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REVISTA PAULISTA DE
CULTURA E POLÍTICA
Nº 3 Março/2014
MARÇO DE 2014
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REVISTA PAULISTA DE CULTURA E POLITICA
Editorial ....................................................................................................................... 03
Moedas Sociais...............................................................................................................04
Roberto Tonin
Arte Moderna e Ideologia – Parte I: Picasso e Dali.........................................................08
Roberto Tonin
A Desproporcionalidade na representação política no Brasil ........................................20
Roberto Tonin
3
Editorial
Neste ano de 2014 a temática da Autonomia volta a ter destaque nos meios de
comunicações. Na Europa estão agendadas referendum na Escócia em 18 de
setembro e Catalunha em 9 de novembro, além do referendum realizado na Criméia
em 16 de março que garantiu a liberdade de seu povo, e da consulta também já
realizada entre 16 e 21 de março no Veneto, que será base para um referendum em
breve. Além destas regiões, a Valonia, Bretanha, Regiões Bascas, Galicia, Corsega
reforçam seu ativismo contra sua submissão a Estados Nacionais obsoletos e
incoerentes diante da Federação Européia em formação. Alguns questionam mesmo a
necessidade de um Estado Continental, cada vez mais centralizado e normatizador
que esta se tornando a União Europeia. Os povos temem a transformação da Europa
com sua diversidade cultural e étnica, numa cópia dos Estados Unidos, com sua
pasteurização cultural e crescente centralismo politico e administrativo, que gera uma
polarização entre o extremo coletivismo e o extremo individualismo. Os povos
europeus querem assegurar a existência da vida comunitária, sem coletivismos ou
individualismos, e garantir a humanidade de suas relações, livres de artificialismos
ideológicos que impregnam a politica americana, e que agora contaminam a politica
europeia, mostrando a subjugação dos Estados Nacionais obsoletos da Europa as
vontades de estrangeiros.
Outras regiões do mundo também estão se mobilizando neste ano para obterem
a tão almejada autonomia e liberdade para seus povos, a Nova Caledônia,
Bougainville, Groelândia, Quebéc e Região Camba, são nossos outros estimulos para
pensar e agir em prol das reais necessidades de nosso povo.
Na presente edição vamos abordar a existência das chamadas moedas sociais,
o dinheiro local usado pelas comunidades para dinamizar a economia regional. Uma
estratégia muito acertada que possui ótimos precedentes em outros países. O dinheiro
local estimula a cooperação, reforça a identidade e permite o surgimento do
sentimento de poder local. Removendo as correntes da submissão e dependência
imposta pelas praticas politicas corruptas dos governos e partidos centralistas.
Na sequencia iremos tratar da relação da ideologia politica esquerdista com a
chamada Arte Moderna. Neste artigo, o primeiro de uma série que irá analisar a lógica
por trás da chamada Arte Moderna, irá focar no antagonismo entre Pablo Picasso e
Salvador Dalí. O primeiro tornou-se o garoto propaganda da Arte Moderna e do
movimento esquerdista internacional, valendo-se da fraude e oportunismo mesquinho.
O segundo a despeito de sua superioridade técnica e empenho acadêmico, ou talvez
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por causa dela como ressaltado pelo próprio Dalí, foi expulso de ambos os
movimentos devido a sua independência individual e, sobretudo devido a sua defesa
intransigente dos valores morais essenciais, O que valeu a Dalí o epíteto de fascista,
imposto pela mídia esquerdista a todos os que os contrariam. Abordando os dois
artistas mais significativos, semelhantes, contraditórios e que tomaram rumos
completamente diferentes, esperamos buscar um pouco de esclarecimento tanto do
uso da arte, como do uso da ideologia sobre as vidas e destinos das pessoas.
O artigo final abordará uma questão bem técnica, e sumamente importante para
nosso povo. A questão da desproporcionalidade no sistema eleitoral, que gera uma
divergência gritante entre a quantidade de votos e o numero de políticos eleitos entre
os estados do Brasil. Vamos abordar seus efeitos sobre os partidos políticos e fazer
uma reflexão sobre a legitimidade das ações dos políticos eleitos sob a
desproporcionalidade, contrariando as vontades majoritárias da população e
eleitorado.
5
Moedas Sociais
Roberto Tonin
Existem no país 103 moedas alternativas ao real circulando livremente com a anuência do
banco central. O propósito do dinheiro local é fortalecer a comunidade, evitando que as
pessoas gastem seu dinheiro fora de sua região. Isso porque existe um circulo vicioso na
pobreza, quando um grupo de pessoas obtém recursos por meio de trabalho fora de sua
localidade, acaba gastando esse dinheiro no comércio e serviço também fora de sua
localidade, seja por não haver tais ofertas em sua região ou por simples comodidade. Desta
forma a moeda social tem como propósito romper esse obstáculo de forma dupla. Por um
lado através de empréstimos de pequenas somas, se viabiliza a empreendedores locais a
criação de comércio e serviços. Uma vez existindo a oferta, o dinheiro é estimulado a
permanecer no local ao utilizar a moeda social como parte de pagamento de empregados na
comunidade. Desta forma o dinheiro passa a circular na região proporcionando o estímulo
necessário para novos empreendimentos.
Geralmente as moedas sociais são associadas a bancos comunitários para permitir
empréstimos de micro-crédito. Única alternativa para pessoas de baixa renda que não
tinham possibilidades junto a bancos comerciais.
Foi constatado que o uso de moedas sociais eleva a autoestima da população de locais
carentes. Por se tratar de um dinheiro exclusivo da comunidade, e o seu uso implicar uma
rede de solidariedade e confiança, a moeda social incrementa um valor cultural á
comunidade.
O interessante é que não há marco regulatório para as moedas sociais. Fato chocante num
pais onde tudo, absolutamente tudo é regulamentado ou em vias de regulamentação. Existe
atualmente apenas um procedimento administrativo do banco central para autorizar a
emissão do dinheiro local, mediante o depósito em reais. E isso ainda é instável, já que até
2003 o Banco Central proibia a circulação de tais moedas paralelas ao real, e em 2011 o
6
Ministério Público, sempre ele, instaurou um processo exigindo explicações quanto a
legalidade da moeda em circulação.
A experiência possui o precedente na Suíça. O Wirtschaftsring-Genossenschaft, conhecido
como Círculo Econômico Suíço, foi criado em 1934 e é a experiência mais bem sucedida de
moeda local. Essa estratégia foi um dos responsáveis por proteger a Suíça da recessão
europeia, e a moeda local convive com o franco suíço, superando 1 bilhão de Euros em
circulação.
Em São Paulo temos várias moedas sociais em circulação, criadas por associações e apoiadas
por universidades locais.
Vida é o dinheiro local no bairro de Jardim Gonzaga em
São Carlos, embora possa circular em bairros vizinhos. A
moeda foi criada pelo Banco Comunitário Nascente com o
apoio da Igreja Católica que arrecadou o montante
necessário para o lastro em quermesses, e o apoio
técnico do núcleo de economia solidária da Universidade
Federal de São Carlos.
O Sampaio é o dinheiro local no bairro de Jardim Maria Sampaio na zona sul da capital
paulista. Já na zona norte existe o Apuanã, em circulação nos arredores do bairro Jardim
Filho da Terra. Também na zona sul há o ‘Moradia em Ação’ que circula no Jardim São Luís.
Na zona oeste tem o ‘Vista Linda’ no Jardim Donária. Na
zona leste existe o ‘Freire’ no bairro de Inácio
Monteiro. Estas moedas são emitidas por bancos
comunitários. apoiados pela Incubadora Tecnológica de
Cooperativas Populares da USP. Os bancos emprestam
dinheiro para consumo sem taxas de juros, e para
empreendimentos com juros irrisórios. As pequenas taxas servem apenas para sustentar as
pequenas despesas de gerenciamento. Não há lucro, apenas solidariedade. Algo bem
distinto dos bancos comerciais, que são 6 das 10 empresas que mais lucram no Brasil.
A lógica da retenção do dinheiro recebido pelos moradores para ser utilizado na própria
localidade pode gerar uma série de reflexões: a pobreza não é a ausência de dinheiro e sim
a ausência de oportunidade; doações de bens e comida com o intuito de amenizar a miséria,
7
apenas a perpetua, pois não rompe o fator de estagnação produtiva, aqui podemos recordar
a lição religiosa ‘não de o peixe, ensine a pescar’; ser capaz de controlar alguns aspectos de
suas vidas, no caso a disponibilização de crédito circulante, aumenta a sensação de poder da
comunidade, permitindo a redução da alienação e elevando o nível de solidariedade e
autonomia comunitária; uma vez percebido que a permanência do dinheiro ganho na própria
comunidade é altamente benéfica para o bem-estar e progresso desta, começa a questionar
as transferências obrigatórias de dinheiro para o governo por meio de impostos, que não
são reaplicados na comunidade, ou então voltam como um ‘favor’ de algum político. Haverá o
momento em que o povo perceberá a armadilha fiscal em que é vítima?
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Arte Moderna e Ideologia – Parte I: Picasso e Dali
Roberto Tonin
Dalí foi além da imaginação de sua época ao desconstruir
imagens clássicas e remonta-la através do imaginário
simbólico do subconsciente. Os modernistas, incluindo mais
tarde Picasso, desconstruíram o imaginário tradicional, mas
não deixaram nada no lugar, apenas o caos. Há
notavelmente uma enorme distancia entre as obras
modernista-surreais de Dalí e as obras modernista-abstratas
de Picasso. O que levou os dois amigos, conterrâneos a desenvolverem um confronto de
estilos?
Contexto.
O modernismo surge como um engajamento de artistas num combate iconoclasta contra uma
civilização não tão civilizada. “O culto do feio”, tal como o escritor Emile Zola cunhou o
movimento, era a reação dos artistas e escritores ao perceberem que a sociedade era feia,
sobretudo quanto aos seus sentimentos. Eles procuraram ser apenas fieis a realidade, dizendo
que é preferível uma verdade horrorosa a uma mentira bela.
Psicanálise – A psicanálise tornou-se no inicio do século XX um movimento importante na
busca da compreensão do como a mente é composta e o que motiva as ações do homem. O
mundo da mente subconsciente começou a ser estudada pela mente consciente.
Física – A teoria da relatividade e a teoria quântica, desenvolvidas também em princípios do
século XX, levaram a uma mudança brusca da compreensão da natureza, sobretudo após a
fissão atômica, quando a própria ciência perdeu o caráter aventureiro e meio que fantasioso. A
bomba nuclear gerou um cisma do antes e o depois da ciência se comprometer com o poder.
Guerra – A mortandade sem sentido provocada pela Primeira Guerra Mundial, deixando
também milhões de mutilados e milhões com traumas psíquicos que os hospitais militares não
conseguiam tratar. A “Chuva de Aço” destruiu também a ingenuidade romântica da civilização
ocidental. A beleza do idealismo morreu asfixiada com gás mostarda numa trincheira
pestilenta. Jovens intelectuais irritados com a destruição física e emocional causada pela
guerra revisitaram a afirmação do filósofo Rousseau de que ‘a civilização, ciência e arte eram
apenas um simulacro para ocultar a podridão das emoções humanas’.
A Burguesia – industriais e empresários, alvos dos ataques modernistas, acabaram abraçando
a nova arte, porque estavam em busca de sua própria cultura, uma vez que o classicismo era
associado a nobreza. E a nobreza estava quase toda enterrada em Flandres e Verdun. Grande
parcela da aristocracia europeia morreu na primeira guerra mundial. A burguesia, desprezada
pela nobreza, surge como a elite sobrevivente e ansiosa para criar uma identidade própria.
9
A revolução modernista.
A burguesia dirige seus olhares para obras modernistas, Van Gogh, Cézanne e Gauguin, havia
se tornado percussores da revolução modernista, a burguesia percebe que a sociedade já
produzia sua própria arte. Mas a burguesia não precisava do artista como um pintor
profissional, uma vez que poderia usar a fotografia para sua crônica histórica, retratos e
publicidade. Entretanto, eles perceberam que a arte poderia ser um bom negócio se fosse
produzido em grande escala.
A principio a arte acadêmica estava nas mãos da nobreza, que não receberam os percussores
modernistas. Cézane (1839-1906), Van Gogh (1853-1890) e Gauguin (1848-1903) tinham muito
pouca instrução formal. Eles não buscaram ‘aprender a pintar’ porque não desejam inibir a sua
espontaneidade. Os artistas, rejeitados pelas escolas artísticas formais, alegaram que não
queriam apreender o aspecto físico de seus modelos, mas seu caráter e emoção. Passaram a
se engajar numa luta contra as impressões sensoriais.
Cezanne decidiu que o conteúdo de sua arte estava no que seus olhos percebiam. Suas
pinturas devias ser percepções da natureza, mas não fieis a ela. O artista deveria se voltar para
a natureza, mas não para servi-la ou imita-la. Emile Zola, o escritor, apesar de apoiar o
movimento artístico contra a nobreza recusou-se a escrever sobre a obra de Cezanne, pois ele
sentia que ele ‘pintou mal’ só porque não poderia pintar melhor. Um aspecto que foi
levantado décadas depois por Dali.
Desde a Renascença, com o resgate da arte greco-romana, os artistas tinham aprendido que as
formas naturais são basicamente geométricas. Tudo pode ser reduzido a circulo, triangulo,
quadrado e retângulo. Cezanne disse que a forma geométrica tinha sua própria postura e
deveria ser mantido pelo artista em sua pureza. O artista deve abandonar a posição de
ilustradora da literatura, ganhando sua própria liberdade.
Gauguin foi o primeiro artista a se isolar da civilização, buscando novas fontes para sua
inspiração artística. Viajou para o Peru e Tahiti. Van Gogh buscou junto com Gauguin um
rompimento com a pintura ilusionista, evitando o tridimensional. Eles buscavam apresentar
uma vibração espiritual mais elevada com a cor, o que eles sentiam que seria impossível se o
artista ficasse preocupado com a técnica.
Van Gogh queria pintar com a simplicidade tal como o pensamento de uma criança. Para voltar
á natureza deveria ver o mundo como uma criança, agir como criança, sentir como criança. É
por isso que acreditava que a cor deveria ser aplicada da forma pura, com um senso de
urgência na tela. A sensação de emoção só poderia ser alcançada sem exatidão. Voltar-se ao
naturalismo deve ser feita através da forma espontânea e das cores variadas.
Em 1905 foi realizada a primeira exposição fauvista em Paris. Na Alemanha a nova tendência
foi chamada de expressionista, de acordo com este novo movimento a arte não era um
pensamento, mas um fato. A pintura não podia se apegar a pensamentos ou cores. Maurice
de Vlaminck (1876-1958), gabava-se de nunca ter pisado no Louvre, que ao invés preferia
passar o tempo no Trocadero, local de exposição de arte Africana. Vlaminck como os fauvistas
e expressionistas revoltavam-se contra a academia formal, acusando-os de defenderem
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formas decadentes de arte, a serviço da nobreza aristocrática. Edward Munck (1863-1944) e
Vassily Kandinsky (1866-1944) clamavam contra a civilização, afirmando que o que se precisa
são bárbaros.
Em 1907, após a morte de Cezanne, foi aberta uma galeria em Paris para promover o cubismo.
Picasso e Braque são os grandes nomes da nova tendência. Que mais tarde influencio Dalí.
Picasso afirmou que não tinha intenção de inventar o cubismo, ele surgiu como um fato
pictórico. Intencional ou não, a velha academia não apenas cedeu a pressão do modernismo,
como tornou-se ela própria a academia da anti-arte, com suas regras e estilos próprios.
Em 1917 surge o Dada Magazine, editado por Tristan Tzara. A publicação visava dar
continuidade ao movimento revolucionário contra a arte convencional. Sua arte subversiva
buscava afirmar o inconsciente contra o chamado de lucidez da consciência. Buscando mostrar
a estupidez a que a sociedade estava reduzida. No mesmo ano Marcel Duchamp envia suas
‘criações artisticas’ para uma exposição em Nova York, o famoso urinol invertido. Os dadaístas
o consideraram o seu precursor artístico. Mais tarde uma dissidência do movimento dadaísta
resultou no grupo surrealista, liderado pelo escritor André Breton (1896-1966), que definia o
surrealismo como um ‘automatismo psíquico puro, pelo qual se propõe exprimir, tanto
verbalmente, tanto pela escrita, tanto por qualquer outra maneira, o funcionamento real do
pensamento. Ditação do pensamento, na ausência de todo controle exercido pela razão, fora
de toda preocupação estética ou moral’ (Manifesto Surrealista, André Breton).
Picasso e Dali.
Picasso chegara a Paris na virada do século, vindo da Andaluzia/Espanha.
