da prática do povo crente; a memória da fé; a comunidade eclesial e a ordem do ministério que encontra sua culminância hierárquica no episcopado. Através da interrelação dinâmica destes componentes, a igreja (universal, nacional ou particular) elabora suas linhas de ação. Partindo de uma leitura dos sinais dos tempos, formulamse planos de ação, estratégias e táticas, que tendem a tornar cada vez mais atual e funcional a ação de Deus na história. Nesse sentido, toda a "pastoral", pelo menos no catolicismo tem um elemento que tende para o "aggiornamento". Procura fazer com que a igreja participe de maneira significativa (de acordo com o Evangelho e com o magistério) na história que lhe corresponde viver. Pretende assim, superar os possíveis anacronismos da vida eclesial. Esta compreensão do termo "pastoral" não se encontra no protestantismo. Para o pensamento das igrejas que surgiram a partir da Reforma do século XVI, falar de "pastoral" tem significado, principalmente, referir-se à função do pastor. Isto é o que surge da análise de currículos acadêmicos nos Seminários protestantes, que dão lugar em seus programas de estudo à disciplina chamada "teologia pastoral". A diferença entre o
  • 16. pensamento católico e o protestante é grande neste ponto: o primeiro indica uma comunidade, enquanto o segundo um indivíduo. O primeiro refere-se a um conjunto de ministérios, enquanto que o outro a um carisma particular. Não obstante, há um ponto que se deve perceber imediatamente: os reformadores do século XVI nunca falaram de "pastoral”, quando muito, referiram-se ao ministério do pastor e sua ordem própria. É óbvio que, com o correr do tempo, produziu-se no pensamento protestante uma redução do conceito, que foi ficando limitado à pessoa (ou à figura, como se queira) do ministro ordenado. A centralidade deste ofício nas igrejas protestantes (clássicas, livres e/ou pentecostais) em mais de um sentido choca-se com o conceito do sacerdócio universal dos crentes, que é uma das maiores contribuições do pensamento da Reforma para o desenvolvimento da teologia. Este ato paradoxo resultou numa hipertrofia do ministério exercido pelo clero em cada congregação protestante. Ao invés de aceitar na comunidade local a diversidade de carismas e de dons, o que supõe taticamente a diversidade e pluralidade de ofícios na igreja, ocorreu que o ministério da Palavra protestante começou a acumular responsabilidades. A comunidade que, em princípio era concebida como um grupo no qual se exercia a democracia e a participação, passou a ser gradualmente centrada no pastor. Este passou a ser o modelo da vida cristã, o paradigma para o laicato. Esta tendência, fortemente arraigada no protestantismo, influi para que a compreensão da pastoral siga focalizando a figura do "pastor", ou seja, quem tem a responsabilidade do ministério da Palavra de Deus. Quando muito, no Protestantismo, aqueles que procuraram uma aproximação mais global às questões da teologia prática, têm sido também aqueles que têm buscado uma compreensão mais eclesial (que procuram levar em conta a assembléia dos fiéis) da função da Igreja. Nesse sentido, seu enfoque da questão é menos clerical. Na América Latina, Emílio Castro tentou abrir um caminho neste sentido com a série de conferências que pronunciou em São José da Costa Rica, em 1972 (3). Não obstante, ainda nelas podese perceber a importância que tem a referência "pastoral" ao clero. Ainda que essa não tenha sido a intenção de Castro, o peso da figura do pastor (ministro ordenado para a pregação da Palavra, a administração dos sacramentos e a condução das atividades da organização dos fiéis) condiciona claramente seu conceito de pastoral. Nos diversos países da América Latina, observa-se entre os evangélicos um interesse crescente por aqueles problemas que se relacionam com a organização coletiva das igrejas. Por exemplo, no Brasil, há alguns intentos de renovação e de reformulação da pastoral protestante. Entre eles, um dos mais significativos é o do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), que procura prestar um serviço às igrejas através do programa do seu setor sobre "Pastoral Protestante", formando ministros e leigos, visando claramente tornar mais presente a realidade da igreja na sociedade brasileira. Ademais, cabe ressaltar o Centro Evangélico de Estudos Pastorais (CEBEP), que tem relação com o CELEP (Centro Evangélico Latino-Americano de Estudos Pastorais), cuja sede está em São José da Costa Rica e, em cujo marco programático, Emílio Castro fez a contribuição
  • 17. mencionada anteriormente. Também no Brasil, referindo-se à vida e missão da Igreja Metodista, o bispo Paulo Ayres Mattos indicou que, entre as congregações de sua denominação, podemse denotar três modos ou maneiras de ser: um de caráter conservador, no qual predomina as orientações que provêm de setores teologicamente fundamentalistas; outro de tipo neoconservador (sua tendência é carismática); e outro liberalprogressista (4). O bispo Paulo Ayres não fala, nessa ocasião, especificamente de "pastoral", mas há muitas pessoas que, baseando-se nos termos desta reportagem, utilizam o termo para mencionar como a igreja pretende cumprir sua função na sociedade, de acordo com uma ou outra maneira. Não obstante essas indicações, parece existir — pelo menos no Brasil (em outros lugares da América Latina não se percebe de forma tão clara, como neste país, uma preocupação pelo assunto) — certa confusão entre os evangélicos quanto ao uso do conceito de pastoral. Por exemplo, afirma-se constantemente: "a pastoral protestante está em crise", outros, por outro lado, afirmam: "O problema da pastoral protestante é questão de linguagem". Agora, tendo