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COLEÇÃO PROTESTANTISMO E LIBERTAÇÃO

SERVOS
LIVRES
Missão e unidade
na perspectiva
do Reino

Emílio Castro
1986
CEDI
Centro Ecumênico de Documentação e Informação
Programa de Assessoria à Pastoral Protestante
&
Edições Liberdade (Imprensa Metodista)

SUMÁRIO

PREFÁCIO
A SITUAÇÃO
América Latina - o peso da história
Ásia — opções variadas
África — a busca da autenticidade
As Igrejas mais antigas
Novas teologias: departamentos diferentes
O Reino e sua liberdade
O DEBATE
Bangcoc, 1973
O ataque a Bangcoc Valores ameaçados
O debate evangélico A posição católica
Nairóbi, 1975— em busca da convergência
Melbourne, 1980—os pobres
“Missão e Evangelização—Uma Afirmação Ecumênica”
O local e o universal na missão Unidade e integridade na missão
O REINO NA BIBLIA
O Reino no ensino de Jesus
O Reino no Antigo Testamento
O Reino no Novo Testamento
A missão do Reino
A Igreja e o Reino
O TEMA DO REINO COMO PREOCUPAÇÃO TEOLÓGICA
A base trinitária
Missão extraordinária e regular?
Conversão ao Rei, pessoal e coletiva
O prêmio do Reino
Oferecendo o “agora” da história
“Venha o teu Reino”
LIBERDADE NA MISSÃO DO REINO
A invasão do amor na história
Liberdade no ministério do amor
O testemunho da Igreja sobre o Reino
A liberdade da Igreja em sua missão
A liberdade de obediência
Os riscos da liberdade
Missão e liberdade

Prefácio
Qual é a missão da Igreja? Que objetivo deve ter? Que
espécie de programas e prioridades deve a Igreja adotar para
perseguir esse objetivo?
Essas perguntas não são novas. Na verdade, são tão antigas
quanto a própria Igreja. Mas têm sido formuladas com mais
propriedade do que nunca nas últimas décadas, e também
respondidas com maior diversidade e às vezes de forma mais
veemente.
As respostas têm variado do crescimento da Igreja e da
evangelização do mundo em nossa época até a presença cristã e a
humanização.
O debate sobre a missão tem prosseguido dentro das Igrejas
e entre elas. Tem continuado a nível local e nacional, bem como
em âmbito regional e internacional. Esse debate tem provocado
controvérsias infelizes e divisões tristes.
Estou convencido de que a missão da Igreja é a missão do
Reino de Deus. Dentro da perspectiva do Reino, acredito que
somos enviados em liberdade para sermos os sinais do Reino,
testemunhando a sua presença em nosso meio e esperando a sua
vinda no futuro.
Essa é uma ampla perspectiva e dentro dela temos inúmeras
possibilidades de servir ao Reino e ao Rei Servo que o governa,
participando da sua proclamação e manifestando-o nas diversas
situações em que nos encontramos.
Essas situações são realmente diversas, como procuro
demonstrar no primeiro capítulo deste livro. As Igrejas se
defrontam com opções variadas, quando tomam suas decisões no
campo missionário e as opções variam de lugar para lugar e de
situação para situação. Mas essas opções diversas não levam
necessariamente ao conflito ou à competição. Elas refletem a
riqueza do Reino e esse reconhecimento pode resultar numa
unidade da missão.
Estou consciente do fato de que “Reino” não é uma palavra
abrangente. Em um livro intitulado “Anunciando o Reino de Deus a Evangelização e a Memória Subversiva de Jesus”, Mortimer
Árias deu a seguinte explicação para o emprego que faz do termo
“Reino de Deus” e eu concordo inteiramente com ele:
”O termo Reino é uma expressão infeliz no mundo de
hoje: é seriamente questionado por muitos em virtude de
sua conotação política com a monarquia e de suas
associações com a linguagem e as estruturas patriarcais.
É uma expressão que sensibiliza particularmente os que
estão questionando as implicações da linguagem sexista e
tentando traduzir as escrituras de uma forma que expresse
sua fé numa linguagem não-sexista. Sugeriu-se a
expressão Reinado de Deus como uma alternativa melhor
e ela já está sendo empregada. Em minha língua materna
— o espanhol — usamos a palavra reino que abrange os
significados de reino, reinado e domínio. Como falo outra
língua, não tenho a pretensão de entender todas as
nuances da língua inglesa, nem tentaria resolver uma
questão tão delicada. Gostaria, entretanto, de manifestar
essa preocupação e de expressar minha solidariedade
com os que se sentem discriminados ou oprimidos pela
língua. Aceito o fato, porém, de que Reino de Deus se
tenha tornado um termo técnico em teologia e na
linguagem religiosa, e um símbolo tão intimamente ligado
à mensagem de Jesus, que não podemos evitá-lo. Espero
que nosso estudo do significado que Jesus deu a esse
termo especial nos mostre precisamente que o Reino de
Deus põe sob julgamento não só as velhas monarquias e
os valores patriarcais, mas também qualquer sistema que
negue a liberdade e a dignidade conferidas por Deus a
todo ser humano. “

Este livro tem como base o primeiro capítulo da dissertação
que escrevi, como parte dos requisitos para doutoramento pela
Universidade de Lausanne. O título da dissertação era “Liberdade
na Missão: a Perspectiva do Reino de Deus”*. Minha tese era
exatamente a de que a missão, entendida pela perspectiva do
Reino de Deus, permite — e até mesmo requer — total liberdade
para servir a esse Reino, participar de sua proclamação e de sua
manifestação. Sugeri que um reconhecimento dessa liberdade
cristã poderia gerar, nas Igrejas, recursos de imaginação e energia
insuspeitadas; poderia também poupar-nos de discussões
frustrantes a respeito de questões de importância secundária e
propiciar unidade às mais diversas formas de vocações
missionárias da Igreja a serviço de Jesus, o Rei Servo.
A fim de adequar o manuscrito original a esta publicação foi
preciso abreviar o texto, omitir citações e eliminar boa parte das
notas de rodapé. Minhas idéias e convicções, devo-as a muitos
amigos, e o livro, tal como se apresenta agora, não o reconhece
devidamente. Quero, pois, aproveitar esta oportunidade para
expressar minha profunda gratidão a muitos colegas e amigos
cujas idéias utilizei e cujas posições, mesmo quando diferentes das
minhas, ajudaram-me em minha jornada de fé.
Sou especialmente grato à minha esposa Gladys, cuja
solidariedade e apoio irrestrito significaram tanto para mim, durante
a realização deste projeto.
Emílio Castro
Montpellier, França - Outubro de 1984

______________________________________________________
* A dissertação foi publicada na íntegra e pode ser obtida na Editora
do Conselho Mundial de Igrejas.
A Situação
Durante anos um missionário americano pregou o Evangelho
a uma comunidade de religião animista num país da África
Ocidental. Trata-se de um cristão comprometido com uma
orientação evangelística. No momento, encontra-se de volta aos
Estados Unidos. Diz ele que sua missão atual é ajudar, na medida
do possível, as famílias cujo fornecimento de gás é cortado no
meio do inverno, porque não têm dinheiro para pagar as contas.
Toda assembléia do Conselho Mundial de Igrejas geralmente
abrange os assuntos mais diversos: da genética aos problemas do
Afeganistão; do poderio atômico à vida monástica; da liturgia à
condenação do racismo. Não admira que algumas pessoas tenham
comentado com ironia: “Eles parecem as Nações Unidas fazendo
orações!”
Como é que os cristãos e as Igrejas descobrem e definem e
definem sua obediência ao exercício missionário? Existe, por
acaso, uma série de leis canônicas ou um livro de disciplina que
prescreva nossas tarefas e responsabilidades missionárias? Qual é
a vocação específica dos cristãos e das Igrejas? O que torna uma
igreja diferente de outras comunidades humanas engajadas no
serviço da humanidade?
Estas são questões de vital importância para as Igrejas em
todo lugar. São questões de vida e morte para os cristãos em
muitas partes do mundo. As igrejas e os cristãos remetem sua
vocação missionária ao mandamento de Jesus, que disse: “Fazei
discípulos em todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do
Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a guardar todas as coisas
que vos tenho ordenado” (Mt 28.18-20). Há, porém, grandes
divergências na avaliação do que se deve entender por missão em

determinados lugares e épocas. Há até mesmo críticos que
questionam a própria relevância da missão no mundo,
especialmente a possibilidade de sua implementação através de
missões transculturais.
Essas diferenças e reservas são basicamente expressões da
diversidade de opções e prioridades missionárias. Mas são
geralmente consideradas como opções conflitantes e abordagens
irreconciliáveis. Não será possível, entretanto, que elas sejam
complementares e não contraditórias?
São complementares no sentido de que cada uma de nossas
prioridades poderia, ou deveria, tornar-se uma porta de acesso à
missão total do amor de Deus. Nossa afirmação de liberdade na
missão refere-se especificamente às ilimitadas possibilidades que
têm as Igrejas e os cristãos de se unirem na luta pelo Reino de
Deus.
Examinemos algumas das situações do mundo de hoje, em
que as Igrejas tentam definir sua missão, enquanto enfrentam
circunstâncias diversas e respondem a diferentes desafios.

AMÉRICA LATINA — O PESO DA HISTÓRIA
A América Latina é chamada de continente cristão. Temos
quase cinco séculos de presença cristã e de evangelização. O
padre veio com os soldados, a Igreja com os conquistadores. Uma
estranha mistura de cruz e espada realizou a cristianização da
América Latina. É talvez o melhor exemplo de conversão total de
um continente à fé cristã. Estatisticamente, mais de noventa por
cento da população da América Latina se considerariam cristãos,
sendo a maioria católica romana. Assim sendo, se nossos critérios
básicos fossem a implantação da Igreja, o seu crescimento e o
batismo de todo o povo, poderíamos realmente ficar muito
satisfeitos com a situação da América Latina.
Esses séculos, porém, também foram de dominação e
exploração, e de opressão das populações nativas, negras e
pobres da América Latina. Poderemos nessas circunstâncias,
sentir-nos satisfeitos porque quase todo mundo é cristão? Que
parâmetro do Reino usamos para medir a situação da América
Latina?
Hoje em dia temos perfeita consciência dessa situação
ambígua e pecaminosa. Através de dados fornecidos pelas
ciências sociais sobre as relações de poder na sociedade latinoamericana, compreendemos agora como a economia trabalha
contra os pobres. Não mais podemos alegar ignorância; sabemos
como o povo é oprimido, como as forças políticas e econômicas se
juntam contra ele.
Não conhecemos os fatos apenas. Também vemos o
despertar do povo. Conscientizados, os pobres esperam que as
Igrejas tomem uma posição definida. Os pobres estão descobrindo
que a sua desgraça não é uma questão de destino ou de
providência divina. Não é a vontade de Deus. É conseqüência das
relações de poder e das estruturas dominantes na sociedade, por
isso os pobres estão se organizando para desafiar essas
estruturas. Essas mesmas pessoas, que tomam consciência de
sua injusta situação, são membros de igrejas e participantes fiéis
da vida das congregações. As pessoas na América Latina são
pobres e são crentes! Como responderão as Igrejas a uma fé que
se recusa a aceitar a pobreza como sendo ordenada por Deus?
As Igrejas na América Latina sofreram uma grande renovação
bíblica. Desde o Concílio Vaticano II a atitude geral da Igreja
Católica Romana com relação à Bíblia mudou radicalmente. Hoje
em dia, em quase todos os países da América Latina, a Igreja
Católica colabora com a Sociedade Bíblica Unida na publicação e
distribuição da Bíblia. Milhares de Comunidades Eclesiais de Base
(CEBs) reúnem-se para ler a Bíblia, orar e discutir questões
práticas: Como podemos trabalhar pela justiça de Deus?

perguntam os
situação?

participantes. Como podemos

mudar nossa

A teologia da libertação desenvolveu-se e promoveu uma
leitura histórica da Bíblia, que procura resgatar o contexto sóciopolítico e econômico, no qual a Bíblia foi escrita, e tenta interpretar
a mensagem bíblica com relação às realidades sociais, políticas,
culturais e econômicas de nossos dias.
O conhecimento que adquirimos de nosso passado e de
nosso presente, a crescente consciência histórica dos pobres, a
renovação bíblica — tudo isso colocou de forma dramática a
seguinte questão para as Igrejas da América Latina: Qual é a
nossa vocação cristã? Qual é a nossa identidade cristã? Se o
Reino de Deus tem a ver com a vontade de Deus em todos os
domínios da vida, questões profundas se colocam inevitavelmente
para as Igrejas Cristãs.
E a resposta foi ouvida em todo o Continente: Nós somos a
Igreja do Cristo humilde e destituído de poder, que fez seu o
destino dos pobres e dos pequenos. Unicamente a afirmação da
“opção preferencial de Deus pelos pobres” e um programa
desenvolvido à luz dessa afirmação pode fazer justiça à nossa
atual vocação missionária.
Em 1968, em Medellin, na Colômbia e em 1979 em Puebla,
no México, a Conferência dos Bispos da Igreja Católica reafirmou
essa solidariedade com os pobres. Os pronunciamentos em ambas
as reuniões foram precedidos e seguidos de grandes
controvérsias. Confrontaram-se conservadores e progressistas. As
diferenças ideológicas estiveram sempre presentes. Mas uma
ênfase emergiu com nitidez. Dentro da Igreja Católica há uma
mudança radical de prioridades e do que é considerado importante
na atividade pastoral. Agora a Igreja está no meio do turbilhão
produzido na vida social, política e econômica dessas nações,
através dessa mudança radical. A aliança com a espada cedeu
lugar à solidariedade com os oprimidos e à confrontação com os
poderosos.
Esse é o quadro dos quatro ou cinco séculos da presença
católica na América Latina.
Os protestantes chegaram à América Latina na segunda
metade do século XIX. Vieram, em sua maioria, a convite de
homens de mentalidade mais liberal, maçons, que estavam
interessados em combater o controle cultural e político da Igreja
Católica. Os protestantes poderiam dizer: “Rejeitamos o
cristianismo tradicional que predomina na América Latina e
representamos uma perspectiva mais liberal e progressista.”
Devemos, entretanto, considerar essas declarações com certo
ceticismo, pois o protestantismo trouxe o seu próprio
neocolonialismo. A expansão das Igrejas Protestantes norteamericanas no exterior acompanhou de forma suspeita a expansão
colonial e comercial dos Estados Unidos. Dessa forma, embora
seja verdade que, pelo simples fato de sermos pouco numerosos,
não podemos, como protestantes, ser acusados da mesma
cumplicidade que a Igreja Católica teve com a classe dominante na
América Latina, não podemos, por outro lado, pretender
ingenuamente ser inocentes da cumplicidade de fato com as forças
reais de dominação na vida de nossos países.
As missões protestantes também abrangem novas seitas e
grupos, especialmente na América Central, que proclamam um
evangelho que defende os “valores da civilização ocidental”. Em
nome da luta contra o comunismo, elas trabalham ativamente
contra todas as forças que pretendem efetuar mudanças na
sociedade latino-americana.
As Igrejas Protestantes, entretanto, têm sofrido o mesmo
processo de conversão que a Igreja Católica. Também elas se
conscientizaram da situação dos pobres e das forças sócio-

políticas por trás da pobreza. Essa consciência veio a expressar-se
institucionalmente na conferência do Conselho Latino-Americano
de Igrejas (CLAI) em Huampani, no Peru (1981), que representa
mais de cem Igrejas protestantes. O CLAI assumiu uma posição
clara e convocou as Igrejas a se envolverem na luta para vencer
todas as formas de dependência e opressão. “Onde quer que um
único ser humano seja impedido de viver humanamente, aí existirá
uma situação de pecado. O amor e a justiça devem manifestar-se
em todos os aspectos da vida.”
Através de uma “Pastoral da Consolação”, o CLAI tem
tornado as Igrejas cada vez mais conscientes das repetidas
violações dos direitos humanos e da situação aflitiva das pessoas
deslocadas e dos refugiados políticos. Para as Igrejas Protestantes
na América Latina, o evangelismo compreendido como
crescimento da Igreja tem sido uma prioridade inegociável. Agora
essas Igrejas são obrigadas a ver essa prioridade contra o pano de
fundo de uma nova compreensão do passado histórico e da
realidade humana total.
Nosso desafio ecumênico hoje em dia, quer sejamos católicos
ou protestantes, é enfrentar a seguinte questão: Qual é a
obediência missionária que corresponde ao nosso passado
histórico, faz justiça à nossa conscientização atual e satisfaz as
exigências do Reino, quando lemos a Bíblia hoje? Na presente era
ecumênica, enfrentamos juntos a questão do futuro.
Gostaria de ilustrar esse ponto com algumas situações
concretas.
O papa João Paulo II visitou a Nicarágua em 1983. Passou
oito ou nove horas no país. Celebrou uma missa, em que a
mensagem focalizava a autoridade da Igreja.
O papa queria que o povo na Nicarágua, especialmente o
clero nicaragüense, reconhecesse a autoridade central dos bispos.
Achou ele que a unidade da Igreja estava ameaçada pela
participação de sacerdotes no governo sandinista!
Um episódio, em particular, durante a visita, ilustrou de forma
dramática a situação. Na chegada do papa, o padre Ernesto
Cardenal, Ministro da Cultura, ajoelhou-se diante do Pontífice, que
o recriminou, dizendo: “Você deve pôr em ordem a sua relação
com a Igreja.” Na opinião do papa, a opção de trabalhar a nível
político, no atual momento da história do país, era a opção errada
para um padre.
Naturalmente, isso poderia ser interpretado como uma
simples diferença de opinião política ou ideológica. O papa e seus
assessores não estão convencidos de que o governo sandinista
possa realizar o que prometeu; os padres pensam o contrário. É
uma questão de julgamento político. Mas esse não é o ponto
central da discussão, ela diz respeito ao que é a vocação ou a
prioridade fundamental da Igreja.
Quais são os argumentos que justificam o fato de os padres
irem além da observância tradicional das funções sacerdotais em
paróquias locais e assumirem responsabilidades no governo de um
país? O papa parece estar dizendo: “O Reino de Deus deve
manifestar-se através do trabalho na paróquia.” Os padres
respondem: “O Reino de Deus deve também manifestar-se através
da construção de uma nova organização social em nosso país.”

para evangelizar um país com quatrocentos ou quinhentos anos de
cristianismo! Enquanto muitos novos missionários chegavam à
Guatemala e muitas campanhas evangélicas se desenvolviam, o
genocídio dos índios nas montanhas prosseguia e os que
clamavam por justiça continuavam a ser eliminados.
Para alguns cristãos, o Reino de Deus na Guatemala exigia o
desafio dos poderosos, esses cristãos optaram por sofrer com os
pequenos, mesmo com risco da própria vida. Para outros, a
prioridade era “salvar” tantas almas quantas fosse possível. Por
trás desse dilema, está a mesma questão de sempre: “Qual é o
objetivo da missão cristã? Estamos empenhados em salvar
indivíduos que receberão um passaporte para a bem-aventurança
no céu ou somos chamados a anunciar o domínio de Deus,
clamando por justiça em defesa dos “pequenos”? Estamos
empenhados em “converter” indivíduos ou somos chamados, como
cristãos, a servir à causa do Reino de Deus, que envolve a
transformação de toda a realidade”?
Ou será que estamos formulando as perguntas erradas?
Precisamos aceitar isso ou aquilo? Qual é a interação entre uma
experiência religiosa e a participação cristã na luta global da
humanidade?

ÁSIA — OPÇÕES VARIADAS
Tomemos um dilema semelhante, mas num contexto
protestante. Em 1981, deu-se um golpe militar na Guatemala e um
novo general, Efraim Ríos Montt, subiu ao poder. Montt anunciou
que era um cristão “nascido de novo”, pertencente a uma pequena
igreja da Califórnia, chamada Verbo. Apoiou um grande número de
atividades protestantes no país. Vários grupos, nos Estados
Unidos, propuseram aos jovens o desafio de uma vocação
missionária; seu objetivo era enviar mil missionários americanos à
Guatemala, para aproveitar essa oportunidade oferecida por Deus

Crescimento da Igreja e justiça social
Na Coréia do Sul, um país de tradição budista, o cristianismo
está crescendo muito depressa. Atualmente, cerca de 22 ou 23 por
cento da população professam a fé cristã. O aumento do
cristianismo na Coréia é um fenômeno recente e a taxa de
crescimento não dá sinais de diminuir. Mas a preocupação
fundamental das Igrejas ali não é a evangelização. Esta
simplesmente acontece!
O governo militar está interessado em promover e apoiar o
trabalho da Igreja, na medida em que dá às massas uma sensação
de realização, de sucesso e de felicidade. Pelo fato de
pertencerem a movimentos de Igreja bem-sucedidos, as pessoas
poderiam alienar-se dos problemas de uma sociedade que está
crescendo economicamente depressa demais, seguindo linhas
neocapitalistas. Os cristãos se defrontam com a seguinte questão:
Devemos ficar satisfeitos com esse ritmo de crescimento,
tornando-o nosso único objetivo ou devemos também enfrentar a
situação dos humildes, dos pobres, que são vítimas de salários
mínimos e longos horários de trabalho, e são sacrificados para
promover o desenvolvimento econômico da sociedade?
Por um lado, há histórias de êxitos no crescimento da Igreja e,
por outro, histórias de pessoas ligadas à missão industrial urbana,
que estão pagando o preço por organizar a luta dos pobres pelos
seus direitos. Mas o crescimento da Igreja e as preocupações com
a justiça social não se contradizem. Vários dos que são presos são
pastores de congregações cada vez maiores!
O crescimento da Igreja é um instrumento social de grande
utilidade; torna as igrejas ainda mais úteis, na medida em que
vivem a solidariedade com os pobres. Não podemos dizer não à
evangelização e ao crescimento da Igreja, porque todos têm o
direito a um conhecimento pessoal de Jesus Cristo. Quem sou eu
para decidir quem deve ser convertido ou não?
Teologicamente, não há contradição nenhuma. Mas aqui
existe uma situação em que nos defrontamos com a tentação de
nos contentarmos com o fato do rápido crescimento da Igreja e
ignorarmos questões como, por exemplo, onde o Reino de Deus
está sofrendo violência.

Para as Igrejas na Coréia o desafio é pôr todos os dons da
Igreja, inclusive o seu crescimento, a serviço dos pobres. É ver o
crescimento das Igrejas não como um processo que afasta as
pessoas dos reais dilemas da sociedade, mas como um convite
para participar do esforço total para moldar a sociedade mais de
acordo com a vontade de Deus e o padrão do Reino de Deus.