A cidade fervilhava com a revolução modernista, todas as regras da
pintura, literatura, música e escultura estavam sendo quebradas. E
Picasso não queria ficar alheio a este acontecimento. E, sobretudo sabia
o que não queria em relação à arte, a velha pantomima dos poderosos. A
arte moderna se considerava moderna porque repudiava as ‘grandes
histórias’ pintadas para aristocratas e reis. O quadro ao lado representa
este engajamento de Picasso, ‘Menino conduzindo um cavalo - 1906’. O
menino nu, desprovido de quaisquer elementos heroicos, num ambiente
vazio, sem qualquer história, assunto ou mensagem. Apenas o moderno
surgindo do arcaico. Porém se a inspiração mostra-se inovadora, ele mantem a técnica
acadêmica, com a ideia de profundidade, com a textura dos personagens, numa disposição
sobre o cenário, que apesar de árido, ainda mantem a necessidade de um local discernível
para o evento narrado.
Uma vez desprezando a história e os atos gloriosos, Picasso buscou
destruir a beleza, elemento essencial do ideal clássico da arte. O que na
pintura é representado frequentemente através da sensualidade feminina.
Os modernistas projetaram suas novas visões estéticas como Gauguim:
1 11'Reo Mã´ohi',
1897, Paul Gauguim.
11
Mas nada se compara ao ataque feroz de Picasso a estética clássica
com o seu “Les Demoiseiles D’ Avignon, 1907”, nele fortemente
influenciado pelo primitivismo, Picasso retrata cinco prostitutas de
forma levemente cubista. A obra é qualificada como pré-cubista, mas
esta presente em um modo insipiente. Aniquila tudo que antes era
associado a mulher retratada pela pintura, beleza, sensualidade,
graciosidade. Em sua obra, só há a brutalidade de um bordel. Nesta
obra Picasso define a supressão da profundidade, e torna irrelevante a necessidade de cenário.
É uma marca da adesão de Picasso ao abstrato. (figura a esquerda).
Em seguida Picasso ataca a de vez a ideia de semelhança, constante da
arte tradicional, nos quadros sempre implicou uma representação bi ou tri
dimensional de personagens, objetos ou paisagens. Transmitindo ou não
idéias ou valores, a representação sempre visou atingiu uma grau de
semelhança. Mas Picasso queria demolir essa constante. E apresentou
‘Retrato de Ambroise Vollard – 1910’ (figura a direita), obra que marca a
completa adesão de Picasso ao cubismo e a inspiração abstrata. Na obra
não há formas, qualquer indicio de um personagem físico, apenas uma
ideia de um personagem. O sentimento que é transmitido pela obra não é claro. Mas Picasso
busca criar impacto com sua obra, não tem preocupação em agradar o seu público, e
rapidamente torna-se um ícone da inovação dentro do movimento modernista.
Nos anos 1920 Picasso foi convidado para integrar o
movimento surrealista, mas ele não aderiu,
entretanto participou de várias exposições
surrealistas entre 1925 e 1936, com obras como
‘Minotauromaquia - 1935’ (figura a esquerda), obras
marcadas com grande originalidade, envoltas em
espaços opressivos e distorcidos de anatomias, que
parecem remetidas a um mundo onírico e cheio de
sugestões, ele flerta com o surrealismo mas mantem
seu próprio estilo. Ele próprio declarou: “Eu estou interessado na semelhança mais profunda,
mais real do que o real, que chega ao surreal”.
Em 1926 o jovem Dali, recém-expulso da Escola de Belas Artes de São
Fernando, se mudou para Paris, e foi imediatamente conhecer seu
conterrâneo Pablo Picasso, a quem admirava desde a juventude. As
obras pré-surrealistas de Dali possuíam uma influencia do cubismo de
Picasso, vide figura ao lado a obra ‘Cabaret Scene’ - 1922. Entretanto
rapidamente Dali se inseriu no movimento surrealista, na medida em
que sua capacidade técnica crescia, fazendo crescer também sua
repulsa pela abstração.
Dali concebeu aquilo que definiu como método atividade paranoico-
critico. Este método envolve entrar em um estado alterado de
consciência, como sonhando ou meditando, e em seguida, uma vez
2 Cabaret Scene, 1922.
Salvador Dalí.
12
fora do estado alterado, ser capaz de lembrar e reproduzir as imagens criadas pela mente
subconsciente. Dali disse que todos os seres humanos envolvem nisso de alguma forma, tal
como o processo que usamos ao olhar para nuvens e percebemos figuras e imagens nelas.
Na obra ao lado, ‘Cesta de pão - 1926’, Dali demonstra um alto grau do
domínio da técnica. E passa a se afastar do abstracionismo, preferindo
buscar combinar o clássico ao moderno, e encontrou no surrealismo a
forma de expressão ideal para suas concepções.
Por meio de seu trabalho Dali percebeu o aspecto obscuro do
subconsciente e aquilo que se designou como ‘misticismo atômico’. A
ciência chegou a uma encruzilhada onde suas descobertas
poderiam por destruir a humanidade no duplo sentido da
expressão. Dalí passou a pintar sua obra de arte mística visionária
após a segunda Guerra Mundial, para ele o caos provocado pela
ciência moderna iria gerar um mundo ironicamente parecido com
uma pintura de Jackson Pollock, ou seja, uma ‘indigestão que se
tem, com sopa de peixe’. “A descoberta mais transcendente da
nossa época é que a constituição da matéria feita pela física
nuclear... a pintura moderna pode e deve prosseguir, mas apenas
a partir de uma única ideia: a descontinuidade da matéria”. (Libelo contra a arte moderna,
Salvador Dalí). Dalí concebeu seus relógios derretidos, ao mesmo tempo em que se referia aos
críticos de arte moderna como ‘os críticos ditirâmbicos de arte moderna antiquada’ que
odiavam o classicismo como um ‘arrogante rato de esgoto’.
O desejo modernista de manter a percepção de criança dentro de si implicava uma mente
aberta para a vida adulta. No entanto, a rejeição do ensino acadêmico era uma rejeição não
apenas da técnica convencional, técnica necessária para pintar três dimensões em uma tela
bidimensional, mas também uma rejeição da razão, razão marcada pela harmonia de formas e
pensamentos. O modernismo se fundou na rejeição ao conservadorismo, á técnica e razão, e
disso resultou no culto ao feio, no desejo egoísta de satisfação, no anseio pela destruição. Foi
contra esta ameaça que Dalí se manifestou, e é a razão pela qual se posicionou contra Picasso
e a anti-arte representada pelos modernistas.
Dali fazendo uso da ironia afirma: “A fim de permanecer em
sintonia com os críticos ditirâmbicos, pintores se dedicaram
ao feio. Quanto mais ele se viu, ou mais modernos que
fosse. Picasso, que tem medo de tudo, foi para o feio,
porque ele estava com medo de Bourguereau”
(Bourguereau foi um artista famoso que morreu em 1905 e
de cujas pinturas eram consideradas o auge do
conservadorismo). As pinturas de arte moderna eram
tremendamente feias e Picasso explorava isso ao máximo,
Dali proclamou que Picasso “depois de ter esfaqueado
Bourguereau quase até a morte, deveria dar o puntilla e
terminar a arte moderna de um só golpe sozinho, em um
“Em pintura, sou um idealista. Na arte só
vejo o belo, e para mim arte é o belo. Por
que repreduzir o que a natureza tem de
feio? Não vejo o porque disso ser necessario.
Pintar exatamente o que vemos – não! – ou
pelo menos não para aqueles que não sejam
extremamente talentosos. O talento redime
tudo e tudo desculpa. Hoje em dia os
pintores vão longe demais, assim como vão
os escritores e novelistas. Não se pode saber
onde eles vão parar”.
William-Adolphe Bouguereau.
3 Persistência da Memória –
1931. Salvador Dalí.
13
único dia produziu um feio mais repulsivo do que todos os outros em vários anos juntos”.
(Libelo contra a Arte Moderna – Salvador Dalí)
A guerra civil espanhola entre Dalí e Picasso.
Após um período conturbado entre 1923 e 1931, o governo monárquico organizou eleições
municipais em 12 de abril de 1931. A coalizão de esquerda venceu em 40 das 50 grandes
cidades, embora não tenha obtido expressão na área rural, os esquerdistas passaram a
apresentar o resultado eleitoral como uma espécie de Plebiscito anti-monarquia e
promoveram um golpe. Forçando a família real ao exílio. Ao compor o governo
majoritariamente, a recém criada ‘Republica’, adotou políticas radicais e contraditórias, devido
a heterogeneidade da coalização de esquerda. Em 1933 uma das facções do partido comunista
tentou um golpe de Estado para impor uma ditadura de estilo marxista-leninista. A oposição,
de direita, também heterogênea (monarquistas, unitaristas, católicos, militaristas, fascistas,
etc) se organizaram para fazer frente ao governo central. A Espanha atingiu o clímax do
dualismo politico nas eleições de 1935, obtendo 4,645 milhões de votos contra 4,503 milhões
de votos dos direitistas e 0,5 milhão dos liberais. Pelas regras eleitorais o vencedor – a
coalização de esquerda com 45% dos votos, obteve 80% das cadeiras parlamentares, gerando
enorme tensão.
Grupos regionais buscavam a independência de suas regiões, anarquistas causavam ataques
de vandalismo (só nos quatro meses que precederam a guerra civil, 159 igrejas foram
incendiadas) e o Partido Comunista financiado pelo URSS visava obter o controle total do
governo espanhol. A direita passou a receber apoio de Portugal e Itália, ambos fascistas. E nas
colônias africanas, um forte movimento de oposição toma forma, com apoio do exército
colonial. O choque era iminente.
Picasso, a despeito de se autodeclarar apolítico, na verdade era membro ativo do Partido
Comunista espanhol e francês. Em 1936 Picasso assumiu o cargo de Diretor do Museu do
Prado, embora não tenha exercido a função. Picasso pintou a série tauromaquia (exemplares
abaixo) representando o choque, a violência e fúria das touradas, que foi associada ao
14
ambiente socialmente turbulento da Espanha. Picasso associava a sociedade tradicional,
católica e rural a uma ‘Espanha negra’, sombria, talvez representada pela figura do minotauro,
ser obscuro. Enquanto a sociedade urbana, burguesa, era associava a vitalidade e progresso,
talvez representada pela luz, em lamparinas ou velas, presentes em diversos quadros da série.
Haveria um choque entre estas duas visões, como a que ocorre numa tourada. Não era mera
disputa politica entre partidos, mas uma verdadeira guerra ideológica. O novo governo exigia a
obediência a suas reformas, inclusive quanto a vida familiar e intima. Mudando a maneira de
viver. Alegando que o ‘conservadorismo’ havia realizado isso no passado ao impor sua ‘visão
de mundo’ a toda a sociedade. Cada lado via o outro como a perdição da Espanha, e exigia sua
erradicação.
Dali representou com maestria essa dualidade fratricida em que a
sociedade espanhola esta vivenciando. Seu quadro ‘Construção
Mole com Feijões Cozidos (Premonição da Guerra Civil)’ – 1936
(obra a direita), mostra a luta intransigente dos dois polos sob um
frágil equilíbrio. Concluída e exposta meses antes do inicio da
guerra, sua arte expressava sua aversão a luta que estava por vir.
No quadro fica evidente que o desfecho violento é inevitável, e
que o resultado, qualquer que seja, será prejudicial a ambos os
contendores. Os dois seres em luta formam o contorno do mapa
do pais, os feijões espalhados no chão representam o desperdício e a inconsequência da luta,
reforçada pela representação ferocidade dos seres digladiando-se, rasgando-se e se
destruindo-se.
Mas a obra mais famosa retratando a guerra civil espanhola é sem dúvida Guernica – 1937, de
Pablo Picasso.
Exposta na exposição internacional de 1937 de Paris, com o fito de atrair apoio a causa do
governo espanhol (coalização de partidos esquerdistas) contra os rebeldes fascistas de Franco.
Guernica foi produzida com um propósito claro, criar comoção e mobilização. E de fato o mural
se tornou o símbolo da guerra civil espanhola, e um alegado apelo contra a guerra. Também
tornou-se um panfleto contra os fascismos. Mas antes de Guernica, Picasso produziu
literalmente uma série de panfletos, intitulados ‘Sonho e Mentira de Franco’. (exemplos
abaixo) Tais panfletos, como outros materiais produzidos por artistas convidados pelo governo
espanhol, era ridicularizar os rebeldes liderados por pelo General Franco, associando-o ora a
uma espécie de Dom Quixote de cômicas pretensões, ora a uma fera monstruosa e
sanguinária, ora a um verme. Esse era o retrato desumanizador que o governo oficial espanhol
produzia para seus adversários, antes rival politico, agora um inimigo numa guerra fratricida.
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Picasso declarou durante a exposição: “Não, a pintura não é feita para decorar as habitações. É
um instrumento de guerra ofensiva e defensiva contra o inimigo.”
Entretanto a obra prima de Picasso, Guernica não possui nenhuma referencia concreta a um
ataque aéreo, do qual se alega a origem da obra, nem mesmo a Guerra civil espanhola é
evidenciada. Porem ele não é um quadro narrativo, mas simbólico. É pintado em branco, preto
e muitos tons de cinza.
Picasso começou a pintar sua obra em 18 de abril, sob encomenda para o pavilhão espanhol da
feira mundial. Mas o dito bombardeio de Guernica foi alegadamente realizado em 26 de abril,
sendo noticiado apenas no dia 28. De fato no inicio de 1937, Picasso recebeu uma comitiva do
governo espanhol que lhe encomendou a produção de panfletos artísticos contra Franco e
seus rebeldes, a serem distribuídos durante a feira mundial. E também se encomendou um
mural de 11 por 4 metros com a mesma finalidade. Picasso aparentemente pensou em
produzir uma versão de suas famosas Tauromarquias, dada a grande similaridade da obra
Guernica com as séries Tauromarquias (veja a comparação abaixo). Para a realização da obra
Picasso obteve a cessão de uma grande sala em Paris, na Rue des Grandes Augustins, nº 7,
local utilizado por Balzac e no momento era a sede de um grupo politico esquerdista ‘Contra-
Ataque’, do qual pertencia o surrealista Georges Bataille e Dora Maar, amante de Bataille e
Picasso. Curiosamente Picasso recebeu do governo espanhol o equivalente a 15% da verba
destinada a todo o pavilhão espanhol, e cuja nota de pagamento foi utilizada posteriormente
pelo governo espanhol para reclamar a posse da obra, atualmente pertencente ao Museu
Nacional Rainha Sofia em Madrid.
Guernica, Tauromarquia e panfleto ‘sonho e mentira de franco’, contem semelhanças nítidas,
vide acima. A expressão de desespero de pessoas, o touro feroz, cavalos se retorcendo de dor,
a luz de vela/lâmpada se impondo contra a ‘Espanha negra’ associada ao conservadorismo da
sociedade espanhola. Elementos que jogam a dúvida sobre a vinculação de Guernica ao
episódio ocorrido na cidade Basca. Aliás, o próprio bombardeio é questionado por
investigações históricas, que se supõe que tenha sido forjado, após uma explosão acidental ou
intencional, do paiol de munição guardado na cidade. A divulgação do episódio seguiu a linha
de muitos ‘fatos’ forjados pela máquina de propaganda do partido bolchevique da União
Soviética, tal como os alegados massacres de São Petersburgo de 1917. Picasso como membro
16
do partido comunista talvez tenha aceitado a divulgação de sua obra como referencia ao
fictício bombardeio para servir como peça de propaganda contra os rebeldes franquistas que
odiava.
Caso interessante e jamais exposto foi a perseguição anticatólica durante a Guerra Civil, que
apenas continuou um padrão já existente: nos só quatro meses que precederam a guerra civil
já 159 igrejas teriam sido incendiadas. Durante a Guerra, pela repressão republicana (governo
esquerdista), segundo o historiador Hugh Thomas, foram mortos 6861 religiosos católicos (12
bispos, 4.184 padres, 302 freiras, 2.363 monges). Foram destruídas por volta de 20.000 igrejas,
com perdas culturais incalculáveis pela destruição concomitante de retábulos, imagens e
arquivos. Uma selvageria muito superior a fictícia Guernica, e que jamais foi mencionada por
qualquer artista, muito menos Picasso.
Dali por seu turno passou a reavivar seu catolicismo latente, manifestou através de suas telas e
seus sonhos uma apreensão com a crise social que estava deformando o pais, transformando a
disputa politica numa luta de ódio crescente.
A tela ‘Espanha’ – 1938 (imagem a direita), foi pintada como a visão
da guerra por Dali. Nela o artista representa vários personagens,
visíveis sob perspectivas distintas. Trata-se de um simulacro de corpo
de mulher, aparentando uma grande quantidade de braços e pernas
esmagando-se mutuamente. Observa-se um grupo de soldados
combatendo e que formam a face da mulher. Pode ser interpretado
como o esfacelamento da nação espanhola, representado pela
mulher, cuja face esta sendo mutilada pela guerra, e que
permanecerá marcada, seja qual for o vitorioso.
Em 1939 Salvador Dalí foi expulso do movimento surrealista
por André Breton, por razões não esclarecidas. Entretanto o
fato coincidiu com a vitória dos rebeldes franquistas contra o
governo esquerdista na Espanha. E como a maioria dos
membros do movimento surrealista, tal como os modernistas
em modo geral, possuem inclinações esquerdistas, e tendo
Dalí declarado abertamente ser um defensor da restauração
da monarquia, acabou por ser associado ao fascismo.