em conta o que foi indicado previamente, sobre a relação estreita que existe no Protestantismo entre o conceito de "pastoral" e o conteúdo clerical que se dá a este termo, e, tratando de relacionar isto com algumas das afirmações que acabamos de citar, parece-nos evidente que o uso do termo "pastoral" no protestantismo não é unívoco. E, portanto, não é claro. Há a tendência de pensar que a crise é dos pastores e não das igrejas. Ou também, que o problema consiste na falta de comunicação que, muitas vezes, se observa entre o clero e os membros de uma congregação. Respeitando a importância indubitável destas questões, cremos que chegou o momento de reconhecer que a vida da igreja não pode articular-se só em torno da função do pastor, do clérigo. Então, surge a necessidade de se levar mais em conta o pensamento católico, que enfatiza a dimensão coletiva, comunitária, da ação pastoral como um conjunto de atividades promovidas por diversos ministérios, que procura harmonizar-se e se complementar visando dar um testemunho mais integrado do Evangelho e do Reino de Deus no mundo. Esta concepção da igreja não somente é mais bíblica, mas — e precisamente por isso mesmo — é mais acorde com a doutrina do sacerdócio universal dos crentes, que foi tão firmemente sustentada pelos reformadores do século XVI. Ou seja, o conceito de pastoral não pode reduzir-se a um só ministério, a um só carisma: é algo que, de alguma maneira, relaciona-se com toda a vida e a missão da comunidade dos crentes. Tendo em conta esta afirmação, a pergunta que se coloca é: tem o Protestantismo (as Igrejas Evangélicas) noção de pastoral? Pode ser que na prática de algumas delas, como o demonstrou o Bispo Paulo Ayres, haja implícitas linhas de ação pastoral, especialmente no que se refere a estratégias e táticas evangelizadoras orientadas para o crescimento numérico das igrejas. Essa carência pode levar alguns a falar de "crise da pastoral protestante" entre aquelas igrejas que crescem menos. Mas, como se sabe, crise supõe não só um juízo, mas também oportunidade, circunstância na qual são possíveis as reformulações, os novos começos. Daí entendermos que a situação pode ser considerada positiva. Agora, no contexto do Protestantismo, as propostas pastorais não podem ser feitas dando prioridade à situação social,
  • 18. à conjuntura na qual se encontra a Igreja. A referência às Escrituras também é necessária e tão importante quanto a análise da realidade histórica e a partir da práxis eclesial. Neste capítulo, não vamos analisar a situação social atual, que merece uma análise muito mais profunda do que a que podemos fazer agora. Vamos nos limitar à reflexão bíblica: existem no Novo Testamento elementos que nos ajudem a compreender como orientar a ação da igreja na sociedade? Quais são as formulações teológicas que devemos levar em conta para atuar pastoralmente como povo de Deus? Responder a estas perguntas, em primeiro lugar, supõe saber o que é ser pastor, e em que níveis da realidade tem que se dar a função do pastor, segundo a Bíblia. Dito isto, assinalamos as limitações deste texto: neste capítulo só se pretende tratar o assunto do ponto de vista bíblico. Para situar-se na totalidade do problema dever-se-ia prestar atenção à situação da vida eclesial, as propostas de orientação para o povo, ao qual se quer servir no nome de Cristo. Portanto, este capítulo não responde totalmente à questão do que significa a pastoral; apenas prepara novas etapas que, necessariamente, deverão ser cobertas no resto do texto. Pastor — Pastoral Quando Javé aceitou a oferenda de Abel (Gn 4.3-5), teve bons olhos para o sacrifício do pastor, mas não para o do lavrador. Mais adiante, no relato do Pentateuco, elege-se o povo de Israel entre as nações da terra para dar testemunho da vontade de Deus às nações: é um povo nômade, pastoril, de descendentes de pastores. Com o passar dos anos, chegou a cantar seu louvor a Javé, exaltando-lhe e dizendo: "O Senhor é o meu pastor". Esta concepção sobre o povo de Deus, de uma ponta a outra da Bíblia: no Novo Testamento, o autor da Epístola aos Hebreus (cf. cap. 11) fala da grei de Deus como um povo peregrino. Ser pastor em Israel é ser fiel à vocação do povo. Daí, que os dirigentes da nação eram chamados pastores: Jeremias, por exemplo, critica os maus pastores de Israel, culminando com um discurso através do qual foi fustigando, sucessivamente, a família real de Judá, aos reis Joacaz, Joaquim e Jeconias (cf Jr 21.1123.2). Os dirigentes do povo têm a vocação de ser fiéis a Javé; quando isto não ocorre, então, só Deus é o pastor. Ele reunirá o povo e de uma maneira ou de outra cumprirá com seu desígnio histórico. A tarefa pastoral não tem uma dimensão só teológica: também é política. Com isto queremos dizer que o papel pastoral, pelo menos para os relatores dos escritos vétero-testamentários, tinha a ver diretamente com aqueles níveis da realidade sobre os quais incide decisivamente o jogo de poderes que existem numa dada situação. O pastor, para os profetas de Israel, é quem tem a responsabilidade de conduzir o povo, tarefa que segundo se sabe, é eminentemente política Ou seja, que o pastor de Israel não era julgado negativamente por ser político e atuar politicamente como pasto, mas por prescindir de fazê-lo. Isso se descobre, também, na mensagem do profeta Ezequiel: no capítulo 34 de seu livro, refere-se aos pastores de Israel como dirigentes políticos: têm errado porque "não têm fortalecido aos débeis, nem atendido aos enfermos, nem curado as feridas. Não têm reunido o rebanho, a ovelha desgarrada, nem buscado a perdida. Ao contrário, vocês (os reis e dirigentes políticos de Israel) têm-lhes maltratado com violência e dureza.