Conversão ou renovação?
Com a única exceção das Filipinas, o cristianismo é , na Ásia,
uma religião de minorias e convive com sistemas religiosos
altamente desenvolvidos. Poder-se-ia dizer que de um ponto de
vista puramente numérico, a missão cristã na Ásia tem sido um
fracasso. Mas, por mais importantes que os números possam ser,
eles não contam a história toda. Os valores do Reino têm sido
partilhados e o Evangelho tem tido o seu impacto sobre as culturas
asiáticas.
Devemos, entretanto, enfrentar a realidade da história
missionária. Não podemos ignorar o renascimento generalizado de
antigas religiões. Tampouco podemos ignorar a necessidade de
trabalhar por uma possibilidade de vida decente para as grandes
massas de pobres nos países asiáticos. Não admira que os
cristãos e as Igrejas estejam levantando questões cruciais e
repensando a natureza e o futuro da atividade missionária.
C.S. Song, um teólogo de Formosa, escreve sobre o
chamamento dos cristãos e das Igrejas para participarem na
renovação e na reanimação das culturas asiáticas. Eles não devem
ser embaixadores das culturas ocidentais. São chamados a
partilhar o Evangelho dentro das culturas asiáticas, a participar
integralmente na renovação da vida cultural das nações asiáticas
— até mesmo na renovação e reanimação das religiões asiáticas 1.
1

“Christian Mission in Reconstruction”, Nova Iorque, Orbis, 1977
Os teólogos da Índia têm trabalhado com realidades
semelhantes. Devemos batizar as pessoas nas comunidades
cristãs? Com freqüência, o batismo simboliza romper os laços com
a família e a comunidade; assim sendo, devem os “convertidos” ser
instados a permanecer em suas famílias e comunidades e tentar
descobrir o significado do Cristo dentro dos valores culturais e
religiosos da nação? Há alguma chance de que um casamento
semelhante ao que houve entre o Evangelho e a cultura helenística
possa acontecer entre a cultura da Índia, moldada pela religião, e o
Evangelho cristão? M.M. Thomas dessa forma fala a respeito de
um sincretismo centrado no Cristo! 2

ela:

Tissa Balasuriya, teólogo católico do Sri Lanka, assim
expressa essa busca apaixonada por uma autenticidade cristã
asiática: “Como asiático, não posso aceitar como divino e
verdadeiro qualquer ensinamento que parta do pressuposto de que
todos os meus antepassados — por incontáveis gerações — sejam
condenados por Deus, a não ser que tenham sido batizados ou
tenham tido alguma ligação com uma Igreja cristã. A teologia deve
respeitar, com honestidade, esses milhões e milhões de ancestrais
meus, assim como os seres humanos ainda por nascer, para que
eu possa aceitá-la como uma interpretação verdadeira da
revelação de um Deus de amor, que é Pai de todos.” E acrescenta:
”Temos que repensar basicamente a nossa ‘mentalidade de
conversão’. Temos que nos livrar de uma mentalidade competitiva
com relação a outras religiões; a desconfiança deve ceder lugar à
simpatia e ao desejo de entendimento” 3.

Para os cristãos que não vivam na Ásia, tudo isso pode
parecer uma linguagem perigosa. Precisamos ouvir, porém, o que
dizem os cristãos que estão em contato diário com pessoas de
outras confissões religiosas. Eles nos convidam a travar um
diálogo necessário com pessoas de outros credos e não supor que
uma visão ocidental agressiva da atividade missionária da Igreja
seja o único ponto de vista fiel ao Evangelho. Precisamos levantar
com essas pessoas certas questões fundamentais. Por exemplo:
quais são os valores do Reino que se promovem quando se
chamam as comunidades da Ásia a participar da renovação da
sociedade? Quais são os critérios bíblicos fundamentais para que
se faça uma opção nesse caso? Poderíamos ter maneiras diversas
de expressar nossa obediência cristã, mas precisamos ter a
capacidade de justificá-las, uns para os outros, em termos de uma
convicção cristã comum, expressa de forma a que possamos
inspirar-nos e corrigir-nos mutuamente.

Em janeiro de 1979, realizou-se em Sri Lanka a Conferência
Teológica Asiática sobre o tema “A luta da Ásia por uma
humanidade plena: por uma teologia relevante”. Nessa reunião
emergiram conflitos e tensões, quando as novas e antigas
perspectivas se confrontaram. Com grande dificuldade, a
Conferência chegou a um acordo sobre uma declaração final. Dizia
2
3

“Breaking Barriers”, ed. David. M. Paton, Genebra, CMI, 1976, p. 236
”Liberation of Theology in Asia”, Mary Knoll, N.Y., Orbis. 1980, pp. 19-20.

“Para ser autenticamente asiática, a teologia deve estar
inserida em nosso contexto histórico-cultural e desenvolverse a partir dele. Uma teologia que emergisse da luta do
povo pela sua libertação se formularia espontaneamente na
linguagem religioso-cultural do povo”.
“Em muitas partes da Ásia, temos que integrar à nossa
teologia a visão e os valores das principais religiões, mas a
integração deve realizar-se ao nível da ação e do
engajamento na luta do povo”.4

África — a busca da autenticidade
Qual é a prioridade missionária cristã na África atualmente? Passo
a citar o Bispo anglicano Desmond Tutu, Secretário Geral do
4

lbid. p. 157
Conselho de Igrejas da África do Sul. Escrevendo sobre ás igrejas
cristãs e a teologia cristã na África, diz ele:
“A teologia africana não conseguiu produzir um
instrumento suficientemente cortante. Ela parece defender o
distanciamento da agitação da vida quotidiana, porque muito
pouco foi oferecido que tenha relação, por exemplo, com a
teologia do poder em face da epidemia de golpes e regimes
militares, com o aumento da pobreza, da doença e de outras
questões atuais igualmente urgentes. Creio que é aí que a
contundente teologia negra dos Estados Unidos tem
algumas lições a ensinar à teologia africana. Ela pode
ajudar a chamar a teologia africana de volta à sua vocação
de se preocupar com os pobres e oprimidos, com as
necessidades das pessoas se libertarem de todas as
espécies de servidão para conseguirem uma autêntica
individualidade, constantemente minada pela religiosidade
patológica e pela autoridade política, que reduziu muito a
liberdade pessoal sem grande oposição da igreja.” 5
Examinemos a sua lista de prioridades das opções
missionárias para a Igreja: a consideração da questão do poder
sob uma perspectiva cristã, em face de todos os golpes militares
que ocorrem na África; uma clara posição sobre a pobreza e a
doença; a libertação de todas as espécies de servidão. Desmond
Tutu é bispo da Igreja Anglicana. Naturalmente está interessado
em todos os aspectos da vida da Igreja, mas afirma que na
situação da África do Sul, em particular, ou da África em geral, não
se pode levar a vida como se nada estivesse acontecendo. Os
cristãos não em ficar à margem: são obrigados a enfrentar todas
as fronteiras missionárias nas quais a presença e o testemunho
cristãos se fazem necessários.
Muitos cristãos na África acompanham o Bispo Tutu em sua
5

Citação em “African Theology in Route”, Mary KnoII, N.Y., Orbis, 1979, p. 182

apaixonada defesa da participação cristã nas lutas pela libertação.
Nesse aspecto, estão unidos aos cristãos de todas as regiões do
mundo, que compreendem a natureza histórica do Evangelho
cristão e o desafio ao propósito amoroso de Deus, representado
pelas injustiças existentes. As Igrejas e teólogos africanos,
entretanto, realmente enfrentam problemas específicos e estão
levantando questões teológicas concretas. Fundamentalmente,
estão tentando resgatar uma identidade africana, um sentido de
autenticidade em suas respostas ao Evangelho. E o fazem
mediante a confirmação dos valores da cultura e das religiões da
África, não apenas como um meio de facilitar a penetração do
Evangelho, mas para contribuir para a completa riqueza espiritual
da Igreja Cristã. Diz M. Oduyoye:
“Devemos observar que assim como a vida
“tradicional” era permeada pela religião em todos os seus
aspectos, assim qualquer apelo que façamos aos valores e
práticas tradicionais é, em última análise, religioso.
Devemos também lembrar-nos de que o elemento básico na
religião não consiste em práticas em lugares de culto nem
em pessoas, mas nas crenças que se manifestam através
delas. Desse modo, quando a modernização modifica as
cerimônias e outras práticas litúrgicas, os seres humanos
continuam a depender das crenças como de uma rocha
sobre a qual constroem. Assim, por exemplo, a crença nos
mortos-vivos, na existência de espíritos, na magia e na
feitiçaria fazem parte do reconhecimento dos africanos de
que a vida não é só matéria. Essas crenças expressam a
sua ânsia de uma vida depois da morte. Como crêem que o
Ser Supremo é a Fonte da Vida, a busca pela força da vida
é, em si mesma, uma tentativa de estabelecer uma relação
mais íntima e pessoal com esse ser.”
Para contribuir com mais eficiência para o desenvolvimento
religioso do povo, os teólogos cristãos africanos têm o dever de
fazer teologia a partir desse contexto e incorporar a linguagem
africana autêntica à teologia cristã. A utilização das crenças
religiosas africanas pela teologia cristã não é uma tentativa de
ajudar o cristianismo a capturar e domesticar o espírito africano e
sim de assegurar que o espírito africano revolucione o cristianismo
em benefício de todos os que a ele aderem. 6
Os teólogos africanos também exploram as muitas ligações
existentes entre a história bíblica e a África.
O Professor Kroesi A. Dickson estende-se sobre a
continuidade entre o Antigo Testamento, e a vida e o pensamento
africano.7 Em toda a África os pregadores referem-se à história do
Ëxodo, à Rainha de Sabá e ao Rei Salomão, e muito
especialmente ao refúgio proporcionado pelo Egito ao Menino
Jesus e seus pais. As Igrejas independentes da África enfatizam
essa ligação como uma afirmação de sua participação na tradição
bíblica sem qualquer intermediação ocidental. Talvez a mais
importante ilustração dessa busca de raízes e identidade seja
fornecida pela “Confissão de Alexandria”, emitida pelo Comitê
Geral da Conferência Pan-Africana de Igrejas (AACC), no Cairo,
em 1976:

autênticos, fiéis e relevantes para os homens e mulheres na África
de hoje. 8
Devemos também lembrar-nos de que o debate missiológico
sobre a moratória*, desenvolveu-se na África, a princípio através
do Dr. John Gatu, do Quênia, e mais tarde, na Assembléia da
Conferência Pan-Africana. “A idéia da moratória permitiu aos
africanos perguntar se foi desígnio de Deus fazer de seu
continente um campo de missão para europeus e povos de
ascendência européia. A moratória fecha a porta a idéias testadas
em outros lugares e abre caminho para a auto-revelação de Deus
aos povos de cada nação, raça ou tribo e ao desenvolvimento de
programas adequados às reais necessidades do povo.”
Os medos e ansiedades provocados pelo debate sobre a
moratória não devem ofuscar a nossa visão da intenção principal
da proposta, que é abrir um espaço, uma área de liberdade para as
Igrejas africanas, onde elas possam descobrir sua própria
identidade.

As Igrejas mais antigas
Tornamo-nos conscientes do fato de que somos herdeiros
de uma rica tradição. Nossa presente preocupação com questões
relacionadas com a justiça econômica, a total libertação de
homens e mulheres de todas as formas de opressão e exploração,
e a paz na África, bem como nossa busca atual de respostas
autênticas ao Cristo como Senhor de nossa vida total levou-nos a
uma compreensão mais profunda da herança que nos foi deixada
pelos Pais da primeira Igreja no Norte da África... É essa herança
que nos leva a confessar que é o mesmo Cristo encarnado que
nos está chamando para responder-lhe em termos que são

6
7

ibid. p. 116
Ibid. pp. 95— 107

Os exemplos que demos da África, Ásia e América Latina
ilustram a diversidade dos dilemas missionários com que se
8

Nairóbi, AACC, 1981
* No início dos anos 70, na África, devido ao trauma das relações colonialistas que
estavam sendo rompidas com a independência é que primeiro se falou de Moratória
Missionária. John Gatu (secretário geral da Igreja Presbiteriana da África Oriental e
também presidente da Conferência Africana de Igrejas) pediu que todos os missionários
estrangeiros se retirassem do Continente. Sentia-se que a presença deles tão
comprometida com os governos colonialistas estava impedindo que as Igrejas
descobrissem sua identidade. A retirada seria por um período determinado. Entretanto a
Moratória já tinha sido sugerida na Conferência sobre Missões (Edinburgo, 1910) quando
se começava a ter consciência dos problemas criados pelo paternalismo sobre a busca de
identidade por parte das Igrejas Jovens (Nota dos Editores).
defrontam as Igrejas no presente. Mas como esses exemplos
dizem respeito à experiência das chamadas “Igrejas mais Jovens”
e às áreas que as Igrejas na Europa e nos Estados Unidos
consideram como “campo de missão”, é bem possível que sejamos
mal compreendidos.
Consideramos ponto pacífico a missão nos seis continentes.
Afirmamos que a própria existência da Igreja tem a ver com missão
e que em toda a parte as Igrejas são enviadas para proclamar a
salvação de Deus a todos os povos e a todas as instâncias da
vida. Igrejas muito antigas também se defrontam com antigos e
novos problemas. A afirmação da liberdade como o problema
missiológico fundamental e a visão do Reino como estrutura e
objetivo da missão cristã devem permitir a essas Igrejas novas
possibilidades de afirmar sua vocação e fidelidade.
Tomemos, por exemplo, as Igrejas Ortodoxas na África do
Norte ou no Oriente Médio, cercadas por poderosas comunidades
islâmicas, que controlam o poder das nações em que estão
situadas - como o Irã, a Síria, o Iraque, o Líbano e o Egito. Há mais
de mil anos não lhes é permitido desenvolver qualquer trabalho
evangélico. A conversão ao cristianismo é legalmente proibida e
qualquer tentativa para converter pessoas é desestimulada e até
punida. Essas Igrejas podem apenas passar a fé de pais a filhos,
geração após geração. Dessa forma, desenvolveram uma
compreensão da missão cristã que não é geográfica nem se
exprime pela expansão da Igreja, mas é cronológica e
sacramental.
Pode-se considerar a preservação da Igreja para as
gerações futuras e a oração intercessória sacerdotal em favor de
toda a comunidade como “missão” segundo o modelo de Abraão?
Será essa concentração na vocação cronológica e sacerdotal uma
traição do mandamento missionário do Evangelho ou a sua
expressão fiel e relevante em circunstâncias peculiares?

Hoje em dia, essas Igrejas enfrentam uma nova situação.
Muito dos seus membros emigraram para outros continentes onde
estabeleceram Igrejas que servem a seus grupos étnicos. O
grande desafio com que se defrontam é descobrir seu novo
potencial missionário em situações em que as restrições históricas
não existem mais A questão geral da missão da diáspora ortodoxa
exige uma consideração ecumênica.
Na Europa ocidental estamos passando da situação de uma
“Igreja do Povo” (Volkskirche), onde todos deviam pertencer à
Igreja, a um rápido processo de descristianização, ou pelo menos
de desligamento da Igreja. Tendo sido outrora Igrejas majoritárias,
são agora obrigadas a repensar sua missão à luz das novas
circunstâncias que as tornaram minoritárias na sociedade.
Qual deve ser a missão dos fiéis remanescentes em tais
situações? Nos dois últimos séculos, missão geralmente significa
missão em países longíquos. Atualmente, não só falamos de
missão nos seis continentes, como sabemos que ela está em
nossa pátria, bem em nossa vizinhança.
W. Visser’t Hoolft considera a situação na Europa como
“neopagã”.9 Lesslie Newbigin investiga o surgimento do moderno
Weltanschauung* e descreve a sua incapacidade de fornecer as
coordenadas adequadas para se lidar com os atuais desafios com
que se defronta uma sociedade tecnológica.10 Os dois autores
convidam a Igrejas a resgatar a mensagem bíblica numa interação
viva com as novas situações históricas.
Na América do Norte, as Igrejas continuam cheias, mas
cresce cada vez mais o contingente dos que desacreditam da
“religião civil” e questionam a identificação superficial do modo de
9

Veja “International Review of Mission”, Vol. LXVI, N.º 264, 1977
*Visão de Mundo, Cosmovisão.
10

“The Other Side of 1984”, Genebra, CMI, 1983
vida dos americanos com o Evangelho de Jesus Cristo. Qual a
relação entre crescimento da Igreja e fidelidade ao Evangelho,
entre o sucesso e a cruz de Jesus Cristo?

sem qualquer referência ou preocupação com o sistema social,
parece ser a resposta das Igrejas livres e dos pentecostais.

As Igrejas norte-americanas enviam mais missionários ao
exterior do que qualquer outra Igreja. Processa-se um debate
apaixonado na Igreja Metodista Unida entre os que querem enviar
mais missionários - e missionários com mentalidade mais
evangelística - e os que afirmam a liderança nacional das Igrejas
irmãs e a obrigação de assumir um papel de defensores do
Terceiro Mundo. O debate não se limita, porém, à Igreja Metodista
Unida. Ele levanta questões fundamentais com relação às nossas
prioridades missionárias.

Novas teologias: departamentos diferentes

A Europa Oriental enfrenta seus próprios desafios
missionários. Ali a vida política, ideológica e cultural é organizada
em torno do Partido Comunista. As Igrejas, que eram
tradicionalmente o foco de cultura e identidade nacional, estão
agora oficialmente marginalizadas. Em tais circunstâncias, as
Igrejas devem procurar perspectivas teológicas e opções
missiológicas diferentes. J. Hromadka* e sua teologia da diaconia
continua a influenciar igrejas na Tchecoslováquia e na Hungria. A
busca do povo e a expressão da alma nacional parecem ser a
resposta da Igreja Católica da Polônia e das Igrejas ortodoxas na
Bulgária, Romênia e União Soviética. A evangelização pessoal,
*

Jose Hromadka, teólogo tcheco, teve sua formação plasmada por quatro
tendências muito fortes entre o povo tcheco: (1) busca constante de liberdade e
justiça que o pôs ao lado dos pobres e deserdados; (2) profunda piedade
evangélica que lhe recordava sempre que a vida cristã é inseparável da fé em
Cristo Libertador e obediência tal que pode levar até ao martírio; (3) o
protestantismo militante de outro grande teólogo tcheco, Masarvk, proclamador
de que o renascimento nacional se faria dentro da continuidade da Reforma
Tcheca cujo humanismo seria a mola-mestra para um programa político; (4) um
profundo engajamento na vida do povo tcheco. Hromadka foi o grande teólogo
do povo tcheco. Morreu fiel ás suas idéias, acima de tudo, fiel a Jesus Cristo
(Nota dos Editores).

As Igrejas em nossos dias enfrentam, na verdade, uma
grande variedade de opções missionárias. Essas opções
freqüentemente dão origem a controvérsias e conflitos. Também
inspiraram inúmeros
sistemas
teológicos
e
esquemas
organizacionais diferentes.
Há apenas algumas décadas atrás, as Igrejas do Atlântico
Norte eram os árbitros da teologia cristã. Hoje em dia, a situação é
totalmente diferente. A teologia feminista, a teologia negra, a
teologia da libertação, a teologia do diálogo, o minjung ou teologia
do povo — cada uma dessas teologias tenta ver a vocação
missionária da Igreja num determinado contexto. Elas são
basicamente missiologias. Não são explicações sobre a natureza
de Deus, mas representam urna busca apaixonada de novas
opções para a missão das Igrejas.
Por trás de cada uma dessas teologias — libertação, africana,
negra, feminista, minjung — há uma situação de conflito. Nos
últimos vinte anos não emergiu nenhum sistema teológico novo
que não condene algum tipo de opressão nem afirme alguma
perspectiva específica do Evangelho, que emerge dos problemas
enfrentados pelos grupos que desenvolvem o trabalho teológico.
De fato, a maioria desses teólogos diz que a sua teologia é uma
elaboração, a posteriori, de uma posição assumida em situações
de conflito — na verdade estão tentando explicar-se como cristãos
e encontrar linhas mestras para a ação.
Essas teologias também refletem a riqueza da Igreja em
nossos dias, a interação de manifestações de fé cristã ligadas
culturalmente. Devemos tentar entender até que ponto essas
tentativas teológicas representam uma utilização responsável da
nossa liberdade missionária.
A divisão programática do trabalho dentro da estrutura de
nossas Igrejas ilustra outra dimensão do problema. Temos, na
maioria de nossas Igrejas ocidentais, departamentos de ação
social e departamentos de evangelização, cada um tentando ser
fiel ao seu objetivo particular. Isso é útil até certo ponto, mas pode
também levar a uma abdicação de nossa responsabilidade cristã
global. Há, realmente, dons diferentes na vida da Igreja, que
exigem uma divisão lógica de vocações e tarefas. Mas se esses
carismas - quer considerados individualmente, quer organizados
estruturalmente na vida da Igreja — limitam ou distorcem o
testemunho total do Reino, então tornam-se um empecilho à
missão da Igreja.
O problema torna-se sério quando as organizações criadas
nas igrejas Ocidentais para se relacionarem com Igrejas do
Terceiro Mundo desenvolvem estatutos e linhas de ação estranhas
às próprias Igrejas. Por exemplo, é evidente sinal de uma triste
distorção o fato de que se pode obter ajuda substancial para
qualquer coisa que receba o rótulo mágico de “desenvolvimento”,
mas que é muito mais difícil obter auxílio para o crescimento da
Igreja, a educação teológica, a evangelização, etc...
O fato de que uma Igreja ou um Conselho de Igrejas dedique
a maior soma de suas energias à área de desenvolvimento não
significa necessariamente que os cristãos ali estejam todos
convencidos de que é através do desenvolvimento que devem
testemunhar o Reino neste determinado momento. Significa
simplesmente que existem fundos de origem estrangeira
disponíveis para esse trabalho, em particular, e não existem para
outros tipos de trabalho. A pergunta que se formula é a seguinte:
“Como pode cada um de nossos interesses ou dons, em particular,
tornar-se uma porta de entrada para a dinâmica total do Reino,
sem ficar compartimentados e estratificados”?

O Reino e sua liberdade
Dois receios perseguem os teólogos. Um deles é o medo de
ser infiel às exigências do mundo de hoje, o medo de ser
irrelevante, o medo de perder o contato. Nos anos 60, ouvia-se
com freqüência, em discussões ecumênicas, que “o mundo devia
organizar a agenda”. Pensava-se que a Igreja devia responder às
prioridades estabelecidas na agenda do mundo. A Igreja é
realmente enviada ao mundo para responder a situações em que
os seres humanos sofrem, esperam, vivem e morrem. Mas isso
não significa que, além de responder, ela não tenha uma missão
própria, uma compulsão interna, certas convicções e valores que
deve partilhar com o mundo.
O outro receio dos teólogos é o de que, pelo fato de se
ocuparem com os assuntos do mundo, os cristãos possam
esquecer sua vocação essencial de proclamar o Evangelho. E o
medo de que, ao responder à necessidade de lutar contra a
opressão, o racismo, o sexismo e males semelhantes, possamos
negligenciar nosso chamado para “pregar a Palavra“. Se a
proclamação do Evangelho do Reino fosse possível sem referência
às situações humanas concretas dos países em que vivemos,
então é evidente que nosso problema seria fácil de resolver! Mas o
Evangelho acontece no encontro entre a Palavra de Deus e seres
humanos que vivem em situações específicas.
Estamos basicamente convencidos de que o Reino de Deus
é a categoria bíblica central que dá conteúdo e direção à nossa
vocação missionária. Nosso objetivo é o Reino. A Igreja é chamada
para servir ao Reino, para ser um instrumento privilegiado desse
Reino; é chamada, na realidade, a existir por causa do Reino.
Seguimos o Cristo vivo, guiados pelo Espírito Santo. Dentro
do horizonte do Reino de Deus, temos total liberdade e total
responsabilidade — uma liberdade total para discernir, planejar e
agir.
Dada a natureza do Reino, a liberdade do Espírito, as
Igrejas são livres para responder àquela liberdade de Deus. Nada
pode ser proscrito a priori, com relação às possibilidades de ação
da Igreja. Referimo-nos à liberdade do Espírito, que leva os
cristãos a diferentes respostas. Chamamos essa presença do
Cristo ressuscitado e essa ação do Espírito Santo de liberdade
missionária, porque convida-nos a responder e nos convence a
agir. Poderíamos usar a palavra “responsabilidade” em vez de
liberdade, mas prefiro a palavra liberdade porque ela estimula a
nossa imaginação e fornece muito mais espaço do que a palavra
responsabilidade. No entanto, é sendo livres que conseguimos agir
responsavelmente.
Vamos reportar-nos ao ministério de Jesus e à história dos
primórdios da Igreja para encontrar os exemplos de liberdade que
possam inspirar-nos e orientar-nos em nossa presente situação.
Quando empregamos a palavra liberdade, teologicamente,
queremos dizer o dom do Espírito Santo que nos permite
responder; mas precisamos considerar aquela possibilidade de
liberdade também em termos sociológicos e políticos. Eu poderia
afirmar que sou liberado, quando na verdade sou vítima de minhas
próprias tendências, preconceitos sociais e privilégios de classe.
Como no caso dos brancos ricos da África do Sul, que encontram
apoio para o apartheid na Bíblia e declaram que estão utilizando
sua liberdade cristã.
Após os grandes mestres da desconfiança — Marx, Freud e
Nietzsche — estamos por demais conscientes das restrições que
se opõem à verdadeira liberdade. Não podemos ignorar aquelas
restrições, mesmo na vida da Igreja. Mas a Bíblia, as descobertas
das ciências humanas, a comunidade da fé, especialmente em
suas dimensões ecumênicas, e a prática do amor — tudo isso nos
oferece pontos de referência que nos ajudarão, senão a escapar

desses limites históricos, pelo menos a lutar para transformá-los
segundo a perspectiva do Reino que virá.
pessoas e desenvolver a tarefa missionária; preocupam-se com
metodologias, abordagens e práticas. Bangcoc, ao contrário,
focalizou a salvação que proclamamos. Abordou a questão: Qual é
o significado, hoje, da afirmação básica de nossa fé cristã de que
há salvação em Jesus Cristo?