Questão que o perseguiu por toda a vida, reforçado pelos fatos de que em 1940, quando se
mudou para os Estados Unidos, retomou a prática do catolicismo, que marcou profundamente
suas obras subsequentes, e em 1947 quando se mudou definitivamente para a Espanha, para
sua amada Catalunha, ainda sob governo de Franco, fatos não aceitos por colegas ateus e
marxistas.
Curiosamente quem bancou a viagem de Dali para os Estados Unidos foi Pablo Picasso.
Algumas semanas antes da entrada dos alemães em Paris, Picasso auxiliou Dali a se mudar
para a América, entretanto, ele próprio permaneceu na Paris ocupada.
4 Espanha – 1938 – Salvador
Dalí.
5 A última ceia – 1955. Salvador Dalí.
17
Dalí e a denuncia do desvirtuamento da Arte Moderna.
Em 1940, a despeito de sua exclusão do movimento surrealista, Dalí sugeriu a André Breton
uma nova abordagem para o surrealismo, aproximando-a de uma espécie de movimento
místico. Dalí acreditava que o homem poderia superar sua maldade inata através do estimulo
de seu aspecto angelical também inata a natureza humana. E o caminho para isso era através
da beleza do classicismo. Seu trabalho no pós guerra enfoca esse surrealismo visionário, onde
encontra o arquétipo da unidade, marcada pela simbologia universal. Onde a criação se opõe a
destruição. Ele chamou isso de Método místico critico paranoico. Conceito como memória cuja
decifração ainda esta longe de ocorrer, produziu ideias interessantes, como a memória
biológica que persiste geração após geração, e pode aflorar através de estímulos certos. Dessa
concepção deriva a ideia de que o nível subconsciente tende a operar através de um
automatismo psíquico puro. (Além do Homo Sapiens, Mariu). As ideias de Mariu levaram Dali a
buscar ir além de entender a psique, passou a aspirar a explorar a consciência individual onde
as interpretações falsas da realidade rompem o arquétipo, tornando-se uma sombra, no
vocabulário Junguiano. Dessa forma Dali força o reconhecimento de sombras do subconsciente
em suas pinturas. A imagem de um guerreiro heroico, bastante presente nas representações
do classicismo é um arquétipo sombra da necessidade universal de agir através de julgamentos
morais, enfrentando as contrariedades que nossos sentidos captam como ameaças.
Habitualmente a imagem simbólica universal para esse tipo de luta é o culto da guerra e da
destruição.
Dali prega que o artista deve, como um ser paranoico, permitir que as imagens de seu
subconsciente venham a tona. O trabalho dessa nova geração de surrealistas busca mostrar
que as imagens do subconsciente são símbolos. Isso implica que cada artista representa um
arquétipo simbólico diferente, embora se possa despir a representação individual e
reconhecer a universalidade presente.
Dali entende que a rejeição pregada pelos modernistas não
seria capaz de transformar a compreensão do subconsciente,
já que eles tendiam a depreciar o papel do intelecto na
compreensão da verdade. O modernismo seria uma farsa
para Dalí. E essa farsa era uma espécie de acordo entre uma
elite da qual gerava o que ele chamava de ‘criticos
ditirambicos’ que consiste em segmentos que promoviam a
arte moderna, através da mídia, galerias e escolas de arte,
moda, etc. A expressão apela para a ironia porque esses
segmentos agiam como críticos de arte, definindo o bom e o
mau gosto, sobretudo buscando renovar a própria arte,
porém, obviamente esses críticos tinham interesses
concretos e agiam como um coro dionísico, que no teatro
grego exaltavam em grande estardalhaço a figura de seu
deus, que no caso consiste na Arte Moderna.
Dali ressalta que a farsa da arte moderna consiste em 4 aspectos em que ele enganou os seus
próprios defensores, esses aspectos são:
Sonho causado pelo vôo de uma
abelha em volta de uma romã um
segundo antes de despertar.
Salvador Dali.
18
1 - a enganação da feiura - segundo Dalí a introdução da feiura na arte moderna começou com
Rimbaud1
que afirmou “A beleza sentou-se em meus joelhos e estou fatigado dela”. Foi o
estopim para que os negativistas e aqueles que odiavam o classicismo, os quais Dali chamava
de ‘ratos de esgoto’, encontrassem na feiura um atrativo, uma ‘beleza não-convencional’. Mas
não se limitava a estética, a feiura também se afirmava através de uma espécie de
imoralidade, tais como os apelos aos pecados e a atitudes consideradas como desprezíveis,
tais como a obscenidade, a tortura, a imundice, etc.
2 – a enganação pelo moderno – a própria ideia de moderno é falsa. A farsa ideia de atual,
contemporâneo que foi embutido no conceito é contraditório. “De fato, nada envelheceu mais
depressa e pior do que aquilo tudo que num momento eles qualificaram de ‘moderno’”.
3 - a enganação pela técnica – para Dalí o estilo moderno passou a trair a sua finalidade
original, passando de um ‘decorativismo psíquico’ para um ‘decorativismo antidecorativo’.
Enquanto o modern style prosperou com a Bauhaus, associando o estilo decorativo a uma
funcionalidade, ele rapidamente decaiu gerando uma forma nada funcional, como urbanismo
e arquitetura de Le Corbusier, que Dalí acertadamente definiu como “inventor da arquitetura
da autopunição” por suas habitações desconfortáveis, além de severamente dispendiosas. E
em cuja estrutura, notavelmente não é capaz de se sustentar corretamente, devido a busca
pelo assimetrismo e linhas curvas. Causa obvia da pouca durabilidade e falhas estruturais de
construções modern style, que o diga as obras de Niemayer.
Na escultura o moderno significa nada mais do que histeria erótica, o bizarro com total falta de
significados. A modernidade, na arquitetura e escultura tiveram o ultimo gênio com Gaudí e
após ele ninguém produziu nada além de grotesca, bizarra e sádica arquitetura. Com Gaudí
houve a excelência, após Gaudí só surgem excrescência.
“Gaudí construiu uma casa segundo as formas do mar, ‘representando as ondas num dia de
tempestade’. (...) Trata-se de construções reais, verdadeira escultura dos reflexos das nuvens
crepusculares na agua, possibilitada pelo recurso a um imenso e insensato mosaico
multicolorido e rutilante. (...) Trata-se aqui, portanto, de fazer uma construção habitável, com
os reflexos das nuvens crepusculares nas águas de um lago, a obra devendo comportar, além
disso, o máximo de rigor naturalista. Proclamo que isso é um progresso gigantesco”. (Libelo
contra a arte moderna, p. 59-60)
1
Arthur Rimbaud, 1854-1891, poeta francês. Conhecido por uma fama de libertino e uma alma
inquieta. Sua obra principal é ‘Uma temporada no inferno’.
Nu couché. Picasso.La Mujer desnuda. Goya.
19
Dalí identifica na excessiva sexualização a ruína da arte moderna. O sensualismo sutil de Gaudí
e a sensualidade burguesa de Ingress deu lugar ao erótico obsceno de Matisse e a erotização
repulsiva em Picasso. “O desejo erótico é a ruina da estética intelectualista”, assim fulmina
Dalí, ao identificar que os exageros do abstracionismo moderno converteu o pictórico, que já
existia em Rafael, Giuseppe Arcimboldo, Goya e tantos outros, para um “automatismo
ornamental” e “uma arte pseudodecorativa” que condicionou o mau em bom gosto através do
academismo abstrato do modern style.
“Nossos modernos, cujos cabelos se eriçam de horror à ideia de uma matéria que não fosse
asséptica e pré-fabricada, não tiveram que esperar o fim de sua vida para ver a apoteose do
folclore mais ingênuo, a ressurreição de todos os plágios, de todos os
arqueilogismos de todos os tempos, com a única condição de que
sejam enlameados e malfeitos. Cada quadro, cada cerâmica, ca
tapete moderno que se respeita deve parecer sair de uma escavação
e simular os acidentes da pátina e da decrepitude truculenta. (...)
Partidários do ultranovo, esnobados pelos novos-ricos do
pseudovelho-velho, os críticos ditirâmbicos foram ludibriados pela
técnica; com o Impressionismo, a decadência da arte pictórica
tornou-se ... impressionante.” (Libelo contra a arte moderna, p. 65-
69). Dalí expõe de forma crua a inabilidade dos artistas modernos,
afirmando que eles só produzem o bizarro e o abstrato por serem
incapazes tecnicamente de reproduzir o belo e a semelhança. Os
adeptos modernos de Cézane apenas reproduzem a inabilidade do mestre, e sobretudo sua
intolerância com tudo o que for perfeito, simétrico, belo e harmônico. Não restando a eles
senão impor ditatorialmente suas deficiências, imperícias e inabilidades catastróficas, como
mero ‘estilo’. Dalí afirma fulminantemente que “diante dessa derrocada total dos meios de
expressão, acreditou-se ter dado um passo adiante rumo á liberação da técnica pictórica. Cada
fracasso foi batizado de economia, intensidade, plasticidade – e, quando pronunciam esta
horrível palavra ‘plasticidade’, é que os vermes estão aí!”. (Idem, p. 71).
4 – a enganação pelo abstrato – O cubismo inaugurou o conceito de arte abstrata, o que Dali
identifica como uma conscientização da descontinuidade da matéria. Sendo louvável, por um
lado a busca da compreensão e representação das reais formas arranjadas em aparente
anarquia no nível subatômico. Entretanto as obras de inspiração abstrata não tem sentido
algum, ou mensagem alguma. São apenas produtos de consumo e nada mais. E os próprios
críticos assim o desejam, Dali informa que Picasso lhe dissera que seus compradores jamais lhe
perguntaram o que seus quadros representavam. “Todos os valores concretos da pintura
moderna serão sempre traduzíveis, no plano material, nesta coisa que eu pessoalmente
sempre amei: o dinheiro! Em troca, que se tranquilizem os críticos puros que sempre
desprezaram o dinheiro e tiveram medo de sujar-se tocando-o: os valores abstratos que eles
defendem na pintura moderna se converterão inelutavelmente em dinheiro inteiramente
limpo, totalmente inofensivo e imaterial. Será o dinheiro puramente abstrato.” (Idem, p. 85.)
6 A Mulher com chapéu
peixe - Pablo Picasso.
20
Considerações finais.
A beleza não reside na técnica ou na perfeição da representação, mas
no sentimento. Assim o neoclássico é uma farsa por copiar a técnica e
uma falsa beleza idealizada. Já o moderno é a farsa da farsa ao negar
contrariar a alegada beleza e técnica neoclássica.
Assim o moderno por ser a antítese de uma farsa, torna-se pior que a
farsa, a deturpação da arte, suprimindo o sentido do artístico.
A perfeição da reprodução não é arte, os que alegam que a fotografia
enterrou a arte clássica e por isso buscam ‘novas’’ técnicas de
representação, simplesmente desconhecem o sentido artístico do
classicismo, como bem ressalta Dalí.
O grotesco e o feio não são novas formas de representação do artístico, se opondo ao clássico.
O sentimento, percepção, moral, ideias e a própria ‘beleza harmônica’ faz parte de uma “ideia
geral”. Sua negação é realizada pela aparência, ignorando a essência do classicismo. Dalí
enfatiza a necessidade de preservação do ideal na reprodução artística, sem ele não resta nada
além de fraude e mediocridade. O ideal artístico possui para Dalí alguns significados: o apuro
técnico, ou seja o domínio dos conceitos e técnicas artísticas, e a capacidade de reproduzir
com perfeição, se assim o desejar; a criatividade associada a genialidade, que implica na
capacidade do artista de produzir uma inovação em suas produções; e harmonia estética
traduzida pela apuro do artista em respeitar os ditames da razão na sua criação; e sobretudo
possuir a capacidade de transmitir o sublime através de sua criação, mensagens reproduzidas
em formas, contornos, tintas, pedra.
A arte como vimos não é imune a ideologia, muito pelo contrario é totalmente dependente
dela. A arte como contemplação é uma arte ideologicamente burguesa, arte moderna,
‘asséptica pré-fabricada’, para ser produzida em escala e consumida, não significa nada, não
quer significar nada. A arte clássica, por assim dizer, é a arte com a finalidade de
representação, seja ele de um poder politico, religioso, ou simplesmente um pensamento, que
para Dali significa conceber uma cosmogonia apolínea, e especialmente para ele implicava a
utilização de seu método de produção artística - atividade irracional sistemática paranoica.
Este método resumia uma atividade paranoica espontânea e irracional, baseado na associação
interpretativa e crítica dos fenômenos delirantes – dionisíacos. O trabalho de Dalí foi uma
conjunção do instigante, a mística clássica, dos valores culturais e a influencia das descobertas
cientificas traduzidas numa nova perspectiva artística.
7 Toureiro alucinógeno
- 1967-70
21
A Questão da desproporcionalidade no sistema representativo-
eleitoral e seus efeitos na legitimidade política no Brasil.
O sistema de representação proporcional no
Brasil apresenta um grave desequilíbrio. A maioria dos
distritos eleitorais possui uma forte distorção entre seus
respectivos eleitorados e vagas parlamentares.
Como o Brasil é um Estado Federal, cada
unidade federada converte-se em distrito eleitoral, cada
qual se fazendo representar por um número fixo de três
senadores e um número de deputados relativos à sua população.
Naturalmente deve haver uma desigualdade de representação parlamentar
(deputados) entre os estados, devido a diferença de população. Dado que uns estados
são mais populosos e outros o são menos. No entanto essa regra não é seguida, porque
as leis eleitorais brasileiras alteram essa composição equilibrada, fazendo ressalvas ao
estabelecer números mínimos e máximos de representantes por estado. Essa medida
corrompe o caráter de representação para vários estados. De modo que o maior distrito
eleitoral – São Paulo, tem apenas 60% dos representantes cabíveis, enquanto o menor
distrito - Roraima, tem 975% de representação a que teria direito.
Outra peculiaridade da legislação eleitoral brasileira é tomar como base a
população para avaliar a magnitude do distrito, isso provoca três problemas:
1- o primeiro é que o uso da população e não dos eleitores gera uma distorção
muito grave, porque o cadastro do eleitorado é automático, baseando-se nos
dados dos tribunais eleitorais, enquanto que a população é fundada numa
analise parcial, onde até recém nascidos entram na contabilização, ao passo
que falecidos muitas vezes não o são, além do fato de que migrantes
continuam nos dados demográficos, e consequentemente eleitorais, mesmo
não residindo em seu estado de origem a décadas. Existe eleitorados
„fantasmas‟ em virtude deste critério absurdo adotado no Brasil;
2- o segundo fator é que a contagem da população é feita a cada dez anos, e só
isso já deixaria um lapso, em que variações da população não seriam
consideradas para as eleições dentro desse período. Mas a dificuldade, talvez
intencional, dos cartórios em comunicarem o falecimento de habitantes,
22
inclusive de recém-nascidos, que foram contabilizados eleitoralmente, e assim
o é por décadas, inflando artificialmente o eleitorado de certos estados;
3- o terceiro e mais evidente problema é a não revisão da magnitude eleitoral para
os distritos; essa não equivalência do percentual de população e o percentual
do eleitorado dos distritos, resulta em uma defasagem eleitoral gravíssima,
pois há duas medidas diferentes: 1- a magnitude distrital baseada na
população; 2 – o quociente eleitoral nos votos dos eleitores. Nessa situação,
dois distritos com idêntica população, terá igual número de cadeiras
parlamentares, mas um deles com maior número de eleitores do que o outro
resultará em quocientes eleitorais diferentes, dado o tamanho de eleitorados
diferentes para uma mesma magnitude. Isso resultará em pesos distintos para
os votos desses eleitores.
Essa situação causa um impacto nos partidos. Uma situação hipotética exemplifica
bem isso: no distrito „oeste‟ o partido A tem 40% dos votos, considerando que os
distritos têm a mesma magnitude, e o distrito „norte‟ apesar de ter a mesma população
tem um eleitorado maior. Isso significa que o partido A terá maior número de votos que
o partido B, no entanto devido a esse sistema, eles terão o mesmo número de
parlamentares, contrariando assim a justa representação do eleitorado.
Na Tabela 1, reuni alguns distritos pelo tamanho do eleitorado para visualizar bem
esse problema da magnitude distrital, resultando na desproporção da representação. O
distrito de São Paulo, o mais subrepresentado, apresenta uma redução de 39% de suas
cadeiras (significando 44 deputados a menos) diante de uma representação proporcional
perante o eleitorado, e para comparar com ele eu reuni vários distritos sobre-
representados até equivalerem em número de eleitores, esse é o „bloco sobre‟, reunindo
16 distritos eleitorais, onde o seu conjunto apresenta um acréscimo de 34% de cadeiras
(significando 39 deputados a mais) nas mesmas circunstancias. Em comparação direta
há uma distorção gravíssima entre os votos dos eleitores paulistas e os eleitores do
bloco sobrerepresentado. Apesar dos paulistas serem em maior número, possuem 83
deputados a menos, 219% de diferença. Ou seja, o voto no norte do Brasil vale 219% a
mais do que o voto do paulista. Sendo o conceito de um cidadão um voto um dos pilares
da democracia, como se pode explicar esta distorção brutal?