  • 19. Elas têm-se dispersado por falta de pastor, e se têm convertido em presa das feras. Minhas ovelhas têm-se perdido por todos os cerros e pelas altas colinas do país, sem que ninguém as cuide e as busque (...). Logo eu farei surgir à frente delas um pastor. Então eu, Javé, serei Deus, e meu servo Davi será chefe no meio deles (...) Saberão que eu sou Javé, quando romper seu jugo e os libertar de seus opressores" (Ez 34.4-6; 23.24; 27b). Este texto era lido integralmente por ocasião da celebração anual da dedicação do templo, o que desde o tempo do retorno do exílio babilônico, tinha lugar em Jerusalém durante o inverno. Neste contexto (cf. Jo 10.22) Jesus proclamou seu discurso afirmando ser o Bom Pastor (Jo 10.1-8). Deste modo, Jesus coloca sua prática num espaço que é teológico e político, porque afirma ser o guia de todo o povo (Jo 10.16), cujo propósito é que se forme "um só rebanho, com um só pastor". Essa é a meta do que, na linguagem dos Evangelhos Sinóticos, chama-se "o Reino de Deus", visão messiânica definitiva. Em Jesus, pois, a função do pastor não é só religiosa: tem a ver com o propósito último de Deus que, nas palavras do autor da Epístola aos Efésios, é "reunir sob uma só cabeça" (anakefalaiosis), Cristo, tanto os seres celestiais como os terrestres (Ef 1.10). É uma função que tem dimensão cósmica, mas também histórica. Na linguagem da época, os seres "celestiais" são os poderes: religiosos, do conhecimento, os políticos, etc. O propósito de Cristo é englobar, sob sua soberania, todas as esferas da existência: as pessoais, as sociais, as econômicas, as políticas, as culturais, assim como também as que têm a ver com a vida religiosa dos seres humanos. A pastoral, pois, no pensamento do Novo Testamento, define-se a partir de Jesus. Hoje, segundo o Evangelho de João, sua presença está dada pela ação do seu Espírito (cf. Jo 15.26-27; 16.12-15: o Parakletos que se evidencia na luta/missão do povo fiel) e significada pela ação deste povo, que forma seu corpo (Rm 12.5; 1 Co 12.27). Isto nos leva a dizer que essa relação entre o Espírito e o povo constitui hoje a realidade pastoral que deve se discernir e se indicar. A pastoral, pois, já que Cristo, por seu Espírito, está no corpo que é a Igreja, tem uma dimensão coletiva, comunitária. Não se limita a uma pessoa, a um carisma, a um só ministério. Mas, nem por isso tem perdido sua função, sua responsabilidade, de guiar, de cuidar, de conduzir, de abrir caminho e acompanhar a toda a gente em sua marcha para o Reino. Já citamos previamente a passagem do capítulo 11 da Epístola aos Hebreus, segundo o qual, aqueles que vivem pela fé vão cumprindo esta função na sociedade "em busca de uma pátria" (Hb 11.14). Quase todos aqueles mencionados nesta passagem, pessoas registradas no Antigo Testamento foram pastoras: Abel, Abraão, Moisés etc. O povo criou uma corrente histórica de peregrinos, de pastores. Daí que, para nosso tempo, pensamos que a pastoral manifesta-se nessa relação entre o Espírito (junto com o Pai e com o Filho, na Trindade) e o povo que dinamiza a história e abre novos caminhos que indicam a presença do Reino de Deus em nosso mundo. A pastoral é marcha, peregrinação, recusa do conformismo e do status quo, dado que "esses homens, dos quais não era digno o mundo tinham que caminhar pelos desertos e montanhas e se refugiar em cavernas" (Hb 11.38). O povo de Deus mantém sua identidade enquanto mantém consciência de ser "itinerante",
  • 20. recordando sempre que deve abrir-se caminho (ainda que seja precário, no meio de um universo no qual, aparentemente, predominam forças contrárias ao amor de Deus) para um mundo que expresse plenamente o Reino de Deus. Definir a "pastoral" equivale a reconhecer que esta função da Igreja tem que se concretizar em meio aos conflitos da sociedade, que a luta frente aos poderes que se opõem a Cristo é inevitável: "Pensem em Jesus, que sofreu tantas contradições da gente má, e não se cansarão e nem desanimarão. Vocês estão enfrentando o mal, mas todavia não têm tido que resistir até o sangue" (Hb 12.34). Por isso, a pastoral deve reconhecer sua relação com aqueles aspectos da vida humana, onde há tensões, das quais as de caráter político são de suma importância. É ao povo seguidor de Jesus, formado por aqueles que hoje integram seu movimento (e que durante anos na Igreja Primitiva era conhecido como "Os do caminho"), que compete cumprir a função pastoral. Para isso vão contar com força e inspiração do Espírito Santo. É ao binômio unido "Espírito-povo" que lhe é dada a função pastoral. Agora, quando estudamos o Novo Testamento, encontramos na vida das comunidades daquele tempo, vários modelos de ação pastoral. Se bem relacionados com os sinais do seu tempo, têm sua base em realidades teológicas fundamentais. Para dizê-lo de maneira mais clara: têm sua base no próprio Deus, em Cristo (revelação de Deus), na Trindade (o ser de Deus), no Espírito Santo (o Espírito de Deus). Ou seja, é possível encontrar aqui, como por outra parte no resto da Bíblia, uma convergência fundamental. Se o binômio "Espírito-povo" dá o sinal da realidade pastoral, é porque o povo hoje, como antes, afirma "Deus é meu Pastor". O ponto de partida da pastoral está sempre em Deus. Mas a expressão histórica dessa pastoral é a responsabilidade do povo. A questão que levantamos agora é: quais são esses modelos? A partir da resposta a esta pergunta, com a perspectiva que surge da prática eclesial e que trata de entender os sinais de nosso tempo, poder-se-ão definir linhas concretas de ação pastoral. Mas, como já temos dito, esta é uma tarefa para os próximos capítulos. Para o momento, mantenhamo-nos no campo da reflexão bíblica. O Modelo Cristomórfico: Formando a Cristo na Comunidade O apóstolo Paulo, num dos textos mais antigos do Novo Testamento, escrevendo aos Gálatas exclamou: "Filhos meus, de novo sofro as dores do parto até que Cristo se forme em vocês" (G1 4.19). Tomar a forma de Cristo e segui-lo é uma insistência permanente do apóstolo Paulo às Igrejas: assim também, escrevendo aos Filipenses, recomenda ter os mesmos sentimentos de Cristo (Fp 2.5-11) insistindo na mesma epístola que se deve chegar a ser semelhante a ele em sua morte: assim o encontraremos — Deus o queira! — "na ressurreição dos mortos" (Fp 3.10). Foi Dietrich Bonhoeffer quem, em sua Ética, chamou a atenção sobre esta necessidade de ser conformados com Cristo e em Cristo: "Não se trata na Escritura de conformação do mundo mediante planos e programas, mas que em toda conformação se trata somente da única forma, aquela que tem vencido o mundo, a forma de Jesus Cristo" (6). Esta é a forma que se propõe à Igreja: chegar a ser o Corpo de Cristo. A questão que surge