O Debate
Bangcoc, 1973
Através de uma série de encontros internacionais, temos
buscado, no século XX, esclarecer a natureza da missão. O
encontro de Edimburgo (1910), ao qual remontam os primórdios do
movimento ecumênico, foi o primeiro de uma série. A ele seguiramse várias reuniões periódicas. A Conferência sobre Missão
Mundial, organizada pela Comissão de Missão Mundial e
Evangelismo do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), foi a oitava
dessa série. Realizou-se em Bangcoc.
Houve, entretanto, diferenças relevantes entre as reuniões de
Edimburgo e de Bangcoc. Em 1910, os participantes
representavam as agências missionárias protestantes do mundo
ocidental. Havia apenas uns poucos representantes das “Igrejas
mais Jovens”. Em Bangcoc, a maioria dos delegados vinha das
Igrejas mais jovens; havia representantes de Igrejas Ortodoxas e
uma delegação fraternal da Igreja Católica Romana.
Havia também diferenças de conteúdo. Edimburgo tinha
concordado em não discutir assuntos “doutrinários” — para evitar
polêmicas. Bangcoc é talvez a primeira conferência missionária a
tomar como tema uma afirmação básica de fé: “Salvação Hoje”*.
Em geral, as reuniões missionárias discutem como chegar até as
*

Sobre o assunto leiam-se: “Salvação Hoje” — Suplemento 3, março 1973 —
Tempo e Presença (R. Alves, MM. Thomas, Christoph Barth, D.G. Vergara dos
Santos); e “Salvação Hoje”, Mortimer Arias, Vozes/Tempo e Presença, 1974.

Como preparação para a conferência, publicou-se um livro
fascinante sobre o tema, com histórias de várias partes do mundo,
abordando a experiência real da salvação. As histórias exploravam
a relação da salvação com as diversas instâncias da vida.11
Bangcoc examinou o próprio cerne de nossa convicção de que o
nosso Deus é um Deus que salva, e procurou descobrir como essa
convicção poderia tornar-se viva e real na tarefa missionária da
Igreja.
Bangcoc é a capital da Tailândia, um país budista, onde
apenas uma pessoa em cada mil é cristão. A localização da
conferência influenciou-a em dois níveis bem diferentes. Em
primeiro lugar, toda a questão de atitude cristã para com as outras
religiões — no caso o budismo — veio à tona, inevitavelmente,
para ser discutida. Duas atitudes ficaram evidentes na assembléia.
Uma foi expressa pelo Secretário Geral da Igreja de Cristo na
Tailândia, que pregou o sermão inaugural (Is 53; Rm 5). Enfatizou
a salvação pela graça através da fé em Cristo. Explicou que a
principal preocupação da Igreja de Cristo na Tailândia era o
crescimento da Igreja; o objetivo era duplicar o número de
membros da Igreja em quatro anos. Por isso, pregavam às
pessoas e as convidavam a se tornarem cristãs e se filiarem à
Igreja.
Uma outra atitude com relação ao budismo surgiu quando
alguns monges budistas assistiram a uma sessão plenária.
Estabeleceu-se um diálogo entre líderes religiosos da Tailândia e
um grupo selecionado de delegados à assembléia, que mostrou a
11

“Salvation Today and Contemporary Experience”, Genebra, CMI, 1972.
necessidade de se respeitarem as outras religiões e aprender com
elas.
O relatório oficial da conferência faz apenas uma leve
referência a esse encontro com os budistas. Mas o contato com
uma cultura budista e a experiência de uma Igreja de minoria
deixaram uma impressão duradoura em todos os participantes.
É significativo que se tenha organizado uma reunião de
consulta ecumênica em Chiang Mai, na Tailândia, quatro anos
depois, para discutir a questão do diálogo com outros credos. Esse
encontro produziu um documento denominado: “Orientação para o
diálogo com pessoas de credos e ideologias atuais”, onde a
dimensão do testemunho e a capacidade de ouvir da missão cristã
foram compatibilizadas.
Enquanto os delegados em Bangcoc falavam de salvação,
estavam perfeitamente conscientes de que se achavam rodeados
por milhões de pessoas que também buscavam a salvação,
embora suas vidas girassem em torno de valores totalmente
diferentes. O desafio de outras religiões continua a ser uma
questão em aberto na tarefa missionária da Igreja. Qual é o lugar
das outras religiões no Reino de Deus?
A segunda conseqüência importante da reunião na Tailândia
foi que os delegados se conscientizaram concretamente da
presença militar dos americanos. De uma base aérea nos
arredores, os bombardeiros decolavam em intervalos regulares
para despejar sua carga mortal sobre a cidade de Hanói e sua
vizinhança. Um delegado dos Países Baixos propôs que fôssemos
a Hanói demonstrar nossa solidariedade com o povo. Foi um
momento dramático. A imprensa internacional logo anunciou que
uma conferência de cristãos queria ir a Hanói. Não fomos até lá,
mas a palavra salvação adquiriu um novo sentido. E ajudou-nos a
entender a paixão, as tensões que permearam a conferência. Ali
estávamos nós, falando de salvação, enquanto a trinta quilômetros
de distância o mensageiro da morte estava decolando para matar e

destruir. Era impossível falar de salvação sem relacioná-la com
aquela realidade histórica. A história, a realidade política, estava
muito presente na mente dos delegados, pois eram obrigados a
considerar a relação da salvação com os acontecimentos mundiais
do dia.
Bangcoc descreveu a salvação em termos que indicavam sua
natureza global, holística. A salvação é vista ativamente, na luta
pela justiça econômica e pela dignidade humana, na luta contra a
alienação entre as pessoas; e na luta da esperança contra o
desespero, na vida pessoal.
A salvação que Cristo trouxe, e da qual participamos,
oferece uma totalidade abrangente nesta vida dividida.
Entendemos a salvação como novidade de vida — o
desdobrar da verdadeira humanidade na plenitude de Deus
(Cl 2.9-10). É a salvação da alma e do corpo, do indivíduo e
da sociedade, da humanidade e da criação que geme (Rm
8.19)12.
A salvação que Cristo traz oferece uma totalidade abrangente
e essa totalidade é novidade de vida. É verdadeira humanidade, a
salvação da alma e do corpo, da pessoa total — e pessoa significa
indivíduo e sociedade. A salvação da humanidade abrange a
totalidade da criação. Essa compreensão global e holística da
salvação foi acompanhada pelo reconhecimento de que não
podemos ser sempre totalmente abrangentes. Temos uma
compreensão global da salvação, que tem a ver com todos os
aspectos da pessoa, com todos os aspectos da relação da pessoa
com a sociedade, com todos os aspectos da relação da
humanidade com a natureza. Mas não podemos ser sempre
totalmente abrangentes. Somos obrigados a entrar nessa salvação
total através de determinadas portas.

12

Bangkok Assembly, 1973, Genebra, CMI, p. 88
Há prioridades históricas de acordo com as quais a
salvação é antecipada em uma certa dimensão, seja
pessoal, política ou econômica. Essa porta de entrada difere
de uma situação — em que trabalhamos e sofremos — para
outra. Devemos saber que essas antecipações — essas
portas de entrada — não são a totalidade da salvação e
devemos lembrar-nos das outras dimensões, enquanto
trabalhamos. Esquecer isso é negar a totalidade da
salvação. Ninguém pode, em qualquer situação específica,
fazer tudo ao mesmo tempo. Há vários dons e tarefas, mas
só há um Espírito e um objetivo.13
Existem certas prioridades, e devemos utilizar nossa liberdade
para identificá-las. Há dons e tarefas diversas — dons pessoais,
tarefas pessoais, vocações pessoais — mas só existe um Espírito
e um objetivo. E agora chegamos à frase mais polêmica do
relatório da conferência.
Nesse sentido — o sentido das prioridades históricas,
das antecipações — pode-se dizer, por exemplo, que a
salvação é a paz do povo do Vietnã; a independência de
Angola; justiça e reconciliação na Irlanda do Norte; e a
libertação da comunidade do Atlântico Norte do cativeiro do
poder; ou a conversão pessoal na libertação de uma
sociedade oprimida; ou novos estilos de vida para os
interesses capitalistas e o desamor.14
Existem prioridades históricas, dimensões, e determinados
dons que são portas de entrada para a dinâmica do Reino e a
realidade da salvação. Em dado momento, a conferência diz: “A
paz no Vietnã é salvação.” Os que estão trabalhando pela paz no
Vietnã estão desempenhando um papel missionário. Os que estão
buscando a reconciliação na Irlanda do Norte também estão
cumprindo um dever missionário. Os que estão convidando
13
14

Ibid. p. 90
Ibid

pessoas a se converterem em sociedades que as privam de sua
humanidade estão trabalhando pelo Reino. Mas cada um desses
casos é uma porta de entrada, uma prioridade histórica, uma
antecipação de salvação, que responde a um dom determinado ou
persegue um certo objetivo.
Isso é fundamental para o nosso trabalho, na formulação de
prioridades históricas ou contextuais, como portas de entrada para
a luta total do Reino de Deus. Essa parte da declaração foi muito
mal compreendida e mal interpretada. As pessoas concentraram a
atenção na segunda parte: “A salvação é a paz no Vietnã.”
É claro que não podemos pensar em salvação sem levar em
conta o aspecto da reconciliação com Deus e com o nosso
próximo, bem como a vida eterna. Mas a declaração não diz que a
salvação toda se resume na paz no Vietnã; ela é apenas
recomendada como prioridade histórica. É uma dimensão. É uma
antecipação. É uma porta de entrada. Não devemos esquecer as
outras dimensões que completarão o quadro, mas precisamos
entrar por uma determinada porta, se quisermos ser concretos em
nossa obediência missionária. Nossa liberdade de missão existe
para que possamos ser relevantes na missão.
Essa compreensão deveria ajudar a reconciliar certas
posições cristãs que parecem contraditórias. Se a paz no Vietnã é
a porta de entrada para o Reino ou a prioridade missionária para
os cristãos preocupados com aquele país, não se poderia também
reconhecer que a construção da Igreja e o chamado à conversão
são também uma porta de entrada e um aspecto a ser enfatizado
em certas outras partes da Ásia e do mundo?
A assembléia tinha ouvido falar do “crescente questionamento
das pessoas em Bangcoc sobre a falta de sentido da vida para
muitas delas, e sua busca de alguma coisa mais profunda, na
realidade, uma nova identidade”.15
15

Ibid,p. 78
Se existe essa falta de sentido, difundir a história do
Evangelho é realmente importante em tal situação. Mas assim
como a preocupação com a paz no Vietnã não é a totalidade da
salvação, também a história de Jesus não representa toda a
salvação, a não ser que em ambos os casos apontemos, com
nossas palavras e atos, para além daquela ênfase particular, em
direção à dinâmica do Reino de Deus. A abordagem teológica de
Bangcoc, embora fornecendo exemplos de prioridades em termos
de situações políticas e sociais, não deixou de reconhecer outras
prioridades que têm predominado tradicionalmente, com a
pregação da Palavra e a construção da Igreja. Devemos considerála todas como legítimas portas de acesso à missão total da
Igreja e ingredientes do significado total da salvação.

O ataque a Bangcoc
Depois de Bangcoc, o debate concentrou-se nas implicações
de declarações como as que citamos. Alguns dos amigos
evangélicos viram nelas a confirmação de certos destaques que,
segundo eles, remontam à Assembléia de Upsala do Conselho
Mundial de Igreja, em 1968. Protestaram contra a redução da
teologia a uma espécie de antropologia, e da fé cristã a uma
espécie de humanismo. Hal Lindsell, antigo editor de “Christianity
Today”, dizia que a ênfase em Upsala, que veio a frutificar em
Bangcoc, recaíra em “humanização, secularização, envolvimento
sócio-político, desenvolvimento econômico das nações do Terceiro
Mundo, eliminação do racismo, revolução e um virulento
sentimento anti-americano, concentrado na guerra do Vietnã. O
Evangelho da salvação pessoal através da reparação oferecida por
Cristo no Calvário foi suplantado por uma versão materializada e
secularizada de ação social como missão da Igreja”.16

Lindsell não foi o único que interpretou Bangcoc dessa
maneira; outros, mais favoráveis ao Conselho Mundial, também
fizeram críticas semelhantes. Arthur Glasser, do Seminário
Teológico Fuller, disse que em Bangcoc “o aspecto cultural
predominou sobre o evangélico”. Ao descrever os aspectos
evangélico e cultural, disse ele que “a salvação realmente tem
implicações para ambos. Sob o aspecto cultural, Deus decide
envolver os homens na aceitação da responsabilidade para com o
mundo. Preocupa-se com o governo, a injustiça, a opressão, etc...
Mas, diz Glasser, essa é uma dimensão da vocação cristã. A outra
dimensão, a dimensão evangélica, ele não a vê com clareza em
Bangcoc”.17

Quase no final da conferência, o representante oficial do
Vaticano, o Padre Jerome Hamer, saudou os delegados em nome
da fraternal delegação da Igreja Católica. Disse ele, com
franqueza: “Estou espantado de vê-los discutirem a salvação hoje,
durante dias a fio, em todas as suas ramificações, sem darem
atenção, porém, ao que o apóstolo Paulo disse a respeito dela.
Não ouvi ninguém aqui falar em justificação pela fé. Não ouvi
ninguém falar de vida eterna. Nem da justa ira de Deus contra o
pecado.”
Devemos também citar as críticas feitas pela Igreja Ortodoxa
Russa e expressas numa carta enviada ao Moderador do Comitê
Central do Conselho Mundial de Igrejas, M.M.Thomas, da Índia. A
carta exprimia “perplexidade e tristeza” por não haver qualquer
referência significativa à vida eterna na carta enviada às Igrejas por
Bangcoc, que parecia projetar “uma compreensão unilateral e
prejudicial da salvação num espírito de horizontalismo ilimitado” e
tinha pouco a dizer sobre a perfeição moral neste mundo e a vida
eterna no outro.

16

Ver Ralph Winter, ed., “ The Evangelical Response to Bangkok “, Pasadena,
William Carey Library, 1973, p. 125
17

Ibid. pp. 90 - 91
Valores ameaçados
Essas três reações críticas — a evangélica, a católica e a ortodoxa
— apontam, cada uma, para um valor que precisa ser lembrado e
preservado. Os evangélicos e os católicos reclamam uma
mensagem mais clara, dirigida aos indivíduos, em termos de sua
relação pessoal com Deus, sua necessidade de perdão e de fé e
seu desejo de vida eterna. Não conseguiram ouvir, nos acalorados
debates em Bangcoc, esse convite à fé e à conversão pessoal.
A Igreja Ortodoxa Russa não ouviu uma referência clara à
vida eterna em Deus, como objetivo de toda esperança cristã de
salvação. A conversão pessoal, o evangelismo em termos de um
convite a uma fé pessoal, a esperança escatológica em Deus —
todas essas são afirmações cristãs fundamentais, que as pessoas
reunidas em Bangoc jamais negariam. Sua preocupação era
corrigir os desvios do passado e ler o kairós de Deus, em que o
Espírito chamava a Igreja a agir com obediência, hoje.
Bangcoc abriu novos caminhos; de certa forma até falou uma
linguagem nova, que era um pouco difícil de entender. Quais eram
os valores ameaçados para as pessoas reunidas em Bangcoc?
Elas queriam ter em mente a interação, até mesmo a unidade,
entre a história religiosa e a secular, entre a história da salvação e
a história humana. Para Arthur Glasser, há um mandato cultural e
um mandato evangélico; ambos são necessários mas diferentes.
Bangcoc tentou ver a dimensão evangélica dentro do mandato
cultural; e, dentro da dimensão evangélica, a necessidade de exigir
o reconhecimento do domínio de Cristo sobre todas as culturas e
reinos.
Assim, em Bangcoc, houve uma tentativa de considerar com
seriedade a história cultural que nos foi dada, de fixar as raízes de
nossa Igreja, nossa teologia, nosso evangelho, no passado de
nosso país e, dentro dessa história, participar da libertação do
povo e da construção de nossa cultura, da criação de novas

relações humanas, numa perspectiva escatológica — com a
esperança de contribuir para a riqueza do banquete final do Reino
de Deus.
O que Bangcoc disse não é, na verdade, muito diferente do
que os teólogos ortodoxos vêm dizendo. Os cristãos devem tornarse o fermento dentro da história, que poderia salvar essa mesma
história. A transfiguração do mundo é o objetivo para o qual deve
trabalhar nossa missão cristã. O Espírito Santo atua em toda a
criação. E isso foi o que Bangcoc tentou expressar — trazer essas
afirmações teológicas ao nível prático e exprimi-las na linguagem
das realidades sociais, políticas e históricas.

Descobrimos em Bangcoc que a esquizofrenia teológica, que
separa as relações com Deus das relações com o nosso próximo,
desaparece no maravilhoso conhecimento de um Deus cujo
Espírito atua através de diferentes agentes de libertação.
Tampouco deixamos de reconhecer que Deus, fundamentalmente
através da Igreja, transmite à humanidade o segredo do amor
divino e oferece a possibilidade de uma decisão consciente para
incorporar o nosso serviço na divina missão de salvação e
libertação.

Essa compreensão da salvação resgata a tarefa histórica da
humanidade e fornece a base de todo o trabalho evangélico. Nada
que seja humano é estranho à comunidade cristã.
No nascimento de uma criança, no seu desenvolvimento
como pessoa, na integração da pessoa à comunidade humana, na
luta pela liberdade de toda a comunidade, na busca de formas de
vida mais humanas — em tudo isso vemos a manifestação da
preocupação e do amor de Deus. O Deus que atuou no êxodo,
dando liberdade ao povo de Israel, e o Deus que atuou através da
morte e da ressurreição de Jesus Cristo, e oferece vida nova a
toda a humanidade é o mesmo Deus que nos chama a trabalhar
pela salvação humana total.
O debate evangélico
Um segundo elemento importante na discussão da missão foi
o fato de os evangélicos se concentrarem na evangelização do
mundo. Um congresso sobre evangelismo mundial foi realizado
pela organização de Billy Graham e a revista “Christianity Today”,
em Berlim, em 1966. A ele seguiu-se um segundo congresso em
1974, assistido por quatro mil participantes em Lausanne, na
Suíça, sobre o tema: “Deixemos que a Terra ouça sua Voz.” O
Acordo de Lausanne, embora não fosse um documento oficial do
congresso, foi preparado e assinado durante a sua realização e
resume bem as suas convicções. Segundo o Acordo, “mais de
2.700 milhões de pessoas, que representam um número superior a
dois terços da humanidade, ainda tinham de ser evangelizados. É
uma vergonha para nós que tantos tenham sido negligenciados. É
uma censura viva a nós e a toda a Igreja.” O congresso criou a
expressão “atingir os inatingidos” como seu slogan principal a fim
de mobilizar a Igreja.
Embora esse slogan reflita a dimensão numérica e geográfica
do problema, a palavra “inatingidos” não esclarece a situação.
Parece supor que haja pessoas que não foram atingidas nem por
Deus e isso, naturalmente, diz respeito a uma dimensão da
realidade que nos é ocultada. Só Deus sabe onde e a quem o
Espírito atingiu e como o fez. Isso não significa negar o trágico fato
de que a grande maioria da população do mundo não abraçou a fé
cristã e que os cristãos são instados a partilhar com todos o
Evangelho de Jesus Cristo, porque é vontade de Deus que todos
cheguem ao conhecimento da verdade e sejam salvos (lTm 2.4).
Lausanne não foi uma resposta a Bangcoc. Os organizadores
do Congresso não o consideraram dessa forma. Sua preocupação

foi com a evangelização do mundo, compreendida como o relato
da história de Cristo às pessoas, de modo que elas se
convertessem; discutiram-se os modos e meios de alcançar esse
objetivo. Estava implícita nas discussões uma crítica ao Conselho
Mundial de Igrejas e à Comissão de Missão Mundial e
Evangelismo — que haviam concentrado a atenção em assuntos
de cultura e justiça numa conferência missionária!
Inevitavelmente, porém, a maioria dos participantes foi
afetada pelos mesmos acontecimentos históricos que os
delegados de Bangcoc. Eles vinham do mesmo mundo envolvido
pela guerra; estavam lendo a mesma Bíblia; a maioria deles era
proveniente das mesmas Igrejas. Dos quatro mil participantes de
Lausanne, 65 por cento pertenciam a Igrejas Membros do
Conselho Mundial de Igrejas. Eles também estavam tentando ser
fiéis ao Espírito Santo. O resultado foi que o Acordo de Lausanne
incorporou alguns dos conceitos básicos de Bangcoc — diálogo,
moratória, justiça, cultura — mas tentou dar a esses conceitos uma
definição mais precisa a fim de assegurar que eles não
obscurecessem as tarefas básicas da vocação missionária.
Foram feitas distinções e estabelecidas prioridades. O
evangelismo foi defendido como uma categoria independente,
embora ligada às exigências de justiça social. “Justiça social não é
evangelização”, foi dito claramente. Mas
“... a justiça social está
incluída no nosso mandato.”
Bangcoc levantou a possibilidade de moratória para evitar o
envio de missionários e fundos a uma determinada Igreja, por um
dado período, para dar a essa Igreja uma chance de descobrir sua
própria identidade com relação à comunidade de inserção. O Acordo
indica que a moratória, se pudesse liberar fundos para outras regiões
ainda não alcançadas pelo Evangelho, não seria má idéia! O diálogo
é necessário - contanto que facilite a evangelização!
Lausanne assinala o começo de uma convergência de
posições teológicas diferentes com relação à missão da Igreja.
Dentro da família evangélica, tem havido uma crescente
exigência de um comprometimento evangélico com a realidade da
mudança histórica e de uma participação nas lutas humanas pela
justiça. Na realidade, no próprio Congresso de Lausanne, um
número considerável de delegados assinou uma declaração
complementar do Acordo, denominada “Uma resposta a
Lausanne”. É um documento mais radical, mas não contradiz o
Acordo. Reafirma-o, mas destaca a dimensão da justiça social e a
necessidade de envolvimento social por parte dos cristãos.
Foi organizada uma consulta mundial pelo Comitê de
Lausanne pela Evangelização Mundial (junho de 1980), em
Pattaya, na Tailândia. Seu objetivo era estudar mais
profundamente a questão das técnicas e metodologias para atingir
grupos específicos. A intenção original era limitar a discussão a
considerações práticas sobre a forma de evangelizar muçulmanos,
hindus, católicos nominais, protestantes nominais e outros setores
identificáveis da população, semelhantes a esses. Um certo
número de participantes, porém, especialmente do Terceiro
Mundo, sob a liderança do Bispo David Gitari do Quênia, pediu à
comissão organizadora para incluir a consideração das questões
de justiça no mundo e a responsabilidade dos cristãos com relação
a tais questões.
Argumentaram que o “Acordo de Lausanne” reconhecia a
importância da justiça com relação ao evangelismo e tinham receio
de que o Comitê de Lausanne para a Evangelização Mundial
estivesse agora seguindo uma interpretação unilateral do Acordo,
não estabelecendo uma relação entre as preocupações do
evangelismo e a preocupação global de Deus pela situação
humana como um todo.