Se apenas considerando esses dois blocos podemos perceber que há uma
discrepância severa entre os votos majoritários e representativos. Se um partido tivesse
23
60% dos votos em ambos os pleitos, e por causa da desproporcionalidade existente na
representação no Brasil, o partido „vencedor‟ certamente não teria maioria no
congresso, ou seja, mesmo vencendo as eleições não ganharia a maioria parlamentar.
Porque as „cartas marcadas‟ da lei eleitoral brasileira impede a competição justa.
Tabela 1. Dados TSE de 2010.
eleitorado % Representantes
( A )
% Representação
proporcional (
B )
Diferença
A - B
Bloco
“Sobre”
30.187.108 153 114 + 39
São
Paulo
30.290.443 70 114 - 44
Total no
Brasil
135.804.084 100% 513 100% 513 n/a
Bloco “sobre-representado” – Estados da Região Norte e Centro-Oeste, Maranhão, Sergipe, Alagoas e Paraíba.
A = número de deputados federais efetivos.
B = número de deputados federais teórico, de acordo com uma proporcionalidade estrica em relação ao eleitorado.
* mantendo o número total de 513 deputados.
Efeitos sobre os partidos.
Essa alteração da magnitude de certos distritos, sobrerepresentando-os ou
subrepresentando-os, afeta o quociente eleitoral, causa um desequilíbrio entre os
partidos políticos. Como os partidos estão distribuídos de forma desigual pelas regiões
brasileiras, e no caso tratado, com o PMDB, PP e DEM com grande influencia sobre o
bloco sobre-representado (Distritos eleitorais nas regiões norte, nordeste e centro oeste).
Enquanto que o PSDB e o PT com grande influencia sobre o distrito subrepresentado,
são severamente prejudicados. Notamos também que o PV, é notavelmente prejudicado
em ambos as regiões devido às regras eleitorais, tendo uma bancada bem inferior ao seu
conjunto de votos e preferencia do eleitorado. Já o PP, possui um relativo equilíbrio
entre perdas e ganhos, mas perde inegavelmente em qualidade de seus representantes.
Essa corrosão da representação proporcional cria uma defasagem entre as
correntes de opinião presentes de forma diversa pelos distritos, e sua representação no
parlamento. Isso porque sendo as regiões desigualmente representadas, isso reflete nos
captadores de opinião e vontade pública que, deveriam ser os partidos políticos.
24
Dessa forma o bloco sobrerepresentado, que corresponde as regiões
subdesenvolvidas, refletem estruturas políticas tradicionais, fortemente influenciadas
por lideranças locais de caráter oligárquico, e a influencia destes partidos são ampliadas
no cenário nacional pelo concurso da desproporcionalidade, fazendo-os terem 45% mais
representantes do que o correto.
Do outro lado o distrito subrepresentado faz parte da região mais desenvolvida do
pais onde as forças políticas operam por bases sociais bastante diferenciadas, e
proporciona uma pluralidade de correntes de opiniões em geral de caráter progressista.
Tem pelo mesmo sistema, sua influencia sobre o cenário político nacional reduzido com
a subrepresentação de sua base geográfica. Desta forma surge um
superdimencionamento dos partidos grandes nos distritos menos populosos, rurais e
subdesenvolvidos, refletindo uma postura mais atrasada no parlamento. E surge um
subdimencionamento dos partidos grandes nos distritos mais populosos, urbanos e
desenvolvidos, que reflete uma postura menos progressista no parlamento. Logo, a
formação do Congresso Nacional não corresponde integralmente ás vontades e
disposições do eleitorado, constituindo um enfraquecimento da legitimidade do corpo
legislativo. Embora não chegue a comprometer a governabilidade, cobra um pesado
tributo para a funcionalidade do sistema, como a dificuldade de implementação de
reformas sociais, desejadas pela maioria do eleitorado.
Assim a desproporção de numero de votos e cadeiras entre estados repercute sobre
a força relativa dos partidos, dada a desigual distribuição deste no espaço geográfico,
favorecendo uns, prejudicando outros.
A Tabela 2 exemplifica a distorção secundaria da representação pela diferença
existente entre população e eleitorado. Quando a lei eleitoral brasileira estabelece que a
população e não o eleitorado são bases para magnitude eleitoral, ao contrario da maioria
dos países, gera um desnível claro na representação dos cidadãos como vemos a seguir:
Tabela 2 – Relação População x Eleitorado
Habitantes Eleitores Deputados Senadores
Bloco “São
Paulo”
40 milhões 33 milhões 70 3
Bloco “Sobre
representado”
60 milhões 33 milhões 153 42
25
O resultado é mais uma aberração brasileira. Isso porque é senso comum usar o
eleitor como referencia para a criação de distritos eleitorais e definir a quantidade de
vagas parlamentares. Afinal eleitor é o cidadão por excelência. Porém a legislação
brasileira usa referencias diferentes para avaliar o mesmo objeto. Usa-se população para
definir a magnitude eleitoral (vagas parlamentares) e eleitores para definir o quociente
eleitoral (a quantidade de votos para cada vaga parlamentar).
Se o quociente eleitoral é avaliado pelo numero de eleitores, para efeito de
distribuição de vagas aos partidos, a diferença do numero total de vagas é definido
absurdamente pelo numero de habitantes, provocando distorções tanto na distribuição
de cadeiras legislativas aos partidos, como provoca distorção na representação dos
cidadãos de cada estado.
O ideal clássico de „um cidadão, um voto‟, é claramente violado pela legislação
brasileira, e torna-se uma afronta aos cidadãos prejudicados e uma ofensa ao princípio
da isonomia politica.
Na tabela 2 vemos claramente que os cidadãos do bloco sobrerepresentado são
privilegiados com um maior numero de cadeiras legislativas, enquanto o bloco
subreprentado (o Estado de São Paulo) tem seus cidadãos lamentavelmente
prejudicados com uma menor distribuição de cadeiras. Apesar de votarem na mesma
eleição, as leis eleitorais brasileiras impõe pesos diferentes para o voto de seus cidadãos.
Entre a cidadania e o curral eleitoral.
A desculpa de que o número mínimo de oito deputados deve garantir
representação para o estado, para seu eleitorado. Mas isso não é correto. Dentro desses
estados uma força política obtém muito mais representação do que seus votos o
permitiriam, enquanto outra força política com menos votos ficaria excluída da
representação. Digamos dois partidos com 10% do eleitorado cada, ficam com 0% de
cadeiras, apesar de que a opinião que eles canalizam devesse corresponder a 20% dos
deputados do distrito, ou 1 ou 2 deputados num distrito com 8 cadeiras. Ou seja, o
estabelecimento de mínimos de representantes, não beneficia as pequenas populações
do Norte, centro-oeste e nordeste frente a federação, porque parte considerável de seu
eleitorado, o mais progressista, não obtém a justa representação, devido ao alto custo de
obtenção de cadeiras (12,5% do total de votos para 10 deles). Já que são forças políticas
em ascensão nesses estados eles tem seu crescimento obstruído. Logo a
sobrerepresentação favorece não o pequeno eleitorado das regiões subdesenvolvidas,
26
mas os grandes partidos tradicionais, ou melhor, as lideranças políticas locais, que
mantendo pequena maioria do eleitorado garantem sua eleição, e devido ao sistema
eleitoral conseguem transferir para si parte das cadeiras residuais, devido à exclusão dos
partidos pequenos que não atingiram o quociente eleitoral.
Por outro lado o estabelecimento de um número máximo de representantes para os
distritos, que reduz brutalmente a representatividade da opinião pública estabelecida em
São Paulo, faz com que o equivalente a 38% do eleitorado do distrito (8,86 milhões de
eleitores) sejam privados de participar dos destinos da federação. Dessa forma, em são
Paulo, estado líder da região mais desenvolvida do país, onde os partidos progressistas
estão fortemente estabelecidos, têm suas forças limitadas, já que o estabelecimento de
limite de representação elevou drasticamente o quociente eleitoral, reduzindo, desta
forma, o potencial político desses partidos no tocante à composição do Congresso
Nacional. Ou seja, reduz-se a influencia dos partidos progressistas na condução da
política nacional. Outra consequência da alocação defasada do quociente eleitoral é que
isso constitui, tal como no caso anterior, num obstáculo ao surgimento e ascensão de
novas forças políticas, neste caso de uma representação mais próximo das disposições e
opiniões do eleitorado.
Tabela 3 – Distrito eleitoral sub-representado – São Paulo
Numero de
deputados
(A)
Parlamentares em
relação à câmara
federal
Votação em
relação ao total de
votos nacionais
Representação
proporcional (
B )
Defasagem (A
- B)
PT 15 2,92 4,17 24,2 - 9,2
PSDB 13 2,53 4,10 21 - 8
PSB 7 1,37 2,07 10,7 - 3,7
PDT 3 0,58 0,87 4,6 - 1,6
PR 4 0,78 1,9 9,74 - 5,5
PMDB 1 0,19 0,45 2,33 - 1,3
PP 4 0,78 1,39 7,1 - 3,1
PV 5 0,97 1,7 8,7 - 3,7
PPS 3 0,59 0,71 3,7 - 0,7
DEM 6 1,7 1,49 7,64 - 1,64
A – número de parlamentares eleitos sob a regra da desproporção eleitoral brasileira.
B – número de parlamenteares em distritos eleitorais sob uma justa representação proporcional.de acordo com os votos
válidos em cada distrito.
Obs. Dados obtidos da eleição 2010/TSE.
27
Tabela 4 – Distrito eleitoral sobre-representado*
Numero de
deputados (A)
Parlamentares em
relação à câmara
federal
Votação em
relação ao total de
votos nacionais
Representação
proporcional ( B )
Defasagem (A - B)
PT 19 3,71 3,07 17,7 + 1,3
PSDB 18 3,51 2,51 12,9 + 5,1
PSB 7 1,37 0,88 4,5 + 2,5
PDT 7 1,37 1,20 6,2 + 0,8
PR 13 2,54 1,62 8,3 + 4,7
PMDB 34 6,63 4,42 22,7 + 11,3
PP 13 2,54 1,49 7,6 + 5,4
PV 2 0,39 0,42 2,1 - 0,1
PPS 3 0,59 0,4 2,1 + 0,9
DEM 14 2,73 1,49 7,7 + 6,3
A – número de parlamentares eleitos sob a regra da desproporção eleitoral brasileira.
B – número de parlamenteares em distritos eleitorais sob uma justa representação proporcional.
* – Estados da Região Norte e Centro-Oeste, Maranhão, Sergipe, Alagoa e Paraíba.
Obs. Dados obtidos da eleição 2010/TSE.
Tabela 5 – Desproporcionalidade na composição dos partidos no Congresso.
Número de cadeiras
„perdidas‟ com a sub-
representação em São
Paulo
A
Número de cadeiras
„ganhas‟ com a sobre-
representação no “bloco
sobre”
B
( A – B )
Alteração na composição
dos partidos *¹.
Em %
PT - 9,2 + 1,3 - 7,9 - 23,23
PSDB - 8 + 5,1 - 2,9 - 9,35
PSB - 3,7 + 2,5 - 1,2 - 8,57
PDT - 1,6 + 0,8 - 0,8 - 8
PR - 5,5 + 4,7 - 0,8 - 4,7
PMDB - 1,3 + 11,3 + 10 + 28,6
PP - 3,1 + 5,4 + 2,3 + 13,5
PV - 3,7 - 0,1 - 3,8 - 54,3
PPS - 0,7 + 0,9 + 0,2 + 3,33
DEM - 1,6 + 6,3 + 4,7 + 23,5
*¹ - Efeito distorsivo provocado nos distritos sobre e sub representados em relação a cada partido.
28
A tabela 4 com o „bloco sobre representado‟ mostra como os grandes partidos
fisiológicos são beneficiados, no caso o PMDB, PP. PR e DEM „ganhando‟ 28
deputados, mas também o PSDB e o PT „ganhando‟ 6 deputados, isso resulta da
influencia obtida com o controle da Presidência da Republica, onde tradicionalmente
parte dos votos do candidato favorito na eleição é canalizado para o pleito legislativo
afim de beneficiar seu próprio partido, com isso o PSDB e PT obtiveram visibilidade
em regiões „controladas‟ pelo PMDB, PP, PR e DEM, conseguindo dessa forma eleger
o primeiro representante e concorrer com sobras, já que em 10 desses distritos o
quociente eleitoral de 12,5%, tendia a excluir as legendas progressistas.
Na tabela 3 vê-se claramente o prejuízo da bancada de todos os partidos,
principalmente do PT e PSDB. A tabela 5 mostra o resultado dessa desproporção dos
dois blocos, na composição do parlamento para nítido benefício do PMDB, PP e DEM.
Como a composição da Presidência e do Congresso fica distorcida, uma coligação
progressista com a maioria dos votos, grande parte obtida no centro sul, teria minoria na
câmara, e com isso o projeto desejado pela maioria do eleitorado seria obstruído por
uma maioria „forjada‟ (bolchevique) de parlamentares que vetariam propostas
modernizantes, e condicionariam seu apoio a outras medidas e à verbas para projetos
particulares em seus nichos eleitorais ou a alocação de cargos na administração, isso
tornará a estabilidade governamental extremamente cara em termos políticos e sob o
aspecto de seu projeto de modernização em parte ineficaz.
O exemplo disto esta na observação das tabelas 3 e 4, onde se verifica que em
conjunto o PSDB, PT e PV, teriam 15,97 dos votos, e 14,03% das cadeiras, enquanto o
PMDB, PP, PR e DEM teriam juntos 14,79% dos votos e 17,89% das cadeiras. Isso
significa que uma aliança progressista apesar de ter a possibilidade de vencer o pleito
presidencial unido, não teria o mesmo resultado no legislativo, se obrigando a
estabelecer concessões para as agremiações ditas atrasadas, pondo em risco o próprio
projeto junto aos eleitores.
O PT em 2002, 2006 e 2010 seguiu o mesmo caminho usado pelo PSDB em 1994
e 1998 para consolidar-se como grande partido em número de parlamentares e não
apenas em número de votos. Ou seja, canalizou as intenções de voto no candidato à
presidência para o partido no campo legislativo, e dessa forma obteve um crescimento
significativo da legenda nas regiões sobrerepresentadas, onde tendia a ficar excluída
devido ao quociente eleitoral. Mas o crescimento petista obteve outro resultado: reduziu
ligeiramente a presença do PMDB, PP, PR e DEM nessas regiões, tal como o PSDB o
29
havia feito nos 2 pleitos anteriores. Somando a um pequeno crescimento compensatório
do PMDB, DEM, PP e PR na região centro-sul, a desproporcionalidade entre os grandes
partidos, causado pela desproporcionalidade entre os distritos, foi atenuada, mas não
eliminada, como fica claro na tabela 5.
Consequências politicas da desproporcionalidade da representação.
Se essa tendência persistir pode haver três consequências distintas:
A) mascarar de vez a „dimensão federativa da alocação desproporcional‟, com
todos os grandes partidos se acomodando com essa situação, compensando no nos
distritos sobre-representados o que perdem no distrito sub-representado;
B) o partido vencedor nas eleições majoritárias apesar de ter mais votos ele elege
muito menos congressistas do que seria justo, buscará compensar a
desproporcionalidade eleitoral, ou seja, se acomodará com a situação e se aliará a
partidos fisiológicos que possuem mais parlamentares do que votos;
C) os partidos „progressistas‟ promovem uma aliança com as bancadas
subrepresentadas dos partidos „tradicionais‟, que nessa nova situação não teriam tantos
motivos para apoiar a manutenção da desproporcionalidade, podendo hipoteticamente
aprovar uma medida para corrigir essa distorção de representação.
Na hipotética situação „A‟ a imposição de leis para limitar a criação de partidos,
elevar cociente eleitoral, dificultar o funcionamento e existência de partido pequenos,
irá aumenta a distorção da representatividade dos cidadãos, embora a percepção deste
problema gravíssimo seja mascarada pelo arcabouço legal. Tal situação facilitará a
imposição de governos autoritários e a instalação de um regime de exceção, tendo em
vista que as minorias não-representadas e parcelas significativas da população
prejudicadas com a sub-representação, não terão representantes suficientes para vetar
leis, projetos ou ações governamentais contrários aos seus valores e interesses.
A situação „B‟ reforçará o esquema de corrupção sistemático implementado pela
coalizão esquerdista capitaneada pelo PT, no processo judicial conhecido como
“Mensalão”. Porém se essa prática de corrupção se tornará tão corriqueiro que será
aceito institucionalmente, fazendo parte da cultura politica brasileira. E diante de tal
quadro, não será possível haver medidas legais para coibir tão repulsivas práticas.
30
A situação „C‟ vislumbra uma alteração da legislação eleitoral para um sistema
verdadeiramente representativo, estabelecendo um cociente nacional, com o mesmo
peso do voto para cada cidadão. Isso implicaria a alteração das bancadas para um
numero justo de deputados para cada estado. E talvez a criação de um senado
proporcional, como o existente na maioria dos países desenvolvidos. Alternativamente
poderia reunir alguns pequenos estados em macrorregiões, de modo a otimizar a gestão
administrativa e a organização politica, melhorando também a representatividade
parlamentar dentro deles.