  • 21. imediatamente é como? O mesmo Bonhoeffer demonstra que "isto não tem lugar graças ao esforço próprio de 'assemelhar-se a Jesus', como costumamos explicar, mas graças a maneira como Jesus influi, por si mesmo, em nós de tal maneira que determina nossa forma de acordo com a sua" (7). Aqui, a nova pergunta é: Qual é essa forma? E a resposta vem da passagem já indicada, do segundo capítulo da Epístola aos Filipenses: "Ele, que era de condição divina, não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente, mas rebaixou a si mesmo até não ser nada, tomando a condição de escravo e chegou a ser semelhante aos homens. Havendo se tornado como homem, humilhou-se e tornando-se obediente até a morte numa cruz". forma como foi reconhecido e servido entre os necessitados, miseráveis, oprimidos e marginalizados deste mundo. A dialética destes textos é inesgotável; por um lado, Jesus assume a forma de escravo para servir. Mas, ao mesmo tempo, por essa identificação com os pequeninos, quando estes são servidos é a Jesus quem se serve. Pode ser que não sejamos conscientes de que estamos fazendo isto; não importa: o Cristo servidor serve ao mesmo Cristo que sofre entre os pobres e oprimidos da terra. E estes, por sua vez, em sua fraqueza misteriosamente expressam a presença do Filho do Homem, juiz todo-poderoso. Os servidores, explorados pela sociedade, levam Cristo consigo. Ele serve através daqueles. Mas também julga através deles. Para ser mais claro: a forma de Cristo, em primeiro lugar, é a forma de um servidor, de um escravo, que está disponível ao próximo. No relato do Evangelho de João isso se concretizou quando Jesus lavou os pés dos discípulos, e logo morreu na cruz em benefício de toda a criação de Deus (cf. espec. Jo 13.2-17). Vale a pena repetir aqui as palavras chaves: "Se eu, que sou o Senhor e Mestre, tenho lhes lavado os pés, também vocês devem lavar os pés uns dos outros. Tenho lhes dado o exemplo para que vocês façam o que lhes tenho feito. Porque em verdade lhes digo: O escravo não é mais do que seu amo, nem o enviado maior do que aquele que o envia. Agora que vocês sabem isto, serão felizes se o põem em prática" (vv. 14-17). Uma pastoral que procura conformar a Cristo, fazê-lo visível entre os homens e mulheres de nosso tempo, não se preocupa com o êxito, mas com a fidelidade à pessoa d'Aquele em que Deus se encarnou e morreu na cruz, para logo ressuscitar. Essa fidelidade — sequela Christi — é a exigência do discipulado. Mas não se limita ao crente individual, mas é uma exigência para a maneira de ser igreja, para a função desta na sociedade. Voltando a citar Bonhoeffer: "Portanto, conformação significa em primeiro lugar a conformação de Jesus Cristo em sua igreja. É a figura do mesmo a que toma forma aqui. O Novo Testamento chama a Igreja Corpo de Cristo como designação profunda e clara. O corpo é a forma. Deste modo, a Igreja não é uma comunidade de religião dos que vinham a Cristo, mas Cristo que tem tomado forma entre os homens. Mas a Igreja pode se chamar-se corpo de Cristo, porque no corpo de Cristo o homem e, por conseguinte, todos os homens, têm sido acolhidos. (...) A Igreja não é mais do que o fragmento da humanidade em que Cristo tomou forma realmente. Trata-se total e absolutamente da O sentido desta práxis se indica de outra maneira, totalmente convergente com o significado da ação de Jesus ao lavar os pés dos discípulos — na célebre perícope de Mt 25.3140, onde se expõe o ensino de Jesus sobre o juízo final: o filho do homem separará os aceitos e os recusados de seu Reino pela
  • 22. figura de Jesus Cristo e não se trata de outra junto a Ele. A Igreja é o ser humano encarnado, julgado, desperto para a nova vida em Cristo. Portanto, ela não tem, em absoluto, a ver, primeiramente e de maneira essencial, com as chamadas funções religiosas do ser humano, mas tem a ver com o homem total em sua existência no mundo, com todas as suas relações" (8). A partir dessas afirmações, e tendo em conta especialmente os textos bíblicos que as sustentam, é fácil compreender algumas conseqüências para orientar a função da Igreja na sociedade. Primeiro, opção pela vida e combate às forças desumanizantes que matam. A resistência aos poderes do mal não é somente um elemento político: é também uma exigência teológica. Segundo, porque Jesus Cristo veio trazer vida em abundância, a opção pela vida é, antes de mais nada, opção pelos pobres, os quais são, geralmente, excluídos dos programas e planos impostos pela ordem que predomina no mundo. A definição da pastoral, da caminhada da Igreja, é pela justiça do Reino, segundo a qual os pobres são felizes porque o herdarão (Lc 6.20-21). Terceiro, isto exige levar muito em conta as esperanças de mudança social que se expressam na prática dos pobres, pois são elas que apontam as mediações históricas através das quais mostra-se a presença do Reino entre nós. O Evangelho é uma boa notícia para os pobres, um anúncio que os alegra, que os reconforta apesar de seu sofrimento, que lhes dá alento e coragem para reivindicar suas posições. O Evangelho não desqualifica as expectativas populares, mas lhes dá cumprimento. O Evangelho é justiça, libertação, bem-estar e paz, coisas que os pobres anelam desde o mais profundo do seu ser. O Reino que anuncia o Evangelho, do mesmo modo que a mensagem de Jesus estava relacionada à esperança dos pobres, também, está ligado às coisas que os humildes e deserdados aguardam. Tomar a forma de Cristo é atuar neste sentido: confirmando aos de baixo, fortalecendo suas posições, dando apoio às suas lutas. O Modelo Trinitário: a Comunidade de Ministérios No pensamento teológico cristão do Oriente sempre se enfatizou a necessidade de se compreender a doutrina de Deus como aquela que se refere ao mistério do infinito e supremo amor: a maneira como se expressou esta convicção, não só no Oriente, mas também no Ocidente, foi a doutrina da Trindade. Um só Deus em três pessoas: Pai e Filho e Espírito Santo. No pensamento teológico dos Pais latinos, especialmente em Santo Agostinho, as três pessoas — ainda que unidas entre si — distinguem-se claramente. Daí, que os teólogos do Oriente, para os quais a compreensão da pessoa de Deus supera a todas as possibilidades do entendimento humano, insistiram na necessidade de perceber ao Deus Trindade com o mistério do amor, do vínculo profundo e indissolúvel entre o Pai e o Filho e o Espírito Santo. Deus, que é amor, expressa intensamente esta relação através de sua dádiva ao gênero humano, ao qual oferece a maravilha da criação, o perdão redentor que permite às criaturas