Desejavam que se convocasse uma conferência mundial
sobre o tema da responsabilidade social cristã, a fim de se
discutirem questões de justiça, especialmente a sua relação com a
evangelização. Isso provocou um debate interno dentro do comitê.
Expressou-se o receio, principalmente por parte da escola que
defende o crescimento da Igreja, nos Estados Unidos, de que uma
conferência desse tipo pudesse distorcer perspectivas e trair a
vocação original do movimento de Lausanne. Segundo o ponto de
vista da escola favorável ao crescimento da Igreja, o Comitê de
Lausanne deveria preocupar-se principalmente com a expansão e
o crescimento da Igreja, e em atingir os “inatingidos”, enquanto
outros poderiam expressar, à vontade, sua preocupação com a
justiça social.
Têm-se desenvolvido esforços, por parte de outros grupos
que são até mais comprometidos com o chamado para atingir os
“inatingidos”. Por exemplo, Ralph Winter, de Pasadena, Califórnia
disse que o verdadeiro desafio, hoje em dia é alcançar os que se
acham além de nossas fronteiras culturais e que isso não pode ser
tentado no nível das congregações locais. Para uma tarefa dessas,
há necessidade de organizações mais especializadas, bem como
de pessoas que tenham uma vocação especial, para atravessar
fronteiras culturais e evangelizar pessoas de outras culturas.
Foi essa a lógica sobre a qual se baseou uma conferência
realizada em Edimburgo (1980). A conferência não produziu um
acordo nem uma declaração. Resultou porém num compromisso,
que os participantes foram solicitados a assinar. Rezava o
seguinte:
“Uma Igreja para todos os povos até o ano 2.000. Pela
graça de Deus e para sua glória, prometo empregar minha
vida inteira em obedecer à sua ordem, expressa em Mateus
(28.18-20), onde quer que ele me envie e de qualquer
maneira que o faça, dando prioridade aos povos que
atualmente se encontram fora do alcance do Evangelho (Rm
15.20,21). Também me empenharei em transmitir a outros
esse ponto de vista”.
Havia estritos requisitos doutrinários para participar dessa
conferência, o que fez que o seu impacto fosse limitado a um
pequeno setor da comunidade cristã.
Enquanto isso, um número de evangélicos cada vez maior,
especialmente do Terceiro Mundo, afirmava que a preocupação
com a justiça humana sempre integrara a sua tradição. Os
evangelistas mais famosos nunca haviam feito uma separação
nítida entre os dois aspectos. Poderiam ter feito distinções;
poderiam ter recomendado uma orientação para hoje e outra para
amanhã, mas estavam convencidos de que a tarefa do
evangelismo deveria apontar na direção da missão total de Deus,
incluindo a preocupação com a justiça.
Para responder a essa preocupação e enfrentar sem rodeios
as diferenças internas, foram convocadas duas reuniões
complementares. A que foi organizada pelo Comitê de Lausanne
pela Evangelização Mundial e pela Associação Evangélica Mundial
reuniu cinqüenta líderes evangelicais em Grand Rapids (Estados
Unidos / junho de 1982), para analisar a relação entre evangelismo
e responsabilidade social. “Muitos temem”, disseram eles, “que
quanto mais nós, evangélicos, nos comprometermos com um
desses aspectos, menos nos comprometeremos com o outro.” A
consulta afirmou que “evangelismo e responsabilidade social,
embora distintos um do outro, estão relacionados integralmente em
nossa proclamação do Evangelho e na obediência a ele. Essa
associação é, na realidade, um casamento” 18.
A Associação Evangélica Mundial organizou, em Wheaton,
Illinois (1983), uma série de três consultas simultâneas sobre “A
Igreja com inserções locais”, “A Igreja em novas fronteiras de
missão” e “A Igreja em resposta à necessidade humana”. A
18

”Evangelism and Social Responsability”, The Grand Rapids Report, Exeter,
Patermoster Press, 1982, p. 24

preocupação com uma clara relação entre evangelismo e justiça
social, expressa em Lausanne, levantada em Pattaya, presente em
comunidades como a dos Sojourners, nos Estados Unidos, e em
movimentos como a Associação de Teólogos Evangélicos da
América Latina, foi claramente explicitada nessas reuniões:
A realidade da presença do Reino dá-nos a coragem
para começar aqui e agora a construir os sinais do Reino
vindouro, trabalhando com atos e orações por maior justiça e
paz e no sentido da transformação dos indivíduos e das
sociedades. Uma vez que, um dia, Deus enxugará toda
lágrima isto na leva a lamentar ver o povo sofrer hoje. Já que
um dia haverá a paz perfeita, somos chamados a ser
pacificadores agora. Humildemente, mas com insistência,
convocamos as Igrejas a se unirem a nós nesse ministério da
prática do amor e na busca da restauração da dignidade dos
seres humanos, criados à imagem de Deus.

Há uma visão escatológica: o Reino trará o shalom (paz) de
Deus e Deus enxugará nossas lágrimas, trazendo a paz perfeita, a
salvação total. Essa visão nos leva a ser ativos na história,
ajudando aos que sofrem agora, trabalhando pela paz, opondo-nos
a toda injustiça. Porque estamos a caminho do Reino, somos
chamados a plantar os sinais do Reino neste lugar e neste
momento. Podemos ter diferenças teológicas, mas estamos
convencidos de que o chamado de Deus para a Igreja é um
chamado holístico. Esta é uma realidade viva e aqui temos um
ponto de encontro verdadeiramente ecumênico.
Tampouco podemos esquecer que o movimento evangelical
está fundamentalmente preocupado com a evangelização do
mundo todo, especialmente dos milhões de pessoas que ainda não
ouviram falar de Jesus Cristo. Podemos concordar ou não com
algumas das metodologias propostas; podemos discordar da
opinião de que os que se encontram fora da Igreja Cristã estão
“perdidos”. Mas o Evangelho precisa ser pregado. Não pode ser
propriedade privada dos cristãos. Não temos o direito de impedir
ninguém de tomar conhecimento de Jesus Cristo. Nessa
preocupação específica com os indivíduos, há um lembrete válido
da questão da fé em nosso mundo de hoje. A discussão
missiológica em círculos ecumênicos, porém, tem-se preocupado
mais com a questão da fidelidade na missão, da integridade, da
necessária correspondência entre palavra e ação; reconhece que a
falta de fidelidade por parte dos cristãos é o principal obstáculo em
todos os empreendimentos evangélicos. Nossos amigos
evangelicais têm-se preocupado mais com a real tentativa de
oferecer uma oportunidade para que as pessoas cheguem à fé em
Cristo. As duas preocupações estão inseparavelmente ligadas.
Sem uma comunidade fiel, que seja por si mesma um sinal do
Reino, será difícil convencer o mundo da novidade radical do
Evangelho de Jesus Cristo. Mas toda tentativa de ser fiel envolve o
desejo de partilhar o Evangelho com outros. O evangelismo faz
parte de nossa fidelidade a Deus. Sem um comprometimento com
o evangelismo, nosso compromisso cristão está incompleto. Ao
mesmo tempo, precisamos reunir essas dimensões de fidelidade e
de fé porque tornar-se cristão, ser convidado a aceitar Jesus Cristo
significa ser convidado a participar do seu Reino, do seu próprio
movimento de amor na história. Tornando-nos cristãos, não
podemos fugir à história.
A posição católica
Realizou-se em Roma (1974) um Sínodo de Bispos da Igreja
Católica Romana sobre o tema “A evangelização do mundo”. Os
Sínodos de Bispos, na Igreja Católica, auxiliam o papa em sua
função pastoral e em seu magistério. Em geral, refletem a
sabedoria coletiva dos bispos; seus resultados são então
comunicados ao papa, que mais tarde os utiliza no que deseja
dizer com sua própria autoridade.

O papa publicou (dezembro, 75) uma exortação apostólica
intitulada Evangelii Nuntiandi (Evangelização do mundo moderno).
Nela, reconhecia o trabalho dos bispos e em seguida estendia-se
sobre ele. Paulo VI começava com o lembrete de que a
apresentação da mensagem do Evangelho não é opcional para a
Igreja. É um dever que lhe é imposto por ordem do Senhor Jesus,
para que as pessoas possam crer e ser salvas. Cristo é o supremo
evangelista. Ele proclama o Reino e, no Reino, uma salvação
libertadora; ele acompanha sua missão evangelística com sinais
evangélicos e especialmente um sinal ao qual Cristo dá grande
importância — o de que os pobres e humildes sejam
evangelizados. Os discípulos de João Batista perguntaram a
Jesus: “És tu aquele por quem estávamos esperando ou
precisamos esperar por alguém mais?” Jesus não respondeu sim
nem não. Disse apenas: “Dizei a João quais os sinais que estão
sendo manifestados — a cura dos doentes e a boa nova pregada
aos pobres” (Lc 7. 18-23). O anúncio do Evangelho aos pobres era
um sinal do Reino, um claro sinal da vocação messiânica de Jesus.
Para o papa, a tarefa de evangelizar todo mundo constituía a
missão essencial da Igreja.
Nisso ele estava de acordo com o Secretário Geral do
Conselho Mundial, Dr. Philip Potter, que, dirigindo-se ao Sínodo,
declarou que “a evangelização é o teste da vocação ecumênica”.
Também concordava com a ênfase dada em Lausanne à
evangelização como missão fundamental e essencial. A Igreja
evangeliza quando “busca converter, unicamente através do poder
divino da mensagem que ela proclama, tanto a consciência
pessoal como coletiva, nas atividades em que as pessoas
empenham, em sua vida e em seu ambiente concreto”.
Existe uma tensão aqui. O papa deseja tornar claro que a
evangelização, no sentido de chamar as pessoas à fé em Cristo, é
a vocação principal da Igreja. Ao mesmo tempo, reconhece que é
impossível cumprir essa missão sem relacioná-la com todos os
aspectos da vida das pessoas.
A salvação que é prometida por Cristo é transcendente e
escatológica, mas tem seu começo nesta vida. Portanto, a
mensagem é também “sobre os direitos e deveres de todo ser
humano, sobre a vida em família, a vida em sociedade, a vida
internacional, a paz, a justiça e o desenvolvimento”. É uma
“mensagem particularmente enérgica, hoje em dia, sobre a
libertação”.
É claro que o papa deseja afirmar duas coisas — mantendoas em tensão criativa. Primeiro, a salvação tem a ver com a vida
eterna, é algo que depende de nossa relação com Deus em Cristo,
com conseqüências que vão muito além de nossa vida histórica
diária. Ao mesmo tempo, tem também conseqüências para a vida
humana, aqui e agora, e aí “é impossível aceitar que na
evangelização se possa ou se deva ignorar a importância dos
problemas, hoje tão discutidos, e que dizem respeito à justiça, à
libertação, ao desenvolvimento e à paz no mundo. Isso seria
esquecer a lição que nos vem do Evangelho, com relação ao amor
ao próximo que sofre e passa necessidade.”
Mas o papa diz, falando sobre a Igreja, que “ela reafirma a
primazia de sua vocação espiritual e recusa-se a substituir a
proclamação do Reino pela proclamação de formas de libertação
humana. Ela até declara que sua contribuição à libertação ficará
incompleta se deixar de proclamar a salvação em Jesus Cristo.”
Não haveria muitos fiéis na Igreja Católica que gostariam que ela
substuísse a proclamação do Reino de Deus pela proclamação de
qualquer forma de libertação humana. Muitos, entretanto,
gostariam de ver a manifestação do Reino de Deus sob formas de
libertação humana, como uma antevisão, como a vanguarda do
Reino. O próprio papa indica que Cristo realizou sua proclamação
através de inúmeros sinais que surpreenderam as multidões e que
o sinal mais importante foi a evangelização dos pobres. Assim,
palavras e atos, sinais e milagres, são todos componentes de

nossa proclamação, uma antecipação e vivência do Reino de
Deus.
O papa também reconhece a liberdade com a qual temos de
responder aos mais diversos contextos. Sua preocupação é
assegurar-se de que nosso envolvimento com a libertação não seja
concebido como substituto do anúncio da salvação em Cristo. É a
mesma preocupação expressa na carta da Igreja Ortodoxa Russa
ao Conselho Mundial de Igrejas, que insistia em que não devíamos
esquecer a natureza escatológica da salvação e a realidade da
vida eterna.
O lado positivo da Evangelii Nuntiandi é sua afirmação da
necessidade de referir o nome de Cristo - de apontar para ele, sua
vida, seu magistério, sua morte e ressurreição — em nossa
evangelização e o reconhecimento simultâneo de que missão e
evangelismo envolvem responsabilidade em todas as instâncias da
vida.
O diálogo sobre o evangelismo, tanto dentro da Igreja Católica
Romana quanto no movimento ecumênico, muito lucraria com uma
nova leitura de “A constituição da Igreja no mundo moderno” e do
trabalho dos teólogos da libertação, que tentam superar o dualismo
entre a salvação escatológica e a libertação histórica.
Será possível preservar essa dimensão da vida eterna, a
consumação escatológica de nossa salvação e ao mesmo tempo
ver a realização dessa salvação em nossa história quotidiana?
Nairóbi 1975 — em busca da convergência
Em Nairóbi, Quênia (1975), realizou-se a Quinta Assembléia
do Conselho Mundial de Igrejas, tendo como tema “Jesus Cristo
Liberta e Une”. Uma das seis seções concentrou-se no sub-tema
“Confessando Cristo hoje”. Essa Assembléia e essa seção em
particular tiveram o benefício da participação de pessoas que
haviam estado em Bangcoc e em Lausanne, bem como a de
assessores católicos. Nairóbi, portanto, foi a primeira reunião
ecumênica que tentou compatibilizar as diversas posições.
O Acordo de Lausanne sobre a Evangelização Mundial, a
encíclica do papa e “Confessando Cristo hoje” desejam, todos eles,
preservar um claro conteúdo doutrinário, o cerne da evangelização
e, ao mesmo tempo, estabelecer um sério compromisso com a
causa da justiça humana. Nairóbi, respondendo a essa
preocupação, disse: “O Evangelho sempre inclui o anúncio do Reino
e do amor de Deus através de Jesus Cristo, a oferta da Graça e do
perdão dos pecados, o convite ao arrependimento e à fé nele, o
chamado ao companheirismo na Igreja de Cristo, o mandamento
para dar testemunho das palavras e atos salvadores de Deus, a
responsabilidade de participar da luta pela justiça e dignidade
humana, a obrigação de denunciar tudo o que impede a integridade
humana e um compromisso de arriscar a própria vida”. 19
Bangcoc havia afirmado o valor das portas de entrada; porque
não podemos fazer tudo em todo lugar a todo momento, devemos,
através de uma obediência especial a um aspecto particular do
Evangelho, entrar na totalidade deste.
Nairóbi afirmou que o Evangelho sempre inclui “a participação
na luta pela justiça, a obrigação de denunciar tudo o que impede a
integridade humana”. Tendo aprendido com as reações críticas a
Bangcoc, Nairóbi utilizou certas salvaguardas para evitar malentendidos: “Lamentamos que alguns reduzam a libertação do
pecado e do mal a dimensões sociais e políticas, da mesma forma
como lamentamos que outros limitem a libertação às dimensões
particulares e eternas”. Mas os participantes estavam conscientes
de que milhões de pessoas não tiveram a chance de ouvir o
Evangelho e essa consciência levou-os a confessar o fracasso das
19

“Breaking Barriers: Nairobi 1975”, David M. Patoned, Genebra, CMI, 1976, p.
52. As citações que se seguem são também do mesmo livro.

Igrejas em serem fiéis à sua vocação de partilhar o Evangelho com
todas as criaturas.
Nairóbi foi uma assembléia amistosa. Numa atmosfera de
reconciliação, lembrou aos cristãos que se empenhar na missão e
na evangelização representava um custoso apostolado. “Há uma
estreita ligação entre confessar Cristo e converter-se ao seu
apostolado. Os que confessam Jesus Cristo negam-se a si
mesmos, o seu egoísmo e a sua escravidão aos “governos e
potências” perversas, tomam suas cruzes e o seguem. “ Em
seguida, a assembléia explicitou o custo do apostolado, o preço
que muitas pessoas pagam, no presente, por serem fiéis ao
Evangelho. Deplorou “as conversões baratas, sem conseqüências”
e uma “pregação superficial do Evangelho, um evangelho vazio
sem um chamado ao apostolado pessoal e comunitário”.

Melbourne 1980 — os pobres
A Comissão de Missão Mundial e Evangelismo do Conselho
Mundial convocou uma outra conferência, dessa vez em
Melbourne, Austrália (1980). O tema principal foi a prece de Jesus:
“Venha o teu Reino”.
A seleção do tema foi, por si só, um exercício espiritual, uma
tentativa de discernir a situação da humanidade hoje, à luz da
mensagem bíblica. Havia uma consciência profunda da gravidade
do sofrimento humano no mundo e a convicção de que não
existiam soluções humanas prontas. A melhor coisa, pareceu a
todos, seria concentrar-se na prece de Jesus. A crescente
polarização na política das grandes potências mundiais; a ameaça
de destruição nuclear; a crescente diferença entre ricos e pobres,
entre as nações e dentro de cada uma delas; a contínua
marginalização de milhões de pessoas — tudo isso influenciou a
escolha do tema.
Havia uma convicção geral, na conferência, de que não se
poderia falar ou pensar no Reino de Deus sem concentrar nossos
pensamentos e nossas orações na situação dos pobres da terra
hoje. Os estudos bíblicos reforçaram essa convicção. Levaram os
participantes a redescobrir a preocupação especial de Deus com
os pobres, os oprimidos e os marginalizados. O próprio ministério
de Jesus não poderia ser entendido fora de sua impotência e de
uma identificação com os setores mais pobres de sua sociedade.
Cristo foi morrer fora das portas da cidade, para mostrar aos que
nada eram aos olhos dos poderosos, que pertencia à periferia.
Essa consciência espiritual de Melbourne foi fortalecida por
análises sociais, econômicas e políticas que mostraram claramente
que a pobreza nada tem a ver com a vontade de Deus. A pobreza
não é uma questão de destino; é conseqüência da organização
das relações nacionais e internacionais. Está ligada às relações de
Estado, comércio, dominação, dependência, classe e à exploração
que prevalece no mundo das nações e dentro de cada nação. Os
cristãos são chamados a atacar essa questão do ponto de vista do
Reino de Deus. Desafiados pela própria identificação de Jesus
com os pobres, não mais podemos considerar nossa própria
relação com os pobres como uma questão ético-social; é uma
questão evangélica. Nosso amor ao próximo torna-se concreto em
nossas relações com os pobres. Para muitos de nós isso implica
no reconhecimento de nossa parcela na culpa coletiva — quer seja
de nosso país, quer de nossa classe social, que se beneficia da
situação existente.
Os pobres da Terra foram vistos como vítimas dos pecados
dos outros. Somos todos pecadores, ricos e pobres; essa é uma
dimensão do Evangelho. Mas Jesus olhava para as multidões com
compaixão, porque reconhecia nelas pessoas que eram vítimas
dos pecados dos outros. No Antigo Testamento encontram-se com
freqüência referências à pobreza ou aos pobres, que são também
declarações sobre a exploração e a opressão.

Essa concentração nos pobres resultou numa dinâmica
espiritual; a reunião chamou as Igrejas a se identificarem com os
pobres e a se tornarem Igrejas solidárias com os pobres. Houve
também o reconhecimento de que os pobres, como objetos do
amor de Deus, deveriam tornar-se sujeitos de sua própria história e
que a missão da Igreja deveria facilitar a organização dos pobres e
sua participação no Reino de Deus e na missão da Igreja.
Nos últimos vinte anos, tem-se dito inúmeras vezes que a
Igreja deveria ser “a voz dos que não têm voz”. Essa era uma
função necessária. Mas havia um elemento de paternalismo nesse
papel. O mais importante é ajudar os pobres a se organizarem, de
modo que façam ouvir sua própria voz. O chamado de Deus à
conversão é dirigido a pessoas que devem respondê-lo como
pessoas. É um chamado a desempenhar um papel de
protagonista. Levar isso a sério, na vida da Igreja, é sugerir que os
pobres se tornem os verdadeiros evangelizadores. Prevê um
movimento do Espírito de Deus nas massas de pobres do mundo,
que são capazes de evangelizar os próprios pobres. Através da
evangelização dos pobres, um chamado ao arrependimento, à
solidariedade e à vida nova chega a todas as pessoas e a todos os
setores da sociedade.
Jesus estabeleceu uma clara ligação entre a vinda do seu
Reino e a proclamação da Boa Nova aos pobres (Lc 4.18; 7.22).
As Igrejas não podem esquecer essa tarefa evangelística. Os
pobres do mundo, que formam a maioria da população, estão
esperando por esse testemunho do Evangelho, que será realmente
uma boa nova para eles.
Na Conferência de Melbourne, começamos a discutir algo que
é de vital importância para todos os que se preocupam com a
missão mundial da Igreja. Quando falamos a respeito dos pobres e
quando nossos amigos evangelicais falam dos “inatingidos”,
estamos com freqüência falando das mesmas pessoas, porque a
maioria dos pobres do mundo não são cristãos. Assim, nossa
abordagem do próximo não é tanto em termos de suas convicções
religiosas, mas sim em termos de sua condição humana total.
Dirigimo-nos a eles como pessoas que são vítimas da divisão de
poderes e divisão do trabalho no mundo e como pessoas por quem
Deus tem uma opção preferencial, e nos empenhamos com eles
numa ação que transformará isso numa realidade histórica. Se
acreditamos que Jesus traz a Boa Nova aos pobres, devemos
levar em consideração fielmente as conseqüências para a missão
da Igreja. Não será verdade que os pobres tenham “a visão mais
clara, a associação mais íntima com o Cristo crucificado que sofre
neles e com eles, e. . . que hoje em dia eles sejam a vanguarda da
missão da Igreja?” 20
Para todos nós, porém, pobres ou não, o chamado à
solidariedade com os pobres levanta a questão das estruturas que
criam a pobreza. Há uma responsabilidade cristã para transmitir o
amor sob forma de justiça. Se nos preocupamos com os pobres
apenas como vítimas da pobreza, e se evitamos procurar as
causas que estão na raiz dessa pobreza, traímos a nossa vocação.
Essa é, na verdade, a nova descoberta — a de que não podemos
limitar-nos à “proclamação direta do Evangelho”, a não ser que
consideremos com máxima seriedade a situação das pessoas a
quem ele é proclamado.
Nossos amigos evangelicais estão também impressionados
com o fato de que os inatingidos são os pobres. Passo a citar a
consulta sobre “A Igreja em resposta à necessidade humana”, à
qual já me referi anteriormente:
Quando refletimos sobre os quase três bilhões de
pessoas que ainda não ouviram falar do Cristo e do seu
Evangelho,
ficamos
impressionados
pela
terrível
constatação de que a maioria delas é constituída de pobres
e que muitas estão ficando ainda mais pobres. Milhões
dessas pessoas vivem situações em que sofrem exploração
e opressão e em quer sua dignidade como pessoas criadas
à imagem de Deus está sendo violentada de muitas

maneiras. Devemos comover-nos profundamente com a sua
infelicidade. Nosso Senhor Jesus Cristo nos redime da
perdição eterna e estabelece seu domínio sobre toda a
nossa vida. Não limitamos, pois, o nosso evangelho a uma
mensagem sobre a vida após a morte. Nossa missão é
muito mais ampla. Deus nos chamou para proclamar Cristo
aos perdidos e chegar até as pessoas em nome de Cristo,
com compaixão e preocupação com a justiça e a
eqüidade.21

A linguagem é diferente, mas a preocupação e a consciência
são as mesmas. Enfrentamos uma realidade humana que desafia
a totalidade do nosso compromisso cristão. É impossível dizer que
se pode limitar a um evangelho espiritual ou material, porque em
Jesus Cristo e na real experiência de nosso trabalho missionário o
evangelho material e o espiritual são um único: o Evangelho do
Deus encarnado em Jesus Cristo, chamando-nos a participar com
Deus naquela invasão de amor.