Pela experiência observada na história de outras sociedades, a situação C é a única
opção satisfatória, enquanto as situações A e B, já em curso na prática politica
brasileira, se forem agravadas poderão resultar num acirramento do radicalismo politico,
devido a exclusão de enorme parcela da população do processo decisório.
31
A Revista Paulista de Cultura e Política é uma publicação da
Associação Liga Paulista pela Autonomia.
Editor: Roberto Tonin.
Os artigos são de responsabilidade de seus autores, embora a Revista
Paulista de Cultura e Política se reserve o direito de solicitar matérias
a partir de pautas estabelecidas pelo Conselho Editorial.
32
Revista Paulista de Cultura e Politica.
Coragem de expor os fatos
Compromisso com a participação e o debate.
Escreva, desafie, nós publicaremos.
Neste número participaram:
Roberto Tonin

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  • 1. 1 REVISTA PAULISTA DE CULTURA E POLÍTICA Nº 3 Março/2014 MARÇO DE 2014
  • 2. 2 REVISTA PAULISTA DE CULTURA E POLITICA Editorial ....................................................................................................................... 03 Moedas Sociais...............................................................................................................04 Roberto Tonin Arte Moderna e Ideologia – Parte I: Picasso e Dali.........................................................08 Roberto Tonin A Desproporcionalidade na representação política no Brasil ........................................20 Roberto Tonin
  • 3. 3 Editorial Neste ano de 2014 a temática da Autonomia volta a ter destaque nos meios de comunicações. Na Europa estão agendadas referendum na Escócia em 18 de setembro e Catalunha em 9 de novembro, além do referendum realizado na Criméia em 16 de março que garantiu a liberdade de seu povo, e da consulta também já realizada entre 16 e 21 de março no Veneto, que será base para um referendum em breve. Além destas regiões, a Valonia, Bretanha, Regiões Bascas, Galicia, Corsega reforçam seu ativismo contra sua submissão a Estados Nacionais obsoletos e incoerentes diante da Federação Européia em formação. Alguns questionam mesmo a necessidade de um Estado Continental, cada vez mais centralizado e normatizador que esta se tornando a União Europeia. Os povos temem a transformação da Europa com sua diversidade cultural e étnica, numa cópia dos Estados Unidos, com sua pasteurização cultural e crescente centralismo politico e administrativo, que gera uma polarização entre o extremo coletivismo e o extremo individualismo. Os povos europeus querem assegurar a existência da vida comunitária, sem coletivismos ou individualismos, e garantir a humanidade de suas relações, livres de artificialismos ideológicos que impregnam a politica americana, e que agora contaminam a politica europeia, mostrando a subjugação dos Estados Nacionais obsoletos da Europa as vontades de estrangeiros. Outras regiões do mundo também estão se mobilizando neste ano para obterem a tão almejada autonomia e liberdade para seus povos, a Nova Caledônia, Bougainville, Groelândia, Quebéc e Região Camba, são nossos outros estimulos para pensar e agir em prol das reais necessidades de nosso povo. Na presente edição vamos abordar a existência das chamadas moedas sociais, o dinheiro local usado pelas comunidades para dinamizar a economia regional. Uma estratégia muito acertada que possui ótimos precedentes em outros países. O dinheiro local estimula a cooperação, reforça a identidade e permite o surgimento do sentimento de poder local. Removendo as correntes da submissão e dependência imposta pelas praticas politicas corruptas dos governos e partidos centralistas. Na sequencia iremos tratar da relação da ideologia politica esquerdista com a chamada Arte Moderna. Neste artigo, o primeiro de uma série que irá analisar a lógica por trás da chamada Arte Moderna, irá focar no antagonismo entre Pablo Picasso e Salvador Dalí. O primeiro tornou-se o garoto propaganda da Arte Moderna e do movimento esquerdista internacional, valendo-se da fraude e oportunismo mesquinho. O segundo a despeito de sua superioridade técnica e empenho acadêmico, ou talvez
  • 4. 4 por causa dela como ressaltado pelo próprio Dalí, foi expulso de ambos os movimentos devido a sua independência individual e, sobretudo devido a sua defesa intransigente dos valores morais essenciais, O que valeu a Dalí o epíteto de fascista, imposto pela mídia esquerdista a todos os que os contrariam. Abordando os dois artistas mais significativos, semelhantes, contraditórios e que tomaram rumos completamente diferentes, esperamos buscar um pouco de esclarecimento tanto do uso da arte, como do uso da ideologia sobre as vidas e destinos das pessoas. O artigo final abordará uma questão bem técnica, e sumamente importante para nosso povo. A questão da desproporcionalidade no sistema eleitoral, que gera uma divergência gritante entre a quantidade de votos e o numero de políticos eleitos entre os estados do Brasil. Vamos abordar seus efeitos sobre os partidos políticos e fazer uma reflexão sobre a legitimidade das ações dos políticos eleitos sob a desproporcionalidade, contrariando as vontades majoritárias da população e eleitorado.
  • 5. 5 Moedas Sociais Roberto Tonin Existem no país 103 moedas alternativas ao real circulando livremente com a anuência do banco central. O propósito do dinheiro local é fortalecer a comunidade, evitando que as pessoas gastem seu dinheiro fora de sua região. Isso porque existe um circulo vicioso na pobreza, quando um grupo de pessoas obtém recursos por meio de trabalho fora de sua localidade, acaba gastando esse dinheiro no comércio e serviço também fora de sua localidade, seja por não haver tais ofertas em sua região ou por simples comodidade. Desta forma a moeda social tem como propósito romper esse obstáculo de forma dupla. Por um lado através de empréstimos de pequenas somas, se viabiliza a empreendedores locais a criação de comércio e serviços. Uma vez existindo a oferta, o dinheiro é estimulado a permanecer no local ao utilizar a moeda social como parte de pagamento de empregados na comunidade. Desta forma o dinheiro passa a circular na região proporcionando o estímulo necessário para novos empreendimentos. Geralmente as moedas sociais são associadas a bancos comunitários para permitir empréstimos de micro-crédito. Única alternativa para pessoas de baixa renda que não tinham possibilidades junto a bancos comerciais. Foi constatado que o uso de moedas sociais eleva a autoestima da população de locais carentes. Por se tratar de um dinheiro exclusivo da comunidade, e o seu uso implicar uma rede de solidariedade e confiança, a moeda social incrementa um valor cultural á comunidade. O interessante é que não há marco regulatório para as moedas sociais. Fato chocante num pais onde tudo, absolutamente tudo é regulamentado ou em vias de regulamentação. Existe atualmente apenas um procedimento administrativo do banco central para autorizar a emissão do dinheiro local, mediante o depósito em reais. E isso ainda é instável, já que até 2003 o Banco Central proibia a circulação de tais moedas paralelas ao real, e em 2011 o
  • 6. 6 Ministério Público, sempre ele, instaurou um processo exigindo explicações quanto a legalidade da moeda em circulação. A experiência possui o precedente na Suíça. O Wirtschaftsring-Genossenschaft, conhecido como Círculo Econômico Suíço, foi criado em 1934 e é a experiência mais bem sucedida de moeda local. Essa estratégia foi um dos responsáveis por proteger a Suíça da recessão europeia, e a moeda local convive com o franco suíço, superando 1 bilhão de Euros em circulação. Em São Paulo temos várias moedas sociais em circulação, criadas por associações e apoiadas por universidades locais. Vida é o dinheiro local no bairro de Jardim Gonzaga em São Carlos, embora possa circular em bairros vizinhos. A moeda foi criada pelo Banco Comunitário Nascente com o apoio da Igreja Católica que arrecadou o montante necessário para o lastro em quermesses, e o apoio técnico do núcleo de economia solidária da Universidade Federal de São Carlos. O Sampaio é o dinheiro local no bairro de Jardim Maria Sampaio na zona sul da capital paulista. Já na zona norte existe o Apuanã, em circulação nos arredores do bairro Jardim Filho da Terra. Também na zona sul há o ‘Moradia em Ação’ que circula no Jardim São Luís. Na zona oeste tem o ‘Vista Linda’ no Jardim Donária. Na zona leste existe o ‘Freire’ no bairro de Inácio Monteiro. Estas moedas são emitidas por bancos comunitários. apoiados pela Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da USP. Os bancos emprestam dinheiro para consumo sem taxas de juros, e para empreendimentos com juros irrisórios. As pequenas taxas servem apenas para sustentar as pequenas despesas de gerenciamento. Não há lucro, apenas solidariedade. Algo bem distinto dos bancos comerciais, que são 6 das 10 empresas que mais lucram no Brasil. A lógica da retenção do dinheiro recebido pelos moradores para ser utilizado na própria localidade pode gerar uma série de reflexões: a pobreza não é a ausência de dinheiro e sim a ausência de oportunidade; doações de bens e comida com o intuito de amenizar a miséria,
  • 7. 7 apenas a perpetua, pois não rompe o fator de estagnação produtiva, aqui podemos recordar a lição religiosa ‘não de o peixe, ensine a pescar’; ser capaz de controlar alguns aspectos de suas vidas, no caso a disponibilização de crédito circulante, aumenta a sensação de poder da comunidade, permitindo a redução da alienação e elevando o nível de solidariedade e autonomia comunitária; uma vez percebido que a permanência do dinheiro ganho na própria comunidade é altamente benéfica para o bem-estar e progresso desta, começa a questionar as transferências obrigatórias de dinheiro para o governo por meio de impostos, que não são reaplicados na comunidade, ou então voltam como um ‘favor’ de algum político. Haverá o momento em que o povo perceberá a armadilha fiscal em que é vítima?
  • 8. 8 Arte Moderna e Ideologia – Parte I: Picasso e Dali Roberto Tonin Dalí foi além da imaginação de sua época ao desconstruir imagens clássicas e remonta-la através do imaginário simbólico do subconsciente. Os modernistas, incluindo mais tarde Picasso, desconstruíram o imaginário tradicional, mas não deixaram nada no lugar, apenas o caos. Há notavelmente uma enorme distancia entre as obras modernista-surreais de Dalí e as obras modernista-abstratas de Picasso. O que levou os dois amigos, conterrâneos a desenvolverem um confronto de estilos? Contexto. O modernismo surge como um engajamento de artistas num combate iconoclasta contra uma civilização não tão civilizada. “O culto do feio”, tal como o escritor Emile Zola cunhou o movimento, era a reação dos artistas e escritores ao perceberem que a sociedade era feia, sobretudo quanto aos seus sentimentos. Eles procuraram ser apenas fieis a realidade, dizendo que é preferível uma verdade horrorosa a uma mentira bela. Psicanálise – A psicanálise tornou-se no inicio do século XX um movimento importante na busca da compreensão do como a mente é composta e o que motiva as ações do homem. O mundo da mente subconsciente começou a ser estudada pela mente consciente. Física – A teoria da relatividade e a teoria quântica, desenvolvidas também em princípios do século XX, levaram a uma mudança brusca da compreensão da natureza, sobretudo após a fissão atômica, quando a própria ciência perdeu o caráter aventureiro e meio que fantasioso. A bomba nuclear gerou um cisma do antes e o depois da ciência se comprometer com o poder. Guerra – A mortandade sem sentido provocada pela Primeira Guerra Mundial, deixando também milhões de mutilados e milhões com traumas psíquicos que os hospitais militares não conseguiam tratar. A “Chuva de Aço” destruiu também a ingenuidade romântica da civilização ocidental. A beleza do idealismo morreu asfixiada com gás mostarda numa trincheira pestilenta. Jovens intelectuais irritados com a destruição física e emocional causada pela guerra revisitaram a afirmação do filósofo Rousseau de que ‘a civilização, ciência e arte eram apenas um simulacro para ocultar a podridão das emoções humanas’. A Burguesia – industriais e empresários, alvos dos ataques modernistas, acabaram abraçando a nova arte, porque estavam em busca de sua própria cultura, uma vez que o classicismo era associado a nobreza. E a nobreza estava quase toda enterrada em Flandres e Verdun. Grande parcela da aristocracia europeia morreu na primeira guerra mundial. A burguesia, desprezada pela nobreza, surge como a elite sobrevivente e ansiosa para criar uma identidade própria.
  • 9. 9 A revolução modernista. A burguesia dirige seus olhares para obras modernistas, Van Gogh, Cézanne e Gauguin, havia se tornado percussores da revolução modernista, a burguesia percebe que a sociedade já produzia sua própria arte. Mas a burguesia não precisava do artista como um pintor profissional, uma vez que poderia usar a fotografia para sua crônica histórica, retratos e publicidade. Entretanto, eles perceberam que a arte poderia ser um bom negócio se fosse produzido em grande escala. A principio a arte acadêmica estava nas mãos da nobreza, que não receberam os percussores modernistas. Cézane (1839-1906), Van Gogh (1853-1890) e Gauguin (1848-1903) tinham muito pouca instrução formal. Eles não buscaram ‘aprender a pintar’ porque não desejam inibir a sua espontaneidade. Os artistas, rejeitados pelas escolas artísticas formais, alegaram que não queriam apreender o aspecto físico de seus modelos, mas seu caráter e emoção. Passaram a se engajar numa luta contra as impressões sensoriais. Cezanne decidiu que o conteúdo de sua arte estava no que seus olhos percebiam. Suas pinturas devias ser percepções da natureza, mas não fieis a ela. O artista deveria se voltar para a natureza, mas não para servi-la ou imita-la. Emile Zola, o escritor, apesar de apoiar o movimento artístico contra a nobreza recusou-se a escrever sobre a obra de Cezanne, pois ele sentia que ele ‘pintou mal’ só porque não poderia pintar melhor. Um aspecto que foi levantado décadas depois por Dali. Desde a Renascença, com o resgate da arte greco-romana, os artistas tinham aprendido que as formas naturais são basicamente geométricas. Tudo pode ser reduzido a circulo, triangulo, quadrado e retângulo. Cezanne disse que a forma geométrica tinha sua própria postura e deveria ser mantido pelo artista em sua pureza. O artista deve abandonar a posição de ilustradora da literatura, ganhando sua própria liberdade. Gauguin foi o primeiro artista a se isolar da civilização, buscando novas fontes para sua inspiração artística. Viajou para o Peru e Tahiti. Van Gogh buscou junto com Gauguin um rompimento com a pintura ilusionista, evitando o tridimensional. Eles buscavam apresentar uma vibração espiritual mais elevada com a cor, o que eles sentiam que seria impossível se o artista ficasse preocupado com a técnica. Van Gogh queria pintar com a simplicidade tal como o pensamento de uma criança. Para voltar á natureza deveria ver o mundo como uma criança, agir como criança, sentir como criança. É por isso que acreditava que a cor deveria ser aplicada da forma pura, com um senso de urgência na tela. A sensação de emoção só poderia ser alcançada sem exatidão. Voltar-se ao naturalismo deve ser feita através da forma espontânea e das cores variadas. Em 1905 foi realizada a primeira exposição fauvista em Paris. Na Alemanha a nova tendência foi chamada de expressionista, de acordo com este novo movimento a arte não era um pensamento, mas um fato. A pintura não podia se apegar a pensamentos ou cores. Maurice de Vlaminck (1876-1958), gabava-se de nunca ter pisado no Louvre, que ao invés preferia passar o tempo no Trocadero, local de exposição de arte Africana. Vlaminck como os fauvistas e expressionistas revoltavam-se contra a academia formal, acusando-os de defenderem
  • 10. 10 formas decadentes de arte, a serviço da nobreza aristocrática. Edward Munck (1863-1944) e Vassily Kandinsky (1866-1944) clamavam contra a civilização, afirmando que o que se precisa são bárbaros. Em 1907, após a morte de Cezanne, foi aberta uma galeria em Paris para promover o cubismo. Picasso e Braque são os grandes nomes da nova tendência. Que mais tarde influencio Dalí. Picasso afirmou que não tinha intenção de inventar o cubismo, ele surgiu como um fato pictórico. Intencional ou não, a velha academia não apenas cedeu a pressão do modernismo, como tornou-se ela própria a academia da anti-arte, com suas regras e estilos próprios. Em 1917 surge o Dada Magazine, editado por Tristan Tzara. A publicação visava dar continuidade ao movimento revolucionário contra a arte convencional. Sua arte subversiva buscava afirmar o inconsciente contra o chamado de lucidez da consciência. Buscando mostrar a estupidez a que a sociedade estava reduzida. No mesmo ano Marcel Duchamp envia suas ‘criações artisticas’ para uma exposição em Nova York, o famoso urinol invertido. Os dadaístas o consideraram o seu precursor artístico. Mais tarde uma dissidência do movimento dadaísta resultou no grupo surrealista, liderado pelo escritor André Breton (1896-1966), que definia o surrealismo como um ‘automatismo psíquico puro, pelo qual se propõe exprimir, tanto verbalmente, tanto pela escrita, tanto por qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento. Ditação do pensamento, na ausência de todo controle exercido pela razão, fora de toda preocupação estética ou moral’ (Manifesto Surrealista, André Breton). Picasso e Dali. Picasso chegara a Paris na virada do século, vindo da Andaluzia/Espanha. A cidade fervilhava com a revolução modernista, todas as regras da pintura, literatura, música e escultura estavam sendo quebradas. E Picasso não queria ficar alheio a este acontecimento. E, sobretudo sabia o que não queria em relação à arte, a velha pantomima dos poderosos. A arte moderna se considerava moderna porque repudiava as ‘grandes histórias’ pintadas para aristocratas e reis. O quadro ao lado representa este engajamento de Picasso, ‘Menino conduzindo um cavalo - 1906’. O menino nu, desprovido de quaisquer elementos heroicos, num ambiente vazio, sem qualquer história, assunto ou mensagem. Apenas o moderno surgindo do arcaico. Porém se a inspiração mostra-se inovadora, ele mantem a técnica acadêmica, com a ideia de profundidade, com a textura dos personagens, numa disposição sobre o cenário, que apesar de árido, ainda mantem a necessidade de um local discernível para o evento narrado. Uma vez desprezando a história e os atos gloriosos, Picasso buscou destruir a beleza, elemento essencial do ideal clássico da arte. O que na pintura é representado frequentemente através da sensualidade feminina. Os modernistas projetaram suas novas visões estéticas como Gauguim: 1 11'Reo Mã´ohi', 1897, Paul Gauguim.