  • 23. humanas descarregar suas ansiedades e dores, assim como também a oportunidade de chegar a serem ajudantes na construção de seu Reino. A imagem, o ícone, que expressa, melhor do que qualquer outro, este enigma de Deus, é a Trindade. No pensamento das Igrejas da Reforma reafirmou-se esta indivisibilidade do ser de Deus, que é Um em três pessoas, ao mesmo tempo. No nosso século, Karl Barth, o grande teólogo reformado, foi quem ajudou a construir pontes entre estas afirmações teológicas: "Entendemos por doutrina trinitária o ensino da Igreja sobre a unidade de Deus em suas três maneiras de ser, do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Tudo o que temos dito e tudo o que vamos dizer, todavia, sobre este assunto, nos leva a afirmar e a insistir simplesmente sobre a unidade na triplicidade, e a triplicidade na unidade de Deus. Agora, esta doutrina não se encontra explícita nos documentos (Antigo e Novo Testamento) do testemunho bíblico da revelação. Ela tampouco precede às situações históricas às quais se referem estes textos. Ela resulta de uma exegese desses textos, elaborada no idioma e, portanto, sob a influência de uma situação anterior. É uma doutrina da Igreja, um teologúmeno, em resumo: um dogma" (9). Por que este "excursus" sobre a Trindade quando estamos refletindo sobre a pastoral? Simplesmente, porque, como disse Barth, o ser de Deus é uma relação de amor entre três pessoas. É um mistério de vinculação profunda entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo numa existência singular que se define como amor inesgotável e muito intenso. Desse modo, para quem trata de analisar a vida de algumas comunidades neotestamentárias e sua função na sociedade de seu tempo, este dogma (ainda não definido então, mas em vias de formação) foi uma referência, como um modelo de ação de ser Igreja no mundo: a vinculação indissolúvel entre o Pai e o Filho e o Espírito Santo, sem ordem de importância, pois a única importância é a relação de amor entre essas três maneiras de ser Deus, é também a que deve existir na comunidade de ministérios que compõem a Igreja. Tal foi a mensagem do apóstolo Paulo em várias ocasiões: aos Romanos, aos Coríntios etc. A comunidade cristã, a assembléia eclesial, só reconhece a hierarquia de Cristo. No plano de sua função na sociedade, não há parte na qual se possa prescindir (1 Co 12.17-21); e, em seguida, o apóstolo Paulo agrega a este texto: "Mas ainda, olhem como as partes do corpo que parecem ser as mais fracas são as mais necessárias. E as partes do corpo que menos estimamos as vestimos com mais cuidado, e as menos apresentáveis as tratamos com mais modéstia, o que se necessita com as outras que são mais decorosas. Deus fez o corpo, dando mais honra ao que lhe faltava, para que não haja divisões dentro do corpo; mas fez em verdade que cada um dos membros se preocupe com os demais. Quando um sofre todos os demais sofrem como ele, e quando recebe honra, todos se alegram com ele" (1 Co 12.22-27). A ação pastoral, enquanto expressão fundamental da vida da Igreja, deve ser um testemunho de comunhão. Esta comunhão pode expressar-se de diversas maneiras, pode chegar a ter formas concretas muito distintas, porém, é necessário que esteja sempre presente na pastoral, porque sem ela não seria expressão da vida de Deus, de seu amor. Esta concepção paulina da igreja como uma comunidade
  • 24. de ministérios particulares, vinculados e ligados entre si, imprescindíveis uns aos outros, além de recordar a imagem do corpo de Cristo, indica, também, por alusão o mistério de Deus Trindade. Aqui há uma convergência clara com a afirmação do apóstolo Pedro, que em sua Primeira Carta compara a Igreja, primeiro com um templo espiritual, construído a partir da pedra angular — Jesus Cristo — com pedras vivas, os crentes. Estes também são chamados de 'uma raça eleita, um reino de sacerdotes, uma nação consagrada, um povo que Deus elegeu para que fosse seu e para proclamar as suas maravilhas" (1 Pe 2.9a). A doutrina das Igrejas surgidas da Reforma do século XVI, que afirma o sacerdócio universal dos crentes, está relacionada com uma concepção da Igreja como comunidade de ministérios, que varia segundo as situações e os desafios que essas apresentam. Ministérios que são dons (charismata) do Espírito Santo, relacionados a partir da igualdade entre eles, por meio de um profundo vínculo de amor. Daí que, na VI Assembléia do Conselho Mundial de Igrejas, em Vancouver, o Secretário Geral desse organismo, Dr. Philip Potter, assinalou que "as igrejas deveriam ser uma comunidade de participação". Na realidade, as duas palavras "comunidade" e "participação" se expressam num só vocábulo grego do Novo Testamento (koinonia). Este termo significa uma comunidade que está reunida no apoio, na participação e serviços mútuos. Na imagem da casa de pedras vivas, o apóstolo Pedro utiliza outro símbolo de koinonia. Fala de “sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo" (1 Pe 2.5). (10) Aqui estamos no oposto ao clericalismo, que se manifesta na centralidade e no predomínio do ofício pastoral que reduz a comunidade de ministérios em assembléia eclesial, a uma repetição do pastorado ou — quando muito — a transformar os leigos em assistentes do pastor. Este clericalismo não aparece na Bíblia. Os dons devem ser complementares para que se manifeste Cristo, que é revelação do Deus Trindade. Segundo se escreveu no texto da Epístola aos Efésios. "Assim, pois, é Cristo quem deu, a uns o ser apóstolos, a outros ser profetas, ou ainda evangelistas, ou pastores e mestres. Assim, preparou os seus para o trabalho tendo em vista a construção do corpo de Cristo. A meta é que todos juntos nos encontremos unidos na mesma fé no mesmo conhecimento do Filho de