“Missão e Evangelização — Uma Afirmação Ecumênica”

A Afirmação Ecumênica sobre Missão e Evangelização,
publicada pelo Conselho Mundial de Igrejas é resultado de um
longo processo de consulta com Igrejas Membros, organizações
especializadas e teólogos de diversas confissões. A Afirmação
começa com uma visão escatológica de um novo céu e uma nova
terra — como a inspiração por trás de toda atividade cristã na
história. Passa, em seguida, ao reconhecimento da enormidade do
pecado humano. Esses dois aspectos, reunidos, formam o quadro
que permite entender a urgência da missão da Igreja — chamar as
pessoas e as nações ao arrependimento, anunciar o perdão dos
21
22

20

”Venha o teu reino: perspectivas de missão”, Genebra, CMI, 1980, p. 219

22

Carta de Wheaton às Igrejas, p. 15
Esse documento foi publicado como 4.° volume na Série Missão, CMI, 1983
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A missão da Igreja na diversidade de situações

  • 1. COLEÇÃO PROTESTANTISMO E LIBERTAÇÃO SERVOS LIVRES Missão e unidade na perspectiva do Reino Emílio Castro 1986 CEDI Centro Ecumênico de Documentação e Informação Programa de Assessoria à Pastoral Protestante & Edições Liberdade (Imprensa Metodista) SUMÁRIO PREFÁCIO A SITUAÇÃO América Latina - o peso da história Ásia — opções variadas África — a busca da autenticidade As Igrejas mais antigas Novas teologias: departamentos diferentes O Reino e sua liberdade O DEBATE Bangcoc, 1973 O ataque a Bangcoc Valores ameaçados O debate evangélico A posição católica Nairóbi, 1975— em busca da convergência Melbourne, 1980—os pobres “Missão e Evangelização—Uma Afirmação Ecumênica” O local e o universal na missão Unidade e integridade na missão O REINO NA BIBLIA O Reino no ensino de Jesus O Reino no Antigo Testamento O Reino no Novo Testamento A missão do Reino A Igreja e o Reino
  • 2. O TEMA DO REINO COMO PREOCUPAÇÃO TEOLÓGICA A base trinitária Missão extraordinária e regular? Conversão ao Rei, pessoal e coletiva O prêmio do Reino Oferecendo o “agora” da história “Venha o teu Reino” LIBERDADE NA MISSÃO DO REINO A invasão do amor na história Liberdade no ministério do amor O testemunho da Igreja sobre o Reino A liberdade da Igreja em sua missão A liberdade de obediência Os riscos da liberdade Missão e liberdade Prefácio Qual é a missão da Igreja? Que objetivo deve ter? Que espécie de programas e prioridades deve a Igreja adotar para perseguir esse objetivo? Essas perguntas não são novas. Na verdade, são tão antigas quanto a própria Igreja. Mas têm sido formuladas com mais propriedade do que nunca nas últimas décadas, e também respondidas com maior diversidade e às vezes de forma mais veemente. As respostas têm variado do crescimento da Igreja e da evangelização do mundo em nossa época até a presença cristã e a humanização. O debate sobre a missão tem prosseguido dentro das Igrejas e entre elas. Tem continuado a nível local e nacional, bem como em âmbito regional e internacional. Esse debate tem provocado controvérsias infelizes e divisões tristes. Estou convencido de que a missão da Igreja é a missão do Reino de Deus. Dentro da perspectiva do Reino, acredito que somos enviados em liberdade para sermos os sinais do Reino, testemunhando a sua presença em nosso meio e esperando a sua vinda no futuro. Essa é uma ampla perspectiva e dentro dela temos inúmeras possibilidades de servir ao Reino e ao Rei Servo que o governa, participando da sua proclamação e manifestando-o nas diversas situações em que nos encontramos. Essas situações são realmente diversas, como procuro demonstrar no primeiro capítulo deste livro. As Igrejas se defrontam com opções variadas, quando tomam suas decisões no campo missionário e as opções variam de lugar para lugar e de situação para situação. Mas essas opções diversas não levam
  • 3. necessariamente ao conflito ou à competição. Elas refletem a riqueza do Reino e esse reconhecimento pode resultar numa unidade da missão. Estou consciente do fato de que “Reino” não é uma palavra abrangente. Em um livro intitulado “Anunciando o Reino de Deus a Evangelização e a Memória Subversiva de Jesus”, Mortimer Árias deu a seguinte explicação para o emprego que faz do termo “Reino de Deus” e eu concordo inteiramente com ele: ”O termo Reino é uma expressão infeliz no mundo de hoje: é seriamente questionado por muitos em virtude de sua conotação política com a monarquia e de suas associações com a linguagem e as estruturas patriarcais. É uma expressão que sensibiliza particularmente os que estão questionando as implicações da linguagem sexista e tentando traduzir as escrituras de uma forma que expresse sua fé numa linguagem não-sexista. Sugeriu-se a expressão Reinado de Deus como uma alternativa melhor e ela já está sendo empregada. Em minha língua materna — o espanhol — usamos a palavra reino que abrange os significados de reino, reinado e domínio. Como falo outra língua, não tenho a pretensão de entender todas as nuances da língua inglesa, nem tentaria resolver uma questão tão delicada. Gostaria, entretanto, de manifestar essa preocupação e de expressar minha solidariedade com os que se sentem discriminados ou oprimidos pela língua. Aceito o fato, porém, de que Reino de Deus se tenha tornado um termo técnico em teologia e na linguagem religiosa, e um símbolo tão intimamente ligado à mensagem de Jesus, que não podemos evitá-lo. Espero que nosso estudo do significado que Jesus deu a esse termo especial nos mostre precisamente que o Reino de Deus põe sob julgamento não só as velhas monarquias e os valores patriarcais, mas também qualquer sistema que negue a liberdade e a dignidade conferidas por Deus a todo ser humano. “ Este livro tem como base o primeiro capítulo da dissertação que escrevi, como parte dos requisitos para doutoramento pela Universidade de Lausanne. O título da dissertação era “Liberdade na Missão: a Perspectiva do Reino de Deus”*. Minha tese era exatamente a de que a missão, entendida pela perspectiva do Reino de Deus, permite — e até mesmo requer — total liberdade para servir a esse Reino, participar de sua proclamação e de sua manifestação. Sugeri que um reconhecimento dessa liberdade cristã poderia gerar, nas Igrejas, recursos de imaginação e energia insuspeitadas; poderia também poupar-nos de discussões frustrantes a respeito de questões de importância secundária e propiciar unidade às mais diversas formas de vocações missionárias da Igreja a serviço de Jesus, o Rei Servo. A fim de adequar o manuscrito original a esta publicação foi preciso abreviar o texto, omitir citações e eliminar boa parte das notas de rodapé. Minhas idéias e convicções, devo-as a muitos amigos, e o livro, tal como se apresenta agora, não o reconhece devidamente. Quero, pois, aproveitar esta oportunidade para expressar minha profunda gratidão a muitos colegas e amigos cujas idéias utilizei e cujas posições, mesmo quando diferentes das minhas, ajudaram-me em minha jornada de fé. Sou especialmente grato à minha esposa Gladys, cuja solidariedade e apoio irrestrito significaram tanto para mim, durante a realização deste projeto. Emílio Castro Montpellier, França - Outubro de 1984 ______________________________________________________ * A dissertação foi publicada na íntegra e pode ser obtida na Editora do Conselho Mundial de Igrejas.
  • 4. A Situação Durante anos um missionário americano pregou o Evangelho a uma comunidade de religião animista num país da África Ocidental. Trata-se de um cristão comprometido com uma orientação evangelística. No momento, encontra-se de volta aos Estados Unidos. Diz ele que sua missão atual é ajudar, na medida do possível, as famílias cujo fornecimento de gás é cortado no meio do inverno, porque não têm dinheiro para pagar as contas. Toda assembléia do Conselho Mundial de Igrejas geralmente abrange os assuntos mais diversos: da genética aos problemas do Afeganistão; do poderio atômico à vida monástica; da liturgia à condenação do racismo. Não admira que algumas pessoas tenham comentado com ironia: “Eles parecem as Nações Unidas fazendo orações!” Como é que os cristãos e as Igrejas descobrem e definem e definem sua obediência ao exercício missionário? Existe, por acaso, uma série de leis canônicas ou um livro de disciplina que prescreva nossas tarefas e responsabilidades missionárias? Qual é a vocação específica dos cristãos e das Igrejas? O que torna uma igreja diferente de outras comunidades humanas engajadas no serviço da humanidade? Estas são questões de vital importância para as Igrejas em todo lugar. São questões de vida e morte para os cristãos em muitas partes do mundo. As igrejas e os cristãos remetem sua vocação missionária ao mandamento de Jesus, que disse: “Fazei discípulos em todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado” (Mt 28.18-20). Há, porém, grandes divergências na avaliação do que se deve entender por missão em determinados lugares e épocas. Há até mesmo críticos que questionam a própria relevância da missão no mundo, especialmente a possibilidade de sua implementação através de missões transculturais. Essas diferenças e reservas são basicamente expressões da diversidade de opções e prioridades missionárias. Mas são geralmente consideradas como opções conflitantes e abordagens irreconciliáveis. Não será possível, entretanto, que elas sejam complementares e não contraditórias? São complementares no sentido de que cada uma de nossas prioridades poderia, ou deveria, tornar-se uma porta de acesso à missão total do amor de Deus. Nossa afirmação de liberdade na missão refere-se especificamente às ilimitadas possibilidades que têm as Igrejas e os cristãos de se unirem na luta pelo Reino de Deus. Examinemos algumas das situações do mundo de hoje, em que as Igrejas tentam definir sua missão, enquanto enfrentam circunstâncias diversas e respondem a diferentes desafios. AMÉRICA LATINA — O PESO DA HISTÓRIA A América Latina é chamada de continente cristão. Temos quase cinco séculos de presença cristã e de evangelização. O padre veio com os soldados, a Igreja com os conquistadores. Uma estranha mistura de cruz e espada realizou a cristianização da América Latina. É talvez o melhor exemplo de conversão total de um continente à fé cristã. Estatisticamente, mais de noventa por cento da população da América Latina se considerariam cristãos, sendo a maioria católica romana. Assim sendo, se nossos critérios básicos fossem a implantação da Igreja, o seu crescimento e o batismo de todo o povo, poderíamos realmente ficar muito satisfeitos com a situação da América Latina.
  • 5. Esses séculos, porém, também foram de dominação e exploração, e de opressão das populações nativas, negras e pobres da América Latina. Poderemos nessas circunstâncias, sentir-nos satisfeitos porque quase todo mundo é cristão? Que parâmetro do Reino usamos para medir a situação da América Latina? Hoje em dia temos perfeita consciência dessa situação ambígua e pecaminosa. Através de dados fornecidos pelas ciências sociais sobre as relações de poder na sociedade latinoamericana, compreendemos agora como a economia trabalha contra os pobres. Não mais podemos alegar ignorância; sabemos como o povo é oprimido, como as forças políticas e econômicas se juntam contra ele. Não conhecemos os fatos apenas. Também vemos o despertar do povo. Conscientizados, os pobres esperam que as Igrejas tomem uma posição definida. Os pobres estão descobrindo que a sua desgraça não é uma questão de destino ou de providência divina. Não é a vontade de Deus. É conseqüência das relações de poder e das estruturas dominantes na sociedade, por isso os pobres estão se organizando para desafiar essas estruturas. Essas mesmas pessoas, que tomam consciência de sua injusta situação, são membros de igrejas e participantes fiéis da vida das congregações. As pessoas na América Latina são pobres e são crentes! Como responderão as Igrejas a uma fé que se recusa a aceitar a pobreza como sendo ordenada por Deus? As Igrejas na América Latina sofreram uma grande renovação bíblica. Desde o Concílio Vaticano II a atitude geral da Igreja Católica Romana com relação à Bíblia mudou radicalmente. Hoje em dia, em quase todos os países da América Latina, a Igreja Católica colabora com a Sociedade Bíblica Unida na publicação e distribuição da Bíblia. Milhares de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) reúnem-se para ler a Bíblia, orar e discutir questões práticas: Como podemos trabalhar pela justiça de Deus? perguntam os situação? participantes. Como podemos mudar nossa A teologia da libertação desenvolveu-se e promoveu uma leitura histórica da Bíblia, que procura resgatar o contexto sóciopolítico e econômico, no qual a Bíblia foi escrita, e tenta interpretar a mensagem bíblica com relação às realidades sociais, políticas, culturais e econômicas de nossos dias. O conhecimento que adquirimos de nosso passado e de nosso presente, a crescente consciência histórica dos pobres, a renovação bíblica — tudo isso colocou de forma dramática a seguinte questão para as Igrejas da América Latina: Qual é a nossa vocação cristã? Qual é a nossa identidade cristã? Se o Reino de Deus tem a ver com a vontade de Deus em todos os domínios da vida, questões profundas se colocam inevitavelmente para as Igrejas Cristãs. E a resposta foi ouvida em todo o Continente: Nós somos a Igreja do Cristo humilde e destituído de poder, que fez seu o destino dos pobres e dos pequenos. Unicamente a afirmação da “opção preferencial de Deus pelos pobres” e um programa desenvolvido à luz dessa afirmação pode fazer justiça à nossa atual vocação missionária. Em 1968, em Medellin, na Colômbia e em 1979 em Puebla, no México, a Conferência dos Bispos da Igreja Católica reafirmou essa solidariedade com os pobres. Os pronunciamentos em ambas as reuniões foram precedidos e seguidos de grandes controvérsias. Confrontaram-se conservadores e progressistas. As diferenças ideológicas estiveram sempre presentes. Mas uma ênfase emergiu com nitidez. Dentro da Igreja Católica há uma mudança radical de prioridades e do que é considerado importante na atividade pastoral. Agora a Igreja está no meio do turbilhão produzido na vida social, política e econômica dessas nações, através dessa mudança radical. A aliança com a espada cedeu
  • 6. lugar à solidariedade com os oprimidos e à confrontação com os poderosos. Esse é o quadro dos quatro ou cinco séculos da presença católica na América Latina. Os protestantes chegaram à América Latina na segunda metade do século XIX. Vieram, em sua maioria, a convite de homens de mentalidade mais liberal, maçons, que estavam interessados em combater o controle cultural e político da Igreja Católica. Os protestantes poderiam dizer: “Rejeitamos o cristianismo tradicional que predomina na América Latina e representamos uma perspectiva mais liberal e progressista.” Devemos, entretanto, considerar essas declarações com certo ceticismo, pois o protestantismo trouxe o seu próprio neocolonialismo. A expansão das Igrejas Protestantes norteamericanas no exterior acompanhou de forma suspeita a expansão colonial e comercial dos Estados Unidos. Dessa forma, embora seja verdade que, pelo simples fato de sermos pouco numerosos, não podemos, como protestantes, ser acusados da mesma cumplicidade que a Igreja Católica teve com a classe dominante na América Latina, não podemos, por outro lado, pretender ingenuamente ser inocentes da cumplicidade de fato com as forças reais de dominação na vida de nossos países. As missões protestantes também abrangem novas seitas e grupos, especialmente na América Central, que proclamam um evangelho que defende os “valores da civilização ocidental”. Em nome da luta contra o comunismo, elas trabalham ativamente contra todas as forças que pretendem efetuar mudanças na sociedade latino-americana. As Igrejas Protestantes, entretanto, têm sofrido o mesmo processo de conversão que a Igreja Católica. Também elas se conscientizaram da situação dos pobres e das forças sócio- políticas por trás da pobreza. Essa consciência veio a expressar-se institucionalmente na conferência do Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI) em Huampani, no Peru (1981), que representa mais de cem Igrejas protestantes. O CLAI assumiu uma posição clara e convocou as Igrejas a se envolverem na luta para vencer todas as formas de dependência e opressão. “Onde quer que um único ser humano seja impedido de viver humanamente, aí existirá uma situação de pecado. O amor e a justiça devem manifestar-se em todos os aspectos da vida.” Através de uma “Pastoral da Consolação”, o CLAI tem tornado as Igrejas cada vez mais conscientes das repetidas violações dos direitos humanos e da situação aflitiva das pessoas deslocadas e dos refugiados políticos. Para as Igrejas Protestantes na América Latina, o evangelismo compreendido como crescimento da Igreja tem sido uma prioridade inegociável. Agora essas Igrejas são obrigadas a ver essa prioridade contra o pano de fundo de uma nova compreensão do passado histórico e da realidade humana total. Nosso desafio ecumênico hoje em dia, quer sejamos católicos ou protestantes, é enfrentar a seguinte questão: Qual é a obediência missionária que corresponde ao nosso passado histórico, faz justiça à nossa conscientização atual e satisfaz as exigências do Reino, quando lemos a Bíblia hoje? Na presente era ecumênica, enfrentamos juntos a questão do futuro. Gostaria de ilustrar esse ponto com algumas situações concretas. O papa João Paulo II visitou a Nicarágua em 1983. Passou oito ou nove horas no país. Celebrou uma missa, em que a mensagem focalizava a autoridade da Igreja. O papa queria que o povo na Nicarágua, especialmente o clero nicaragüense, reconhecesse a autoridade central dos bispos.
  • 7. Achou ele que a unidade da Igreja estava ameaçada pela participação de sacerdotes no governo sandinista! Um episódio, em particular, durante a visita, ilustrou de forma dramática a situação. Na chegada do papa, o padre Ernesto Cardenal, Ministro da Cultura, ajoelhou-se diante do Pontífice, que o recriminou, dizendo: “Você deve pôr em ordem a sua relação com a Igreja.” Na opinião do papa, a opção de trabalhar a nível político, no atual momento da história do país, era a opção errada para um padre. Naturalmente, isso poderia ser interpretado como uma simples diferença de opinião política ou ideológica. O papa e seus assessores não estão convencidos de que o governo sandinista possa realizar o que prometeu; os padres pensam o contrário. É uma questão de julgamento político. Mas esse não é o ponto central da discussão, ela diz respeito ao que é a vocação ou a prioridade fundamental da Igreja. Quais são os argumentos que justificam o fato de os padres irem além da observância tradicional das funções sacerdotais em paróquias locais e assumirem responsabilidades no governo de um país? O papa parece estar dizendo: “O Reino de Deus deve manifestar-se através do trabalho na paróquia.” Os padres respondem: “O Reino de Deus deve também manifestar-se através da construção de uma nova organização social em nosso país.” para evangelizar um país com quatrocentos ou quinhentos anos de cristianismo! Enquanto muitos novos missionários chegavam à Guatemala e muitas campanhas evangélicas se desenvolviam, o genocídio dos índios nas montanhas prosseguia e os que clamavam por justiça continuavam a ser eliminados. Para alguns cristãos, o Reino de Deus na Guatemala exigia o desafio dos poderosos, esses cristãos optaram por sofrer com os pequenos, mesmo com risco da própria vida. Para outros, a prioridade era “salvar” tantas almas quantas fosse possível. Por trás desse dilema, está a mesma questão de sempre: “Qual é o objetivo da missão cristã? Estamos empenhados em salvar indivíduos que receberão um passaporte para a bem-aventurança no céu ou somos chamados a anunciar o domínio de Deus, clamando por justiça em defesa dos “pequenos”? Estamos empenhados em “converter” indivíduos ou somos chamados, como cristãos, a servir à causa do Reino de Deus, que envolve a transformação de toda a realidade”? Ou será que estamos formulando as perguntas erradas? Precisamos aceitar isso ou aquilo? Qual é a interação entre uma experiência religiosa e a participação cristã na luta global da humanidade? ÁSIA — OPÇÕES VARIADAS Tomemos um dilema semelhante, mas num contexto protestante. Em 1981, deu-se um golpe militar na Guatemala e um novo general, Efraim Ríos Montt, subiu ao poder. Montt anunciou que era um cristão “nascido de novo”, pertencente a uma pequena igreja da Califórnia, chamada Verbo. Apoiou um grande número de atividades protestantes no país. Vários grupos, nos Estados Unidos, propuseram aos jovens o desafio de uma vocação missionária; seu objetivo era enviar mil missionários americanos à Guatemala, para aproveitar essa oportunidade oferecida por Deus Crescimento da Igreja e justiça social Na Coréia do Sul, um país de tradição budista, o cristianismo está crescendo muito depressa. Atualmente, cerca de 22 ou 23 por cento da população professam a fé cristã. O aumento do cristianismo na Coréia é um fenômeno recente e a taxa de crescimento não dá sinais de diminuir. Mas a preocupação
  • 8. fundamental das Igrejas ali não é a evangelização. Esta simplesmente acontece! O governo militar está interessado em promover e apoiar o trabalho da Igreja, na medida em que dá às massas uma sensação de realização, de sucesso e de felicidade. Pelo fato de pertencerem a movimentos de Igreja bem-sucedidos, as pessoas poderiam alienar-se dos problemas de uma sociedade que está crescendo economicamente depressa demais, seguindo linhas neocapitalistas. Os cristãos se defrontam com a seguinte questão: Devemos ficar satisfeitos com esse ritmo de crescimento, tornando-o nosso único objetivo ou devemos também enfrentar a situação dos humildes, dos pobres, que são vítimas de salários mínimos e longos horários de trabalho, e são sacrificados para promover o desenvolvimento econômico da sociedade? Por um lado, há histórias de êxitos no crescimento da Igreja e, por outro, histórias de pessoas ligadas à missão industrial urbana, que estão pagando o preço por organizar a luta dos pobres pelos seus direitos. Mas o crescimento da Igreja e as preocupações com a justiça social não se contradizem. Vários dos que são presos são pastores de congregações cada vez maiores! O crescimento da Igreja é um instrumento social de grande utilidade; torna as igrejas ainda mais úteis, na medida em que vivem a solidariedade com os pobres. Não podemos dizer não à evangelização e ao crescimento da Igreja, porque todos têm o direito a um conhecimento pessoal de Jesus Cristo. Quem sou eu para decidir quem deve ser convertido ou não? Teologicamente, não há contradição nenhuma. Mas aqui existe uma situação em que nos defrontamos com a tentação de nos contentarmos com o fato do rápido crescimento da Igreja e ignorarmos questões como, por exemplo, onde o Reino de Deus está sofrendo violência. Para as Igrejas na Coréia o desafio é pôr todos os dons da Igreja, inclusive o seu crescimento, a serviço dos pobres. É ver o crescimento das Igrejas não como um processo que afasta as pessoas dos reais dilemas da sociedade, mas como um convite para participar do esforço total para moldar a sociedade mais de acordo com a vontade de Deus e o padrão do Reino de Deus. Conversão ou renovação? Com a única exceção das Filipinas, o cristianismo é , na Ásia, uma religião de minorias e convive com sistemas religiosos altamente desenvolvidos. Poder-se-ia dizer que de um ponto de vista puramente numérico, a missão cristã na Ásia tem sido um fracasso. Mas, por mais importantes que os números possam ser, eles não contam a história toda. Os valores do Reino têm sido partilhados e o Evangelho tem tido o seu impacto sobre as culturas asiáticas. Devemos, entretanto, enfrentar a realidade da história missionária. Não podemos ignorar o renascimento generalizado de antigas religiões. Tampouco podemos ignorar a necessidade de trabalhar por uma possibilidade de vida decente para as grandes massas de pobres nos países asiáticos. Não admira que os cristãos e as Igrejas estejam levantando questões cruciais e repensando a natureza e o futuro da atividade missionária. C.S. Song, um teólogo de Formosa, escreve sobre o chamamento dos cristãos e das Igrejas para participarem na renovação e na reanimação das culturas asiáticas. Eles não devem ser embaixadores das culturas ocidentais. São chamados a partilhar o Evangelho dentro das culturas asiáticas, a participar integralmente na renovação da vida cultural das nações asiáticas — até mesmo na renovação e reanimação das religiões asiáticas 1. 1 “Christian Mission in Reconstruction”, Nova Iorque, Orbis, 1977