  • 11. 11 Mas nada se compara ao ataque feroz de Picasso a estética clássica com o seu “Les Demoiseiles D’ Avignon, 1907”, nele fortemente influenciado pelo primitivismo, Picasso retrata cinco prostitutas de forma levemente cubista. A obra é qualificada como pré-cubista, mas esta presente em um modo insipiente. Aniquila tudo que antes era associado a mulher retratada pela pintura, beleza, sensualidade, graciosidade. Em sua obra, só há a brutalidade de um bordel. Nesta obra Picasso define a supressão da profundidade, e torna irrelevante a necessidade de cenário. É uma marca da adesão de Picasso ao abstrato. (figura a esquerda). Em seguida Picasso ataca a de vez a ideia de semelhança, constante da arte tradicional, nos quadros sempre implicou uma representação bi ou tri dimensional de personagens, objetos ou paisagens. Transmitindo ou não idéias ou valores, a representação sempre visou atingiu uma grau de semelhança. Mas Picasso queria demolir essa constante. E apresentou ‘Retrato de Ambroise Vollard – 1910’ (figura a direita), obra que marca a completa adesão de Picasso ao cubismo e a inspiração abstrata. Na obra não há formas, qualquer indicio de um personagem físico, apenas uma ideia de um personagem. O sentimento que é transmitido pela obra não é claro. Mas Picasso busca criar impacto com sua obra, não tem preocupação em agradar o seu público, e rapidamente torna-se um ícone da inovação dentro do movimento modernista. Nos anos 1920 Picasso foi convidado para integrar o movimento surrealista, mas ele não aderiu, entretanto participou de várias exposições surrealistas entre 1925 e 1936, com obras como ‘Minotauromaquia - 1935’ (figura a esquerda), obras marcadas com grande originalidade, envoltas em espaços opressivos e distorcidos de anatomias, que parecem remetidas a um mundo onírico e cheio de sugestões, ele flerta com o surrealismo mas mantem seu próprio estilo. Ele próprio declarou: “Eu estou interessado na semelhança mais profunda, mais real do que o real, que chega ao surreal”. Em 1926 o jovem Dali, recém-expulso da Escola de Belas Artes de São Fernando, se mudou para Paris, e foi imediatamente conhecer seu conterrâneo Pablo Picasso, a quem admirava desde a juventude. As obras pré-surrealistas de Dali possuíam uma influencia do cubismo de Picasso, vide figura ao lado a obra ‘Cabaret Scene’ - 1922. Entretanto rapidamente Dali se inseriu no movimento surrealista, na medida em que sua capacidade técnica crescia, fazendo crescer também sua repulsa pela abstração. Dali concebeu aquilo que definiu como método atividade paranoico- critico. Este método envolve entrar em um estado alterado de consciência, como sonhando ou meditando, e em seguida, uma vez 2 Cabaret Scene, 1922. Salvador Dalí.
  • 12. 12 fora do estado alterado, ser capaz de lembrar e reproduzir as imagens criadas pela mente subconsciente. Dali disse que todos os seres humanos envolvem nisso de alguma forma, tal como o processo que usamos ao olhar para nuvens e percebemos figuras e imagens nelas. Na obra ao lado, ‘Cesta de pão - 1926’, Dali demonstra um alto grau do domínio da técnica. E passa a se afastar do abstracionismo, preferindo buscar combinar o clássico ao moderno, e encontrou no surrealismo a forma de expressão ideal para suas concepções. Por meio de seu trabalho Dali percebeu o aspecto obscuro do subconsciente e aquilo que se designou como ‘misticismo atômico’. A ciência chegou a uma encruzilhada onde suas descobertas poderiam por destruir a humanidade no duplo sentido da expressão. Dalí passou a pintar sua obra de arte mística visionária após a segunda Guerra Mundial, para ele o caos provocado pela ciência moderna iria gerar um mundo ironicamente parecido com uma pintura de Jackson Pollock, ou seja, uma ‘indigestão que se tem, com sopa de peixe’. “A descoberta mais transcendente da nossa época é que a constituição da matéria feita pela física nuclear... a pintura moderna pode e deve prosseguir, mas apenas a partir de uma única ideia: a descontinuidade da matéria”. (Libelo contra a arte moderna, Salvador Dalí). Dalí concebeu seus relógios derretidos, ao mesmo tempo em que se referia aos críticos de arte moderna como ‘os críticos ditirâmbicos de arte moderna antiquada’ que odiavam o classicismo como um ‘arrogante rato de esgoto’. O desejo modernista de manter a percepção de criança dentro de si implicava uma mente aberta para a vida adulta. No entanto, a rejeição do ensino acadêmico era uma rejeição não apenas da técnica convencional, técnica necessária para pintar três dimensões em uma tela bidimensional, mas também uma rejeição da razão, razão marcada pela harmonia de formas e pensamentos. O modernismo se fundou na rejeição ao conservadorismo, á técnica e razão, e disso resultou no culto ao feio, no desejo egoísta de satisfação, no anseio pela destruição. Foi contra esta ameaça que Dalí se manifestou, e é a razão pela qual se posicionou contra Picasso e a anti-arte representada pelos modernistas. Dali fazendo uso da ironia afirma: “A fim de permanecer em sintonia com os críticos ditirâmbicos, pintores se dedicaram ao feio. Quanto mais ele se viu, ou mais modernos que fosse. Picasso, que tem medo de tudo, foi para o feio, porque ele estava com medo de Bourguereau” (Bourguereau foi um artista famoso que morreu em 1905 e de cujas pinturas eram consideradas o auge do conservadorismo). As pinturas de arte moderna eram tremendamente feias e Picasso explorava isso ao máximo, Dali proclamou que Picasso “depois de ter esfaqueado Bourguereau quase até a morte, deveria dar o puntilla e terminar a arte moderna de um só golpe sozinho, em um “Em pintura, sou um idealista. Na arte só vejo o belo, e para mim arte é o belo. Por que repreduzir o que a natureza tem de feio? Não vejo o porque disso ser necessario. Pintar exatamente o que vemos – não! – ou pelo menos não para aqueles que não sejam extremamente talentosos. O talento redime tudo e tudo desculpa. Hoje em dia os pintores vão longe demais, assim como vão os escritores e novelistas. Não se pode saber onde eles vão parar”. William-Adolphe Bouguereau. 3 Persistência da Memória – 1931. Salvador Dalí.
  • 13. 13 único dia produziu um feio mais repulsivo do que todos os outros em vários anos juntos”. (Libelo contra a Arte Moderna – Salvador Dalí) A guerra civil espanhola entre Dalí e Picasso. Após um período conturbado entre 1923 e 1931, o governo monárquico organizou eleições municipais em 12 de abril de 1931. A coalizão de esquerda venceu em 40 das 50 grandes cidades, embora não tenha obtido expressão na área rural, os esquerdistas passaram a apresentar o resultado eleitoral como uma espécie de Plebiscito anti-monarquia e promoveram um golpe. Forçando a família real ao exílio. Ao compor o governo majoritariamente, a recém criada ‘Republica’, adotou políticas radicais e contraditórias, devido a heterogeneidade da coalização de esquerda. Em 1933 uma das facções do partido comunista tentou um golpe de Estado para impor uma ditadura de estilo marxista-leninista. A oposição, de direita, também heterogênea (monarquistas, unitaristas, católicos, militaristas, fascistas, etc) se organizaram para fazer frente ao governo central. A Espanha atingiu o clímax do dualismo politico nas eleições de 1935, obtendo 4,645 milhões de votos contra 4,503 milhões de votos dos direitistas e 0,5 milhão dos liberais. Pelas regras eleitorais o vencedor – a coalização de esquerda com 45% dos votos, obteve 80% das cadeiras parlamentares, gerando enorme tensão. Grupos regionais buscavam a independência de suas regiões, anarquistas causavam ataques de vandalismo (só nos quatro meses que precederam a guerra civil, 159 igrejas foram incendiadas) e o Partido Comunista financiado pelo URSS visava obter o controle total do governo espanhol. A direita passou a receber apoio de Portugal e Itália, ambos fascistas. E nas colônias africanas, um forte movimento de oposição toma forma, com apoio do exército colonial. O choque era iminente. Picasso, a despeito de se autodeclarar apolítico, na verdade era membro ativo do Partido Comunista espanhol e francês. Em 1936 Picasso assumiu o cargo de Diretor do Museu do Prado, embora não tenha exercido a função. Picasso pintou a série tauromaquia (exemplares abaixo) representando o choque, a violência e fúria das touradas, que foi associada ao
  • 14. 14 ambiente socialmente turbulento da Espanha. Picasso associava a sociedade tradicional, católica e rural a uma ‘Espanha negra’, sombria, talvez representada pela figura do minotauro, ser obscuro. Enquanto a sociedade urbana, burguesa, era associava a vitalidade e progresso, talvez representada pela luz, em lamparinas ou velas, presentes em diversos quadros da série. Haveria um choque entre estas duas visões, como a que ocorre numa tourada. Não era mera disputa politica entre partidos, mas uma verdadeira guerra ideológica. O novo governo exigia a obediência a suas reformas, inclusive quanto a vida familiar e intima. Mudando a maneira de viver. Alegando que o ‘conservadorismo’ havia realizado isso no passado ao impor sua ‘visão de mundo’ a toda a sociedade. Cada lado via o outro como a perdição da Espanha, e exigia sua erradicação. Dali representou com maestria essa dualidade fratricida em que a sociedade espanhola esta vivenciando. Seu quadro ‘Construção Mole com Feijões Cozidos (Premonição da Guerra Civil)’ – 1936 (obra a direita), mostra a luta intransigente dos dois polos sob um frágil equilíbrio. Concluída e exposta meses antes do inicio da guerra, sua arte expressava sua aversão a luta que estava por vir. No quadro fica evidente que o desfecho violento é inevitável, e que o resultado, qualquer que seja, será prejudicial a ambos os contendores. Os dois seres em luta formam o contorno do mapa do pais, os feijões espalhados no chão representam o desperdício e a inconsequência da luta, reforçada pela representação ferocidade dos seres digladiando-se, rasgando-se e se destruindo-se. Mas a obra mais famosa retratando a guerra civil espanhola é sem dúvida Guernica – 1937, de Pablo Picasso. Exposta na exposição internacional de 1937 de Paris, com o fito de atrair apoio a causa do governo espanhol (coalização de partidos esquerdistas) contra os rebeldes fascistas de Franco. Guernica foi produzida com um propósito claro, criar comoção e mobilização. E de fato o mural se tornou o símbolo da guerra civil espanhola, e um alegado apelo contra a guerra. Também tornou-se um panfleto contra os fascismos. Mas antes de Guernica, Picasso produziu literalmente uma série de panfletos, intitulados ‘Sonho e Mentira de Franco’. (exemplos abaixo) Tais panfletos, como outros materiais produzidos por artistas convidados pelo governo espanhol, era ridicularizar os rebeldes liderados por pelo General Franco, associando-o ora a uma espécie de Dom Quixote de cômicas pretensões, ora a uma fera monstruosa e sanguinária, ora a um verme. Esse era o retrato desumanizador que o governo oficial espanhol produzia para seus adversários, antes rival politico, agora um inimigo numa guerra fratricida.
  • 15. 15 Picasso declarou durante a exposição: “Não, a pintura não é feita para decorar as habitações. É um instrumento de guerra ofensiva e defensiva contra o inimigo.” Entretanto a obra prima de Picasso, Guernica não possui nenhuma referencia concreta a um ataque aéreo, do qual se alega a origem da obra, nem mesmo a Guerra civil espanhola é evidenciada. Porem ele não é um quadro narrativo, mas simbólico. É pintado em branco, preto e muitos tons de cinza. Picasso começou a pintar sua obra em 18 de abril, sob encomenda para o pavilhão espanhol da feira mundial. Mas o dito bombardeio de Guernica foi alegadamente realizado em 26 de abril, sendo noticiado apenas no dia 28. De fato no inicio de 1937, Picasso recebeu uma comitiva do governo espanhol que lhe encomendou a produção de panfletos artísticos contra Franco e seus rebeldes, a serem distribuídos durante a feira mundial. E também se encomendou um mural de 11 por 4 metros com a mesma finalidade. Picasso aparentemente pensou em produzir uma versão de suas famosas Tauromarquias, dada a grande similaridade da obra Guernica com as séries Tauromarquias (veja a comparação abaixo). Para a realização da obra Picasso obteve a cessão de uma grande sala em Paris, na Rue des Grandes Augustins, nº 7, local utilizado por Balzac e no momento era a sede de um grupo politico esquerdista ‘Contra- Ataque’, do qual pertencia o surrealista Georges Bataille e Dora Maar, amante de Bataille e Picasso. Curiosamente Picasso recebeu do governo espanhol o equivalente a 15% da verba destinada a todo o pavilhão espanhol, e cuja nota de pagamento foi utilizada posteriormente pelo governo espanhol para reclamar a posse da obra, atualmente pertencente ao Museu Nacional Rainha Sofia em Madrid. Guernica, Tauromarquia e panfleto ‘sonho e mentira de franco’, contem semelhanças nítidas, vide acima. A expressão de desespero de pessoas, o touro feroz, cavalos se retorcendo de dor, a luz de vela/lâmpada se impondo contra a ‘Espanha negra’ associada ao conservadorismo da sociedade espanhola. Elementos que jogam a dúvida sobre a vinculação de Guernica ao episódio ocorrido na cidade Basca. Aliás, o próprio bombardeio é questionado por investigações históricas, que se supõe que tenha sido forjado, após uma explosão acidental ou intencional, do paiol de munição guardado na cidade. A divulgação do episódio seguiu a linha de muitos ‘fatos’ forjados pela máquina de propaganda do partido bolchevique da União Soviética, tal como os alegados massacres de São Petersburgo de 1917. Picasso como membro
  • 16. 16 do partido comunista talvez tenha aceitado a divulgação de sua obra como referencia ao fictício bombardeio para servir como peça de propaganda contra os rebeldes franquistas que odiava. Caso interessante e jamais exposto foi a perseguição anticatólica durante a Guerra Civil, que apenas continuou um padrão já existente: nos só quatro meses que precederam a guerra civil já 159 igrejas teriam sido incendiadas. Durante a Guerra, pela repressão republicana (governo esquerdista), segundo o historiador Hugh Thomas, foram mortos 6861 religiosos católicos (12 bispos, 4.184 padres, 302 freiras, 2.363 monges). Foram destruídas por volta de 20.000 igrejas, com perdas culturais incalculáveis pela destruição concomitante de retábulos, imagens e arquivos. Uma selvageria muito superior a fictícia Guernica, e que jamais foi mencionada por qualquer artista, muito menos Picasso. Dali por seu turno passou a reavivar seu catolicismo latente, manifestou através de suas telas e seus sonhos uma apreensão com a crise social que estava deformando o pais, transformando a disputa politica numa luta de ódio crescente. A tela ‘Espanha’ – 1938 (imagem a direita), foi pintada como a visão da guerra por Dali. Nela o artista representa vários personagens, visíveis sob perspectivas distintas. Trata-se de um simulacro de corpo de mulher, aparentando uma grande quantidade de braços e pernas esmagando-se mutuamente. Observa-se um grupo de soldados combatendo e que formam a face da mulher. Pode ser interpretado como o esfacelamento da nação espanhola, representado pela mulher, cuja face esta sendo mutilada pela guerra, e que permanecerá marcada, seja qual for o vitorioso. Em 1939 Salvador Dalí foi expulso do movimento surrealista por André Breton, por razões não esclarecidas. Entretanto o fato coincidiu com a vitória dos rebeldes franquistas contra o governo esquerdista na Espanha. E como a maioria dos membros do movimento surrealista, tal como os modernistas em modo geral, possuem inclinações esquerdistas, e tendo Dalí declarado abertamente ser um defensor da restauração da monarquia, acabou por ser associado ao fascismo. Questão que o perseguiu por toda a vida, reforçado pelos fatos de que em 1940, quando se mudou para os Estados Unidos, retomou a prática do catolicismo, que marcou profundamente suas obras subsequentes, e em 1947 quando se mudou definitivamente para a Espanha, para sua amada Catalunha, ainda sob governo de Franco, fatos não aceitos por colegas ateus e marxistas. Curiosamente quem bancou a viagem de Dali para os Estados Unidos foi Pablo Picasso. Algumas semanas antes da entrada dos alemães em Paris, Picasso auxiliou Dali a se mudar para a América, entretanto, ele próprio permaneceu na Paris ocupada. 4 Espanha – 1938 – Salvador Dalí. 5 A última ceia – 1955. Salvador Dalí.