Deus, e com isso se logrará o Homem perfeito, que, na maturidade de seu desenvolvimento, é a plenitude de Cristo. Então não seremos meninos movidos por qualquer vento de doutrina, e aos quais os homens astutos podem enganar para arrastá-los ao erro. Mas, vivendo segundo a verdade e no amor, crescemos de todas as maneiras até Aquele que é a cabeça, Cristo. Ele dá organização e coesão ao corpo inteiro, por meio de uma rede de articulações, que são os membros, cada um com sua atividade própria, para que o corpo cresça e se construa a si mesmo no amor" (Ef 4.11-16). A figura da Trindade, tal como foi entendida, especialmente pelos Pais Orientais, surge como outro modelo bíblico de pastoral. Este exige uma correção, não só do lugar do pastor/clérigo na vida da congregação, mas também do seu papel. Já não pode ser hierarca (autoridade superior em matéria eclesiástica) na assembléia eclesial, controlando sua administração, fechando o ensino da verdade, quase monopolizando a compreensão da Palavra. Surge a exigência de abrir-se à diversidade de ministérios e à participação dos mesmos
  • 25. na vida da congregação. Formas mais democráticas, que contenham uma relação mais ativa na vida da Igreja, parecem imperativas. Isto pode inclusive — hic et nuns — chegar a ser uma resposta adequada ao tipo de democracia limitada e controlada que se pretende impor às nossas sociedades. Ainda que modesta, assim sendo, seria uma expressão que abre novos caminhos, como corresponde à função pastoral que pretende chegar à plenitude de Cristo, plenitude de Deus. Novas formas de vida eclesial, que surgem entre os setores populares, nos ajudam a perceber que a igreja, em sua expressão concreta, no nível local, deve ser entendida como uma comunidade de mistérios, que busca ser obediente a Jesus Cristo, servindo em especial aos pobres. Levanta-se, então, o seguinte problema: quem cuida do conjunto, quem assegura a ordem e a complementaridade entre os diferentes dons, carismas para que tudo funcione em uníssono na edificação do mesmo corpo? Neste sentido, por exemplo, no Brasil, aqueles que participam da experiência das Comunidades Eclesiais de Base falam do “ministério de unidade" que é exercido pelo presbítero, bispo ou agente de pastoral designado para esta responsabilidade. Este é distinto do "ministério de autoridade" que é exercido de cima, e, às vezes, até de fora da comunidade (11). A Pastoral de Animação Este modelo pode ser caracterizado também como relacionado à ação do Espírito Santo. E a organização da comunidade que se expressa no cumprimento da missão, tal como se expressa no livro de Atos. Nesse texto, cada passo significativo que dão as igrejas, desde o acontecimento do Pentecostes em diante, resulta da ação do Espírito Santo. O apóstolo Paulo, um dos personagens mais ativos de todo esse processo, procurou resumir teologicamente o significado do mesmo na Epístola aos Romanos. Segundo esta percepção, a ação do Espírito Santo não pode desvincular-se dos acontecimentos históricos. Aqueles mais agônicos, mais tensos, mais conflitivos dão uma indagação da ação do Espírito de Deus, que chama e anima a Igreja a não se ajustar aos esquemas deste mundo. Deve-se ressaltar, também, que esta compreensão da obra do Espírito Santo aparece também nos primeiros capítulos do livro do Apocalipse que corresponde a um período de grandes conflitos entre a Igreja e a ordem imposta pelo Império Romano, quando as autoridades deste perseguiam e aterrorizavam aos cristãos. O conflito, entendido teologicamente, é entre o Espírito (que nos chama a ser livres, cf. G1 5.13-26) e a ordem do mundo com sua lei de morte (Rm caps. 6-7). No desenvolvimento do pensamento cristão foi Joaquín de Flore quem percebeu com clareza esta dialética teológica (11). Contemporaneamente, entre os teólogos católicos, Joseph Comblin tem procurado comunicar de maneira brilhante alguns pensamentos da mesma linha (13). No meu entender uma das principais bases bíblicas para os mesmos, encontra-se no discurso de despedida de Jesus aos discípulos, que encontramos no evangelho de João (caps. 13-17), especialmente nas menções que Jesus faz ao Parakletos, o Espírito da Verdade. Infelizmente, nem sempre a tradução deste termo tem sido correta. De nenhuma maneira pode ser visto — como se tem feito — nas línguas modernas como "o Consolador". O termo pode ser entendido literalmente como "o defensor" (figura do foro, do tribunal: o advogado que nos defende). Entretanto, quando analisamos as passagens deste discurso onde se menciona o
  • 26. Parakletos (Jo 14.15-17; 25-26; 15.18-27; 16.12-15) se conclui que o Espírito virá animar a comunidade de discípulos nas lutas que deverão enfrentar no mundo por causa da fé. No transcurso do discurso, Jesus falou sobre o ódio do mundo aos seus amigos e discípulos, que é uma expressão renovada do ódio do mundo à pessoa de Jesus. Este ódio implacável, a ponto de querer provocar a morte, pode criar condições que movam os discípulos a perderem o seu valor na marcha para o Reino: é uma luta, não só contra eles, mas contra Deus. Ali, então, se fará presente o Parakletos, dando ânimo na luta, injetando coragem quando parece que não há mais fé para seguir adiante: "Quem odeia a mim, odeia a meu Pai. Se não tivesse feito diante deles estas coisas que ninguém havia feito, não estariam em pecado. Porém, eles viram e odeiam a mime ao meu Pai. Assim se cumpre a Palavra escrita em sua Bíblia:“Têm-me odiado sem causa alguma". “Quando vier o Parakletos que eu lhes enviarei, e que virá do Pai, ele dará provas a meu favor. É o Espírito da Verdade que sai do Pai. E vocês também falarão a meu favor, já que têm estado comigo desde o princípio" (Jo 16.23-27). Romanos: os cristãos têm recebido o Espírito e este os conduz na sua caminhada para o Reino. Nesta marcha tem que se enfrentar a carne, esta parte da realidade que se ajusta à morte e à lei, que impõe tal morte. A luta é entre carne (sarx) e o Espírito (Pneuma). A experiência do Parakletos pode comparar-se à de um animador de um grupo que se organiza para conseguir algum objetivo. É como um treinador que, quando os membros de sua equipe se desalentam, dá-lhes ânimo para que se mantenham na luta com entusiasmo. A experiência do Espírito Santo se concretiza na missão, na luta contra aqueles que odeiam a Jesus, ao Pai e à comunidade que caminha para o Reino