  • 9. Os teólogos da Índia têm trabalhado com realidades semelhantes. Devemos batizar as pessoas nas comunidades cristãs? Com freqüência, o batismo simboliza romper os laços com a família e a comunidade; assim sendo, devem os “convertidos” ser instados a permanecer em suas famílias e comunidades e tentar descobrir o significado do Cristo dentro dos valores culturais e religiosos da nação? Há alguma chance de que um casamento semelhante ao que houve entre o Evangelho e a cultura helenística possa acontecer entre a cultura da Índia, moldada pela religião, e o Evangelho cristão? M.M. Thomas dessa forma fala a respeito de um sincretismo centrado no Cristo! 2 ela: Tissa Balasuriya, teólogo católico do Sri Lanka, assim expressa essa busca apaixonada por uma autenticidade cristã asiática: “Como asiático, não posso aceitar como divino e verdadeiro qualquer ensinamento que parta do pressuposto de que todos os meus antepassados — por incontáveis gerações — sejam condenados por Deus, a não ser que tenham sido batizados ou tenham tido alguma ligação com uma Igreja cristã. A teologia deve respeitar, com honestidade, esses milhões e milhões de ancestrais meus, assim como os seres humanos ainda por nascer, para que eu possa aceitá-la como uma interpretação verdadeira da revelação de um Deus de amor, que é Pai de todos.” E acrescenta: ”Temos que repensar basicamente a nossa ‘mentalidade de conversão’. Temos que nos livrar de uma mentalidade competitiva com relação a outras religiões; a desconfiança deve ceder lugar à simpatia e ao desejo de entendimento” 3. Para os cristãos que não vivam na Ásia, tudo isso pode parecer uma linguagem perigosa. Precisamos ouvir, porém, o que dizem os cristãos que estão em contato diário com pessoas de outras confissões religiosas. Eles nos convidam a travar um diálogo necessário com pessoas de outros credos e não supor que uma visão ocidental agressiva da atividade missionária da Igreja seja o único ponto de vista fiel ao Evangelho. Precisamos levantar com essas pessoas certas questões fundamentais. Por exemplo: quais são os valores do Reino que se promovem quando se chamam as comunidades da Ásia a participar da renovação da sociedade? Quais são os critérios bíblicos fundamentais para que se faça uma opção nesse caso? Poderíamos ter maneiras diversas de expressar nossa obediência cristã, mas precisamos ter a capacidade de justificá-las, uns para os outros, em termos de uma convicção cristã comum, expressa de forma a que possamos inspirar-nos e corrigir-nos mutuamente. Em janeiro de 1979, realizou-se em Sri Lanka a Conferência Teológica Asiática sobre o tema “A luta da Ásia por uma humanidade plena: por uma teologia relevante”. Nessa reunião emergiram conflitos e tensões, quando as novas e antigas perspectivas se confrontaram. Com grande dificuldade, a Conferência chegou a um acordo sobre uma declaração final. Dizia 2 3 “Breaking Barriers”, ed. David. M. Paton, Genebra, CMI, 1976, p. 236 ”Liberation of Theology in Asia”, Mary Knoll, N.Y., Orbis. 1980, pp. 19-20. “Para ser autenticamente asiática, a teologia deve estar inserida em nosso contexto histórico-cultural e desenvolverse a partir dele. Uma teologia que emergisse da luta do povo pela sua libertação se formularia espontaneamente na linguagem religioso-cultural do povo”. “Em muitas partes da Ásia, temos que integrar à nossa teologia a visão e os valores das principais religiões, mas a integração deve realizar-se ao nível da ação e do engajamento na luta do povo”.4 África — a busca da autenticidade Qual é a prioridade missionária cristã na África atualmente? Passo a citar o Bispo anglicano Desmond Tutu, Secretário Geral do 4 lbid. p. 157
  • 10. Conselho de Igrejas da África do Sul. Escrevendo sobre ás igrejas cristãs e a teologia cristã na África, diz ele: “A teologia africana não conseguiu produzir um instrumento suficientemente cortante. Ela parece defender o distanciamento da agitação da vida quotidiana, porque muito pouco foi oferecido que tenha relação, por exemplo, com a teologia do poder em face da epidemia de golpes e regimes militares, com o aumento da pobreza, da doença e de outras questões atuais igualmente urgentes. Creio que é aí que a contundente teologia negra dos Estados Unidos tem algumas lições a ensinar à teologia africana. Ela pode ajudar a chamar a teologia africana de volta à sua vocação de se preocupar com os pobres e oprimidos, com as necessidades das pessoas se libertarem de todas as espécies de servidão para conseguirem uma autêntica individualidade, constantemente minada pela religiosidade patológica e pela autoridade política, que reduziu muito a liberdade pessoal sem grande oposição da igreja.” 5 Examinemos a sua lista de prioridades das opções missionárias para a Igreja: a consideração da questão do poder sob uma perspectiva cristã, em face de todos os golpes militares que ocorrem na África; uma clara posição sobre a pobreza e a doença; a libertação de todas as espécies de servidão. Desmond Tutu é bispo da Igreja Anglicana. Naturalmente está interessado em todos os aspectos da vida da Igreja, mas afirma que na situação da África do Sul, em particular, ou da África em geral, não se pode levar a vida como se nada estivesse acontecendo. Os cristãos não em ficar à margem: são obrigados a enfrentar todas as fronteiras missionárias nas quais a presença e o testemunho cristãos se fazem necessários. Muitos cristãos na África acompanham o Bispo Tutu em sua 5 Citação em “African Theology in Route”, Mary KnoII, N.Y., Orbis, 1979, p. 182 apaixonada defesa da participação cristã nas lutas pela libertação. Nesse aspecto, estão unidos aos cristãos de todas as regiões do mundo, que compreendem a natureza histórica do Evangelho cristão e o desafio ao propósito amoroso de Deus, representado pelas injustiças existentes. As Igrejas e teólogos africanos, entretanto, realmente enfrentam problemas específicos e estão levantando questões teológicas concretas. Fundamentalmente, estão tentando resgatar uma identidade africana, um sentido de autenticidade em suas respostas ao Evangelho. E o fazem mediante a confirmação dos valores da cultura e das religiões da África, não apenas como um meio de facilitar a penetração do Evangelho, mas para contribuir para a completa riqueza espiritual da Igreja Cristã. Diz M. Oduyoye: “Devemos observar que assim como a vida “tradicional” era permeada pela religião em todos os seus aspectos, assim qualquer apelo que façamos aos valores e práticas tradicionais é, em última análise, religioso. Devemos também lembrar-nos de que o elemento básico na religião não consiste em práticas em lugares de culto nem em pessoas, mas nas crenças que se manifestam através delas. Desse modo, quando a modernização modifica as cerimônias e outras práticas litúrgicas, os seres humanos continuam a depender das crenças como de uma rocha sobre a qual constroem. Assim, por exemplo, a crença nos mortos-vivos, na existência de espíritos, na magia e na feitiçaria fazem parte do reconhecimento dos africanos de que a vida não é só matéria. Essas crenças expressam a sua ânsia de uma vida depois da morte. Como crêem que o Ser Supremo é a Fonte da Vida, a busca pela força da vida é, em si mesma, uma tentativa de estabelecer uma relação mais íntima e pessoal com esse ser.” Para contribuir com mais eficiência para o desenvolvimento religioso do povo, os teólogos cristãos africanos têm o dever de fazer teologia a partir desse contexto e incorporar a linguagem
  • 11. africana autêntica à teologia cristã. A utilização das crenças religiosas africanas pela teologia cristã não é uma tentativa de ajudar o cristianismo a capturar e domesticar o espírito africano e sim de assegurar que o espírito africano revolucione o cristianismo em benefício de todos os que a ele aderem. 6 Os teólogos africanos também exploram as muitas ligações existentes entre a história bíblica e a África. O Professor Kroesi A. Dickson estende-se sobre a continuidade entre o Antigo Testamento, e a vida e o pensamento africano.7 Em toda a África os pregadores referem-se à história do Ëxodo, à Rainha de Sabá e ao Rei Salomão, e muito especialmente ao refúgio proporcionado pelo Egito ao Menino Jesus e seus pais. As Igrejas independentes da África enfatizam essa ligação como uma afirmação de sua participação na tradição bíblica sem qualquer intermediação ocidental. Talvez a mais importante ilustração dessa busca de raízes e identidade seja fornecida pela “Confissão de Alexandria”, emitida pelo Comitê Geral da Conferência Pan-Africana de Igrejas (AACC), no Cairo, em 1976: autênticos, fiéis e relevantes para os homens e mulheres na África de hoje. 8 Devemos também lembrar-nos de que o debate missiológico sobre a moratória*, desenvolveu-se na África, a princípio através do Dr. John Gatu, do Quênia, e mais tarde, na Assembléia da Conferência Pan-Africana. “A idéia da moratória permitiu aos africanos perguntar se foi desígnio de Deus fazer de seu continente um campo de missão para europeus e povos de ascendência européia. A moratória fecha a porta a idéias testadas em outros lugares e abre caminho para a auto-revelação de Deus aos povos de cada nação, raça ou tribo e ao desenvolvimento de programas adequados às reais necessidades do povo.” Os medos e ansiedades provocados pelo debate sobre a moratória não devem ofuscar a nossa visão da intenção principal da proposta, que é abrir um espaço, uma área de liberdade para as Igrejas africanas, onde elas possam descobrir sua própria identidade. As Igrejas mais antigas Tornamo-nos conscientes do fato de que somos herdeiros de uma rica tradição. Nossa presente preocupação com questões relacionadas com a justiça econômica, a total libertação de homens e mulheres de todas as formas de opressão e exploração, e a paz na África, bem como nossa busca atual de respostas autênticas ao Cristo como Senhor de nossa vida total levou-nos a uma compreensão mais profunda da herança que nos foi deixada pelos Pais da primeira Igreja no Norte da África... É essa herança que nos leva a confessar que é o mesmo Cristo encarnado que nos está chamando para responder-lhe em termos que são 6 7 ibid. p. 116 Ibid. pp. 95— 107 Os exemplos que demos da África, Ásia e América Latina ilustram a diversidade dos dilemas missionários com que se 8 Nairóbi, AACC, 1981 * No início dos anos 70, na África, devido ao trauma das relações colonialistas que estavam sendo rompidas com a independência é que primeiro se falou de Moratória Missionária. John Gatu (secretário geral da Igreja Presbiteriana da África Oriental e também presidente da Conferência Africana de Igrejas) pediu que todos os missionários estrangeiros se retirassem do Continente. Sentia-se que a presença deles tão comprometida com os governos colonialistas estava impedindo que as Igrejas descobrissem sua identidade. A retirada seria por um período determinado. Entretanto a Moratória já tinha sido sugerida na Conferência sobre Missões (Edinburgo, 1910) quando se começava a ter consciência dos problemas criados pelo paternalismo sobre a busca de identidade por parte das Igrejas Jovens (Nota dos Editores).
  • 12. defrontam as Igrejas no presente. Mas como esses exemplos dizem respeito à experiência das chamadas “Igrejas mais Jovens” e às áreas que as Igrejas na Europa e nos Estados Unidos consideram como “campo de missão”, é bem possível que sejamos mal compreendidos. Consideramos ponto pacífico a missão nos seis continentes. Afirmamos que a própria existência da Igreja tem a ver com missão e que em toda a parte as Igrejas são enviadas para proclamar a salvação de Deus a todos os povos e a todas as instâncias da vida. Igrejas muito antigas também se defrontam com antigos e novos problemas. A afirmação da liberdade como o problema missiológico fundamental e a visão do Reino como estrutura e objetivo da missão cristã devem permitir a essas Igrejas novas possibilidades de afirmar sua vocação e fidelidade. Tomemos, por exemplo, as Igrejas Ortodoxas na África do Norte ou no Oriente Médio, cercadas por poderosas comunidades islâmicas, que controlam o poder das nações em que estão situadas - como o Irã, a Síria, o Iraque, o Líbano e o Egito. Há mais de mil anos não lhes é permitido desenvolver qualquer trabalho evangélico. A conversão ao cristianismo é legalmente proibida e qualquer tentativa para converter pessoas é desestimulada e até punida. Essas Igrejas podem apenas passar a fé de pais a filhos, geração após geração. Dessa forma, desenvolveram uma compreensão da missão cristã que não é geográfica nem se exprime pela expansão da Igreja, mas é cronológica e sacramental. Pode-se considerar a preservação da Igreja para as gerações futuras e a oração intercessória sacerdotal em favor de toda a comunidade como “missão” segundo o modelo de Abraão? Será essa concentração na vocação cronológica e sacerdotal uma traição do mandamento missionário do Evangelho ou a sua expressão fiel e relevante em circunstâncias peculiares? Hoje em dia, essas Igrejas enfrentam uma nova situação. Muito dos seus membros emigraram para outros continentes onde estabeleceram Igrejas que servem a seus grupos étnicos. O grande desafio com que se defrontam é descobrir seu novo potencial missionário em situações em que as restrições históricas não existem mais A questão geral da missão da diáspora ortodoxa exige uma consideração ecumênica. Na Europa ocidental estamos passando da situação de uma “Igreja do Povo” (Volkskirche), onde todos deviam pertencer à Igreja, a um rápido processo de descristianização, ou pelo menos de desligamento da Igreja. Tendo sido outrora Igrejas majoritárias, são agora obrigadas a repensar sua missão à luz das novas circunstâncias que as tornaram minoritárias na sociedade. Qual deve ser a missão dos fiéis remanescentes em tais situações? Nos dois últimos séculos, missão geralmente significa missão em países longíquos. Atualmente, não só falamos de missão nos seis continentes, como sabemos que ela está em nossa pátria, bem em nossa vizinhança. W. Visser’t Hoolft considera a situação na Europa como “neopagã”.9 Lesslie Newbigin investiga o surgimento do moderno Weltanschauung* e descreve a sua incapacidade de fornecer as coordenadas adequadas para se lidar com os atuais desafios com que se defronta uma sociedade tecnológica.10 Os dois autores convidam a Igrejas a resgatar a mensagem bíblica numa interação viva com as novas situações históricas. Na América do Norte, as Igrejas continuam cheias, mas cresce cada vez mais o contingente dos que desacreditam da “religião civil” e questionam a identificação superficial do modo de 9 Veja “International Review of Mission”, Vol. LXVI, N.º 264, 1977 *Visão de Mundo, Cosmovisão. 10 “The Other Side of 1984”, Genebra, CMI, 1983
  • 13. vida dos americanos com o Evangelho de Jesus Cristo. Qual a relação entre crescimento da Igreja e fidelidade ao Evangelho, entre o sucesso e a cruz de Jesus Cristo? sem qualquer referência ou preocupação com o sistema social, parece ser a resposta das Igrejas livres e dos pentecostais. As Igrejas norte-americanas enviam mais missionários ao exterior do que qualquer outra Igreja. Processa-se um debate apaixonado na Igreja Metodista Unida entre os que querem enviar mais missionários - e missionários com mentalidade mais evangelística - e os que afirmam a liderança nacional das Igrejas irmãs e a obrigação de assumir um papel de defensores do Terceiro Mundo. O debate não se limita, porém, à Igreja Metodista Unida. Ele levanta questões fundamentais com relação às nossas prioridades missionárias. Novas teologias: departamentos diferentes A Europa Oriental enfrenta seus próprios desafios missionários. Ali a vida política, ideológica e cultural é organizada em torno do Partido Comunista. As Igrejas, que eram tradicionalmente o foco de cultura e identidade nacional, estão agora oficialmente marginalizadas. Em tais circunstâncias, as Igrejas devem procurar perspectivas teológicas e opções missiológicas diferentes. J. Hromadka* e sua teologia da diaconia continua a influenciar igrejas na Tchecoslováquia e na Hungria. A busca do povo e a expressão da alma nacional parecem ser a resposta da Igreja Católica da Polônia e das Igrejas ortodoxas na Bulgária, Romênia e União Soviética. A evangelização pessoal, * Jose Hromadka, teólogo tcheco, teve sua formação plasmada por quatro tendências muito fortes entre o povo tcheco: (1) busca constante de liberdade e justiça que o pôs ao lado dos pobres e deserdados; (2) profunda piedade evangélica que lhe recordava sempre que a vida cristã é inseparável da fé em Cristo Libertador e obediência tal que pode levar até ao martírio; (3) o protestantismo militante de outro grande teólogo tcheco, Masarvk, proclamador de que o renascimento nacional se faria dentro da continuidade da Reforma Tcheca cujo humanismo seria a mola-mestra para um programa político; (4) um profundo engajamento na vida do povo tcheco. Hromadka foi o grande teólogo do povo tcheco. Morreu fiel ás suas idéias, acima de tudo, fiel a Jesus Cristo (Nota dos Editores). As Igrejas em nossos dias enfrentam, na verdade, uma grande variedade de opções missionárias. Essas opções freqüentemente dão origem a controvérsias e conflitos. Também inspiraram inúmeros sistemas teológicos e esquemas organizacionais diferentes. Há apenas algumas décadas atrás, as Igrejas do Atlântico Norte eram os árbitros da teologia cristã. Hoje em dia, a situação é totalmente diferente. A teologia feminista, a teologia negra, a teologia da libertação, a teologia do diálogo, o minjung ou teologia do povo — cada uma dessas teologias tenta ver a vocação missionária da Igreja num determinado contexto. Elas são basicamente missiologias. Não são explicações sobre a natureza de Deus, mas representam urna busca apaixonada de novas opções para a missão das Igrejas. Por trás de cada uma dessas teologias — libertação, africana, negra, feminista, minjung — há uma situação de conflito. Nos últimos vinte anos não emergiu nenhum sistema teológico novo que não condene algum tipo de opressão nem afirme alguma perspectiva específica do Evangelho, que emerge dos problemas enfrentados pelos grupos que desenvolvem o trabalho teológico. De fato, a maioria desses teólogos diz que a sua teologia é uma elaboração, a posteriori, de uma posição assumida em situações de conflito — na verdade estão tentando explicar-se como cristãos e encontrar linhas mestras para a ação. Essas teologias também refletem a riqueza da Igreja em nossos dias, a interação de manifestações de fé cristã ligadas culturalmente. Devemos tentar entender até que ponto essas
  • 14. tentativas teológicas representam uma utilização responsável da nossa liberdade missionária. A divisão programática do trabalho dentro da estrutura de nossas Igrejas ilustra outra dimensão do problema. Temos, na maioria de nossas Igrejas ocidentais, departamentos de ação social e departamentos de evangelização, cada um tentando ser fiel ao seu objetivo particular. Isso é útil até certo ponto, mas pode também levar a uma abdicação de nossa responsabilidade cristã global. Há, realmente, dons diferentes na vida da Igreja, que exigem uma divisão lógica de vocações e tarefas. Mas se esses carismas - quer considerados individualmente, quer organizados estruturalmente na vida da Igreja — limitam ou distorcem o testemunho total do Reino, então tornam-se um empecilho à missão da Igreja. O problema torna-se sério quando as organizações criadas nas igrejas Ocidentais para se relacionarem com Igrejas do Terceiro Mundo desenvolvem estatutos e linhas de ação estranhas às próprias Igrejas. Por exemplo, é evidente sinal de uma triste distorção o fato de que se pode obter ajuda substancial para qualquer coisa que receba o rótulo mágico de “desenvolvimento”, mas que é muito mais difícil obter auxílio para o crescimento da Igreja, a educação teológica, a evangelização, etc... O fato de que uma Igreja ou um Conselho de Igrejas dedique a maior soma de suas energias à área de desenvolvimento não significa necessariamente que os cristãos ali estejam todos convencidos de que é através do desenvolvimento que devem testemunhar o Reino neste determinado momento. Significa simplesmente que existem fundos de origem estrangeira disponíveis para esse trabalho, em particular, e não existem para outros tipos de trabalho. A pergunta que se formula é a seguinte: “Como pode cada um de nossos interesses ou dons, em particular, tornar-se uma porta de entrada para a dinâmica total do Reino, sem ficar compartimentados e estratificados”? O Reino e sua liberdade Dois receios perseguem os teólogos. Um deles é o medo de ser infiel às exigências do mundo de hoje, o medo de ser irrelevante, o medo de perder o contato. Nos anos 60, ouvia-se com freqüência, em discussões ecumênicas, que “o mundo devia organizar a agenda”. Pensava-se que a Igreja devia responder às prioridades estabelecidas na agenda do mundo. A Igreja é realmente enviada ao mundo para responder a situações em que os seres humanos sofrem, esperam, vivem e morrem. Mas isso não significa que, além de responder, ela não tenha uma missão própria, uma compulsão interna, certas convicções e valores que deve partilhar com o mundo. O outro receio dos teólogos é o de que, pelo fato de se ocuparem com os assuntos do mundo, os cristãos possam esquecer sua vocação essencial de proclamar o Evangelho. E o medo de que, ao responder à necessidade de lutar contra a opressão, o racismo, o sexismo e males semelhantes, possamos negligenciar nosso chamado para “pregar a Palavra“. Se a proclamação do Evangelho do Reino fosse possível sem referência às situações humanas concretas dos países em que vivemos, então é evidente que nosso problema seria fácil de resolver! Mas o Evangelho acontece no encontro entre a Palavra de Deus e seres humanos que vivem em situações específicas. Estamos basicamente convencidos de que o Reino de Deus é a categoria bíblica central que dá conteúdo e direção à nossa vocação missionária. Nosso objetivo é o Reino. A Igreja é chamada para servir ao Reino, para ser um instrumento privilegiado desse Reino; é chamada, na realidade, a existir por causa do Reino. Seguimos o Cristo vivo, guiados pelo Espírito Santo. Dentro do horizonte do Reino de Deus, temos total liberdade e total responsabilidade — uma liberdade total para discernir, planejar e agir.
  • 15. Dada a natureza do Reino, a liberdade do Espírito, as Igrejas são livres para responder àquela liberdade de Deus. Nada pode ser proscrito a priori, com relação às possibilidades de ação da Igreja. Referimo-nos à liberdade do Espírito, que leva os cristãos a diferentes respostas. Chamamos essa presença do Cristo ressuscitado e essa ação do Espírito Santo de liberdade missionária, porque convida-nos a responder e nos convence a agir. Poderíamos usar a palavra “responsabilidade” em vez de liberdade, mas prefiro a palavra liberdade porque ela estimula a nossa imaginação e fornece muito mais espaço do que a palavra responsabilidade. No entanto, é sendo livres que conseguimos agir responsavelmente. Vamos reportar-nos ao ministério de Jesus e à história dos primórdios da Igreja para encontrar os exemplos de liberdade que possam inspirar-nos e orientar-nos em nossa presente situação. Quando empregamos a palavra liberdade, teologicamente, queremos dizer o dom do Espírito Santo que nos permite responder; mas precisamos considerar aquela possibilidade de liberdade também em termos sociológicos e políticos. Eu poderia afirmar que sou liberado, quando na verdade sou vítima de minhas próprias tendências, preconceitos sociais e privilégios de classe. Como no caso dos brancos ricos da África do Sul, que encontram apoio para o apartheid na Bíblia e declaram que estão utilizando sua liberdade cristã. Após os grandes mestres da desconfiança — Marx, Freud e Nietzsche — estamos por demais conscientes das restrições que se opõem à verdadeira liberdade. Não podemos ignorar aquelas restrições, mesmo na vida da Igreja. Mas a Bíblia, as descobertas das ciências humanas, a comunidade da fé, especialmente em suas dimensões ecumênicas, e a prática do amor — tudo isso nos oferece pontos de referência que nos ajudarão, senão a escapar desses limites históricos, pelo menos a lutar para transformá-los segundo a perspectiva do Reino que virá.