  • 17. 17 Dalí e a denuncia do desvirtuamento da Arte Moderna. Em 1940, a despeito de sua exclusão do movimento surrealista, Dalí sugeriu a André Breton uma nova abordagem para o surrealismo, aproximando-a de uma espécie de movimento místico. Dalí acreditava que o homem poderia superar sua maldade inata através do estimulo de seu aspecto angelical também inata a natureza humana. E o caminho para isso era através da beleza do classicismo. Seu trabalho no pós guerra enfoca esse surrealismo visionário, onde encontra o arquétipo da unidade, marcada pela simbologia universal. Onde a criação se opõe a destruição. Ele chamou isso de Método místico critico paranoico. Conceito como memória cuja decifração ainda esta longe de ocorrer, produziu ideias interessantes, como a memória biológica que persiste geração após geração, e pode aflorar através de estímulos certos. Dessa concepção deriva a ideia de que o nível subconsciente tende a operar através de um automatismo psíquico puro. (Além do Homo Sapiens, Mariu). As ideias de Mariu levaram Dali a buscar ir além de entender a psique, passou a aspirar a explorar a consciência individual onde as interpretações falsas da realidade rompem o arquétipo, tornando-se uma sombra, no vocabulário Junguiano. Dessa forma Dali força o reconhecimento de sombras do subconsciente em suas pinturas. A imagem de um guerreiro heroico, bastante presente nas representações do classicismo é um arquétipo sombra da necessidade universal de agir através de julgamentos morais, enfrentando as contrariedades que nossos sentidos captam como ameaças. Habitualmente a imagem simbólica universal para esse tipo de luta é o culto da guerra e da destruição. Dali prega que o artista deve, como um ser paranoico, permitir que as imagens de seu subconsciente venham a tona. O trabalho dessa nova geração de surrealistas busca mostrar que as imagens do subconsciente são símbolos. Isso implica que cada artista representa um arquétipo simbólico diferente, embora se possa despir a representação individual e reconhecer a universalidade presente. Dali entende que a rejeição pregada pelos modernistas não seria capaz de transformar a compreensão do subconsciente, já que eles tendiam a depreciar o papel do intelecto na compreensão da verdade. O modernismo seria uma farsa para Dalí. E essa farsa era uma espécie de acordo entre uma elite da qual gerava o que ele chamava de ‘criticos ditirambicos’ que consiste em segmentos que promoviam a arte moderna, através da mídia, galerias e escolas de arte, moda, etc. A expressão apela para a ironia porque esses segmentos agiam como críticos de arte, definindo o bom e o mau gosto, sobretudo buscando renovar a própria arte, porém, obviamente esses críticos tinham interesses concretos e agiam como um coro dionísico, que no teatro grego exaltavam em grande estardalhaço a figura de seu deus, que no caso consiste na Arte Moderna. Dali ressalta que a farsa da arte moderna consiste em 4 aspectos em que ele enganou os seus próprios defensores, esses aspectos são: Sonho causado pelo vôo de uma abelha em volta de uma romã um segundo antes de despertar. Salvador Dali.
  • 18. 18 1 - a enganação da feiura - segundo Dalí a introdução da feiura na arte moderna começou com Rimbaud1 que afirmou “A beleza sentou-se em meus joelhos e estou fatigado dela”. Foi o estopim para que os negativistas e aqueles que odiavam o classicismo, os quais Dali chamava de ‘ratos de esgoto’, encontrassem na feiura um atrativo, uma ‘beleza não-convencional’. Mas não se limitava a estética, a feiura também se afirmava através de uma espécie de imoralidade, tais como os apelos aos pecados e a atitudes consideradas como desprezíveis, tais como a obscenidade, a tortura, a imundice, etc. 2 – a enganação pelo moderno – a própria ideia de moderno é falsa. A farsa ideia de atual, contemporâneo que foi embutido no conceito é contraditório. “De fato, nada envelheceu mais depressa e pior do que aquilo tudo que num momento eles qualificaram de ‘moderno’”. 3 - a enganação pela técnica – para Dalí o estilo moderno passou a trair a sua finalidade original, passando de um ‘decorativismo psíquico’ para um ‘decorativismo antidecorativo’. Enquanto o modern style prosperou com a Bauhaus, associando o estilo decorativo a uma funcionalidade, ele rapidamente decaiu gerando uma forma nada funcional, como urbanismo e arquitetura de Le Corbusier, que Dalí acertadamente definiu como “inventor da arquitetura da autopunição” por suas habitações desconfortáveis, além de severamente dispendiosas. E em cuja estrutura, notavelmente não é capaz de se sustentar corretamente, devido a busca pelo assimetrismo e linhas curvas. Causa obvia da pouca durabilidade e falhas estruturais de construções modern style, que o diga as obras de Niemayer. Na escultura o moderno significa nada mais do que histeria erótica, o bizarro com total falta de significados. A modernidade, na arquitetura e escultura tiveram o ultimo gênio com Gaudí e após ele ninguém produziu nada além de grotesca, bizarra e sádica arquitetura. Com Gaudí houve a excelência, após Gaudí só surgem excrescência. “Gaudí construiu uma casa segundo as formas do mar, ‘representando as ondas num dia de tempestade’. (...) Trata-se de construções reais, verdadeira escultura dos reflexos das nuvens crepusculares na agua, possibilitada pelo recurso a um imenso e insensato mosaico multicolorido e rutilante. (...) Trata-se aqui, portanto, de fazer uma construção habitável, com os reflexos das nuvens crepusculares nas águas de um lago, a obra devendo comportar, além disso, o máximo de rigor naturalista. Proclamo que isso é um progresso gigantesco”. (Libelo contra a arte moderna, p. 59-60) 1 Arthur Rimbaud, 1854-1891, poeta francês. Conhecido por uma fama de libertino e uma alma inquieta. Sua obra principal é ‘Uma temporada no inferno’. Nu couché. Picasso.La Mujer desnuda. Goya.
  • 19. 19 Dalí identifica na excessiva sexualização a ruína da arte moderna. O sensualismo sutil de Gaudí e a sensualidade burguesa de Ingress deu lugar ao erótico obsceno de Matisse e a erotização repulsiva em Picasso. “O desejo erótico é a ruina da estética intelectualista”, assim fulmina Dalí, ao identificar que os exageros do abstracionismo moderno converteu o pictórico, que já existia em Rafael, Giuseppe Arcimboldo, Goya e tantos outros, para um “automatismo ornamental” e “uma arte pseudodecorativa” que condicionou o mau em bom gosto através do academismo abstrato do modern style. “Nossos modernos, cujos cabelos se eriçam de horror à ideia de uma matéria que não fosse asséptica e pré-fabricada, não tiveram que esperar o fim de sua vida para ver a apoteose do folclore mais ingênuo, a ressurreição de todos os plágios, de todos os arqueilogismos de todos os tempos, com a única condição de que sejam enlameados e malfeitos. Cada quadro, cada cerâmica, ca tapete moderno que se respeita deve parecer sair de uma escavação e simular os acidentes da pátina e da decrepitude truculenta. (...) Partidários do ultranovo, esnobados pelos novos-ricos do pseudovelho-velho, os críticos ditirâmbicos foram ludibriados pela técnica; com o Impressionismo, a decadência da arte pictórica tornou-se ... impressionante.” (Libelo contra a arte moderna, p. 65- 69). Dalí expõe de forma crua a inabilidade dos artistas modernos, afirmando que eles só produzem o bizarro e o abstrato por serem incapazes tecnicamente de reproduzir o belo e a semelhança. Os adeptos modernos de Cézane apenas reproduzem a inabilidade do mestre, e sobretudo sua intolerância com tudo o que for perfeito, simétrico, belo e harmônico. Não restando a eles senão impor ditatorialmente suas deficiências, imperícias e inabilidades catastróficas, como mero ‘estilo’. Dalí afirma fulminantemente que “diante dessa derrocada total dos meios de expressão, acreditou-se ter dado um passo adiante rumo á liberação da técnica pictórica. Cada fracasso foi batizado de economia, intensidade, plasticidade – e, quando pronunciam esta horrível palavra ‘plasticidade’, é que os vermes estão aí!”. (Idem, p. 71). 4 – a enganação pelo abstrato – O cubismo inaugurou o conceito de arte abstrata, o que Dali identifica como uma conscientização da descontinuidade da matéria. Sendo louvável, por um lado a busca da compreensão e representação das reais formas arranjadas em aparente anarquia no nível subatômico. Entretanto as obras de inspiração abstrata não tem sentido algum, ou mensagem alguma. São apenas produtos de consumo e nada mais. E os próprios críticos assim o desejam, Dali informa que Picasso lhe dissera que seus compradores jamais lhe perguntaram o que seus quadros representavam. “Todos os valores concretos da pintura moderna serão sempre traduzíveis, no plano material, nesta coisa que eu pessoalmente sempre amei: o dinheiro! Em troca, que se tranquilizem os críticos puros que sempre desprezaram o dinheiro e tiveram medo de sujar-se tocando-o: os valores abstratos que eles defendem na pintura moderna se converterão inelutavelmente em dinheiro inteiramente limpo, totalmente inofensivo e imaterial. Será o dinheiro puramente abstrato.” (Idem, p. 85.) 6 A Mulher com chapéu peixe - Pablo Picasso.
  • 20. 20 Considerações finais. A beleza não reside na técnica ou na perfeição da representação, mas no sentimento. Assim o neoclássico é uma farsa por copiar a técnica e uma falsa beleza idealizada. Já o moderno é a farsa da farsa ao negar contrariar a alegada beleza e técnica neoclássica. Assim o moderno por ser a antítese de uma farsa, torna-se pior que a farsa, a deturpação da arte, suprimindo o sentido do artístico. A perfeição da reprodução não é arte, os que alegam que a fotografia enterrou a arte clássica e por isso buscam ‘novas’’ técnicas de representação, simplesmente desconhecem o sentido artístico do classicismo, como bem ressalta Dalí. O grotesco e o feio não são novas formas de representação do artístico, se opondo ao clássico. O sentimento, percepção, moral, ideias e a própria ‘beleza harmônica’ faz parte de uma “ideia geral”. Sua negação é realizada pela aparência, ignorando a essência do classicismo. Dalí enfatiza a necessidade de preservação do ideal na reprodução artística, sem ele não resta nada além de fraude e mediocridade. O ideal artístico possui para Dalí alguns significados: o apuro técnico, ou seja o domínio dos conceitos e técnicas artísticas, e a capacidade de reproduzir com perfeição, se assim o desejar; a criatividade associada a genialidade, que implica na capacidade do artista de produzir uma inovação em suas produções; e harmonia estética traduzida pela apuro do artista em respeitar os ditames da razão na sua criação; e sobretudo possuir a capacidade de transmitir o sublime através de sua criação, mensagens reproduzidas em formas, contornos, tintas, pedra. A arte como vimos não é imune a ideologia, muito pelo contrario é totalmente dependente dela. A arte como contemplação é uma arte ideologicamente burguesa, arte moderna, ‘asséptica pré-fabricada’, para ser produzida em escala e consumida, não significa nada, não quer significar nada. A arte clássica, por assim dizer, é a arte com a finalidade de representação, seja ele de um poder politico, religioso, ou simplesmente um pensamento, que para Dali significa conceber uma cosmogonia apolínea, e especialmente para ele implicava a utilização de seu método de produção artística - atividade irracional sistemática paranoica. Este método resumia uma atividade paranoica espontânea e irracional, baseado na associação interpretativa e crítica dos fenômenos delirantes – dionisíacos. O trabalho de Dalí foi uma conjunção do instigante, a mística clássica, dos valores culturais e a influencia das descobertas cientificas traduzidas numa nova perspectiva artística. 7 Toureiro alucinógeno - 1967-70
  • 21. 21 A Questão da desproporcionalidade no sistema representativo- eleitoral e seus efeitos na legitimidade política no Brasil. O sistema de representação proporcional no Brasil apresenta um grave desequilíbrio. A maioria dos distritos eleitorais possui uma forte distorção entre seus respectivos eleitorados e vagas parlamentares. Como o Brasil é um Estado Federal, cada unidade federada converte-se em distrito eleitoral, cada qual se fazendo representar por um número fixo de três senadores e um número de deputados relativos à sua população. Naturalmente deve haver uma desigualdade de representação parlamentar (deputados) entre os estados, devido a diferença de população. Dado que uns estados são mais populosos e outros o são menos. No entanto essa regra não é seguida, porque as leis eleitorais brasileiras alteram essa composição equilibrada, fazendo ressalvas ao estabelecer números mínimos e máximos de representantes por estado. Essa medida corrompe o caráter de representação para vários estados. De modo que o maior distrito eleitoral – São Paulo, tem apenas 60% dos representantes cabíveis, enquanto o menor distrito - Roraima, tem 975% de representação a que teria direito. Outra peculiaridade da legislação eleitoral brasileira é tomar como base a população para avaliar a magnitude do distrito, isso provoca três problemas: 1- o primeiro é que o uso da população e não dos eleitores gera uma distorção muito grave, porque o cadastro do eleitorado é automático, baseando-se nos dados dos tribunais eleitorais, enquanto que a população é fundada numa analise parcial, onde até recém nascidos entram na contabilização, ao passo que falecidos muitas vezes não o são, além do fato de que migrantes continuam nos dados demográficos, e consequentemente eleitorais, mesmo não residindo em seu estado de origem a décadas. Existe eleitorados „fantasmas‟ em virtude deste critério absurdo adotado no Brasil; 2- o segundo fator é que a contagem da população é feita a cada dez anos, e só isso já deixaria um lapso, em que variações da população não seriam consideradas para as eleições dentro desse período. Mas a dificuldade, talvez intencional, dos cartórios em comunicarem o falecimento de habitantes,
  • 22. 22 inclusive de recém-nascidos, que foram contabilizados eleitoralmente, e assim o é por décadas, inflando artificialmente o eleitorado de certos estados; 3- o terceiro e mais evidente problema é a não revisão da magnitude eleitoral para os distritos; essa não equivalência do percentual de população e o percentual do eleitorado dos distritos, resulta em uma defasagem eleitoral gravíssima, pois há duas medidas diferentes: 1- a magnitude distrital baseada na população; 2 – o quociente eleitoral nos votos dos eleitores. Nessa situação, dois distritos com idêntica população, terá igual número de cadeiras parlamentares, mas um deles com maior número de eleitores do que o outro resultará em quocientes eleitorais diferentes, dado o tamanho de eleitorados diferentes para uma mesma magnitude. Isso resultará em pesos distintos para os votos desses eleitores. Essa situação causa um impacto nos partidos. Uma situação hipotética exemplifica bem isso: no distrito „oeste‟ o partido A tem 40% dos votos, considerando que os distritos têm a mesma magnitude, e o distrito „norte‟ apesar de ter a mesma população tem um eleitorado maior. Isso significa que o partido A terá maior número de votos que o partido B, no entanto devido a esse sistema, eles terão o mesmo número de parlamentares, contrariando assim a justa representação do eleitorado. Na Tabela 1, reuni alguns distritos pelo tamanho do eleitorado para visualizar bem esse problema da magnitude distrital, resultando na desproporção da representação. O distrito de São Paulo, o mais subrepresentado, apresenta uma redução de 39% de suas cadeiras (significando 44 deputados a menos) diante de uma representação proporcional perante o eleitorado, e para comparar com ele eu reuni vários distritos sobre- representados até equivalerem em número de eleitores, esse é o „bloco sobre‟, reunindo 16 distritos eleitorais, onde o seu conjunto apresenta um acréscimo de 34% de cadeiras (significando 39 deputados a mais) nas mesmas circunstancias. Em comparação direta há uma distorção gravíssima entre os votos dos eleitores paulistas e os eleitores do bloco sobrerepresentado. Apesar dos paulistas serem em maior número, possuem 83 deputados a menos, 219% de diferença. Ou seja, o voto no norte do Brasil vale 219% a mais do que o voto do paulista. Sendo o conceito de um cidadão um voto um dos pilares da democracia, como se pode explicar esta distorção brutal? Se apenas considerando esses dois blocos podemos perceber que há uma discrepância severa entre os votos majoritários e representativos. Se um partido tivesse
  • 23. 23 60% dos votos em ambos os pleitos, e por causa da desproporcionalidade existente na representação no Brasil, o partido „vencedor‟ certamente não teria maioria no congresso, ou seja, mesmo vencendo as eleições não ganharia a maioria parlamentar. Porque as „cartas marcadas‟ da lei eleitoral brasileira impede a competição justa. Tabela 1. Dados TSE de 2010. eleitorado % Representantes ( A ) % Representação proporcional ( B ) Diferença A - B Bloco “Sobre” 30.187.108 153 114 + 39 São Paulo 30.290.443 70 114 - 44 Total no Brasil 135.804.084 100% 513 100% 513 n/a Bloco “sobre-representado” – Estados da Região Norte e Centro-Oeste, Maranhão, Sergipe, Alagoas e Paraíba. A = número de deputados federais efetivos. B = número de deputados federais teórico, de acordo com uma proporcionalidade estrica em relação ao eleitorado. * mantendo o número total de 513 deputados. Efeitos sobre os partidos. Essa alteração da magnitude de certos distritos, sobrerepresentando-os ou subrepresentando-os, afeta o quociente eleitoral, causa um desequilíbrio entre os partidos políticos. Como os partidos estão distribuídos de forma desigual pelas regiões brasileiras, e no caso tratado, com o PMDB, PP e DEM com grande influencia sobre o bloco sobre-representado (Distritos eleitorais nas regiões norte, nordeste e centro oeste). Enquanto que o PSDB e o PT com grande influencia sobre o distrito subrepresentado, são severamente prejudicados. Notamos também que o PV, é notavelmente prejudicado em ambos as regiões devido às regras eleitorais, tendo uma bancada bem inferior ao seu conjunto de votos e preferencia do eleitorado. Já o PP, possui um relativo equilíbrio entre perdas e ganhos, mas perde inegavelmente em qualidade de seus representantes. Essa corrosão da representação proporcional cria uma defasagem entre as correntes de opinião presentes de forma diversa pelos distritos, e sua representação no parlamento. Isso porque sendo as regiões desigualmente representadas, isso reflete nos captadores de opinião e vontade pública que, deveriam ser os partidos políticos.