prometido. Esta compreensão da ação do Espírito vivida no meio da agonia e conflitos de nossas sociedades, em meio à lutas por uma vida mais humana, por uma nova realidade, está clara no pensamento de São Paulo, especialmente no capítulo 8 de sua Epístola aos A pastoral de animação é espiritualidade no combate: não pode fugir do mundo, sair da luta, mas estar presente em nome de Cristo no centro dos acontecimentos. Com as opções do Evangelho: pelo Reino, pela justiça, pelos pobres e oprimidos, pela libertação, pelos direitos dos marginalizados, pela vida e contra a morte. Sarx não é o corpo, mas a realidade da morte. Experimentar o Espírito, viver no espírito, receber a força que renova a criação, não é uma experiência calma, tranqüila, mas se produz no meio das convulsões que agitam a história. Enfrentando poderes imensos, a comunidade às vezes perde suas forças: manifesta, então, sua fraqueza, sua debilidade, seu desânimo. Então, "o Espírito vem nos socorrer em nossa debilidade: porque não sabemos como pedir e nem o que pedir em nossas orações. Mas, o próprio Espírito roga por nós, com gemidos e súplicas que não se podem expressar. E Deus, que penetra nos segredos do coração, escuta os anelos do Espírito porque, quando o Espírito roga pelos santos, o faz segundo a maneira de Deus" (Rm 8.26-27). Como se disse antes, a exposição sobre estes modelos bíblicos de pastoral não se excluem, mas estão relacionados uns com os outros, é apenas um passo prévio para empreender uma tarefa mais ampla — que nos ocupará nos próximos capítulos —
  • 27. com vistas a lançar mais luz sobre a questão da pastoral protestante. Ela deve incluir também o exame de uma prática eclesial, desde a qual deve analisar-se a realidade em termos concretos. Sobre o resultado da análise da realidade, a comunidade tem que formular opções também levando em conta os dados da memória bíblica, como estes que acabamos de expor. Os mesmos, ainda que não sejam absolutamente normativos, têm a importância que caracterizam as grandes referências orientadoras. Notas 1. Este capítulo tem como base um artigo que, com o mesmo título, foi publicado pela revista "Tempo e Presença", RJ, nº ` 185, agosto de 1983. 2. Existe uma extensa literatura sobre o assunto. Dela queremos ressaltar, especialmente, o livro de Juan Luís Segundo, Motivos Ocultos de la Pastoral Latinoamericana, Buenos Aires, Ed. Búsqueda, 1973. 3. Cf. Emílio Castro, Hacia una Pastoral Latinoamericana, San José, Costa Rica, Ed. CELEP, 1972. 4. Entrevista com Paulo Ayres em Tempo e Presença, nº 177 — Set./Out. de 1982. 5. Paul Lehmann, Ethics in a Christian Contest, pp. 77-101, New York and Evanston, Harper and Row Publishers, 1963. 6. Dietrich Bonhoeffer, Etica, Barcelona, Ed. Estelar, 1968. p. 55. 7. Ibid., p. 55. 8. Ibid., p, 57. 9. Karl Barth. Dogmatique, Premier Volume. Tome Premier .p 76. Genève: Ed. Labor et Fides; 1953. 10. Philip A. Potter, Casa de Pedras Vivas, Mensagem do Secretário Geral do Conselho Mundial de Igrejas à 6ª Assembléia Geral do CMI, Vancouver (Canadá). 1983, in Tempo e Presença, 187, outubro de 1983. 11. Julio de Santa Ana. Hacia una Iglesia de los Pobres. Buenos Aires, La Aurora, 1983, p. 247. 12. Joaquin de Flore, Concordia de los Testamentos. 13. José Comblin, O Templo de Ação: Ensaio sobre o Espírito e a História, Petrópolis, Ed. Vozes, 1982.
  • 28. responderam eles. "E quando reparti os sete pães entre quatro mil, quantos cestos cheios de pedaços recolheram?" "Sete", responderam. E Jesus lhes disse: "Todavia não entendem?" (Mc 8.11-21). CAPITULO III Chaves para a Ação Pastoral a partir da Leitura dos Sinais dos Tempos "Acercaram-se os fariseus para discutir com Jesus e lhe pediram um sinal do céu como prova. Jesus, suspirando profundamente, disse-lhes: "Por que esta gente pede um sinal? Eu lhes asseguro: Não se dará a esta gente nenhum sinal". E deixando-lhes, subiu no barco e foi para o outro lado do lago. Haviam esquecido de levar pães e só tinham um pão no barco. Num certo momento, Jesus lhes disse: Abram os olhos. Tomem cuidado com o fermento dos fariseus e de Herodes". Então eles se puseram a dizer entre si: É porque não temos pão. Dando-se conta, Jesus lhes disse: Por que estão falando que não têm pão? Porquanto não entendem e nem se dão conta? Têm a mente fechada? Tendo olhos não vêem e tendo ouvido não ouvem? Não se recordam quando reparti cinco pães entre cinco mil pessoas? Quantos cestos cheios de pedaços recolheram? “Doze", É tradicional, na maioria das culturas de nossa humanidade que, frente a questões cruciais, as quais desafiam, num dado momento, homens e mulheres a irem consultar pessoas religiosas que têm a capacidade de aconselhá-los, orientá-los, ajudá-los a conduzir sua existência. Quer dizer, em meio às peripécias da vida cotidiana, procuram uma iluminação especial, aquele oráculo que os confirme no que estão fazendo, ou que os reoriente a partir de uma nova visão que passe a determinar ou influenciar seus comportamentos. Assim, por exemplo, na antigüidade clássica grega, o templo de Delfos era visitado por aqueles que necessitavam de um anúncio, uma resposta à questões candentes que sacudiam o ser daqueles que peregrinavam até o alto da colina. Similarmente, ainda que, com intenções também maliciosas, segundo o relato do evangelista Marcos, os fariseus se acercavam de Jesus para discutir e diante das afirmações deste, pediram-lhe um sinal extraordinário como garantia do que dizia. A resposta de Jesus foi taxativa: não querendo ser tomado por um taumaturgo, mas por quem inaugura o Reino de Deus, suspirando frente à incompreensão farisaica, deixou plantado o grupo que o questionava (é esse o sentido do verbo grego no texto de Marcos) e se foi ao outro lado do lago. Quer dizer, não estava para discussões inúteis. Alertou aos discípulos sobre a manobra de fariseus e