  • 16. pessoas e desenvolver a tarefa missionária; preocupam-se com metodologias, abordagens e práticas. Bangcoc, ao contrário, focalizou a salvação que proclamamos. Abordou a questão: Qual é o significado, hoje, da afirmação básica de nossa fé cristã de que há salvação em Jesus Cristo? O Debate Bangcoc, 1973 Através de uma série de encontros internacionais, temos buscado, no século XX, esclarecer a natureza da missão. O encontro de Edimburgo (1910), ao qual remontam os primórdios do movimento ecumênico, foi o primeiro de uma série. A ele seguiramse várias reuniões periódicas. A Conferência sobre Missão Mundial, organizada pela Comissão de Missão Mundial e Evangelismo do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), foi a oitava dessa série. Realizou-se em Bangcoc. Houve, entretanto, diferenças relevantes entre as reuniões de Edimburgo e de Bangcoc. Em 1910, os participantes representavam as agências missionárias protestantes do mundo ocidental. Havia apenas uns poucos representantes das “Igrejas mais Jovens”. Em Bangcoc, a maioria dos delegados vinha das Igrejas mais jovens; havia representantes de Igrejas Ortodoxas e uma delegação fraternal da Igreja Católica Romana. Havia também diferenças de conteúdo. Edimburgo tinha concordado em não discutir assuntos “doutrinários” — para evitar polêmicas. Bangcoc é talvez a primeira conferência missionária a tomar como tema uma afirmação básica de fé: “Salvação Hoje”*. Em geral, as reuniões missionárias discutem como chegar até as * Sobre o assunto leiam-se: “Salvação Hoje” — Suplemento 3, março 1973 — Tempo e Presença (R. Alves, MM. Thomas, Christoph Barth, D.G. Vergara dos Santos); e “Salvação Hoje”, Mortimer Arias, Vozes/Tempo e Presença, 1974. Como preparação para a conferência, publicou-se um livro fascinante sobre o tema, com histórias de várias partes do mundo, abordando a experiência real da salvação. As histórias exploravam a relação da salvação com as diversas instâncias da vida.11 Bangcoc examinou o próprio cerne de nossa convicção de que o nosso Deus é um Deus que salva, e procurou descobrir como essa convicção poderia tornar-se viva e real na tarefa missionária da Igreja. Bangcoc é a capital da Tailândia, um país budista, onde apenas uma pessoa em cada mil é cristão. A localização da conferência influenciou-a em dois níveis bem diferentes. Em primeiro lugar, toda a questão de atitude cristã para com as outras religiões — no caso o budismo — veio à tona, inevitavelmente, para ser discutida. Duas atitudes ficaram evidentes na assembléia. Uma foi expressa pelo Secretário Geral da Igreja de Cristo na Tailândia, que pregou o sermão inaugural (Is 53; Rm 5). Enfatizou a salvação pela graça através da fé em Cristo. Explicou que a principal preocupação da Igreja de Cristo na Tailândia era o crescimento da Igreja; o objetivo era duplicar o número de membros da Igreja em quatro anos. Por isso, pregavam às pessoas e as convidavam a se tornarem cristãs e se filiarem à Igreja. Uma outra atitude com relação ao budismo surgiu quando alguns monges budistas assistiram a uma sessão plenária. Estabeleceu-se um diálogo entre líderes religiosos da Tailândia e um grupo selecionado de delegados à assembléia, que mostrou a 11 “Salvation Today and Contemporary Experience”, Genebra, CMI, 1972.
  • 17. necessidade de se respeitarem as outras religiões e aprender com elas. O relatório oficial da conferência faz apenas uma leve referência a esse encontro com os budistas. Mas o contato com uma cultura budista e a experiência de uma Igreja de minoria deixaram uma impressão duradoura em todos os participantes. É significativo que se tenha organizado uma reunião de consulta ecumênica em Chiang Mai, na Tailândia, quatro anos depois, para discutir a questão do diálogo com outros credos. Esse encontro produziu um documento denominado: “Orientação para o diálogo com pessoas de credos e ideologias atuais”, onde a dimensão do testemunho e a capacidade de ouvir da missão cristã foram compatibilizadas. Enquanto os delegados em Bangcoc falavam de salvação, estavam perfeitamente conscientes de que se achavam rodeados por milhões de pessoas que também buscavam a salvação, embora suas vidas girassem em torno de valores totalmente diferentes. O desafio de outras religiões continua a ser uma questão em aberto na tarefa missionária da Igreja. Qual é o lugar das outras religiões no Reino de Deus? A segunda conseqüência importante da reunião na Tailândia foi que os delegados se conscientizaram concretamente da presença militar dos americanos. De uma base aérea nos arredores, os bombardeiros decolavam em intervalos regulares para despejar sua carga mortal sobre a cidade de Hanói e sua vizinhança. Um delegado dos Países Baixos propôs que fôssemos a Hanói demonstrar nossa solidariedade com o povo. Foi um momento dramático. A imprensa internacional logo anunciou que uma conferência de cristãos queria ir a Hanói. Não fomos até lá, mas a palavra salvação adquiriu um novo sentido. E ajudou-nos a entender a paixão, as tensões que permearam a conferência. Ali estávamos nós, falando de salvação, enquanto a trinta quilômetros de distância o mensageiro da morte estava decolando para matar e destruir. Era impossível falar de salvação sem relacioná-la com aquela realidade histórica. A história, a realidade política, estava muito presente na mente dos delegados, pois eram obrigados a considerar a relação da salvação com os acontecimentos mundiais do dia. Bangcoc descreveu a salvação em termos que indicavam sua natureza global, holística. A salvação é vista ativamente, na luta pela justiça econômica e pela dignidade humana, na luta contra a alienação entre as pessoas; e na luta da esperança contra o desespero, na vida pessoal. A salvação que Cristo trouxe, e da qual participamos, oferece uma totalidade abrangente nesta vida dividida. Entendemos a salvação como novidade de vida — o desdobrar da verdadeira humanidade na plenitude de Deus (Cl 2.9-10). É a salvação da alma e do corpo, do indivíduo e da sociedade, da humanidade e da criação que geme (Rm 8.19)12. A salvação que Cristo traz oferece uma totalidade abrangente e essa totalidade é novidade de vida. É verdadeira humanidade, a salvação da alma e do corpo, da pessoa total — e pessoa significa indivíduo e sociedade. A salvação da humanidade abrange a totalidade da criação. Essa compreensão global e holística da salvação foi acompanhada pelo reconhecimento de que não podemos ser sempre totalmente abrangentes. Temos uma compreensão global da salvação, que tem a ver com todos os aspectos da pessoa, com todos os aspectos da relação da pessoa com a sociedade, com todos os aspectos da relação da humanidade com a natureza. Mas não podemos ser sempre totalmente abrangentes. Somos obrigados a entrar nessa salvação total através de determinadas portas. 12 Bangkok Assembly, 1973, Genebra, CMI, p. 88
  • 18. Há prioridades históricas de acordo com as quais a salvação é antecipada em uma certa dimensão, seja pessoal, política ou econômica. Essa porta de entrada difere de uma situação — em que trabalhamos e sofremos — para outra. Devemos saber que essas antecipações — essas portas de entrada — não são a totalidade da salvação e devemos lembrar-nos das outras dimensões, enquanto trabalhamos. Esquecer isso é negar a totalidade da salvação. Ninguém pode, em qualquer situação específica, fazer tudo ao mesmo tempo. Há vários dons e tarefas, mas só há um Espírito e um objetivo.13 Existem certas prioridades, e devemos utilizar nossa liberdade para identificá-las. Há dons e tarefas diversas — dons pessoais, tarefas pessoais, vocações pessoais — mas só existe um Espírito e um objetivo. E agora chegamos à frase mais polêmica do relatório da conferência. Nesse sentido — o sentido das prioridades históricas, das antecipações — pode-se dizer, por exemplo, que a salvação é a paz do povo do Vietnã; a independência de Angola; justiça e reconciliação na Irlanda do Norte; e a libertação da comunidade do Atlântico Norte do cativeiro do poder; ou a conversão pessoal na libertação de uma sociedade oprimida; ou novos estilos de vida para os interesses capitalistas e o desamor.14 Existem prioridades históricas, dimensões, e determinados dons que são portas de entrada para a dinâmica do Reino e a realidade da salvação. Em dado momento, a conferência diz: “A paz no Vietnã é salvação.” Os que estão trabalhando pela paz no Vietnã estão desempenhando um papel missionário. Os que estão buscando a reconciliação na Irlanda do Norte também estão cumprindo um dever missionário. Os que estão convidando 13 14 Ibid. p. 90 Ibid pessoas a se converterem em sociedades que as privam de sua humanidade estão trabalhando pelo Reino. Mas cada um desses casos é uma porta de entrada, uma prioridade histórica, uma antecipação de salvação, que responde a um dom determinado ou persegue um certo objetivo. Isso é fundamental para o nosso trabalho, na formulação de prioridades históricas ou contextuais, como portas de entrada para a luta total do Reino de Deus. Essa parte da declaração foi muito mal compreendida e mal interpretada. As pessoas concentraram a atenção na segunda parte: “A salvação é a paz no Vietnã.” É claro que não podemos pensar em salvação sem levar em conta o aspecto da reconciliação com Deus e com o nosso próximo, bem como a vida eterna. Mas a declaração não diz que a salvação toda se resume na paz no Vietnã; ela é apenas recomendada como prioridade histórica. É uma dimensão. É uma antecipação. É uma porta de entrada. Não devemos esquecer as outras dimensões que completarão o quadro, mas precisamos entrar por uma determinada porta, se quisermos ser concretos em nossa obediência missionária. Nossa liberdade de missão existe para que possamos ser relevantes na missão. Essa compreensão deveria ajudar a reconciliar certas posições cristãs que parecem contraditórias. Se a paz no Vietnã é a porta de entrada para o Reino ou a prioridade missionária para os cristãos preocupados com aquele país, não se poderia também reconhecer que a construção da Igreja e o chamado à conversão são também uma porta de entrada e um aspecto a ser enfatizado em certas outras partes da Ásia e do mundo? A assembléia tinha ouvido falar do “crescente questionamento das pessoas em Bangcoc sobre a falta de sentido da vida para muitas delas, e sua busca de alguma coisa mais profunda, na realidade, uma nova identidade”.15 15 Ibid,p. 78
  • 19. Se existe essa falta de sentido, difundir a história do Evangelho é realmente importante em tal situação. Mas assim como a preocupação com a paz no Vietnã não é a totalidade da salvação, também a história de Jesus não representa toda a salvação, a não ser que em ambos os casos apontemos, com nossas palavras e atos, para além daquela ênfase particular, em direção à dinâmica do Reino de Deus. A abordagem teológica de Bangcoc, embora fornecendo exemplos de prioridades em termos de situações políticas e sociais, não deixou de reconhecer outras prioridades que têm predominado tradicionalmente, com a pregação da Palavra e a construção da Igreja. Devemos considerála todas como legítimas portas de acesso à missão total da Igreja e ingredientes do significado total da salvação. O ataque a Bangcoc Depois de Bangcoc, o debate concentrou-se nas implicações de declarações como as que citamos. Alguns dos amigos evangélicos viram nelas a confirmação de certos destaques que, segundo eles, remontam à Assembléia de Upsala do Conselho Mundial de Igreja, em 1968. Protestaram contra a redução da teologia a uma espécie de antropologia, e da fé cristã a uma espécie de humanismo. Hal Lindsell, antigo editor de “Christianity Today”, dizia que a ênfase em Upsala, que veio a frutificar em Bangcoc, recaíra em “humanização, secularização, envolvimento sócio-político, desenvolvimento econômico das nações do Terceiro Mundo, eliminação do racismo, revolução e um virulento sentimento anti-americano, concentrado na guerra do Vietnã. O Evangelho da salvação pessoal através da reparação oferecida por Cristo no Calvário foi suplantado por uma versão materializada e secularizada de ação social como missão da Igreja”.16 Lindsell não foi o único que interpretou Bangcoc dessa maneira; outros, mais favoráveis ao Conselho Mundial, também fizeram críticas semelhantes. Arthur Glasser, do Seminário Teológico Fuller, disse que em Bangcoc “o aspecto cultural predominou sobre o evangélico”. Ao descrever os aspectos evangélico e cultural, disse ele que “a salvação realmente tem implicações para ambos. Sob o aspecto cultural, Deus decide envolver os homens na aceitação da responsabilidade para com o mundo. Preocupa-se com o governo, a injustiça, a opressão, etc... Mas, diz Glasser, essa é uma dimensão da vocação cristã. A outra dimensão, a dimensão evangélica, ele não a vê com clareza em Bangcoc”.17 Quase no final da conferência, o representante oficial do Vaticano, o Padre Jerome Hamer, saudou os delegados em nome da fraternal delegação da Igreja Católica. Disse ele, com franqueza: “Estou espantado de vê-los discutirem a salvação hoje, durante dias a fio, em todas as suas ramificações, sem darem atenção, porém, ao que o apóstolo Paulo disse a respeito dela. Não ouvi ninguém aqui falar em justificação pela fé. Não ouvi ninguém falar de vida eterna. Nem da justa ira de Deus contra o pecado.” Devemos também citar as críticas feitas pela Igreja Ortodoxa Russa e expressas numa carta enviada ao Moderador do Comitê Central do Conselho Mundial de Igrejas, M.M.Thomas, da Índia. A carta exprimia “perplexidade e tristeza” por não haver qualquer referência significativa à vida eterna na carta enviada às Igrejas por Bangcoc, que parecia projetar “uma compreensão unilateral e prejudicial da salvação num espírito de horizontalismo ilimitado” e tinha pouco a dizer sobre a perfeição moral neste mundo e a vida eterna no outro. 16 Ver Ralph Winter, ed., “ The Evangelical Response to Bangkok “, Pasadena, William Carey Library, 1973, p. 125 17 Ibid. pp. 90 - 91
  • 20. Valores ameaçados Essas três reações críticas — a evangélica, a católica e a ortodoxa — apontam, cada uma, para um valor que precisa ser lembrado e preservado. Os evangélicos e os católicos reclamam uma mensagem mais clara, dirigida aos indivíduos, em termos de sua relação pessoal com Deus, sua necessidade de perdão e de fé e seu desejo de vida eterna. Não conseguiram ouvir, nos acalorados debates em Bangcoc, esse convite à fé e à conversão pessoal. A Igreja Ortodoxa Russa não ouviu uma referência clara à vida eterna em Deus, como objetivo de toda esperança cristã de salvação. A conversão pessoal, o evangelismo em termos de um convite a uma fé pessoal, a esperança escatológica em Deus — todas essas são afirmações cristãs fundamentais, que as pessoas reunidas em Bangoc jamais negariam. Sua preocupação era corrigir os desvios do passado e ler o kairós de Deus, em que o Espírito chamava a Igreja a agir com obediência, hoje. Bangcoc abriu novos caminhos; de certa forma até falou uma linguagem nova, que era um pouco difícil de entender. Quais eram os valores ameaçados para as pessoas reunidas em Bangcoc? Elas queriam ter em mente a interação, até mesmo a unidade, entre a história religiosa e a secular, entre a história da salvação e a história humana. Para Arthur Glasser, há um mandato cultural e um mandato evangélico; ambos são necessários mas diferentes. Bangcoc tentou ver a dimensão evangélica dentro do mandato cultural; e, dentro da dimensão evangélica, a necessidade de exigir o reconhecimento do domínio de Cristo sobre todas as culturas e reinos. Assim, em Bangcoc, houve uma tentativa de considerar com seriedade a história cultural que nos foi dada, de fixar as raízes de nossa Igreja, nossa teologia, nosso evangelho, no passado de nosso país e, dentro dessa história, participar da libertação do povo e da construção de nossa cultura, da criação de novas relações humanas, numa perspectiva escatológica — com a esperança de contribuir para a riqueza do banquete final do Reino de Deus. O que Bangcoc disse não é, na verdade, muito diferente do que os teólogos ortodoxos vêm dizendo. Os cristãos devem tornarse o fermento dentro da história, que poderia salvar essa mesma história. A transfiguração do mundo é o objetivo para o qual deve trabalhar nossa missão cristã. O Espírito Santo atua em toda a criação. E isso foi o que Bangcoc tentou expressar — trazer essas afirmações teológicas ao nível prático e exprimi-las na linguagem das realidades sociais, políticas e históricas. Descobrimos em Bangcoc que a esquizofrenia teológica, que separa as relações com Deus das relações com o nosso próximo, desaparece no maravilhoso conhecimento de um Deus cujo Espírito atua através de diferentes agentes de libertação. Tampouco deixamos de reconhecer que Deus, fundamentalmente através da Igreja, transmite à humanidade o segredo do amor divino e oferece a possibilidade de uma decisão consciente para incorporar o nosso serviço na divina missão de salvação e libertação. Essa compreensão da salvação resgata a tarefa histórica da humanidade e fornece a base de todo o trabalho evangélico. Nada que seja humano é estranho à comunidade cristã. No nascimento de uma criança, no seu desenvolvimento como pessoa, na integração da pessoa à comunidade humana, na luta pela liberdade de toda a comunidade, na busca de formas de vida mais humanas — em tudo isso vemos a manifestação da preocupação e do amor de Deus. O Deus que atuou no êxodo, dando liberdade ao povo de Israel, e o Deus que atuou através da morte e da ressurreição de Jesus Cristo, e oferece vida nova a
  • 21. toda a humanidade é o mesmo Deus que nos chama a trabalhar pela salvação humana total. O debate evangélico Um segundo elemento importante na discussão da missão foi o fato de os evangélicos se concentrarem na evangelização do mundo. Um congresso sobre evangelismo mundial foi realizado pela organização de Billy Graham e a revista “Christianity Today”, em Berlim, em 1966. A ele seguiu-se um segundo congresso em 1974, assistido por quatro mil participantes em Lausanne, na Suíça, sobre o tema: “Deixemos que a Terra ouça sua Voz.” O Acordo de Lausanne, embora não fosse um documento oficial do congresso, foi preparado e assinado durante a sua realização e resume bem as suas convicções. Segundo o Acordo, “mais de 2.700 milhões de pessoas, que representam um número superior a dois terços da humanidade, ainda tinham de ser evangelizados. É uma vergonha para nós que tantos tenham sido negligenciados. É uma censura viva a nós e a toda a Igreja.” O congresso criou a expressão “atingir os inatingidos” como seu slogan principal a fim de mobilizar a Igreja. Embora esse slogan reflita a dimensão numérica e geográfica do problema, a palavra “inatingidos” não esclarece a situação. Parece supor que haja pessoas que não foram atingidas nem por Deus e isso, naturalmente, diz respeito a uma dimensão da realidade que nos é ocultada. Só Deus sabe onde e a quem o Espírito atingiu e como o fez. Isso não significa negar o trágico fato de que a grande maioria da população do mundo não abraçou a fé cristã e que os cristãos são instados a partilhar com todos o Evangelho de Jesus Cristo, porque é vontade de Deus que todos cheguem ao conhecimento da verdade e sejam salvos (lTm 2.4). Lausanne não foi uma resposta a Bangcoc. Os organizadores do Congresso não o consideraram dessa forma. Sua preocupação foi com a evangelização do mundo, compreendida como o relato da história de Cristo às pessoas, de modo que elas se convertessem; discutiram-se os modos e meios de alcançar esse objetivo. Estava implícita nas discussões uma crítica ao Conselho Mundial de Igrejas e à Comissão de Missão Mundial e Evangelismo — que haviam concentrado a atenção em assuntos de cultura e justiça numa conferência missionária! Inevitavelmente, porém, a maioria dos participantes foi afetada pelos mesmos acontecimentos históricos que os delegados de Bangcoc. Eles vinham do mesmo mundo envolvido pela guerra; estavam lendo a mesma Bíblia; a maioria deles era proveniente das mesmas Igrejas. Dos quatro mil participantes de Lausanne, 65 por cento pertenciam a Igrejas Membros do Conselho Mundial de Igrejas. Eles também estavam tentando ser fiéis ao Espírito Santo. O resultado foi que o Acordo de Lausanne incorporou alguns dos conceitos básicos de Bangcoc — diálogo, moratória, justiça, cultura — mas tentou dar a esses conceitos uma definição mais precisa a fim de assegurar que eles não obscurecessem as tarefas básicas da vocação missionária. Foram feitas distinções e estabelecidas prioridades. O evangelismo foi defendido como uma categoria independente, embora ligada às exigências de justiça social. “Justiça social não é evangelização”, foi dito claramente. Mas “... a justiça social está incluída no nosso mandato.” Bangcoc levantou a possibilidade de moratória para evitar o envio de missionários e fundos a uma determinada Igreja, por um dado período, para dar a essa Igreja uma chance de descobrir sua própria identidade com relação à comunidade de inserção. O Acordo indica que a moratória, se pudesse liberar fundos para outras regiões ainda não alcançadas pelo Evangelho, não seria má idéia! O diálogo é necessário - contanto que facilite a evangelização!
  • 22. Lausanne assinala o começo de uma convergência de posições teológicas diferentes com relação à missão da Igreja. Dentro da família evangélica, tem havido uma crescente exigência de um comprometimento evangélico com a realidade da mudança histórica e de uma participação nas lutas humanas pela justiça. Na realidade, no próprio Congresso de Lausanne, um número considerável de delegados assinou uma declaração complementar do Acordo, denominada “Uma resposta a Lausanne”. É um documento mais radical, mas não contradiz o Acordo. Reafirma-o, mas destaca a dimensão da justiça social e a necessidade de envolvimento social por parte dos cristãos. Foi organizada uma consulta mundial pelo Comitê de Lausanne pela Evangelização Mundial (junho de 1980), em Pattaya, na Tailândia. Seu objetivo era estudar mais profundamente a questão das técnicas e metodologias para atingir grupos específicos. A intenção original era limitar a discussão a considerações práticas sobre a forma de evangelizar muçulmanos, hindus, católicos nominais, protestantes nominais e outros setores identificáveis da população, semelhantes a esses. Um certo número de participantes, porém, especialmente do Terceiro Mundo, sob a liderança do Bispo David Gitari do Quênia, pediu à comissão organizadora para incluir a consideração das questões de justiça no mundo e a responsabilidade dos cristãos com relação a tais questões. Argumentaram que o “Acordo de Lausanne” reconhecia a importância da justiça com relação ao evangelismo e tinham receio de que o Comitê de Lausanne para a Evangelização Mundial estivesse agora seguindo uma interpretação unilateral do Acordo, não estabelecendo uma relação entre as preocupações do evangelismo e a preocupação global de Deus pela situação humana como um todo. Desejavam que se convocasse uma conferência mundial sobre o tema da responsabilidade social cristã, a fim de se discutirem questões de justiça, especialmente a sua relação com a evangelização. Isso provocou um debate interno dentro do comitê. Expressou-se o receio, principalmente por parte da escola que defende o crescimento da Igreja, nos Estados Unidos, de que uma conferência desse tipo pudesse distorcer perspectivas e trair a vocação original do movimento de Lausanne. Segundo o ponto de vista da escola favorável ao crescimento da Igreja, o Comitê de Lausanne deveria preocupar-se principalmente com a expansão e o crescimento da Igreja, e em atingir os “inatingidos”, enquanto outros poderiam expressar, à vontade, sua preocupação com a justiça social. Têm-se desenvolvido esforços, por parte de outros grupos que são até mais comprometidos com o chamado para atingir os “inatingidos”. Por exemplo, Ralph Winter, de Pasadena, Califórnia disse que o verdadeiro desafio, hoje em dia é alcançar os que se acham além de nossas fronteiras culturais e que isso não pode ser tentado no nível das congregações locais. Para uma tarefa dessas, há necessidade de organizações mais especializadas, bem como de pessoas que tenham uma vocação especial, para atravessar fronteiras culturais e evangelizar pessoas de outras culturas. Foi essa a lógica sobre a qual se baseou uma conferência realizada em Edimburgo (1980). A conferência não produziu um acordo nem uma declaração. Resultou porém num compromisso, que os participantes foram solicitados a assinar. Rezava o seguinte: “Uma Igreja para todos os povos até o ano 2.000. Pela graça de Deus e para sua glória, prometo empregar minha vida inteira em obedecer à sua ordem, expressa em Mateus (28.18-20), onde quer que ele me envie e de qualquer maneira que o faça, dando prioridade aos povos que atualmente se encontram fora do alcance do Evangelho (Rm