  • 24. 24 Dessa forma o bloco sobrerepresentado, que corresponde as regiões subdesenvolvidas, refletem estruturas políticas tradicionais, fortemente influenciadas por lideranças locais de caráter oligárquico, e a influencia destes partidos são ampliadas no cenário nacional pelo concurso da desproporcionalidade, fazendo-os terem 45% mais representantes do que o correto. Do outro lado o distrito subrepresentado faz parte da região mais desenvolvida do pais onde as forças políticas operam por bases sociais bastante diferenciadas, e proporciona uma pluralidade de correntes de opiniões em geral de caráter progressista. Tem pelo mesmo sistema, sua influencia sobre o cenário político nacional reduzido com a subrepresentação de sua base geográfica. Desta forma surge um superdimencionamento dos partidos grandes nos distritos menos populosos, rurais e subdesenvolvidos, refletindo uma postura mais atrasada no parlamento. E surge um subdimencionamento dos partidos grandes nos distritos mais populosos, urbanos e desenvolvidos, que reflete uma postura menos progressista no parlamento. Logo, a formação do Congresso Nacional não corresponde integralmente ás vontades e disposições do eleitorado, constituindo um enfraquecimento da legitimidade do corpo legislativo. Embora não chegue a comprometer a governabilidade, cobra um pesado tributo para a funcionalidade do sistema, como a dificuldade de implementação de reformas sociais, desejadas pela maioria do eleitorado. Assim a desproporção de numero de votos e cadeiras entre estados repercute sobre a força relativa dos partidos, dada a desigual distribuição deste no espaço geográfico, favorecendo uns, prejudicando outros. A Tabela 2 exemplifica a distorção secundaria da representação pela diferença existente entre população e eleitorado. Quando a lei eleitoral brasileira estabelece que a população e não o eleitorado são bases para magnitude eleitoral, ao contrario da maioria dos países, gera um desnível claro na representação dos cidadãos como vemos a seguir: Tabela 2 – Relação População x Eleitorado Habitantes Eleitores Deputados Senadores Bloco “São Paulo” 40 milhões 33 milhões 70 3 Bloco “Sobre representado” 60 milhões 33 milhões 153 42
  • 25. 25 O resultado é mais uma aberração brasileira. Isso porque é senso comum usar o eleitor como referencia para a criação de distritos eleitorais e definir a quantidade de vagas parlamentares. Afinal eleitor é o cidadão por excelência. Porém a legislação brasileira usa referencias diferentes para avaliar o mesmo objeto. Usa-se população para definir a magnitude eleitoral (vagas parlamentares) e eleitores para definir o quociente eleitoral (a quantidade de votos para cada vaga parlamentar). Se o quociente eleitoral é avaliado pelo numero de eleitores, para efeito de distribuição de vagas aos partidos, a diferença do numero total de vagas é definido absurdamente pelo numero de habitantes, provocando distorções tanto na distribuição de cadeiras legislativas aos partidos, como provoca distorção na representação dos cidadãos de cada estado. O ideal clássico de „um cidadão, um voto‟, é claramente violado pela legislação brasileira, e torna-se uma afronta aos cidadãos prejudicados e uma ofensa ao princípio da isonomia politica. Na tabela 2 vemos claramente que os cidadãos do bloco sobrerepresentado são privilegiados com um maior numero de cadeiras legislativas, enquanto o bloco subreprentado (o Estado de São Paulo) tem seus cidadãos lamentavelmente prejudicados com uma menor distribuição de cadeiras. Apesar de votarem na mesma eleição, as leis eleitorais brasileiras impõe pesos diferentes para o voto de seus cidadãos. Entre a cidadania e o curral eleitoral. A desculpa de que o número mínimo de oito deputados deve garantir representação para o estado, para seu eleitorado. Mas isso não é correto. Dentro desses estados uma força política obtém muito mais representação do que seus votos o permitiriam, enquanto outra força política com menos votos ficaria excluída da representação. Digamos dois partidos com 10% do eleitorado cada, ficam com 0% de cadeiras, apesar de que a opinião que eles canalizam devesse corresponder a 20% dos deputados do distrito, ou 1 ou 2 deputados num distrito com 8 cadeiras. Ou seja, o estabelecimento de mínimos de representantes, não beneficia as pequenas populações do Norte, centro-oeste e nordeste frente a federação, porque parte considerável de seu eleitorado, o mais progressista, não obtém a justa representação, devido ao alto custo de obtenção de cadeiras (12,5% do total de votos para 10 deles). Já que são forças políticas em ascensão nesses estados eles tem seu crescimento obstruído. Logo a sobrerepresentação favorece não o pequeno eleitorado das regiões subdesenvolvidas,
  • 26. 26 mas os grandes partidos tradicionais, ou melhor, as lideranças políticas locais, que mantendo pequena maioria do eleitorado garantem sua eleição, e devido ao sistema eleitoral conseguem transferir para si parte das cadeiras residuais, devido à exclusão dos partidos pequenos que não atingiram o quociente eleitoral. Por outro lado o estabelecimento de um número máximo de representantes para os distritos, que reduz brutalmente a representatividade da opinião pública estabelecida em São Paulo, faz com que o equivalente a 38% do eleitorado do distrito (8,86 milhões de eleitores) sejam privados de participar dos destinos da federação. Dessa forma, em são Paulo, estado líder da região mais desenvolvida do país, onde os partidos progressistas estão fortemente estabelecidos, têm suas forças limitadas, já que o estabelecimento de limite de representação elevou drasticamente o quociente eleitoral, reduzindo, desta forma, o potencial político desses partidos no tocante à composição do Congresso Nacional. Ou seja, reduz-se a influencia dos partidos progressistas na condução da política nacional. Outra consequência da alocação defasada do quociente eleitoral é que isso constitui, tal como no caso anterior, num obstáculo ao surgimento e ascensão de novas forças políticas, neste caso de uma representação mais próximo das disposições e opiniões do eleitorado. Tabela 3 – Distrito eleitoral sub-representado – São Paulo Numero de deputados (A) Parlamentares em relação à câmara federal Votação em relação ao total de votos nacionais Representação proporcional ( B ) Defasagem (A - B) PT 15 2,92 4,17 24,2 - 9,2 PSDB 13 2,53 4,10 21 - 8 PSB 7 1,37 2,07 10,7 - 3,7 PDT 3 0,58 0,87 4,6 - 1,6 PR 4 0,78 1,9 9,74 - 5,5 PMDB 1 0,19 0,45 2,33 - 1,3 PP 4 0,78 1,39 7,1 - 3,1 PV 5 0,97 1,7 8,7 - 3,7 PPS 3 0,59 0,71 3,7 - 0,7 DEM 6 1,7 1,49 7,64 - 1,64 A – número de parlamentares eleitos sob a regra da desproporção eleitoral brasileira. B – número de parlamenteares em distritos eleitorais sob uma justa representação proporcional.de acordo com os votos válidos em cada distrito. Obs. Dados obtidos da eleição 2010/TSE.
  • 27. 27 Tabela 4 – Distrito eleitoral sobre-representado* Numero de deputados (A) Parlamentares em relação à câmara federal Votação em relação ao total de votos nacionais Representação proporcional ( B ) Defasagem (A - B) PT 19 3,71 3,07 17,7 + 1,3 PSDB 18 3,51 2,51 12,9 + 5,1 PSB 7 1,37 0,88 4,5 + 2,5 PDT 7 1,37 1,20 6,2 + 0,8 PR 13 2,54 1,62 8,3 + 4,7 PMDB 34 6,63 4,42 22,7 + 11,3 PP 13 2,54 1,49 7,6 + 5,4 PV 2 0,39 0,42 2,1 - 0,1 PPS 3 0,59 0,4 2,1 + 0,9 DEM 14 2,73 1,49 7,7 + 6,3 A – número de parlamentares eleitos sob a regra da desproporção eleitoral brasileira. B – número de parlamenteares em distritos eleitorais sob uma justa representação proporcional. * – Estados da Região Norte e Centro-Oeste, Maranhão, Sergipe, Alagoa e Paraíba. Obs. Dados obtidos da eleição 2010/TSE. Tabela 5 – Desproporcionalidade na composição dos partidos no Congresso. Número de cadeiras „perdidas‟ com a sub- representação em São Paulo A Número de cadeiras „ganhas‟ com a sobre- representação no “bloco sobre” B ( A – B ) Alteração na composição dos partidos *¹. Em % PT - 9,2 + 1,3 - 7,9 - 23,23 PSDB - 8 + 5,1 - 2,9 - 9,35 PSB - 3,7 + 2,5 - 1,2 - 8,57 PDT - 1,6 + 0,8 - 0,8 - 8 PR - 5,5 + 4,7 - 0,8 - 4,7 PMDB - 1,3 + 11,3 + 10 + 28,6 PP - 3,1 + 5,4 + 2,3 + 13,5 PV - 3,7 - 0,1 - 3,8 - 54,3 PPS - 0,7 + 0,9 + 0,2 + 3,33 DEM - 1,6 + 6,3 + 4,7 + 23,5 *¹ - Efeito distorsivo provocado nos distritos sobre e sub representados em relação a cada partido.
  • 28. 28 A tabela 4 com o „bloco sobre representado‟ mostra como os grandes partidos fisiológicos são beneficiados, no caso o PMDB, PP. PR e DEM „ganhando‟ 28 deputados, mas também o PSDB e o PT „ganhando‟ 6 deputados, isso resulta da influencia obtida com o controle da Presidência da Republica, onde tradicionalmente parte dos votos do candidato favorito na eleição é canalizado para o pleito legislativo afim de beneficiar seu próprio partido, com isso o PSDB e PT obtiveram visibilidade em regiões „controladas‟ pelo PMDB, PP, PR e DEM, conseguindo dessa forma eleger o primeiro representante e concorrer com sobras, já que em 10 desses distritos o quociente eleitoral de 12,5%, tendia a excluir as legendas progressistas. Na tabela 3 vê-se claramente o prejuízo da bancada de todos os partidos, principalmente do PT e PSDB. A tabela 5 mostra o resultado dessa desproporção dos dois blocos, na composição do parlamento para nítido benefício do PMDB, PP e DEM. Como a composição da Presidência e do Congresso fica distorcida, uma coligação progressista com a maioria dos votos, grande parte obtida no centro sul, teria minoria na câmara, e com isso o projeto desejado pela maioria do eleitorado seria obstruído por uma maioria „forjada‟ (bolchevique) de parlamentares que vetariam propostas modernizantes, e condicionariam seu apoio a outras medidas e à verbas para projetos particulares em seus nichos eleitorais ou a alocação de cargos na administração, isso tornará a estabilidade governamental extremamente cara em termos políticos e sob o aspecto de seu projeto de modernização em parte ineficaz. O exemplo disto esta na observação das tabelas 3 e 4, onde se verifica que em conjunto o PSDB, PT e PV, teriam 15,97 dos votos, e 14,03% das cadeiras, enquanto o PMDB, PP, PR e DEM teriam juntos 14,79% dos votos e 17,89% das cadeiras. Isso significa que uma aliança progressista apesar de ter a possibilidade de vencer o pleito presidencial unido, não teria o mesmo resultado no legislativo, se obrigando a estabelecer concessões para as agremiações ditas atrasadas, pondo em risco o próprio projeto junto aos eleitores. O PT em 2002, 2006 e 2010 seguiu o mesmo caminho usado pelo PSDB em 1994 e 1998 para consolidar-se como grande partido em número de parlamentares e não apenas em número de votos. Ou seja, canalizou as intenções de voto no candidato à presidência para o partido no campo legislativo, e dessa forma obteve um crescimento significativo da legenda nas regiões sobrerepresentadas, onde tendia a ficar excluída devido ao quociente eleitoral. Mas o crescimento petista obteve outro resultado: reduziu ligeiramente a presença do PMDB, PP, PR e DEM nessas regiões, tal como o PSDB o
  • 29. 29 havia feito nos 2 pleitos anteriores. Somando a um pequeno crescimento compensatório do PMDB, DEM, PP e PR na região centro-sul, a desproporcionalidade entre os grandes partidos, causado pela desproporcionalidade entre os distritos, foi atenuada, mas não eliminada, como fica claro na tabela 5. Consequências politicas da desproporcionalidade da representação. Se essa tendência persistir pode haver três consequências distintas: A) mascarar de vez a „dimensão federativa da alocação desproporcional‟, com todos os grandes partidos se acomodando com essa situação, compensando no nos distritos sobre-representados o que perdem no distrito sub-representado; B) o partido vencedor nas eleições majoritárias apesar de ter mais votos ele elege muito menos congressistas do que seria justo, buscará compensar a desproporcionalidade eleitoral, ou seja, se acomodará com a situação e se aliará a partidos fisiológicos que possuem mais parlamentares do que votos; C) os partidos „progressistas‟ promovem uma aliança com as bancadas subrepresentadas dos partidos „tradicionais‟, que nessa nova situação não teriam tantos motivos para apoiar a manutenção da desproporcionalidade, podendo hipoteticamente aprovar uma medida para corrigir essa distorção de representação. Na hipotética situação „A‟ a imposição de leis para limitar a criação de partidos, elevar cociente eleitoral, dificultar o funcionamento e existência de partido pequenos, irá aumenta a distorção da representatividade dos cidadãos, embora a percepção deste problema gravíssimo seja mascarada pelo arcabouço legal. Tal situação facilitará a imposição de governos autoritários e a instalação de um regime de exceção, tendo em vista que as minorias não-representadas e parcelas significativas da população prejudicadas com a sub-representação, não terão representantes suficientes para vetar leis, projetos ou ações governamentais contrários aos seus valores e interesses. A situação „B‟ reforçará o esquema de corrupção sistemático implementado pela coalizão esquerdista capitaneada pelo PT, no processo judicial conhecido como “Mensalão”. Porém se essa prática de corrupção se tornará tão corriqueiro que será aceito institucionalmente, fazendo parte da cultura politica brasileira. E diante de tal quadro, não será possível haver medidas legais para coibir tão repulsivas práticas.
  • 30. 30 A situação „C‟ vislumbra uma alteração da legislação eleitoral para um sistema verdadeiramente representativo, estabelecendo um cociente nacional, com o mesmo peso do voto para cada cidadão. Isso implicaria a alteração das bancadas para um numero justo de deputados para cada estado. E talvez a criação de um senado proporcional, como o existente na maioria dos países desenvolvidos. Alternativamente poderia reunir alguns pequenos estados em macrorregiões, de modo a otimizar a gestão administrativa e a organização politica, melhorando também a representatividade parlamentar dentro deles. Pela experiência observada na história de outras sociedades, a situação C é a única opção satisfatória, enquanto as situações A e B, já em curso na prática politica brasileira, se forem agravadas poderão resultar num acirramento do radicalismo politico, devido a exclusão de enorme parcela da população do processo decisório.
  • 31. 31 A Revista Paulista de Cultura e Política é uma publicação da Associação Liga Paulista pela Autonomia. Editor: Roberto Tonin. Os artigos são de responsabilidade de seus autores, embora a Revista Paulista de Cultura e Política se reserve o direito de solicitar matérias a partir de pautas estabelecidas pelo Conselho Editorial.
  • 32. 32 Revista Paulista de Cultura e Politica. Coragem de expor os fatos Compromisso com a participação e o debate. Escreva, desafie, nós publicaremos. Neste número participaram: Roberto Tonin