  • 29. herodianos: não só queriam matar a Jesus, mas também desvirtuar seu movimento. Era necessário estarem prevenidos e não caírem nessa armadilha. Mas, tampouco os discípulos entendem, nem dão conta. É como se eles também necessitassem de "um sinal do céu", aquele oráculo ou visão extraordinária que dissipa todas as dúvidas. Ou seja, é como se os discípulos, assim como os fariseus, estivessem cativos pelas velhas estruturas do espírito religioso: olham o insólito, sem compreender que os verdadeiros sinais para compreender a ação de Deus na história ocorrem no seio desta, no âmbito do cotidiano. Daí que Jesus recorda aos discípulos os atos que eles mesmos têm vivido com Jesus, nos quais se manifestou o poder do Reino. Não foram "sinais do céu" (quer dizer, algo semelhante à maravilhosa irrupção na história de um ser absolutamente diferente do que nós somos) que ele indicou, mas acontecimentos singulares pertencentes à vida de todos os dias. Evocou as duas experiências do repartir de pães e peixes às multidões que o acompanhavam: a partir do pouco, todos foram satisfeitos. E ainda sobrou: doze cestos (alusão simbólica ao povo de Israel, com suas doze tribos) num caso. E no outro, sete (novamente, outro símbolo aludindo aos sete espíritos da gentilidade, à plenitude da oikoumene). O que quer dizer que, para conhecer a vontade de Deus, não é necessário "um sinal do céu": deve-se procurar entender os sinais implícitos nos acontecimentos históricos que nos cabe viver. O povo sabe ler esses sinais quando pensa que os mesmos têm a ver com aspectos secundários da vida: infelizmente, essa compreensão parece ficar bloqueada frente às manifestações do Reino. Por isso, segundo o Evangelista Lucas, "Jesus dizia ao povo: Quando vocês vêem uma nuvem que se levanta no poente, imediatamente dizem que vai chover, e assim sucede. Quando sopra o vento sul, dizem que fará calor, e assim sucede. Hipócritas, sabem interpretar o aspecto da terra e do céu. Como, pois, não entendem o tempo presente?" (Lc 12.54-56). Esse "tempo presente" era aquele no qual Jesus atuava com o poder próprio do Reino de Deus, curando enfermos (Lc 5.12-26), ressuscitando mortos (Lc 7.11-17), fazendo com que seus discípulos expulsassem demônios (Lc 10-17) dominando as forças desencadeadoras da natureza (Lc 8.22-25) e, sobretudo, alentando e reconfortando aos pobres com uma boa notícia: que iam receber a justiça do Reino (Lc 6.20-23), enquanto chegava o momento dos ricos darem conta de todas as iniqüidades cometidas contra os humildes. Procurar um "sinal do céu", consultar um áugure (adivinho), orientar-se pelo horóscopo, são maneiras através das quais o espírito humano descarrega sua responsabilidade para tornar decisões, que fica nas mãos de uma referência exterior, na qual coloca uma certa dose de autoridade. Não que esta entidade, alheia a ele ou a ela, tenha esse poder; é o próprio ser humano quem lhe confere essa força, essa potestade. No fundo, trata-se de um mecanismo que aliena o homem ou a mulher de sua situação concreta: em vez de responder aos desafios da mesma, dela escapa consultando algo que imagina poder orientá-lo. Ou seja, quando frente à urgências concretas, o ser humano tem que responder, inevitavelmente, de uma maneira que, de um modo ou de outro, desestabiliza e põe em perigo sua existência, então foge de sua circunstância. Faz sua peregrinação a Delfos, ou pretende integrar-se no âmbito do sagrado. A "resposta" que o oráculo ou "sinal do céu" lhe sugere, geralmente, não faz mais do que confirmar suas próprias posições. Estas, por sua vez, estão
  • 30. profundamente influenciadas pelas idéias dominantes que, como se sabe, provêm das classes dominantes. As mesmas bloqueiam o espírito humano para poder chegar a perceber a presença do Reino entre os sinais dos tempos. Foi o que ocorreu com os próprios discípulos de Jesus: "tinham a mente fechada". Apesar de seus olhos, não viam; apesar de seus ouvidos, não chegavam a escutar; não entendiam e nem se davam conta. Não obstante, os fatos eram claros: testemunhavam o poder do Reino atuando na história. Com efeito, os famintos repartiam os alimentos e eram saciados, os pobres já não sofriam os efeitos de sua miséria e não sentiam o impacto da escassez. Quer dizer, a utopia tantas vezes pressentida deixava de ser um pressentimento para transformar-se em algo concreto, real da vida daqueles humildes. Lamentavelmente, na consciência popular há uma barreira que impede perceber e discernir estes fatos. Pode vir algo de Nazaré? Podem os pobres e deserdados experimentar o Reino? Não será que este aparece entre os poderosos e arrogantes? A resposta de Jesus é clara: O Reino não depende de "sinais do céu". Está entre nós. Deve-se ler os sinais dos tempos, com olhos humildes, realistas e, a partir desta leitura, nutrir a fé. Quer dizer, através destes fatos aqueles que (ainda apesar de ambivalências históricas) atestam o poder do Reino (esse mesmo que satisfaz o humilde e derruba os poderosos) mediante a compreensão dos mesmos, percebe-se a presença do Reino entre nós. Isto é fundamental para orientar a ação da Igreja, para dar uma referência à pastoral, à itinerância, à caminhada do povo de Deus na história. "Postos os olhos em Jesus", quer dizer, no Bom Pastor, seu povo nômade caminha e abre novas pistas em meio à realidade diária referindo-se àqueles acontecimentos que experimenta a sua conjuntura; discernindo entre os mesmos a presença do Reino. Esses sinais do Reino, que se dão no tempo, devem ser apoiados, ratificados, através da ação pastoral. Neste ponto, é importante destacar a frutífera tensão, a dialética, que se cria entre a leitura dos sinais dos tempos e a compreensão da fé. Esta adquire maior densidade e profundidade quando se refere àquela: corrige discernimentos inadequados, ou consegue novas convicções, ou chega a perceber novas metas a alcançar. À sua vez, a compreensão da realidade, a partir de uma perspectiva de fé, dá um conteúdo sacramental à história, às relações que vamos tecendo em seu curso: acontecimentos prosaicos, às vezes banais, têm que serem considerados como se estivessem cheios da presença de Deus, que infunde nos mesmos o poder do Reino. Esta dialética entre a leitura dos sinais do tempo (ou, para chamá-lo com palavras mais atuais, “análise de conjuntura”) e o conteúdo da fé, abre caminhos (trilhas) para renovadas tentativas de fidelidade da Igreja à vontade de Deus. Por isso, ela é tão importante para a pastoral. Daí, ser conveniente aprofundar os termos dessa tensão. Como Entender a Fé a partir dos Sinais dos Tempos Uma referência ao pensamento paulino nos ajudará a introduzir esta reflexão. Mas, previamente, deve se levar em conta o seguinte: tende-se a pensar que a explicitação do conteúdo da fé não pode e nem deve sofrer mudanças. Com isso, reforçam-se a tradição e o dogmatismo. Quando ocorre tal coisa,