  • 23. 15.20,21). Também me empenharei em transmitir a outros esse ponto de vista”. Havia estritos requisitos doutrinários para participar dessa conferência, o que fez que o seu impacto fosse limitado a um pequeno setor da comunidade cristã. Enquanto isso, um número de evangélicos cada vez maior, especialmente do Terceiro Mundo, afirmava que a preocupação com a justiça humana sempre integrara a sua tradição. Os evangelistas mais famosos nunca haviam feito uma separação nítida entre os dois aspectos. Poderiam ter feito distinções; poderiam ter recomendado uma orientação para hoje e outra para amanhã, mas estavam convencidos de que a tarefa do evangelismo deveria apontar na direção da missão total de Deus, incluindo a preocupação com a justiça. Para responder a essa preocupação e enfrentar sem rodeios as diferenças internas, foram convocadas duas reuniões complementares. A que foi organizada pelo Comitê de Lausanne pela Evangelização Mundial e pela Associação Evangélica Mundial reuniu cinqüenta líderes evangelicais em Grand Rapids (Estados Unidos / junho de 1982), para analisar a relação entre evangelismo e responsabilidade social. “Muitos temem”, disseram eles, “que quanto mais nós, evangélicos, nos comprometermos com um desses aspectos, menos nos comprometeremos com o outro.” A consulta afirmou que “evangelismo e responsabilidade social, embora distintos um do outro, estão relacionados integralmente em nossa proclamação do Evangelho e na obediência a ele. Essa associação é, na realidade, um casamento” 18. A Associação Evangélica Mundial organizou, em Wheaton, Illinois (1983), uma série de três consultas simultâneas sobre “A Igreja com inserções locais”, “A Igreja em novas fronteiras de missão” e “A Igreja em resposta à necessidade humana”. A 18 ”Evangelism and Social Responsability”, The Grand Rapids Report, Exeter, Patermoster Press, 1982, p. 24 preocupação com uma clara relação entre evangelismo e justiça social, expressa em Lausanne, levantada em Pattaya, presente em comunidades como a dos Sojourners, nos Estados Unidos, e em movimentos como a Associação de Teólogos Evangélicos da América Latina, foi claramente explicitada nessas reuniões: A realidade da presença do Reino dá-nos a coragem para começar aqui e agora a construir os sinais do Reino vindouro, trabalhando com atos e orações por maior justiça e paz e no sentido da transformação dos indivíduos e das sociedades. Uma vez que, um dia, Deus enxugará toda lágrima isto na leva a lamentar ver o povo sofrer hoje. Já que um dia haverá a paz perfeita, somos chamados a ser pacificadores agora. Humildemente, mas com insistência, convocamos as Igrejas a se unirem a nós nesse ministério da prática do amor e na busca da restauração da dignidade dos seres humanos, criados à imagem de Deus. Há uma visão escatológica: o Reino trará o shalom (paz) de Deus e Deus enxugará nossas lágrimas, trazendo a paz perfeita, a salvação total. Essa visão nos leva a ser ativos na história, ajudando aos que sofrem agora, trabalhando pela paz, opondo-nos a toda injustiça. Porque estamos a caminho do Reino, somos chamados a plantar os sinais do Reino neste lugar e neste momento. Podemos ter diferenças teológicas, mas estamos convencidos de que o chamado de Deus para a Igreja é um chamado holístico. Esta é uma realidade viva e aqui temos um ponto de encontro verdadeiramente ecumênico. Tampouco podemos esquecer que o movimento evangelical está fundamentalmente preocupado com a evangelização do mundo todo, especialmente dos milhões de pessoas que ainda não ouviram falar de Jesus Cristo. Podemos concordar ou não com algumas das metodologias propostas; podemos discordar da opinião de que os que se encontram fora da Igreja Cristã estão
  • 24. “perdidos”. Mas o Evangelho precisa ser pregado. Não pode ser propriedade privada dos cristãos. Não temos o direito de impedir ninguém de tomar conhecimento de Jesus Cristo. Nessa preocupação específica com os indivíduos, há um lembrete válido da questão da fé em nosso mundo de hoje. A discussão missiológica em círculos ecumênicos, porém, tem-se preocupado mais com a questão da fidelidade na missão, da integridade, da necessária correspondência entre palavra e ação; reconhece que a falta de fidelidade por parte dos cristãos é o principal obstáculo em todos os empreendimentos evangélicos. Nossos amigos evangelicais têm-se preocupado mais com a real tentativa de oferecer uma oportunidade para que as pessoas cheguem à fé em Cristo. As duas preocupações estão inseparavelmente ligadas. Sem uma comunidade fiel, que seja por si mesma um sinal do Reino, será difícil convencer o mundo da novidade radical do Evangelho de Jesus Cristo. Mas toda tentativa de ser fiel envolve o desejo de partilhar o Evangelho com outros. O evangelismo faz parte de nossa fidelidade a Deus. Sem um comprometimento com o evangelismo, nosso compromisso cristão está incompleto. Ao mesmo tempo, precisamos reunir essas dimensões de fidelidade e de fé porque tornar-se cristão, ser convidado a aceitar Jesus Cristo significa ser convidado a participar do seu Reino, do seu próprio movimento de amor na história. Tornando-nos cristãos, não podemos fugir à história. A posição católica Realizou-se em Roma (1974) um Sínodo de Bispos da Igreja Católica Romana sobre o tema “A evangelização do mundo”. Os Sínodos de Bispos, na Igreja Católica, auxiliam o papa em sua função pastoral e em seu magistério. Em geral, refletem a sabedoria coletiva dos bispos; seus resultados são então comunicados ao papa, que mais tarde os utiliza no que deseja dizer com sua própria autoridade. O papa publicou (dezembro, 75) uma exortação apostólica intitulada Evangelii Nuntiandi (Evangelização do mundo moderno). Nela, reconhecia o trabalho dos bispos e em seguida estendia-se sobre ele. Paulo VI começava com o lembrete de que a apresentação da mensagem do Evangelho não é opcional para a Igreja. É um dever que lhe é imposto por ordem do Senhor Jesus, para que as pessoas possam crer e ser salvas. Cristo é o supremo evangelista. Ele proclama o Reino e, no Reino, uma salvação libertadora; ele acompanha sua missão evangelística com sinais evangélicos e especialmente um sinal ao qual Cristo dá grande importância — o de que os pobres e humildes sejam evangelizados. Os discípulos de João Batista perguntaram a Jesus: “És tu aquele por quem estávamos esperando ou precisamos esperar por alguém mais?” Jesus não respondeu sim nem não. Disse apenas: “Dizei a João quais os sinais que estão sendo manifestados — a cura dos doentes e a boa nova pregada aos pobres” (Lc 7. 18-23). O anúncio do Evangelho aos pobres era um sinal do Reino, um claro sinal da vocação messiânica de Jesus. Para o papa, a tarefa de evangelizar todo mundo constituía a missão essencial da Igreja. Nisso ele estava de acordo com o Secretário Geral do Conselho Mundial, Dr. Philip Potter, que, dirigindo-se ao Sínodo, declarou que “a evangelização é o teste da vocação ecumênica”. Também concordava com a ênfase dada em Lausanne à evangelização como missão fundamental e essencial. A Igreja evangeliza quando “busca converter, unicamente através do poder divino da mensagem que ela proclama, tanto a consciência pessoal como coletiva, nas atividades em que as pessoas empenham, em sua vida e em seu ambiente concreto”. Existe uma tensão aqui. O papa deseja tornar claro que a evangelização, no sentido de chamar as pessoas à fé em Cristo, é a vocação principal da Igreja. Ao mesmo tempo, reconhece que é impossível cumprir essa missão sem relacioná-la com todos os aspectos da vida das pessoas.
  • 25. A salvação que é prometida por Cristo é transcendente e escatológica, mas tem seu começo nesta vida. Portanto, a mensagem é também “sobre os direitos e deveres de todo ser humano, sobre a vida em família, a vida em sociedade, a vida internacional, a paz, a justiça e o desenvolvimento”. É uma “mensagem particularmente enérgica, hoje em dia, sobre a libertação”. É claro que o papa deseja afirmar duas coisas — mantendoas em tensão criativa. Primeiro, a salvação tem a ver com a vida eterna, é algo que depende de nossa relação com Deus em Cristo, com conseqüências que vão muito além de nossa vida histórica diária. Ao mesmo tempo, tem também conseqüências para a vida humana, aqui e agora, e aí “é impossível aceitar que na evangelização se possa ou se deva ignorar a importância dos problemas, hoje tão discutidos, e que dizem respeito à justiça, à libertação, ao desenvolvimento e à paz no mundo. Isso seria esquecer a lição que nos vem do Evangelho, com relação ao amor ao próximo que sofre e passa necessidade.” Mas o papa diz, falando sobre a Igreja, que “ela reafirma a primazia de sua vocação espiritual e recusa-se a substituir a proclamação do Reino pela proclamação de formas de libertação humana. Ela até declara que sua contribuição à libertação ficará incompleta se deixar de proclamar a salvação em Jesus Cristo.” Não haveria muitos fiéis na Igreja Católica que gostariam que ela substuísse a proclamação do Reino de Deus pela proclamação de qualquer forma de libertação humana. Muitos, entretanto, gostariam de ver a manifestação do Reino de Deus sob formas de libertação humana, como uma antevisão, como a vanguarda do Reino. O próprio papa indica que Cristo realizou sua proclamação através de inúmeros sinais que surpreenderam as multidões e que o sinal mais importante foi a evangelização dos pobres. Assim, palavras e atos, sinais e milagres, são todos componentes de nossa proclamação, uma antecipação e vivência do Reino de Deus. O papa também reconhece a liberdade com a qual temos de responder aos mais diversos contextos. Sua preocupação é assegurar-se de que nosso envolvimento com a libertação não seja concebido como substituto do anúncio da salvação em Cristo. É a mesma preocupação expressa na carta da Igreja Ortodoxa Russa ao Conselho Mundial de Igrejas, que insistia em que não devíamos esquecer a natureza escatológica da salvação e a realidade da vida eterna. O lado positivo da Evangelii Nuntiandi é sua afirmação da necessidade de referir o nome de Cristo - de apontar para ele, sua vida, seu magistério, sua morte e ressurreição — em nossa evangelização e o reconhecimento simultâneo de que missão e evangelismo envolvem responsabilidade em todas as instâncias da vida. O diálogo sobre o evangelismo, tanto dentro da Igreja Católica Romana quanto no movimento ecumênico, muito lucraria com uma nova leitura de “A constituição da Igreja no mundo moderno” e do trabalho dos teólogos da libertação, que tentam superar o dualismo entre a salvação escatológica e a libertação histórica. Será possível preservar essa dimensão da vida eterna, a consumação escatológica de nossa salvação e ao mesmo tempo ver a realização dessa salvação em nossa história quotidiana? Nairóbi 1975 — em busca da convergência Em Nairóbi, Quênia (1975), realizou-se a Quinta Assembléia do Conselho Mundial de Igrejas, tendo como tema “Jesus Cristo Liberta e Une”. Uma das seis seções concentrou-se no sub-tema “Confessando Cristo hoje”. Essa Assembléia e essa seção em
  • 26. particular tiveram o benefício da participação de pessoas que haviam estado em Bangcoc e em Lausanne, bem como a de assessores católicos. Nairóbi, portanto, foi a primeira reunião ecumênica que tentou compatibilizar as diversas posições. O Acordo de Lausanne sobre a Evangelização Mundial, a encíclica do papa e “Confessando Cristo hoje” desejam, todos eles, preservar um claro conteúdo doutrinário, o cerne da evangelização e, ao mesmo tempo, estabelecer um sério compromisso com a causa da justiça humana. Nairóbi, respondendo a essa preocupação, disse: “O Evangelho sempre inclui o anúncio do Reino e do amor de Deus através de Jesus Cristo, a oferta da Graça e do perdão dos pecados, o convite ao arrependimento e à fé nele, o chamado ao companheirismo na Igreja de Cristo, o mandamento para dar testemunho das palavras e atos salvadores de Deus, a responsabilidade de participar da luta pela justiça e dignidade humana, a obrigação de denunciar tudo o que impede a integridade humana e um compromisso de arriscar a própria vida”. 19 Bangcoc havia afirmado o valor das portas de entrada; porque não podemos fazer tudo em todo lugar a todo momento, devemos, através de uma obediência especial a um aspecto particular do Evangelho, entrar na totalidade deste. Nairóbi afirmou que o Evangelho sempre inclui “a participação na luta pela justiça, a obrigação de denunciar tudo o que impede a integridade humana”. Tendo aprendido com as reações críticas a Bangcoc, Nairóbi utilizou certas salvaguardas para evitar malentendidos: “Lamentamos que alguns reduzam a libertação do pecado e do mal a dimensões sociais e políticas, da mesma forma como lamentamos que outros limitem a libertação às dimensões particulares e eternas”. Mas os participantes estavam conscientes de que milhões de pessoas não tiveram a chance de ouvir o Evangelho e essa consciência levou-os a confessar o fracasso das 19 “Breaking Barriers: Nairobi 1975”, David M. Patoned, Genebra, CMI, 1976, p. 52. As citações que se seguem são também do mesmo livro. Igrejas em serem fiéis à sua vocação de partilhar o Evangelho com todas as criaturas. Nairóbi foi uma assembléia amistosa. Numa atmosfera de reconciliação, lembrou aos cristãos que se empenhar na missão e na evangelização representava um custoso apostolado. “Há uma estreita ligação entre confessar Cristo e converter-se ao seu apostolado. Os que confessam Jesus Cristo negam-se a si mesmos, o seu egoísmo e a sua escravidão aos “governos e potências” perversas, tomam suas cruzes e o seguem. “ Em seguida, a assembléia explicitou o custo do apostolado, o preço que muitas pessoas pagam, no presente, por serem fiéis ao Evangelho. Deplorou “as conversões baratas, sem conseqüências” e uma “pregação superficial do Evangelho, um evangelho vazio sem um chamado ao apostolado pessoal e comunitário”. Melbourne 1980 — os pobres A Comissão de Missão Mundial e Evangelismo do Conselho Mundial convocou uma outra conferência, dessa vez em Melbourne, Austrália (1980). O tema principal foi a prece de Jesus: “Venha o teu Reino”. A seleção do tema foi, por si só, um exercício espiritual, uma tentativa de discernir a situação da humanidade hoje, à luz da mensagem bíblica. Havia uma consciência profunda da gravidade do sofrimento humano no mundo e a convicção de que não existiam soluções humanas prontas. A melhor coisa, pareceu a todos, seria concentrar-se na prece de Jesus. A crescente polarização na política das grandes potências mundiais; a ameaça de destruição nuclear; a crescente diferença entre ricos e pobres, entre as nações e dentro de cada uma delas; a contínua marginalização de milhões de pessoas — tudo isso influenciou a escolha do tema.
  • 27. Havia uma convicção geral, na conferência, de que não se poderia falar ou pensar no Reino de Deus sem concentrar nossos pensamentos e nossas orações na situação dos pobres da terra hoje. Os estudos bíblicos reforçaram essa convicção. Levaram os participantes a redescobrir a preocupação especial de Deus com os pobres, os oprimidos e os marginalizados. O próprio ministério de Jesus não poderia ser entendido fora de sua impotência e de uma identificação com os setores mais pobres de sua sociedade. Cristo foi morrer fora das portas da cidade, para mostrar aos que nada eram aos olhos dos poderosos, que pertencia à periferia. Essa consciência espiritual de Melbourne foi fortalecida por análises sociais, econômicas e políticas que mostraram claramente que a pobreza nada tem a ver com a vontade de Deus. A pobreza não é uma questão de destino; é conseqüência da organização das relações nacionais e internacionais. Está ligada às relações de Estado, comércio, dominação, dependência, classe e à exploração que prevalece no mundo das nações e dentro de cada nação. Os cristãos são chamados a atacar essa questão do ponto de vista do Reino de Deus. Desafiados pela própria identificação de Jesus com os pobres, não mais podemos considerar nossa própria relação com os pobres como uma questão ético-social; é uma questão evangélica. Nosso amor ao próximo torna-se concreto em nossas relações com os pobres. Para muitos de nós isso implica no reconhecimento de nossa parcela na culpa coletiva — quer seja de nosso país, quer de nossa classe social, que se beneficia da situação existente. Os pobres da Terra foram vistos como vítimas dos pecados dos outros. Somos todos pecadores, ricos e pobres; essa é uma dimensão do Evangelho. Mas Jesus olhava para as multidões com compaixão, porque reconhecia nelas pessoas que eram vítimas dos pecados dos outros. No Antigo Testamento encontram-se com freqüência referências à pobreza ou aos pobres, que são também declarações sobre a exploração e a opressão. Essa concentração nos pobres resultou numa dinâmica espiritual; a reunião chamou as Igrejas a se identificarem com os pobres e a se tornarem Igrejas solidárias com os pobres. Houve também o reconhecimento de que os pobres, como objetos do amor de Deus, deveriam tornar-se sujeitos de sua própria história e que a missão da Igreja deveria facilitar a organização dos pobres e sua participação no Reino de Deus e na missão da Igreja. Nos últimos vinte anos, tem-se dito inúmeras vezes que a Igreja deveria ser “a voz dos que não têm voz”. Essa era uma função necessária. Mas havia um elemento de paternalismo nesse papel. O mais importante é ajudar os pobres a se organizarem, de modo que façam ouvir sua própria voz. O chamado de Deus à conversão é dirigido a pessoas que devem respondê-lo como pessoas. É um chamado a desempenhar um papel de protagonista. Levar isso a sério, na vida da Igreja, é sugerir que os pobres se tornem os verdadeiros evangelizadores. Prevê um movimento do Espírito de Deus nas massas de pobres do mundo, que são capazes de evangelizar os próprios pobres. Através da evangelização dos pobres, um chamado ao arrependimento, à solidariedade e à vida nova chega a todas as pessoas e a todos os setores da sociedade. Jesus estabeleceu uma clara ligação entre a vinda do seu Reino e a proclamação da Boa Nova aos pobres (Lc 4.18; 7.22). As Igrejas não podem esquecer essa tarefa evangelística. Os pobres do mundo, que formam a maioria da população, estão esperando por esse testemunho do Evangelho, que será realmente uma boa nova para eles. Na Conferência de Melbourne, começamos a discutir algo que é de vital importância para todos os que se preocupam com a missão mundial da Igreja. Quando falamos a respeito dos pobres e quando nossos amigos evangelicais falam dos “inatingidos”, estamos com freqüência falando das mesmas pessoas, porque a maioria dos pobres do mundo não são cristãos. Assim, nossa abordagem do próximo não é tanto em termos de suas convicções religiosas, mas sim em termos de sua condição humana total.
  • 28. Dirigimo-nos a eles como pessoas que são vítimas da divisão de poderes e divisão do trabalho no mundo e como pessoas por quem Deus tem uma opção preferencial, e nos empenhamos com eles numa ação que transformará isso numa realidade histórica. Se acreditamos que Jesus traz a Boa Nova aos pobres, devemos levar em consideração fielmente as conseqüências para a missão da Igreja. Não será verdade que os pobres tenham “a visão mais clara, a associação mais íntima com o Cristo crucificado que sofre neles e com eles, e. . . que hoje em dia eles sejam a vanguarda da missão da Igreja?” 20 Para todos nós, porém, pobres ou não, o chamado à solidariedade com os pobres levanta a questão das estruturas que criam a pobreza. Há uma responsabilidade cristã para transmitir o amor sob forma de justiça. Se nos preocupamos com os pobres apenas como vítimas da pobreza, e se evitamos procurar as causas que estão na raiz dessa pobreza, traímos a nossa vocação. Essa é, na verdade, a nova descoberta — a de que não podemos limitar-nos à “proclamação direta do Evangelho”, a não ser que consideremos com máxima seriedade a situação das pessoas a quem ele é proclamado. Nossos amigos evangelicais estão também impressionados com o fato de que os inatingidos são os pobres. Passo a citar a consulta sobre “A Igreja em resposta à necessidade humana”, à qual já me referi anteriormente: Quando refletimos sobre os quase três bilhões de pessoas que ainda não ouviram falar do Cristo e do seu Evangelho, ficamos impressionados pela terrível constatação de que a maioria delas é constituída de pobres e que muitas estão ficando ainda mais pobres. Milhões dessas pessoas vivem situações em que sofrem exploração e opressão e em quer sua dignidade como pessoas criadas à imagem de Deus está sendo violentada de muitas maneiras. Devemos comover-nos profundamente com a sua infelicidade. Nosso Senhor Jesus Cristo nos redime da perdição eterna e estabelece seu domínio sobre toda a nossa vida. Não limitamos, pois, o nosso evangelho a uma mensagem sobre a vida após a morte. Nossa missão é muito mais ampla. Deus nos chamou para proclamar Cristo aos perdidos e chegar até as pessoas em nome de Cristo, com compaixão e preocupação com a justiça e a eqüidade.21 A linguagem é diferente, mas a preocupação e a consciência são as mesmas. Enfrentamos uma realidade humana que desafia a totalidade do nosso compromisso cristão. É impossível dizer que se pode limitar a um evangelho espiritual ou material, porque em Jesus Cristo e na real experiência de nosso trabalho missionário o evangelho material e o espiritual são um único: o Evangelho do Deus encarnado em Jesus Cristo, chamando-nos a participar com Deus naquela invasão de amor. “Missão e Evangelização — Uma Afirmação Ecumênica” A Afirmação Ecumênica sobre Missão e Evangelização, publicada pelo Conselho Mundial de Igrejas é resultado de um longo processo de consulta com Igrejas Membros, organizações especializadas e teólogos de diversas confissões. A Afirmação começa com uma visão escatológica de um novo céu e uma nova terra — como a inspiração por trás de toda atividade cristã na história. Passa, em seguida, ao reconhecimento da enormidade do pecado humano. Esses dois aspectos, reunidos, formam o quadro que permite entender a urgência da missão da Igreja — chamar as pessoas e as nações ao arrependimento, anunciar o perdão dos 21 22 20 ”Venha o teu reino: perspectivas de missão”, Genebra, CMI, 1980, p. 219 22 Carta de Wheaton às Igrejas, p. 15 Esse documento foi publicado como 4.° volume na Série Missão, CMI, 1983